Monografia apresentada ao Programa de Residência Médica em Pediatria do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)/SES/DF Associação de Miocardite e Distúrbio de Condução com Infecção pelo Citomegalovírus: Relato de Caso* JALAL R. H. NASSER Orientadora: Dra. Juliana D. Diniz Brasília, 17 de novembro de 2011 www.paulomargotto.com.br *Segundo normas para publicação no Jornal de Pediatria INTRODUÇÃO A miocardite é uma inflamação do miocárdio não relacionada a defeitos estruturais do coração ou anomalias das coronárias; É um constante desafio na prática pediátrica pela grande variabilidade clínica e pelo risco elevado de morte súbita e sequelas como a cardiomiopatia dilatada; É considerada a principal causa de insuficiência cardíaca em crianças previamente hígidas. Kuhl U, Schultheiss HP. Myocarditis in children. Heart Fail Clin. 2010;6(4):483-96. INTRODUÇÃO Não existe consenso em relação a sua incidência; - Canadá (hospital pediátrico terciário): 0,5 casos de miocardite para cada 10.000 atendimentos na unidade de emergência; - Estados Unidos (unidade de cardiologia pediátrica): a miocardite foi diagnosticada em 0,3% dos pacientes durante um período de 23 anos. Klugman D, Berger JT, Sable CA, He J, Khandelwal SG, Slonim AD. Pediatric patients hospitalized with myocarditis: a multi-institutional analysis. Pediatr Cardiol. 2010;31(2):222-8. INTRODUÇÃO Inúmeras etiologias (vírus, bactérias, toxinas, drogas, doenças auto-imunes...); porém 82% dos casos são idiopáticos; A maioria dos casos é precedida por um quadro gripal; Os enterovírus, particularmente os vírus Coxsackie A e B, são os patógenos mais comumente identificados; as infecções virais tem prevalência maior no período neonatal e, ainda, em lactentes infectados no primeiro ano de vida. Durani Y, Giordano K, Goudie BW. Myocarditis and pericarditis in children. Pediatr Clin North Am. 2010;57(6):1281-303. INTRODUÇÃO O CMV não é uma causa comum de miocardite em pacientes imunocompetentes, sendo normalmente uma infecção assintomática; Raramente leva a complicações graves, como bloqueios da condução cardíaca (que são mais comuns com outros vírus); A miocardite secundária ao CMV tem sido habitualmente reportada somente em casos de infecção congênita pelo CMV. Dilaveris P, Dimitriadis K, Lazaros G, Gatzoulis K, Stefanadis C. Cytomegalovirus infection: a potential threat to atrioventricular conduction? Am J Med. 2010;123(8):e3-4. INTRODUÇÃO Seu quadro clínico pode variar de uma simples síndrome gripal a insuficiência cardíaca congestiva e choque cardiogênico; Seu diagnóstico baseia-se no quadro clínico sugestivo associado a exames como dosagem de enzimas cardíacas, sorologias para possíveis infecções virais, ECG, ecocardiograma, cintilografia miocárdica, RNM cardíaca e biópsia endomiocárdica. Batra AS, Epstein D, Silka MJ. The clinical course of acquired complete heart block in children with acute myocarditis. Pediatr Cardiol. 2003;24(5):495-7. INTRODUÇÃO Estudos recentes mostram a superioridade da RNM e da cintilografia miocárdica em relação à biópsia, já que a sensibilidade diagnóstica da biópsia do miocárdio é baixa, mesmo quando complementada com a detecção histoquímica de imunocomplexos, variando de 3 a 63%. Vashist S, Singh GK. Acute myocarditis in children: current concepts and management. Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2009;11(5):383-91. INTRODUÇÃO A abordagem terapêutica da miocardite visa, principalmente, preservar ou restabelecer a função cardíaca; O uso de terapia específica contra um possível patógeno, como o uso de antivirais (e.g. ganciclovir), é controverso, estando reservado a situações em que a infecção foi diagnosticada precocemente; Em casos de insuficiência cardíaca é recomendado o uso de beta-bloqueadores como o carvedilol. Blauwet LA, Cooper LT. Myocarditis. Prog Cardiovasc Dis. 2010;52(4):274-88. INTRODUÇÃO Drogas vasoativas, como a milrinona, estão indicadas em pacientes com comprometimento hemodinâmico grave; Atualmente, poucos dados estão disponíveis sobre o uso de imunossupressores em crianças com miocardite, não existindo evidências suficientes que justifiquem o seu uso; A ECMO e o DAV podem ser utilizados em casos de instabilidade hemodinâmica grave. Aziz KU, Patel N, Sadullah T, Tasneem H, Thawerani H, Talpur S. Acute viral myocarditis: role of immunosuppression: a prospective randomised study. Cardiol Young. 2010; 20(5):509-15. INTRODUÇÃO Seu prognóstico mostra-se favorável em pacientes que sobreviveram á fase crítica inicial, com alguns estudos demonstrando uma chance de 50 a 80% de resolução da cardiomiopatia dilatada nos 2 primeiros anos após o início do quadro. Kuhl U, Schultheiss HP. Myocarditis in children. Heart Fail Clin. 2010;6(4):483-96. DESCRIÇÃO DO CASO G.A.S, 6 anos, sexo feminino, admitida na emergência em 28/05/11 com história de dor abdominal difusa, de moderada intensidade, com início súbito há 2 dias, associada a dor torácica intensa, não ventilatório-dependente, taquipnéia e à dispnéia aos mínimos esforços há 1 dia; referia ainda um quadro gripal precedendo os sintomas atuais em 1 semana. Miocardite Viral e Distúrbio de Condução DESCRIÇÃO DO CASO EXAME FÍSICO - REG, hipocorada (+/4+), acianótica, anictérica, hidratada, taquipnéica e afebril. - ACV: Ritmo cardíaco irregular em 2T; BNF, sem sopros; FC = 110 bpm e PA = 95x65 mmHg. Sem outras alterações ao exame segmentar Miocardite Viral e Distúrbio de Condução DESCRIÇÃO DO CASO EXAME COMPLEMENTARES - ECG: bloqueio 2:1, bloqueio completo de ramo direito e hemibloqueio póstero-inferior esquerdo; - Elevação de enzimas miocárdicas; - Ecocardiograma: dilatação global de cavidades com septo interventricular assíncrono, insuficiência mitral moderada e FE entre 38-40% (a qual chegou a 25% durante a internação). Miocardite Viral e Distúrbio de Condução 28/05/11 Leucócitos Segmentados Bastões Linfócitos Monócitos Hemoglobina Hematócrito Plaquetas TGO TGP Sódio Potássio CPK CKMB Troponina ASLO 13.100 mm3 72% 1% 14% 13% 14,1 g/dL 40% 251.000 mm3 367 U/L 74 U/L 137 mEq/L 4,7 mEq/L 2588 U/L 398 U/L 3647 ug/L 290 IU/mL 03/06/11 TGO TGP Sódio Potássio Cálcio Magnésio CPK CKMB Troponina CMV - IgM: CMV - IgG: 88 U/L 69 U/L 138 mEq/L 4,3 mEq/L 9,3 mEq/L 2,8 mEq/L 86 U/L 41 U/L 2,31 ug/L 1,88 46,6 DESCRIÇÃO DO CASO Após internação desenvolveu sinais de ICC, sendo iniciada terapêutica específica para ICC e corticoterapia, além do uso de drogas vasoativas (milrinona por 48 horas, trocada depois para dobutamina), com posterior internação em ambiente de terapia intensiva. Miocardite Viral e Distúrbio de Condução DESCRIÇÃO DO CASO Apresentou recuperação clínica progressiva, com redução gradual de doses medicamentosas e melhora discreta da função cardíaca. Os últimos exames, de 03/06/11, apontaram redução dos níveis de enzimas miocárdicas e sorologia positiva para citomegalovírus (com IgM e IgG positivos); A cintilografia miocárdica com gálio identificou padrão compatível