Boletim ActionAid Março 2009 ANO II • NÚMERO Em ação 5 © Mariana Leal/ActionAid/Brasil/PE Mulheres se tornam donas de sua própria vida Cileide Silva, 39 anos, 4 filhos, foi a primeira mulher a se beneficiar com a Lei Maria da Penha. Com a ajuda da equipe do Centro de Mulheres do Cabo, organização parceira da ActionAid em Pernambuco, ela conseguiu por fim a 20 anos de violência doméstica. “Eu tinha uma vida muito difícil, sofria um bocado na mão do marido, apanhava, passava necessidade, trabalhava só para ele. Era uma vida arrasada”, conta. Moradora da comunidade de Barbalho, em Cabo de Santo Agostinho, Cileide sentiu as transformações na sua própria vida a partir da criação da União de Mulheres, uma associação criada com o apoio da ActionAid para buscar soluções para os principais problemas do local, como o acesso à água. A mobilização feminina trouxe melhorias para o local após estabelecer diálogo com o poder público e criou laços de solidariedade entre os vizinhos, gerando um sentido de comunidade que antes não existia. Munidas de coragem e de uma estratégia para que o marido não percebesse, mãe e filha foram ao Centro das Mulheres do Cabo receber orientações sobre como denunciar. Na volta para casa, elas foram surpreendidas pelo homem furioso que depois de quebrar a casa toda, agredir Cileide e deixar a filha toda cortada com um espelho quebrado, foi trabalhar como se nada tivesse acontecido. Imediatamente, Cileide pediu socorro à equipe do Centro das Mulheres do Cabo. Veio a polícia, foram feitos os curativos e exames e ele foi preso em seu local de trabalho. Aquele era o primeiro dia de vigência da Lei Maria da Penha e foi o primeiro dia de liberdade na vida de Cileide. “Chegamos na delegacia e escutamos aquela mesma história: ‘Isso é briga de casal, amanhã estão juntos de novo’. Mas o pessoal do Centro das Mulheres do Cabo estava lá para nos apoiar e provaram que a lei já estava em vigor”, conta ela. Da violência para a denúncia Foi em uma visita à casa de uma das fundadoras da União de Mulheres, que a filha mais velha de Cileide soube que a Lei Maria da Penha poderia dar um basta às agressões e violações sofridas por sua mãe constantemente. A lei pune os agressores das mulheres em casos de violência doméstica e institui medidas de proteção e preventivas, como, por exemplo, afastar o agressor do lar. Fim da impunidade Lei contra a violência doméstica transformou a vida de Cileide. O agressor foi condenado a 4 meses de prisão e impedido pelo juiz de se aproximar de Cileide e seus filhos. Hoje ele está em liberdade e não ousa ameaçar mais a ex-mulher. “Depois do que aconteceu comigo, outras mulheres tiveram mais liberdade, pois os maridos passaram a ficar mais temerosos”, conta. www.actionaid.org.br Para aquelas que têm medo de denunciar porque são dependentes dos maridos, Cileide aconselha: “Você sobrevive e vive até melhor. Eles têm a mania de falar que você não sabe viver sozinha, que vai passar fome, que ninguém vai lhe querer por causa dos filhos. Mas não bote isso na cabeça. De que adianta ter um bom prato de comida, se vai estar tão angustiada que não vai conseguir comer? Um bom vestido no guarda roupa, se não vai poder usar na rua porque vai estar com o olho roxo, com a boca cortada? Então, tome uma iniciativa, faça isso você mesma. Ainda mais agora, que a mulher tem chance e oportunidade, que a mulher é gente”. Há 25 anos, o Centro das Mulheres do Cabo é uma referência no trabalho com o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, como Cileide. “Nossa atuação tem sido tanto no acolhimento e orientação psicossocial e jurídica das vítimas quanto no fortalecimento das capacidades das mulheres de encontrarem alternativas para suas vidas. Os grupos de auto-ajuda são importantes nesse sentido”, afirma Nivete Azevedo, do Centro das Mulheres do Cabo. Com a criação da Lei, a organização está focada em pressionar o poder público para ampliar os serviços públicos como as delegacias especializadas e os centros de referência. “A violência é uma barreira psicológica e moral para as mulheres que as impede de terem