A teoria do valor e a fase silábica do processo de alfabetização: a sílaba como portadora de sentido Janina Antonioli1 RESUMO: O presente trabalho objetiva discutir a teoria do valor de Saussuresob a ótica do processo de alfabetização, com ênfase à hipótese silábica do referido processo. A teoria do valor pode auxiliar no entendimento de sentido que existe na sílaba, nessa fase específica do processo de alfabetização descrito por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. A atribuição de sentido na sílaba é o primeiro passo para a criança começar a representar a língua através de dados da própria língua e de seus julgamentos sobre sua língua; ao contrário de hipóteses anteriores do processo, em que a referência para a representação escrita era a relidade observável. O entendimento da importância da sílaba nessa fase contribui para que seja possível a adoção de intervenções pedagógicas apropriadas para o desenvolvimento da alfabetização da criança. Palavras-chave: alfabetização, fase silábica, teoria do valor. ABSTRACT: The present paper discusses Saussure’s value theory from the perspective of the literacy process, emphasizing the syllabic hypothesis of that process. The value theory can help understand the meaning given to the syllable in this particular phase of the literacy process, as described by Emilia Ferreiro and Ana Teberosky. The attribution of meaning to the syllable is child’s first step in beginning to represent the language through its own language data and its judgments about the language. This is contrary to the previous hypotheses of the process, in which the reference to the written representation was the observable reality. Understanding the importance of the syllable in this phase makes possible the adoption of appropriate teaching interventions for children’s literacy development. Keywords: literacy, syllabic hypothesis, value theory. Introdução As ideias de Saussure que foram apresentadas no Curso de Linguística Geral (CLG) fazem parte da fundação de uma nova forma de entender a língua e a linguagem. Essas ideias fundaram um novo pensamento e uma nova ciência, de modo que os estudos expressivos até a publicação do CLG – e sua divulgação – passaram a ser uma forma ultrapassada de entender os fenômenos linguísticos. As fundações conceituais e as reflexões postuladas por Saussure, no CLG, podem não ser o âmago do pensamento de Saussure por ele mesmo – dadas as imensas críticas vigentes2–, mas inegavelmente fazem 1 Janina Antonioli é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na especialidade Teorias Linguísticas do Léxico [email protected] 2 Por ser obra póstuma, baseada em anotações de alunos, o Curso de Linguística Geral é criticado por não apresentar, de fato, as ideias de Saussure. Não se nega, ao longo desse 19 parte da “certidão de nascimento” de uma nova forma de estudar linguística, que é proposta pelo Curso. As correntes de estudos linguísticos que surgiram após a publicação não foram indiferentes a Saussure; desde o estruturalismo até os dias atuais: o Curso serve tanto como um ponto de apoio, como uma referência a ser seguida ou a ser completamente negada e, também, como um contraponto às teorias linguísticas. Isso reforça a dimensão da importância que a obra inegavelmente tem para os estudos linguísticos. Apesar disso, em estudos paralelos, como estudos de alfabetização, o CLG parece não ser um ponto de reflexão, de modo que não se estabelece nem a existência de diferenças conceituais entre a langue de Saussure e a representação da língua. O que pode parecer óbvio, não é3, uma vez que a ideia saussureana delangue é um ponto de referência para que o aprendiz comece a ser capaz de representar graficamente sua língua. Nesse sentido, as fases de alfabetização descritas nos trabalhos de psicogênese da língua escrita – tendo como precursoras Emilia Ferreiro e Ana Teberosky – apontam como o desenvolvimento da escrita acontece nas crianças e indica os processos presentes ao longo da alfabetização. Quando Saussure é mencionado em trabalhos da área de alfabetização, geralmente apenas a noção de língua como sistema é aproveitada, de tal sorte que todos os demais conceitos do CLG não são retomados (BURGARELLI, 1998; PAIVA, 2007). Por outro lado, em Ferreiro (2002, p. 15) e em Ferreiro, Teberosky (1995, p. 140) as ideias de Saussure são mencionadas para tratar da construção pela criança do conceito de palavra ou para abordar a noção de significante e significado no processo de alfabetização. artigo, a dificuldade em atribuir a Saussure uma obra que ele nem mesmo desejou publicar. As críticas mais pungentes a esse respeito encontram-se em Bouquet (2000; p. 13-19) e Bouquet; Engler (2002, p. 11-17). Para os fins desse artigo, contudo, atribuir-se-á