com miocardite. Miocardite Viral e Distúrbio de Condução DESCRIÇÃO DO CASO Recebeu alta após 13 dias de internação, com previsão de acompanhamento ambulatorial. Miocardite Viral e Distúrbio de Condução DISCUSSÃO A miocardite não é considerada rara, principalmente em países subdesenvolvidos, dada a importância de possíveis infecções em sua etiologia; O caso apresentado pode ser considerado raro, por se tratar de miocardite viral fora da faixa etária mais comum (até 1 ano de vida) e que desenvolveu bloqueio da condução cardíaca, o que é raro no caso de infecções adquiridas por CMV; Dilaveris P, Dimitriadis K, Lazaros G, Gatzoulis K, Stefanadis C. Cytomegalovirus infection: a potential threat to atrioventricular conduction? Am J Med. 2010;123(8):e3-4. DISCUSSÃO O diagnóstico da miocardite viral por CMV foi feito sem a realização de biópsia endomiocárdica, utilizando-se somente métodos não-invasivos, sem prejuízo aparente à abordagem do quadro; Não foi possível avaliar relação direta entre a corticoterapia e a evolução favorável do quadro. Aziz KU, Patel N, Sadullah T, Tasneem H, Thawerani H, Talpur S. Acute viral myocarditis: role of immunosuppression: a prospective randomised study. Cardiol Young. 2010; 20(5):509-15. DISCUSSÃO A miocardite é uma doença subclínica e habitualmente auto-limitada, com prognóstico favorável, na maioria dos casos; no entanto, pode levar à arritmias e comprometimento hemodinâmico. O diagnóstico precoce é, talvez, o principal determinante da sobrevida nestes pacientes. JALAL R. H. NASSER OBRIGADO! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) Chien SJ, Liang CD, Lin IC, Lin YJ, Huang CF. Myocarditis complicated by complete atrioventricular block: nine years' experience in a medical center. Pediatr Neonatol. 2008;49(6):218-22. (2) Durani Y, Egan M, Baffa J, Selbst SM, Nager AL. Pediatric myocarditis: presenting clinical characteristics. Am J Emerg Med. 2009;27(8):942-7. (3) Kuhl U, Schultheiss HP. Myocarditis in children. Heart Fail Clin. 2010;6(4):483-96. (4) Durani Y, Giordano K, Goudie BW. Myocarditis and pericarditis in children. Pediatr Clin North Am. 2010;57(6):1281-303. (5) Klugman D, Berger JT, Sable CA, He J, Khandelwal SG, Slonim AD. Pediatric patients hospitalized with myocarditis: a multi-institutional analysis. Pediatr Cardiol. 2010;31(2):222-8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (6) Dilaveris P, Dimitriadis K, Lazaros G, Gatzoulis K, Stefanadis C. Cytomegalovirus infection: a potential threat to atrioventricular conduction? Am J Med. 2010;123(8):e3-4. (7) Wang JN, Tsai YC, Lee WL, Lin CS, Wu JM. Complete atrioventricular block following myocarditis in children. Pediatr Cardiol. 2002;23(5):51821. (8) Batra AS, Epstein D, Silka MJ. The clinical course of acquired complete heart block in children with acute myocarditis. Pediatr Cardiol. 2003;24(5):495-7. (9) Vashist S, Singh GK. Acute myocarditis in children: current concepts and management. Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2009;11(5):383-91. (10) Aziz KU, Patel N, Sadullah T, Tasneem H, Thawerani H, Talpur S. Acute viral myocarditis: role of immunosuppression: a prospective randomised study. Cardiol Young. 2010; 20(5):509-15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (11) Blauwet LA, Cooper LT. Myocarditis. Prog Cardiovasc Dis. 2010;52(4):274-88. (12) Mutlu H, Alam M, Ozbilgin OF. A rare case of Epstein-Barr virusinduced dilated cardiomyopathy. Heart Lung. 2011;40(1):81-7.