UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM “VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS” Marcos Santana de Souza “ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e Representações Sociais de Gênero na Polícia Militar de Sergipe São Cristóvão/SE 2009 Marcos Santana de Souza “ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e Representações Sociais de Gênero na Polícia Militar de Sergipe Monografia apresentada à Coordenação da RENAESP/SE, Universidade Federal de Sergipe – UFS, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em “Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”. Orientação: Profa. Dra. Tâmara Oliveira São Cristóvão/SE 2009 i FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE S719e Souza, Marcos Santana de. “Elas não servem pra guerra”: presença feminina e representações sociais de gênero na polícia militar de Sergipe/ Marcos Santana de Souza. – São Cristóvão, 2009. xi, 125 f. : il. Monografia (Especialização em Violência, Criminalidade e Políticas Públicas) – Universidade Federal de Sergipe: São Cristóvão; Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública, 2009. Orientador: Profª Drª Tâmara Maria de Oliveira 1. Representações de gênero. 2.Polícia Militar– Sergipe. 3. Polícia Militar – Policial feminina. 4. Sergipe. I.Título. CDU 355.511.6:392.6 MARCOS SANTANA DE SOUZA “ELAS NÃO SERVEM PRA GUERRA”: Presença Feminina e Representações Sociais de Gênero na Polícia Militar de Sergipe Monografia apresentada à Coordenação da RENAESP/SE, Universidade Federal de Sergipe – UFS, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em “Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”. Aprovada em: ____de_________ de 2009. BANCA EXAMINADORA: _____________________________________ Profa. Dra. Tâmara Maria de Oliveira (UFS) – Orientadora _____________________________________ Profa. Dra. Mônica Cristina Silva Santana (UFS) _____________________________________ Profa. MSc. Denise Leal Fontes A. Leopoldo (UFS) ii Às mulheres pioneiras na Polícia Militar. iii AGRADECIMENTOS A conclusão deste trabalho é o resultado mais visível da soma de diferentes contribuições. Expressões de apoio, diretas ou indiretas, foram igualmente importantes para renovar meu ânimo e tornar possível a conclusão de mais uma etapa acadêmica. Dentre essas contribuições, algumas se construíram no silêncio de quem mesmo demonstrando dificuldade em entender a necessidade de seguidas horas de reclusão em frente a livros e computador, “quebrou” minha rotina e impaciência com várias demonstrações de afeto, lembrando-me de que o corpo precisa de alimento e de sono. Sou grato à minha mãe, Maria Aparecida, pelo amor que se renova no silêncio e pelo respeito às “esquisitices” do filho. Ao lado da minha mãe, outras mulheres tiveram importância essencial na finalização deste breve estudo, particularmente no “barulho” que acompanha o encerramento dos prazos e na necessidade sempre difícil de por um ponto final. Desse modo, agradeço: À Professora Dra. Tâmara Oliveira, que me acompanha desde a fase do mestrado e aceitou sem restrições o convite para orientar este trabalho; sou grato pela paciência e confiança, assim como pelas importantes considerações, particularmente sobre a articulação mais coerente dos dados coletados na pesquisa. A Vanessa Oliveira e a Alessandra Barbosa que, além de grandes amigas, foram sensíveis à importância de concluir este trabalho, transcrevendo grande parte das entrevistas e me reservando palavras de confiança e estímulo. Com elas discuti em vários momentos meus “achados” e impressões sobre o universo de pesquisa e pude assim atentar para questões importantes. De forma especial aos policiais militares, homens e mulheres, que julgaram importante responder questionários e conceder entrevistas, tornando possível a realização deste estudo. Ao Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENASP) em Sergipe, através da coordenação das professoras Joelina Menezes e Denise Leal pelos investimentos que me possibilitaram cursar a especialização com excelente nível de discussão e quadro docente. Aos professores do curso de pós-graduação lato sensu em “Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”, em especial aos professores Paulo Sérgio da Costa Neves, Francisco José Alves, Eufrázia Cristina Menezes, Edmilson Menezes, Frank Marcon, iv Denise Leal, Andréa Depieri, Marcus Eugênio Lima, Cristine Jacquet, Riccardo Cappi, pela contribuição importante na minha formação e pelos ricos debates sobre o campo da segurança pública. Aos amigos do curso de pós-graduação, especialmente a Carla Cavalcante, Liliane Monteiro, Patrícia Rodrigues, Gilmara Chagas, Nilza Santos, Nairete Correia, Lilia Ferraz, Alex Jonatas, Sargento Dos Anjos e aos Capitães Victor e Charles Victor. A Mateus Antônio de Almeida Neto, que vasculhou no IHGS referências jornalísticas a respeito da presença feminina na Polícia Militar de Sergipe e a Luiz Antonio Lins Oliveira, que me auxiliou na organização dos dados desta pesquisa. Aos sempre presentes Frankly Rolim, Edna Nascimento, Mário Resende, Sheyla Farias, Murilo, Waldete Rolim, Jaciléa Chagas, Elaine e Cleverton Barros, pela amizade e confiança. v Apesar de formalmente assentada na missão de “proteger e servir”, o que se privilegia na identidade policial militar são sobretudo as virtudes “másculas” e “guerreiras”, “heroísmo”, força física, aptidão para o risco – virtudes de que as mulheres estariam, por hipótese, desprovidas. O “verdadeiro policial” é aquele empenhado no enfrentamento do “inimigo”. É aí que se expressa a essência idealizada da profissão de polícia, de uma polícia que subverte sua missão básica de promover a paz e preservar a ordem pública, encontrando na “guerra” a fonte de seus valores identitários. Bárbara Musumeci Soares e Leonarda Musumeci (2005, p. 87). vi RESUMO O presente estudo tem como objetivo analisar os sentidos construídos por homens e mulheres policiais sobre a presença feminina na Polícia Militar de Sergipe. Através de questionários e realização de entrevistas com policiais militares, visa registrar e compreender as representações sociais a respeito do ingresso e presença de mulheres na instituição policial militar. De natureza quali-quantitativa, a pesquisa busca, neste sentido, compreender como as policiais femininas estruturam sua identidade profissional num tipo de organização marcadamente masculina, observando de forma mais atenta às variações presentes nas respostas conforme graduação, posto e sexo dos policiais. Centrado no processo histórico de inserção das mulheres no mercado de trabalho e, de modo específico, nas funções policiais, o estudo observa ainda a fraca referência na imprensa escrita e na legislação policial a respeito da inserção de mulheres na PM de Sergipe. Considerado um “outro” indesejado, conforme percentual expressivo de policiais, as mulheres são percebidas como uma “ameaça” à preservação da identidade policial, seres “carentes” de “proteção” e mais ajustadas ao espaço interno da PM do que às atividades de policiamento ostensivo. Sustentada em valores belicistas que reforçam a existência de um ethos guerreiro, a Polícia Militar fornece, através da distribuição e dos processos de socialização interna, os contornos imaginários do campo da segurança pública como espaço da “guerra” e, por sua vez, lugar incompatível, com raras exceções, com as mulheres. Assim, apontadas como “naturalmente” “frágeis” e tecnicamente “despreparadas” para a atividade de rua, espaço hegemonicamente masculino, as mulheres lidam de diferentes formas com o lugar subalterno a elas reservado. O estudo, portanto, enfatiza a necessidade de refletir sobre a natureza dessa inclusão e dos processos que configuram um quadro de frágil identidade de gênero das mulheres na PM, de modo a compreender o impacto que as diferentes orientações no campo da Segurança Pública exercem nas relações entre homens e mulheres policiais militares em Sergipe. Palavras-chave: História; representações sociais; gênero; mulheres; Polícia Militar; segurança pública – Sergipe. vii ABSTRACT This study aimed to examine the meanings constructed by men and women police about the presence of women in the Military Police of Sergipe. Through questionnaires and conducting interviews with military police, aimed record and understand the social representations regarding the entry and presence of women in the military police institution. Of qualitative-quantitative character, the research sought to understand how the female police structure their professional identity in a type of organization markedly male, looking for a more attentive to changes in these responses as graduate students, post and the sexual category of the police. Centered on the historic process of integrating women into the labor market and, in particular in police functions, the study observed the weak reference in the written press and the police legislation regarding the inclusion of women in the PM of Sergipe. Considered an “other” unwanted, as expressive percentage of police, women are perceived as a “threat” to preserve the identity police, “devoid” beings of “protection” and more adjusted to the internal space of the PM than the ostensible policing activities. Sustained in warmongering values that strengthen the existence of warrior ethos, the Military Policy supplies, through the distribution and of the processes of internal socialization, the imaginary contours of the ambit of the public security as space of the “war” and incompatible place, with rare exceptions, with the women. Thus, identified as “naturally” “fragile” and technically “unprepared” for the activity of street, space male hegemony, the women deal with the subordinate place they reserved of different forms. Therefore, the study emphasizes the need to reflect on the nature of the inclusion and processes that configure a representation of fragile identity of gender of the women in the PM in order to understand the impact that the different orientations in the ambit of the Public Security engaged in the relations between military police men and women in Sergipe. Keywords: History; social representations; sort; women; Military policy; public security – Sergipe. viii LISTA DE ABREVIATURAS BESP – Batalhão Especial de Segurança Patrimonial BPChoque – Batalhão de Polícia de Choque BPGd – Batalhão de Polícia de Guarda CFAP – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças CFO – Curso de Formação de Oficiais CFS – Curso de Formação de Sargentos CFSd – Curso de Formação de Soldados COE – Companhia de Operações Especiais DSN – Doutrina de Segurança Nacional EB – Exército Brasileiro PMSE – Polícia Militar de Sergipe PSD – Partido Social Democrático QCG – Quartel do Comando Geral QOAPM – Quadro de Oficiais da Administração da PM QOPM – Quadro de Oficiais da Polícia Militar RDE – Regulamento Disciplinar do Exército RP – Rádio Patrulha SSP – Secretaria de Segurança Pública UFS – Universidade Federal de Sergipe ix LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Alusão à “Polícia Feminina”.......................................................................... 48 Figura 02 - Policial no Quartel em lha do Outeiro.......................................................... 49 Figura 03 - Policial no CFAP”......................................................................................... 49 Figura 04 - Mulheres marchando em comemoração à independência do Brasil, 1989.... 53 Figura 05 - Mulheres, incorporadas ao efetivo masculino, marchando em comemoração à independência do Brasil, 1999................................................................. Figura 06 - Policiais em serviço durante Forró Caju 2009............................................... x 53 55 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Rendimento médio habitual de homens e mulheres...................................... 30 Tabela 02 - Resumo do Efetivo Feminino da PMSE........................................................ 56 Tabela 03 - Concorrência concurso de soldado 2005....................................................... 69 Tabela 04 - Questão 13 (variável graduação ou posto)..................................................... 73 Tabela 05 - Questão 13 (variável sexo)............................................................................ 73 Tabela 06 - Questão 14 (variável graduação ou posto)..................................................... 76 Tabela 07 - Questão 14 (variável sexo)............................................................................ 77 Tabela 08 - Questão 15 (variável graduação ou posto)..................................................... 77 Tabela 09 - Questão 17 (variável graduação ou posto)..................................................... 79 Tabela 10 - Questão 17 (variável sexo)............................................................................ 81 Tabela 11 - Questão 20 (variável graduação ou posto)..................................................... 84 Tabela 12 - Questão 20 (variável sexo)........................................................................... 85 Tabela 13 - Questão 21 (variável graduação ou posto)..................................................... 86 Tabela 14 - Questão 21 (variável sexo)............................................................................ 86 Tabela 15 - Questão 22 (variável graduação ou posto)..................................................... 88 Tabela 16 - Questão 22 (variável sexo)............................................................................ 89 Tabela 17 - Questão 23 (variável graduação ou posto)..................................................... 91 Tabela 18 - Questão 23 (variável sexo)............................................................................ 92 xi SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................................ ABSTRACT....................................................................................................................... LISTA DE ABREVIATURAS......................................................................................... LISTA DE FIGURAS........................................................................................................ LISTA DE TABELAS....................................................................................................... vii viii ix x xi INTRODUÇÃO................................................................................................................ 13 I CAPÍTULO..................................................................................................................... 1 GÊNERO, TRABALHO E POLÍCIA: Mulheres policiais e desafios contemporâneos................................................................................................................. 1.1 Os estudos de gênero e a mulher no mercado de trabalho...................................... 1.2 Gênero e Instituições Policiais: aspectos da inserção feminina e panorama atual...................................................................................................................................... 20 II CAPÍTULO.................................................................................................................... 2 MULHERES NA POLÍCIA MILITAR: uma inserção recente e condicionada....... 2.1 A formação histórica das polícias no Brasil e o ingresso das mulheres na Polícia Militar.................................................................................................................................. 