as ideias do CLG a Saussure por uma questão de referência, ou seja, por haver uma consolidada tradição em referenciar o mestre genebrino como autor de tal obra. 3 Se pensarmos na formação do alfabetizador, que no Brasil é reconhecidamente muito heterogênea, veremos que há mais problemas do que simplesmente a verificação da falta de noções saussurianas como conteúdo de formação. Para fins desse trabalho, não se postulará tal debate, ainda que haja uma premissa, aqui, de que a reflexão linguística deva compor as reflexões das formações dos alfabetizadores. Existe, tradicionalmente no Brasil, um hiato entre estudos sobre os processos de alfabetização e os estudos linguísticos (SOARES, 1989, p. 4952); não obstante, há que se reconhecer os esforços nos últimos anos para que se aproximem os estudos linguísticos e os estudos ligados à alfabetização (SENNA, 1995; SOARES, 2004; KLEIMAN, 2007). 20 Nas fases do processo de alfabetização – pré-silábica, silábica, silábicaalfabética e alfabética – existe uma progressão da criança na criação das formas de representação. A criança inicia o processo em um estágio onde a realidade está presente na sua escrita, ou seja, uma palavra que represente algo que a criança considere grande, será extensa e a criança opera a mesma lógica com palavras que “apontem” coisas no mundo que sejam pequenas, segundo o seu julgamento. O ápice do processo é quando o aprendiz consegue representar palavras e frases através de letras e a criança adquire consciência fonológica, ou a referência para a escrita passa a ser a própria língua, não mais a realidade; nesse sentido, as palavras e frases da criança são bem próximas à escrita padrão, e essa escrita próxima à escrita padrão é o que pode ser chamada de fase alfabética. Há uma fase intermediária no processo chamada fase silábica. Nessa fase a criança toma a sílaba como uma unidade e representa cada sílaba do que pretende escrever com uma letra. Para escrever uma palavra como “menino”, por exemplo, pode produzir “MNO” como representação. Esse processo foi descrito por Ferreiro (2002, p. 13-17) e é um conceito corrente nos documentos do Ministério da Educação que abordam a questão da alfabetização (WEISZ, 2001; BAPTISTA, MACIEL, MONTEIRO, 2009). O que parece haver, na fase silábica, é um status de valor na sílaba, já que a sílaba é a unidade que é tomada como referência no momento de representação. O presente trabalho tem por objetivo abordar a teoria do valor no processo de alfabetização, observando com cuidado a questão da sílaba na fase silábica do processo de alfabetização. Pensando especialmente na fase silábica, entende-se que a sílaba adquire valor para a representação escrita. De acordo com a teoria do valor do CLG, o que tem valor em uma língua, tem sentido; ou, ainda, o sentido é uma ideia que está intimamente ligada ao valor linguístico. A sílaba não pode ser considerada, nesses termos, uma unidade de valor, pois sozinha ela não tem sentido. A função da sílaba em outros momentos do processo de alfabetização – e, mais amplamente, em outros processos que envolvam a língua escrita – é eminentemente normativa, se considerada sua utilidade para a acentuação gráfica, além de ser notacional, sob o aspecto da translineação no texto. Ainda assim, parece existir um momento específico do processo de 21 alfabetização – a fase silábica propriamente dita – em que a sílaba adquire valor linguístico, tal como descrito no CLG. Sobre esse status de valor da sílaba na fase silábica da criança em processo de alfabetização discorreremos esse artigo. A Teoria do Valor de Saussure De acordo com o CLG, o valor de uma palavra é “a propriedade que tem de representar uma ideia” (2003, p. 132). Essa acepção de valor parece estar intimamente ligada à questão do sentido ou, ainda, às questões semânticas. A dúvida que se coloca, então, na própria obra é: “se é assim, em que difere o valor do que se chama significação?” (2003, p. 133). Apesar de o Curso defender que significação e valor não sejam a mesma coisa, aponta, contudo, que possa facilmente haver confusão nos dois conceitos. Dessa forma, o CLG, então, diz que o valor “constitui, se dúvida, um elemento da significação, e é difícilimo saber como esta se distingue dele, apesar de estar sob sua dependência. É necessário, contudo, esclarecer esta questão sob pena de reduzir a língua a uma simples nomenclatura. [...] Visto ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tãosomente da presença simultânea de outros (SAUSSURE, 2003, p. 133)” Ao longo do Curso, é notável o esforço metafórico de Saussure em comparar o valor linguístico ao valor de uma moeda – pois a moeda pode ser trocada por algo diferente, um pão, por exemplo – contribui para a organização teórica do valor, ainda