UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM
“VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS”
Marcos Santana de Souza
“ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e
Representações Sociais de Gênero na Polícia Militar de Sergipe
São Cristóvão/SE
2009
Marcos Santana de Souza
“ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e
Representações Sociais de Gênero na Polícia Militar de Sergipe
Monografia apresentada à Coordenação da
RENAESP/SE, Universidade Federal de
Sergipe – UFS, como requisito parcial para
obtenção do título de especialista em
“Violência, Criminalidade e Políticas
Públicas”.
Orientação: Profa. Dra. Tâmara Oliveira
São Cristóvão/SE
2009
i
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
S719e
Souza, Marcos Santana de.
“Elas não servem pra guerra”: presença feminina e representações sociais de
gênero na polícia militar de Sergipe/ Marcos Santana de Souza. – São Cristóvão,
2009.
xi, 125 f. : il.
Monografia (Especialização em Violência, Criminalidade e Políticas
Públicas) – Universidade Federal de Sergipe: São Cristóvão; Rede Nacional de
Altos Estudos em Segurança Pública, 2009.
Orientador: Profª Drª Tâmara Maria de Oliveira
1. Representações de gênero. 2.Polícia Militar– Sergipe. 3. Polícia Militar –
Policial feminina. 4. Sergipe. I.Título.
CDU 355.511.6:392.6
MARCOS SANTANA DE SOUZA
“ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e Representações Sociais
de Gênero na Polícia Militar de Sergipe
Monografia apresentada à Coordenação da RENAESP/SE, Universidade Federal
de Sergipe – UFS, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em
“Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”.
Aprovada em: ____de_________ de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Profa. Dra. Tâmara Maria de Oliveira (UFS) – Orientadora
_____________________________________
Profa. Dra. Mônica Cristina Silva Santana (UFS)
_____________________________________
Profa. MSc. Denise Leal Fontes A. Leopoldo (UFS)
ii
Às mulheres pioneiras na Polícia Militar.
iii
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho é o resultado mais visível da soma de diferentes
contribuições. Expressões de apoio, diretas ou indiretas, foram igualmente importantes para
renovar meu ânimo e tornar possível a conclusão de mais uma etapa acadêmica.
Dentre essas contribuições, algumas se construíram no silêncio de quem mesmo
demonstrando dificuldade em entender a necessidade de seguidas horas de reclusão em frente
a livros e computador, “quebrou” minha rotina e impaciência com várias demonstrações de
afeto, lembrando-me de que o corpo precisa de alimento e de sono. Sou grato à minha mãe,
Maria Aparecida, pelo amor que se renova no silêncio e pelo respeito às “esquisitices” do
filho.
Ao lado da minha mãe, outras mulheres tiveram importância essencial na
finalização deste breve estudo, particularmente no “barulho” que acompanha o encerramento
dos prazos e na necessidade sempre difícil de por um ponto final. Desse modo, agradeço:
À Professora Dra. Tâmara Oliveira, que me acompanha desde a fase do mestrado
e aceitou sem restrições o convite para orientar este trabalho; sou grato pela paciência e
confiança, assim como pelas importantes considerações, particularmente sobre a articulação
mais coerente dos dados coletados na pesquisa.
A Vanessa Oliveira e a Alessandra Barbosa que, além de grandes amigas, foram
sensíveis à importância de concluir este trabalho, transcrevendo grande parte das entrevistas e
me reservando palavras de confiança e estímulo. Com elas discuti em vários momentos meus
“achados” e impressões sobre o universo de pesquisa e pude assim atentar para questões
importantes.
De forma especial aos policiais militares, homens e mulheres, que julgaram
importante responder questionários e conceder entrevistas, tornando possível a realização
deste estudo.
Ao Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Rede
Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENASP) em Sergipe, através da
coordenação das professoras Joelina Menezes e Denise Leal pelos investimentos que me
possibilitaram cursar a especialização com excelente nível de discussão e quadro docente.
Aos professores do curso de pós-graduação lato sensu em “Violência,
Criminalidade e Políticas Públicas”, em especial aos professores Paulo Sérgio da Costa
Neves, Francisco José Alves, Eufrázia Cristina Menezes, Edmilson Menezes, Frank Marcon,
iv
Denise Leal, Andréa Depieri, Marcus Eugênio Lima, Cristine Jacquet, Riccardo Cappi, pela
contribuição importante na minha formação e pelos ricos debates sobre o campo da segurança
pública.
Aos amigos do curso de pós-graduação, especialmente a Carla Cavalcante, Liliane
Monteiro, Patrícia Rodrigues, Gilmara Chagas, Nilza Santos, Nairete Correia, Lilia Ferraz,
Alex Jonatas, Sargento Dos Anjos e aos Capitães Victor e Charles Victor.
A Mateus Antônio de Almeida Neto, que vasculhou no IHGS referências
jornalísticas a respeito da presença feminina na Polícia Militar de Sergipe e a Luiz Antonio
Lins Oliveira, que me auxiliou na organização dos dados desta pesquisa.
Aos sempre presentes Frankly Rolim, Edna Nascimento, Mário Resende, Sheyla
Farias, Murilo, Waldete Rolim, Jaciléa Chagas, Elaine e Cleverton Barros, pela amizade e
confiança.
v
Apesar de formalmente assentada na missão de “proteger e
servir”, o que se privilegia na identidade policial militar
são sobretudo as virtudes “másculas” e “guerreiras”,
“heroísmo”, força física, aptidão para o risco – virtudes de
que as mulheres estariam, por hipótese, desprovidas. O
“verdadeiro
policial”
é
aquele
empenhado
no
enfrentamento do “inimigo”. É aí que se expressa a
essência idealizada da profissão de polícia, de uma polícia
que subverte sua missão básica de promover a paz e
preservar a ordem pública, encontrando na “guerra” a
fonte de seus valores identitários.
Bárbara Musumeci Soares e Leonarda Musumeci (2005, p.
87).
vi
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar os sentidos construídos por homens
e mulheres policiais sobre a presença feminina na Polícia Militar de Sergipe. Através de
questionários e realização de entrevistas com policiais militares, visa registrar e compreender
as representações sociais a respeito do ingresso e presença de mulheres na instituição policial
militar. De natureza quali-quantitativa, a pesquisa busca, neste sentido, compreender como as
policiais femininas estruturam sua identidade profissional num tipo de organização
marcadamente masculina, observando de forma mais atenta às variações presentes nas
respostas conforme graduação, posto e sexo dos policiais. Centrado no processo histórico de
inserção das mulheres no mercado de trabalho e, de modo específico, nas funções policiais, o
estudo observa ainda a fraca referência na imprensa escrita e na legislação policial a respeito
da inserção de mulheres na PM de Sergipe. Considerado um “outro” indesejado, conforme
percentual expressivo de policiais, as mulheres são percebidas como uma “ameaça” à
preservação da identidade policial, seres “carentes” de “proteção” e mais ajustadas ao espaço
interno da PM do que às atividades de policiamento ostensivo. Sustentada em valores
belicistas que reforçam a existência de um ethos guerreiro, a Polícia Militar fornece, através
da distribuição e dos processos de socialização interna, os contornos imaginários do campo da
segurança pública como espaço da “guerra” e, por sua vez, lugar incompatível, com raras
exceções, com as mulheres. Assim, apontadas como “naturalmente” “frágeis” e tecnicamente
“despreparadas” para a atividade de rua, espaço hegemonicamente masculino, as mulheres
lidam de diferentes formas com o lugar subalterno a elas reservado. O estudo, portanto,
enfatiza a necessidade de refletir sobre a natureza dessa inclusão e dos processos que
configuram um quadro de frágil identidade de gênero das mulheres na PM, de modo a
compreender o impacto que as diferentes orientações no campo da Segurança Pública
exercem nas relações entre homens e mulheres policiais militares em Sergipe.
Palavras-chave: História; representações sociais; gênero; mulheres; Polícia Militar; segurança
pública – Sergipe.
vii
ABSTRACT
This study aimed to examine the meanings constructed by men and women police
about the presence of women in the Military Police of Sergipe. Through questionnaires and
conducting interviews with military police, aimed record and understand the social
representations regarding the entry and presence of women in the military police institution.
Of qualitative-quantitative character, the research sought to understand how the female police
structure their professional identity in a type of organization markedly male, looking for a
more attentive to changes in these responses as graduate students, post and the sexual
category of the police. Centered on the historic process of integrating women into the labor
market and, in particular in police functions, the study observed the weak reference in the
written press and the police legislation regarding the inclusion of women in the PM of
Sergipe. Considered an “other” unwanted, as expressive percentage of police, women are
perceived as a “threat” to preserve the identity police, “devoid” beings of “protection” and
more adjusted to the internal space of the PM than the ostensible policing activities. Sustained
in warmongering values that strengthen the existence of warrior ethos, the Military Policy
supplies, through the distribution and of the processes of internal socialization, the imaginary
contours of the ambit of the public security as space of the “war” and incompatible place, with
rare exceptions, with the women. Thus, identified as “naturally” “fragile” and technically
“unprepared” for the activity of street, space male hegemony, the women deal with the
subordinate place they reserved of different forms. Therefore, the study emphasizes the need
to reflect on the nature of the inclusion and processes that configure a representation of fragile
identity of gender of the women in the PM in order to understand the impact that the different
orientations in the ambit of the Public Security engaged in the relations between military
police men and women in Sergipe.
Keywords: History; social representations; sort; women; Military policy; public security –
Sergipe.
viii
LISTA DE ABREVIATURAS
BESP – Batalhão Especial de Segurança Patrimonial
BPChoque – Batalhão de Polícia de Choque
BPGd – Batalhão de Polícia de Guarda
CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças
CFO – Curso de Formação de Oficiais
CFS – Curso de Formação de Sargentos
CFSd – Curso de Formação de Soldados
COE – Companhia de Operações Especiais
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
EB – Exército Brasileiro
PMSE – Polícia Militar de Sergipe
PSD – Partido Social Democrático
QCG – Quartel do Comando Geral
QOAPM – Quadro de Oficiais da Administração da PM
QOPM – Quadro de Oficiais da Polícia Militar
RDE – Regulamento Disciplinar do Exército
RP – Rádio Patrulha
SSP – Secretaria de Segurança Pública
UFS – Universidade Federal de Sergipe
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Alusão à “Polícia Feminina”..........................................................................
48
Figura 02 - Policial no Quartel em lha do Outeiro..........................................................
49
Figura 03 - Policial no CFAP”.........................................................................................
49
Figura 04 - Mulheres marchando em comemoração à independência do Brasil, 1989....
53
Figura 05 - Mulheres, incorporadas ao efetivo masculino, marchando em comemoração
à independência do Brasil, 1999.................................................................
Figura 06 - Policiais em serviço durante Forró Caju 2009...............................................
x
53
55
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Rendimento médio habitual de homens e mulheres......................................
30
Tabela 02 - Resumo do Efetivo Feminino da PMSE........................................................
56
Tabela 03 - Concorrência concurso de soldado 2005.......................................................
69
Tabela 04 - Questão 13 (variável graduação ou posto).....................................................
73
Tabela 05 - Questão 13 (variável sexo)............................................................................
73
Tabela 06 - Questão 14 (variável graduação ou posto).....................................................
76
Tabela 07 - Questão 14 (variável sexo)............................................................................
77
Tabela 08 - Questão 15 (variável graduação ou posto).....................................................
77
Tabela 09 - Questão 17 (variável graduação ou posto).....................................................
79
Tabela 10 - Questão 17 (variável sexo)............................................................................
81
Tabela 11 - Questão 20 (variável graduação ou posto).....................................................
84
Tabela 12 - Questão 20 (variável sexo)...........................................................................
85
Tabela 13 - Questão 21 (variável graduação ou posto).....................................................
86
Tabela 14 - Questão 21 (variável sexo)............................................................................
86
Tabela 15 - Questão 22 (variável graduação ou posto).....................................................
88
Tabela 16 - Questão 22 (variável sexo)............................................................................
89
Tabela 17 - Questão 23 (variável graduação ou posto).....................................................
91
Tabela 18 - Questão 23 (variável sexo)............................................................................
92
xi
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................
ABSTRACT.......................................................................................................................
LISTA DE ABREVIATURAS.........................................................................................
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................
LISTA DE TABELAS.......................................................................................................
vii
viii
ix
x
xi
INTRODUÇÃO................................................................................................................
13
I CAPÍTULO.....................................................................................................................
1 GÊNERO, TRABALHO E POLÍCIA: Mulheres policiais e desafios
contemporâneos.................................................................................................................
1.1 Os estudos de gênero e a mulher no mercado de trabalho......................................
1.2 Gênero e Instituições Policiais: aspectos da inserção feminina e panorama
atual......................................................................................................................................
20
II CAPÍTULO....................................................................................................................
2 MULHERES NA POLÍCIA MILITAR: uma inserção recente e condicionada.......
2.1 A formação histórica das polícias no Brasil e o ingresso das mulheres na Polícia
Militar..................................................................................................................................
2.2 A chegada das primeiras mulheres na Polícia Militar de Sergipe: sentidos de um
ingresso tardio.................................................................................................................
2.3 A mulher e as implicações da carreira policial: A (in) visibilidade feminina na
PM........................................................................................................................................
38
38
III CAPÍTULO...................................................................................................................
3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A PRESENÇA FEMININA NA PMSE:
os homens policiais e um “outro” indesejado..................................................................
3.1 A pesquisa: método e dados levantados.....................................................................
3.2 Representações Sociais e Relações de Gênero na PM...............................................
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................
97
20
20
32
38
42
58
60
60
73
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 101
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA.............................................................. 109
APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO................................................................................... 111
APÊNDICE C.....................................................................................................................
115
APÊNDICE D - PERFIL DOS ENTREVISTADOS.......................................................
117
ANEXO A - HIERARQUIA DA POLÍCIA MILITAR DE SERGIPE.........................
118
ANEXO B – PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008.....................................
120
ANEXO C – BOLETIM GERAL OSTENSIVO n° 104 de 12 de Junho de 2008......... 123
xii
13
INTRODUÇÃO
Em muitas sociedades, a invisibilidade e o
silêncio das mulheres fazem parte da ordem
das coisas.
Michelle Perrot (2007, p. 17).
A definição mais clara que tive a respeito da importância de discutir as relações de
gênero e, de forma mais específica, os sentidos emprestados à presença feminina na PMSE,
surgiu durante a pesquisa que desenvolvi para o mestrado em Sociologia no Núcleo de Pósgraduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. A citada
pesquisa resultou na dissertação defendida no mês de agosto de 2008, sob o título: “A
violência da Ordem - Polícia Militar e representações sociais sobre violência em Sergipe” 1.
Permeado por diferentes lembranças, especialmente àquelas relacionadas à minha
experiência no curso de formação de soldados, ocorrida no ano de 2002, o processo de análise
que resultou na dissertação indicava com grande freqüência a relevância da temática de
gênero para o entendimento da realidade policial. Uma importância reforçada a partir de
comentários quase sempre espontâneos dos policiais que entrevistei sobre as especificidades
que marcam o cotidiano policial e o perfil dos agentes que seriam, segundo eles, mais “aptos”
a enfrentar os riscos próprios da atividade de polícia.
Em várias ocasiões, as atividades de treinamento a que éramos submetidos
costumavam ser seguidas das observações de colegas policiais e superiores hierárquicos sobre
a presença das mulheres na corporação, sobretudo através da exposição das diferenças físicas
e morais que “naturalmente” definem homens e mulheres. Em diferentes espaços de formação
policial da PMSE, as expectativas de uma forma ampla tendiam a reservar às mulheres um
desempenho físico “menor”, assim como uma coragem “vacilante” frente aos desafios
apresentados, de modo que o desempenho melhor de algumas mulheres eram quase sempre
seguidos pelas expressões de surpresa dos superiores e de cobranças endereçadas ao público
masculino, visto que “se elas conseguiram...” ou “até mesmo elas fizeram...”.
1
Orientada pelos professores Paulo Sérgio da Costa Neves e Tâmara Oliveira, a pesquisa teve como propósito
analisar as representações sociais de um grupo de policiais militares sobre violência policial no Estado, de modo
a compreender a possível relação entre as representações sociais dos policiais entrevistados e as engrenagens
institucionais que conferem sentido ao uso da violência pelos policiais militares.
14
Concentrado em revisitar as lembranças sobre a presença feminina na Polícia
Militar de Sergipe, recordo que emergiam com grande freqüência a imagem de mulheres em
passos “apressados”, quase sempre acompanhados de olhares que desviavam após ligeiro
cumprimento para se enlaçar a gestos contidos e “distantes”, ainda que outras imagens fossem
possíveis. Sobressai-se dessa imagem para mim uma presença “tímida” que indicava para as
mulheres da PMSE um lugar simbólico específico, revelador dos entraves que tornavam o
ingresso feminino um elemento parcialmente assimilado no desenvolvimento da instituição2.
Colhida em grande parte do interior de uma das guaritas, próxima a um dos
acessos do Quartel Central da PM onde trabalhei durante aproximadamente nove meses3, dos
quase sete anos em que fui policial militar, essa imagem da mulher policial como elemento
pouco integrado na Corporação policial, ainda que uma imagem incompleta4, serve para
indicar senão o nascimento do meu interesse pelo tema das relações de gênero na Polícia
Militar, certamente o momento em que esse tema se delineou mais claramente para mim.
Perguntava-me: O que explica o silêncio que acompanha a presença feminina na Polícia
Militar? Por que passado considerado tempo do ingresso das primeiras mulheres, a presença
feminina ainda é reduzida na corporação, especialmente nas operações de rua?
Nessa época, o contato com homens e mulheres policiais me levou à percepção da
questão de gênero associada à memória sobre o passado da instituição e aos obstáculos
atualmente presentes na PM que impediam a maior inserção do público feminino. Entendo
que, com grande frequência, as representações de gênero, particularmente sobre o lugar das
mulheres na instituição, assumem uma importância fundamental para compreender a
configuração atual da Polícia Militar como um espaço ainda assentado em valores
“guerreiros”. Sustentadas na idéia difusa do campo da segurança pública como um espaço de
“guerra”, as representações indicavam uma acentuada rejeição à presença feminina na
corporação, especialmente por alguns setores dominados pelos homens5. Em outros, essa
2
Agradeço à professora Jacqueline Muniz (Universidade Cândido Mendes) pela participação na banca
examinadora de defesa da dissertação e pelas importantes observações e sugestões que incentivaram a
construção deste trabalho.
3
O período em questão ocorreu entre fins de janeiro a outubro de 2008. Permaneci como policial militar de maio
de 2002 a outubro de 2008.
4
Considero-a incompleta na medida em que traduz as impressões pessoais de um observador dividido entre o
seu ofício de policial e a curiosidade de um pesquisador interessado nos assuntos sobre segurança pública.
5
Em várias unidades da Polícia Militar de Sergipe, a exemplo das companhias operacionais como Companhia de
Choque, Rádio Patrulha, Operações Especiais, Cavalaria e policiamento ostensivo a pé, a presença feminina é
bastante pequena. Levando em consideração as companhias de Rádio Patrulha, de Operações Especiais, de
Trânsito (CPTran), o Esquadrão de Polícia Montada e o Batalhão da Polícia de Choque (BPChoque), do efetivo
total feminino: 334 policiais, pouco menos de 10% desse efetivo, ou seja, 32 mulheres integram essas unidades.
15
presença era condicionada ao exercício de tarefas “condizentes” com as “limitações” do
público feminino que, salvo raras exceções, não estaria preparado para “enfrentar” uma
atividade marcada pelo “risco” intenso, pelo contato com as adversidades próprias a
experiências na rua, visto que se elas não “servem” para a “guerra” e, portanto, não servem
para a polícia.
Entre vivências distintas num passado recente, seja a de aluno de soldado, soldado
propriamente e pesquisador, eu me perguntava durante a realização desta pesquisa: em que
medida é possível dizer que os gestos aparentemente “acanhados” daquelas policiais poderiam
ser considerados uma consequência direta de um contexto social marcado pelos rigores
próprios do universo militar que ainda atualmente restringe a participação das mulheres? A
que se deve o silêncio que dá forma à descrição compulsória e frequente das mulheres
policiais militares? Do mesmo modo, que aspectos caracterizam a presença feminina na PM?
Embora de difícil resolução, e desde cedo convencido da impossibilidade de
respondê-las aqui, foram essas questões que guiaram este estudo. Pretendo assim analisar
como as mulheres policiais que integram a PMSE estruturam sua identidade profissional,
considerando o processo de formação, as práticas cotidianas de grupamento e as
representações sociais de policiais masculinos, num tipo de cultura policial geral que
comumente as vêem como menos violentas e, de uma forma ampla, menos preparadas para o
exercício da atividade policial. Uma concepção presente em diferentes setores da sociedade e
que tornam o estudo das mulheres, segundo Maria Odila Leite da Silva Dias (1992), uma
tarefa particularmente difícil.
Ao analisar o modo de organização e atuação da PMSE, a pesquisa buscou revelar
as formas simbólicas que amparam discriminações e que impedem a ampliação da inserção
das mulheres nas instituições policiais. Do mesmo modo, pretendeu compreender como,
distante de comportamento passivo e subalterno, as mulheres policiais modelam as
representações de si e sobre si nesses espaços, lidam com a feminização da função policial e
compreendem, portanto, o exercício de uma autoridade considerada eminentemente
masculina. O desafio estava em romper internamente o silêncio sobre a presença feminina na
Polícia Militar, aspecto já empreendido por diferentes pesquisadores em outros Estados do
país, como discutirei adiante.
É importante destacar que alguns delas desempenham apenas funções burocráticas, assim como em outras
unidades consideradas não-operacionais, como é o caso do Hospital da Polícia Militar e setores administrativos
da PMSE, eventualmente serem empregadas em atividades de policiamento ostensivo, sobretudo em festividades
públicas.
16
Em razão de confluírem atualmente no país orientações diversas no campo da
Segurança Pública e pelo fato da Polícia Militar de Sergipe estar inserida nesse processo, visto
que integra programas estaduais e federais de capacitação profissional, assim como convive
com as demandas do governo e da sociedade sobre segurança pública, esta pesquisa definiu o
seguinte problema: Como homens e mulheres da Polícia Militar do Estado de Sergipe
compreendem o papel feminino na instituição?
Neste sentido, a pesquisa buscou analisar como homens e mulheres da Polícia
Militar do Estado de Sergipe compreendem o papel feminino na corporação, de modo a
perceber os fatores que atuam na construção da identidade profissional dessas mulheres e os
sentidos presentes nas representações sociais desses agentes sobre polícia, padrões de
policiamento e relações de gênero na Polícia Militar.
Tratando sobre as representações sociais, Sandra Jovchelovitch (1995, p. 65-71)
esclarece que elas têm uma relação íntima com o local onde os sujeitos formulam essas
representações sociais. Esse fato explica a razão das representações serem fortemente
influenciadas pelas identidades, interesses e aspectos próprios aos lugares sociais de onde elas
emergem. Em algumas ocasiões, diferentes representações disputam a supremacia na esfera
pública, chocando-se, competindo por espaço, interpenetrando-se e dando forma a novas
representações. Em outros momentos, determinadas representações se mostram dominantes,
evidenciando uma dinâmica social fundamentada na desigualdade dos grupos sociais.
Explorar
a
influência
exercida
pelas representações
sociais pressupõe
compreender o sistema de diferenças que marca essas representações e os sentidos que elas
exercem no tecido social, na medida em que revelam os interesses e conflitos próprios da
sociedade onde elas foram geradas, ao traduzirem identidades, afetos e projetos diversos. É do
saber que os atores sociais fazem de si mesmos, do seu contexto e dos outros que as
representações surgem como um sistema de saberes que assinala a identidade de um grupo,
sendo estas as ferramentas que os habilitam a enfrentar a realidade e se relacionar com o
mundo repleto de símbolos.
Desse modo, qualquer tentativa de compreensão das relações de gênero, e de
forma mais específica, das relações desiguais entre homens e mulheres em grupamentos
policiais como o da Polícia Militar de Sergipe, passa pela análise dos processos de formação
interna que enfocam a lógica de guerra e que, portanto, afirmam uma suposta indisposição ou
“despreparo” “natural” das mulheres para o exercício da atividade policial. De modo
semelhante, volta-se para a análise das estratégias construídas pelo público feminino para ser
17
aceito nesses espaços, formulando respostas aos processos de subalternização e
estigmatização.
Serge Moscovici (2003) destaca que as representações sociais são elementos
importantes nos processos de interação entre os indivíduos. As representações atuam
diretamente na forma como os indivíduos percebem a realidade, definindo os sentidos das
relações que estes mantêm consigo e com o mundo. Marcadas por um caráter convencional e
prescritivo, as representações se voltam para a orientação dos comportamentos dos atores
sociais no tempo, fornecendo imagens e conceitos de vida. Segundo Moscovici (2003),
nenhuma mente está incólume dos efeitos de condicionamentos anteriores trazidos pelas
representações, linguagem ou cultura sob a forma de imposição, pois todos nós pensamos a
partir da linguagem e é por meio dela que estruturamos nossos juízos, guiados pela existência
de um sistema direcionado pelas representações e pela cultura que partilhamos. Assim, “nós
vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e nós permanecemos
inconscientes dessas convenções” (MOSCOVICI , 2003, p. 35).
A realidade social, assim, é percebida como resultado de mediações históricodinâmicas entre a ação dos atores e as estruturas sociais onde esses indivíduos fundamentam
sua ação e pensamento, estando assim essa associação articulada aos propósitos deste estudo
de compreender como os policiais, homens e mulheres, pensam e estruturam subjetivamente a
presença feminina nas instituições policiais. Além disso, como as policiais femininas se autorepresentam e definem assim sua identidade profissional a partir das relações que mantêm
com a atividade policial e com a corporação.
As considerações de Maria Laura Franco (2004, p. 170-171), são esclarecedoras,
na medida em que a autora ressalta que as representações sociais podem ser definidas como
elaborações mentais formuladas com base na experiência social dos indivíduos em contato
com o objeto de conhecimento. Assim, as representações possuem uma dimensão histórica,
refletindo as práticas sociais que variam conforme não só padrões socioeconômicos e
culturais, mas tendo em vista o contexto familiar “com expectativas diferenciadas,
dificuldades vivenciadas e diferentes níveis de apreensão crítica da realidade”.
Metodologicamente, portanto, para acessar o conteúdo das representações sociais
e das estruturas que lhe dão sustentação, procedeu-se à realização de 10 entrevistas em
profundidade com 05 policiais masculinos e 05 femininos da PMSE, a partir de roteiro semiestruturado com perguntas abertas (Apêndice A) e à aplicação de questionário fechado com
23 perguntas (Apêndice B), junto a 325 policiais. O propósito foi alcançar uma compreensão
18
ampla sobre o discurso social em relação à presença feminina na PMSE, de modo que
revelasse os aspectos simbólicos presentes na cultura policial vivenciada por esse grupo.
Em virtude da opção pelo estudo das representações sociais, definiu-se a Análise
de Conteúdo de Bardin (1977), como ferramenta mais adaptada para chegar aos sentidos
presentes nas falas dos policiais, bem como para a compreensão dos documentos relativos à
presença feminina nesse grupamento, como os boletins internos da PM e as referências da
imprensa escrita sergipana sobre o ingresso das primeiras mulheres na instituição. Desse
modo, a utilização dessa técnica seguiu os três momentos da Análise de Conteúdo, ou seja, a
pré-análise, a exploração do material e tratamento dos resultados e a inferência, com a
interpretação das mensagens.
Segundo Bardin (1977, p. 105), fazer análise temática “consiste em descobrir os
‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência pode
significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. O tema costuma ser utilizado
como elemento importante de registro. Sua função é estudar as motivações, opiniões, atitudes,
valores, crenças e tendências subjacentes nos discursos.
Para o trabalho de análise documental, utilizou-se a análise categorial do tipo
temática, a fim de compreender os sentidos presentes nas relações profissionais entre homens
e mulheres na PMSE e demais documentos orientadores de suas ações, entendendo que com
esse método é possível, através da classificação e recenseamento, identificar a presença de
itens de sentido que comporiam as categorias expressas no “texto”. A intenção esteve
centrada em classificar os diferentes elementos presentes na mensagem, inferindo dados sobre
a sua intenção e os sentidos que cada categoria carrega, tendo em vista que a categorização
permite o agrupamento de elementos comuns e fornece um conjunto resumido dos dados
reunidos.
Para o tratamento dos dados obtidos a partir das respostas dos 325 questionários
6
aplicados , incluindo os cruzamentos com base em algumas variáveis tais como sexo dos
policiais e posto ou graduação por eles ocupados, utilizou-se o Programa Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS).
_________________
6
Para definição desse número foi utilizada a fórmula de amostragem finita considerando nível de confiança
padrão em torno de 95% para um universo de análise com menos de 10.000 indivíduos, como é o caso da
Polícia Militar de Sergipe, que tem um efetivo estimado em 5.740 policiais, sendo 334 mulheres e 5.406
homens. A amostra da pesquisa, fundada no método hipotético-dedutivo, por sua vez, pode ser definida como
não-probabilística e do tipo estratificada, tendo em vista se voltar para a análise de gênero.
19
Desse modo, o trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado
“Gênero, Trabalho e Polícia: Mulheres Policiais e Desafios Contemporâneos”, no qual se
procurou discutir a inserção das mulheres no mercado de trabalho e, de modo mais específico,
nas instituições policiais. A partir de uma breve revisão bibliográfica sobre o conceito de
gênero, o capítulo abordou o processo histórico que marca no ocidente o processo de ingresso
das mulheres no mercado de trabalho, ressaltando os aspectos controversos desse ingresso
atualmente, com a permanência de menores rendimentos e dificuldades de ascensão. O
capítulo aborda, ainda, o caso específico das polícias militares no Brasil, onde a presença
feminina é menor, em razão dos entraves legais que impedem a ampliação do percentual de
mulheres, que a despeito da sua chegada aos maiores postos da instituição ocupam posições
de pouco prestígio, encontrando-se em grande parte restritas aos setores burocráticos.
No segundo capítulo, que recebeu o título “Mulheres na Polícia Militar: uma
inserção recente e condicionada”, empreendeu-se discussão sobre o processo histórico de
constituição das instituições policiais, associadas às transformações sociais e políticas que
possibilitaram a emergência do Estado Moderno. O capítulo, amparado em documentos e
matérias jornalísticas que registraram o ingresso das primeiras mulheres na PMSE, segue
apresentando o contexto histórico que marcou esse ingresso como resultado do processo de
retorno ao regime democrático, bem como das estratégias no campo da segurança pública no
Estado para reformulação da imagem da Polícia Militar, com ênfase nos aspectos atuais dessa
presença na instituição, onde o elemento feminino é percebido com resistências.
No terceiro capítulo, o trabalho se debruçou precisamente sobre as representações
sociais de policiais, homens e mulheres, sobre o papel feminino na corporação. Tendo como
material as respostas colhidas através de 325 questionários com questões fechadas
distribuídos em diferentes unidades da PMSE, o capítulo analisou a percepção que os policiais
masculinos e femininos possuem sobre o exercício policial realizado por mulheres. Além dos
questionários cujos dados foram recolhidos por meio das tabelas construídas pelo SPSS, o
trabalho, para ser respaldado com elementos qualitativos, fez uso de entrevistas realizadas
com 10 policiais militares, sendo 05 homens e 05 mulheres, de diferentes postos e graduações
e que atuam seja no setor administrativo ou operacional da PMSE.