vidas produtivas e de se inserirem no mercado de trabalho. É um fenômeno que custa muito caro à sociedade”, ressalta Avanildo Duque, Coordenador Geral de Programas da ActionAid. De mulher para meninas Vínculos de solidariedade unem suecas e brasileiras © Mariana Leal/ActionAid/Brasil/AL Diretamente da Suécia, mulheres apadrinham meninas alagoanas e ajudam a transformar a vida de todos nas comunidades. O novo projeto de desenvolvimento local da ActionAid em parceria com o Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE) apresenta um proposta inovadora de criação de vínculos solidários entre doadoras e beneficiárias. Em todo o mundo, são as mulheres as que mais sofrem com a negação de direitos básicos. A ActionAid desenvolve ações para a promoção da igualdade de gênero em mais de 47 países. No Brasil, a lei garante que cidadãs e cidadãos tenham os mesmos direitos. Entretanto, são elas as mais pobres dos pobres. Na área rural, por exemplo, elas encaram jornadas de 16 horas por dia que incluem o cultivo da terra, a criação de animais e a produção de artesanato, mas representam somente 12% das proprietárias de terra e são apenas 7% dos beneficiários dos programas de crédito para a Reforma Agrária. Na Suécia, foi criado um projeto piloto de apadrinhamento exclusivo para meninas. “A ActionAid coloca as mulheres e meninas no coração de seu trabalho ao redor do mundo, além de abraçar a causa do direito das mulheres como uma de nossas metas”, explica Katinka Lindholm, da ActionAid Suécia. Os meninos, entretanto, não ficarão de fora. Embora mais de dois terços das crianças cadastradas sejam de meninas, os garotos também poderão participar do projeto. “A gente não vê esse tipo de vínculo solidário como discriminatório, mas sim como algo positivo, pois foi uma maneira mais efetiva de captar recursos que trarão benefícios para todos”, diz Célia Bartone, da ActionAid, responsável pelo sistema de doadores individuais internacionais. As mulheres no centro da estratégia de combate à pobreza Vera Gomes, 41 anos, vive com seus filhos Bruna e Jonhnatan na comunidade de XXXXX. 2 Em Alagoas, o MMTR trabalha junto a 34 comunidades do litoral, da Zona da Mata e do Agreste para melhorar as condições de vida de trabalhadoras rurais e pescadoras. A criação de trabalho e geração de renda, a garantia de acesso à documentação e a formação de lideranças são algumas das ações implementadas pela organização. Na região, devido à falta de oportunidades de trabalho, é comum que os homens migrem para lavouras de canade-açúcar distantes e para as cidades em busca de trabalho. São as mulheres que permanecem nas comunidades como as responsáveis pela sobrevivência da família. Os recursos doados pelas mulheres suecas vão permitir a criação de grupos de produtoras nas comunidades para a venda da criação de pequenos animais provenientes de seus próprios quintais. A Lei Maria da Penha pegou. Em vigor desde 2006, a primeira legislação brasileira de combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher está permitindo que muitas superem o medo, denunciem e vejam seus agressores punidos. “Finalmente o poder judiciário descobriu que existe violência contra a mulher. Havia uma expectativa de que a lei não pegasse. Mas isso não aconteceu, vemos um aumento no número de ocorrências de 2006 a 2008”, afirma Leila Linhares, coordenadora executiva da Cepia, organização de promoção de Direitos Humanos e membro do comitê de especialistas da Organização dos Estados Americanos. A demanda da sociedade, a mobilização de movimentos de mulheres e grupos de direitos humanos somada à visibilidade que a imprensa deu ao assunto contribuíram para que a lei não ficasse só no papel. Antes da lei, a violência doméstica contra a mulher era considerada dentro do âmbito das lesões corporais leves, o que fazia com que a maior parte das denúncias terminassem em acordos de pagamento de indenização com cestas básicas e não gerava ficha criminal. Agora, além da criminalização do ato, a lei propõe políticas públicas de combate à violência em ações articuladas entre a União, Estados e