que haja, de alguma maneira, noções escorregadias na própria teorização, que segue “uma palavra pode ser trocada por algo dessemelhante: uma ideia; além disso, pode ser comparada com algo da mesma natureza: uma outra palavra. Seu valor não estará então fixado, enquanto nos limitarmos a comprovar que pode ser “trocada” por este ou por aquele conceito, isto é, que tem esta ou aquela significação; falta ainda compará-la com os valores semelhantes, com as palavras que se lhe podem opor. (SAUSSURE, 2003, p. 134)” A dificuldade de teorização não se reduz apenas ao CLG. Um estudo que lide com o significado parece trazer consigo imprecisões próprias do tema. Ainda 22 assim, Saussure procurou – e o exerto acima é um bom exemplo disso – tratar o valor linguístico de uma forma muito didática e clara, sobretudo quando mostra ao linguista como deve proceder metodologicamente: “Seu valor não estará então fixado, enquanto nos limitarmos a comprovar que pode ser “trocada” por este ou por aquele conceito, [...] falta ainda compará-la com os valores semelhantes, com as palavras que se lhe podem opor” (SAUSSURE, 2003, p. 134). Nesse sentido, Normand (2004, p. 100) se vale do mesmo exemplo de moeda de troca apresentado no CLG para compreender a questão do valor linguístico, em que afirma que a língua é um sistema de valores 4.Normand (2004, p. 100) remete a outra metáfora do CLG para definir o valor: o jogo de xadrez. Assim, o valor de uma peça de xadrez depende de sua posição no tabuleiro, da mesma forma que cada um dos termos linguísticos deriva seu valor de sua oposição a todos os outros termos (SAUSSURE, 2003, p. 104-105).Normandse alinha ao pensamento de Saussure a medida que dimensiona o problema do valor, quando afirma que o linguista deve tomá-lo com toda a sua clareza e toda sua obscuridade– nesse sentido, lida com as próprias metáforas do mestre genebrino (2004, p. 100). Para a autora, é impossível que o linguista, então, analise um dado isoladamente, mas é importante avaliar o que está em jogo no dado observado, de modo que se considerem as relações que cada elemento mantém com outros elementos do sistema. Normand (2009, p. 74-75) chama atenção para as questões das atribuições do linguista. É notável a essa autora que o linguista observe seus dados sempre através das relações da língua, postulando que “o funcionamento (de uma ou outra língua) obedece ao mesmo princípio geral: só há relações” (2009, p. 75). Uma ideia que está ligada intrinsecamente ao valor, tanto no CLG, como nas questões promovidas por Normand, é a ideia de sentido. Apesar da dificuldade de separar os dois conceitos e da real noção de que tais conceitos não são sinônimos, é impossível não atrelar um ou outro. Normand afirma que o sentido é onipresente nos estudos de Saussure, porque “é por essa primeira 4 Para os fins desse artigo, traduziu-se “language as a system ofvalues” do texto original de Normand (2004, p. 100) para “a língua como um sistema de valores”, mais próximo das ideias do próprio CLG. 23 propriedade que são definidas as unidades linguísticas: elas só são reais quando significativas para os locutores” (2009, p. 157). A relação entre sentido e valor, para a autora, torna-se evidente pois, caso um signo linguístico esteja “isolado, fora das relações que o constituem como elemento de uma língua, perde sua realidade de signo, ou seja, não significa mais nada” (2009, p. 159). Ainda sobre a discussão do valor linguístico, Bouquet (2000, p. 255) amplia o conceito de valor atrelado ao sentido, de tal forma que seja preciso analisar o termo no paradigma e no sintagma. Essa reflexão é próxima às reflexões de Normand, mas inegavelmente contribuem para depurar melhor a ideia de valor linguístico desenvolvida por Saussure. O autor atenta para a ideia de valor in praesentia e valor in absentia e, com isso, dimensiona o tratamento semântico: “Complexa, essa teoria do valor o é na medida em que coordena dois fatos, eles mesmos complexos. O primeiro fato (que se pode denominar, num estenograma, o do valor in absentia) faz corresponder termo a termo a teoria do valor e a teoria do arbitrário. O segundo fato (que se pode etiquetar como o do valor in praesentia) associa, a esse valor proveniente do arbitrário da língua, um valor proveniente do fato sintagmático. É na combinação desses dois fatos que o linguista vê [...] a essência do fato semântico. (BOUQUET, 2000, p. 255) (grifo do autor)” O valor in absentia, nesse sentido, pode ser entendido como o valor correspondente ao eixo associativo, enquanto que o valor in praesentia pode ser ligado ao eixo sintagmático. De acordo, ainda, com Bouquet (2000, p. 258), para entender o valor in absentia é preciso atentar a três princípios que o constituem: “(1) O significante