Por fim, o trabalho apresenta nas considerações finais uma síntese da discussão
empreendida, destacando os principais aspectos presentes nas representações sociais dos
policiais militares de Sergipe sobre as relações de gênero internamente. Além disso, apresenta
algumas sugestões, também presentes em outros estudos semelhantes, que possam vir a
20
subsidiar a construção de políticas públicas na área, configurando um cenário mais promissor
para uma assimilação plena das mulheres nos destinos da segurança pública em Sergipe.
Dessa forma, o estudo enfatiza, portanto, a necessidade de refletir sobre as formas
simbólicas que caracterizam a inserção feminina nas instituições policiais, assim como a
influência que as diferentes orientações e práticas no campo da Segurança Pública no Estado
exercem sobre a identidade profissional de mulheres policiais diante de uma cultura policial
militar que historicamente tem reservado um lugar subalterno ao público feminino.
21
CAPÍTULO I
São muitas as dificuldades que se
apresentam para as que ousam se enveredar
pelos estudos das mulheres em sociedade,
pois trata-se de um terreno minado de
incertezas, saturado de controvérsias
movediças, pontuado de ambigüidades sutis
que é preciso discernir, iluminar,
documentar, mas que resistem a definições.
Maria Odila Dias (1992, p. 39).
1 GÊNERO, TRABALHO E POLÍCIA: Mulheres policiais e desafios contemporâneos
A partir deste capítulo, busco apresentar uma breve discussão sobre os estudos
que envolvem gênero, trabalho e instituições policiais. O propósito é discutir o conceito de
gênero, suas especificidades, de modo a relacionar essa categoria à dinâmica histórica que
possibilitou às mulheres um crescente e difícil ingresso no mercado do trabalho, com ênfase
na experiência brasileira do último século. Pretendo também, neste espaço, localizar os
principais estudos que no Brasil analisaram a inserção feminina nas polícias militares,
identificando as características dessa inserção, considerada tardia no país, e o panorama atual
que ainda confere à presença feminina um lugar tímido nessas instituições.
1.1 Os estudos de gênero e a mulher no mercado de trabalho
Ao discutir inicialmente a concepção de gênero, é importante afirmar que essa
categoria teve sua origem nos estudos feministas que procuravam destacar as diferentes
formas de dominação e opressão a que as mulheres eram submetidas em contextos históricosociais diversos (SCOTT, 1993). Atualmente, gênero consiste numa categoria largamente
utilizada no campo das Ciências Humanas e Sociais para pensar as representações elaboradas
a partir das relações entre o masculino e o feminino.
Sustentado nas diferenças percebidas entre os sexos, o conceito de gênero
converge seu foco de atenção para a análise em torno da relação por vezes conflituosa entre
homens e mulheres e que expressam a conexão com temas amplos como natureza-cultura,
diferença-identidade, igualdade-desigualdade, dominação-submissão. Como oportunamente
destacou Bila Sorj (1992, p. 15-6):
22
[...] diferentemente do sexo, o gênero é um produto social, aprendido, representado,
institucionalizado e transmitido ao longo das gerações. [...] envolve a noção de que o
poder é distribuído de maneira desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma
posição subalterna na organização social.
Cristina Bruschini (1992) afirma que gênero, na condição de categoria analítica,
pode ser compreendido como uma maneira de fazer referência às relações estabelecidas entre
os sexos em sociedade, negando veementemente o determinismo biológico que atribui certas
características como a procriação e a força como atributos essencialmente femininos e
masculinos, respectivamente. Enquanto categoria relacional, gênero estabelece as diferenças
entre homens e mulheres através da noção de alteridade, rejeitando, portanto, a possibilidade
de pensá-los separadamente.
Scott (1993, p. 85) define ainda gênero como um elemento dual marcado pela
existência de diversas subdivisões que se relacionam entre si, mas que exigem uma análise
específica. Ele é, desse modo, “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas
diferenças percebidas entre os sexos e [...] uma forma primária de dar significados às relações
de poder”. Assim, a categoria se refere, sobretudo, às formas de construção social, cultural e
modos de subjetivação mais amplos, portanto, que a simples discussão de papéis e funções
comumente atribuídos a homens e mulheres (AMARAL, 2005).
A respeito do termo, Maria Luíza Heilborn (1992) observou a necessidade de
escapar dos erros comuns em algumas produções que, ao convergirem para valorização da
mulher e a denúncia das estruturas patriarcais, não conseguiram desenvolver uma reflexão
profunda sobre o tema, confundindo-se em alguns momentos com o discurso do movimento
feminista e afastando-se do processo que marca exatamente a emergência do conceito de
gênero, ou seja, a passagem do estudo da condição feminina para o estudo das relações entre
homens e mulheres7.
No caso do Brasil, essa passagem aconteceu, segundo Lia Zanotta Machado
(1992), nos anos finais da década de 1980, quando os estudos de gênero no campo das
Ciências Sociais, Literatura e crítica literária assumiram maior projeção que os estudos de
mulher e sobre os “papéis sexuais”. Contudo, a passagem da categoria sexo para a categoria
gênero não implicou diretamente na mudança de olhar sobre a amplitude dessa última
7
De acordo com Alejandro C. Carson (1995, p. 197): “...gênero só alcança uma forma melhor acabada quando
se constitui em uma perspectiva analítica, um modelo de interpretação ou uma forma de pensamento que
reconhece o componente sexual como um sistema de diferenciação social, um sistema de distinção ou uma
estrutura de privilégio que coexiste e se articula com outras estruturas de organização diferencial dos sujeitos
sociais”.
23
categoria, que está fundamentada num sistema relacional e na possibilidade de destacar e
explorar a dimensão social associada à diferença entre os sexos e que se relaciona às relações
familiares, religiosas, econômicas, entre outras. Pois, como observou essa autora, a percepção
das relações de gênero como relações do patriarcado, é responsável por reforçar a dominação
masculina e impedir, por sua vez, a identificação de outras formações simbólicas, dentre eles
as múltiplas formas de poder localizadas unicamente no feminino (MACHADO, 1992).
Uma perspectiva que encontra fundamento na crítica genealógica apresentada por
Michel Foucault e segundo a qual, de acordo com Judith Butler (2003, p. 09) tem como
premissa a recusa da busca das
origens do gênero, a verdade íntima do desejo feminino, uma identidade sexual
genuína ou autêntica que a repressão impede de ver; em vez disso, ela investiga as
apostas políticas, designando como origem e causa categorias de identidade que, na
verdade, são efeitos de instituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são
múltiplos e difusos. A tarefa dessa investigação é centrar-se – e descentrar-se –
nessas instituições definidoras: o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória.
Célia Chaves do Amaral (2005), discutindo a relação entre gênero e profissão,
afirma que a predominância de mulheres ou homens em algumas profissões torna-as espaços
reconhecidos como naturalmente masculinos ou femininos, em razão da sua maior vinculação
a elementos simbólicos considerados próprios ao mundo da casa ou da rua ou a saberes
científicos das ciências exatas ou humanas. Aspecto que torna importante a análise das
representações de gênero, visto que elas se apresentaram:
[...] tanto na perspectiva da dualidade do ser masculino e do ser feminina como nas
relações de diferenças e igualdades entre homem-mulher nos seus universos de
convivência, seja nas relações de trabalho, de poder no cotidiano familiar, de
referenciais nos grupos de amizade, seja na projeção de atitudes (AMARAL, 2005,
p. 59).
Segundo a autora, embora tenham sido expressivos os avanços no mundo do
trabalho através da maior inserção de mulheres em várias profissões, até então exclusivas aos
homens e consequentes mudanças nas relações sociais e na estrutura familiar, ainda persistem
processos sociais que atuam hierarquizando os sexos a partir do reforço das desigualdades e
na oposição entre o feminino e o masculino, restringindo-os aos respectivos sexos biológicos
(AMARAL, 2005).
Elizabeth Lobo (1992) ressalta, neste sentido, que as relações de trabalho trazem
em si uma relação de poder que demarca as diferenças percebidas entre os sexos, sendo
elemento que explica a existência de critérios diferenciados, reconhecidos ou não, utilizados
24
para a definição de qualificações, carreiras e promoções para homens e mulheres. Essas
diferenças e os processos que daí se originam, manifestam as relações de força entre ambos,
que encontram amplo espectro histórico como destacou Michelle Perrot (2005, 2007) em
alguns dos seus trabalhos.
Segundo bem ressaltou a citada historiadora, as mulheres sempre desempenharam
atividades e, desse modo, sempre trabalharam, ainda que nem sempre tivessem exercido
“profissões”. A diferença mais acentuada nessa questão, é que o trabalho feminino esteve
centrado na esfera doméstica, voltado à reprodução e por isso não valorizado socialmente
através de remuneração e prestígio (PERROT, 2007).
É a partir dos efeitos da Revolução Industrial, com o regime assalariado em
expansão a partir dos séculos XVIII-XIX no mundo ocidental que o trabalho das mulheres vai
ser discutido como uma possibilidade frente às implicações desse processo para os destinos da
família e para o seu lugar na ordem doméstica. Foi nessa fase de emergência de uma nova
organização da economia que o trabalho feminino passou a ser integrado às “novas
profissões”, ainda que às esferas mais baixas (GONÇALVES, 2006).
Segundo Michelle Perrot (2007), a noção de “profissão feminina” definiu seus
contornos no século XIX em meio a um contexto geral de profissionalização que na França,
em função do equilíbrio demográfico, possibilitou o ingresso das mulheres no mercado de
trabalho. Nesse período, a condição das famílias, resultado de mudanças expressivas no
campo sócio-econômico, possibilitou o trabalho feminino fora do lar como forma de
complementar a renda doméstica, engrossando a legião de operários nas fábricas, onde seus
corpos e suas condutas tornaram-se objetos privilegiados de controle através de um rigor
moral que fez cair sobre elas um tipo de suspeita constante. Assim, preservava-se o trabalho
feminino como atividade de menor valor, estratégico aos interesses do mercado, seja para
mobilizar mão-de-obra de baixo custo por tempo determinado, seja para promover o trabalho
masculino, corrigindo problemas de ascensão em suas carreiras, na medida em que a
ocupação dos cargos subalternos pelas mulheres trouxe consigo a possibilidade de acesso a
funções mais vantajosas.
Comentando a vida das camponesas, das domésticas, donas-de-casa, sejam
operárias ou burguesas, a autora destaca algumas mudanças operadas nas cidades com a
ampliação das condições de vida da população em geral. Tais mudanças trouxeram
transformações que atuaram no alargamento das possibilidades de trabalho para as mulheres,
até então restritas ao ambiente doméstico e das fábricas, sobretudo do setor têxtil. Nos
“novos” ofícios, ligados ao setor terciário (vendedoras, secretárias, enfermeiras, professoras e
25
atrizes), persiste o caráter doméstico e feminino, isto é, a valorização do corpo e da aparência
“delicada”, dos gestos “atenciosos” e “gentis”, considerados qualidades femininas. Como
consequência, embora em muitas delas os homens tenham lhes dificultado o acesso,
principalmente questionando a reputação daquelas que ousavam frequentar espaços públicos
como lojas e palcos, essas profissões se feminizaram.
Em outro trabalho relevante, Michelle Perrot (2005), ao questionar o que
constituía efetivamente um trabalho “de mulher”, afirma que as profissões direcionadas às
mulheres partem da idéia de que essas atividades melhor se ajustam às qualidades essenciais,
“inatas”, tanto físicas e morais, próprias ao universo feminino. Assim, as atividades exigem
corpos flexíveis, dedos ágeis nas tarefas de costura e tocar piano, escrever à maquina de
datilografia, na montagem eletrônica que pressupõe grande precisão, ajustando-se a uma
“natural” postura passiva que favorece a execução, a doçura e a submissão. Uma expectativa
que coloca as mulheres frente ao desejo masculino de que elas sejam discretas, flexíveis,
obedientes, saibam se vestir e comportar em diferentes ocasiões, evitando os excessos de
gestos e vestimentas.
No Brasil, o trabalho feminino durante as primeiras décadas do século XX esteve
centrado, além do espaço doméstico, nas fábricas junto a crianças, formando grande parte do
proletariado da época. Do trabalho nas unidades fabris, na ação política nas ruas, as principais
imagens evocadas pelas fontes históricas remetem tanto à compreensão das mulheres como
seres “frágeis” e “infelizes”, nas lentes dos jornalistas; “perigosas” e “indesejáveis”, na
opinião dos industriais; “passivas” e “inconscientes”, segundo os militantes políticos;
“perdidas” e “degeneradas”, na compreensão de médicos e juristas (RAGO, 2008).
Nesses espaços, as mulheres trabalhadoras, em sua maioria de origem estrangeira,
vindas principalmente de países europeus em busca de melhores condições de vida, viveram
experiências dolorosas de exploração e violência. Margareth Rago (2008) afirma que desde a
primeira metade do século XIX o governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes
europeus para trabalhar na agricultura e nas fábricas construídas nas principais cidades do
país. O objetivo era substituir a mão-de-obra escrava e promover o embranquecimento da
população, possibilitando a formação do “novo trabalhador brasileiro”, com base nas teorias
eugenistas formuladas na Europa e nos Estados Unidos.
Atuando como costureiras, operárias nas indústrias de fiação e tecelagem, que
dispunham pouca mecanização, as mulheres estavam distantes de indústrias de calçado,
metalurgia e mobiliário, espaços dominados pelos homens. Apesar de importantes e maioria
em algumas áreas, com o avanço da industrialização as mulheres foram aos poucos sendo
26
substituídas pelos homens, que passaram a ter maior presença no setor industrial, sobretudo
depois da guerra. Além disso, percebido como elemento incompatível com a moral feminina,
o trabalho fora do lar era desaconselhado ou mesmo proibido no interior das famílias, onde a
responsabilidade pelo sustento era uma tarefa “exclusivamente” masculina. Trabalhar fora
também poderia consistir um sério empecilho aos pais que desejavam ver suas filhas “bem
casadas”, pois, de modo geral, o trabalho era visto como ameaça à honra feminina; um espaço
de “perdição” que poderia comprometer seriamente a conduta das mulheres, concebidas como
passivas e indefesas diante da “devassidão” que imperava nesses lugares.
Entretanto, se por um lado o mundo do trabalho era concebido como a
representação da perdição, o lar era visto como espaço sagrado, lugar de “proteção” para a
mulher, principalmente em tempos onde as consequências da urbanização faziam das ruas
espaços representados pela violência, por roubos, agitações políticas, pela porbreza e pela
loucura, enfim, espaços inseguros. Conforme apontou Gilles Lipovetsky (2000, p. 205): “o
trabalho das mulheres na fábrica é associado à licença sexual e à degenerescência da família,
é considerado degradante, contrário à vocação natural da mulher. Na burguesia, o
assalariamento feminino causa horror como sinal de pobreza”.
Seguindo essa argumentação, médicos e higienistas viam no trabalho feminino
fora do espaço doméstico um ingrediente decisivo para destruição das famílias na medida em
que as mulheres eram vistas como ignorantes e menos racionais que os homens, podendo
facilmente ser ludibriadas por chefes e patrões. Um argumento amparado nas considerações
da ciência, que reforçava a idéia de que a constituição biológica das mulheres as tornava seres
inadequados à vida pública.
Segundo Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998, p. 386), que analisaram as
mudanças no comportamento feminino durante as primeiras décadas do século XX e a
discussão sobre as diferenças que marcavam o papel de homens e mulheres, intelectuais da
época se voltaram para a definição das diferenças entre os dois sexos, concluindo que:
Diferentes biologicamente, diversas psicologicamente, desiguais socialmente, as
psiques do homem e da mulher eram vistas como ‘meros reflexos de suas posições
físicas no amor: uma procura, domina, penetra, possui; a outra atrai, abre-se,
capitula, recebe. O trabalho, pura sublimação dos impulsos naturais, sempre será
alocado pelo sexo, em harmonia com as disposições. Os mais variados discursos
sobre a família e o casal – literários, religiosos, médicos e jurídicos – decretavam, a
partir de meados do século passado [século XIX], que era no lar, no seio da família,
que se estabeleciam as relações sexuais desejadas e legítimas, classificadas como
decentes e higiênicas.
27
Desse modo, as mulheres deveriam ficar restritas ao lar, lócus apropriado à sua
verdadeira e íntima “natureza”, dedicando-se aos afazeres domésticos, à criação correta dos
filhos e os cuidados com o esposo, a fim de evitar, sobretudo, a estigmatização das profissões
associadas com frequência à perdição, à decadência e não raro à prostituição. O espaço
público era considerado “eminentemente” masculino e impróprio às mulheres.
A década de 1950 marca a cena brasileira com a ascensão da classe média,
resultante do otimismo que se espalhou pelo mundo com o fim da Segunda Guerra. O intenso
crescimento industrial e urbano favoreceu o desenvolvimento das oportunidades de estudo e
lazer para homens e mulheres, de modo que a melhoria das condições de vida estimulou
mudanças importantes, fazendo diminuir as distâncias que outrora os separavam
(BASSANEZI, 2008).
Embora continuassem fortes, essas diferenças, que diziam respeito, sobretudo à
moral sexual e ao trabalho da mulher, visto com grande preconceito e apenas “complemento”
do trabalho do homem, considerado o “chefe da casa”, vão paulatinamente cedendo, seguindo
a tendência observada a nível internacional com o processo de modernização e emancipação
feminina. É o caso, por exemplo, do ingresso de mulheres em instituições até então
exclusivamente masculinas, como a Polícia Militar de São Paulo, que recebe as primeiras
mulheres na década de 1950.
Nas décadas seguintes, as transformações sociais e econômicas impulsionaram a
ampliação da participação feminina no mundo do trabalho. Contudo, essa maior participação
foi seguida de perto pela permanência de velhos entraves à absorção plena e equânime das
mulheres, conforme observou Cristina Bruschini (2000).
No referido trabalho, a autora analisa a participação das mulheres no mercado de
trabalho brasileiro entre anos de 1985 e 1995. o trabalho evidencia as especificidades dessa
mão-de-obra no contexto de expressivas mudanças demográficas, sociais, culturais e políticas
que correspondem no país à transição da ditadura para o regime democrático, assim como a
um quadro dominado por crises econômicas e investimentos em planos de reestruturação da
economia (BRUSCHINI, 2000).
De acordo com a autora, os dados mais reveladores dessas transformações podem
ser identificados nos índices que apontam para a queda das taxas de fecundidade, o
envelhecimento da população, a ampliação do número de mulheres que se tornaram chefes de
famílias, assim como o aumento da escolaridade e os novos valores relacionados ao papel
feminino na sociedade brasileira. Fenômenos relacionados ao retorno do país à realidade
democrática, registrado nesse período (BRUSCHINI, 2000).
28
A socióloga afirma ainda que o período analisado registrou taxas elevadas de
crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, sendo um fenômeno que seguia
uma tendência observada desde os anos 1970, quando as transformações na composição
demográfica da população, com intenso crescimento urbano e industrial fomentavam
alterações significativas nos padrões de sociabilidade, no aparecimento mais incisivo das
demandas femininas e o surgimento de alterações na configuração das famílias no Brasil.
Pode-se citar nesse processo a queda na taxa de fecundidade que apresentou famílias com
menos filhos por mulher, fator que veio a possibilitar uma maior participação feminina nos
trabalhos fora do lar (BRUSCHINI, 2000).
Do mesmo modo, o maior acesso a bens e serviços, sobretudo nos centros mais
desenvolvidos, juntamente com o aumento da escolaridade, ampliaram as possibilidades de
inserção das mulheres. A população, frente a um contexto que possibilitava mais informações,
vindas em grande parte da programação das redes de rádio e televisão, dos jornais e do
cinema - principais formas de entretenimento e informação, principalmente para os setores
médios e baixos urbanos –, deparou-se com novos arranjos familiares e os dramas de
personagens que sinalizavam para alterações expressivas nas representações sobre o que era
ser “mulher”. Como assinalou Esther Hamburger sobre o papel das novelas nas mudanças
culturais no país, as produções da década de 1970 ressaltavam parte dessas transformações na
maneira como as mulheres eram retratadas:
Nos anos 70, mesmo que em geral acabassem por afirmar a superioridade de um
padrão de mulher dependente, fiel, obediente e restrita ao universo doméstico, as
novelas opunham esse padrão a um modelo de mulher profissional, liberada e
independente, captando e expressando uma discussão cujo resultado mudou com o
tempo, ao menos parte, de sinal.
As mudanças sociais e culturais na sociedade brasileira nesse período
impulsionaram a mulher a ocupar uma posição mais ativa nos espaços públicos, incorporando
elementos importantes à identidade feminina que se tornou aos poucos um elemento menos
estranho em diversas profissões. A partir dos anos 1970, verifica-se que coincidem no Brasil
os processos de valorização da identidade feminina, de denúncia da estrutura patriarcal e
autoritária dos valores e instituições e o movimento sócio-político em torno do fim da
ditadura e retorno à democracia (NEVES, 2000).
Contudo, como observou Bruschini (2000), a identidade das mulheres permaneceu
associada ao espaço do lar, moldando juntamente com outros fatores a sua participação no
mercado de trabalho, a despeito de sua maior qualificação, escolaridade e oferta de emprego,
29
que orientam a contratação e promoção na carreira dos homens. Um aspecto também
destacado por outros autores, a exemplo de Anita Brumer (1988), que em fins da década de
1980, com base no Censo de 1980, revelou que do total de mulheres que desempenham
funções consideradas não-agrícolas, grande parte delas, 73%, atuavam como empregadas
domésticas (23,9%), funções burocráticas em escritório (14,4%), professoras primárias e
secundárias (7,7%), costureiras e bordadeiras (7,1%), serventes (4,9%), balconistas (4,6%),
entre outras, indicando que as ocupações estavam relacionadas a características identificadas
como essencialmente “femininas” como servir, alimentar, limpar, cuidar e educar.
É possível assim afirmar que contam enquanto fatores para admissão de mulheres
não apenas as necessidades do mercado e o cumprimento dos requisitos formais para atender
essas demandas como experiência e qualificação, mas a combinação de outros vários fatores
como a presença de filhos pequenos e idade da candidata, impedindo uma inserção plena do
público feminino. Uma das razões para isso está no fato de as mulheres continuarem
responsáveis potenciais dos afazeres domésticos, pela criação dos filhos e cuidados
reservados a outros familiares como pais enfermos ou idosos.
A responsabilidade dos cuidados com os filhos pequenos, no Brasil, é um dos
aspectos que dificultam de forma expressiva a maior inserção das mulheres no trabalho para
além do mundo doméstico.
No caso específico brasileiro, um dos motivos que tornam a maternidade um
maior obstáculo às mulheres na busca por trabalho está na ausência de um suporte social mais
amplo que possa, por exemplo, através de creches, atender um número maior de mães com
filhos pequenos e assim liberá-las para a participação numa jornada de trabalho.
No que se refere à distribuição da mão-de-obra segundo gênero no país, as
mulheres alcançaram nos anos 1990 um relativo aumento de sua participação nos setores
industrial e comercial. Contudo, o setor de serviços continua sendo o espaço majoritariamente
ocupado pelas mulheres, embora tenha sofrido algumas variações com o ingresso de um
maior número de homens entre os anos 1985 e 1995, com a ascensão feminina em cargos de
maior prestígio social, como o das profissões liberais, que tiveram um aumento acima de
100% nos casos de medicina, jornalismo, odontologia, arquitetura e até mesmo engenharia,
área predominantemente masculina onde o percentual de mulheres nesse período, segundo
Cristina Bruschini (2000), estava abaixo de 7%.
Sobressaem-se, paralelamente às mudanças, a concentração das mulheres em
conhecidas áreas como enfermagem, magistério primário, assistência social, entre outras,
acompanhada de um aumento nos níveis superiores de ensino e em atividades financeiras,
30
aspectos que representam alterações significativas, embora não seguida por uma distribuição
mais igualitária dos salários, pois as mulheres continuam desempenhando com maior
frequência atividades caracterizadas pela informalidade e pelos baixos rendimentos, de modo
que, segundo Paula Montagner (2000, p. 165):
No âmbito regional, fica explícito que quanto mais afastados dos centros produtivos,
mais frágeis são as condições de inserção das mulheres, evidenciando que a
utilização dessa força de trabalho em substituição à do homem é uma forma de
rebaixamento dos salários e de descumprimento de regulações que tendem a ser
consideradas básicas em outras economias, tais como a prevenção de acidentes e a
preservação de condições de salubridade mais elementares.
Em relatório do IBGE, sob o título: “Tempo, trabalho e afazeres domésticos: um
estudo com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 e
2005”8, fica claro que o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não
esteve associado à diminuição do tempo despendido para o cumprimento das atividades
domésticas. Segundo a pesquisa, entre as mulheres com maior inserção no mercado de
trabalho, aquelas situadas na faixa etária de 25 a 49 anos, o trabalho doméstico é um elemento
presente na vida de 94% delas. A pequena colaboração dos homens, seguida da presença
comum de filhos pequenos nesse segmento de mulheres, torna a rotina feminina
extremamente desgastante, caracterizando-se pela dupla jornada de trabalho, onde o fato de
ser casada, assim como a cor, são fatores que interferem no tempo dispensado às atividades
domésticas. Em geral, mulheres casadas, com filhos menores de 14 anos e de cor preta são as
que apresentam a maior média de tempo gasto com os afazeres domésticos.
Apesar da diminuição da distância clássica entre os salários, os homens continuam
obtendo os maiores rendimentos mesmo desempenhando funções idênticas às das mulheres.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo IBGE em janeiro de 2008 nas
principais capitais do país (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre) havia nesse período 9,4 milhões de mulheres trabalhando nessas seis regiões
metropolitanas, constituindo 43,1% – maior, portanto, que o percentual registrado em 2003,
quando eram 40,1% as mulheres com 10 ou mais anos de idade.
_________________
8
Para
maiores
detalhes
sobre
a
pesquisa,
consultar
material
disponível
em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=954>. Acesso em: 06
jul. 2009.
31
O relatório apresenta outros dados interessantes como o fato de embora
constituírem a maioria da população total as mulheres são minoria no mercado de trabalho,
liderando o ranking de desocupação e de indivíduos com menor percentual de carteiras
assinadas (menos de 40%) e média salarial bem abaixo daquela dos homens. Para 40 horas
semanais de trabalho, as mulheres recebiam em média R$ 956,80 mensais, o que correspondia
a 71,3% dos rendimentos recebidos pelos homens, sendo essa diferença mais expressiva entre
os indivíduos escolarizados, onde as mulheres com nível superior recebiam em média 40%
menos que os homens. Ou seja, elemento que aponta para pouca relação entre escolaridade e
rendimentos percebidos pelas mulheres, conforme consta na tabela 01 a seguir:
Tabela 01 - Rendimento médio habitual de homens e mulheres
Capitais
Pesquisadas
Recife
Salvador
Belo Horizonte
Rio de Janeiro
São Paulo
Porto Alegre
Total
Rendimento Médio Habitual dos
Homens
jan/03
jan/08
834,91
926,20
1.199,24
1.070,40
1.102,67
1.250,80
1.088,78
1.260,90
1.529,24
1.528,80
1.100,94
1.295,10
1.302,30
1.342,70
Rendimento Médio Habitual das
Mulheres
jan/03
jan/08
647,88
703,00
793,54
793,90
705,09
816,10
817,82
952,90
1.100,86
1.076,40
782,73
897,20
933,53
956,80
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego,
(Janeiro de 2008).
Um dado que expressa um tímido aumento dos rendimentos das mulheres, pois a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, relativa ao ano de 2004, registrou que nesse
ano a remuneração média das mulheres ocupadas representava 69,3% dos rendimentos
percebidos pelos homens.
Praticamente não houve mudança de patamar em relação a 1999, quando a
percentagem era de 69,1%, constatando-se algumas oscilações expressivas quando
relacionadas à posição da ocupação, desde os empregados, com os maiores rendimentos,
passando pelos empregadores, trabalhadores domésticos, até os trabalhadores autônomos,
com os menores rendimentos9.
_________________
9
Ver outros dados em: Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD 2004. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=487>. Acesso em: 06
jul. 2009.
32
Os baixos rendimentos recebidos por elas expressam a permanência da
desigualdade sexual e de processos abertos de hierarquização e inferiorização reproduzidos
socialmente no mundo do trabalho, onde as funções geralmente realizadas pelos homens são
vistas de maneiras distintas, recebendo maior reconhecimento social. O trabalho feminino
continua sendo marcado pela precariedade das condições, pelo caráter temporário, pela
existência de dupla jornada e baixos salários. As atividades reservadas às mulheres não
raramente são monótonas e repetitivas, assim como distantes do emprego das novas
tecnologias (NEVES, 2000).
Sobre as relações de hierarquização e inferiorização, Marco Aurélio Prado e
Frederico Machado (2008) afirmam que, embora se desenvolvam de formas distintas, a
hierarquização e a inferiorização são fenômenos que se complementam na permanência das
desigualdades e na intensificação dos processos de exclusão social, que podem se manifestar
seja através de forma violenta ou escamoteada como a inclusão subalternizada.
Ao diferenciar essas duas categorias, os autores afirmam que a hierarquização está
amparada nos mecanismos de subordinação, que visa conferir funcionalidade entre os atores
sociais em tipos específicos de organização que se fundamentam em diversos momentos em
discriminações históricas, sendo uma de suas características a ausência de antagonismos
reconhecidos entre os seus membros, visto que as diferentes posições hierárquicas se
complementam. O reconhecimento dos processos de hierarquização pelos membros de uma
organização, como sinônimo de violência, é a condição para defini-lo como uma relação de
opressão.
Neste sentido, o preconceito pode ser visto como um tipo de regulador social das
relações entre os indivíduos e grupos sociais que possui como uma de suas finalidades
principais assegurar a permanência das relações subordinadas, não permitindo que se
transformem em política. Uma das formas mais comuns utilizadas pelo preconceito é se
amparar em atribuições negativas de origem moral, religiosa ou mesmo vinda das ciências, a
fim de definir um tipo de hierarquia sexual onde a heteronormatividade surge como referência
e passa a regular as relações humanas, aspecto que possui força nos discursos sobre a
sexualidade no mundo ocidental e que caracterizam as relações interpessoais, relações de
afeto entre os indivíduos, passando também a orientar a ação das instituições públicas e a
formulação de leis e as ações dos governos.
Os autores chamam a atenção para o fato de que os processos de inferiorização
terem um reflexo amplo, pois eles não apenas retirariam direitos, mas promoveriam a
segregação ao atribuir a membros de determinados grupos características naturais e, portanto,
33
que impediriam o reconhecimento de uma relação de opressão como etapa importante para o
debate público. Elemento que caracteriza a hierarquização como uma operação dialética que
aposta na inferiorização como forma de reforçar a pretensa superioridade de um grupo sobre o
outro e que estabelece forte vínculo com o conceito de estigma10 formulado por Goffman
(1988) e que se relaciona com a história das relações de gênero e, de forma específica, para o
processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho.