2.2 A chegada das primeiras mulheres na Polícia Militar de Sergipe: sentidos de um ingresso tardio................................................................................................................. 2.3 A mulher e as implicações da carreira policial: A (in) visibilidade feminina na PM........................................................................................................................................ 38 38 III CAPÍTULO................................................................................................................... 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A PRESENÇA FEMININA NA PMSE: os homens policiais e um “outro” indesejado.................................................................. 3.1 A pesquisa: método e dados levantados..................................................................... 3.2 Representações Sociais e Relações de Gênero na PM............................................... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 97 20 20 32 38 42 58 60 60 73 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 101 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA.............................................................. 109 APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO................................................................................... 111 APÊNDICE C..................................................................................................................... 115 APÊNDICE D - PERFIL DOS ENTREVISTADOS....................................................... 117 ANEXO A - HIERARQUIA DA POLÍCIA MILITAR DE SERGIPE......................... 118 ANEXO B – PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008..................................... 120 ANEXO C – BOLETIM GERAL OSTENSIVO n° 104 de 12 de Junho de 2008......... 123 xii 13 INTRODUÇÃO Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. Michelle Perrot (2007, p. 17). A definição mais clara que tive a respeito da importância de discutir as relações de gênero e, de forma mais específica, os sentidos emprestados à presença feminina na PMSE, surgiu durante a pesquisa que desenvolvi para o mestrado em Sociologia no Núcleo de Pósgraduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. A citada pesquisa resultou na dissertação defendida no mês de agosto de 2008, sob o título: “A violência da Ordem - Polícia Militar e representações sociais sobre violência em Sergipe” 1. Permeado por diferentes lembranças, especialmente àquelas relacionadas à minha experiência no curso de formação de soldados, ocorrida no ano de 2002, o processo de análise que resultou na dissertação indicava com grande freqüência a relevância da temática de gênero para o entendimento da realidade policial. Uma importância reforçada a partir de comentários quase sempre espontâneos dos policiais que entrevistei sobre as especificidades que marcam o cotidiano policial e o perfil dos agentes que seriam, segundo eles, mais “aptos” a enfrentar os riscos próprios da atividade de polícia. Em várias ocasiões, as atividades de treinamento a que éramos submetidos costumavam ser seguidas das observações de colegas policiais e superiores hierárquicos sobre a presença das mulheres na corporação, sobretudo através da exposição das diferenças físicas e morais que “naturalmente” definem homens e mulheres. Em diferentes espaços de formação policial da PMSE, as expectativas de uma forma ampla tendiam a reservar às mulheres um desempenho físico “menor”, assim como uma coragem “vacilante” frente aos desafios apresentados, de modo que o desempenho melhor de algumas mulheres eram quase sempre seguidos pelas expressões de surpresa dos superiores e de cobranças endereçadas ao público masculino, visto que “se elas conseguiram...” ou “até mesmo elas fizeram...”. 1 Orientada pelos professores Paulo Sérgio da Costa Neves e Tâmara Oliveira, a pesquisa teve como propósito analisar as representações sociais de um grupo de policiais militares sobre violência policial no Estado, de modo a compreender a possível relação entre as representações sociais dos policiais entrevistados e as engrenagens institucionais que conferem sentido ao uso da violência pelos policiais militares. 14 Concentrado em revisitar as lembranças sobre a presença feminina na Polícia Militar de Sergipe, recordo que emergiam com grande freqüência a imagem de mulheres em passos “apressados”, quase sempre acompanhados de olhares que desviavam após ligeiro cumprimento para se enlaçar a gestos contidos e “distantes”, ainda que outras imagens fossem possíveis. Sobressai-se dessa imagem para mim uma presença “tímida” que indicava para as mulheres da PMSE um lugar simbólico específico, revelador dos entraves que tornavam o ingresso feminino um elemento parcialmente assimilado no desenvolvimento da instituição2. Colhida em grande parte do interior de uma das guaritas, próxima a um dos acessos do Quartel Central da PM onde trabalhei durante aproximadamente nove meses3, dos quase sete anos em que fui policial militar, essa imagem da mulher policial como elemento pouco integrado na Corporação policial, ainda que uma imagem incompleta4, serve para indicar senão o nascimento do meu interesse pelo tema das relações de gênero na Polícia Militar, certamente o momento em que esse tema se delineou mais claramente para mim. Perguntava-me: O que explica o silêncio que acompanha a presença feminina na Polícia Militar? Por que passado considerado tempo do ingresso das primeiras mulheres, a presença feminina ainda é reduzida na corporação, especialmente nas operações de rua? Nessa época, o contato com homens e mulheres policiais me levou à percepção da questão de gênero associada à memória sobre o passado da instituição e aos obstáculos atualmente presentes na PM que impediam a maior inserção do público feminino. Entendo que, com grande frequência, as representações de gênero, particularmente sobre o lugar das mulheres na instituição, assumem uma importância fundamental para compreender a configuração atual da Polícia Militar como um espaço ainda assentado em valores “guerreiros”. Sustentadas na idéia difusa do campo da segurança pública como um espaço de “guerra”, as representações indicavam uma acentuada rejeição à presença feminina na corporação, especialmente por alguns setores dominados pelos homens5. Em outros, essa 2 Agradeço à professora Jacqueline Muniz (Universidade Cândido Mendes) pela participação na banca examinadora de defesa da dissertação e pelas importantes observações e sugestões que incentivaram a construção deste trabalho. 3 O período em questão ocorreu entre fins de janeiro a outubro de 2008. Permaneci como policial militar de maio de 2002 a outubro de 2008. 4 Considero-a incompleta na medida em que traduz as impressões pessoais de um observador dividido entre o seu ofício de policial e a curiosidade de um pesquisador interessado nos assuntos sobre segurança pública. 5 Em várias unidades da Polícia Militar de Sergipe, a exemplo das companhias operacionais como Companhia de Choque, Rádio Patrulha, Operações Especiais, Cavalaria e policiamento ostensivo a pé, a presença feminina é bastante pequena. Levando em consideração as companhias de Rádio Patrulha, de Operações Especiais, de Trânsito (CPTran), o Esquadrão de Polícia Montada e o Batalhão da Polícia de Choque (BPChoque), do efetivo total feminino: 334 policiais, pouco menos de 10% desse efetivo, ou seja, 32 mulheres integram essas unidades. 15 presença era condicionada ao exercício de tarefas “condizentes” com as “limitações” do público feminino que, salvo raras exceções, não estaria preparado para “enfrentar” uma atividade marcada pelo “risco” intenso, pelo contato com as adversidades próprias a experiências na rua, visto que se elas não “servem” para a “guerra” e, portanto, não servem para a polícia. Entre vivências distintas num passado recente, seja a de aluno de soldado, soldado propriamente e pesquisador, eu me perguntava durante a realização desta pesquisa: em que medida é possível dizer que os gestos aparentemente “acanhados” daquelas policiais poderiam ser considerados uma consequência direta de um contexto social marcado pelos rigores próprios do universo militar que ainda atualmente restringe a participação das mulheres? A que se deve o silêncio que dá forma à descrição compulsória e frequente das mulheres policiais militares? Do mesmo modo, que aspectos caracterizam a presença feminina na PM? Embora de difícil resolução, e desde cedo convencido da impossibilidade de respondê-las aqui, foram essas questões que guiaram este estudo. Pretendo assim analisar como as mulheres policiais que integram a PMSE estruturam sua identidade profissional, considerando o processo de formação, as práticas cotidianas de grupamento e as representações sociais de policiais masculinos, num tipo de cultura policial geral que comumente as vêem como menos violentas e, de uma forma ampla, menos preparadas para o exercício da atividade policial. Uma concepção presente em diferentes setores da sociedade e que tornam o estudo das mulheres, segundo Maria Odila Leite da Silva Dias (1992), uma tarefa particularmente difícil. Ao analisar o modo de organização e atuação da PMSE, a pesquisa buscou revelar as formas simbólicas que amparam discriminações e que impedem a ampliação da inserção das mulheres nas instituições policiais. Do mesmo modo, pretendeu compreender como, distante de comportamento passivo e subalterno, as mulheres policiais modelam as representações de si e sobre si nesses espaços, lidam com a feminização da função policial e compreendem, portanto, o exercício de uma autoridade considerada eminentemente masculina. O desafio estava em romper internamente o silêncio sobre a presença feminina na Polícia Militar, aspecto já empreendido por diferentes pesquisadores em outros Estados do país, como discutirei adiante. É importante destacar que alguns delas desempenham apenas funções burocráticas, assim como em outras unidades consideradas não-operacionais, como é o caso do Hospital da Polícia Militar e setores administrativos da PMSE, eventualmente serem empregadas em atividades de policiamento ostensivo, sobretudo em festividades públicas. 16 Em razão de confluírem atualmente no país orientações diversas no campo da Segurança Pública e pelo fato da Polícia Militar de Sergipe estar inserida nesse processo, visto que integra programas estaduais e federais de capacitação profissional, assim como convive com as demandas do governo e da sociedade sobre segurança pública, esta pesquisa definiu o seguinte problema: Como homens e mulheres da Polícia Militar do Estado de Sergipe compreendem o papel feminino na instituição? Neste sentido, a pesquisa buscou analisar como homens e mulheres da Polícia Militar do Estado de Sergipe compreendem o papel feminino na corporação, de modo a perceber os fatores que atuam na construção da identidade profissional dessas mulheres e os sentidos presentes nas representações sociais desses agentes sobre polícia, padrões de policiamento e relações de gênero na Polícia Militar. Tratando sobre as representações sociais, Sandra Jovchelovitch (1995, p. 65-71) esclarece que elas têm uma relação íntima com o local onde os sujeitos formulam essas representações sociais. Esse fato explica a razão das representações serem fortemente influenciadas pelas identidades, interesses e aspectos próprios aos lugares sociais de onde elas emergem. Em algumas ocasiões, diferentes representações disputam a supremacia na esfera pública, chocando-se, competindo por espaço, interpenetrando-se e dando forma a novas representações. Em outros momentos, determinadas representações se mostram dominantes, evidenciando uma dinâmica social fundamentada na desigualdade dos grupos sociais. Explorar a influência exercida pelas representações sociais pressupõe compreender o sistema de diferenças que marca essas representações e os sentidos que elas exercem no tecido social, na medida em que revelam os interesses e conflitos próprios da sociedade onde elas foram geradas, ao traduzirem identidades, afetos e projetos diversos. É do saber que os atores sociais fazem de si mesmos, do seu contexto e dos outros que as representações surgem como um sistema de saberes que assinala a identidade de um grupo, sendo estas as ferramentas que os habilitam a enfrentar a realidade e se relacionar com o mundo repleto de símbolos. Desse modo, qualquer tentativa de compreensão das relações de gênero, e de forma mais específica, das relações desiguais entre homens e mulheres em grupamentos policiais como o da Polícia Militar de Sergipe, passa pela análise dos processos de formação interna que enfocam a lógica de guerra e que, portanto, afirmam uma suposta indisposição ou “despreparo” “natural” das mulheres para o exercício da atividade policial. De modo semelhante, volta-se para a análise das estratégias construídas pelo público feminino para ser 17 aceito nesses espaços, formulando respostas aos processos de subalternização e estigmatização. Serge Moscovici (2003) destaca que as representações sociais são elementos importantes nos processos de interação entre os indivíduos. As representações atuam diretamente na forma como os indivíduos percebem a realidade, definindo os sentidos das relações que estes mantêm consigo e com o mundo. Marcadas por um caráter convencional e prescritivo, as representações se voltam para a orientação dos comportamentos dos atores sociais no tempo, fornecendo imagens e conceitos de vida. Segundo Moscovici (2003), nenhuma mente está incólume dos efeitos de condicionamentos anteriores trazidos pelas representações, linguagem ou cultura sob a forma de imposição, pois todos nós pensamos a partir da linguagem e é por meio dela que estruturamos nossos juízos, guiados pela existência de um sistema direcionado pelas representações e pela cultura que partilhamos. Assim, “nós vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e nós permanecemos inconscientes dessas convenções” (MOSCOVICI , 2003, p. 35). A realidade social, assim, é percebida como resultado de mediações históricodinâmicas entre a ação dos atores e as estruturas sociais onde esses indivíduos fundamentam sua ação e pensamento, estando assim essa associação articulada aos propósitos deste estudo de compreender como os policiais, homens e mulheres, pensam e estruturam subjetivamente a presença feminina nas instituições policiais. Além disso, como as policiais femininas se autorepresentam e definem assim sua identidade profissional a partir das relações que mantêm com a atividade policial e com a corporação. As considerações de Maria Laura Franco (2004, p. 170-171), são esclarecedoras, na medida em que a autora ressalta que as representações sociais podem ser definidas como elaborações mentais formuladas com base na experiência social dos indivíduos em contato com o objeto de conhecimento. Assim, as representações possuem uma dimensão histórica, refletindo as práticas sociais que variam conforme não só padrões socioeconômicos e culturais, mas tendo em vista o contexto familiar “com expectativas diferenciadas, dificuldades vivenciadas e diferentes níveis de apreensão crítica da realidade”. Metodologicamente, portanto, para acessar o conteúdo das representações sociais e das estruturas que lhe dão sustentação, procedeu-se à realização de 10 entrevistas em profundidade com 05 policiais masculinos e 05 femininos da PMSE, a partir de roteiro semiestruturado com perguntas abertas (Apêndice A) e à aplicação de questionário fechado com 23 perguntas (Apêndice B), junto a 325 policiais. O propósito foi alcançar uma compreensão 18 ampla sobre o discurso social em relação à presença feminina na PMSE, de modo que revelasse os aspectos simbólicos presentes na cultura policial vivenciada por esse grupo. Em virtude da opção pelo estudo das representações sociais, definiu-se a Análise de Conteúdo de Bardin (1977), como ferramenta mais adaptada para chegar aos sentidos presentes nas falas dos policiais, bem como para a compreensão dos documentos relativos à presença feminina nesse grupamento, como os boletins internos da PM e as referências da imprensa escrita sergipana sobre o ingresso das primeiras mulheres na instituição. Desse modo, a utilização dessa técnica seguiu os três momentos da Análise de Conteúdo, ou seja, a pré-análise, a exploração do material e tratamento dos resultados e a inferência, com a interpretação das mensagens. Segundo Bardin (1977, p. 105), fazer análise temática “consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido”. O tema costuma ser utilizado como elemento importante de registro. Sua função é estudar as motivações, opiniões, atitudes, valores, crenças e tendências subjacentes nos discursos. Para o trabalho de análise documental, utilizou-se a análise categorial do tipo temática, a fim de compreender os sentidos presentes nas relações profissionais entre homens e mulheres na PMSE e demais documentos orientadores de suas ações, entendendo que com esse método é possível, através da classificação e recenseamento, identificar a presença de itens de sentido que comporiam as categorias expressas no “texto”. A intenção esteve centrada em classificar os diferentes elementos presentes na mensagem, inferindo dados sobre a sua intenção e os sentidos que cada categoria carrega, tendo em vista que a categorização permite o agrupamento de elementos comuns e fornece um conjunto resumido dos dados reunidos. Para o tratamento dos dados obtidos a partir das respostas dos 325 questionários 6 aplicados , incluindo os cruzamentos com base em algumas variáveis tais como sexo dos policiais e posto ou graduação por eles ocupados, utilizou-se o Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). _________________ 6 Para definição desse número foi utilizada a fórmula de amostragem finita considerando nível de confiança padrão em torno de 95% para um universo de análise com menos de 10.000 indivíduos, como é o caso da Polícia Militar de Sergipe, que tem um efetivo estimado em 5.740 policiais, sendo 334 mulheres e 5.406 homens. A amostra da pesquisa, fundada no método hipotético-dedutivo, por sua vez, pode ser definida como não-probabilística e do tipo estratificada, tendo em vista se voltar para a análise de gênero. 19 Desse modo, o trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado “Gênero, Trabalho e Polícia: Mulheres Policiais e Desafios Contemporâneos”, no qual se procurou discutir a inserção das mulheres no mercado de trabalho e, de modo mais específico, nas instituições policiais. A partir de uma breve revisão bibliográfica sobre o conceito de gênero, o capítulo abordou o processo histórico que marca no ocidente o processo de ingresso das mulheres no mercado de trabalho, ressaltando os aspectos controversos desse ingresso atualmente, com a permanência de menores rendimentos e dificuldades de ascensão. O capítulo aborda, ainda, o caso específico das polícias militares no Brasil, onde a presença feminina é menor, em razão dos entraves legais que impedem a ampliação do percentual de mulheres, que a despeito da sua chegada aos maiores postos da instituição ocupam posições de pouco prestígio, encontrando-se em grande parte restritas aos setores burocráticos. No segundo capítulo, que recebeu o título “Mulheres na Polícia Militar: uma inserção recente e condicionada”, empreendeu-se discussão sobre o processo histórico de constituição das instituições policiais, associadas às transformações sociais e políticas que possibilitaram a emergência do Estado Moderno. O capítulo, amparado em documentos e matérias jornalísticas que registraram o ingresso das primeiras mulheres na PMSE, segue apresentando o contexto histórico que marcou esse ingresso como resultado do processo de retorno ao regime democrático, bem como das estratégias no campo da segurança pública no Estado para reformulação da imagem da Polícia Militar, com ênfase nos aspectos atuais dessa presença na instituição, onde o elemento feminino é percebido com resistências. No terceiro capítulo, o trabalho se debruçou precisamente sobre as representações sociais de policiais, homens e mulheres, sobre o papel feminino na corporação. Tendo como material as respostas colhidas através de 325 questionários com questões fechadas distribuídos em diferentes unidades da PMSE, o capítulo analisou a percepção que os policiais masculinos e femininos possuem sobre o exercício policial realizado por mulheres. Além dos questionários cujos dados foram recolhidos por meio das tabelas construídas pelo SPSS, o trabalho, para ser respaldado com elementos qualitativos, fez uso de entrevistas realizadas com 10 policiais militares, sendo 05 homens e 05 mulheres, de diferentes postos e graduações e que atuam seja no setor administrativo ou operacional da PMSE. Por fim, o trabalho apresenta nas considerações finais uma síntese da discussão empreendida, destacando os principais aspectos presentes nas representações sociais dos policiais militares de Sergipe sobre as relações de gênero internamente. Além disso, apresenta algumas sugestões, também presentes em outros estudos semelhantes, que possam vir a 20 subsidiar a construção de políticas públicas na área, configurando um cenário mais promissor para uma assimilação plena das mulheres nos destinos da segurança pública em Sergipe. Dessa forma, o estudo enfatiza, portanto, a necessidade de refletir sobre as formas simbólicas que caracterizam a inserção feminina nas instituições policiais, assim como a influência que as diferentes orientações e práticas no campo da Segurança Pública no Estado exercem sobre a identidade profissional de mulheres policiais diante de uma cultura policial militar que historicamente tem reservado um lugar subalterno ao público feminino. 21 CAPÍTULO I São muitas as dificuldades que se apresentam para as que ousam se enveredar pelos estudos das mulheres em sociedade, pois trata-se de um terreno minado de incertezas, saturado de controvérsias movediças, pontuado de ambigüidades sutis que é preciso discernir, iluminar, documentar, mas que resistem a definições. Maria Odila Dias (1992, p. 39). 1 GÊNERO, TRABALHO E POLÍCIA: Mulheres policiais e desafios contemporâneos A partir deste capítulo, busco apresentar uma breve discussão sobre os estudos que envolvem gênero, trabalho e instituições policiais. O propósito é discutir o conceito de gênero, suas especificidades, de modo a relacionar essa categoria à dinâmica histórica que possibilitou às mulheres um crescente e difícil ingresso no mercado do trabalho, com ênfase na experiência brasileira do último século. Pretendo também, neste espaço, localizar os principais estudos que no Brasil analisaram a inserção feminina nas polícias militares, identificando as características dessa inserção, considerada tardia no país, e o panorama atual que ainda confere à presença feminina um lugar tímido nessas instituições. 1.1 Os estudos de gênero e a mulher no mercado de trabalho Ao discutir inicialmente a concepção de gênero, é importante afirmar que essa categoria teve sua origem nos estudos feministas que procuravam destacar as diferentes formas de dominação e opressão a que as mulheres eram submetidas em contextos históricosociais diversos (SCOTT, 1993). Atualmente, gênero consiste numa categoria largamente utilizada no campo das Ciências Humanas e Sociais para pensar as representações elaboradas a partir das relações entre o masculino e o feminino. Sustentado nas diferenças percebidas entre os sexos, o conceito de gênero converge seu foco de atenção para a análise em torno da relação por vezes conflituosa entre homens e mulheres e que expressam a conexão com temas amplos como natureza-cultura, diferença-identidade, igualdade-desigualdade, dominação-submissão. Como oportunamente destacou Bila Sorj (1992, p. 15-6): 22 [...] diferentemente do sexo, o gênero é um produto social, aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações. [...] envolve a noção de que o poder é distribuído de maneira desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma posição subalterna na organização social. Cristina Bruschini (1992) afirma que gênero, na condição de categoria analítica, pode ser compreendido como uma maneira de fazer referência às relações estabelecidas entre os sexos em sociedade, negando veementemente o determinismo biológico que atribui certas características como a procriação e a força como atributos essencialmente femininos e masculinos, respectivamente. Enquanto categoria relacional, gênero estabelece as diferenças entre homens e mulheres através da noção de alteridade, rejeitando, portanto, a possibilidade de pensá-los separadamente. Scott (1993, p. 85) define ainda gênero como um elemento dual marcado pela existência de diversas subdivisões que se relacionam entre si, mas que exigem uma análise específica. Ele é, desse modo, “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e [...] uma forma primária de dar significados às relações de poder”. Assim, a categoria se refere, sobretudo, às formas de construção social, cultural e modos de subjetivação mais amplos, portanto, que a simples discussão de papéis e funções comumente atribuídos a homens e mulheres (AMARAL, 2005). A respeito do termo, Maria Luíza Heilborn (1992) observou a necessidade de escapar dos erros comuns em algumas produções que, ao convergirem para valorização da mulher e a denúncia das estruturas patriarcais, não conseguiram desenvolver uma reflexão profunda sobre o tema, confundindo-se em alguns momentos com o discurso do movimento feminista e afastando-se do processo que marca exatamente a emergência do conceito de gênero, ou seja, a passagem do estudo da condição feminina para o estudo das relações entre homens e mulheres7. No caso do Brasil, essa passagem aconteceu, segundo Lia Zanotta Machado (1992), nos anos finais da década de 1980, quando os estudos de gênero no campo das Ciências Sociais, Literatura e crítica literária assumiram maior projeção que os estudos de mulher e sobre os “papéis sexuais”. Contudo, a passagem da categoria sexo para a categoria gênero não implicou diretamente na mudança de olhar sobre a amplitude dessa última 7 De acordo com Alejandro C. Carson (1995, p. 197): “...gênero só alcança uma forma melhor acabada quando se constitui em uma perspectiva analítica, um modelo de interpretação ou uma forma de pensamento que reconhece o componente sexual como um sistema de diferenciação social, um sistema de distinção ou uma estrutura de privilégio que coexiste e se articula com outras estruturas de organização diferencial dos sujeitos sociais”. 23 categoria, que está fundamentada num sistema relacional e na possibilidade de destacar e explorar a dimensão social associada à diferença entre os sexos e que se relaciona às relações familiares, religiosas, econômicas, entre outras. Pois, como observou essa autora, a percepção das relações de gênero como relações do patriarcado, é responsável por reforçar a dominação masculina e impedir, por sua vez, a identificação de outras formações simbólicas, dentre eles as múltiplas formas de poder localizadas unicamente no feminino (MACHADO, 1992). Uma perspectiva que encontra fundamento na crítica genealógica apresentada por Michel Foucault e segundo a qual, de acordo com Judith Butler (2003, p. 09) tem como premissa a recusa da busca das origens do gênero, a verdade íntima do desejo feminino, uma identidade sexual genuína ou autêntica que a repressão impede de ver; em vez disso, ela investiga as apostas políticas, designando como origem e causa categorias de identidade que, na verdade, são efeitos de instituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos. A tarefa dessa investigação é centrar-se – e descentrar-se – nessas instituições definidoras: o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória. Célia Chaves do Amaral (2005), discutindo a relação entre gênero e profissão, afirma que a predominância de mulheres ou homens em algumas profissões torna-as espaços reconhecidos como naturalmente masculinos ou femininos, em razão da sua maior vinculação a elementos simbólicos considerados próprios ao mundo da casa ou da rua ou a saberes científicos das ciências exatas ou humanas. Aspecto que torna importante a análise das representações de gênero, visto que elas se apresentaram: [...] tanto na perspectiva da dualidade do ser masculino e do ser feminina como nas relações de diferenças e igualdades entre homem-mulher nos seus universos de convivência, seja nas relações de trabalho, de poder no cotidiano familiar, de referenciais nos grupos de amizade, seja na projeção de atitudes (AMARAL, 2005, p. 59). Segundo a autora, embora tenham sido expressivos os avanços no mundo do trabalho através da maior inserção de mulheres em várias profissões, até então exclusivas aos homens e consequentes mudanças nas relações sociais e na estrutura familiar, ainda persistem processos sociais que atuam hierarquizando os sexos a partir do reforço das desigualdades e na oposição entre o feminino e o masculino, restringindo-os aos respectivos sexos biológicos (AMARAL, 2005). Elizabeth Lobo (1992) ressalta, neste sentido, que as relações de trabalho trazem em si uma relação de poder que demarca as diferenças percebidas entre os sexos, sendo elemento que explica a existência de critérios diferenciados, reconhecidos ou não, utilizados 24 para a definição de qualificações, carreiras e promoções para homens e mulheres. Essas diferenças e os processos que daí se originam, manifestam as relações de força entre ambos, que encontram amplo espectro histórico como destacou Michelle Perrot (2005, 2007) em alguns dos seus trabalhos. Segundo bem ressaltou a citada historiadora, as mulheres sempre desempenharam atividades e, desse modo, sempre trabalharam, ainda que nem sempre tivessem exercido “profissões”. A diferença mais acentuada nessa questão, é que o trabalho feminino esteve centrado na esfera doméstica, voltado à reprodução e por isso não valorizado socialmente através de remuneração e prestígio (PERROT, 2007). É a partir dos efeitos da Revolução Industrial, com o regime assalariado em expansão a partir dos séculos XVIII-XIX no mundo ocidental que o trabalho das mulheres vai ser discutido como uma possibilidade frente às implicações desse processo para os destinos da família e para o seu lugar na ordem doméstica. Foi nessa fase de emergência de uma nova organização da economia que o trabalho feminino passou a ser integrado às “novas profissões”, ainda que às esferas mais baixas (GONÇALVES, 2006). Segundo Michelle Perrot (2007), a noção de “profissão feminina” definiu seus contornos no século XIX em meio a um contexto geral de profissionalização que na França, em função do equilíbrio demográfico, possibilitou o ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Nesse período, a condição das famílias, resultado de mudanças expressivas no campo sócio-econômico, possibilitou o trabalho feminino fora do lar como forma de complementar a renda doméstica, engrossando a legião de