responde pelo seu significado; nessa medida, o significado é o valor desse significante; (2) o significado responde pelo seu significante: nessa medida, o significante é o valor desse significado; (3) significante e significado respondem simultaneamente um pelo outro: nessa medida, o significante e o significado são simultaneamente o valor um do outro. (BOUQUET, 2000, p. 258) (grifo do autor)” Entretanto, o valor in absentia é apenas uma parte do valor semântico, já que o significado numa frase, por exemplo, não é a somatória do significado de cada termo. Dessa forma, o todo do valor semântico – seja no termo, seja na frase, ou seja em qualquer unidade que se atribua status de signo – se dá no eixo associativo simultaneamente ao eixo sintagmático (BOUQUET, 2000, p. 268). 24 Ou seja, é o valor in praesentia associado ao valor in absentia que determina o significado do termo. O valor analisado no eixo associativo e no eixo sintagmático, apresentado por Bouquet em referência a Saussure, é o que Normand (2009, p. 75) sintetiza quando afirma que tudo o que há na língua são relações. O estágio silábico do processo de alfabetização A partir dos anos 1980, estudos de epistemologia da língua escrita, baseados nas ideias de Jean Piaget, redimensionaram trabalhos sobre o processo de alfabetização. A epistemologia da língua escrita foi proposta por Ferreiro, Teberosky (1995, p. 289-314) e apresenta o processo de aquisição da escrita por crianças. É importante salientar que atualmente os conceitos de Ferreiro, Teberosky continuam produtivos, de modo que as ideias gerais das autoras subjazem vários trabalhos acadêmicos (SENNA, 1995; SOARES, 2004; KLEIMAN, 2007) e documentos oficiais do Ministério da Educação (WEISZ, 2001; BAPTISTA, MACIEL, MONTEIRO, 2009). A proposta teórica da epistemologia da língua escrita entende que a criança aprende a ler e escrever a partir da reconstrução de imagens e representações do mundo, sobretudo através de desenhos, isto é, a própria representação pictória faz parte do processo de alfabetização. Aos poucos, a criança vai tomando contato com o sistema de representação escrita, e, a partir daí, começa a tentar reproduzir através de letras os sons da língua e não a representação pictória dos objetos que estão no seu entorno (FERREIRO, TEBEROSKY, 1995, p. 180-185), ou, em outras palavras, a criança reconstrói individualmente os períodos do desenvolvimento da escrita da Humanidade. Nesse sentido, Ferreiro (2002, p. 18) entende que “Las escrituras infantiles siguen una sorprendente regular línea de evolución, a través de diversos medios culturales, de diversas situaciones educativas y de diversas lenguas. Tres son los grandes períodos que pueden distinguirse, dentro de los cuales caben múltiples subdivisiones: distinción entre el modo de representación icónico y el no-icónico; la construcción de formas de diferenciación (control progresivo de las variaciones sobre los ejes cualitativo y cuantitativo); 25 la fonetización de la escritura (que se inicia con un período silábico y culmina en el período alfabético).” Esse processo é descrito através de fases do desenvolvimento infantil (FERREIRO, 2002, p. 13-26), que compreendem os seguintes níveis: a. Pré-silábica: não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada. A criança ainda não consegue estabelecer correspondência entre letra e som; as hipóteses das crianças são estabelecidas em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança, nesse nível, tenta diferenciar entre desenho e escrita; utilizar no mínimo duas ou três letras para escrever palavras; reproduzir os traços da escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas; e começar a perceber que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes. b. Silábica: interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada letra. A criança começa a compreender que as diferenças na representação escrita estão relacionadas com o som das palavras. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando ora apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das palavras. c. Silábico-alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas. A criança alterna o uso de famílias silábicas conhecidas com o uso de uma letra que represente uma sílaba (consoante-vogal) para formar as palavras que escreverá. d. Alfabética: domina, enfim, o valor das letras e sílabas. A criança, nessa fase, é capaz de entender que a sílaba não pode ser considerada uma unidade; que a sílaba pode ser separada em unidades menores; que a identificação do som não é garantia da identificação da letra e que a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras. A descrição do processo de alfabetização contribui massivamente para a intervenção pedagógica, pois a partir