1.2 Gênero e Instituições Policiais: aspectos da inserção feminina e panorama atual
No campo dos estudos gênero, que reúne produção extensa e variada, é possível
afirmar, entretanto, que são poucos os trabalhos que tenham se voltado para a análise da
presença feminina em instituições policiais.
Dentre as pesquisas que se debruçaram sobre a análise da presença feminina nas
instituições policiais militares é importante destacar o livro de autoria de Barbara Soares e
Leonarda Musumeci (2005). Na obra, as autoras analisam as relações entre a Polícia Militar e
a atuação de mulheres policiais a fim de pensar sobre os principais temas relacionados ao
trabalho policial a partir da ótica feminina e das estruturas organizacionais da PM, onde o
investimento em inteligência é restrito em detrimento da valorização do viés bélico na
corporação.
No referido trabalho, Soares e Musumeci (2005) empreendem discussão sobre as
funções geralmente delegadas às mulheres na PM e os objetivos que norteiam essas escolhas,
apresentando não só as resistências do público feminino diante da cultura militarista mas a
assimilação de valores dominantes. A inserção das mulheres pode ser vista como um processo
aberto, onde se atendeu supostamente não só o interesse em disponibilizar um efetivo maior
de homens para as tarefas mais “pesadas” e “perigosas”, retirando-os dos serviços “leves”,
mas significou um elemento do marketing dessas instituições, uma “reforma cosmética” que
visou humanizar a imagem da polícia, bastante debilitada socialmente.
Outra referência importante é o artigo de Camila Sousa e Carla Santiago (2007),
que, a partir de perspectiva histórica, analisaram a inserção feminina na Polícia Militar de
10
Segundo Goffman (1988), o estigma pode ser definido como aspecto que impossibilita o indivíduo de ser
aceito de forma plena em sociedade, sendo um conjunto de relações que fazem referência a determinados
atributos considerados socialmente negativos.
34
Minas Gerais na década de 1980, a fim de compreender o reflexo e as resistências operadas na
cultura institucional da polícia militar mineira.
Andréa Mazurok Schactae (2004) procedeu em percurso similar, ao empreender
análise sobre as representações produzidas, tanto institucionalmente como nas crônicas
publicadas na imprensa escrita paranaense, a respeito da inserção e trabalho de mulheres
policiais na Polícia Militar do Estado do Paraná entre anos de 1979 e 1984. Segundo esse
estudo, a presença feminina na instituição ocorreu em plena luta das mulheres por maior
participação na vida pública do país, sendo as atividades pensadas como mais adequadas para
as mulheres àquelas relacionadas às representações presentes na sociedade sobre o mundo
feminino.
Em levantamento bibliográfico realizado por Márcia Calazans (2004), a autora
destacou o caráter limitado da produção sobre o tema em termos numéricos. Das referências
citadas por ela estão as dissertações de mestrado de Maia (1993), intitulada: “Polícia feminina
– perfil e ambigüidade da mulher militar na organização: assistência ou repressão?” e de
Meneli (1991): “A construção do gênero feminino e a alteração de seu papel social”,
defendidas na PUC de São Paulo e na PUC do Rio Grande do Sul, respectivamente.
A própria Márcia Calazans também tem produzido trabalhos importantes nessa
seara nos últimos anos como a sua dissertação de mestrado em Psicologia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, intitulada: “A constituição de mulheres em policiais: um
estudo sobre policiais femininas na Brigada Militar do Rio Grande do Sul” (2003), que
investigou a forma pela qual a institucionalidade da PM, assentada em práticas violentas,
torna possível às mulheres a constituição de uma identidade policial.
Em artigo sobre gênero e polícia, Calazans (2005) investigou, por sua vez, as
implicações das relações de gênero nas polícias militares brasileiras num contexto policial
marcado pela necessidade e processos de reforma institucional, evidenciando as resistências à
incorporação de mulheres nas atividades policiais de rua, reservando-lhes os espaços internos
enquanto um reflexo da concepção ainda vigente que associa o feminino ao mundo
doméstico. Embora percebidas como elemento “humanizador” na instituição, mais rigorosas
no cumprimento dos deveres profissionais, a presença feminina continua restrita e pouco
valorizada nos projetos que visam melhorar a ação policial.
Nesse campo, pode-se citar artigo de Vera Lúcia Massoni Silva (2001), que
analisa o discurso produzido por um grupo de mulheres policiais da cidade de São José do Rio
Preto a respeito de sua presença em atividades assistenciais e burocráticas na instituição, que
relacionaria as qualidades específicas próprias à “condição” feminina aos interesses dessas
35
mulheres em não se apresentarem preparadas a desempenhar as mesmas funções que os
homens.
Outro trabalho relevante é o livro “A face feminina da polícia civil: gênero,
hierarquia e poder”, organizado por Glaucíria Mota Brasil e que versa sobre o ingresso de
mulheres na Polícia Civil do Estado do Cear
Compartilhada por homens e mulheres, as percepções sobre o feminino resultam
numa imagem que destaca a mulher como mais ligada ao lar, à maternidade, aos cuidados
com os filhos, à forma “terna” e “delicada” de se relacionar com o mundo. “Carentes” de
“proteção” e “apoio”, as mulheres não, podem, portanto, conquistar uma posição plena e
autônoma em profissões marcadas pela violência e pela exigência de uma força
reconhecidamente masculina, como observou Maria Celina D’Araujo (2004, p. 444), que
analisou a incorporação de mulheres às Forças Armadas no Brasil. Comparando com as
discussões sobre a possível incorporação de homossexuais nas Forças Armadas, a autora
observa que diferente dos argumentos utilizados contra a incorporação de homossexuais, que
fazem referência a aspectos morais, religiosos e até sanitários, as restrições ao acesso mais
amplo das mulheres a todas as etapas da carreira militar e em ações específicas para o público
masculino, tem na suposta menor capacidade física das mulheres o argumento mais
recorrente. Assim, “...as mulheres são consideradas, em geral, seres que precisam ser
protegidos, dentro e fora dos quartéis, e isso pressupõe sua exclusão de certas atividades
consideradas de risco e de rigor disciplinar e, portanto, masculinas”.
No plano local, já pode ser considerado expressivo o número de trabalhos sobre as
instituições policiais no Estado, com pesquisas que investigam o processo de formação,
modalidades de policiamento, programas de segurança, resultantes de pesquisas vinculadas ao
Grupo de Estudos em Exclusão e Cidadania (GEPEC) da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e cursos de pós-graduação promovidos através de convênio entre o Ministério da
Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e UFS.
Das pesquisas oriundas de suas discussões, podem-se elencar os trabalhos de
Nobre (2002), Costa (2005), Reginato (2004), Neves e Passos (2002), entre outros, que
abordaram experiências de educação em direitos humanos para policiais e promoveram
debates ricos quanto às mudanças operadas na formação policial e aos limites para
reformulação das polícias e sua adequação à realidade democrática.
A representação estadual da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública (RENAESP/SE) tem motivado, através do curso de pós-graduação lato sensu em
“Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”, ofertado a partir de parceria entre a
36
Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Universidade Federal de Sergipe, a ampliação
expressiva do número de trabalhos sobre segurança pública no Estado. Os estudos construídos
no âmbito da RENAESP/SE cobrem uma multiplicidade interessante de abordagens na área,
concentrando análises, por exemplo, sobre gestão de recursos no âmbito da segurança pública,
direitos humanos, práticas policiais e
processos de
criminalização
da pobreza,
operacionalização de tecnologias da informação pelos órgãos de segurança pública do Estado,
representações sociais sobre a polícia, processos de capacitação profissional nas polícias,
penas alternativas, redução da maioridade penal, ressocialização nos presídios, atuação das
corregedorias de polícia, formas alternativas de solução de conflitos, técnicas de ação policial,
uso de armas não-letais, violência nas escolas, entre outros.
Contudo, é possível afirmar que não existem pesquisas que tenham se debruçado
de forma sistemática sobre as relações de gênero na PMSE, aspecto que justifica a relevância
científica desse trabalho11. A partir desta pesquisa, acredita-se na oportunidade de ampliar as
discussões sobre as relações de gênero nas instituições policiais e os seus possíveis impactos
nos serviços prestados à população, na medida em que, conforme David Bayley (2006, p. 17),
“as atividades policiais também determinam os limites da liberdade numa sociedade
organizada”.
Assim, faz-se importante analisar as contradições que sobressaem nos discursos e
práticas nas instituições policiais a respeito da presença feminina, pois, embora apostem na
existência de uma tendência “natural” das mulheres para estimular internamente a formação
com base em investimentos em inteligência, resolução de conflitos, trabalhos em equipe e
demais atividades mais ajustadas à realidade contemporânea – e que demandam o menor uso
da força física e maior interação com as comunidades para o tratamento dos fatores que
interagem para o aumento da violência – essas instituições subutilizam tal presença.
_________________
11
No processo de levantamento bibliográfico, tive conhecimento de uma monografia de conclusão de curso em
Serviço Social que teria analisado, do ponto de vista das relações de gênero, as transformações ocorridas na
PM de Sergipe após o ingresso do público feminino. Embora eu tenha na oportunidade conseguido identificar
a autora e solicitado pessoalmente a ela em algumas ocasiões uma cópia do trabalho, o acesso a ele não foi
possível, apesar das recorrentes promessas da autora. Do mesmo modo não consegui localizar no acervo do
curso de Serviço Social uma cópia para consulta. Além, portanto, da ausência de trabalhos locais sobre o tema,
Bárbara Soares e Leonarda Musumeci (2005) haviam destacado que na pesquisa sobre a participação das
mulheres no efetivo das Polícias Militares brasileiras, a Polícia Militar de Sergipe figurou entre as poucas
instituições que não responderam o questionário encaminhado pelas pesquisadoras, fornecendo dados sobre o
número de mulheres, tipo de atividade desenvolvida, entre outras informações, aspecto que reforça a
necessidade deste estudo.
37
A produção internacional sobre as instituições policiais têm inclusive apresentado
a ampliação da presença feminina como estratégia exitosa para diminuição dos índices de
criminalidade, a partir do fortalecimento de práticas de policiamento que visam a maior
aproximação com o público civil e melhoria na percepção da atividade policial. Além disso, a
inserção de um maior número de mulheres nas polícias é destacada como uma oportunidade
para apostar na construção de práticas mais cidadãs pelas polícias, assim como para o diálogo
entre homens e mulheres na instituição.
Inegavelmente, o ingresso das mulheres nas seções encarregadas das funções
burocráticas implicou na saída progressiva de muitos homens, sobretudo para as tarefas de
policiamento
nas
ruas,
onde
as
companhias
operacionais
continuaram
espaços
predominantemente masculinos. Neles, a abertura às poucas mulheres costuma ser concedida
sob avaliação rigorosa que pressupõe a introjeção por elas de atitudes “viris” e “guerreiras”,
enquanto os serviços das seções são apresentados por esses policiais como “trabalhos de
mulher”, funções que um “verdadeiro” policial não faz, dando sinais importantes da
marginalização desse tipo de atividade na PM e ao processo simbólico que a partir da
linguagem constrói e ampara a relação desigual entre os sexos. De uma forma geral, as
considerações de Michelle Perrot (2005) são plenamente válidas quando aplicadas à inserção
das mulheres na Polícia e ao processo de feminização de alguns espaços.
É possível ressaltar que a “disposição” habitual comumente atribuída às mulheres
para ofícios que requerem maior sensibilidade é vista ao mesmo tempo como entrave para a
sua inserção nas atividades de rua, sendo o contato com o público externo feito em grande
medida em solenidades, setores administrativos da instituição ou demais órgãos públicos e
eventos assistenciais promovidos pela polícia. Um processo, portanto, que impossibilita,
sobretudo, que o gênero seja no interior da Polícia Militar um aspecto relacional capaz de
expressar as diferentes formas de ser e tornar-se homem e mulher e não elemento para
justificar a permanência de um contexto fundamentado em relações contínuas de dominaçãoexclusão, como de forma pertinente observou Márcia Calazans (2004, p. 146):
O regime disciplinar e as sanções impostas aos descumprimentos de
comportamentos esperados mostram que, nesse espaço de trabalho, não há uma
relação de criação e de processo de singularização, pois, no constituir-se mulheres
policiais, elas se apropriam dos componentes de subjetivação da própria instituição,
tais como os recebem. Nesse contexto, é muito ilustrativo o fato de que, na cisão da
institucionalidade cultural dessa polícia, a violência coloca-se como um dispositivo
estratégico, como um componente da subjetivação.
38
Desse modo, as polícias militares são caracterizadas pela permanência de uma
estrutura de funcionamento e organização que historicamente tem apostado em padrões de
atuação que priorizam o enfrentamento e o uso da violência, de modo que o ingresso de
mulheres não representou mudanças expressivas na lógica de operação desses espaços. Como
destacou a autora, ao ingressar na instituição, as mulheres passam a operar códigos que ao
mesmo tempo em que apostam no uso estratégico da violência impedem pensar a diferença.
39
CAPÍTULO II
2. MULHERES NA POLÍCIA MILITAR: uma inserção recente e condicionada
2.1 A formação histórica das polícias no Brasil e o ingresso das mulheres na Polícia
Militar
O surgimento das instituições encarregadas do policiamento urbano no Brasil
pode ser compreendido como um fenômeno associado às grandes transformações ocorridas no
contexto de formação do Estado Moderno e de expansão internacional do capitalismo
(BRETAS, 1997).
Atreladas ao chamado processo de formação dos Estados modernos, as polícias
passaram desde esse período a constituir o braço armado do monopólio estatal da violência,
de modo que, segundo Anthony Giddens (1991, p. 63-4), “o monopólio bem-sucedido dos
meios de violência dentro de fronteiras territoriais precisas é específico do estado moderno”
12
.
Neste sentido, a Revolução Industrial e suas consequências mais diretas, dentre
elas o acelerado crescimento das cidades e o aumento do crime e das tensões sociais nesses
espaços, aliados à busca por mercados consumidores, trouxe implicações decisivas para os
processos de derrocada do antigo sistema colonial e de emergência dos Estados Nacionais,
exigindo posturas políticas mais claras das nações do Velho Mundo e daquelas que emergiram
nas Américas.
O ritmo de vida próprio das cidades, com uma dinâmica de intensa movimentação
entre os espaços públicos e privados, exigiu a constituição de forças treinadas para garantir a
segurança dos indivíduos e do patrimônio, o que implicou em mudanças constantes na
doutrina e emprego da força, na natureza da missão, nos instrumentos de fiscalização, assim
como nos métodos e recursos de atuação adotados através principalmente das demandas
_________________
12
Segundo Giddens, pode ser apontada como uma das conseqüências dessa fase a passagem de uma frágil noção
de proteção negociada individualmente para o surgimento de organismos policiais como elementos treinados
para garantir a existência do Estado centralizado, dissuadir os comportamentos criminosos e estimular a idéia
de segurança enquanto bem público. Para Sérgio Adorno (2002), a emergência do Estado moderno na Europa
ocidental, ocorrida com a passagem do feudalismo ao capitalismo entre os séculos XV e XVIII, significou a
formação de um aparelho racional de gestão político-administrativa sujeito a um poder central.
40
sociais constantes. A criação, portanto, da polícia em sua face moderna está associada ao
surgimento do espaço público e às transformações nele ocorridas.
Segundo Thomas Holloway (1997), a transferência da Família Real para o Brasil
no ano de 1808 foi fator decisivo para impulsionar a organização das tarefas de policiamento
na cidade do Rio de Janeiro. Sede da Colônia, o Rio de Janeiro era um cenário até então
desprovido de força policial organizada e profissional, sendo o policiamento realizado por
diferentes grupamentos civis e paramilitares.
No ano de 1808, a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do
Brasil, que seguia os parâmetros de organização do serviço de segurança na Metrópole
Portuguesa, cumpriu o objetivo de assegurar a realização das tarefas de segurança que iam
desde serviços de investigação, vigilância e repressão de práticas e costumes considerados
ofensivos à ordem social, captura de criminosos até a fiscalização dos serviços de iluminação,
transporte, fornecimento de água, entre outros, e autorização de obras públicas13.
Acompanhando a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte, em 1809 foi
instituída a Guarda Real de Polícia, que ficaria sob responsabilidade da primeira. De acordo
com Marcos Luiz Bretas (1997), entre as atividades desenvolvidas pela Guarda Real estavam
a perseguição e captura de escravos, destruição de quilombos e controle de conflitos nas
cidades.
A existência de um cenário intenso de rebeliões que se espalharam nas províncias
durante o período regencial, exigiu das autoridades a complementação e reforma do efetivo
repressor, que através de milícias semimilitares se mostravam pouco eficientes na manutenção
da ordem. Em 1831, foi criada a Guarda Nacional, atendendo ao objetivo de aplacar o
crescimento da popularidade dos militares do Exército e sua participação nas revoltas locais
que se espalharam nas províncias após a proclamação da Independência (FAUSTO, 2000).
Os membros dos grupos que faziam a segurança das províncias desempenhavam,
segundo Sérgio Buarque de Holanda (1997), atividades de caráter policial. Desde as Milícias,
Ordenanças de 1ª Linha, Guardas Municipais e, partir de 1831, a Guarda Nacional, esta com
_________________
13
Dentre as tarefas delegadas à Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, estava a de
fiscalizar e autorizar obras públicas; assegurar o fornecimento de água para a cidade, por meio da vigilância dos
chafarizes; atuar na manutenção da ordem pública, seja zelando pela segurança pessoal e coletiva, seja
reprimindo práticas criminosas ou manifestações culturais e religiosas de alguns grupos. Cabia ainda a
investigação de crimes e a prisão de criminosos, assim com o auxílio no combate a incêndios, serviço de
iluminação pública e o trabalho de censura da imprensa. Aspectos que apontam para a amplitude do trabalho
policial.
41
maiores exigências quanto ao ingresso, esses grupos e corporações encarregados de manter a
ordem se destacaram em diversas ocasiões de modo negativo, sobretudo quando exibiam uma
realidade de desordem interna com atrasos constantes no pagamento dos soldos, falta de
armas e fardamento, além do grande número de deserções.
Desde o seu processo de criação no Brasil, que incorporou os fundamentos de
organização da polícia francesa, as polícias representam a estrutura das relações de poder
presentes na sociedade brasileira. Sua origem está vinculada ao desejo comum das classes
governantes desde o século XIX em represar as ameaças à ordem social e efetivar a
manutenção de seus privilégios. Para isso, têm contado com a colaboração das não-elites em
torno da constituição de uma expectativa comum aos diferentes atores sociais sobre os papéis
da polícia (PINHEIRO, 1998, p. 182).
A pesquisadora Jacqueline Muniz (2001), ao discutir o processo de formação
desenvolvido nas polícias brasileiras, ressalta que diferentemente de outras instituições
policiais modernas como a Polícia Metropolitana de Londres e o Departamento de Polícia de
Nova York, criadas também na primeira metade do século XIX, as polícias militares no Brasil
funcionaram durante grande parte de sua história mais como forças militares destinados à
segurança interna e à defesa nacional do que como organizações policiais encarregadas de
policiamento ostensivo nos centros urbanos.
Segundo Muniz (2001), apenas a partir da década de 1970 é que as polícias
militares, após quase duzentos anos de história, passaram a exercer novamente as tarefas de
policiamento urbano com as mudanças no sistema policial brasileiro que culminaram com a
separação das atribuições da Polícia Militar e da Polícia Civil. Embora organizadas com base
em parâmetros militares, as PM’s, desde fins da década de 1970 têm desenvolvido a função de
polícia ostensiva que “presta essencialmente serviços civis à população”. Tal fato foi
ratificado pela Constituição Federal de 1988, que passou a tratar mais diretamente do tema da
segurança pública, ainda que as polícias militares tenham permanecido como “forças
auxiliares e reserva do Exército”.
Uma das razões da chamada “crise de identidade” das polícias militares
brasileiras, a organização militar e a influência do Exército nos rumos dessas instituições tem
se configurando, nos últimos anos, como um dos aspectos que impedem processos mais
amplos de reforma dessas instituições.
Assim, é possível afirmar que um dos fatores
destacados para a fragilidade das polícias está relacionado a um tipo de organização que se
mantém praticamente intocável ao longo da sua história, dificultando a formação de
42
profissionais autônomos e capazes de “fazer uso legal e legítimo dos expedientes
discricionários indispensáveis à atuação policial” (MUNIZ, 1999).
Assim, a organização militar, com suas regras rígidas, encaminha os policiais para
a reprodução de práticas dotadas de pouca reflexividade e para o reforço de uma realidade na
qual ao mesmo tempo em que reconheçem a necessidade de promover mudanças, mostram-se
pouco inclinados a alterar as bases de sua organização para além das tentativas de reformular
sua imagem perante a sociedade.
Destaque-se que as polícias militares, desde sua origem no século XIX, mantêm
relação estreita com o ideário do Exército, utilizando forma semelhante de organização,
símbolos e liturgias. Da mesma forma, elas continuam tentadas à defesa do Estado e de um
sentido cambiante de ordem, onde o respeito aos direitos civis e às garantias individuais são
facilmente ultrajados por interesses políticos e pelas vontades pessoais dos governantes em
detrimento dos interesses da coletividade. Fator que dificulta o desenvolvimento de mudanças
nas polícias militares, apesar de ações pontuais como a tímida inserção do público feminino e
as reformas dos currículos de ensino dos centros e academias de formação.
No que se refere ao ingresso das mulheres, observa-se que a presença feminina
nas polícias militares no Brasil é um fenômeno recente na história dessas instituições, cujas
origens remontam às forças públicas criadas durante a primeira metade do século XIX
(SOARES; MUSUMECI, 2005).
De modo geral, a inserção de mulheres nas instituições policiais no país ocorreu
de forma mais evidente entre o final da década de 1970 e início dos anos 198014, enquanto
uma tendência comum a vários Estados e fenômeno relacionado tanto a uma nova
configuração no mundo do trabalho quanto ao desgaste da imagem das polícias por cenas
constantes de violência arbitrária durante os anos de ditadura militar. A inclusão, portanto, do
elemento feminino nos quadros policiais representou uma aposta na reformulação de sua
imagem por se julgar as mulheres “naturalmente” menos violentas, além de ser resultado de
_________________
14
Musumeci e Soares (2004) destacam como exceção o estado de São Paulo, que passou a admitir as primeiras
mulheres nas funções de policiamento no ano de 1959, quando foi criado um corpo feminino de guardas civis,
incorporado, em 1970 com a criação da Polícia Militar do estado, ao efetivo dessa instituição. Com base no
trabalho de Carla Bassanezi (2004, p. 624), é possível afirmar que o ingresso de mulheres em instituições
policiais a partir dos anos 1950 está relacionado a um processo amplo de crescimento urbano e industrial no
Brasil nesse período e que possibilitou, com a modificação de padrões culturais, o alargamento das
possibilidades de trabalho e educação para homens e mulheres, ainda que com fortes resistências, na medida
em que era comum perceber o trabalho feminino como uma ameaça “à organização doméstica como também à
estabilidade do matrimônio”.
43
mudanças importantes no cenário político e social brasileiro que possibilitaram ao público
feminino o acesso a espaços até então predominantemente masculinos (CALAZANS, 2004).
Em Sergipe, a Polícia Militar, cujas origens remontam às primeiras décadas do
século XIX15, passou a admitir o ingresso de mulheres apenas a partir do ano de 1989, nos
quadros de sargento e alunas do curso de formação de oficiais; para o quadro de soldado, o
ingresso se deu apenas a partir do ano de 1993. Desde então, o ingresso de mulheres na PMSE
seguiu uma tendência observada na maioria das instituições policiais do país, mostrando-se
um fenômeno dissociado de mudanças expressivas nas estruturas da corporação, que seguiu
investindo num viés bélico de formação militar que encontra forte amparo na manutenção do
Regulamento Disciplinar do Exército na instituição e em outras formas de perceber as
relações de gênero.
De uma forma geral, como veremos, as relações de gênero são tensas na Polícia
Militar de Sergipe, que segue conferindo pouco reconhecimento à presença feminina na rotina
policial e em critérios de distribuição do efetivo segundo os estereótipos que atribuem às
mulheres uma “natureza” mais “frágil”, “delicada” e que, portanto, impede uma inserção
plena na corporação, para além dos espaços tipicamente “femininos” onde o seu habitual
“zelo” e “sensibilidade” seriam mais ajustáveis. Em certo sentido, tal como será discutido, as
mulheres continuam a ocupar simbolicamente um lugar marginal na Polícia Militar. Na PM, a
rua e o confronto com as situações de risco permanecem como critérios balizadores da
“verdadeira” função policial e que tem na atividade-fim um espaço reservado aos homens.
2.2 A chegada das primeiras mulheres na Polícia Militar de Sergipe: sentidos de um
ingresso tardio
Os anos finais da década de 1980 e início dos anos 1990, seguindo tendências
observadas no cenário sócio-político brasileiro, assinalaram algumas transformações na
_________________
15
Instituída através de Carta de Lei de 28 de fevereiro de 1835, assinada pelo então presidente da província de
Sergipe Manuel Ribeiro da Silva Lisboa, a Força Policial da Província daria origem à atual Polícia Militar do
Estado. Em 1917 a Força Policial foi militarizada, ou seja, tornada auxiliar do Exército de primeira linha, com
sua estrutura passando a receber maiores investimentos.
44
Polícia Militar de Sergipe e, de modo geral, nas políticas e práticas de segurança pública do
estado16.
O cenário social ficou marcado pelas reivindicações por mudanças amplas no
país, resultado de crises econômicas internacionais que contribuíram para o esgotamento do
regime autoritário, que aos poucos forçaria alterações na estrutura secular dominante no
campo da Segurança Pública de Sergipe. Nesse período, a crise econômica substituía com
clima amargo o outrora ufanismo dos tempos do “milagre econômico”, instaurando ou
fazendo animar o desejo de maior liberdade em diferentes setores da sociedade brasileira, de
modo que a “possibilidade política de emergência da luta pelos direitos de ‘minorias’, pelos
direitos à alteridade, só se configurou no Brasil no espaço inicial da abertura política”
(MACHADO, 1992, p. 27).
Em Sergipe, o movimento das “Diretas Já”, impulsionado pela propaganda
veiculada pelas emissoras de rádio, TV e pela imprensa escrita, embalava os sonhos em torno
do retorno do país ao sistema democrático, enquanto a realidade estadual apostava na
permanência das velhas figuras políticas que ampliaram seus domínios durante a ditadura.
Nessa fase de abertura política negociada, o país acompanhou o aumento dramático dos
índices de violência e criminalidade, enquanto resultado da omissão social na reconstrução
das instituições encarregadas da manutenção da ordem pública, de modo que, segundo
Angelina Peralva (2000):
Sem realmente poder contar com instituições novas em terreno sensível, e já não
mais dispondo dos mecanismos de regulação característicos do período autoritário, a
democracia terminou abrindo amplas possibilidades para que a violência se
desenvolvesse.
Os apelos por mudanças se manifestavam na emergência de diferentes segmentos
sociais que passaram a reivindicar maior espaço nas políticas de Estado. Os direitos, até então
pouco discutidos – dos jovens, crianças, sem-tetos, mulheres17, entre outros –, passaram a
ganhar maior visibilidade nos espaços públicos de discussão no país, principalmente porque a
_________________
16
Um resultado que se pode atribuir a fatores externos aos governos desse período, como o fortalecimento da
liberdade de imprensa e de outras organizações sociais, sobretudo aquelas ligadas à defesa dos direitos
humanos.
17
Segundo Mariza Corrêa (2001), o movimento feminista brasileiro, que alcançou maior visibilidade social na
década de 1970, esteve diretamente associado a diferentes movimentos sociais da época e que lutavam pelo fim
da ditadura militar e ampliação dos direitos sociais, políticos e econômicos.
45
realidade social de Sergipe, que até a década de 1960 era eminentemente rural, passou à
urbana nos anos 1980.
Desde a década de 1970, o Estado de Sergipe passou a experimentar grande
crescimento econômico que trouxe melhorias significativas para a população, com maior
acesso a bens e serviços, embora a concentração de renda continuasse bastante desigual. De
acordo com Ibarê Dantas (2004, p. 225), nesse período:
A sociedade, em seu conjunto, urbanizou-se, diversificou-se, secularizou-se e passou
a assimilar costumes decorrentes dos novos padrões tecnológicos. As relações de
produção capitalistas ampliaram-se nas cidades e nos campos, contribuindo para
desgastar o caráter pessoal das dominações. Em Aracaju, o meio universitário
cresceu consideravelmente, trazendo repercussões ao ambiente sócio-cultural. Os
sindicatos foram cerceados e demoram a recuperar-se. No início dos anos oitenta,
grupos da sociedade civil passaram a mobilizar-se e animaram-se no sentido de
ampliar sua área de influência diante das perspectivas do regime democrático.
Comparando os anos 1980 à década de 1950, por exemplo, Vera França (1999)
destaca que enquanto nos 1950 cerca de um terço da população do país vivia nas áreas
urbanas, no final dos anos 1980 e início da década de 1990 essa proporção caiu
acentuadamente, quando apenas um quarto da população vivia nas áreas rurais. Bastante
sintomático dessas transformações é a realidade de Sergipe que, na década de 1950 tinha
grande parte de sua população morando no meio rural, de onde sobressaía sua principal fonte
de renda.
Segundo Mário Cabral (2002, p. 168), ao retratar a economia do Estado nesse
período, afirmou que este era pouco desenvolvido, sendo o setor agrícola, por exemplo,
dominado pelos extensos coqueirais que marcavam a paisagem de importantes cidades do
interior sergipano. Os canaviais, por sua vez, responsáveis pela grande produção de açúcar,
reforçavam o setor industrial de Sergipe, que em Aracaju tinham no sal e tecidos suas maiores
indústrias, enquanto o comércio se mostrava “intenso” nas ruas João Pessoa, Santa Rosa, São
Cristóvão, Laranjeiras, Itabaianinha e Avenida Rio Branco, onde se concentravam “as
maiores e mais poderosas empresas comerciais da cidade”.
De “cidade compacta e horizontalizada” nos anos 1970, Aracaju transforma suas
feições provincianas, passando na década seguinte a ostentar prédios de arquitetura moderna e
viver um processo intenso de crescimento urbano semelhante à de outras cidades no país com
a construção de galerias, shoppings e especialização de suas funções. De acordo com a
pesquisadora Vera Lúcia França (1999), a metropolização que iniciou nos anos 1980, trouxe
grandes implicações sócio-econômicas para os destinos da crescente população sergipana.
46
No caso da Polícia Militar de Sergipe, conhecida pelo longo histórico de ações
violentas cometidas por seus membros, os anos 1980 foram marcados por sérios desafios
envolvendo desde problemas financeiros, de equipamentos e efetivo, que se agravavam diante
do crescimento dos índices de violência e criminalidade no Estado. Com policiais envolvidos
em denúncias de corrupção, de homicídios e até participação em grupos de extermínio, a PM
chegaria ao final dessa década com a imagem bastante debilitada diante da sociedade, que,
com a maior liberdade de imprensa, seguia denunciando com menor receio os casos de abuso
cometidos pelas polícias (SOUZA, 2008).