operários nas fábricas, onde seus corpos e suas condutas tornaram-se objetos privilegiados de controle através de um rigor moral que fez cair sobre elas um tipo de suspeita constante. Assim, preservava-se o trabalho feminino como atividade de menor valor, estratégico aos interesses do mercado, seja para mobilizar mão-de-obra de baixo custo por tempo determinado, seja para promover o trabalho masculino, corrigindo problemas de ascensão em suas carreiras, na medida em que a ocupação dos cargos subalternos pelas mulheres trouxe consigo a possibilidade de acesso a funções mais vantajosas. Comentando a vida das camponesas, das domésticas, donas-de-casa, sejam operárias ou burguesas, a autora destaca algumas mudanças operadas nas cidades com a ampliação das condições de vida da população em geral. Tais mudanças trouxeram transformações que atuaram no alargamento das possibilidades de trabalho para as mulheres, até então restritas ao ambiente doméstico e das fábricas, sobretudo do setor têxtil. Nos “novos” ofícios, ligados ao setor terciário (vendedoras, secretárias, enfermeiras, professoras e 25 atrizes), persiste o caráter doméstico e feminino, isto é, a valorização do corpo e da aparência “delicada”, dos gestos “atenciosos” e “gentis”, considerados qualidades femininas. Como consequência, embora em muitas delas os homens tenham lhes dificultado o acesso, principalmente questionando a reputação daquelas que ousavam frequentar espaços públicos como lojas e palcos, essas profissões se feminizaram. Em outro trabalho relevante, Michelle Perrot (2005), ao questionar o que constituía efetivamente um trabalho “de mulher”, afirma que as profissões direcionadas às mulheres partem da idéia de que essas atividades melhor se ajustam às qualidades essenciais, “inatas”, tanto físicas e morais, próprias ao universo feminino. Assim, as atividades exigem corpos flexíveis, dedos ágeis nas tarefas de costura e tocar piano, escrever à maquina de datilografia, na montagem eletrônica que pressupõe grande precisão, ajustando-se a uma “natural” postura passiva que favorece a execução, a doçura e a submissão. Uma expectativa que coloca as mulheres frente ao desejo masculino de que elas sejam discretas, flexíveis, obedientes, saibam se vestir e comportar em diferentes ocasiões, evitando os excessos de gestos e vestimentas. No Brasil, o trabalho feminino durante as primeiras décadas do século XX esteve centrado, além do espaço doméstico, nas fábricas junto a crianças, formando grande parte do proletariado da época. Do trabalho nas unidades fabris, na ação política nas ruas, as principais imagens evocadas pelas fontes históricas remetem tanto à compreensão das mulheres como seres “frágeis” e “infelizes”, nas lentes dos jornalistas; “perigosas” e “indesejáveis”, na opinião dos industriais; “passivas” e “inconscientes”, segundo os militantes políticos; “perdidas” e “degeneradas”, na compreensão de médicos e juristas (RAGO, 2008). Nesses espaços, as mulheres trabalhadoras, em sua maioria de origem estrangeira, vindas principalmente de países europeus em busca de melhores condições de vida, viveram experiências dolorosas de exploração e violência. Margareth Rago (2008) afirma que desde a primeira metade do século XIX o governo brasileiro incentivou a vinda de imigrantes europeus para trabalhar na agricultura e nas fábricas construídas nas principais cidades do país. O objetivo era substituir a mão-de-obra escrava e promover o embranquecimento da população, possibilitando a formação do “novo trabalhador brasileiro”, com base nas teorias eugenistas formuladas na Europa e nos Estados Unidos. Atuando como costureiras, operárias nas indústrias de fiação e tecelagem, que dispunham pouca mecanização, as mulheres estavam distantes de indústrias de calçado, metalurgia e mobiliário, espaços dominados pelos homens. Apesar de importantes e maioria em algumas áreas, com o avanço da industrialização as mulheres foram aos poucos sendo 26 substituídas pelos homens, que passaram a ter maior presença no setor industrial, sobretudo depois da guerra. Além disso, percebido como elemento incompatível com a moral feminina, o trabalho fora do lar era desaconselhado ou mesmo proibido no interior das famílias, onde a responsabilidade pelo sustento era uma tarefa “exclusivamente” masculina. Trabalhar fora também poderia consistir um sério empecilho aos pais que desejavam ver suas filhas “bem casadas”, pois, de modo geral, o trabalho era visto como ameaça à honra feminina; um espaço de “perdição” que poderia comprometer seriamente a conduta das mulheres, concebidas como passivas e indefesas diante da “devassidão” que imperava nesses lugares. Entretanto, se por um lado o mundo do trabalho era concebido como a representação da perdição, o lar era visto como espaço sagrado, lugar de “proteção” para a mulher, principalmente em tempos onde as consequências da urbanização faziam das ruas espaços representados pela violência, por roubos, agitações políticas, pela porbreza e pela loucura, enfim, espaços inseguros. Conforme apontou Gilles Lipovetsky (2000, p. 205): “o trabalho das mulheres na fábrica é associado à licença sexual e à degenerescência da família, é considerado degradante, contrário à vocação natural da mulher. Na burguesia, o assalariamento feminino causa horror como sinal de pobreza”. Seguindo essa argumentação, médicos e higienistas viam no trabalho feminino fora do espaço doméstico um ingrediente decisivo para destruição das famílias na medida em que as mulheres eram vistas como ignorantes e menos racionais que os homens, podendo facilmente ser ludibriadas por chefes e patrões. Um argumento amparado nas considerações da ciência, que reforçava a idéia de que a constituição biológica das mulheres as tornava seres inadequados à vida pública. Segundo Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998, p. 386), que analisaram as mudanças no comportamento feminino durante as primeiras décadas do século XX e a discussão sobre as diferenças que marcavam o papel de homens e mulheres, intelectuais da época se voltaram para a definição das diferenças entre os dois sexos, concluindo que: Diferentes biologicamente, diversas psicologicamente, desiguais socialmente, as psiques do homem e da mulher eram vistas como ‘meros reflexos de suas posições físicas no amor: uma procura, domina, penetra, possui; a outra atrai, abre-se, capitula, recebe. O trabalho, pura sublimação dos impulsos naturais, sempre será alocado pelo sexo, em harmonia com as disposições. Os mais variados discursos sobre a família e o casal – literários, religiosos, médicos e jurídicos – decretavam, a partir de meados do século passado [século XIX], que era no lar, no seio da família, que se estabeleciam as relações sexuais desejadas e legítimas, classificadas como decentes e higiênicas. 27 Desse modo, as mulheres deveriam ficar restritas ao lar, lócus apropriado à sua verdadeira e íntima “natureza”, dedicando-se aos afazeres domésticos, à criação correta dos filhos e os cuidados com o esposo, a fim de evitar, sobretudo, a estigmatização das profissões associadas com frequência à perdição, à decadência e não raro à prostituição. O espaço público era considerado “eminentemente” masculino e impróprio às mulheres. A década de 1950 marca a cena brasileira com a ascensão da classe média, resultante do otimismo que se espalhou pelo mundo com o fim da Segunda Guerra. O intenso crescimento industrial e urbano favoreceu o desenvolvimento das oportunidades de estudo e lazer para homens e mulheres, de modo que a melhoria das condições de vida estimulou mudanças importantes, fazendo diminuir as distâncias que outrora os separavam (BASSANEZI, 2008). Embora continuassem fortes, essas diferenças, que diziam respeito, sobretudo à moral sexual e ao trabalho da mulher, visto com grande preconceito e apenas “complemento” do trabalho do homem, considerado o “chefe da casa”, vão paulatinamente cedendo, seguindo a tendência observada a nível internacional com o processo de modernização e emancipação feminina. É o caso, por exemplo, do ingresso de mulheres em instituições até então exclusivamente masculinas, como a Polícia Militar de São Paulo, que recebe as primeiras mulheres na década de 1950. Nas décadas seguintes, as transformações sociais e econômicas impulsionaram a ampliação da participação feminina no mundo do trabalho. Contudo, essa maior participação foi seguida de perto pela permanência de velhos entraves à absorção plena e equânime das mulheres, conforme observou Cristina Bruschini (2000). No referido trabalho, a autora analisa a participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro entre anos de 1985 e 1995. o trabalho evidencia as especificidades dessa mão-de-obra no contexto de expressivas mudanças demográficas, sociais, culturais e políticas que correspondem no país à transição da ditadura para o regime democrático, assim como a um quadro dominado por crises econômicas e investimentos em planos de reestruturação da economia (BRUSCHINI, 2000). De acordo com a autora, os dados mais reveladores dessas transformações podem ser identificados nos índices que apontam para a queda das taxas de fecundidade, o envelhecimento da população, a ampliação do número de mulheres que se tornaram chefes de famílias, assim como o aumento da escolaridade e os novos valores relacionados ao papel feminino na sociedade brasileira. Fenômenos relacionados ao retorno do país à realidade democrática, registrado nesse período (BRUSCHINI, 2000). 28 A socióloga afirma ainda que o período analisado registrou taxas elevadas de crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, sendo um fenômeno que seguia uma tendência observada desde os anos 1970, quando as transformações na composição demográfica da população, com intenso crescimento urbano e industrial fomentavam alterações significativas nos padrões de sociabilidade, no aparecimento mais incisivo das demandas femininas e o surgimento de alterações na configuração das famílias no Brasil. Pode-se citar nesse processo a queda na taxa de fecundidade que apresentou famílias com menos filhos por mulher, fator que veio a possibilitar uma maior participação feminina nos trabalhos fora do lar (BRUSCHINI, 2000). Do mesmo modo, o maior acesso a bens e serviços, sobretudo nos centros mais desenvolvidos, juntamente com o aumento da escolaridade, ampliaram as possibilidades de inserção das mulheres. A população, frente a um contexto que possibilitava mais informações, vindas em grande parte da programação das redes de rádio e televisão, dos jornais e do cinema - principais formas de entretenimento e informação, principalmente para os setores médios e baixos urbanos –, deparou-se com novos arranjos familiares e os dramas de personagens que sinalizavam para alterações expressivas nas representações sobre o que era ser “mulher”. Como assinalou Esther Hamburger sobre o papel das novelas nas mudanças culturais no país, as produções da década de 1970 ressaltavam parte dessas transformações na maneira como as mulheres eram retratadas: Nos anos 70, mesmo que em geral acabassem por afirmar a superioridade de um padrão de mulher dependente, fiel, obediente e restrita ao universo doméstico, as novelas opunham esse padrão a um modelo de mulher profissional, liberada e independente, captando e expressando uma discussão cujo resultado mudou com o tempo, ao menos parte, de sinal. As mudanças sociais e culturais na sociedade brasileira nesse período impulsionaram a mulher a ocupar uma posição mais ativa nos espaços públicos, incorporando elementos importantes à identidade feminina que se tornou aos poucos um elemento menos estranho em diversas profissões. A partir dos anos 1970, verifica-se que coincidem no Brasil os processos de valorização da identidade feminina, de denúncia da estrutura patriarcal e autoritária dos valores e instituições e o movimento sócio-político em torno do fim da ditadura e retorno à democracia (NEVES, 2000). Contudo, como observou Bruschini (2000), a identidade das mulheres permaneceu associada ao espaço do lar, moldando juntamente com outros fatores a sua participação no mercado de trabalho, a despeito de sua maior qualificação, escolaridade e oferta de emprego, 29 que orientam a contratação e promoção na carreira dos homens. Um aspecto também destacado por outros autores, a exemplo de Anita Brumer (1988), que em fins da década de 1980, com base no Censo de 1980, revelou que do total de mulheres que desempenham funções consideradas não-agrícolas, grande parte delas, 73%, atuavam como empregadas domésticas (23,9%), funções burocráticas em escritório (14,4%), professoras primárias e secundárias (7,7%), costureiras e bordadeiras (7,1%), serventes (4,9%), balconistas (4,6%), entre outras, indicando que as ocupações estavam relacionadas a características identificadas como essencialmente “femininas” como servir, alimentar, limpar, cuidar e educar. É possível assim afirmar que contam enquanto fatores para admissão de mulheres não apenas as necessidades do mercado e o cumprimento dos requisitos formais para atender essas demandas como experiência e qualificação, mas a combinação de outros vários fatores como a presença de filhos pequenos e idade da candidata, impedindo uma inserção plena do público feminino. Uma das razões para isso está no fato de as mulheres continuarem responsáveis potenciais dos afazeres domésticos, pela criação dos filhos e cuidados reservados a outros familiares como pais enfermos ou idosos. A responsabilidade dos cuidados com os filhos pequenos, no Brasil, é um dos aspectos que dificultam de forma expressiva a maior inserção das mulheres no trabalho para além do mundo doméstico. No caso específico brasileiro, um dos motivos que tornam a maternidade um maior obstáculo às mulheres na busca por trabalho está na ausência de um suporte social mais amplo que possa, por exemplo, através de creches, atender um número maior de mães com filhos pequenos e assim liberá-las para a participação numa jornada de trabalho. No que se refere à distribuição da mão-de-obra segundo gênero no país, as mulheres alcançaram nos anos 1990 um relativo aumento de sua participação nos setores industrial e comercial. Contudo, o setor de serviços continua sendo o espaço majoritariamente ocupado pelas mulheres, embora tenha sofrido algumas variações com o ingresso de um maior número de homens entre os anos 1985 e 1995, com a ascensão feminina em cargos de maior prestígio social, como o das profissões liberais, que tiveram um aumento acima de 100% nos casos de medicina, jornalismo, odontologia, arquitetura e até mesmo engenharia, área predominantemente masculina onde o percentual de mulheres nesse período, segundo Cristina Bruschini (2000), estava abaixo de 7%. Sobressaem-se, paralelamente às mudanças, a concentração das mulheres em conhecidas áreas como enfermagem, magistério primário, assistência social, entre outras, acompanhada de um aumento nos níveis superiores de ensino e em atividades financeiras, 30 aspectos que representam alterações significativas, embora não seguida por uma distribuição mais igualitária dos salários, pois as mulheres continuam desempenhando com maior frequência atividades caracterizadas pela informalidade e pelos baixos rendimentos, de modo que, segundo Paula Montagner (2000, p. 165): No âmbito regional, fica explícito que quanto mais afastados dos centros produtivos, mais frágeis são as condições de inserção das mulheres, evidenciando que a utilização dessa força de trabalho em substituição à do homem é uma forma de rebaixamento dos salários e de descumprimento de regulações que tendem a ser consideradas básicas em outras economias, tais como a prevenção de acidentes e a preservação de condições de salubridade mais elementares. Em relatório do IBGE, sob o título: “Tempo, trabalho e afazeres domésticos: um estudo com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 e 2005”8, fica claro que o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não esteve associado à diminuição do tempo despendido para o cumprimento das atividades domésticas. Segundo a pesquisa, entre as mulheres com maior inserção no mercado de trabalho, aquelas situadas na faixa etária de 25 a 49 anos, o trabalho doméstico é um elemento presente na vida de 94% delas. A pequena colaboração dos homens, seguida da presença comum de filhos pequenos nesse segmento de mulheres, torna a rotina feminina extremamente desgastante, caracterizando-se pela dupla jornada de trabalho, onde o fato de ser casada, assim como a cor, são fatores que interferem no tempo dispensado às atividades domésticas. Em geral, mulheres casadas, com filhos menores de 14 anos e de cor preta são as que apresentam a maior média de tempo gasto com os afazeres domésticos. Apesar da diminuição da distância clássica entre os salários, os homens continuam obtendo os maiores rendimentos mesmo desempenhando funções idênticas às das mulheres. De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo IBGE em janeiro de 2008 nas principais capitais do país (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) havia nesse período 9,4 milhões de mulheres trabalhando nessas seis regiões metropolitanas, constituindo 43,1% – maior, portanto, que o percentual registrado em 2003, quando eram 40,1% as mulheres com 10 ou mais anos de idade. _________________ 8 Para maiores detalhes sobre a pesquisa, consultar material disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=954>. Acesso em: 06 jul. 2009. 