do entendimento de cada uma das fases podem se propor atividades que encaminhem o desenvolvimento da criança, 26 para que atinja a fase seguinte a qual se encontra. A validade de tal teoria reside justamente no aporte que disponibiliza aos professores e no entendimento de como se dá o todo e as partes do processo de alfabetização. A sílaba como portadora de sentido No estudo de Ferreiro, Teberosky (1995, p. 140) há uma discussão do status de palavra e, com isso, do status de significado. Uma palavra, para a criança em processo de alfabetização, é um termo com sentido e esse axioma será um critério para que se reconheça um termo e se separe esse termo de outro numa frase, por exemplo; por isso a especial importância da atribuição de sentido no período de alfabetização. Ou seja, a atribuição de sentido é uma referência para que a criança seja capaz de segmentar palavras, por exemplo. “Aunque la unidad “palabra” tenga un estatus intuitivo que parece claro al locutor, esa unidad resiste notablemente a un análisis lingüístico riguroso. F. de Saussure evitó considerar la palabra como unidad concreta de la lengua, por tratarse de un elemento complejo y equívoco […]. Si tomamos la definición “intuitiva” de palabra como la asociación de un sentido a un pattern sonoro específico, nos encontramos de inmediato con varias dificultades: por el lado del sentido, resulta claro que las distintas clases de palabras (sustantivos, verbos, artículos, preposiciones, etc.) vehiculizan sentidos muy diferentes. Por otra parte, unidades menores que las palabras contribuyen a transmitir diferentes sentidos (como la -s del plural). (FERREIRO; TEBEROSKY, 1995, p. 140)” A atribuição de sentido e, também, o valor linguístico de Saussure são conceitos tratados na obra de Ferreiro(2002, p. 15). A autora aponta uma progressão de importância na representação ao longo da alfabetização, que vai do significado para o significante. Nesse sentido, a autora postula que quanto mais icônica a representação, mais ligada ao significado ela será; ao passo que quanto mais ocorre o uso de letras, ocorrerá uma preocupação maior com a representação do significante. A autora, então, preconiza que: “A partir de los trabajos de Saussure estamos habituados a concebir el signo lingüístico como la unión indisoluble de un significante con un significado, pero no hemos apreciado suficientemente lo que esto supone para la construcción de la escritura en tanto sistema de representación. Es el carácter bifásico del signo lingüístico, la naturaleza compleja del mismo y de la relación de referencia lo que está en juego. […] Las escrituras de tipo alfabético (tanto como las escrituras silábicas) parecerían poder caracterizarse como sistemas 27 de representación cuya intención primera – o primordial – es representar las diferencias entre los significantes. En cambio, las escrituras de tipo ideográfico parecerían poder caracterizarse como sistemas de representación cuya intención primera – o primordial – es representar diferencias en los significados. Sin embargo, puede también afirmarse que ningún sistema de escritura ha logrado representar de manera equilibrada la naturaleza bifásica del signo lingüístico. (FERREIRO, 2002, p. 15-16).” No que tange as especificidades da fase silábica, parece, contudo que as autoras supracitadas não especificam a natureza da palavra e do sentido. A sílaba não é relacionada às questões de significado, provavelmente porque o desprovimento de significado na sílaba parece um consenso. Por outro lado, a teoria do valor – que perpassa vários capítulos do CLG – apresenta, no capítulo “As entidades concretas da língua” os princípios que norteiam tal conceito e, para esclarecer o que é entidade linguística, menciona-se o valor da sílaba: “a entidade linguística só existe pela associação do significante e significado (...). A todo o momento, corre-se o perigo de não discernir senão uma parte da entidade, crendo-se abarcá-la em sua totalidade; é o que ocorreria, por exemplo, se dividisse a cadeia falada em sílabas; a sílaba só tem valor em Fonologia. (SAUSSURE, 2003, p. 119) (grifo nosso)” Apesar de tal capítulo preceder o capítulo que trata especialmente da teoria do valor, já explica que o valor da sílaba está apenas no estudo da Fonologia. A sílaba, de fato, não pode ser considerada uma unidade de valor pois não tem sentido, que, como observado anteriormente, é condição necessária para que o valor de um termo exista. A exceção a esse consenso parece ser um período específico do processo de alfabetização, que é o período silábico. No período silábico, a criança tem como referência de unidade para representar na escrita a própria sílaba, de tal forma que “as letras que compõem a escrita possuem valores sonoros” (MONTEIRO, 2009, p. 55). A criança silábica tem a hipótese de que cada letra equivale a uma sílaba. A criança, nessa fase, busca encontrar as menores unidades sonoras para reproduzir graficamente o som e a unidade sonora que ela é capaz de identificar nesse período é a sílaba; é por isso que a sílaba é portadora de sentido na fase silábica, já que é a referência que a criança tem na escrita. 