Um dos anos mais críticos dessa fase, 1987, pode ser considerado o início das
ações que resultariam na abertura da Polícia Militar ao público feminino, ainda que nos anos
anteriores outras iniciativas de curta duração a exemplo do retorno do trabalho de
policiamento ostensivo em duplas na cidade, os boxes policiais, a ampliação do efetivo, bem
como o policiamento comunitário, sinalizassem as intenções do governo em promover
mudanças da imagem e das práticas policiais (Idem).
O ano de 1987, no qual o Brasil experimentou nova crise econômica que
culminou com o fim do Plano Cruzado e do retorno da inflação, marca a chegada de Antonio
Carlos Valadares ao governo do Estado, a partir do apoio do então governador João Alves
Filho, que deixou o Estado repleto de dívidas e o funcionalismo público em difícil situação.
Fator que se tornou sério obstáculo à administração de Valadares que seguiu com dificuldades
frente ao Executivo estadual até 1990 (DANTAS, 2004).
No início do governo Valadares, a insatisfação de várias categorias, dentre elas
dos policiais militares, resultou em sérias manifestações contrárias ao governo. Policiais
militares denunciaram nos jornais a falta de armamentos, de efetivo, seguido das péssimas
condições de higiene das instalações do quartel e da carga horária abusiva de serviço, além
dos baixos soldos, fatores que desencadearam o que a imprensa chamou de “a revolta dos
soldados da Polícia Militar”
18
, ao mesmo tempo em que outras categorias, como a dos
professores, foram duramente reprimidas pela polícia.
Frente às críticas, que se avolumavam vinda de diferentes setores, o governo
passou a conceder reajuste a algumas categorias, dentre elas a Polícia Militar, que conseguiu
_________________
18
PMs ameaçam parar” (Jornal da Cidade, 12-03-1987, p. 01); “Soldados da PM voltam a ameaçar paralisação”
(Jornal da Cidade, 12-03-1987, p. 09).
47
recuperar perdas dos servidores, sendo ainda hoje lembrado por alguns policiais mais antigos
com quem conversei como um dos “melhores governos” para a PM.
Ao lado disso, Valadares trouxe militares do Exército para comandar a SSP e a
PM, de modo a pôr fim às tentativas internas de insubordinação e assim afastar os riscos de
manifestações semelhantes como as que ocorreram no início de sua administração. Com a
chegada, ao Estado, dos coronéis Eduardo Pereira e Joseluce Prudente para comandar,
respectivamente, a SSP e a Polícia Militar, pretendeu-se afinar os discursos no campo da
Segurança Pública em Sergipe, imprimindo uma visão militarista à área com ações voltadas
ao aumento do efetivo policial, aquisição de armamentos e viaturas em substituição às ações
de policiamento em dupla a pé, bem como ao projeto de policiamento comunitário, iniciado
pelo delegado Renan Tavares, em 1986, que logo após foi abandonado (SOUZA, 2008).
Se em outras áreas como a cultura, lazer, habitação, infraestrutura, salários,
Justiça, o Estado conseguiu avançar com a construção de ginásios de esporte, casas de
espetáculos, parque, recuperação de estradas, reposição de perdas salariais dos servidores,
construção de cerca de 25 mil casas populares, além de investimentos na ampliação da
eletrificação rural e apoio na organização do Ministério Público segundo as orientações da
nova Constituição, nas áreas da Saúde, Educação e Segurança Pública os resultados foram
modestos senão negativos (DANTAS, 2008).
Especificamente no campo da Segurança, notabilizou-se o crescimento da
violência e da criminalidade no Estado, com as sessões de tortura praticadas nas delegacias e
com a ação desenfreada de grupos de extermínio, que contaram seja com a participação direta
ou com a condescendência de membros da SSP. Num período dominado pela chamada
“guerra da maconha”, em apenas um ano, 1990, segundo denúncia da representação local da
OAB, o estado de Sergipe registrou o assassinato de aproximadamente 140 meninos em
situação de rua.
Embora o caso tenha ganhado repercussão internacional com reportagens de
outros veículos de imprensa nacional a exemplo dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha
de São Paulo, com referências de jornalistas como Tim Lopes, e a Anistia Internacional tenha
atuado cobrando respostas do Estado, apenas um policial civil foi preso como responsável por
algumas das mortes.
48
De forma ampla, como apontou quase três anos depois o “Movimento Nacional de
Direitos Humanos”, imperou o silêncio das autoridades, conforme destacou a pesquisadora
Tereza Neuma Muniz Cariri durante a apresentação do dossiê da OAB19.
Destarte, o governo Valadares chegou ao fim, apresentando realizações
controversas na área da Segurança Pública, apesar da inauguração da Academia de Polícia
Civil, do projeto de aumento expressivo do efetivo da PM e da organização da Polícia Civil a
partir da contratação dos delegados de carreira – que encontrava, segundo palavras do então
deputado Joaldo Barbosa, grande resistência política na Assembléia Legislativa, pois as
delegacias do interior do Estado eram entregues a “pistoleiros”, no caso policiais que serviam
ao “coronelismo” ainda presente em alguns municípios, dando sinais do uso da força pública a
serviço dos interesses de políticos. Após três meses do anúncio do aumento do efetivo da PM,
ocorrido em setembro de 1990, o projeto permanecia na Assembléia para votação20.
A presença feminina, um elemento inovador na Polícia Militar, apareceu ao
mesmo tempo de forma tímida nas ações publicitárias do governo, recebendo inclusive poucas
referências da imprensa escrita21. A imprensa escrita da época parecia pouco creditar às
mulheres maior confiança na melhoria das ações policiais e na diminuição da violência e do
crime no país, como é possível perceber no tom impregnado de certa “ironia” no título: “PM
do DF não discrimina as mulheres” referente à notícia sobre maus-tratos de policiais durante
treinamento na Polícia Militar do Distrito Federal.
Nessa notícia, publicada no canto inferior direito de uma das páginas do jornal
Gazeta de Sergipe do dia 12 de agosto de 1993, faz referência a uma sessão de maus-tratos
ocorrida em 1991 na qual, durante treinamento da Companhia de Polícia de Choque do DF,
policiais femininas recrutas foram banhadas e obrigadas a beber a água resultante da lavagem
do canil da Polícia. De acordo com a notícia:
“[...] a água, que continha excrementos e pelos de cães, foi jogada sobre os recrutas,
que tiveram sérios problemas de pele. O curso chegou a ser interrompido, porque
muitas das recrutas, com o corpo cheio de micose, não conseguiam vestir roupas.
_________________
19
“Quadro de violência no Estado é revelado por dossiê da OAB”, (Gazeta de Sergipe, 21/07/1993, p. 06).
“Segurança em Sergipe só depende dos deputados”. Governo Valadares o efetivo. (Gazeta de Sergipe, 25 e
26/12/1990, p. 03). Segundo a matéria, o efetivo na época, fixado em 3.115 policiais, passaria a 4.200, tendo
um acréscimo, portanto, de 1.045. A última fixação do efetivo, segundo o jornal, havia ocorrido em 1982,
ainda no governo de João Alves Filho.
21
Segundo levantamento em matérias e artigos de jornais de Sergipe sobre as mulheres na PM, sobre este
período.
20
49
Algumas tiveram problemas ginecológicos. O caso foi abafado”. Conta uma
sargento da PM feminina, que não quis se identificar.
O fato teria ainda mobilizado o I Congresso Nacional das Entidades de Praças da
Polícia e Corpo de Bombeiros Militares, ocorrido naquele ano, a apoiar, como forma de por
fim às sessões de humilhação e maus-tratos durante os cursos de formação das polícias
militares, o apoio aos projetos de lei apresentados pelo deputado federal do PT de São Paulo,
que propunha a desmilitarização e fusão da PM à Polícia Civil e a extinção dos tribunais
militares.
Sabe-se que os projetos foram rejeitados no Congresso, diante do lobby do
Exército que, até hoje, através da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), criada
através do Decreto número 61.245 de 28 de agosto de 1967, define o tipo de armamento, a
localização dos quartéis, o treinamento das tropas e a coordenação das PM’s, assim como a
fixação do seu efetivo. De acordo com Jorge Zaverucha (2005), a Constituição Federal de
1988 operou uma leve alteração nessa relação, ao retirar da IGPM o controle sobre a instrução
das polícias militares22.
Na figura 1, a seguir, é possível visualizar uma rara referência à “Polícia
Feminina” na PMSE através de campanha publicitária do governo do Estado sob o título:
“Polícia Militar. Coragem e dedicação a serviço da sua segurança”.
Figura 01 - Alusão à “Polícia Feminina”
Fonte: Gazeta de Sergipe (18 de maio de 1989, p. 06).
_________________
22
Coincidentemente em uma das visitas que realizei a PM durante a pesquisa no mês de junho deste ano para
conclusão das entrevistas, a instituição se preparava, através de maior organização e limpeza dos setores, para
visita do General-Comandante da 6ª Região Militar, a qual a Polícia Militar de Sergipe é subordinada.
50
Chama a atenção na imagem o espaço ocupado pela figura de um policial
masculino que olha para um bebê segurado por uma mulher, aparentemente apresentando à
criança a figura “cordial” e “simpática” do policial militar. Na parte superior, destacam-se,
por sua vez, as fotos de uma policial feminina e de um policial da polícia montada, de modo a
apresentar as inovações implementadas na instituição, ou seja, a “Polícia Feminina” e o
Pelotão de Polícia Montada.
A campanha, que destaca o esforço do governo do Novo Sergipe em “equipar e
aprimorar” os “bravos” policiais militares a fim de garantir a tranquilidade da população, traz
informações sobre o processo de preparação da Polícia Militar Feminina, afirmando que a PM
já dispunha de uma aluna no curso de formação de Oficiais de Pernambuco. Segundo o texto,
“outras duas, fazem curso de formação de Sargento na Academia de Polícia do Pará e, aqui
mesmo, em Aracaju, serão formadas brevemente 8 cabos e 32 soldados”.
É possível ver, nas Figuras 2 e 3 a seguir, uma dessas policiais, respectivamente:
no mês de fevereiro de 1989, no Quartel em lha do Outeiro, no estado de Belém do Pará, e em
frente ao CFAP, após retornar do Curso de Formação de Sargentos nesse estado23, no mês de
março de 1990:
Figura 02 - Policial no Quartel em lha do Figura 03 - Policial no CEAP
Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1990).
Outeiro
Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1989).
_________________
23
Cabe agradecer a Subtenente Joanete Pina pela cessão das fotografias que integram este capítulo, além de
outras informações sobre o histórico do ingresso das mulheres na PMSE.
51
No caso do Pelotão Feminino, este não seria uma realização cumprida no governo
de Valadares, visto que a formação das oficiais só foi concluída em 1992, embora no jornal
Gazeta de Sergipe do dia 05 de janeiro de 1990 fosse noticiado que em fins de dezembro do
ano anterior tivessem sido promovidos, por ocasião da conclusão do curso, dois Terceiros
Sargentos Femininos, aprovados em concurso público um ano antes24. Assim, a PM, que em
1989 tinha a Polícia Feminina formada por uma aluna de Oficial e dois Sargentos Femininos,
formaria apenas no ano de 1993 a primeira turma de soldados com a presença de mulheres.
Em 199125, o engenheiro João Alves Filho retorna ao governo do Estado com
ampla votação e apoio político, permanecendo até 1994, ao ser sucedido pelo empresário
Albano do Prado Franco. Durante seu governo, João Alves Filho fez poucas alterações na
área. Deu maiores poderes a grupos conservadores na SSP, de modo que as ações destinadas a
“combater” os roubos de gado no interior do estado ensejaram a atuação de grupos de
extermínio, a exemplo do grupo “A Missão”, comprometendo ainda mais a imagem dos
órgãos de segurança pública.
Durante esse período, o governo investiu mais uma vez na aquisição de
equipamentos e no aumento do efetivo da polícia militar, prevendo a abertura de concursos na
área, enquanto ao lado das duras ações na esfera da segurança, com a reprodução de práticas
arbitrárias cometidas por policiais, os índices de violência subiram acentuadamente, figurando
o estado de Sergipe entre os que registraram maior número de mortes violentas no país
(ZALUAR, 2004).
Se em 1993 a previsão era de 32 soldados, 02 terceiros sargentos e uma oficial,
em 1996 esse número seria fixado pelo Decreto nº 16.061 de 12 de setembro de 1996 em 217
policiais, que ficariam concentradas na Companhia de Polícia Feminina, localizada na Rua
24
Nesse concurso, foram classificados para o cargo de Terceiro Sargento Feminino, após exame intelectual, (que
exigia o primeiro grau completo), com médias que variavam entre 8,66 e 7,33, 10 candidatas para duas vagas.
Das 20 aprovadas no exame intelectual para o Curso de Formação de Oficiais (que exigia o segundo grau
completo), puderam fazer o exame de aptidão física 05 candidatas, cujas médias oscilaram entre 4,88 e 3,68.
Fonte: Boletim Interno da Polícia Militar de Sergipe, número 002 de 03 de janeiro de 1989.
25
No ano de 1991, a PMSE realizou novo concurso para sargentos masculinos e femininos. Dentre as exigências
feitas aos candidatos estavam a de possuir o primeiro grau completo, ser solteiro, sem dependentes, ter 1,65m e
ter idade entre 18 e 26 anos. O que presumivelmente impedia o acesso de homens e mulheres divorciados,
viúvos e com dependentes. Tal orientação era ainda reforçada pelo Estatuto dos Policiais Militares de Sergipe
(Lei nº 2.066 de 23 de dezembro de 1976) que, no artigo 127, vedava o casamento a Aluno-oficial PM e demais
praças durante o período de formação, sob o risco de, uma vez desobedecida a determinação, o policial ser,
conforme o artigo 128, excluído “sem direito a qualquer remuneração ou indenização”. Após o curso, os
policiais deveriam ainda submeter pedido de autorização ao Comandante-geral para contrair casamento,
sobretudo em se tratando de “mulher estrangeira”. (ARANHA, 1997). A ênfase dada à mulher estrangeira, nesse
caso, deve possivelmente manter relação com o contexto sócio-político da época, dominada pela guerra fria e
pela ameaça “comunista”, e no qual as mulheres estrangeiras eram vistas como um perigo potencial. Convivia no
imaginário político o exemplo de Olga Benário.
52
Boquim, em Aracaju, ao lado do Quartel Central. Segundo a fixação do efetivo no ano de
1996, previsto para 6.525 policiais, teria, portanto, no caso da Companhia de Polícia
Feminina, 217 mulheres, número que não correspondia nem a 5% do efetivo total. Segundo
demonstração geral das atividades meio e fim da PMSE, das 217 policiais, 18 seriam
empregadas na atividade-meio, enquanto 199 na atividade-fim.
Efetivamente, em 1993, a PM não totalizava nem 50 mulheres nos seus quadros,
visto que descontados as sargentos e oficiais, o concurso realizado em janeiro desse mesmo
ano, previa, do total de 290 aprovados, a convocação de 250 do sexo masculino e apenas 50
do sexo feminino, uma prática que se reproduziria nos concursos seguintes: a fixação de 20%
das vagas dos concursos para mulheres. Até o ano de 1999, conforme aponta Ibarê Dantas
(2005), a Polícia Militar contava com um efetivo próximo a 4.600 policiais, não especificando
a composição por gênero.
Entre os anos de 1995 e 2002, o estado passou a ser chefiado por Albano Pimentel
do Prado Franco, filho do ex-governador do Estado, Augusto do Prado Franco. Nesse período,
iniciou o governo frente a um quadro difícil nas contas do Estado, com grande
comprometimento da folha com pagamento de pessoal e impossibilitado de fazer
investimentos durante praticamente todo o primeiro mandato. Uma situação que foi mudada
com recursos Prodetur26, suficiente para tirar o governo da situação de quase paralisia e
promover a realização de algumas obras de expressiva visibilidade como a conclusão da
Linha Verde, a duplicação da rodovia dos Náufragos, a construção do novo mercado e a
restauração do antigo. Os problemas na economia, mesmo após o controle da inflação,
mantinham-se com crescimento pouco significativo do PIB estadual (DANTAS, 2005).
No início da administração, através da Lei nº. 3.669 de 07 de dezembro de 1995,
publicada no Diário Oficial do Estado nº. 22.423, de 09 de novembro de 1995, seriam
dispostos os princípios da organização básica da Polícia Militar do Estado de Sergipe. Na
26
O Prodetur/NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), financiado a partir da transferência
de recursos do BID e que tem como órgão executor o Banco do Nordeste, consiste num programa de crédito
destinado ao setor público com a finalidade de possibilitar o desenvolvimento turístico na região nordeste do
Brasil através da ampliação e melhoria das condições de vida da população das áreas de abrangência dos
projetos. O programa, criado a partir de estudos requisitados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), teve sua primeira fase iniciada no ano de 1994, atuando no financiamento de obras de
infra-estrutura, projetos de proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural, projetos de capacitação
profissional e fortalecimento institucional das administrações de estados e municípios. Fonte:
http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR/Apresentacao/gerados/apresentacao.asp,
página
consultada em 22 de maio de 2009.
53
Seção I, “Das Unidades de Polícia Militar”, a competência da Companhia de Polícia Feminina
(CPMFem) seria assim definida, seguindo uma tendência em outras polícias militares no país:
VII – [...] – Subunidade cuja destinação é o Policiamento ostensivo em logradouros
específicos, como aeroporto, estações rodoviárias e hidroviárias, estabelecimentos
hospitalares e outros locais ou áreas julgadas convenientes pelo Comando Geral da
Corporação;
Em Sergipe, a atuação das policiais femininas era circunscrita a espaços
específicos. Se a Constituição Federal e Estadual definiam a competência da polícia militar de
uma forma ampla, ao estabelecer, sem restrições, o policiamento ostensivo fardado como sua
missão precípua, no caso das mulheres, apenas os espaços considerados “convenientes” pelo
Comando Geral poderiam ser policiados por Policiais Femininas. Esse aspecto pode ser
visualizado na notícia veiculada pelo Jornal Gazeta de Sergipe de 11 de janeiro de 1994 sobre
a realização de ciclo de palestras sobre turismo e polícia, destinado à formação de 60
policiais.
O ciclo, organizado pela PM em parceria com a Empresa Sergipana de Turismo,
EMSETUR, visou treinar policiais para o atendimento a turistas em visita ao Estado, a partir
de noções de relação interpessoal, história de Sergipe e sobre o papel da Delegacia de
Turismo. Visando oferecer maior suporte ao turista, o grupo de 60 policiais, composto por 30
policiais do sexo masculino e 30 do sexo feminino, passaria a trabalhar a partir de duplas
chamadas “Romeu e Julieta”27, versão atualizada das duplas “Cosme e Damião”, nas praias de
Aracaju. Para maior conforto, os policiais vestiriam fardamento diferenciado composto por
bermudas e camisetas e calçariam, ao invés de coturnos, tênis.
A matéria do dia seguinte publicada no mesmo jornal é bastante esclarecedora
sobre o sentido do emprego da Polícia Militar no trabalho de policiamento da orla marítima de
Aracaju, que despontava em 1994 com um dos cartões postais da cidade após grandes
investimentos em urbanização realizados pelo governo do engenheiro João Alves Filho. Com
os títulos: “PM quer mudar sua imagem” e “Turistas terão segurança da Polícia Militar”,
percebe-se que a iniciativa pretendia, a partir da idéia de treinamento específico
fundamentado em relações interpressoais, noções de história de Sergipe e aulas de inglês e
espanhol, dotar os policiais de conhecimentos “técnicos” e “humanos” de como atender
_________________
27
Conforme explicou o então major da PM Tadeu Cruz, “eles andarão em dupla, já batizada pelo nome de
Romeu e Julieta, uma vez que andará sempre um policial masculino e um feminino”. “PM realiza hoje o ciclo
de palestra com especialistas” (Gazeta de Sergipe, 11/01/1994, p. 04).
54
melhor o turista vítima de delitos, conferindo à PM a condição de instituição que investe na
formação adequada de seus quadros e que, por sua vez, está ajustada às mudanças operadas no
Estado a partir do crescimento do setor turístico.
Como se percebe também, o emprego isonômico de policiais masculinos e
femininos nessa tarefa, através das duplas “Romeu e Julieta”, provavelmente seguia a
compreensão difusa no senso comum de que a presença feminina melhor se ajusta as tarefas
de atendimento ao público, assim como a compreensão de que esse trabalho deveria ser
acompanhado sempre de um homem, a resguardar a integridade física dessas mulheres e a
“honra” da instituição. E, mais importante ainda, o emprego de mulheres em atividades de
grande fluxo turístico, como na região central da cidade, mantinha relação também com o fato
desses espaços serem caracterizados pela existência de ocorrências de menor gravidade, como
aquelas geralmente relacionadas a pequenos furtos e desencontro entre pais e crianças.
Associado a isso, a presença das mulheres, fato verificável desde a sua entrada na
instituição até hoje, se tornou presença obrigatória em solenidades e ocasiões cívicas como o
desfile de 07 de Setembro na capital. A seguir, registros da participação de mulheres nos
desfiles em comemoração à independência do país: na Figura 4, mulheres num primeiro
momento, no ano de 1989, reunidas em marcha e, no Figura 5, mulheres já incorporadas ao
efetivo masculino, no ano de 1999.
Figura 04 - Mulheres marchando
comemoração à independência do Brasil
Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1989).
em Figura 05 - Mulheres, incorporadas ao efetivo
masculino, marchando em comemoração à
independência do Brasil
Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1999).
55
Ao fim da década de 1990, embora a polícia tivesse recebido maiores
investimentos, principalmente voltados à aquisição de equipamentos como viaturas e
armamentos, além da contratação de cerca de 1000 novos policiais a partir do concurso para
soldados realizado em 1998, entre os anos 1995 e 2000, segundo Ibarê Dantas (2005, p. 257),
houve aumento da criminalidade e das ações violentas e criminosas envolvendo membros da
polícia:
A impunidade cresceu alimentada pelo rito processual cada vez mais complexo e
tolerante com os profissionais do crime. Como se isso não bastasse, as prisões se
deterioraram, e as fugas dos presos atingiram índices alarmantes no período
1995/2000. Acompanhando o quadro nacional, a segurança dos cidadãos degradouse consideravelmente.
O elemento feminino, em termos gerais, pelo caráter restrito que ocupou na
corporação, produziu poucas mudanças na imagem da Polícia Militar e nas suas estruturas
internas. Conforme ressaltou um dos policiais entrevistados e que acompanhou a chegada das
mulheres à instituição, as resistências ao trabalho feminino vinham, inclusive, do meio
externo, principalmente de outras mulheres, que manifestavam desaprovação à presença
feminina na polícia por razões variadas, que iam desde “machismo” à inveja:
“No início, quando as policiais femininas começaram a incorporar, eu já estava na
polícia. Na verdade, observei muitas críticas. Noventa por cento das mulheres
repudiavam, não aceitavam a policial fazer a revista das mulheres [...]. No trabalho
de policiamento no calçadão, as mulheres quando viam uma policial feminina
viravam a boca como reprovação. [...] Discriminavam por que achavam que não era
serviço de mulher e que elas estavam se “achando” (as policiais). Na verdade,
muitas mulheres têm fantasias sexuais ou com policiais de farda ou de vestir a farda.
Muitas não tinham coragem [de ingressar na PM], até por que pagava pouco, as que
tinham essa coragem, entravam. E outras tinham inveja dessas mulheres” (Segundo
Tenente, 39 anos, 21 anos de serviço).
O mesmo policial afirmou que no início as mulheres também sofreram com as
investidas dos homens, que tentaram forçar aproximação. No entanto, por terem tido uma
postura “autêntica”, segundo ele, o assédio teria terminado “rápido” na instituição. A
experiência de trabalho desse policial, que atua no policiamento, o fez perceber que o trabalho
das mulheres na polícia é muito importante e algo que não pode faltar. Segundo ele, as
mulheres teriam conquistado o respeito da sociedade, de modo que têm “algumas” com quem
ele prefere trabalhar, pois essas são na sua ótica ótimas policiais. Elas são mulheres de
“atitude”, ao mesmo tempo em que conseguem, em razão de sua maior sensibilidade,
amenizar alguns problemas, apostando no diálogo. Trata-se de procedimento diferente dos
homens que, pelas atitudes e palavras bruscas, tendem, de acordo com esse policial, a
complicar as ocorrências.
56
Figura 06 - Policiais em serviço durante Forró Caju 2009
Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1246388481>. Acesso em:
09 jul. 2009.
Particularmente sobre a idéia expressa de que a sociedade respeita as policiais,
uma das entrevistadas se mostrou cética em relação a isso, afirmando que a opinião das
pessoas sobre essas profissionais é ruim e equivocada. Mas é um fenômeno que, segundo ela,
encontra respaldo na pouca presença das mulheres nas atividades de policiamento nas ruas:
“[as pessoas] elas acham umas bonecas, não têm confiança mínima, tanto que
quando você aparece de farda as pessoas parecem que estão tendo uma visão, vendo
um alienígena quando vê uma policial feminina uniformizada. Geralmente
perguntam: ‘Ah, você está armada? Isso não é perigoso?’ Acho que a confiança
ainda é muito pequena nas mulheres. Ao não ser se for uma mulher que fuja do
padrão, seja um pouco mais agressiva, com um corpo mais masculino. Agora se a
mulher for uma pessoa mais calma, confiança zero. [...] Mas a recepção costuma ser
positiva, pois acreditam que com elas é mais fácil de conversar, você ouviria as
queixas e levaria para outra pessoas resolver. As pessoas entendem que você tem
uma facilidade de contato, você entende mais, mas você não vai resolver. Você vai
ouvir e vai passar para alguém resolver. [o motivo] Eu acho que a sociedade ainda
não vê [com freqüência policiais femininas], por ter poucas policiais femininas
trabalhando ostensivamente [...] são poucas, muito poucas, uma ou outra nas
companhias RP [Rádio Patrulha], Choque. Elas [as pessoas] até estanham quando
vêem uma mulher trabalhando em festas. Não é nem culpa da sociedade, elas não
vêem a policial feminina, então quando vêem na rua eles até estranham. Vêem muito
mais os homens, acabam confiando mais nos homens” (Soldado Feminino, 26 anos,
03 anos de serviço).
Em 2001, em razão dos baixos salários e problemas disciplinares internos, os
policiais militares resolveram pelo aquartelamento, o que motivou a intervenção do governo,
que nomeou um coronel do Exército para comandar a PM. Desde então, as políticas e práticas
de segurança pouco se alteraram, apesar de ações controversas do governo do Estado
divulgando ações de investimento com a reestruturação do serviço de atendimento 190,
57
transformando-o em centro integrado (CIOSP) que envolve os diferentes órgãos de segurança:
Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros e melhoria substancial dos salários desses
servidores. Essa última ação, objeto de intensas críticas da oposição, provocou sério desgaste
na imagem do governo, fazendo por sua vez aflorar velhas rivalidades entre policiais civis e
militares a partir da concessão de reajuste salarial bastante diferenciado entre as duas
categorias.
No que se refere à presença feminina na PMSE, o número de mulheres continua,
após completados vinte anos da incorporação das primeiras policiais femininas, ainda bastante
reduzido. Contando com um efetivo de 5.406 homens, o efetivo feminino totaliza na
corporação 334 policiais, de acordo com o último levantamento a que se tive acesso, datado
de 28 de abril de 2009. Conforme a tabela 02 a seguir, o referido número representa menos de
6% do efetivo total da PM, distribuído através da sua estrutura, composta pelo Comando
Geral, Estado Maior em: 08 batalhões de Polícia Militar, Batalhão de Polícia de Guarda,
Batalhão de Policiamento de Choque, Batalhão Especial de Segurança Patrimonial, Hospital
da Polícia Militar, Companhias de Rádio Patrulha, de Polícia de Trânsito, de Polícia
Rodoviária Estadual, de Polícia Fazendária, de Segurança Escolar, de Polícia Ambiental, de
Operações Especiais, Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, além de Esquadrão
de Polícia Montada28 e oito Companhias de Polícia Comunitária, que reúnem 26 postos de
Atendimento (PAC’s).
Tabela 02 – Resumo do Efetivo Feminino da PMSE
Posto
Tenente Coronel
Capitão
1º Tenente
2º Tenente
Asp. Oficiais
Alunas Oficiais
Subtenentes
2º Sargento
3º Sargento
Alunas Sargentos
Cabos
Soldados
Total
29
Fonte: PMSE (2009).
Contingente
05
04
19
03
02
05
07
01
14
49
03
222
334
_________________
28
Disponível em:<http://www.pm.se.gov.br/index.php>. Acesso em: 05 jul. 2009.
Agradeço a soldado Nilza Santos que, disponibilizando de forma generosa as tabelas com o efetivo atual da
PMSE, poupou-me o imenso trabalho de identificar na listagem completa do efetivo, outrora cedido pela PM-1,
uma a uma cada policial feminina e assim proceder à contagem desse efetivo.
29
58
2.3 A mulher e as implicações da carreira policial: A (n)visibilidade feminina na PM
Desde o ingresso das primeiras mulheres nas polícias militares, é possível dizer
que foram poucos os cargos de destaque por elas ocupados, num tipo de percepção
essencialista que geralmente tende a identificá-las como pouco “adaptadas” às atividades de
policiamento ostensivo. Tarefas que, associadas aos perigos conhecidos das ruas,
supostamente exigem a “força” e a “coragem” “comuns” ao sexo masculino.
Baseadas num tipo de formação que privilegia os aspectos militares e que se
sustenta, portanto, numa lógica guerreira, as polícias militares se constituem desde a sua
origem e organização como instituições hegemonicamente masculinas, fator que ainda torna
atualmente a inserção e presença feminina nessas instituições um elemento não só limitado,
mas de pouca visibilidade.
Segundo Márcia Calazans (2004), a sobredeterminação militar e o passado
masculino secular dessas corporações atuam na manutenção dos homens como arquétipo de
emancipação e qualificação no desempenho profissional. Assim, a identidade feminina
policial e a consequente feminização da carreira policial militar é um fenômeno basicamente
visível apenas a partir do acesso de mulheres em subgrupos de trabalho dentro dessas
instituições. A sua maior presença nesses subgrupos é acompanhada do significativo
esvaziamento do público masculino, que segue em busca de outros espaços.
Desse modo, persiste em várias PM’s do país a prática de empregar as mulheres
em funções de menor prestígio e reconhecimento nos quartéis, elemento que tem preservado
substancialmente a hegemonia masculina em muitos setores policiais. Através de diferentes
recursos, a presença de mulheres, vista como uma espécie de ameaça identitária aos membros
masculinos da corporação, é restrita aos serviços internos nas diferentes seções
administrativas dessas instituições (MUSUMECI e SOARES, 2004).