Municípios. Delegacias e juizados especiais, casas-abrigo, orientação especializada para as mulheres por parte de agentes públicos, programas de geração de renda e até mesmo o recebimento do bolsa família são algumas das medidas de prevenção à violência e proteção à vítima. Enfrentando o machismo e a falta de infra-estrutura Ainda faltam investimentos em infraestrutura e recursos humanos para que todas as cidadãs possam ter acesso às garantias previstas na lei para uma vida sem violência. © André Telles/ActionAid/Brasil/PA O direito de viver sem violência Mobilização das mulheres na marcha do Fórum Social Mundial de 2009. “O principal desafio é a incorporação pelos agentes do Estado, como juízes e delegados. Ainda prevalece uma cultura machista que dificulta a aplicação da lei”, avalia Leila Regina, coordenadora do Grupo Fêmea da Casa da Cultura da Baixada Fluminense, organização parceira da ActionAid em São João de Meriti no Rio de Janeiro. O Grupo Fêmea funciona como uma porta de entrada para o atendimento especializado das vítimas, realizado em outras organizações e serviços públicos. “Mostramos para elas que existem outras possibilidades de vida por meio de projetos de geração de trabalho e renda, grupos de apoio, terapias e atividades culturais. Um exemplo são as turmas formadas pela Padaria Escola. O aprendizado de uma atividade produtiva tem transformado muitas vidas”, conta Regina. No município, ainda não foi criada a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) e a infra-estrutura de atendimento e prevenção é precária, como em muitos outros municípios brasileiros. “No Rio, somente 7 DEAMs funcionam 24h por dia. Só na grande São Paulo, funciona 24h e todos os dias da semana. Como a mulher vai fazer exame de corpo de delito três dias após uma agressão?”, questiona Linhares. Para quem enfrenta dificuldades de registrar queixa, a saída é recorrer às redes de movimentos de mulheres, organizações não-governamentais que lidam com o tema, ao Ministério Público e até mesmo às comissões de direitos humanos das Assembléias e Câmaras Legislativas. “É muito importante que as mulheres se mobilizem para ampliar o apoio às vítimas principalmente em ações de prevenção, educação e na conscientização de funcionários públicos. Muitas têm medo e precisam de apoio especial para levar denúncias para frente e, nesses casos, a família, os amigos e os grupos de mulheres têm papel fundamental”, ressalta Rosana Heringer, Coordenadora Executiva da ActionAid. Em ação Boletim trimestral da ActionAid | ano II, nº Rua Morais e Vale, 111 5º andar - Centro 20021-260 Rio de Janeiro - RJ Brasil Tel.: +55 21 2189 4600 Fax: +55 21 2189 4612 [email protected] www.actionaid.org.br SAIBA MAIS: Central de Atendimento à Mulher (ligações gratuitas, 24h) – 180 Cartilha sobre a Lei Maria da Penha (Cfemea) http://www.cfemea.org.br/pdf/ leimariadapenhadopapelparaavida.pdf Observatório da Lei Maria da Penha http://www.observe.ufba.br/home Secretaria Especial de Direitos das Mulheres http://www.presidencia.gov.br/ estrutura_presidencia/sepm/ 5 | março 2009 | tiragem: 5.000 exemplares Equipe ActionAid Rosana Heringer Glauce Arzua, Flavia Tenembaum e Rosana Heringer COORDENADORA DE COMUNICAÇÃO Glauce Arzua JORNALISTA RESPONSÁVEL Mariana Leal (DRT 33860/99) COORDENADORA EXECUTIVA COORDENAÇÃO EDITORIAL Mais Programação Visual Gráfica Nonono Noooonoo PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO IMPRESSÃO 3 ActionAid chega ao Rio Grande do Norte © ActionAid A ActionAid inaugura uma nova área de desenvolvimento local no Rio Grande do Norte. A parceria com o Centro Feminista 8 de Março, organização parceira que atua na periferia de Mossoró e em comunidades e assentamentos rurais, tem o objetivo de contribuir com a formação, a organização e a mobilização das mulheres trabalhadoras rurais, fortalecendo a soberania alimentar e a convivência com o semiárido. A produção e comercialização de produtos da agroecologia, economia solidária, acesso à políticas públicas são alguns dos temas desenvolvidos pela organização junto às comunidades. ActionAid socorre refugiadas