31 O relatório apresenta outros dados interessantes como o fato de embora constituírem a maioria da população total as mulheres são minoria no mercado de trabalho, liderando o ranking de desocupação e de indivíduos com menor percentual de carteiras assinadas (menos de 40%) e média salarial bem abaixo daquela dos homens. Para 40 horas semanais de trabalho, as mulheres recebiam em média R$ 956,80 mensais, o que correspondia a 71,3% dos rendimentos recebidos pelos homens, sendo essa diferença mais expressiva entre os indivíduos escolarizados, onde as mulheres com nível superior recebiam em média 40% menos que os homens. Ou seja, elemento que aponta para pouca relação entre escolaridade e rendimentos percebidos pelas mulheres, conforme consta na tabela 01 a seguir: Tabela 01 - Rendimento médio habitual de homens e mulheres Capitais Pesquisadas Recife Salvador Belo Horizonte Rio de Janeiro São Paulo Porto Alegre Total Rendimento Médio Habitual dos Homens jan/03 jan/08 834,91 926,20 1.199,24 1.070,40 1.102,67 1.250,80 1.088,78 1.260,90 1.529,24 1.528,80 1.100,94 1.295,10 1.302,30 1.342,70 Rendimento Médio Habitual das Mulheres jan/03 jan/08 647,88 703,00 793,54 793,90 705,09 816,10 817,82 952,90 1.100,86 1.076,40 782,73 897,20 933,53 956,80 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego, (Janeiro de 2008). Um dado que expressa um tímido aumento dos rendimentos das mulheres, pois a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, relativa ao ano de 2004, registrou que nesse ano a remuneração média das mulheres ocupadas representava 69,3% dos rendimentos percebidos pelos homens. Praticamente não houve mudança de patamar em relação a 1999, quando a percentagem era de 69,1%, constatando-se algumas oscilações expressivas quando relacionadas à posição da ocupação, desde os empregados, com os maiores rendimentos, passando pelos empregadores, trabalhadores domésticos, até os trabalhadores autônomos, com os menores rendimentos9. _________________ 9 Ver outros dados em: Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD 2004. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=487>. Acesso em: 06 jul. 2009. 32 Os baixos rendimentos recebidos por elas expressam a permanência da desigualdade sexual e de processos abertos de hierarquização e inferiorização reproduzidos socialmente no mundo do trabalho, onde as funções geralmente realizadas pelos homens são vistas de maneiras distintas, recebendo maior reconhecimento social. O trabalho feminino continua sendo marcado pela precariedade das condições, pelo caráter temporário, pela existência de dupla jornada e baixos salários. As atividades reservadas às mulheres não raramente são monótonas e repetitivas, assim como distantes do emprego das novas tecnologias (NEVES, 2000). Sobre as relações de hierarquização e inferiorização, Marco Aurélio Prado e Frederico Machado (2008) afirmam que, embora se desenvolvam de formas distintas, a hierarquização e a inferiorização são fenômenos que se complementam na permanência das desigualdades e na intensificação dos processos de exclusão social, que podem se manifestar seja através de forma violenta ou escamoteada como a inclusão subalternizada. Ao diferenciar essas duas categorias, os autores afirmam que a hierarquização está amparada nos mecanismos de subordinação, que visa conferir funcionalidade entre os atores sociais em tipos específicos de organização que se fundamentam em diversos momentos em discriminações históricas, sendo uma de suas características a ausência de antagonismos reconhecidos entre os seus membros, visto que as diferentes posições hierárquicas se complementam. O reconhecimento dos processos de hierarquização pelos membros de uma organização, como sinônimo de violência, é a condição para defini-lo como uma relação de opressão. Neste sentido, o preconceito pode ser visto como um tipo de regulador social das relações entre os indivíduos e grupos sociais que possui como uma de suas finalidades principais assegurar a permanência das relações subordinadas, não permitindo que se transformem em política. Uma das formas mais comuns utilizadas pelo preconceito é se amparar em atribuições negativas de origem moral, religiosa ou mesmo vinda das ciências, a fim de definir um tipo de hierarquia sexual onde a heteronormatividade surge como referência e passa a regular as relações humanas, aspecto que possui força nos discursos sobre a sexualidade no mundo ocidental e que caracterizam as relações interpessoais, relações de afeto entre os indivíduos, passando também a orientar a ação das instituições públicas e a formulação de leis e as ações dos governos. Os autores chamam a atenção para o fato de que os processos de inferiorização terem um reflexo amplo, pois eles não apenas retirariam direitos, mas promoveriam a segregação ao atribuir a membros de determinados grupos características naturais e, portanto, 33 que impediriam o reconhecimento de uma relação de opressão como etapa importante para o debate público. Elemento que caracteriza a hierarquização como uma operação dialética que aposta na inferiorização como forma de reforçar a pretensa superioridade de um grupo sobre o outro e que estabelece forte vínculo com o conceito de estigma10 formulado por Goffman (1988) e que se relaciona com a história das relações de gênero e, de forma específica, para o processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho. 1.2 Gênero e Instituições Policiais: aspectos da inserção feminina e panorama atual No campo dos estudos gênero, que reúne produção extensa e variada, é possível afirmar, entretanto, que são poucos os trabalhos que tenham se voltado para a análise da presença feminina em instituições policiais. Dentre as pesquisas que se debruçaram sobre a análise da presença feminina nas instituições policiais militares é importante destacar o livro de autoria de Barbara Soares e Leonarda Musumeci (2005). Na obra, as autoras analisam as relações entre a Polícia Militar e a atuação de mulheres policiais a fim de pensar sobre os principais temas relacionados ao trabalho policial a partir da ótica feminina e das estruturas organizacionais da PM, onde o investimento em inteligência é restrito em detrimento da valorização do viés bélico na corporação. No referido trabalho, Soares e Musumeci (2005) empreendem discussão sobre as funções geralmente delegadas às mulheres na PM e os objetivos que norteiam essas escolhas, apresentando não só as resistências do público feminino diante da cultura militarista mas a assimilação de valores dominantes. A inserção das mulheres pode ser vista como um processo aberto, onde se atendeu supostamente não só o interesse em disponibilizar um efetivo maior de homens para as tarefas mais “pesadas” e “perigosas”, retirando-os dos serviços “leves”, mas significou um elemento do marketing dessas instituições, uma “reforma cosmética” que visou humanizar a imagem da polícia, bastante debilitada socialmente. Outra referência importante é o artigo de Camila Sousa e Carla Santiago (2007), que, a partir de perspectiva histórica, analisaram a inserção feminina na Polícia Militar de 10 Segundo Goffman (1988), o estigma pode ser definido como aspecto que impossibilita o indivíduo de ser aceito de forma plena em sociedade, sendo um conjunto de relações que fazem referência a determinados atributos considerados socialmente negativos. 34 Minas Gerais na década de 1980, a fim de compreender o reflexo e as resistências operadas na cultura institucional da polícia militar mineira. Andréa Mazurok Schactae (2004) procedeu em percurso similar, ao empreender análise sobre as representações produzidas, tanto institucionalmente como nas crônicas publicadas na imprensa escrita paranaense, a respeito da inserção e trabalho de mulheres policiais na Polícia Militar do Estado do Paraná entre anos de 1979 e 1984. Segundo esse estudo, a presença feminina na instituição ocorreu em plena luta das mulheres por maior participação na vida pública do país, sendo as atividades pensadas como mais adequadas para as mulheres àquelas relacionadas às representações presentes na sociedade sobre o mundo feminino. Em levantamento bibliográfico realizado por Márcia Calazans (2004), a autora destacou o caráter limitado da produção sobre o tema em termos numéricos. Das referências citadas por ela estão as dissertações de mestrado de Maia (1993), intitulada: “Polícia feminina – perfil e ambigüidade da mulher militar na organização: assistência ou repressão?” e de Meneli (1991): “A construção do gênero feminino e a alteração de seu papel social”, defendidas na PUC de São Paulo e na PUC do Rio Grande do Sul, respectivamente. A própria Márcia Calazans também tem produzido trabalhos importantes nessa seara nos últimos anos como a sua dissertação de mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada: “A constituição de mulheres em policiais: um estudo sobre policiais femininas na Brigada Militar do Rio Grande do Sul” (2003), que investigou a forma pela qual a institucionalidade da PM, assentada em práticas violentas, torna possível às mulheres a constituição de uma identidade policial. Em artigo sobre gênero e polícia, Calazans (2005) investigou, por sua vez, as implicações das relações de gênero nas polícias militares brasileiras num contexto policial marcado pela necessidade e processos de reforma institucional, evidenciando as resistências à incorporação de mulheres nas atividades policiais de rua, reservando-lhes os espaços internos enquanto um reflexo da concepção ainda vigente que associa o feminino ao mundo doméstico. Embora percebidas como elemento “humanizador” na instituição, mais rigorosas no cumprimento dos deveres profissionais, a presença feminina continua restrita e pouco valorizada nos projetos que visam melhorar a ação policial. Nesse campo, pode-se citar artigo de Vera Lúcia Massoni Silva (2001), que analisa o discurso produzido por um grupo de mulheres policiais da cidade de São José do Rio Preto a respeito de sua presença em atividades assistenciais e burocráticas na instituição, que relacionaria as qualidades específicas próprias à “condição” feminina aos interesses dessas 35 mulheres em não se apresentarem preparadas a desempenhar as mesmas funções que os homens. Outro trabalho relevante é o livro “A face feminina da polícia civil: gênero, hierarquia e poder”, organizado por Glaucíria Mota Brasil e que versa sobre o ingresso de mulheres na Polícia Civil do Estado do Cear Compartilhada por homens e mulheres, as percepções sobre o feminino resultam numa imagem que destaca a mulher como mais ligada ao lar, à maternidade, aos cuidados com os filhos, à forma “terna” e “delicada” de se relacionar com o mundo. “Carentes” de “proteção” e “apoio”, as mulheres não, podem, portanto, conquistar uma posição plena e autônoma em profissões marcadas pela violência e pela exigência de uma força reconhecidamente masculina, como observou Maria Celina D’Araujo (2004, p. 444), que analisou a incorporação de mulheres às Forças Armadas no Brasil. Comparando com as discussões sobre a possível incorporação de homossexuais nas Forças Armadas, a autora observa que diferente dos argumentos utilizados contra a incorporação de homossexuais, que fazem referência a aspectos morais, religiosos e até sanitários, as restrições ao acesso mais amplo das mulheres a todas as etapas da carreira militar e em ações específicas para o público masculino, tem na suposta menor capacidade física das mulheres o argumento mais recorrente. Assim, “...as mulheres são consideradas, em geral, seres que precisam ser protegidos, dentro e fora dos quartéis, e isso pressupõe sua exclusão de certas atividades consideradas de risco e de rigor disciplinar e, portanto, masculinas”. No plano local, já pode ser considerado expressivo o número de trabalhos sobre as instituições policiais no Estado, com pesquisas que investigam o processo de formação, modalidades de policiamento, programas de segurança, resultantes de pesquisas vinculadas ao Grupo de Estudos em Exclusão e Cidadania (GEPEC) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e cursos de pós-graduação promovidos através de convênio entre o Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública e UFS. Das pesquisas oriundas de suas discussões, podem-se elencar os trabalhos de Nobre (2002), Costa (2005), Reginato (2004), Neves e Passos (2002), entre outros, que abordaram experiências de educação em direitos humanos para policiais e promoveram debates ricos quanto às mudanças operadas na formação policial e aos limites para reformulação das polícias e sua adequação à realidade democrática. A representação estadual da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP/SE) tem motivado, através do curso de pós-graduação lato sensu em “Violência, Criminalidade e Políticas Públicas”, ofertado a partir de parceria entre a 36 Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Universidade Federal de Sergipe, a ampliação expressiva do número de trabalhos sobre segurança pública no Estado. Os estudos construídos no âmbito da RENAESP/SE cobrem uma multiplicidade interessante de abordagens na área, concentrando análises, por exemplo, sobre gestão de recursos no âmbito da segurança pública, direitos humanos, práticas policiais e processos de criminalização da pobreza, operacionalização de tecnologias da informação pelos órgãos de segurança pública do Estado, representações sociais sobre a polícia, processos de capacitação profissional nas polícias, penas alternativas, redução da maioridade penal, ressocialização nos presídios, atuação das corregedorias de polícia, formas alternativas de