Revestidas de uma lógica “protetora”, as polícias militares tendem a reforçar a
discriminação internamente não só restringido o ingresso de policiais femininas a partir do
estabelecimento de quotas de 10% nas promoções30 de praças e oficiais, mas favorecendo a
_________________
30
Segundo consta no Art. 3º da Lei Estadual nº 5.216 de 15 de dezembro de 2004, assinada pelo então
governador João Alves Filho, o “[...] preenchimento das vagas de Postos e Graduações Policiais-Militares
deve ser realizado por promoção, por admissão mediante seleção (concurso), ou por incorporação, de acordo
com a legislação pertinente, ficando estipulado um mínimo de 10% (dez por cento) de vagas para candidatos
do sexo feminino, até que se complete o efetivo fixando nesta mesma Lei”. Diz ainda no inciso 2 º: “Oficiais e
59
elas um tipo de acesso a certas funções de modo condicionado na polícia, na medida em que
mesmo chegando aos últimos postos da carreira elas possuem pouco poder de decisão na
estrutura da organização e nos destinos das operações policiais.
Assim, a inserção das mulheres está quase sempre restrita aos setores
administrativos ou a atividades que exigem “facilidade de diálogo” e que visam evidenciar o
ajustamento da PM aos preceitos “modernos” de policiamento, ou seja, enquanto estratégia de
marketing e ponto constante nas iniciativas de reforma das instituições policiais no país nas
últimas décadas. Um fator que se mostra devedor da concepção secular sobre o que se
constitui efetivamente “trabalho de mulher”, uma construção social que costuma associar as
mulheres a tarefas que exigem uma passividade “que predispõe à execução, doçura e ordem”
(PERROT, 2005, p. 252).
Com uma estrutura de treinamento bastante próxima a de grupamentos do
Exército, baseado num tipo de formação guerreira, a PMSE enfatiza a importância que delega
a um intenso e doloroso condicionamento físico, bem como aos valores militares em
detrimento das técnicas policiais. Assim como em outras polícias militares, nela se
sobressaem os rituais voltados para transmissão de atitudes militaristas e guerreiras, que
destacam uma cultura policial ancorada em atributos “masculinos” como força e capacidade
de resistência. Processo semelhante ao verificado por Albuquerque e Paes Machado (2006) na
Jornada de Instrução Militar (JIM) na Academia Militar da Bahia e presentes em outras
polícias no país, aspecto que reforça a importância de descobrir as estruturas simbólicas e o
sentido amplo presente no discurso social para a orientação das ações dos sujeitos policiais.
as Praças policiais-militares femininos devem ter acesso ao último Posto e à última Graduação,
respectivamente, obedecidas as prescrições constantes em leis e regulamentos, especialmente as do art. 11, §§
1º, 2º e 3º, as do art. 45 e as do art. 46 do Decreto nº 3.874, de 15 de dezembro de 1977 (Regulamento de
Promoções de Oficiais), e as do art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º, as do art. 5º e as do art. 9º do Decreto nº 3.974, de 09 de
março de 1978 (Regulamento do Sistema de Promoção de Graduados)”.
60
CAPÍTULO III
3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A PRESENÇA FEMININA NA PMSE: os
homens policiais e um “outro” indesejado
O espaço potencial é portanto o espaço dos
símbolos.
Símbolos
pressupõem
a
capacidade de evocar presença apesar da
ausência, já que sua característica
fundamental é que eles significam uma outra
coisa. Nesse sentido, eles criam o objeto
representado, construindo uma nova
realidade para a realidade que já está lá. Eles
provocam uma fusão entre o sujeito e objeto.
Através de símbolos, coisas diferentes
podem significar umas as outras e podem
mergulhar umas nas outras; eles permitem
uma variabilidade infinita, e, ainda assim,
são referenciais [...] É a referência do mundo
que garante a natureza criativa da atividade
simbólica, de tal forma que a experiência de
um, ao se mesclar com a experiência de
outros, cria continuamente a experiência que
constitui a realidade de todos.
Sandra Jovchelovitch (1995, p. 74).
3.1 A pesquisa: método e dados levantados
Cristina Bruschini (1992), discutindo a utilização de abordagens quantitativas em
pesquisas sobre as relações de gênero, destacou que a definição da metodologia de
investigação deve ser feita com base no problema apresentado pela pesquisa, observando suas
características básicas como abrangência, objetivo, tempo e recursos disponíveis31.
Diferente de algo comum no passado, quando especialmente na década de 1970
muitos pesquisadores julgavam que as abordagens qualitativas seriam as metodologias mais
adequadas aos interesses dos grupos feministas em compreender melhor a realidade para
_________________
31
De acordo com a autora, a pesquisa quantitativa, de uma forma geral, caracteriza-se enquanto procedimento de
“sistematização de grande número de informações obtidas através de uma ou outra técnica de pesquisa”
(BRUSCHINI, 1992, p. 289).
61
transformá-la, atualmente se compreende que as metodologias tanto quantitativas quanto
qualitativas servem a esse propósito, de modo que:
[...] a observação participante, as entrevistas e histórias de vida são tão válidas em
pesquisas que lidam com pequeno número de informantes, que visam ao
aprofundamento mais do que à generalização, quanto às análises de dados
secundários ou os surveys, quando o que se procura é traçar diagnósticos
macrossociais com base em dados generalizáveis para amplos conjuntos da
população, os quais costumam ser extremamente úteis para embasar a formulação de
políticas públicas.
Por considerar que este trabalho está no limite dessas duas orientações, a pesquisa
assumiu uma natureza quali-quantitativa, na medida em que tem como propósitos tanto
aprofundar algumas discussões no campo das relações de gênero nas instituições policiais
quanto, por meio da sistematização dos dados dos questionários, possibilitar a construção de
uma análise sobre as representações sociais dos PM’s a respeito da presença das mulheres nas
atividades policiais que possam vir a subsidiar a elaboração de políticas públicas destinados a
estimular o debate sobre gênero na PMSE.
Nesse processo de análise, sigo a conhecida ressalva sobre as possibilidades que o
estudo das representações pode ensejar, pois os dados sobre relações de gênero podem seguir
um caminho parecido com aqueles apresentados pelos estudos a respeito da violência, onde é
comum a dificuldade dos indivíduos em falar sobre o tema ou mesmo se sentirem inclinados a
responder de forma socialmente desejada e um tanto distante daquilo que efetivamente
pensam a respeito. As análises, portanto, apresentam em geral tendências, possibilidades por
onde o debate poderá seguir, de modo a encontrar formas de aprofundar o conhecimento sobre
a realidade. Um percurso indubitavelmente difícil, pois as representações reclamam
interpretação. Como enfatizou Maria Stela Grossi Porto (1999, p. 132): “representações
sociais não são assertivas falsas ou verdadeiras e sim apenas a matéria-prima, o dado bruto
que cabe ao sociólogo analisar, interpretar, compreender”.
É possível afirmar inicialmente sobre o processo de pesquisa, que a aplicação dos
questionários em diferentes unidades da Polícia Militar foi uma experiência particularmente
rica e reveladora, tendo em vista os objetivos definidos para o recolhimento dos dados. Na
ocasião que assinalou a aplicação dos questionários preferi ir sozinho aos locais de pesquisa e
conversar pessoalmente com os policiais militares, embora eu tivesse naquela oportunidade a
62
chance de poder contar com auxiliares no processo de distribuição e aplicação de um número
relativamente extenso de questionários em diferentes unidades da PMSE32.
A decisão estava amparada numa certa intuição de que aquele momento seria
particularmente importante para, como pesquisador, ter acesso às representações sociais dos
PM’s e à multiplicidade de elementos que escapam de um processo inegavelmente rico, com
os comentários e reações provocadas pelas perguntas e o caráter, de certo modo “polêmico”,
do tema proposto, evitando maiores estranhamentos e resistências, que possivelmente a
presença de um maior número de pessoas poderia causar.
Cheguei por volta das 10 horas da manhã na primeira quinzena de maio deste ano
no Quartel Central da PM, dia coincidentemente da passagem do Comando-Geral da
instituição, ocorrida após curto período de permanência e grande processo de desgaste
político. Se em outro dia poderia encontrar mais policiais militares no Quartel Central, pois
muitos deles estavam envolvidos com os preparativos em torno das mudanças em alguns
setores com a passagem para um novo Comando na instituição, as possíveis resistências à
aplicação dos questionários foram abrandadas, principalmente porque encontrei muitos
policiais conhecidos na ocasião. De modo geral, posso afirmar que encontrei um contexto
bastante propício para esse trabalho, fato que se repetiria nas outras unidades nos dias que se
seguiram a essa etapa da pesquisa.
A aplicação foi em vários momentos seguida de comentários ou provocações,
quase sempre em tom sarcástico ou jocoso, dirigidas às mulheres presentes nos setores em que
estive, vindo a suscitar algumas discussões interessantes e demonstrações também de
indisfarçável preconceito contra o público feminino.
Em algumas dessas ocasiões a minha chegada aos setores não era surpresa, tendo
em vista que os comentários a respeito do questionário sobre “as mulheres” na PM já havia se
alastrado de forma veloz, provocando cenas e comentários inusitados. Posso afirmar que a
decisão de aplicar os questionários no Quartel Central me colocava certas dúvidas na medida
em que o QCG se constitui um espaço onde o número de mulheres é acentuado quando
comparado a outras unidades da PMSE, chegando em algumas seções do QCG as mulheres
constituírem maioria. O receio estava em ter o acesso às representações sociais dos policiais
militares masculinos comprometido a partir de uma presença mais acentuada do público
_________________
32
Agradeço à professora Sheyla Farias Silva, da Universidade Tiradentes, que, juntamente com alguns de seus
alunos, gentilmente se disponibilizou a ajudar nesse trabalho.
63
feminino e da força de um possível discurso “oficial”, “politicamente correto” sobre a
“igualdade” de gênero na corporação.
Contudo, esse processo se mostrou inversamente favorável aos meus objetivos. Se
até então eu imaginava que a maior presença feminina iria “minar” maiores resistências às
mulheres na instituição, a prática me fez perceber o quanto eu estava equivocado. Nos setores
compostos por homens e mulheres, alguns policiais masculinos faziam questão de ler
propositadamente em voz alta as perguntas para provocar a reação das colegas de serviço,
configurando cenas interessantes com a exposição de percepções correntes sobre o sentido da
presença feminina na PM. Representações bastante parecidas àquelas a que tive acesso
durante os anos em que fui policial e que poderiam ser sintetizadas nas expressões “Polícia
não é lugar pra mulher” e “elas não servem pra guerra”.
Ao chegar a um dos primeiros setores, fui recebido por três policiais, sendo duas
mulheres e um homem. O policial aproveitou para, entre pequenas “brincadeiras” que
atribuem às mulheres na Polícia o fato de serem “noseiras”33 e “preguiçosas”, expor sua
opinião sobre o trabalho feminino na PM. Segundo esse policial, um soldado com
aproximadamente dez anos de serviço na corporação, as mulheres que atuam nas ruas “são
mais violentas, batem mais” nos indivíduos, principalmente quando já estariam presos e
imobilizados, visto que costumam agir amparadas nas guarnições em que trabalham,
geralmente compostas em sua maioria por homens. Segundo eles, “eu já trabalhei algumas
vezes na rua e percebi isso. Elas batem confiando nos homens da guarnição, pois sabem que
qualquer coisa eles vão defendê-la”.
Essa declaração, seguida de tantas outras que afirmavam que as mulheres
buscavam apenas privilégios e não as responsabilidades próprias da condição policial,
colocavam-me interiormente numa dupla e contraditória situação. Como pesquisador, eu me
via dividido entre um claro constrangimento com os “ataques” e ao mesmo tempo “satisfeito”
e “confiante” com o andamento da pesquisa, na medida em que via o objeto da minha análise
emergindo através das representações sociais dos policiais, pois a frase “mulher na PM é
dinheiro perdido do Estado” era, quando não evocada explicitamente, confirmada por outras
formas pelos policiais masculinos e até femininos, sobretudo pelas mulheres que já haviam
passado pela experiência de trabalhar na rua e que viam na resistência de suas colegas uma
_________________
33
Gíria militar, refere-se aquele policial esperto que dá “nó” nos colegas, ou seja, que é “enrolado” na forma
como conduz o serviço, procurando trabalhar menos.
64
confirmação do “despreparo” e “falta” de interesse das mulheres em desempenhar as mesmas
atividades que os homens.
A aplicação do questionário foi ainda inusitada, pois se para muitos policiais
masculinos eu estaria querendo “favorecer” as mulheres com a pesquisa colocando-os numa
“difícil” situação, principalmente quando algumas perguntas estariam “levando-os” a cair em
contradição ou a expressar uma visão não muito democrática sobre as policiais femininas,
para estas as perguntas do questionário eram claramente “machistas”. Assim, as perguntas do
questionário expressariam tanto o interesse das mulheres em “denunciar” o preconceito contra
elas na PM quanto à opinião do pesquisador, fato que levou uma policial a se negar a
responder às questões.
A seguir, busquei apresentar, com base nos dados recolhidos através de
questionários fechados distribuídos em diferentes unidades da Polícia Militar de Sergipe, um
perfil geral dos policiais que participaram da pesquisa (Apêndice D), a fim de possibilitar o
entendimento mais amplo a respeito das representações sociais de policiais militares sobre a
presença feminina na Polícia Militar de Sergipe articulando-as às características sócioculturais do público pesquisado.
Em relação ao instrumento de coleta citado, ele concentrou, conforme Apêndice
B, 23 perguntas fechadas destinadas a recolher desde elementos básicos sobre a vida do
policial como idade, sexo, tempo de serviço, religião, escolaridade, posto ou patente, setor de
trabalho, passando pela motivação para o ingresso na profissão, grau de satisfação com a
carreira, relações interpessoais no ambiente de trabalho, assim como as questões específicas
sobre a percepção a respeito da presença feminina na corporação.
A partir de questões básicas, a exemplo de idade, tempo de serviço, sexo, entre
outras, passando por perguntas que buscaram captar opiniões sobre o papel das mulheres na
PMSE, como as representações sobre o número de policiais femininas, critérios para
distribuição desse efetivo, relação profissional e afetiva entre subordinados e superiores, até
as questões polêmicas sobre os possíveis impactos da presença feminina na instituição,
busquei compreender como os policiais militares, homens e mulheres, percebem o papel
feminino na Polícia Militar. De modo semelhante, como as policiais militares modelam as
representações sobre de si e sobre si no interior da instituição policial militar, lidam com as
diferentes formas de preconceito na corporação e por sua vez trabalham, frente a esse cenário,
na estruturação de sua identidade profissional.
A disposição das perguntas no questionário, partindo de temas mais amplos e
conhecidos do público policial militar para as questões específicas de gênero, cumpriu o
65
propósito de estimular uma maior abertura ao tratamento de um tema por si só polêmico como
as questões de gênero. Além disso, a arquitetura do questionário se voltou para suscitar entre
os policiais consultados um contexto maior de reflexão sobre temas diversos que guardam
relação, por sua vez, com a presença das mulheres na instituição, como é o caso da relação
afetiva entre homens e mulheres na polícia, bem como as relações interpessoais nos setores de
trabalho, visto que um dos argumentos mais levantados pelos próprios policiais está no fato de
que o ingresso das mulheres na instituição teria sido importante por “humanizar” as relações
internas na instituição policial militar, conforme destacou um dos policiais ouvidos durante a
pesquisa: “as mulheres são mais organizadas, cautelosas e sabem tratar melhor os policiais,
seus subordinados. Entendem melhor quando o policial tem um problema em casa com a
família. É diferente dos homens”.
O desenho construído tanto para o questionário quanto para o roteiro de entrevista
é um aspecto que coloca este trabalho metodologicamente lastreado nas observações
apresentadas por Maria Odila Dias (1992, p. 40) a respeito dos parâmetros a serem utilizados
nas pesquisas sobre gênero, pois:
Libertar-se de categorias abstratas e de identidades universais como ‘a condição
feminina’ é uma preocupação que decididamente enfatiza o interesse em
desconstruir valores ideológicos e em perseguir trilhas do conhecimento histórico
concreto que, reduzindo o espaço e o tempo a conjunturas restritas e específicas,
permitem ao estudioso a re-descoberta de papéis informais, de situações inéditas e
atípicas, que justamente permitem a reconstituição de processos sociais fora do seu
enquadramento estritamente normativo. Documentar o atípico não quer dizer
apontar o excepcional, no sentido episódico ou anedótico, mas justamente encontrar
um caminho de interpretação que desvende um processo importante até ali invisível,
por força da tonalidade restrita das perguntas formuladas tendo em vista estritamente
o normativo. Encontrar a trilha e a perspectiva que ilumina a terceira margem do rio
é um modo de renovar o conhecimento e nunca é bastante chamar atenção para o
quanto podem ser renovadores os estudos feministas.
Neste sentido, da amostra quantitativa definida para esta pesquisa, que totalizou
325 questionários, preenchidos por 271 indivíduos do sexo masculino e 43 do sexo
feminino34, a faixa etária predominante esteve centrada em policiais entre 30 e 39 anos,
compreendendo 48,9 % do total, ou seja, 159 indivíduos. Em seguida, verificou-se que
_________________
34
Na pesquisa, 11 questionários foram devolvidos em branco, correspondendo a 3,4% do total de questionários
aplicados e um foi anulado por ter sido assinado pelo policial. Um fato interessante colhido foi a disposição de
muitos policiais em assinar o questionário, embora inicialmente eu destacasse a necessidade de que não fossem
assinados. Desses policiais dispostos estavam, sobretudo, os que afirmavam não concordar com a presença
feminina na instituição, o que revelou a ausência de constrangimento de alguns policiais em expressar que a
presença feminina na PM é em certo sentido um elemento “indesejado”.
66
indivíduos com idade entre 40 e 49 compuseram o segundo maior percentual, totalizando 70
policiais, o que em termos percentuais significou 21,5% da amostra, seguida de 18,5% de
policiais situados na faixa etária entre 25 e 29 anos; 5,8%, entre 21 e 24 anos, 1,8%,
correspondente a indivíduos com idade superior a 50 anos.
A maior concentração de policiais com idade entre 30 e 49 anos, 70,4% do total,
encontra correspondência nos dados sobre tempo de serviço na corporação que aponta para
percentual representativo dos indivíduos consultados, ou seja, 26,5% situados entre 10 e 15
anos de serviço na Polícia Militar, e 25,5%, entre 15 e 20 anos de trabalho. Elemento que
aponta para uma amostra composta em sua maior parte por policiais com expressivo tempo de
serviço na instituição: entre 10 e 20 anos. Nesse campo, a terceira maior frequência registrada
ficou com policiais que totalizam de 01 a 03 anos de corporação: 18,5%.
A junção dos dados referentes à idade dos entrevistados e o tempo de serviço
revela que o ingresso na Polícia Militar se dá geralmente cedo, por volta dos 22 anos de idade,
assim como a existência de uma população jovem menor, embora expressiva, presente na
instituição. Do efetivo total, 29,3% teriam no máximo 10 anos de serviço e, como foi citado
anteriormente, 52% dos policiais que participaram da pesquisa têm entre 10 e 20 anos de
instituição, enquanto 15,06% têm mais de 20 anos de experiência na caserna.
Na parte correspondente à cor, a composição ficou marcada por 61,8% de
indivíduos que se auto-declararam pardos, 16,3% negros, 15,7% brancos, 1,8% amarelos e 0,6
indígenas. Percentual um pouco semelhante à da população sergipana, onde os índices de
pardos e negros giram em torno de 75%, segundo o último censo realizado pelo IBGE (2007).
O que evidencia a PM como um setor do serviço público estadual onde ocorre uma
distribuição equitativa das “raças” ou cores em relação à composição étnico-racial da
sociedade sergipana.
No campo correspondente à religião, 58,8% se auto-declararam católicos,
seguidos por 17,2% evangélicos, 4,6% espíritas, 3,1% ateus, enquanto apenas 0,3%
assumiram o candomblé como sua religião. Chama a atenção o fato de 8,3% assinalarem a
opção “Outras”, fazendo referência a formas diversas de vivência espiritual sem ligação direta
com os cultos religiosos majoritários.
O espaço reservado à escolaridade dos policiais, indubitavelmente, aponta para
um dado bastante interessante vivido pela instituição nos últimos anos e até então carente de
dados mais precisos, tendo em vista a ausência de pesquisas quantitativas ou censos da
instituição que confirmassem uma percepção geral sobre o crescimento da escolaridade dos
policiais militares, especialmente na última década. Segundo levantamento feito a partir do
67
questionário desta pesquisa, a maior parte dos policiais, 34,2%, possui o ensino médio
completo, enquanto 20,6% estão na universidade e outros 23,1% já possuem diploma de nível
superior, seguidos de 8,6% que avançaram através de cursos de pós-graduação.
Desse modo, apenas 10,5% dos policiais possuem escolaridade abaixo do ensino
médio, sendo 2,5% com o ensino fundamental incompleto, 1,8% ensino fundamental
completo e 6,2% ensino médio completo, o que faz revelar que uma vez somados os
indivíduos com ensino médio completo, superior completo, incompleto e com pós-graduação,
o percentual chega a “impressionantes” 86,5%.
Esses dados evidenciam que, ainda que não seja possível apresentar dados da
instituição sobre a escolaridade dos policiais militares de anos anteriores, a PM segue uma
tendência no país e em outras instituições com o crescimento da escolaridade dos seus
membros, na medida em que a própria escolaridade definida para o ingresso em seus quadros
tem aumentado nas últimas décadas35. De ensino fundamental incompleto no final dos anos
1980 para ensino médio no final dos anos 1990, acompanhado de recentes reivindicações,
através das associações de classe dos policiais militares junto ao Governo do Estado para
fixação do requisito de nível superior, processo semelhante ao da Polícia Civil, os membros
da PM dão indícios importantes de crescimento da escolaridade e da importância, em grande
parte estratégica, que a escolaridade tem para a valorização da carreira e das oportunidades de
melhoria das condições de trabalho. Pode-se ainda atribuir ao maior nível escolar às tensões
hoje existentes no interior da Polícia Militar, quando o questionamento dos preceitos militares
que balizam a organização é um fato cada vez mais constante entre policiais que ocupam a
base da instituição. Não raramente, soldados com quem conversei e que possuem maior
escolaridade, vêem as tarefas de execução com alguma resistência, principalmente quando os
seus superiores possuem menos anos de estudos e as chances de ascensão profissional são
reduzidas na instituição36.
Os números são ainda mais representativos quando se leva em consideração que
43,1% foram respondidos por soldados, acompanhado de 14,5% por cabos, 22,5% por
sargentos e 4,3% por sub-tenentes. Do total de oficiais que participaram da pesquisa 5,8%
_________________
35
Nos concursos para soldado e sargento nos anos de 1991 e 1993, a escolaridade exigida dos candidatos foi de
primeiro grau completo.
36
Segundo legislação em vigor da PMSE, para ser promovido do posto de soldado para cabo, o policial militar
precisa ter no mínimo 08 anos de efetivo serviço na corporação. Uma exigência que é ainda condicionada à
existência de vagas no quadro, o tem levado esses policiais a alcançarem a promoção, em média, com 14 anos de
serviço efetivo na instituição.
68
pertencem ao círculo dos tenentes, 3,7% dos capitães; 1,5% dos majores, 0,6% dos tenentescoronéis e 0,3% dos coronéis. Em resumo, 84,4% pertencem às praças, 9,5% ao quadro dos
oficiais subalternos e 2,4 aos dos oficiais superiores.
No que tange à distribuição desse efetivo, 48,3% afirmaram desenvolver suas
atividades na esfera administrativa, enquanto 10,2% estão concentrados no trabalho de
trânsito, a exemplo das Companhias de Policiamento Rodoviário Estadual (CPRv) e CPTran,
que atua no perímetro urbano da capital. A PM-2 e o setor reservado do CPMC, encarregados
dos serviços de investigação na instituição, concentram 1,8% da amostra, enquanto 20,3%
trabalham em serviços de ronda ou policiamento ostensivo; 13,5% fazem parte de unidades de
polícia especializada como Batalhão de Choque e Companhia de Operações Especiais, que
nos últimos anos, com base na política de segurança pública do atual governo do Estado, vêm
também desempenhando a tarefa de policiamento ostensivo.
Integram ainda o grupo 1,5%, correspondente aos policiais que atuam junto a
Postos de Atendimento ao Cidadão (PAC) e 0,3%, ou seja, apenas 01 policial, em delegacia
de polícia civil. Um percentual explicado pela recente resistência manifestada pelos policiais
militares em atuar nas delegacias de Polícia Civil, sobretudo após a concessão de reajuste
salarial diferenciado para as duas categorias, na qual os agentes e escrivães de polícia civil
receberam reajuste parcelado até 2010, em torno de 600%, fato que motivou os superiores e
os próprios subordinados a atuar na transferência para outros setores da atividade, com vistas
a “coibir” na PM o desvio de finalidade, na medida em que constitucionalmente os policiais
militares são responsáveis pelo policiamento ostensivo e os policiais pelo serviço
investigativo.
A forte concentração de policiais no setor administrativo na Polícia Militar de
Sergipe, que gira em torno de 48% e, portanto, emprega uma grande parcela do efetivo, é um
aspecto que demanda atenção cuidadosa. Tal distribuição pode, em certa medida, ser
relacionado como um fator significativo a expressar não só uma suposta inclinação reduzida
dos policiais pelo policiamento ostensivo, em virtude dos inerentes perigos que a atividade
oferece, mas a fatores localizados na própria estrutura organizacional da PM, que motivaria a
saída desses policiais da atividade-fim, conforme discuti em outro trabalho (SOUZA, 2008).
Durante a pesquisa, a concentração do público feminino nas atividades
administrativas seria, curiosamente, tanto fator para justificar a presença das mulheres na
instituição, pois estas estariam “naturalmente” mais inclinadas a desenvolver essas atividades
por serem “cuidadosas”, “organizadas” e “sensíveis” – portanto não-aptas à rotina das ruas quanto fator de crítica às mulheres que estariam fugindo dos riscos inerentes ao policiamento
69
ostensivo, recorrendo ao apadrinhamento político ou à “proteção” dos superiores hierárquicos,
lotando as seções, conforme “denunciaram” alguns policiais durante a pesquisa, ao afirmar
que as mulheres na polícia já entrariam buscando trabalhar nos setores administrativos da
instituição.
Certamente os motivos apontados pelos Pm’s para o seu ingresso na instituição
ressaltam a necessidade de pensar políticas públicas que busquem melhor valorizar a
atividade e que a curto ou médio prazo a transformem numa opção atraente de ingresso, para
além do mero desejo de estabilidade (39,1%) ou como opção apresentada frente à “ausência
de outra oportunidade” (18,2%). Dos policiais consultados, apenas 9,2% assinalaram a opção
“possibilidade de crescimento profissional” e 15,7% a alternativa “vocação”, enquanto 3,4%
destacaram o fator “salário” e 2,5% o “incentivo familiar”, revelando assim que a profissão é
pouco valorizada socialmente e que a experiência direta na corporação é pouco eficaz em resignifcar o sentido do ingresso desses indivíduos. Aspecto sintomático de mudanças
importantes operadas no mercado de trabalho no Brasil, sobretudo num momento em que os
candidatos a ingressar na PM, até então majoritariamente vindos dos estratos sociais mais
pobres, vêm ultimamente com frequência de setores médios e até médios altos, apresentando
por sua vez maior nível de escolaridade. Um fator que aponta também para a busca do serviço
público como alternativa viável e privilegiada nos últimos anos e como resultado provável das
crises econômicas enfrentadas pelo país, responsáveis por forjar nos brasileiros o desejo de
buscar oportunidades de emprego que ofereçam maior estabilidade no vínculo de trabalho.
É possível ilustrar esse crescimento, no caso da PMSE, através de uma breve
comparação entre os concursos realizados pela instituição nas últimas duas décadas. Se em
1990, por exemplo, inscreveram-se 2028 pessoas para concorrer às vagas de sargento
masculino e feminino, que além da exigência dos candidatos serem solteiros e sem
dependentes, exigia que tivessem o primeiro grau completo37, no ano de 1993 concorreram
cerca de 3 mil candidatos para o preenchimento de 290 vagas para soldado, sendo 250
masculinos e 40 femininos38.
_________________
37
38
“Sexta e sábado as provas para Sargento da Polícia, Jornal Gazeta de Sergipe, (09/01/1991, p. 03).
“Resultado de concurso da PM deverá sair na segunda-feira”, Jornal Gazeta de Sergipe (12/11/1993, p. 06).
70
Quase uma década depois, aproximadamente 30.000 disputaram 200 vagas para o
cargo de soldado, sendo 160 vagas para homens e 40 para mulheres39. No concurso para CFSd
de 2005, por sua vez, segundo matéria veiculada no site da PMSE em 19 de agosto de 2005, a
concorrência continuou alta, quando foram registradas 14.804 inscrições para 500 vagas,
distribuídas em sete regiões do Estado, conforme tabela 03:
Tabela 03 - Concorrência concurso de soldado 2005
Cidade
Masculino
Feminino
Aracaju
27.33
51.97
Propriá
33.78
33.13
Itabaiana
11.78
16.38
Canindé do são Francisco
42.72
42.13
Estância
18.44
18.75
Lagarto
20.41
22.00
Fonte: http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1123540383. Acesso em: 05 jul. 2009.
Nota-se na tabela 03 que os locais mais procurados foram Aracaju e Canindé do
São Francisco. A cidade de Aracaju, na verdade a região metropolitana, que compreende além
da capital os municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros,
teve 6559 homens concorrendo a 240 vagas, seguida de 3118 mulheres inscritas para 60 vagas
ofertadas, o que fixou a concorrência expressiva de 27,33 e 51,97, respectivamente, por vaga.
A segunda maior concorrência registrada foi a da região de Canindé, onde a concorrência
tanto para as vagas masculinas e femininas fixou números semelhantes, de aproximadamente
42 candidatos por vaga.
É importante destacar, ainda, voltando aos dados sobre o motivo destacado pelos
policiais para o ingresso, o sentido problemático que o termo “vocação” assume quando
voltado para a atividade policial, pois ser um sujeito vocacionado, tendo em vista o
imaginário que envolve a instituição e as práticas policiais, não é garantia de um desempenho
ético orientado à promoção dos direitos humanos e ao respeito ao estado de direito
democrático. Como percebido em diferentes conversas com policiais no momento de
aplicação do questionário, as afirmativas que se referiam espontaneamente a respeito do
motivo para ingresso e que se referiam à vocação, em grande medida relacionavam a vocação
39
“Boato de fraude não anula concurso da PM”, Informe Sergipe (16/04/2002). Disponível em:
<http://www.informesergipe.com.br/pagina_data.php?sec=2&&rec=79&&aano=2002&&mmes=4>. Acesso
em: 05 jul. 2009.
71
para a atividade policial como um desejo aparentemente contraditório de experimentar o risco
e de “combater” a marginalidade.
Assim, mesmo com os baixos salários no momento do ingresso na PM o que
estava em questão era a “vocação” de ser polícia, de “trocar tiro com marginal”, de “prender
bandido”. Os policiais, portanto, ao se fixarem no processo de constituição de sua identidade
profissional demonstram estabelecer relação de alteridade com aquilo que eles têm como seu
inimigo, o “bandido”, considerando-o como aquele que deve “castigado” e que uma vez
resolvendo “dar as testas” com a polícia, ou seja, resistir de forma violenta à prisão, deve ser
morto. Afinal, ele “deve pagar o seu preço”. Sobressai nessa relação que os policiais
estabelecem na prática policial importância do “bandido” como elemento que dá respaldo
simbólico à existência da polícia. Nesse caso, o policial antes de existir para promover a
segurança dos cidadãos e promover a ordem pública, teria sua existência respaldada pela
missão de “pôr fim”, “combater os marginais” por meio de uma política que privilegia o
enfrentamento e a “aniquilação” dos inimigos sociais.