no Congo Mais de 250 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas e cidades para fugir da violência desde agosto de 2008, quando os conflitos armados voltaram a se acirrar na região leste da República Democrática do Congo, África. Os recursos naturais da região, como ouro, diamantes, entre outros minérios, são a fonte da disputa entre o exército e as milícias vindas de países vizinhos como Uganda e Ruanda. A ActionAid está atuando na distribuição de suprimentos de emergência para alguns dos campos de refugiados em Goma, na região leste do país. As mulheres são a maioria dos refugiados, a maioria perdeu parte da família na fuga. A violência sexual tem sido utilizada como arma de guerra e são poucos os locais seguros para mulheres e crianças nessa região do país. “Não queria ter deixado meu lar, mas não tive escolha se quisesse sobreviver. A vida não tem sido fácil no campo de refugiados, mas a ajuda que a ActionAid tem fornecido tem sido a resposta às minhas preces. Todos os dias eles estão aqui, conversando e orientando sobre como seguir vivendo mesmo depois desse trauma que estamos passando”, conta Nyota Muhabura, 32 anos, mãe de 6 filhos que vive desde novembro no campo de refugiados de Kibati. Ela está entre os 4.500 refugiados que recebe ajuda humanitária da ActionAid na região. 4 © Andre Telles/ActionAid/Brasil www.actionaid.org.br Vencendo a mulher invisível As mulheres trabalhadoras rurais têm participado ativamente da construção de modelos sustentáveis de agricultura. Apesar disso, ainda sofrem com a invisibilidade de seu trabalho diário. Maria Emília Pacheco, assessora da Fase, organização parceira da ActionAid no Pará, fala sobre as conquistas e desafios para as mulheres que vivem no campo. Qual é o papel da mulher trabalhadora rural no desenvolvimento de um modelo agrícola sustentável? As mulheres têm um papel histórico em relação às sementes. Elas são mais do que guardiãs das sementes: conservam, transformam, desenvolvem práticas de acordo com conhecimentos tradicionais que passam de geração em geração. Podemos dizer que elas são melhoristas também. Há uma lógica que associa várias razões de porque conservar e reproduzir uma semente. Os homens tendem a ver o valor comercial, o que a semente representa em termos de produtividade. As mulheres já consideram outros fatores e usos como o cozimento, a importância no preparo de alguns alimentos. E que tipo de conservação e melhorias elas conseguem fazer? No Mato Grosso, vi um teste de sementes de café conservadas pelas mulheres para o auto-consumo. O objetivo era observar a capacidade de produção do café para, em seguida, plantar em maior quantidade associado a outros produtos. Esse cultivo no entorno da casa evita o desaparecimento da semente. Essa percepção dos usos sociais da biodiversidade, que é uma percepção em que o mercado deixa de ser o centro organizador, nos traz ensinamentos para pensar as propostas de políticas para o campo e também sobre o papel das mulheres. Como as propostas de políticas públicas para a agricultura familiar tem considerado o papel das mulheres? Costumamos dizer que as políticas são cegas de gênero, não há percepção sobre o papel econômico da mulher e o que representa essa interação de auto-consumo e produção. A produção artesanal , a transformação dos produtos feitos artesanalmente, sejam frutos, fibras, o extrativismo, a produção agrícola e a produção de pequenos animais integram o sistema. Só com essa visão mais integrada é possível tirar da invisibilidade o papel das mulheres. Porém, é preciso mais para resolver o lugar subordinado que em geral as mulheres tem no sistema. Qual é o caminho para que elas conquistem cada vez mais o reconhecimento de seu papel como sujeitos econômicos? É preciso que os trabalhos educativos reconheçam a importância da mulher, dirijam-se às mulheres e que elas participem ativamente das atividades de intercâmbio de experiências e educativas. Não há autonomia econômica na família sem distinguir quem participa da família. Indique um amigo! 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