solução de conflitos, técnicas de ação policial, uso de armas não-letais, violência nas escolas, entre outros. Contudo, é possível afirmar que não existem pesquisas que tenham se debruçado de forma sistemática sobre as relações de gênero na PMSE, aspecto que justifica a relevância científica desse trabalho11. A partir desta pesquisa, acredita-se na oportunidade de ampliar as discussões sobre as relações de gênero nas instituições policiais e os seus possíveis impactos nos serviços prestados à população, na medida em que, conforme David Bayley (2006, p. 17), “as atividades policiais também determinam os limites da liberdade numa sociedade organizada”. Assim, faz-se importante analisar as contradições que sobressaem nos discursos e práticas nas instituições policiais a respeito da presença feminina, pois, embora apostem na existência de uma tendência “natural” das mulheres para estimular internamente a formação com base em investimentos em inteligência, resolução de conflitos, trabalhos em equipe e demais atividades mais ajustadas à realidade contemporânea – e que demandam o menor uso da força física e maior interação com as comunidades para o tratamento dos fatores que interagem para o aumento da violência – essas instituições subutilizam tal presença. _________________ 11 No processo de levantamento bibliográfico, tive conhecimento de uma monografia de conclusão de curso em Serviço Social que teria analisado, do ponto de vista das relações de gênero, as transformações ocorridas na PM de Sergipe após o ingresso do público feminino. Embora eu tenha na oportunidade conseguido identificar a autora e solicitado pessoalmente a ela em algumas ocasiões uma cópia do trabalho, o acesso a ele não foi possível, apesar das recorrentes promessas da autora. Do mesmo modo não consegui localizar no acervo do curso de Serviço Social uma cópia para consulta. Além, portanto, da ausência de trabalhos locais sobre o tema, Bárbara Soares e Leonarda Musumeci (2005) haviam destacado que na pesquisa sobre a participação das mulheres no efetivo das Polícias Militares brasileiras, a Polícia Militar de Sergipe figurou entre as poucas instituições que não responderam o questionário encaminhado pelas pesquisadoras, fornecendo dados sobre o número de mulheres, tipo de atividade desenvolvida, entre outras informações, aspecto que reforça a necessidade deste estudo. 37 A produção internacional sobre as instituições policiais têm inclusive apresentado a ampliação da presença feminina como estratégia exitosa para diminuição dos índices de criminalidade, a partir do fortalecimento de práticas de policiamento que visam a maior aproximação com o público civil e melhoria na percepção da atividade policial. Além disso, a inserção de um maior número de mulheres nas polícias é destacada como uma oportunidade para apostar na construção de práticas mais cidadãs pelas polícias, assim como para o diálogo entre homens e mulheres na instituição. Inegavelmente, o ingresso das mulheres nas seções encarregadas das funções burocráticas implicou na saída progressiva de muitos homens, sobretudo para as tarefas de policiamento nas ruas, onde as companhias operacionais continuaram espaços predominantemente masculinos. Neles, a abertura às poucas mulheres costuma ser concedida sob avaliação rigorosa que pressupõe a introjeção por elas de atitudes “viris” e “guerreiras”, enquanto os serviços das seções são apresentados por esses policiais como “trabalhos de mulher”, funções que um “verdadeiro” policial não faz, dando sinais importantes da marginalização desse tipo de atividade na PM e ao processo simbólico que a partir da linguagem constrói e ampara a relação desigual entre os sexos. De uma forma geral, as considerações de Michelle Perrot (2005) são plenamente válidas quando aplicadas à inserção das mulheres na Polícia e ao processo de feminização de alguns espaços. É possível ressaltar que a “disposição” habitual comumente atribuída às mulheres para ofícios que requerem maior sensibilidade é vista ao mesmo tempo como entrave para a sua inserção nas atividades de rua, sendo o contato com o público externo feito em grande medida em solenidades, setores administrativos da instituição ou demais órgãos públicos e eventos assistenciais promovidos pela polícia. Um processo, portanto, que impossibilita, sobretudo, que o gênero seja no interior da Polícia Militar um aspecto relacional capaz de expressar as diferentes formas de ser e tornar-se homem e mulher e não elemento para justificar a permanência de um contexto fundamentado em relações contínuas de dominaçãoexclusão, como de forma pertinente observou Márcia Calazans (2004, p. 146): O regime disciplinar e as sanções impostas aos descumprimentos de comportamentos esperados mostram que, nesse espaço de trabalho, não há uma relação de criação e de processo de singularização, pois, no constituir-se mulheres policiais, elas se apropriam dos componentes de subjetivação da própria instituição, tais como os recebem. Nesse contexto, é muito ilustrativo o fato de que, na cisão da institucionalidade cultural dessa polícia, a violência coloca-se como um dispositivo estratégico, como um componente da subjetivação. 38 Desse modo, as polícias militares são caracterizadas pela permanência de uma estrutura de funcionamento e organização que historicamente tem apostado em padrões de atuação que priorizam o enfrentamento e o uso da violência, de modo que o ingresso de mulheres não representou mudanças expressivas na lógica de operação desses espaços. Como destacou a autora, ao ingressar na instituição, as mulheres passam a operar códigos que ao mesmo tempo em que apostam no uso estratégico da violência impedem pensar a diferença. 39 CAPÍTULO II 2. MULHERES NA POLÍCIA MILITAR: uma inserção recente e condicionada 2.1 A formação histórica das polícias no Brasil e o ingresso das mulheres na Polícia Militar O surgimento das instituições encarregadas do policiamento urbano no Brasil pode ser compreendido como um fenômeno associado às grandes transformações ocorridas no contexto de formação do Estado Moderno e de expansão internacional do capitalismo (BRETAS, 1997). Atreladas ao chamado processo de formação dos Estados modernos, as polícias passaram desde esse período a constituir o braço armado do monopólio estatal da violência, de modo que, segundo Anthony Giddens (1991, p. 63-4), “o monopólio bem-sucedido dos meios de violência dentro de fronteiras territoriais precisas é específico do estado moderno” 12 . Neste sentido, a Revolução Industrial e suas consequências mais diretas, dentre elas o acelerado crescimento das cidades e o aumento do crime e das tensões sociais nesses espaços, aliados à busca por mercados consumidores, trouxe implicações decisivas para os processos de derrocada do antigo sistema colonial e de emergência dos Estados Nacionais, exigindo posturas políticas mais claras das nações do Velho Mundo e daquelas que emergiram nas Américas. O ritmo de vida próprio das cidades, com uma dinâmica de intensa movimentação entre os espaços públicos e privados, exigiu a constituição de forças treinadas para garantir a segurança dos indivíduos e do patrimônio, o que implicou em mudanças constantes na doutrina e emprego da força, na natureza da missão, nos instrumentos de fiscalização, assim como nos métodos e recursos de atuação adotados através principalmente das demandas _________________ 12 Segundo Giddens, pode ser apontada como uma das conseqüências dessa fase a passagem de uma frágil noção de proteção negociada individualmente para o surgimento de organismos policiais como elementos treinados para garantir a existência do Estado centralizado, dissuadir os comportamentos criminosos e estimular a idéia de segurança enquanto bem público. Para Sérgio Adorno (2002), a emergência do Estado moderno na Europa ocidental, ocorrida com a passagem do feudalismo ao capitalismo entre os séculos XV e XVIII, significou a formação de um aparelho racional de gestão político-administrativa sujeito a um poder central. 40 sociais constantes. A criação, portanto, da polícia em sua face moderna está associada ao surgimento do espaço público e às transformações nele ocorridas. Segundo Thomas Holloway (1997), a transferência da Família Real para o Brasil no ano de 1808 foi fator decisivo para impulsionar a organização das tarefas de policiamento na cidade do Rio de Janeiro. Sede da Colônia, o Rio de Janeiro era um cenário até então desprovido de força policial organizada e profissional, sendo o policiamento realizado por diferentes grupamentos civis e paramilitares. No ano de 1808, a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, que seguia os parâmetros de organização do serviço de segurança na Metrópole Portuguesa, cumpriu o objetivo de assegurar a realização das tarefas de segurança que iam desde serviços de investigação, vigilância e repressão de práticas e costumes considerados ofensivos à ordem social, captura de criminosos até a fiscalização dos serviços de iluminação, transporte, fornecimento de água, entre outros, e autorização de obras públicas13. Acompanhando a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte, em 1809 foi instituída a Guarda Real de Polícia, que ficaria sob responsabilidade da primeira. De acordo com Marcos Luiz Bretas (1997), entre as atividades desenvolvidas pela Guarda Real estavam a perseguição e captura de escravos, destruição de quilombos e controle de conflitos nas cidades. A existência de um cenário intenso de rebeliões que se espalharam nas províncias durante o período regencial, exigiu das autoridades a complementação e reforma do efetivo repressor, que através de milícias semimilitares se mostravam pouco eficientes na manutenção da ordem. Em 1831, foi criada a Guarda Nacional, atendendo ao objetivo de aplacar o crescimento da popularidade dos militares do Exército e sua participação nas revoltas locais que se espalharam nas províncias após a proclamação da Independência (FAUSTO, 2000). Os membros dos grupos que faziam a segurança das províncias desempenhavam, segundo Sérgio Buarque de Holanda (1997), atividades de caráter policial. Desde as Milícias, Ordenanças de 1ª Linha, Guardas Municipais e, partir de 1831, a Guarda Nacional, esta com _________________ 13 Dentre as tarefas delegadas à Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, estava a de fiscalizar e autorizar obras públicas; assegurar o fornecimento de água para a cidade, por meio da vigilância dos chafarizes; atuar na manutenção da ordem pública, seja zelando pela segurança pessoal e coletiva, seja reprimindo práticas criminosas ou manifestações culturais e religiosas de alguns grupos. Cabia ainda a investigação de crimes e a prisão de criminosos, assim com o auxílio no combate a incêndios, serviço de iluminação pública e o trabalho de censura da imprensa. Aspectos que apontam para a amplitude do trabalho policial. 41 maiores exigências quanto ao ingresso, esses grupos e corporações encarregados de manter a ordem se destacaram em diversas ocasiões de modo negativo, sobretudo quando exibiam uma realidade de desordem interna com atrasos constantes no pagamento dos soldos, falta de armas e fardamento, além do grande número de deserções. Desde o seu processo de criação no Brasil, que incorporou os fundamentos de organização da polícia francesa, as polícias representam a estrutura das relações de poder presentes na sociedade brasileira. Sua origem está vinculada ao desejo comum das classes governantes desde o século XIX em represar as ameaças à ordem social e efetivar a manutenção de seus privilégios. Para isso, têm contado com a colaboração das não-elites em torno da constituição de uma expectativa comum aos diferentes atores sociais sobre os papéis da polícia (PINHEIRO, 1998, p. 182). A pesquisadora Jacqueline Muniz (2001), ao discutir o processo de formação desenvolvido nas polícias brasileiras, ressalta que diferentemente de outras instituições policiais modernas como a Polícia Metropolitana de Londres e o Departamento de Polícia de Nova York, criadas também na primeira metade do século XIX, as polícias militares no Brasil funcionaram durante grande parte de sua história mais como forças militares destinados à segurança interna e à defesa nacional do que como organizações policiais encarregadas de policiamento ostensivo nos centros urbanos. Segundo Muniz (2001), apenas a partir da década de 1970 é que as polícias militares, após quase duzentos anos de história, passaram a exercer novamente as tarefas de policiamento urbano com as mudanças no sistema policial brasileiro que culminaram com a separação das atribuições da Polícia Militar e da Polícia Civil. Embora organizadas com base em parâmetros militares, as PM’s, desde fins da década de 1970 têm desenvolvido a função de polícia ostensiva que “presta essencialmente serviços civis à população”. Tal fato foi ratificado pela Constituição Federal de 1988, que passou a tratar mais diretamente do tema da segurança pública, ainda que as polícias militares tenham permanecido como “forças auxiliares e reserva do Exército”. Uma das razões da chamada “crise de identidade” das polícias militares brasileiras, a organização militar e a influência do Exército nos rumos dessas instituições tem se configurando, nos últimos anos, como um dos aspectos que impedem processos mais amplos de reforma dessas instituições. Assim, é possível afirmar que um dos fatores destacados para a fragilidade das polícias está relacionado a um tipo de organização que se mantém praticamente intocável ao longo da sua história, dificultando a formação de 42 profissionais autônomos e capazes de “fazer uso legal e legítimo dos expedientes discricionários indispensáveis à atuação policial” (MUNIZ, 1999). Assim, a organização militar, com suas regras rígidas, encaminha os policiais para a reprodução de práticas dotadas de pouca reflexividade e para o reforço de uma realidade na qual ao mesmo tempo em que reconheçem a necessidade de promover mudanças, mostram-se pouco inclinados a alterar as bases de sua organização para além das tentativas de reformular sua imagem perante a sociedade. Destaque-se que as polícias militares, desde sua origem no século XIX, mantêm relação estreita com o ideário do Exército, utilizando forma semelhante de organização, símbolos e liturgias. Da mesma forma, elas continuam tentadas à defesa do Estado e de um sentido cambiante de ordem, onde o respeito aos direitos civis e às garantias individuais são facilmente ultrajados por interesses políticos e pelas vontades pessoais dos governantes em detrimento dos interesses da coletividade. Fator que dificulta o desenvolvimento de mudanças nas polícias militares, apesar de ações pontuais como a tímida inserção do público feminino e as reformas dos currículos de ensino dos centros e academias de formação. No que se refere ao ingresso das mulheres, observa-se que a presença feminina nas polícias militares no Brasil é um fenômeno recente na história dessas instituições, cujas origens remontam às forças públicas criadas durante a primeira metade do século XIX (SOARES; MUSUMECI, 2005). De modo geral, a inserção de mulheres nas instituições policiais no país ocorreu de forma mais evidente entre o final da década de 1970 e início dos anos 198014, enquanto uma tendência comum a vários Estados e fenômeno relacionado tanto a uma nova configuração no mundo do trabalho quanto ao desgaste da imagem das polícias por cenas constantes de violência arbitrária durante os anos de ditadura militar. A inclusão, portanto, do elemento feminino nos quadros policiais representou uma aposta na reformulação de sua imagem por se julgar as mulheres “naturalmente” menos violentas, além de ser resultado de _________________ 14 Musumeci e Soares (2004) destacam como exceção o estado de São Paulo, que passou a admitir as primeiras mulheres nas funções de policiamento no ano de 1959, quando foi criado um corpo feminino de guardas civis, incorporado, em 1970 com a criação da Polícia Militar do estado, ao efetivo dessa instituição. Com base no trabalho de Carla Bassanezi (2004, p. 624), é possível afirmar que o ingresso de mulheres em instituições policiais a partir dos anos 1950 está relacionado a um processo amplo de crescimento urbano e industrial no Brasil nesse período e que possibilitou, com a modificação de padrões culturais, o alargamento das possibilidades de trabalho e educação para homens e mulheres, ainda que com fortes resistências, na medida em que era comum perceber o trabalho feminino como uma ameaça “à organização doméstica como também à estabilidade do matrimônio”. 