No caso da satisfação com a profissão, esse quadro possui contornos preocupantes
quando perguntado aos policiais se eles se sentem satisfeitos com a profissão. Do total, apenas
21,2% afirmaram ser realizados ou muito realizados. De modo inverso, a maioria, 74,1%
expressaram pouco ou nenhuma satisfação com a profissão. Um percentual, inegavelmente,
reforçado pelos impasses com o Governo do Estado em torno da concessão do reajuste dos
soldos, orientada pelas reivindicações relativas à equiparação dos vencimentos dos Pm’s com
os Policiais Civis e que têm concentrado a atenção nos últimos meses de grande parte da
corporação40.
Esse cenário, aliado à crise de identidade vivida pelos policiais militares, segundo
apontou Jacqueline Muniz (2001), colabora para uma realidade marcada por dois aspectos
emblemáticos do cotidiano policial militar, ou seja, a difícil relação entre superiores e
subordinados, e a percepção social ruim sobre a função policial, que, segundo os estudos de
Minayo, Souza e Constantino (2007) e Fernanda Amador (2002), apresentam-se como causas
de sofrimento psíquico para os policiais. Nos discursos dos policiais, a sociedade tem uma
imagem bastante ruim da instituição
_________________
40
No último mês os PM’s conseguiram reajuste parcelado até dezembro de 2010 de aproximadamente 80%.
Reajuste que eleva, segundo o Governo do Estado, os salários dos soldados de 1.500 reais para cerca de 2.600
reais até dezembro de 2010.
72
Quanto à relação superiores/subordinados, cito, no plano local, os trabalhos de
Juliana Silva Dantas: “O Trabalhador Policial Militar: sujeito vulnerável ao adoecimento
psíquico” (2008) e Gomes, Góis e Leite (2002), que buscaram analisar a relação entre as
condições de trabalho, formas de sociabilidade, formação profissional e o adoecimento mental
de policiais na Polícia Militar de Sergipe. Os trabalhos indicam a conexão entre a rotina de
trabalho e o adoecimento psíquico dos policiais, assim como o tímido papel do Estado
dispensado no enfrentamento desse problema.
Segundo destacou Muniz (2001), os policiais questionam com grande frequência a
validade dos preceitos militares na orientação da atividade policial, considerados entraves ao
bom funcionamento das atividades e causa de comprometimento das relações, na medida em
que não expressariam a natureza do trabalho por eles desempenhado. Possivelmente, a pouca
satisfação apontada na relação entre superiores e subordinados, em torno de 50%, revele essa
crise de identidade e a necessidade de reformulação das estruturas organizacionais na
instituição. Na PM, os tímidos serviços de assistência psicossocial e o rigor militar impedem
uma maior abertura a debates internos entre praças e oficiais, a exemplo da exposição de
demandas individuais específicas a um tipo de atividade marcado pelo grande sentimento de
risco e desencanto com a atividade. Um elemento comum e que pode ser representado por
respostas como a de uma jovem policial entrevistada, que disse ter saído da iniciativa privada,
onde tinha um emprego que lhe remunerava inclusive melhor, para ingressar na PM em razão
de sua suposta vocação e pela estabilidade do serviço público. Segundo ela, o “militarismo”,
categoria que serve para designar o modelo que rege a organização da PM e também
instrumento a serviço dos superiores impor restrições ao comportamento dos subordinados,
constitui razão para o desencanto com a profissão policial militar:
“No início eu até achei que seria interessante. A principio eu estava feliz em entrar
na polícia militar, pois eu sempre quis trabalhar em órgão de Segurança Pública. [...]
Depois descobri que minha vocação era para Segurança Pública e não para a PM. O
militarismo é um grande entrave, depois de três meses já estava arrependida de
entrar na policia. Eu não sei se o militarismo ou se a forma como usam o
militarismo. É uma instituição complicada que você não tem liberdade de expressão,
se você é soldado você vai ter que obedecer desde um soldado mais antigo até um
coronel. Qualquer pessoa pode anular sua expressão, qualquer um mais antigo pode
lhe detonar”. (Soldado Feminino, 26 anos, 03 anos de serviço).
Já no que diz respeito às representações dos PMs sobre a imagem da sociedade
sobre a função policial, pode-se afirmar, neste sentido, que as cenas recorrentes de violência
envolvendo policiais, aliadas às críticas da mídia e outras organizações, a exemplo de
entidades de defesa dos direitos humanos e setores organizados da população, provocaram um
73
reflexo sobre a percepção que os policiais atribuem à sociedade em relação à imagem da
Polícia Militar. De acordo com 69,2%, a imagem que a sociedade possui da polícia é ruim ou
muito ruim, contra apenas 22,8% que consideram a imagem da polícia boa, e 0,9% que
afirmou ser muito boa essa imagem. Como destacou uma policial:
“[as pessoas] não vêem com bons olhos não, pelas próprias ações por parte de
alguns. Parecem que não sabem lidar com certas situações, acabam praticando coisas
que vemos todos dias nos jornais na televisão. Cria uma imagem muito ruim, nós
sabemos que tem pessoas boas, são pessoas honestas que trabalham direito,
infelizmente por causa de algumas ou certas coisas que a gente ver no dia a dia é que
a polícia militar fica mal vista, fica desmoralizada, desacreditada”. (Aluna do curso
de sargento, 36 anos, 13 anos de serviço).
3.2 Representações Sociais e Relações de Gênero na PM
Na série de perguntas mais específicas do questionário, destinadas a identificar as
representações sociais dos policiais militares sobre diferenças de gênero e as possíveis
implicações do ingresso das mulheres na corporação, a primeira questão se deteve em
verificar se para os policiais as pessoas, de um modo geral, manifestariam mais segurança ao
serem atendidos por homens ou mulheres policiais durante uma ocorrência.
Segundo 51,1% dos policiais consultados, as pessoas se sentem mais seguras
sendo atendidas por policiais masculinos. De modo diverso, apenas 2,5% afirmaram que a
população se sente mais protegida ao receber atendimento de policiais femininos, enquanto
37,5% disseram não existir diferença na percepção dos indivíduos sob maior nível de
segurança quando o atendimento varia segundo o sexo dos policiais. Uma compreensão que,
portanto, difere dos discursos usuais, que normalmente atribuem ao público feminino
qualidades como maior “poder de comunicação”, “sensibilidade” e “paciência”.
Nesse caso, essas mesmas qualidades não se reverteriam em maior adaptação das
mulheres à atividade policial, mesmo aquelas caracterizadas pelo maior contato com o público
civil, como o policiamento comunitário. Uma das poucas exceções seriam justamente as
atividades de atendimento ao público na central telefônica de chamadas de emergência e em
locais públicos como repartições e aeroportos, espaços que por suas características, como
presença de diferentes sistemas de vigilância, a participação feminina direta numa ocorrência
policial é um aspecto em certa medida remoto. Como é possível visualizar nas tabelas 04 e 05
a seguir, que concentram respostas dos policiais a partir das variáveis graduação e posto,
assim como sexo dos policiais, mais da metade dos PM’s consultados afirmaram que a
sociedade se sente mais segura quando atendida por policiais masculinos.
74
Tabela 04 - Questão 13 (variável graduação ou posto)
Q6/Q13
POR HOMENS POR MULHERES QUALQUER UM
NÃO SABE
TOTAL
Soldado
Cabo
Sargento
26.20%
8.00%
9.80%
1.20%
0.30%
0.30%
13.50%
4.90%
10.50%
2.20%
1.20%
1.80%
43.10%
14.50%
22.50%
Sub-Tenente
Tenente
Capitão
Major
2.20%
2.50%
0.90%
0.90%
0.00%
0.30%
0.00%
0.30%
2.20%
2.80%
2.80%
0.30%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
4.30%
5.80%
3.70%
1.50%
Tenente-Coronel
Coronel
Não informou
0.00%
0.30%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
3.40%
0.60%
0.30%
3.70%
Total
51.10%
2.50%
37.50%
8.90%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009)
Fator que se repete na tabela 05, onde metade das policiais (6,5%) respondeu de
forma idêntica, acreditando, sem respaldo de pesquisas de opinião, mas sob a base de um
saber difuso construído a partir de sua vivência pessoal e do contato com o público civil, que
as pessoas preferem ser atendidas por homens. Trata-se de resposta que se confunde com a
opinião das policiais, que afirmam confiar pouco nas condições de trabalho de outras
policiais, conforme revelou umas das policiais ouvidas:
“Muitas aí não têm preparo, não sabem pegar numa arma, fazer uma revista, uma
abordagem. Preferem ficar aqui dentro, não sabem resolver nenhuma ocorrência.
Dessas daqui eu confio só em algumas. A maioria das oficiais nunca trabalhou na
rua. Só uma que comandou uma companhia e é boa de trabalhar na rua. O restante
eu não confio. Precisam ir pra rua”. (Soldado, 34 anos, 11 anos de serviço).
Tabela 05 - Questão 13 (variável sexo)
Q3/Q13
NÃO SABE
TOTAL
Masculino
POR HOMENS
44.60%
1.80%
32.60%
4.30%
83.40%
Feminino
6.50%
0.60%
4.60%
1.50%
13.20%
Não Informou
0.00%
0.00%
0.30%
3.10%
3.40%
Total
51.10%
2.50%
37.50%
8.90%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
POR MULHERES QUALQUER UM
75
Diferentemente do que afirmou uma das policiais com quem conversei durante a
pesquisa, uma aluna do Curso de Sargento que defende maior participação das mulheres nas
tarefas de policiamento sob o argumento de que as policiais femininas são mais “equilibradas”
e “pacientes”, tendo o cuidado de ouvir a versão das partes envolvidas, principalmente em
brigas entre vizinhos e pequenas confusões de rua, parte expressiva dos policiais ouvidos
parecem acreditar que a presença feminina representa maiores riscos para a guarnição policial
que garantias de sucesso na resolução de ocorrências. Ao atuar nas ocorrências os policiais
teriam a dupla preocupação de resolver a situação e “proteger” suas companheiras de
trabalho. Segundo um dos policiais que entrevistei, existiriam diferenças acentuadas entre
homens e mulheres, de modo que para ele:
“Tem diferença [entre homens e mulheres]. Homem é homem até debaixo d’água.
As mulheres se acham com direitos iguais. Isso pra mim não existe. Tem coisas que
pode até ter, outras não porque o homem sai dois, três dias de casa e tudo bem; agora
a mulher vai ser desmoralizada de uma hora para outra pelos colegas, vizinhos. O
homem pra onde ele for ele continua sendo o homem, agora a mulher... Não sei nem
explicar direito [...] [Além disso,] os militares não aceitam muito bem não. Porque
na hora do vamos ver o cara tem que defender ela primeiro pra depois defender o
meliante. Ou você se preocupa com o meliante ou com sua parceira. É uma
preocupação enorme e isso compromete o serviço. Trabalhando a gente tem que
colocar ela no meio porque se colocar ela a última os vagabundos não respeitam,
eles vão passar a mão, querem mexer. Não respeitam. Por esse motivo a gente tem
que tomar cuidado com elas”. (Segundo Sargento, 39 anos, 20 anos de serviço).
Na oportunidade, perguntei ao sargento se isso já havia acontecido durante algum
serviço, tendo a seguinte resposta:
“Já. A gente trabalhando junto e tentaram passar a mão nela e agente teve que se
preocupar mais ainda porque teve que trabalhar com ela [a policial] no meio da
guarnição”. (Segundo Sargento, 39 anos, 20 anos de serviço).
Neste sentido, a mesma policial que reivindica maior participação ativa das
mulheres da PM, contou-me que certa vez foi chamada na repartição em que trabalha para
atender uma ocorrência num dos fóruns da cidade, onde um indivíduo estaria tumultuando o
local. Ao chegar ao fórum e se dirigir a uma das salas foi recebida pela Juíza, que havia
chamado reforço. Em tom “visível” de espanto e certo desapontamento, a Juíza, segundo ela,
teria reclamado do Setor de Segurança do Tribunal de Justiça sobre o fato de terem enviado
uma mulher para resolver a ocorrência. A policial afirmou na ocasião à Juíza que tudo que um
homem pudesse resolver ela também poderia, não sendo questionada pela Juíza que, em
seguida, solicitou que ela resolvesse a situação.
76
Seguindo essa linha, a fala de um dos policiais masculinos com que conversei
durante a pesquisa se mostrou particularmente reveladora tanto de uma visão cristalizada
sobre gênero quanto das polêmicas tentativas de discutir essas representações na PM. No dia
em que apliquei parte significativa dos questionários no Quartel Central, ele aproveitou o
espaço, assim como muitos de seus colegas, para expressar seu descontentamento com a
presença das mulheres na polícia. Segundo o policial, elas não contribuiriam o necessário para
o bom andamento da instituição na medida em que estariam isoladas da atividade de rua, ao
privilegiarem o serviço administrativo, aspecto para ele resguardado pelos superiores
hierárquicos que, a depender dos “atributos físicos”, como beleza das policiais, prefeririam têlas em suas seções em detrimento de policiais masculinos.
Interpelado por um dos colegas de trabalho, que afirmou que o ingresso de
mulheres nos quadros da PM havia sido um aspecto positivo para a instituição, pois elas são
mais “inteligentes e sensíveis”, prontamente o policial, um soldado, respondeu que justamente
por serem “inteligentes e sensíveis” a polícia não era lugar pra elas. O que mostra não só que
a presença de mulheres na PM está distante de ser objeto de consenso entre policiais, como
também a existência de uma imagem resistente no meio policial militar sobre a pouca
importância desses critérios para um bom desempenho profissional. Neste sentido, Bila Sorj
(1992, p. 20) afirma que, pautando-se nessa lógica, fica evidente que
[...] se o mundo público, sua cultura e instituições se organizam por intermédio de
uma moral racional, haveria pouca chance de se ver aí incluída a perspectiva das
mulheres. Consequentemente, ou as mulheres abandonam sua identidade particular e
se integram no ‘humano universal’, ou bem estariam excluídas do mundo político.
Se observada a opinião dos policiais militares a respeito da presença feminina,
pode-se chegar a uma realidade aparentemente alentadora, pois 74,8% afirmaram ser
favoráveis ao emprego de mulheres na instituição. Do total de soldados, 43,10%, grande
parte, 32,30%, afirmou ser favorável, ainda que parcela substancial, 8,90%, disse apenas a
depender do setor aonde elas viessem a trabalhar. Na esfera dos sargentos, os dados refletem
uma maior resistência à presença das mulheres na instituição. Algo que pode ser reforçado
pelas entrevistas ou simples conversas que mantive com alguns policiais dessa graduação.
A condição dos sargentos no quadro hierárquico da instituição (Anexo A), mostra
que eles estão justamente na faixa de transição entre a esfera das praças e a dos oficiais,
podendo ser considerados o elo, a comunicação mais frequente entre esses dois universos. Os
sargentos cumprem, segundo o artigo 36 do Estatuto dos Policiais Militares, Lei número
2.066 de 23 de dezembro de 1976, juntamente com os subtenentes, as tarefas que visam à
77
auxiliar e completar “as atividades dos oficiais, quer no adestramento e no emprego dos
meios, quer na instrução e na administração”. Embora possam vir a ser empregados nas
atividades de execução de policiamento ostensivo, são os soldados e cabos, de acordo com o
artigo 37 da mesma lei, considerados “essencialmente” os elementos de execução.
Desse modo, os sargentos são responsáveis mais diretos pela execução das
atividades de policiamento, os chefes das guarnições policiais e muitas vezes, pela sua
experiência de vida na caserna e do seu saber sobre as ruas, aqueles que forjam nos recrutas as
representações sobre o que de fato consiste em ser policial. Nesse caso, reforçam que sua
resistência à presença das mulheres está sustentada na experiência direta de observação do
trabalho feminino, para alguns deles marcado por “sérios” problemas como faltas no serviço
em razão das complicações no ciclo mentrual, varizes e questões relacionadas à maternidade.
Conforme o relato de um sargento no momento em que distribuía os questionários: “Eu já
comandei Pfme’s aqui no centro da cidade e foi o pior período da minha vida. Nunca vi tantos
problemas. Era tanta reclamação delas, atestados de saúde, problemas. Quando alguma delas
descobria que estava grávida não queria mais trabalhar. Isso já no primeiro dia que descobriu
a gravidez dizia: “Sargento, não posso mais trabalhar na rua, estou grávida. Isso no primeiro
dia!”.
Tabela 06 - Questão 14 (variável graduação ou posto)
SIM
NÃO
DEPENDE DO SETOR
NÃO SABE
TOTAL
Soldado
Cabo
Sargento
Sub-Tenente
Q6/Q14
32.30%
12.30%
16.30%
3.10%
1.80%
1.20%
1.80%
0.30%
8.90%
0.90%
4.00%
0.90%
0.00%
0.00%
0.30%
0.00%
43.10%
14.50%
22.50%
4.30%
Tenente
Capitão
Major
Tenente-Coronel
5.20%
3.10%
1.20%
0.60%
0.60%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
0.30%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
5.80%
3.70%
1.50%
0.60%
Coronel
Não Informou
0.30%
0.30%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
3.10%
0.30%
3.70%
74.80%
6.50%
15.40%
3.40%
100%
Total
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Assim, embora seja declaração minoritária, chama a atenção o fato de 6,5%
emitirem opinião contrária a essa presença, seguida daqueles que apresentaram
condicionantes ao ingresso das mulheres, 15,40%, afirmando que seriam favoráveis à
78
presença feminina a depender do setor onde estas viessem a trabalhar. Ou seja, para a maioria
deles, desde que longe da atividade de rua, considerada um espaço eminentemente masculino.
Tabela 07 - Questão 14 (variável sexo)
Q3/Q14
SIM
NÃO
DEPENDE DO SETOR
NÃO SABE
TOTAL
Masculino
Feminino
Não Informou
61.20%
13.20%
0.30%
6.50%
0.00%
0.00%
15.40%
0.00%
0.00%
0.30%
0.00%
3.10%
83.40%
13.20%
3.40%
Total
74.80%
6.50%
15.40%
3.40%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Uma das perguntas exigiu que os policiais refletissem sobre o possível impacto
produzido na instituição a partir do ingresso das mulheres. Nesse caso, conforme demonstrado
na tabela 08, apenas 6,2% disseram que elas não teriam contribuído para o desenvolvimento
da corporação, acompanhados de 36,6%, que disseram que as policiais femininas
contribuíram pouco ou muito pouco para o desenvolvimento da PM. Em processo inverso,
49,5% disseram que as mulheres auxiliaram bastante no progresso da corporação, ainda que
essa contribuição esteja condicionada à percepção de que elas estariam preparadas apenas a
desempenhar algumas atividades na polícia, representada por 42,8% dos policiais consultados.
Tabela 08 - Questão 15 (variável graduação ou posto)
Q6/Q15
CONTRIBUIU
NÃO
POUCO
CONTRIBUIU
CONTRIBUIU
CONTRIBUIU NÃO
MUITO
BASTANTE SABE
POUCO
TOTAL
Soldado
12.00%
1.50%
3.70%
23.40%
2.50%
43.10%
Cabo
Sargento
Sub-Tenente
Tenente
Capitão
Major
Tenente-Coronel
Coronel
Não Informou
4.00%
7.70%
0.60%
0.30%
1.80%
0.30%
0.00%
0.30%
0.00%
0.90%
2.50%
0.60%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
2.50%
2.20%
0.00%
0.90%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
6.50%
9.20%
3.10%
3.70%
1.50%
0.90%
0.60%
0.00%
0.60%
0.60%
0.90%
0.00%
0.30%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
3.10%
14.50%
22.50%
4.30%
5.80%
3.70%
1.50%
0.60%
0.30%
3.70%
Total
27.10%
6.20%
9.50%
49.50%
7.70%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
79
Outros 5,5% afirmaram que a atividade policial não poderia ser desempenhada
por mulheres, totalizando assim 48,3% dos que recusam ou restringem o desempenho polical
feminino, mesmo percentual daqueles que julgaram que as mulheres podem desempenhar
qualquer atividade na polícia. Em relação ao primeiro grupo, sua opinião supostamente está
fundada na compreensão de que as mulheres não têm o mesmo “preparo” que os homens para
esse tipo de atividade, que exigiria como requisito não apenas coragem, mas “força” e
“atitude”, elementos reconhecidos como tipicamente masculinos e, segundo eles, exigido no
quotidiano policial, marcado pelo sentimento de risco e confronto iminente com a morte.
Embora com possibilidades “iguais” de desempenho da atividade, alguns policiais ouvidos
afirmaram que a mulher seria um pouco “diferente” no que se refere à força física,
“claramente” menor, uma “menor” capacidade de se adaptar à rotina policial, assim como
uma inclinação maior à demonstração de medo:
“São seres humanos, tudo igual. Mas, a mulher é um pouco assim: qualquer coisa se
assusta, tem medo, mas depende do ensinamento. Ela tem receio, tem medo de
atirar, mas depende do ensinamento. No primeiro tiro ela fica com medo. Tudo bem,
mas depois depende [de como for treinada]”. (Soldado, 54 anos, 32 anos de serviço).
Essa opinião, sem dúvida, explica o fato de 11,1% julgarem o número de policiais
femininas excessivo na PMSE, seguida de 43,4% que consideram suficiente esse número.
Com base no efetivo da corporação, no qual as mulheres representam pouco mais de 5% do
total de agentes, essa percepção dificulta, por exemplo, que o efetivo feminino seja ampliado,
para além dos obstáculos legais colocados nos processos de recrutamento. Do total da
amostra, 34,5% disseram que o número de mulheres é insuficiente, contra 54,5% que
apostam, mesmo que indiretamente, na diminuição ou “congelamento” do número de
mulheres na instituição.
Uma análise mais detalhada, observando o posicionamento dos policiais segundo
graduação ou posto, revela que mais de 30% dos sargentos e praticamente 50% dos soldados e
dos oficiais entende ser suficiente o efetivo feminino na PM. Já os que consideram excessivo
são aproximadamente 20% entre os sargentos e 10% entre os oficiais, percentuais, portanto,
maiores que entre os soldados (menos de 9%), fato que pode ser creditado ao maior número
de policiais femininas soldados que preencheram o questionário. Os dados, de qualquer sorte,
deixam transparecer que aqueles que detêm maior poder decisão na corporação, formulando
planejamento de segurança e atuando na distribuição de efetivo e na formulação de políticas
de segurança não creditam maior importância ao aumento do efetivo feminino na Polícia
Militar de Sergipe.
80
Tabela 09 - Questão 17 (variável graduação ou posto)
Q6/Q17
EXCESSIVO SUFICIENTE INSUFICIENTE NÃO SABE
TOTAL
Soldado
3.70%
20.90%
16.30%
2.20%
43.10%
Cabo
Sargento
SubTenente
Tenente
Capitão
Major
TenenteCoronel
Coronel
Não
Informou
1.20%
4.30%
7.10%
8.00%
4.60%
7.10%
1.50%
3.10%
14.50%
22.50%
0.30%
0.60%
0.60%
0.00%
1.80%
2.80%
0.90%
0.90%
2.20%
1.50%
1.80%
0.60%
0.00%
0.90%
0.30%
0.00%
4.30%
5.80%
3.70%
1.50%
0.00%
0.00%
0.60%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.60%
0.30%
0.30%
0.00%
0.30%
3.10%
3.70%
11.10%
43.40%
34.50%
11.10%
100%
Total
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Na tabela 10, destaca-se parcela significativa de policiais femininos que entendem
ser suficiente o número de mulheres na instituição. Ainda que nenhuma tenha considerado o
número de mulheres excessivo, entre aquelas que respondram à questão, 13,20%, 4,90%, isto
é, mais de um terço, disseram que o efetivo feminino é suficiente. Provavelmente, esse índice
mantém relação com a percepção comum, inclusive entre as mulheres, que para as tarefas
reservadas a elas o número é suficiente. Além disso, diante das condições estruturais
oferecidas para o efetivo feminino, ou mesmo da ausência de alojamentos e banheiros
específicos, a PM não poderia comportar mais mulheres na medida em que mesmo para o
número pequeno existente as condições de trabalho são precárias ou inexistentes. Segundo
enfatizaram alguns policiais, a polícia militar teria mudado estruturalmente muito pouco
desde o seu ingresso, de modo que para uma mulher hoje é ainda muito difícil trabalhar na
função policial. Da mesma forma, quando pensada a ampliação do efetivo feminino, este vem
como possibilidade de liberar os homens que trabalham nos setores burocráticas para as
atividades de risco, que representam maior risco.
“Serviço burocrático deveria ser mais para a mulher e botar o homem no
policiamento ostensivo. [...] Eu creio que sim. Talvez aumentar um pouco para
trabalhar no serviço de rua, deveria ter mais mulheres”. (Cabo, 37 anos, 18 anos de
serviço).
Mesmo o Quartel Central, que concentra grande parte das mulheres policiais, não
teria atualmente estrutura adequada com número de sanitários e alojamento para número
81
razoável de policiais femininas. A dificuldade de assimilar a presença feminina na instituição
seria tão evidente, que para uma delas isso se expressa no próprio uniforme distribuído pela
corporação, que não leva em conta o biotipo e as especificidades do corpo feminino,
restringindo, inclusive, maiores ajustes no fardamento feminino (Anexo C), que não pode
seguir “modas” e evidenciar contornos. Algo não previsto para os homens.
As regras presentes na instituição definem que a mulher mantenha os cabelos
presos sob a forma de impecável “coque” ou os tenha soltos, desde que curtos, acima dos
ombros. Não pode fazer uso de maquiagem acentuada e acessórios que “descaracterizem” o
fardamento como bolsas e bijuterias, além de outras que mudem características naturais como
a cor do cabelo. Os cabelos, nesse sentido, “símbolo da feminilidade”, como definiu Michelle
Perrot (2007, p. 51-55), devem ser disciplinados, pois o “pêlo mal domesticado sugere a
presença inquietante da natureza [...] os cabelos são a mulher, a carne, a feminilidade, a
tentação, a sedução, o pecado”.
O conhecido filme “G. I. Jane”, lançado em 1997 e que no Brasil recebeu o
sugestivo título “Até o limite da honra”, versa sobre a história de luta da personagem tenente
Jordan O’Neill, que após ajuda da senadora Anne Brancoft busca enfrentar os duros
treinamentos militares para se tornar membro de um grupamento de elite da Marinha dos
Estados Unidos. O filme, dirigido por Ridley Scott e estrelado por Demi Moore, mostra os
rigores dos treinamentos e faz uma alusão interessante ao difícil processo, sobretudo político,
de incorporação de uma mulher num grupamento militar tradicionalmente masculino. Como
uma das etapas durante o estágio de treinamento, embora dispensada, a tenente decide raspar
os cabelos, a fim de vencer o tabu imposto às mulheres na instituição. A cena retrata a clara
relação entre mulheres e cabelos, onde no “limite da honra”, a mulher, a fim de ser
reconhecida como uma igual, tornar-se um anônimo, persegue o símbolos que emprestam
honra, força e virilidade aos “guerreiros” militares.
O ato de raspar os cabelos revela-se sinônimo de domínio do outro, de controle
sobre um corpo que representa tentação aos homens. Tosquiar os cabelos é rito de purificação
de um mal, de controle da natureza selvagem da mulher. Motivo de sofrimento, de
despojamento da individualidade, a “perda dos cabelos é particularmente sensível para as
mulheres por serem o sinal mais visível da feminilidade” (PERROT, 2007, p. 52).
Vistas como objeto do desejo masculino e fonte, portanto, de “ameaça” à tranquilidade
interna da tropa, a instituição entende que para tornar possível a permanência das mulheres é
necessário camuflar os atributos que dão sentido à diferença entre homens e mulheres,
“uniformizando-os” igualmente. Alvo da libido e do afeto masculinos, a mulher precisaria ser
82
protegida, acompanhada de perto. O modo inverso não é pensado, como destacou Maria
Celina D’Araujo (2004, p. 444) em relação aos militares das Forças Armadas, que entendem
que apenas o homem protegeria a mulher. Para os militares entrevistados pela autora, as
justificativas para o não-emprego de mulheres na guerra estão amparadas na compreensão de
que a presença feminina na guerra tornaria o conflito mais sangrento, pois
[...] o homem tenderia a proteger a colega mulher e com isso o inimigo ganharia
tempo para avançar; o inimigo, também movido pelo sentimento de proteção ou de
superioridade, não aceitaria lutar com mulheres e se atiraria com mais violência
contra os homens.
Tabela 10 - Questão 17 (variável sexo)
Q3/Q17
EXCESSIVO SUFICIENTE INSUFICIENTE NÃO SABE
TOTAL
Masculino
Feminino
Não Informou
11.10%
0.00%
0.00%
38.20%
4.90%
0.30%
26.20%
8.30%
0.00%
8.00%
0.00%
3.10%
83.40%
13.20%
3.40%
Total
11.10%
43.40%
34.50%
11.10%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Uma presença, no entanto, que não apresenta grandes restrições ao envolvimento
afetivo entre homens e mulheres na polícia. 49,8% disseram ser totalmente a favor de
relacionamento amoroso entre membros da corporação, acompanhados de 22,8% que são
parcialmente a favor; 3,7%, parcialmente contrários e 2,5% que disseram que relações desse
tipo não dão certo, acompanhados de 17,8% que se mostraram indiferentes ao tema. Dos
comentários colhidos, destaca-se a queixa de alguns homens na corporação de que as
mulheres policiais dariam “preferência” aos superiores hierárquicos, sobretudo pertencentes
ao círculo dos oficiais como “estratégia” para conseguir privilégios e terem assim
“suavizadas” sua rotina de trabalho. Um argumento também utilizado por mulheres.
“Sem dúvida elas têm um tratamento diferenciado dos homens. Não posso nem
entrar em detalhes porque é complicado, né. Mulher é mulher. O tratamento é mais
facilitado no dia-a-dia. Sempre dão um jeitinho pra facilitar a vida delas. Se tiver
que trabalhar 6/7 horas em pé, vai um amigo e facilita a vida dela. Já o homem fica
lá em pé cansado e se for pedir eles mandam aguentar. [...] Pra elas a corporação é
excelente. Eu creio que seja o melhor emprego para elas”. (Segundo Sargento, 40
anos, 20 anos de serviço).
No bloco seguinte de perguntas, que concentra as questões de número 19 a 23,
procurou-se estimular a reflexão sobre experiências vivenciadas a partir de possível comando
exercido por mulheres na instituição, seguido de prognósticos em relação à possibilidade da
corporação vir a ser comandada por uma mulher, assim como a realidade de preconceitos
83
vivenciada pelas mulheres policiais, expondo algumas questões polêmicas recolhidas no
interior da PMSE. O objetivo se voltou para a possibilidade de verificar como os policiais
militares de uma forma geral julgam determinadas representações e concentram expectativas
ou sentimentos de descrença em torno da presença feminina na instituição. Objetivou também
identificar como as mulheres lidam com a identidade de gênero na corporação.