28 O período silábico não pode ser considerado uma tentativa de síntese feita pela criança, utilizando informações recebidas pelos usuários do sistema. É a própria criança que elabora a hipótese através da reflexão do que ela julga na língua ou, ainda, é “o resultado de uma intensa atividade cognitiva, fruto da tentativa da criança de se apropriar deste sistema de representação” (MONTEIRO, 2009, p. 51). Cabe salientar que o período silábico é o período onde a criança passa a utilizar o critério sonoro para representar a escrita, ou seja, a língua é o seu ponto de referência e a sílaba é a unidade portadora de sentido, que deve ser representada, na lógica do aprendiz. Apenas essa mudança de paradigma – a escrita deixa de representar a realidade observada pela criança e passa a representar a abstração dos sons5da língua – já é um grande avanço para o processo, pois chama atenção para a língua em si e não para a representação da realidade. Monteiro (2009, p. 52) contribui afirmando que “A hipótese silábica é extremamente importante por duas razões: permite a criança ter um critério geral para regular as variações na quantidade de letras que devem ser escritas e centra sua atenção sobre as variações sonoras entre as palavras. [...] Nesse momento da sua evolução, as crianças estão resolvendo o problema de quantas letras são necessárias para uma palavra dada. (MONTEIRO, 2009, p. 52)” Se a criança não atribuísse valor à sílaba nessa fase específica e não julgasse sua própria língua a ponto de estabelecer unidades portadoras de valor, não realizaria, por exemplo os escritos que seguem (a intenção era representar as palavras “galinha”, “menino” e “queijo”, respectivamente): 5 Para Saussure o som é uma faceta concreta na língua, pois é físico (SAUSSURE, 2003, p. 19). Porém, “abstração dos sons”, aqui, significa dizer apenas que a criança não produz mais sua escrita ligada a uma realidade concreta observável e palpável. 29 Nota-se, no período silábico, que a criança objetiva recuperar na escrita as relações que faz na língua. Retomando a máxima de Normand (2009, p. 75), em que autora afirma que tudo na língua são relações, é possível observar a própria criança, falante de sua língua, estabelecendo essas relações para poder ser capaz de efetivar sua escrita. O valor linguístico, dessa forma, é uma teoria que subjaz o processo, a medida que é a ideia de unidade portadora de sentido que servirá como apoio no desenvolvimento da hipótese silábica. A hipótese silábica é uma parte de um processo de desenvolvimento da escrita; dessa forma é essencial que a sílaba seja observada com cuidado pelo professor e as escritas que comumente são consideradas um erro, sejam vistas como uma realização a ser superada ao longo do processo, já que há lógica e valor na sílaba. A sílaba como portadora de sentido faz parte de um período curto do processo de alfabetização, mas é essencial notá-la com suas peculiaridades, inclusive para que sejam feitas intervenções realmente úteis para o desenvolvimento do processo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A teoria do valor de Saussure é rica para que seja possível dimensionar a questão do sentido dos termos. Dessa forma, avaliou-se a pertinência de tal teoria em questões ligadas ao processo de alfabetização. A fase silábica do processo de alfabetização descrito por Ferreiro, Teberosky (1995, p. 13-26) parece demonstrar que a sílaba – que consensualmente não tem valor linguístico ou, ainda, não tem sentido- tem status diferenciado nesse período específico do processo de alfabetização. Esse status dá a sílaba sentido e valor. Isso significa dizer que a sílaba passa a servir de parâmetro linguístico para a escrita da criança e, se é um parâmetro de valor, nesse caso, parece ser também, portador de sentido. Obviamente isso se dá durante um período específico do processo, de modo que a sílaba não terá mais valor linguístico para o alfabetizando a medida que a hipótese silábica for superada. 30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAPTISTA, Mônica Correia; MONTEIRO, Sara Mourão; MACIEL, Francisca Izabel Pereira (orgs.). A criança de seis anos, a linguagem escrita e o Ensino Fundamental de Nove Anos. Belo Horizonte: MEC / SEB / UFMG / FaE / CEALE, 2009. BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. 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