43 mudanças importantes no cenário político e social brasileiro que possibilitaram ao público feminino o acesso a espaços até então predominantemente masculinos (CALAZANS, 2004). Em Sergipe, a Polícia Militar, cujas origens remontam às primeiras décadas do século XIX15, passou a admitir o ingresso de mulheres apenas a partir do ano de 1989, nos quadros de sargento e alunas do curso de formação de oficiais; para o quadro de soldado, o ingresso se deu apenas a partir do ano de 1993. Desde então, o ingresso de mulheres na PMSE seguiu uma tendência observada na maioria das instituições policiais do país, mostrando-se um fenômeno dissociado de mudanças expressivas nas estruturas da corporação, que seguiu investindo num viés bélico de formação militar que encontra forte amparo na manutenção do Regulamento Disciplinar do Exército na instituição e em outras formas de perceber as relações de gênero. De uma forma geral, como veremos, as relações de gênero são tensas na Polícia Militar de Sergipe, que segue conferindo pouco reconhecimento à presença feminina na rotina policial e em critérios de distribuição do efetivo segundo os estereótipos que atribuem às mulheres uma “natureza” mais “frágil”, “delicada” e que, portanto, impede uma inserção plena na corporação, para além dos espaços tipicamente “femininos” onde o seu habitual “zelo” e “sensibilidade” seriam mais ajustáveis. Em certo sentido, tal como será discutido, as mulheres continuam a ocupar simbolicamente um lugar marginal na Polícia Militar. Na PM, a rua e o confronto com as situações de risco permanecem como critérios balizadores da “verdadeira” função policial e que tem na atividade-fim um espaço reservado aos homens. 2.2 A chegada das primeiras mulheres na Polícia Militar de Sergipe: sentidos de um ingresso tardio Os anos finais da década de 1980 e início dos anos 1990, seguindo tendências observadas no cenário sócio-político brasileiro, assinalaram algumas transformações na _________________ 15 Instituída através de Carta de Lei de 28 de fevereiro de 1835, assinada pelo então presidente da província de Sergipe Manuel Ribeiro da Silva Lisboa, a Força Policial da Província daria origem à atual Polícia Militar do Estado. Em 1917 a Força Policial foi militarizada, ou seja, tornada auxiliar do Exército de primeira linha, com sua estrutura passando a receber maiores investimentos. 44 Polícia Militar de Sergipe e, de modo geral, nas políticas e práticas de segurança pública do estado16. O cenário social ficou marcado pelas reivindicações por mudanças amplas no país, resultado de crises econômicas internacionais que contribuíram para o esgotamento do regime autoritário, que aos poucos forçaria alterações na estrutura secular dominante no campo da Segurança Pública de Sergipe. Nesse período, a crise econômica substituía com clima amargo o outrora ufanismo dos tempos do “milagre econômico”, instaurando ou fazendo animar o desejo de maior liberdade em diferentes setores da sociedade brasileira, de modo que a “possibilidade política de emergência da luta pelos direitos de ‘minorias’, pelos direitos à alteridade, só se configurou no Brasil no espaço inicial da abertura política” (MACHADO, 1992, p. 27). Em Sergipe, o movimento das “Diretas Já”, impulsionado pela propaganda veiculada pelas emissoras de rádio, TV e pela imprensa escrita, embalava os sonhos em torno do retorno do país ao sistema democrático, enquanto a realidade estadual apostava na permanência das velhas figuras políticas que ampliaram seus domínios durante a ditadura. Nessa fase de abertura política negociada, o país acompanhou o aumento dramático dos índices de violência e criminalidade, enquanto resultado da omissão social na reconstrução das instituições encarregadas da manutenção da ordem pública, de modo que, segundo Angelina Peralva (2000): Sem realmente poder contar com instituições novas em terreno sensível, e já não mais dispondo dos mecanismos de regulação característicos do período autoritário, a democracia terminou abrindo amplas possibilidades para que a violência se desenvolvesse. Os apelos por mudanças se manifestavam na emergência de diferentes segmentos sociais que passaram a reivindicar maior espaço nas políticas de Estado. Os direitos, até então pouco discutidos – dos jovens, crianças, sem-tetos, mulheres17, entre outros –, passaram a ganhar maior visibilidade nos espaços públicos de discussão no país, principalmente porque a _________________ 16 Um resultado que se pode atribuir a fatores externos aos governos desse período, como o fortalecimento da liberdade de imprensa e de outras organizações sociais, sobretudo aquelas ligadas à defesa dos direitos humanos. 17 Segundo Mariza Corrêa (2001), o movimento feminista brasileiro, que alcançou maior visibilidade social na década de 1970, esteve diretamente associado a diferentes movimentos sociais da época e que lutavam pelo fim da ditadura militar e ampliação dos direitos sociais, políticos e econômicos. 45 realidade social de Sergipe, que até a década de 1960 era eminentemente rural, passou à urbana nos anos 1980. Desde a década de 1970, o Estado de Sergipe passou a experimentar grande crescimento econômico que trouxe melhorias significativas para a população, com maior acesso a bens e serviços, embora a concentração de renda continuasse bastante desigual. De acordo com Ibarê Dantas (2004, p. 225), nesse período: A sociedade, em seu conjunto, urbanizou-se, diversificou-se, secularizou-se e passou a assimilar costumes decorrentes dos novos padrões tecnológicos. As relações de produção capitalistas ampliaram-se nas cidades e nos campos, contribuindo para desgastar o caráter pessoal das dominações. Em Aracaju, o meio universitário cresceu consideravelmente, trazendo repercussões ao ambiente sócio-cultural. Os sindicatos foram cerceados e demoram a recuperar-se. No início dos anos oitenta, grupos da sociedade civil passaram a mobilizar-se e animaram-se no sentido de ampliar sua área de influência diante das perspectivas do regime democrático. Comparando os anos 1980 à década de 1950, por exemplo, Vera França (1999) destaca que enquanto nos 1950 cerca de um terço da população do país vivia nas áreas urbanas, no final dos anos 1980 e início da década de 1990 essa proporção caiu acentuadamente, quando apenas um quarto da população vivia nas áreas rurais. Bastante sintomático dessas transformações é a realidade de Sergipe que, na década de 1950 tinha grande parte de sua população morando no meio rural, de onde sobressaía sua principal fonte de renda. Segundo Mário Cabral (2002, p. 168), ao retratar a economia do Estado nesse período, afirmou que este era pouco desenvolvido, sendo o setor agrícola, por exemplo, dominado pelos extensos coqueirais que marcavam a paisagem de importantes cidades do interior sergipano. Os canaviais, por sua vez, responsáveis pela grande produção de açúcar, reforçavam o setor industrial de Sergipe, que em Aracaju tinham no sal e tecidos suas maiores indústrias, enquanto o comércio se mostrava “intenso” nas ruas João Pessoa, Santa Rosa, São Cristóvão, Laranjeiras, Itabaianinha e Avenida Rio Branco, onde se concentravam “as maiores e mais poderosas empresas comerciais da cidade”. De “cidade compacta e horizontalizada” nos anos 1970, Aracaju transforma suas feições provincianas, passando na década seguinte a ostentar prédios de arquitetura moderna e viver um processo intenso de crescimento urbano semelhante à de outras cidades no país com a construção de galerias, shoppings e especialização de suas funções. De acordo com a pesquisadora Vera Lúcia França (1999), a metropolização que iniciou nos anos 1980, trouxe grandes implicações sócio-econômicas para os destinos da crescente população sergipana. 46 No caso da Polícia Militar de Sergipe, conhecida pelo longo histórico de ações violentas cometidas por seus membros, os anos 1980 foram marcados por sérios desafios envolvendo desde problemas financeiros, de equipamentos e efetivo, que se agravavam diante do crescimento dos índices de violência e criminalidade no Estado. Com policiais envolvidos em denúncias de corrupção, de homicídios e até participação em grupos de extermínio, a PM chegaria ao final dessa década com a imagem bastante debilitada diante da sociedade, que, com a maior liberdade de imprensa, seguia denunciando com menor receio os casos de abuso cometidos pelas polícias (SOUZA, 2008). Um dos anos mais críticos dessa fase, 1987, pode ser considerado o início das ações que resultariam na abertura da Polícia Militar ao público feminino, ainda que nos anos anteriores outras iniciativas de curta duração a exemplo do retorno do trabalho de policiamento ostensivo em duplas na cidade, os boxes policiais, a ampliação do efetivo, bem como o policiamento comunitário, sinalizassem as intenções do governo em promover mudanças da imagem e das práticas policiais (Idem). O ano de 1987, no qual o Brasil experimentou nova crise econômica que culminou com o fim do Plano Cruzado e do retorno da inflação, marca a chegada de Antonio Carlos Valadares ao governo do Estado, a partir do apoio do então governador João Alves Filho, que deixou o Estado repleto de dívidas e o funcionalismo público em difícil situação. Fator que se tornou sério obstáculo à administração de Valadares que seguiu com dificuldades frente ao Executivo estadual até 1990 (DANTAS, 2004). No início do governo Valadares, a insatisfação de várias categorias, dentre elas dos policiais militares, resultou em sérias manifestações contrárias ao governo. Policiais militares denunciaram nos jornais a falta de armamentos, de efetivo, seguido das péssimas condições de higiene das instalações do quartel e da carga horária abusiva de serviço, além dos baixos soldos, fatores que desencadearam o que a imprensa chamou de “a revolta dos soldados da Polícia Militar” 18 , ao mesmo tempo em que outras categorias, como a dos professores, foram duramente reprimidas pela polícia. Frente às críticas, que se avolumavam vinda de diferentes setores, o governo passou a conceder reajuste a algumas categorias, dentre elas a Polícia Militar, que conseguiu _________________ 18 PMs ameaçam parar” (Jornal da Cidade, 12-03-1987, p. 01); “Soldados da PM voltam a ameaçar paralisação” (Jornal da Cidade, 12-03-1987, p. 09). 47 recuperar perdas dos servidores, sendo ainda hoje lembrado por alguns policiais mais antigos com quem conversei como um dos “melhores governos” para a PM. Ao lado disso, Valadares trouxe militares do Exército para comandar a SSP e a PM, de modo a pôr fim às tentativas internas de insubordinação e assim afastar os riscos de manifestações semelhantes como as que ocorreram no início de sua administração. Com a chegada, ao Estado, dos coronéis Eduardo Pereira e Joseluce Prudente para comandar, respectivamente, a SSP e a Polícia Militar, pretendeu-se afinar os discursos no campo da Segurança Pública em Sergipe, imprimindo uma visão militarista à área com ações voltadas ao aumento do efetivo policial, aquisição de armamentos e viaturas em substituição às ações de policiamento em dupla a pé, bem como ao projeto de policiamento comunitário, iniciado pelo delegado Renan Tavares, em 1986, que logo após foi abandonado (SOUZA, 2008). Se em outras áreas como a cultura, lazer, habitação, infraestrutura, salários, Justiça, o Estado conseguiu avançar com a construção de ginásios de esporte, casas de espetáculos, parque, recuperação de estradas, reposição de perdas salariais dos servidores, construção de cerca de 25 mil casas populares, além de investimentos na ampliação da eletrificação rural e apoio na organização do Ministério Público segundo as orientações da nova Constituição, nas áreas da Saúde, Educação e Segurança Pública os resultados foram modestos senão negativos (DANTAS, 2008). Especificamente no campo da Segurança, notabilizou-se o crescimento da violência e da criminalidade no Estado, com as sessões de tortura praticadas nas delegacias e com a ação desenfreada de grupos de extermínio, que contaram seja com a participação direta ou com a condescendência de membros da SSP. Num período dominado pela chamada “guerra da maconha”, em apenas um ano, 1990, segundo denúncia da representação local da OAB, o estado de Sergipe registrou o assassinato de aproximadamente 140 meninos em situação de rua. Embora o caso tenha ganhado repercussão internacional com reportagens de outros veículos de imprensa nacional a exemplo dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, com referências de jornalistas como Tim Lopes, e a Anistia Internacional tenha atuado cobrando respostas do Estado, apenas um policial civil foi preso como responsável por algumas das mortes. 48 De forma ampla, como apontou quase três anos depois o “Movimento Nacional de Direitos Humanos”, imperou o silêncio das autoridades, conforme destacou a pesquisadora Tereza Neuma Muniz Cariri durante a apresentação do dossiê da OAB19. Destarte, o governo Valadares chegou ao fim, apresentando realizações controversas na área da Segurança Pública, apesar da inauguração da Academia de Polícia Civil, do projeto de aumento expressivo do efetivo da PM e da organização da Polícia Civil a partir da contratação dos delegados de carreira – que encontrava, segundo palavras do então deputado Joaldo Barbosa, grande resistência política na Assembléia Legislativa, pois as delegacias do interior do Estado eram entregues a “pistoleiros”, no caso policiais que serviam ao “coronelismo” ainda presente em alguns municípios, dando sinais do uso da força pública a serviço dos interesses de políticos. Após três meses do anúncio do aumento do efetivo da PM, ocorrido em setembro de 1990, o projeto permanecia na Assembléia para votação20. A presença feminina, um elemento inovador na Polícia Militar, apareceu ao mesmo tempo de forma tímida nas ações publicitárias do governo, recebendo inclusive poucas referências da imprensa escrita21. A imprensa escrita da época parecia pouco creditar às mulheres maior confiança na melhoria das ações policiais e na diminuição da violência e do crime no país, como é possível perceber no tom impregnado de certa “ironia” no título: “PM do DF não discrimina as mulheres” referente à notícia sobre maus-tratos de policiais durante treinamento na Polícia Militar do Distrito Federal. Nessa notícia, publicada no canto inferior direito de uma das páginas do jornal Gazeta de Sergipe do dia 12 de agosto de 1993, faz referência a uma sessão de maus-tratos ocorrida em 1991 na qual, durante treinamento da Companhia de Polícia de Choque do DF, policiais femininas recrutas foram banhadas e obrigadas a beber a água resultante da lavagem do canil da Polícia. De acordo com a notícia: “[...] a água, que continha excrementos e pelos de cães, foi jogada sobre os recrutas, que tiveram sérios problemas de pele. O curso chegou a ser interrompido, porque muitas das recrutas, com o corpo cheio de micose, não conseguiam vestir roupas. _________________ 19 “Quadro de violência no Estado é revelado por dossiê da OAB”, (Gazeta de Sergipe, 21/07/1993, p. 06). “Segurança em Sergipe só depende dos deputados”. Governo Valadares o efetivo. (Gazeta de Sergipe, 25 e 26/12/1990, p. 03). Segundo a matéria, o efetivo na época, fixado em 3.115 policiais, passaria a 4.200, tendo um acréscimo, portanto, de 1.045. A última fixação do efetivo, segundo o jornal, havia ocorrido em 1982, ainda no governo de João Alves Filho. 