Neste sentido, através do questionário, perguntei aos policiais se eles já haviam
sido comandados por uma mulher durante sua experiência na PM. 64,6% afirmaram que já
foram comandados por policiais femininas, enquanto 31,7% afirmaram que nunca foram
comandados por mulheres na PM. Com base num cenário hipotético no qual uma mulher viria
a assumir o Comando Geral da Polícia Militar de Sergipe, questionei se diante dessa
configuração a instituição sofreria mudanças ou permaneceria a mesma. De acordo com 9,2%
dos policiais, a instituição pioraria ao ter uma mulher no comando, seguidos de 42,5% que
acreditam que com essa presença a PM não mudaria. Já 8,3% disseram acreditar que a
corporação melhoria muito, enquanto para 6,8% o comando feminino traria poucas mudanças
positivas. Um percentual expressivo, 33,2%, disse não saber se o comando de uma mulher na
PM implicaria em melhorias ou maiores problemas para a instituição.
Observando a tabela 08, percebe-se que a maior resistência está localizada entre
os sargentos. Do total de sargentos consultados, cerca de 15% se manifestou pessimista
quanto à ascensão de uma mulher ao Comando Geral da PM. A baixa expectativa quanto à
possibilidade de mudanças positivas a partir de um comando feminino se devem
particularmente a alguns fatores como a crença generalizada entre os policiais de que o
histórico de atuação dos policiais nas ruas, o conhecimento dos problemas a partir da vivência
direta no comando de companhias e batalhões operacionais forneceria a senha, ou seja,
legitimaria a chegada ao comando de “qualquer” policial. Para merecer a confiança da tropa,
o policial precisar antes provar sua competência nas ruas, na gerência dos assuntos específicos
de polícia. Desse modo, sem presença de um número expressivo de policiais no policiamento
ostensivo, a candidatura, sobretudo das mulheres, torna-se comprometida e às vezes
inviabilizada pela ausência de conhecimento prévio sobre a “verdadeira” realidade policial.
Uma “falta” de conhecimento que se julga como característica das mulheres na instituição e
que, de acordo com um policial entrevistado, seria responsável por um cenário de “grande”
preconceito contra o público feminino na PMSE. Ao ser perguntado se as mulheres eram
sofriam preconceito na instituição, ele respondeu que sim, afirmando que já, inclusive, havia
presenciado uma cena na qual um dos policiais da guarnição se negou a trabalhar com uma
policial feminina:
84
“Sim, muito. Muitos acham que a mulher não deveria estar aqui que aqui não é
serviço de mulher. Às vezes ocorrem alguns flertes entre as policiais e homens
notadamente com graduação maior, esse é um fator que gera maior preconceito com
o público feminino na instituição”. (Soldado, 30 anos, 03 anos de serviço).
Sobre a cena de preconceito:
“Um cabo disse que não trabalharia com aquela Pfem porque ele não trabalha com
Pfem porque [policial feminina] é problemática. Agora o que era problemática ele
não explicou. Ela reagiu e disse que não trabalharia com ele também. Ele foi
transferido e a escala já estava pronta, então ele foi reclamar com o responsável pela
escala”. (Soldado, 30 anos, 03 anos de serviço).
Uma percepção que se mostra ainda mais evidente na fala das mulheres da
corporação, que conviveriam constantemente com as manifestações tácitas ou implícitas de
preconceito por conta da idéia disseminada sobre a “condição” feminina que, uma vez
relacionada com a atividade policial é percebida de forma estigmatizada. Assim, o
preconceito:
“Existe, por conta da imagem da mulher como sexo frágil. Muitos se negam a
trabalhar numa equipe que tenha mulher porque eles não respeitam as
particularidades da mulher. Eu já ouvi comentários de amigas, do tipo que para
homem é mais fácil urinar em qualquer lugar e mulher necessita de maior aparato.
Existem questões do corpo da mulher que necessitam de uma atenção maior. Por
exemplo, o tempo que o homem consegue ficar em pé seria maior que o da mulher,
isso por uma questão biológica mesmo. Mas, na questão da técnica não. Tanto um
quanto outro é capaz”. (Soldado feminino, 25 anos, 03 anos de serviço).
Para essa mesma policial, a ausência de respeito em relação às mulheres na
instituição se manifestaria de diferentes formas, seja na recusa dos homens em trabalhar com
elas, na designação de atividades sem grande importância na corporação, mas principalmente
nos comentários e gestos que parecem negar a presença feminina ou confronta-la com
pressões de diferentes ordens. Confronta-se que poderia ser identificado em comportamentos
machistas, na falta de investimentos em instalações adequadas às “especificidades femininas”,
assim como na cobrança mais acentuada nos treinamentos onde existem mulheres, de modo
que a falta de respeito em relação ao público feminino seria o grande problema na instituição,
onde ela mesma teria sido vítima:
Sim, de falta de respeito. De comentários sobre mulheres entre policiais. Às vezes
em locais de trabalho policiais assistem a vídeos de conteúdo pornográfico e não
respeitam a presença da Pfem no local. Até mesmo a própria corporação não
disponibiliza no posto de atendimento um alojamento feminino, tem que dormir no
mesmo local ou utilizar o mesmo banheiro e tem que haver essa separação. [...] Eu já
ouvi falar que em treinamentos alguns oficiais exigiam mais das mulheres por serem
mulheres que muitos preferiram escalar mulheres para serviços mais simples, por
85
acreditar que elas não teriam competência para lhe dar com determinadas situações.
(Soldado feminino, 25 anos, 03 anos de serviço).
Tabela 11 - Questão 20 (variável graduação ou posto)
Q6/Q20
PIORARIA
MELHORARIA PERMANECERIA MELHORARIA NÃO
TOTAL
MUITO
A MESMA
UM POUCO
SABE
Soldado
Cabo
2.80%
1.50%
4.90%
0.60%
20.30%
6.80%
4.30%
0.60%
10.80% 43.10%
4.90% 14.50%
Sargento
Sub-Tenente
Tenente
Capitão
3.40%
0.30%
0.00%
0.30%
2.50%
0.00%
0.00%
0.30%
6.80%
2.20%
4.30%
0.90%
1.50%
0.30%
0.00%
0.00%
8.30%
1.50%
1.50%
2.20%
22.50%
4.30%
5.80%
3.70%
Major
TenenteCoronel
Coronel
Não Informou
0.00%
0.00%
1.20%
0.00%
0.30%
1.50%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.60%
0.60%
0.30%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
3.10%
0.30%
3.70%
Total
9.20%
8.30%
42.50%
6.80%
33.20%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Ao passar para a tabela 11, observa-se que entre as mulheres praticamente 40%
delas acreditam que a PM permaneceria a mesma sendo comanda por uma policial,
percentual, portanto, maior do que daquelas que afirmaram confiança na melhoria da
realidade da instituição com o advento de uma Comandante mulher. Esse fato fica ainda mais
explícito quando relacionadas às entrevistas com as policiais femininas. Apesar de
consideram um fato positivo, motivo de “orgulho”, de “glória” para as mulheres de uma
forma geral, elas se mostraram descrentes quanto ao gênero como fator a fazer diferença no
Comando. Segundo elas, o fator que deve contar no comando é competência e essa qualidade
independeria de sexo. Do mesmo modo, para muitas, observando a trajetória das oficiais na
instituição, praticamente não existiriam mulheres capacitadas a exercer o comando e fazer
uma administração diferente, visto que mesmo sendo oficiais e, teoricamente, com poder de
contribuir para a melhoria das condições inclusive de promoção e trabalho das policiais
femininas, elas praticamente nada teriam feito durante suas carreiras para mudar a realidade
das outras mulheres e da instituição em geral. Como afirmou uma das policiais:
“Olhe, eu vou dizer uma coisa teria que ser uma mulher que tivesse muita fibra,
porque em nosso estado existe um sistema muito fechado. Como agente vê hoje, no
dia de hoje o nosso comando tem muitas dificuldades até pra mulher garantir certas
coisas para a policia militar é muito difícil. Isso em qualquer governo. Desde que eu
entrei existiam essas dificuldades, não é só nesse agora, desde quando entrei na
polícia existe essa dificuldade, de prestígio. Então, com o Comando o governo faz o
86
que ele quer, ele foi criado justamente para isso, aquela força que o Estado tem para
poder resolver os problemas. O Estado não vai conseguir resolver os problemas [...].
É complicado, se para o homem já é complicado para mulher [...] não sei não”.
(Aluna do curso de sargento, 36 anos, 13 anos de serviço).
Já para alguns homens, isso seria ruim, pois elas tenderiam a olhar mais para seus
interesses que o do efetivo geral, majoritariamente masculino. Além disso, o Comando
feminino não seria o mesmo fato de se presumir que os homens não ficariam à vontade sendo
comandados por mulheres:
“Eu espero que isso não aconteça porque elas vão puxar muito pro lado delas. Não
seria viável [...] [o comando] tem diferença porque o comando da mulher não é a
mesma coisa do homem tá comandando, né. Eu mesmo me adapto mais trabalhando
com homem que com mulher. Eu fico mais a vontade. [...] Não é que eu me sinta
mal, mas não me sinto tão à vontade quanto quando comandado por um policial”.
(Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço).
Na ocasião, perguntei se os desafios seriam maiores para as mulheres. A
entrevistada respondeu que sim, que a comandante teria que ter qualidades redobradas. O que
sugere uma articulação simbólica entre comando e política enquanto espaço dominado pelos
homens, onde a mulher teria maiores dificuldades no Comando:
“Seriam desafios muitos grandes [os desafios]. Não só pelo fato de ser mulher, tem
que ter muita competência, muita capacidade, entende, muito jogo de cintura por que
[...] é uma política [...] então é complicado não só pelo fato de ter uma mulher que ia
melhorar não”. (Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço).
Tabela 12 - Questão 20 (variável sexo)
MELHORARIA PERMANECERIA MELHORARIA
MUITO
A MESMA
UM POUCO
NÃO
SABE
TOTAL
5.80%
0.90%
25.50%
4.60%
83.40%
13.20%
0.00%
0.00%
3.10%
3.40%
42.50%
6.80%
33.20%
100%
Q3/Q20
PIORARIA
Masculino
Feminino
Não
Informou
8.90%
0.00%
5.80%
2.50%
37.20%
5.20%
0.30%
0.00%
Total
9.20%
8.30%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Bastante elucidativo, nesse campo, é o percentual que afirmou que as mulheres
policiais sofrem preconceito no interior da corporação. Segundo 48,6%, as mulheres são
vítimas de preconceito em alguns momentos. Para 20,0%, esse preconceito é um fenômeno
constante na experiência das policiais, sendo que para 5,5% é algo que ocorre apenas
87
eventualmente. Somados, totalizam expressivos 74,1% dos policiais que reconhecem
manifestações de preconceitos contra a mulher PM. Somente 14,5% afirmaram que as
mulheres não sofrem preconceito no interior da PMSE, concentrando-se o percentual mais
alto entre os sargentos, onde, significativamente, as resistências à presença feminina na
corporação são maiores.
Tabela 13 - Questão 21 (variável graduação ou posto)
SIM,
ALGUMAS
VEZES
21.50%
6.50%
4.30%
2.20%
11.40%
2.80%
12.00%
4.30%
2.20%
Tenente
Capitão
Major
TenenteCoronel
Coronel
Não
Informou
Q6/Q21
Soldado
Cabo
Sargento
SubTenente
Total
NÃO
SABE
TOTAL
1.50%
1.20%
4.30%
1.80%
43.10%
14.50%
3.70%
1.50%
0.90%
22.50%
0.90%
0.60%
0.30%
0.30%
4.30%
4.00%
1.50%
0.90%
0.30%
0.90%
0.60%
0.90%
0.30%
0.00%
0.30%
0.60%
0.00%
0.30%
0.30%
0.00%
5.80%
3.70%
1.50%
0.00%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.60%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
0.30%
0.00%
3.40%
3.70%
48.60%
14.50%
20.00%
5.50%
11.40%
100%
NÃO
SIM,
SIM,
BASTANTE RARAMENTE
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Quando observado a partir do critério sexo dos policiais, o percentual que
reconhece o preconceito permanece acima de 70%. Entre as mulheres, vítimas do preconceito,
mais da metade considera o preconceito como algo bastante acentuado na corporação,
ocorrendo com grande frequência segundo 54% delas. Entre os homens, esse índice fica em
torno de 15%, apresentando que as mulheres têm, certamente por serem as vítimas, maior
percepção sobre o preconceito.
Tabela 14 - Questão 21 (variável sexo)
SIM, ALGUMAS
VEZES
NÃO
Masculino
Feminino
Não
Informou
43.10%
5.50%
13.80%
0.30%
12.90%
7.10%
5.50%
0.00%
8.00%
0.30%
83.40%
13.20%
0.00%
0.30%
0.00%
0.00%
3.10%
3.40%
Total
48.60%
14.50%
20.00%
5.50%
11.40%
100%
Q3/Q21
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
SIM,
SIM,
NÃO SABE
BASTANTE RARAMENTE
TOTAL
88
O grau de resistência à presença das mulheres foi averiguado a partir da exposição
de uma frase bastante polêmica recolhida no interior da PM. Tive acesso a essa frase durante
o período em que integrei os quadros da Polícia Militar, como soldado, onde acompanhava
com atenção as queixas constantes de policiais masculinos, dentre eles, com grande ênfase, os
que atuavam no policiamento ostensivo, sobre as mulheres policiais. A questão pedia,
portanto, que os policiais se posicionassem diante da frase “Mulher na PM é dinheiro perdido
pro Estado”, dizendo-se favoráveis ou contrários a expressão. Grande parte dos consultados,
70,2%, disse não concordar com a frase, embora representativos 25,2% concentraram as
respostas daquelas que afirmaram ser parcialmente ou totalmente a favor dela, evidenciando,
desse modo, que a resistência ao emprego de mulheres nas atividades policiais encontra
significativo espaço na corporação.
Nesse caso, como se pode visualizar na próxima tabela, o grupo dos sargentos
concentrou um dos maiores percentuais de indivíduos que concordam seja em parte ou
plenamente com a frase. Dos 22,50% dos sargentos consultados, consideráveis 9%
concentram-se nessa faixa, o que significa quase a metade do grupo, sendo em termos
precisos, 40% dele. Os tenentes, por sua vez, representam o percentual maior de rejeição à
frase, alcançando 85%. Dentre as razões possíveis, está o fato de terem, de uma forma geral,
no caso dos oficiais do quadro operacional, menos tempo de corporação quando comparado a
dos sargentos. Saídos da experiência das academias militares de polícia, onde a presença
feminina é mais acentuada nos treinamentos que dispensam a homens e mulheres as mesmas
obrigações físicas e intelectuais, o respeito em relação às policiais femininas seria um
elemento mais comum entre eles.
89
Tabela 15 - Questão 22 (variável graduação ou posto)
Q6/Q22
CONCORDO
CONCORDO
PLENAMENTE PARCIALMENTE
NÃO
CONCORDO
CONCORDO
MAIS OU
MENOS
NÃO
SABE
TOTAL
Soldado
Cabo
Sargento
SubTenente
Tenente
0.90%
1.20%
2.20%
5.80%
1.50%
3.70%
32.60%
10.80%
12.60%
3.40%
0.90%
3.10%
0.30%
0.00%
0.90%
43.10%
14.50%
22.50%
0.30%
0.00%
0.00%
0.60%
3.70%
4.90%
0.30%
0.30%
0.00%
0.00%
4.30%
5.80%
Capitão
Major
TenenteCoronel
Coronel
Não
Informou
0.30%
0.00%
0.00%
0.00%
2.80%
1.50%
0.30%
0.00%
0.30%
0.00%
3.70%
1.50%
0.00%
0.00%
0.00%
0.30%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.60%
0.30%
0.00%
0.00%
0.60%
0.00%
3.10%
3.70%
4.90%
12.00%
70.20%
8.30%
4.60%
100%
Total
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Como era previsível, no que concerne à distribuição das respostas conforme o
sexo, a quase totalidade das mulheres não concorda com a expressão. Dos homens
consultados, aproximadamente 30% se posicionaram favoráveis à frase, ainda que com
alguma ressalva. Entre as justificativas, está o fato das mulheres não realizarem, em sua
maioria, os serviços de rua, que justificam o ingresso na PM. Embora muitos homens também
trabalhem nesses setores, dificilmente eles são citados, provavelmente por constituírem
minoria em comparação com o efetivo total empregado no policiamento ostensivo.
Empregados nas atividades burocráticas, a presença dos homens é vista
geralmente como “provisória”, enquanto que para as mulheres o espaço interno seria um lugar
“natural” e, nessa lógica, “definitivo”, pois, só no caso de falta grave ou vontade própria as
mulheres iriam trabalhar nas ruas, o que revela a permanência, ainda que com mudanças
tênues, na compreensão que costuma restringir as mulheres às atividades domésticas como
possibilidade de protegê-las do trabalho externo, em certa medida visto como fator que
“compromete” o caráter feminino. Aspecto que revela que a rua, lugar onde se forja o saber
policial, é também encarada como punição, espaço de martírio para as policiais e ao mesmo
tempo lugar que concentra as possibilidades de consagração heróica para os policiais
masculinos.
90
Tabela 16 - Questão 22 (variável sexo)
Q3/Q22
Masculino
Feminino
Não
Informou
Total
CONCORDO
CONCORDO
NÃO
PLENAMENTE PARCIALMENTE CONCORDO
CONCORDO
MAIS OU
MENOS
NÃO
SABE
TOTAL
4.90%
0.00%
11.70%
0.30%
56.90%
12.90%
8.30%
0.00%
1.50%
0.00%
83.40%
13.20%
0.00%
0.00%
0.30%
0.00%
3.10%
3.40%
4.90%
12.00%
70.20%
8.30%
4.60%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Tal preconceito em relação à presença feminina na PM torna-se particularmente
evidente nas respostas endereçadas à última questão do questionário, que solicitou dos
policiais um posicionamento frente à hipótese de serem chamados a atuar numa ocorrência
grave envolvendo troca de tiros com criminosos. Diante dessa situação, perguntou-se quem
eles escolheriam como parceiro nessa ocorrência, se um homem ou uma mulher.
Aproximadamente metade deles afirmou que escolheriam nessa situação um
homem como parceiro de trabalho. Já aqueles que escolheriam ter uma mulher como parceira
de ocorrência representaram apenas 1,2%, acompanhado de 45,2% daqueles que disseram
escolher qualquer um como parceiro, não pesando na escolha o critério sexo do policial, mas a
“competência” do parceiro. Essa exigência é extremamente importante, pois aparece como
condição para aceitação das mulheres, de forma que a observação de uma oficial – com pouco
mais de 06 anos na instituição –, que entrevistei faz bastante sentido. Segundo ela, as
mulheres chegam às unidades e são consideradas pelos colegas de serviço “incompetentes até
que provem o contrário, enquanto que os homens são competentes até o momento em que seu
desempenho aponte sua incompetência”. O que demanda um grande esforço das mulheres em
provar que merecem a confiança dos seus companheiros de serviço e das outras policiais, que
também entendem que o preconceito contra as mulheres se ancora na recusa dessas próprias
mulheres em desempenhar algumas funções que integram o campo de competência policial,
mas que estariam mais “ajustadas” ao público masculino. A noção de “fragilidade” feminina,
portanto, seria instrumentalizada por algumas mulheres a fim de se resguardarem do emprego
nas atividades de rua:
“Eu vejo que muitas mulheres se deixam ser mal vistas quando se negam a fazer
determinada função. Não é simplesmente porque os homens não acreditam que elas
não sejam capazes; muitas vezes elas aproveitam essa situação e se limitam ao
serviço burocrático porque o senso comum as vê como sexo frágil”. (Soldado
feminino, 25 anos, 03 anos de serviço).
91
Parece bastante pertinente também pensar que quase metade dos policiais
afirmando que escolheria qualquer policial, desde que preparado, é um índice positivo, que
indicaria uma maior abertura dos policiais a presença feminina na instituição embora o
número de mulheres seja pequeno. Contudo, as entrevistas realizadas tanto com homens
quanto com mulheres faz entender que o percentual apresentado pelos questionários se deve
mais ao cumprimento de um ideal de igualdade de gênero na PMSE que uma realidade. O
trabalho feminino não é visto como sinônimo de eficiência, de qualidade, mas “produto” a ser
ofertado por poucas mulheres, “verdadeiras guerreiras” que não deixariam dever a nenhum
policial masculino, ainda arquétipo de eficiência na atividade ostensiva.
Isso fica evidente com o relato de uma policial com quem conversei rapidamente
num dos setores da PM. Ela contou que trabalhou algum tempo numa Companhia de polícia
da capital e que numa das ocasiões sua guarnição recebeu um chamado de ocorrência relativo
a assalto. Ao se preparar para atender a ocorrência, um dos policiais com mais tempo na
instituição veio até ela e procurou saber se ela havia realizado o procedimento correto de
manuseio e carregamento da arma. Ela afirmou que sim e disse ter reparado que o “cuidado”
do policial se deu apenas em relação a ela. Na chegada às proximidades da ocorrência os
policiais desceram da viatura e a orientação, ou melhor, a determinação, foi de que ela ficasse
tomando conta da viatura. Para ela, algo paradoxal, pois ainda que revelasse “preocupação”
com a sua segurança, ficar na viatura para ela era muito mais arriscado na medida em que ela
ficou sozinha, podendo ser surpreendida com a ação de criminosos41.
Voltando a processo de escolha, é muito significativo que uma minoria de
policiais femininas disse que escolheria uma mulher como companheira. Entre os policiais do
círculo das praças: soldados, cabos, sargentos e subtenentes, os percentuais variaram entre 35
e 55% daqueles que escolheriam um homem. Nas entrevistas, a rejeição à presença feminina
na atividade de rua de certo modo mais evidente com a ressalva de alguns policiais de que
mesmo sendo uma atividade de pouco prestígio indicariam, com poucas exceções, a profissão
_________________
41
Fato bastante parecido foi narrado por outra policial, também praça, que contou que durante trabalho de
policiamento no campo de futebol, aconteceu ainda dentro do estádio briga entre torcedores. Tendo se
deslocado juntamente com outros policiais, diz ela ter sido surpreendida pelo empurrão de um colega de farda,
que pediu que ela se afastasse do tumulto, deixando que o grupo resolveria o problema. O comentário que se
seguiu ao relato revela a difícil situação de parte das mulheres na corporação. Segundo a policial, ela teria
ficado ao mesmo tempo alegre com o gesto de atenção, de cuidado do companheiro, quanto decepcionada
com a atitude, pois era também sinal da pouca confiança dos homens no trabalho das mulheres na polícia.
92
policial militar às irmãs, filhas ou amigas, na medida em que o trabalho de “policial
feminina”:
“[...] não é ruim. Pra mulher não é ruim porque elas trabalham como se fosse
escritório, na parte burocrática. Então, se fosse filha ou irmã eu aconselharia. Agora
se ela fosse pra rua tinha que orientar pra ela ter os cuidados básicos com a
segurança própria para depois fazer a segurança dos demais”. (Segundo Sargento, 40
anos, 20 anos de serviço).
No círculo dos oficiais, que praticamente teve poucas policiais femininas
respondendo ao questionário, os índices oscilaram entre 25 e 35%, evidenciando, seja uma
maior assimilação da presença da mulher, seja um maior receio desses policiais, que ocupam
funções de gestão na PM, de se mostrarem preconceituosos. Como “espelhos” da tropa, os
oficiais traduzem, ainda que apenas formalmente, os interesses de modernização da
instituição. Em contato constante com cursos de formação e aperfeiçoamento, exigências
imprescindíveis para ascensão na carreira, esses policiais dialogam com certa frequência com
as “inovações” no campo da segurança pública implantadas em diferentes polícias no país e
também no exterior, vindo a reproduzi-las no estado. Muitas vezes de forma descaracterizada
e superficialmente.
Tabela 17 - Questão 23 (variável graduação ou posto)
Q6/Q23
0.30%
QUALQUER
UM
18.20%
NÃO
SABE
2.50%
0.30%
0.30%
0.00%
0.00%
6.50%
10.50%
2.50%
4.00%
0.30%
1.50%
0.00%
0.30%
14.50%
22.50%
4.30%
5.80%
1.20%
0.60%
0.00%
0.30%
2.50%
0.60%
0.00%
0.00%
3.70%
1.50%
0.00%
0.00%
0.60%
0.00%
0.60%
0.30%
0.60%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
0.00%
3.10%
0.30%
3.70%
45.80%
1.20%
45.20%
7.70%
100%
HOMEM
MULHER
Soldado
22.20%
Cabo
Sargento
Sub-Tenente
Tenente
7.40%
10.20%
1.80%
1.50%
Capitão
Major
TenenteCoronel
Coronel
Não Informou
Total
TOTAL
43.10%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Verificando a distribuição da resposta por gênero, vê-se que metade dos homens
responde que escolheria um homem como companheiro de trabalho numa ocorrência. No
grupo das mulheres, cerca 30% revelou que também escolheria um homem, embora dois
terços dissessem que independeria na ocorrência o sexo do companheiro. Chama a atenção
93
nesse caso, o percentual pequeno de mulheres que afirmou que escolheria uma outra mulher
para resolver a ocorrência. Assim, embora uma das policiais com quem conversei tivesse
afirmado que não escolheria por sexo mas pelo preparo do policial, ao refazer a pergunta
apresentando uma situação hipotética onde haveria um chamado de ocorrência destinado a um
PAC, apresentando a opção de escolha entre um policial masculino e outro feminino,
questionei com quem na ocasião ela iria para a ocorrência. A policial afirmou que escolheria
como parceiro de trabalho um homem, pois a ocorrência poderia “precisar” e não teria
nenhum problema da outra policial ficar no posto.
Tabela 18 - Questão 23 (variável sexo)
Q3/Q23
HOMEM
MULHER
Masculino
Feminino
Não Informou
42.50%
3.40%
0.00%
0.90%
0.30%
0.00%
Total
45.80%
1.20%
QUALQUER
NÃO SABE
UM
36.90%
3.10%
8.00%
1.50%
0.30%
3.10%
45.20%
7.70%
TOTAL
83.40%
13.20%
3.40%
100%
Fonte: Pesquisa de Campo (2009).
Essa pergunta se mostrou especialmente carregada de significados importantes
que as opiniões espontâneas dos policiais ajudaram a esclarecer, dando sinais que o percentual
daqueles que escolheriam um companheiro do sexo masculino seria maior, caso a pergunta do
questionário tivesse destacado que o parceiro em questão era um indivíduo desconhecido
deles. Para ser mais claro: caso a pergunta deixasse evidente para os policiais que o
companheiro em questão não era seu conhecido, a quem pudessem fazer considerações sobre
sua competência profissional, o número dos policiais que escolheriam um homem como
parceiro poderia aumentar significativamente, pois como ressaltaram alguns deles, se fosse a
“Soldado X” ou a “Sargento Y”, reconhecidas como “verdadeiras guerreiras”, seria mais
sensato confiar nelas que em alguns companheiros “medrosos”.
Assim, contaria bastante na escolha o histórico de atuação do policial nas
atividades de rua, com as suas demonstrações de “coragem e bravura”, espaço onde são mais
frequentes os embates com os criminosos.
O que me chamou bastante à atenção no caso das policiais citadas está no fato
delas serem reconhecidas entre os policiais como destemidas e implacáveis na ação. Quase
sempre são policiais que fazem uso constante da violência, batem “tanto ou mais” que os
homens, não demonstram “fragilidade” frente às situações de risco e demonstram estar
94
dispostas a ultrapassar os rituais impostos aos guerreiros masculinos, como as que batizam o
indivíduo em etapas que desafiam o rigor físico e o desafio simbólico e real da morte.
Raras exceções, essas policiais seriam tanto admiradas quanto alvo de críticas,
principalmente de outras policiais, que questionam os instrumentos utilizados por elas para
alcançar reconhecimento no ambiente de trabalho. De uma forma geral, as resistências ao
público feminino são grandes, a ponto de para serem reconhecidas como “verdadeiras”
policiais elas precisam, muitas vezes, provar que são mais “audaciosas”, “corajosas” que os
próprios homens empregando quase sempre expedientes de violência na prática policial.
Dentre os argumentos mais comuns utilizados pelos policiais masculinos para
justificar posicionamento contrário à maior presença de mulheres na atividade policial, está o
suposto fato de que a “sociedade” não estaria pronta para ver morta em serviço uma mulher
policial, assim como questões específicas do universo feminino como ter que ficar dias em
campana sem banho, pois as mulheres estariam mais sujeitas a infecções e a baixas pela
menor capacidade física de carregar equipamentos e suportar os rigores do “intenso”
treinamento físico. Outro elemento que se refere à ideologia da guerra é o de que as mulheres
são motivo mais de dissuasão do que de integração das tropas. Tanto a inclinação protetora
dos homens quanto os riscos de assédio sexual rondariam com maior frequência, diante das
condições adversas das “batalhas”.
Dessa forma, esses são os fatores que impediriam a presença das mulheres em
grupamentos policiais militares.
Nesse sentido, a justificativa da guerra iminente com seus horrores, ampara-se na
lógica guerreira de aniquilamento dos inimigos, sendo um dos fortes argumentos utilizados
pelos policiais para justificar as resistências ao maior ingresso das mulheres na corporação e
sua participação mais efetiva nas ruas. Essa barreira seria transposta por poucas que
assumiram as estratégias masculinas de alcançar a honra como possibilidade de serem aceitas.
Considerado elemento de risco à ordem interna da corporação, o efetivo feminino
além de limitado pelos regulamentos, sofre as mais diversas resistências a uma assimilação
efetiva no seu interior, visível na pouca inclinação a mudanças estruturais mais amplas e no
silêncio presente na legislação sobre suas “diferenças” e assim “necessidades”. As formas de
reconhecimento privilegiadas na instituição não se estenderiam às mulheres para além das
referências comuns à sua capacidade maior de dialogar, à sua “delicadeza” habitual em lidar
com os indivíduos e atividades, consistindo assim numa frágil ou ausente noção de respeito
em relação à grande parte do efetivo feminino. Como destacou Richard Sennett (2004):
95
A falta de respeito, embora seja menos agressiva que o insulto direto, pode assumir
uma forma igualmente ofensiva. Nenhum insulto é feito ao outro, mas ele tampouco
recebe reconhecimento; ele não é visto – como um ser humano pleno, cuja presença
tem importância.
De modo geral, o reconhecimento amplo na PM passa pelo exercício da força e
pelas demonstrações constantes de enfrentamento ao risco. Em sua maioria distante do
universo das ruas, a função pública exercida pelas mulheres convive na transição entre o
espaço interno da corporação e o contato com um público externo específico, para quem as
relações públicas, o contato parcimonioso é comum nas recepções de órgãos públicos ou em
solenidades públicas, onde o marketing da corporação é mais comum, tendo as mulheres um
efeito “ornamental” que enfatiza o ajustamento da polícia aos preceitos de uma ordem
democrática.
Como mencionei anteriormente, os alojamentos são raros e servem basicamente
para as policiais em serviço nos expedientes matutinos. O fardamento, por outro lado, tentaria
ofuscar os elementos da feminilidade, sendo praticamente os mesmos, com exceção do
fardamento de passeio.
Uma reclamação constante entre policiais masculinos e femininos, a farda,
especificamente de instrução, conhecida por ambos os sexos pelo desconforto, ganham o
reforço na fala das policiais por serem praticamente as mesmas dos policiais masculinos. Esse
fato, expressa que a construção social do policial enquanto agente pertencente a uma tropa e,
portanto, sujeito que encontra sentido no coletivo, nas ações conjuntas do grupamento ao qual
pertença, vive as contradições de uma experiência atual onde a individualidade se choca com
os preceitos de uma instituição que aposta na uniformização dos valores e atitudes.
Focadas, em grande parte, no interesse em afirmar socialmente tanto que podem
ocupar as mesmas funções que os homens quanto de reforçar suas singularidades, parte
considerável das mulheres ouvidas percebe nas determinações sobre o fardamento ações
dotadas de pouco sentido. Assim, as formas institucionais de repressão ao vestuário, que
afetam homens e mulheres, aparecem como mecanismo que em certa medida nega sua
existência na instituição quando as atividades são de rua, visto que nas solenidades e
uniformes de passeio nas seções administrativas as policiais usam fardamentos distintos, onde
é comum o uso de saia, sapatos femininos, de salto médio, e até bolsas.
Em resumo, é possível inferir que se por um lado as mulheres se queixem das
“constantes” demonstrações de preconceito no interior da polícia militar que lhes reserva o
papel de “naturalmente” sedutoras e passivas, afirmar os traços de feminilidade,
96
paradoxalmente, aparece como oportunidade tangível de não terem sua identidade de gênero
obscurecida ou negada na instituição. Da mesma forma, um recurso para conseguir espaços de
trabalho que não representem maiores riscos, principalmente àquelas que não enxergam na
profissão possibilidade de carreira e chegaram até ela em razão da falta de outra oportunidade
ou puro desejo de estabilidade através do serviço público, principalmente quando o uso
arbitrário da força é a possibilidade mais direta de reconhecimento para as mulheres nos
círculos policiais operacionais da PM.
De modo geral, a PM não está aberta a discutir sobre essa multiplicidade de
formas de ser masculino e feminino, fato que engessa processos de inclusão para além de
cotas de acesso e promoção reservada às mulheres. Entendo, neste sentido, que singularidades
devem ser pensadas em questões práticas que passam pela construção de instalações
adequadas para homens e mulheres e fardamentos que explicitem as especificidades da
atividade policial, como facilmente se movimentar no espaço e as longas horas de trabalho.
Se os “adereços” representam risco, com brincos, cabelos soltos, entre outros,
vindo a comprometer a segurança das policiais, isso também precisa ficar claro, inclusive para
as policiais que expressam esse cerceamento como invasão em sua intimidade e
desconstrução de sua identidade de gênero.
Da forma como aparecem, segundo os policiais, as determinações que orientam as
mulheres a não ajustar o fardamento com base em padrões de moda e os homens quanto ao
cumprimento dos padrões de corte de cabelo, são formas institucionais de repressão à
intimidade dotadas de pouco sentido, expressão simples do interesse dos superiores em
oprimir os subordinados.
Dessa forma, orientada por um “rigor” moral acentuado em relação à presença
feminina e aos preceitos que norteiam o emprego desse efetivo na atividade policial, a PM
constrói diferentes obstáculos à maior presença das mulheres ao cotidiano militar, sendo uma
“ameaça” que necessitaria de um controle acentuado dos comportamentos, mais suscetíveis de
desvirtuamento a partir da presença feminina. Tais fatores tornam a inclusão feminina um
fenômeno superficial e de pouca visibilidade, além de incapaz de mobilizar maiores
discussões no interior da corporação, dominada em geral por um ethos masculino voltado à
“guerra”. Conforme destacou Perrot (2005, p. 249):
[...] daí o austero de uma vigilância maníaca que excede sempre o trabalho (entre os
homens, ela tende a se reduzir à produção), a importância das exigências morais, um
sistema de punições (ou de recompensas) infantil, um discurso que oscila do
paternalismo à grosseria.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observo que os sergipanos e turistas
presentes na festa ainda se sentem surpresos
em perceber as mulheres da PM atuando de
forma ostensiva e agindo da mesma maneira
que a tropa masculina. Estamos acostumadas
com esse tipo de trabalho, além disso, a
mulher geralmente é mais cautelosa na
abordagem42.
Policial Feminina, Soldado, 03 anos de
serviço.
A fala acima, destacada de notícia publicada no site da Polícia Militar de Sergipe
no dia 26 de junho deste ano, pode ser entendida como um elemento importante para assinalar
aspectos que resistem na percepção sobre a presença das mulheres na PM. Disseminada entre
“sergipanos” e “turistas”, a “surpresa” presente no olhar do outro é importante não apenas
para apontar o caráter difuso da dificuldade de reconhecimento da associação entre categorias
até pouco tempo vistas como incompatíveis, ou seja, mulher e polícia.
Do mesmo modo, a fala da jovem policial43 é revelador também do olhar que
algumas policiais reservam ao seu trabalho, bem como ao lugar, objetivo e simbólico, que elas
ocupam na instituição. Chama atenção na notícia, passados vinte anos do ingresso das
primeiras mulheres na PMSE, o fato de sua presença ser ainda motivo de “surpresa” para a
população, e o emprego policial feminino nas festividades algo “marcante” e, portanto, nãocomum aos olhos de “sergipanos” e “turistas” – que a partir da relação de alteridade moldam
a identidade dessas policiais44.
Para outra policial ouvida durante o evento – esta com sete anos de polícia – o
serviço preventivo é definido como tranquilo, sendo a atuação em festas públicas algo para
ela, pertencente à Companhia de Choque, a que estaria acostumada. Segundo suas palavras:
_________________
42
Cf. “Notícias - Forró Caju: Policiamento feminino é presença marcante nos festejos da capital”. Disponível
em: <http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1246023184>. Acesso em: 28 jun. 2009.
43
A soldado, entrevistada por outros policiais do Setor de Relações Públicas da Polícia Militar, (PM-5), segundo
informações contidas na notícia, trabalha há três anos e sete meses na corporação e estava naquela noite
empregada no patrulhamento da área interna da festa.
98
“[...] o serviço é nivelado e a técnica conta muito mais que a força em eventos deste
porte. Realizamos o mesmo trabalho que os homens e percebo que a cada ano a
valorização e respeito perante a policial feminina aumenta. Temos as mesmas
obrigações”.
Se a matéria revela eventuais mudanças, inclusive com a maior “liberdade” das
policiais que ocupam a base da instituição em falar sobre sua atividade, estas mesmas falas
expressam questões que indicam aspectos controversos, apontados tanto nos questionários
quanto nas entrevistas realizadas para esta pesquisa. As mulheres policiais, ao mesmo tempo
em que buscam afirmar que são preparadas para desempenhar as mesmas atividades que os
homens, reconhecem que compensam a desvantagem da menor força com o uso da técnica e a
maior cautela nas ações policiais.
Contudo, o que se percebe com grande frequência é que, se as concepções
essencialistas sobre homens e mulheres tendem a apresentá-los, respectivamente, como
“fortes” e “corajosos”, “frágeis” e “cautelosas”, essas características – que poderiam ser no
campo da segurança pública uma possibilidade de melhoria das atividades policiais com
maior presença das mulheres nas atividades que demandam ações fundamentadas na
inteligência policial, contato com o público, resolução de conflitos em comunidades – são
negadas na prática ao se restringir com grande recorrência as mulheres às atividades
burocráticas internas, consideradas mais “compatíveis” com a “natureza feminina”.
No processo de análise das entrevistas, juntamente com alguns dados dos
questionários, chamou a atenção, por exemplo, a tendência de maior parte das mulheres em
preferir um companheiro de ocorrência homem a ter uma mulher como parceira de atividade.
Um aspecto que expressa, em certo sentido, que as mulheres policiais militares tendem mais
interiorizar do que resistir às representações vigentes na instituição sobre sua presença na
rotina policial.
De forma ampla, a “opção” de um grande número de mulheres pela atividade
burocrática se ampara tanto na idéia de que elas são “rechaçadas” pelos colegas homens nas
atividades de rua e pela ausência de condições estruturais ofertadas pela instituição, quanto na
concepção bastante difusa entre homens e mulheres da PM que o serviço ostensivo é mais
ajustado ao público masculino. Misto que resignação e estratégia, permanecer em serviços
internos aplaca as críticas masculinas, “protege”, com algumas implicações, as mulheres dos
constantes testes de “competência” impostos na instituição e nos quais o público feminino
costuma iniciar com larga desvantagem “simbólica”, pois, como afirmou uma jovem oficial,
se o homem na polícia é competente até que a experiência nas ruas prove o contrário para os
99
seus companheiros, a mulher é incompetente até que dê provas de sua coragem e habilidade
no serviço ostensivo para um bom número de outros policiais.
No que tange às representações sociais dos PM’s, cerca da metade deles afirmam
que o trabalho é “nivelado” e que os policiais escolheriam seus companheiros de serviço pelo
critério da competência e não pelo sexo. Esta afirmação não encontra apoio no processo de
observação realizado na instituição, nas entrevistas, assim como nas políticas e práticas no
campo da Segurança Pública que privilegiam a “ordem” e a repressão em detrimento de
programas destinados a estimular a gestão democrática na área como o policiamento
comunitário.
Nas entrevistas, os policiais revelaram que, uma vez não conhecendo os parceiros
e, portanto, sem condições de aferir sua competência na atividade ostensiva, escolheriam um
homem, pela eventualidade de vir a utilizar a força, além da idéia corrente de que as
“pessoas” não respeitam as policiais femininas e poderiam vir a resistir mais facilmente às
determinações de uma policial. O recurso à força, portanto, é um elemento bastante
valorizado pelos policiais militares e associado diretamente ao efetivo masculino, para quem
os riscos de “desmoralização” da função policial seriam muito menores em comparação com
o feminino, considerado mais “suscetível” de sucumbir diante de atentados contra a honra.
Neste sentido, se o preconceito foi amenizado, se muitos entendem que a
participação das mulheres é respaldada em razão da maior cautela que elas expressam no
desenvolvimento de suas ações, essas representações são contraditórias com as resistências
presentes no campo da segurança pública no Estado de Sergipe. Nesse campo, embora exista
um discurso que afirme ser a competência elemento mais importante do que o sexo do
parceiro, ainda existem restrições legais e morais ao acesso das mulheres na instituição, de
modo que esta costuma lhes delegar o cumprimento de tarefas internas sob o argumento de
“fragilidade”, “despreparo” e ausência de instalações físicas adequadas.
O que escapa das representações sociais dos policiais é que a competência
dificilmente é construída na PM, sendo uma vantagem a ser desenvolvida nos treinamentos,
mas já presente nos policiais, sobretudo do sexo masculino, que tem uma afinidade histórica
com o espaço da rua, bem como atributos naturais e morais mais “compatíveis” com esse
universo, tido como sinônimo de perigo. Assim, as diferenças biológicas “naturalmente”
favoreceriam os homens no desenvolvimento das atividades de polícia, associadas em grande
parte ao uso da força e de uma imposição traduzida na compleição física do protótipo de
policial, cujos atributos físicos ensejariam por si só medo respostas mais adequadas à
compreensão de dissuasão dos comportamentos desviantes.
100
Considerando o cenário da Segurança Pública em Sergipe e as representações
sociais dos policiais militares sobre a presença feminina na PMSE, mostra-se extremamente
importante debater as relações de gênero na corporação e pensar mecanismos que venham a
estimular o debate sobre esse tema e as implicações que o atual cenário impõe para a
permanência de velhas práticas policiais. Assim, discutir os sentidos das ações que
historicamente têm reservado um lugar subalterno, do ponto de vista numérico e simbólico, às
mulheres policiais é condição essencial para rever os impedimentos legais que restringem o
ingresso e a progressão na carreira das policiais femininas. Obstáculos que quem impedem
pensar de forma equilibrada as diferenças entre os sexos, assim como um engajamento pleno
das mulheres ao universo policial.
Entendo que essas mudanças podem operar tanto a partir da reformulação da
legislação quanto das instalações físicas, sendo oportunidade para reconhecer simbolicamente
e materialmente a presença feminina na Polícia Militar, espaço carente de difusão de práticas
que, com base nas diferenças de gênero, concebam formas mais democráticas de atuação
policial, fundamentadas no respeito e promoção aos direitos humanos. Nesse processo, sou
particularmente otimista em relação à possibilidade de os policiais militares reinventarem suas
representações e práticas sobre gênero e polícia, que hoje oscilam entre o machismo,
tentações autoritárias e o interesse de profissionalização, vindo a estabelecer um processo de
reconhecimento acerca das diferenças entre homens e mulheres.
Dessa forma, a ação articulada entre sociedade e Estado pode, indubitavelmente, a
curto e médio prazo, promover a construção de um contexto institucional de maior autonomia
capaz de estimular a reflexão sobre os mecanismos institucionais que impedem, ainda hoje,
pensar de forma mais equilibrada as diferenças, entendendo, segundo Richard Sennett (2004,
p. 297) que: “em vez de uma igualdade de compreensão, autonomia significa aceitar, nos
outros, o que não se compreende neles”.
101
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109
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM “VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E
POLÍTICAS PÚBLICAS”
Identificação:
Nome:
Idade:
Sexo:
Cor:
Religião:
Número de filhos:
Ano de ingresso na PM:
Ingresso e identidade:
1.
Como se deu o seu ingresso na PM?
2.
Por que você escolheu a carreira policial militar?
3.
Quais as implicações dessa escolha para sua vida? O que mudou?
4.
Como você se sente ao vestir a farda policial?
5.
Para você o que é ser policial militar?
6.
Como você define o militarismo?
Relação com a sociedade:
7.
Houve críticas, elogios a sua decisão em ingressar na PM?
8.
Qual é a reação das pessoas quando você se identifica como policial militar?
9.
Você se sente bem desempenhando a função policial?
10.
Como você acredita que a sociedade vê os policiais militares?
11.
Como você acredita que a sociedade vê as policiais femininas?
12.
Na tua opinião a sociedade tem a mesma imagem de policiais masculinos e femininos?
Formação e convivência na PM:
13.
Como foi o seu curso de formação?
14.
Que experiências mais fortes você vivenciou durante a formação?
15.
Como é o cotidiano da atividade policial?
16.
Como você define as relações pessoais e profissionais no interior da corporação policial militar?
110
17.
Existe algum fator que impede a melhoria das relações internas na PM?
Representações sobre gênero e polícia:
18.
Para você homens e mulheres são diferentes? Quais seriam essas diferenças?
19.
Na tua opinião existe preconceito contra mulheres na PMSE?
20.
Você já foi vítima de preconceito na PMSE?*
21.
Existe diferença de tratamento dispensado às mulheres na PMSE?
22.
Existe alguma vantagem em ser mulher na PM? Quais?*
23.
Quais as desvantagens de ser Pfem?*
24.
Na tua opinião, a PMSE trata melhor o público feminino interno em relação a outras
corporações ou não?
25.
Na atividade de rua, você se sentiria mais protegido tendo um colega homem, mulher ou para
você não tem diferença?
26.
Existiriam na instituição policial atividades mais adaptadas a homens que a mulheres?
27.
Na tua opinião é suficiente o número de policiais femininas na PMSE?
28.
Para você o que mudaria na PM se ela fosse comandada por uma mulher?
29.
Você já foi comandada por uma mulher? Existe diferença? Quais?
30.
Como você se sentiria sendo comandada por uma policial feminina?
31.
Se fosse comandante da PM você mudaria algo na instituição? O quê e por quê?
32.
Você pretende fazer carreira na PM?
33.
Recomendaria a filha, irmã ou amiga a PM como boa possibilidade de carreira profissional?
* Perguntas destinadas a policiais femininas, podendo ser adaptadas ao público masculino.
111
APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM “VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E
POLÍTICAS PÚBLICAS”
APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa faz parte de um conjunto de ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública
voltado para construção de análises sistemáticas e conseqüente formulação de políticas públicas na
área de segurança pública no Brasil.
Neste sentido, os dados aqui coletados visam possibilitar o desenvolvimento de estudo sobre
as representações sociais de gênero no interior da Polícia Militar do Estado de Sergipe. O propósito é
favorecer a elaboração de diagnóstico e reflexão sobre o cotidiano das instituições policiais e de seus
agentes.
Dessa forma, assinale com X apenas uma opção contida nas perguntas a seguir que melhor se
aproxima de sua opinião. Não é necessário se identificar. O desenvolvimento da segurança pública no
país depende de nosso esforço.
Muito obrigado pela colaboração!
Prof. Marcos Santana45
Profa. Dra. Tâmara Oliveira46
QUESTIONÁRIO
1. Idade
18-20 ( )
21-24 ( )
2. Cor
Negra ( )
25-29 ( )
Branca ( )
30-39 ( )
Parda ( )
40- 49 ( )
50-59 ( )
Amarela ( )
60 ou mais ( )
Indígena ( )
3.Sexo
M ( )
F (
)
_________________
45
46
Aluno do curso de pós-graduação em “Violência, criminalidade e políticas públicas” MJ/SENASP/RENAESP.
Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Núcleo de Pós-graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Sergipe e orientadora da pesquisa.
112
4.Religião
Espírita
( )
Umbanda
( )
Católico
( )
Candomblé
( )
Budista
( )
Outras
( )
Evangélico ( )
Agnóstico
( )
Ateu
( )
5. Escolaridade
1º Grau Incompleto ( )
1º Grau Completo
( )
2º Grau Incompleto ( )
2º Grau Completo
( )
Superior Incompleto
Superior Completo
Especialização
Mestrado
Doutorado
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
6. Qual o seu posto ou patente?
Soldado
( )
Tenente
( )
Cabo
( )
Capitão
( )
Sargento
( )
Major
( )
Tenente-coronel
( )
Coronel
( )
Sub-tenente ( )
7. Trabalha na PM há quantos anos?
1-3 anos
( )
4-7 anos
( )
7-10 anos
( )
10-15 anos ( )
15-20 anos
( )
20-25 anos
( )
25-30 anos
( )
Mais de 30 anos ( )
8. Em que setor você desempenha suas atividades na PMSE?
Administrativo
( )
Policiamento ostensivo (ronda) ( )
Trânsito
( )
PAC
( )
Investigação (reservado)
( )
Delegacia
( )
Especializado (Choque e COE)
( )
9. Que motivo te levou a ingressar na PMSE?
Estabilidade
( )
Possibilidade de crescimento profissional ( )
Vocação
( )
Falta de outra oportunidade
( )
10. Você se sente realizado profissionalmente?
Muito realizado
( )
Realizado
( )
Nada realizado
( )
Incentivo familiar
Salário
Ser valorizado pela função
Outros
(
(
(
(
Mais ou menos realizado ( )
Pouco realizado
( )
Não sabe
( )
)
)
)
)
113
11. Como você avalia a relação entre superiores e subordinados no seu setor de trabalho?
Satisfatória
( )
Insatisfatória
( )
Pouco satisfatória
( )
Mais ou menos satisfatória ( )
Muito pouco satisfatória ( )
Não sabe
( )
12. Na tua opinião, a imagem que a sociedade tem da polícia é:
Ruim
( )
Muito boa
Muito ruim
( )
Não sabe
Boa
( )
( )
( )
13. Para você, as pessoas se sentem mais seguras durante uma ocorrência sendo atendidas por
policiais masculinos ou femininos?
Por homens
( )
Qualquer um
( )
Por mulheres
( )
Não sabe
( )
14. Você é a favor da presença feminina na PM?
Sim
( )
Não
( )
Depende do setor
( )
Não sabe
( )
15. Para você, o ingresso de mulheres na PM contribuiu para o desenvolvimento da instituição?
Contribuiu pouco
Não contribuiu nada
( )
( )
Contribuiu muito pouco
( )
Contribuiu bastante
Não sabe
( )
( )
16. Na tua opinião, a atividade policial pode ser desempenhada por mulheres?
Sim, qualquer atividade
( )
Sim, apenas algumas atividades
Não, elas não têm o mesmo preparo ( )
Não sabe
( )
( )
17. Você considera o número de policiais femininas na PMSE...
Excessivo
( )
Insuficiente
( )
Suficiente
( )
Não sabe
( )
18. Como você avalia o relacionamento afetivo entre homens e mulheres na PMSE?
Totalmente a favor
Parcialmente a favor
Totalmente contra
( )
Parcialmente contra ( )
( )
Não dá certo
( )
( )
Indiferente
( )
19. Você já foi comandado por uma mulher?
Sim ( )
Não
( )
20. Na tua opinião, sendo comandada por uma mulher a polícia militar de Sergipe...
Pioraria
( )
Melhoria um pouco ( )
Melhoria muito
( )
Não sabe
( )
Permaneceria a mesma
( )
114
21. Para você, as mulheres policiais sofrem preconceito no interior da PMSE?
Sim, algumas vezes
Não
Sim, bastante
( )
( )
( )
Sim, raramente
Não sabe
( )
( )
22. Você concorda com a seguinte frase: “Mulher na PM é dinheiro perdido pro Estado”?
Concordo plenamente ( )
Concordo parcialmente ( )
Não concordo
( )
Concordo mais ou menos ( )
Não sabe
( )
23. Numa ocorrência policial grave, envolvendo troca de tiros com criminosos, você escolheria
como parceiro um homem ou uma mulher?
Homem
( )
Qualquer um ( )
Mulher
( )
Não sabe
( )
115
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA
PROJETO DE PESQUISA
Estudo das representações sociais de policiais militares de Sergipe sobre gênero.
OBJETIVO DA PESQUISA
Analisar as representações dos policiais militares de Sergipe sobre a presença feminina e relações de
gênero.
PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA PESQUISA
Serão realizadas entrevistas individuais com duração média de 01 hora, nas quais os policiais de
diferentes graduações e patentes responderão questões relacionadas à situação social, criminalidade e
violência.
COORDENADORES DA PESQUISA:
Profª Drª Tâmara Oliveira (DCS-UFS/Orientadora)
Prof. Marcos Santana de Souza (Orientando-UFS)
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos da pesquisa, que me foram
apresentados pelo responsável pela aplicação do questionário, e conduzida pelo mestrando Marcos
Santana de Souza da Universidade Federal de Sergipe.
Estou informado (a) de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos adotados
durante a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo me recusar a continuar
participando da investigação.
Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas serão
respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:
a) O entrevistado (a) não será obrigado (a) a realizar nenhuma atividade para a qual não se sinta
disposto (a) e capaz;
b) O entrevistado (a) não participará de qualquer atividade que possa vir a lhe trazer qualquer
prejuízo;
c) O nome do entrevistado (a) da pesquisa não será divulgado;
d) Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial;
116
e) Os pesquisadores estão obrigados a fornecer ao entrevistado (a), quando solicitados, as
informações coletadas;
f) O entrevistado pode, a qualquer momento, solicitar aos pesquisadores que os seus dados sejam
excluídos da pesquisa.
g) A pesquisa será suspensa imediatamente caso venha a gerar conflitos ou qualquer mal-estar à
Corporação Polícia Militar de Sergipe.
Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins a que
se destina, salvaguardando as diretrizes das Resoluções 196/96 e 304/2000 do Conselho Nacional de
Saúde, desde que sejam respeitadas as restrições acima enumeradas.
O pesquisador responsável por este projeto de pesquisa é o Professor Marcos Santana de
Souza, que poderá ser contatado pelo e-mail: [email protected], telefone: 079 8838-0685.
Endereço: Rua Sargento Marcelino, 581, Bairro Santos Dumont, Aracaju-SE.
Aracaju.........de...........................de 2009.
Nome: _______________________________________________________________
Assinatura:____________________________________________________________
Assinatura do responsável pela pesquisa:_____________________________________
117
APÊNDICE D - PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Graduação/Patente
Idade
Sexo
Cor/Raça
Escolaridade
Segundo Sargento
Soldado
40 anos
54 anos
Masculino
Masculino
Parda
Parda
Cabo
Soldado
37 anos
30 anos
Masculino
Masculino
Parda
Negra
Soldado
25 anos
Feminino
Parda
Soldado
26 anos
Feminino
Parda
Aluna do CFS
Segundo Tenente
Primeiro Tenente
36 anos
39 anos
31 anos
Feminino
Masculino
Feminina
Negra
Parda
Parda
Soldado
34 anos
Negra
Negra
Ensino Médio
Ensino
Fundamental
Incompleto
Ensino Médio
Ensino
Superior
Ensino
Superior
Ensino
Superior
Ensino Médio
Ensino Médio
Ensino
Superior
Ensino Médio
Tempo de
Serviço
20 anos
32 anos
18 anos
03 anos
03 anos
03 anos
13 anos
21 anos
06 anos
11 anos
118
ANEXO A - HIERARQUIA DA POLÍCIA MILITAR DE SERGIPE
Oficiais superiores
coronel
Oficiais subalternos
primeirotenente
tenente-
segundo-
coronel
tenente
major
Graduados
terceiro-sargento
cabo
oficial
de
oficial
capitão
segundo-sargento
aspirante a
aluno
Intermediário
pirmeiro-sargento
subtenente
Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/insignias.php>. Acesso em: 08 ago. 2006.
119
ESTRUTURA HIERÁRQUICA DAS FORÇAS ARMADAS
Marinha
Exército
Aeronáutica
Almirante*
marechal*
marechal-doar*
almirante-deesquadra
general-deexército
tenentebrigadeiro
general-dedivisão
general-debrigada
majorbrigadeiro
Oficiais Generais
vice-almirante
contraalmirante
coronel
tenentecoronel
coronel
tenentecoronel
Oficiais Superiores
capitão-de-mare-guerra
capitão-defragata
capitão-decorveta
major
major
Intermediários
capitão-tenente
capitão
capitão
Oficiais
Subalternos
primeirotenente
segundotenente
primeirotenente
segundotenente
primeirotenente
segundotenente
Praça Especial
guarda-marinha
aspirante
aspirante
Suboficial
subtenente
suboficial
primeirosargento
primeirosargento
primeirosargento
segundosargento
segundosargento
segundosargento
terceirosargento
terceirosargento
terceirosargento
taifeiro-mor
taifeiro-mor
cabo
cabo
taifeiro priclasse
taifeiro priclasse
taifeiro segclasse
soldado priclasse
taifeiro segclasse
soldado segclasse
Cabo
marinheiro
Graduados
Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/insignias.php>. Acesso em: 05 jul. 20089.
brigadeiro
120
ANEXO B – PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008
Página número 2792
Confere com o original:
IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL
QOPM
Chefe do EMG.
= Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 085 de 15 de Maio de 2008 =
= 2ª P A R T E =
= INSTRUÇÃO =
(SEM ALTERAÇÃO)
= 3ª P A R T E =
I = (ASSUNTOS GERAIS) =
1 – GABINETE DO COMANDO
a) TRANSCRIÇÕES DE PORTARIAS
a.1) PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008.
Aprova as Normas para o Corte de Cabelo e
uso de Barba e de Bigode por Oficiais e
Praças da Polícia Militar.
O COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SERGIPE, no uso das suas
atribuições regulamentares,
RESOLVE:
Art. 1° Aprovar as Normas para o Corte de Cabelo e o uso de Barba e de Bigode por Oficiais e
Praças da Polícia Militar, que com esta baixa publicação.
Art. 2° Determinar que esta Portaria entre em vigor na data de sua publicação.
NORMAS PARA O CORTE DE CABELO E USO DE BARBA E DE BIGODE PARA OFICIAIS E
PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR
121
1. FINALIDADE
Regular o corte de cabelo e uso de barba e de bigode pelos Oficiais e Praças da Polícia Militar, do
sexo masculino.
2. CORTE DE CABELO
= Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 085 de 15 de Maio de 2008 =
a. Oficiais, Subtenentes e Sargentos:
1) Os Oficiais, Subtenentes e Sargentos usarão seus cabelos aparados, por máquina n° 3 ou tesoura,
disfarçando gradualmente de baixo para cima, mantendo bem nítidos os contornos junto às orelhas e
o pescoço.
2) Na parte superior da cabeça, o cabelo deverá ser desbastado o suficiente para harmonizar-se com
o resto do corte e com o uso da cobertura.
3) As costeletas poderão ter o comprimento até a altura correspondente à metade do pavilhão
auricular.
Página número 2793
Confere com o original:
IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL QOPM
Chefe do EMG.
b. Cabos e Soldados
1) Os Cabos e Soldados usarão seus cabelos cortados com máquina ° 2, nas partes parietais e
occipitais do crânio, isto é na transição do couro cabeludo, mantendo-se bem nítidos os contornos
junto às orelhas e o pescoço.
2) Na parte superior da cabeça, o cabelo deverá ser desbastado o suficiente para harmonizar-se com
o resto do corte e com o uso da cobertura.
c. Alunos do CFAP
1) Os Alunos do CFAP usarão seus cabelos cortados com máquina n° 1, nas partes parietais e
occipitais do crânio, isto é, na transição do couro cabeludo, mantendo-se bem nítidos os contornos
junto às orelhas e o pescoço.
122
2) Disfarçando o corte, gradativamente, de baixo para cima, com a tesoura, até a altura
correspondente à borda da cobertura.
3. USO DE BARBA
É vedado o uso de barba aos Oficiais e Praças da Polícia Militar.
4. USO DE BIGODE
a. É permitido aos Oficiais, Subtenentes, Sargentos, Cabos e Soldados o uso de bigode, desde que
discreto, aparado, não ultrapassando as comissuras labiais, devendo constar da Carteira de
Identidade do Policial Militar.
b. É vedado o uso de bigode aos Alunos do CFAP.
PUBLIQUE-SE
REGISTRE-SE
CUMPRA-SE
Quartel em Aracaju, 15 de Maio de 2008.
José Péricles Menezes de Oliveira – CEL QOPM
Comandante Geral da PMSE
123
ANEXO C – BOLETIM GERAL OSTENSIVO n° 104 de 12 de Junho de 2008
Página número 3435
Confere com o original:
IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL QOPM
Chefe do EMG.
= Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 104 de 12 de Junho de 2008 =
[...]
d) UNIFORME FEMININO – As policiais militares deverão adotar providências
para utilizar o uniforme previsto para PMSE sendo terminantemente proibida a alteração
do modelo do fardamento, especialmente para as seguintes formas:
1. Calça boca-de-sino;
2. Calça de cintura muito alta (cós próximo ao peito “Saint Tropeito”);
3. Calça Saint Tropes (cintura baixa);
4. Calça à moda funk (cintura muito baixa);
5. Calça à moda rock (desfiada);
6. Calça cigarrete;
7. Calça capri;
8. Calça corsário;
9. Calça Legging;
10. Calça skinny;
11. Calça balone;
12. Mini saia.
Os Comandantes de Unidades, de Sub Unidades, de Companhias Independentes
e Chefes de Seção deverão efetuar a devida fiscalização e providências subseqüentes.
[...].
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ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA - Pagu