21 Segundo levantamento em matérias e artigos de jornais de Sergipe sobre as mulheres na PM, sobre este período. 20 49 Algumas tiveram problemas ginecológicos. O caso foi abafado”. Conta uma sargento da PM feminina, que não quis se identificar. O fato teria ainda mobilizado o I Congresso Nacional das Entidades de Praças da Polícia e Corpo de Bombeiros Militares, ocorrido naquele ano, a apoiar, como forma de por fim às sessões de humilhação e maus-tratos durante os cursos de formação das polícias militares, o apoio aos projetos de lei apresentados pelo deputado federal do PT de São Paulo, que propunha a desmilitarização e fusão da PM à Polícia Civil e a extinção dos tribunais militares. Sabe-se que os projetos foram rejeitados no Congresso, diante do lobby do Exército que, até hoje, através da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), criada através do Decreto número 61.245 de 28 de agosto de 1967, define o tipo de armamento, a localização dos quartéis, o treinamento das tropas e a coordenação das PM’s, assim como a fixação do seu efetivo. De acordo com Jorge Zaverucha (2005), a Constituição Federal de 1988 operou uma leve alteração nessa relação, ao retirar da IGPM o controle sobre a instrução das polícias militares22. Na figura 1, a seguir, é possível visualizar uma rara referência à “Polícia Feminina” na PMSE através de campanha publicitária do governo do Estado sob o título: “Polícia Militar. Coragem e dedicação a serviço da sua segurança”. Figura 01 - Alusão à “Polícia Feminina” Fonte: Gazeta de Sergipe (18 de maio de 1989, p. 06). _________________ 22 Coincidentemente em uma das visitas que realizei a PM durante a pesquisa no mês de junho deste ano para conclusão das entrevistas, a instituição se preparava, através de maior organização e limpeza dos setores, para visita do General-Comandante da 6ª Região Militar, a qual a Polícia Militar de Sergipe é subordinada. 50 Chama a atenção na imagem o espaço ocupado pela figura de um policial masculino que olha para um bebê segurado por uma mulher, aparentemente apresentando à criança a figura “cordial” e “simpática” do policial militar. Na parte superior, destacam-se, por sua vez, as fotos de uma policial feminina e de um policial da polícia montada, de modo a apresentar as inovações implementadas na instituição, ou seja, a “Polícia Feminina” e o Pelotão de Polícia Montada. A campanha, que destaca o esforço do governo do Novo Sergipe em “equipar e aprimorar” os “bravos” policiais militares a fim de garantir a tranquilidade da população, traz informações sobre o processo de preparação da Polícia Militar Feminina, afirmando que a PM já dispunha de uma aluna no curso de formação de Oficiais de Pernambuco. Segundo o texto, “outras duas, fazem curso de formação de Sargento na Academia de Polícia do Pará e, aqui mesmo, em Aracaju, serão formadas brevemente 8 cabos e 32 soldados”. É possível ver, nas Figuras 2 e 3 a seguir, uma dessas policiais, respectivamente: no mês de fevereiro de 1989, no Quartel em lha do Outeiro, no estado de Belém do Pará, e em frente ao CFAP, após retornar do Curso de Formação de Sargentos nesse estado23, no mês de março de 1990: Figura 02 - Policial no Quartel em lha do Figura 03 - Policial no CEAP Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1990). Outeiro Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1989). _________________ 23 Cabe agradecer a Subtenente Joanete Pina pela cessão das fotografias que integram este capítulo, além de outras informações sobre o histórico do ingresso das mulheres na PMSE. 51 No caso do Pelotão Feminino, este não seria uma realização cumprida no governo de Valadares, visto que a formação das oficiais só foi concluída em 1992, embora no jornal Gazeta de Sergipe do dia 05 de janeiro de 1990 fosse noticiado que em fins de dezembro do ano anterior tivessem sido promovidos, por ocasião da conclusão do curso, dois Terceiros Sargentos Femininos, aprovados em concurso público um ano antes24. Assim, a PM, que em 1989 tinha a Polícia Feminina formada por uma aluna de Oficial e dois Sargentos Femininos, formaria apenas no ano de 1993 a primeira turma de soldados com a presença de mulheres. Em 199125, o engenheiro João Alves Filho retorna ao governo do Estado com ampla votação e apoio político, permanecendo até 1994, ao ser sucedido pelo empresário Albano do Prado Franco. Durante seu governo, João Alves Filho fez poucas alterações na área. Deu maiores poderes a grupos conservadores na SSP, de modo que as ações destinadas a “combater” os roubos de gado no interior do estado ensejaram a atuação de grupos de extermínio, a exemplo do grupo “A Missão”, comprometendo ainda mais a imagem dos órgãos de segurança pública. Durante esse período, o governo investiu mais uma vez na aquisição de equipamentos e no aumento do efetivo da polícia militar, prevendo a abertura de concursos na área, enquanto ao lado das duras ações na esfera da segurança, com a reprodução de práticas arbitrárias cometidas por policiais, os índices de violência subiram acentuadamente, figurando o estado de Sergipe entre os que registraram maior número de mortes violentas no país (ZALUAR, 2004). Se em 1993 a previsão era de 32 soldados, 02 terceiros sargentos e uma oficial, em 1996 esse número seria fixado pelo Decreto nº 16.061 de 12 de setembro de 1996 em 217 policiais, que ficariam concentradas na Companhia de Polícia Feminina, localizada na Rua 24 Nesse concurso, foram classificados para o cargo de Terceiro Sargento Feminino, após exame intelectual, (que exigia o primeiro grau completo), com médias que variavam entre 8,66 e 7,33, 10 candidatas para duas vagas. Das 20 aprovadas no exame intelectual para o Curso de Formação de Oficiais (que exigia o segundo grau completo), puderam fazer o exame de aptidão física 05 candidatas, cujas médias oscilaram entre 4,88 e 3,68. Fonte: Boletim Interno da Polícia Militar de Sergipe, número 002 de 03 de janeiro de 1989. 25 No ano de 1991, a PMSE realizou novo concurso para sargentos masculinos e femininos. Dentre as exigências feitas aos candidatos estavam a de possuir o primeiro grau completo, ser solteiro, sem dependentes, ter 1,65m e ter idade entre 18 e 26 anos. O que presumivelmente impedia o acesso de homens e mulheres divorciados, viúvos e com dependentes. Tal orientação era ainda reforçada pelo Estatuto dos Policiais Militares de Sergipe (Lei nº 2.066 de 23 de dezembro de 1976) que, no artigo 127, vedava o casamento a Aluno-oficial PM e demais praças durante o período de formação, sob o risco de, uma vez desobedecida a determinação, o policial ser, conforme o artigo 128, excluído “sem direito a qualquer remuneração ou indenização”. Após o curso, os policiais deveriam ainda submeter pedido de autorização ao Comandante-geral para contrair casamento, sobretudo em se tratando de “mulher estrangeira”. (ARANHA, 1997). A ênfase dada à mulher estrangeira, nesse caso, deve possivelmente manter relação com o contexto sócio-político da época, dominada pela guerra fria e pela ameaça “comunista”, e no qual as mulheres estrangeiras eram vistas como um perigo potencial. Convivia no imaginário político o exemplo de Olga Benário. 52 Boquim, em Aracaju, ao lado do Quartel Central. Segundo a fixação do efetivo no ano de 1996, previsto para 6.525 policiais, teria, portanto, no caso da Companhia de Polícia Feminina, 217 mulheres, número que não correspondia nem a 5% do efetivo total. Segundo demonstração geral das atividades meio e fim da PMSE, das 217 policiais, 18 seriam empregadas na atividade-meio, enquanto 199 na atividade-fim. Efetivamente, em 1993, a PM não totalizava nem 50 mulheres nos seus quadros, visto que descontados as sargentos e oficiais, o concurso realizado em janeiro desse mesmo ano, previa, do total de 290 aprovados, a convocação de 250 do sexo masculino e apenas 50 do sexo feminino, uma prática que se reproduziria nos concursos seguintes: a fixação de 20% das vagas dos concursos para mulheres. Até o ano de 1999, conforme aponta Ibarê Dantas (2005), a Polícia Militar contava com um efetivo próximo a 4.600 policiais, não especificando a composição por gênero. Entre os anos de 1995 e 2002, o estado passou a ser chefiado por Albano Pimentel do Prado Franco, filho do ex-governador do Estado, Augusto do Prado Franco. Nesse período, iniciou o governo frente a um quadro difícil nas contas do Estado, com grande comprometimento da folha com pagamento de pessoal e impossibilitado de fazer investimentos durante praticamente todo o primeiro mandato. Uma situação que foi mudada com recursos Prodetur26, suficiente para tirar o governo da situação de quase paralisia e promover a realização de algumas obras de expressiva visibilidade como a conclusão da Linha Verde, a duplicação da rodovia dos Náufragos, a construção do novo mercado e a restauração do antigo. Os problemas na economia, mesmo após o controle da inflação, mantinham-se com crescimento pouco significativo do PIB estadual (DANTAS, 2005). No início da administração, através da Lei nº. 3.669 de 07 de dezembro de 1995, publicada no Diário Oficial do Estado nº. 22.423, de 09 de novembro de 1995, seriam dispostos os princípios da organização básica da Polícia Militar do Estado de Sergipe. Na 26 O Prodetur/NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), financiado a partir da transferência de recursos do BID e que tem como órgão executor o Banco do Nordeste, consiste num programa de crédito destinado ao setor público com a finalidade de possibilitar o desenvolvimento turístico na região nordeste do Brasil através da ampliação e melhoria das condições de vida da população das áreas de abrangência dos projetos. O programa, criado a partir de estudos requisitados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), teve sua primeira fase iniciada no ano de 1994, atuando no financiamento de obras de infra-estrutura, projetos de proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural, projetos de capacitação profissional e fortalecimento institucional das administrações de estados e municípios. Fonte: http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR/Apresentacao/gerados/apresentacao.asp, página consultada em 22 de maio de 2009. 53 Seção I, “Das Unidades de Polícia Militar”, a competência da Companhia de Polícia Feminina (CPMFem) seria assim definida, seguindo uma tendência em outras polícias militares no país: VII – [...] – Subunidade cuja destinação é o Policiamento ostensivo em logradouros específicos, como aeroporto, estações rodoviárias e hidroviárias, estabelecimentos hospitalares e outros locais ou áreas julgadas convenientes pelo Comando Geral da Corporação; Em Sergipe, a atuação das policiais femininas era circunscrita a espaços específicos. Se a Constituição Federal e Estadual definiam a competência da polícia militar de uma forma ampla, ao estabelecer, sem restrições, o policiamento ostensivo fardado como sua missão precípua, no caso das mulheres, apenas os espaços considerados “convenientes” pelo Comando Geral poderiam ser policiados por Policiais Femininas. Esse aspecto pode ser visualizado na notícia veiculada pelo Jornal Gazeta de Sergipe de 11 de janeiro de 1994 sobre a realização de ciclo de palestras sobre turismo e polícia, destinado à formação de 60 policiais. O ciclo, organizado pela PM em parceria com a Empresa Sergipana de Turismo, EMSETUR, visou treinar policiais para o atendimento a turistas em visita ao Estado, a partir de noções de relação interpessoal, história de Sergipe e sobre o papel da Delegacia de Turismo. Visando oferecer maior suporte ao turista, o grupo de 60 policiais, composto por 30 policiais do sexo masculino e 30 do sexo feminino, passaria a trabalhar a partir de duplas chamadas “Romeu e Julieta”27, versão atualizada das duplas “Cosme e Damião”, nas praias de Aracaju. Para maior conforto, os policiais vestiriam fardamento diferenciado composto por bermudas e camisetas e calçariam, ao invés de coturnos, tênis. A matéria do dia seguinte publicada no mesmo jornal é bastante esclarecedora sobre o sentido do emprego da Polícia Militar no trabalho de policiamento da orla marítima de Aracaju, que despontava em 1994 com um dos cartões postais da cidade após grandes investimentos em urbanização realizados pelo governo do engenheiro João Alves Filho. Com os títulos: “PM quer mudar sua imagem” e “Turistas terão segurança da Polícia Militar”, percebe-se que a iniciativa pretendia, a partir da idéia de treinamento específico fundamentado em relações interpressoais, noções de história de Sergipe e aulas de inglês e espanhol, dotar os policiais de conhecimentos “técnicos” e “humanos” de como atender _________________ 27 Conforme explicou o então major da PM Tadeu Cruz, “eles andarão em dupla, já batizada pelo nome de Romeu e Julieta, uma vez que andará sempre um policial masculino e um feminino”. “PM realiza hoje o ciclo de palestra com especialistas” (Gazeta de Sergipe, 11/01/1994, p. 04). 54 melhor o turista vítima de delitos, conferindo à PM a condição de instituição que investe na formação adequada de seus quadros e que, por sua vez, está ajustada às mudanças operadas no Estado a partir do crescimento do setor turístico. Como se percebe também, o emprego isonômico de policiais masculinos e femininos nessa tarefa, através das duplas “Romeu e Julieta”, provavelmente seguia a compreensão difusa no senso comum de que a presença feminina melhor se ajusta as tarefas de atendimento ao público, assim como a compreensão de que esse trabalho deveria ser acompanhado sempre de um homem, a resguardar a integridade física dessas mulheres e a “honra” da instituição. E, mais importante ainda, o emprego de mulheres em atividades de grande fluxo turístico, como na região central da cidade, mantinha relação também com o fato desses espaços serem caracterizados pela existência de ocorrências de menor gravidade, como aquelas geralmente relacionadas a pequenos furtos e desencontro entre pais e crianças. Associado a isso, a presença das mulheres, fato verificável desde a sua entrada na instituição até hoje, se tornou presença obrigatória em solenidades e ocasiões cívicas como o desfile de 07 de Setembro na capital. A seguir, registros da participação de mulheres nos desfiles em comemoração à independência do país: na Figura 4, mulheres num primeiro momento, no ano de 1989, reunidas em marcha e, no Figura 5, mulheres já incorporadas ao efetivo masculino, no ano de 1999. Figura 04 - Mulheres marchando comemoração à independência do Brasil Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1989). em Figura 05 - Mulheres, incorporadas ao efetivo masculino, marchando em comemoração à independência do Brasil Fonte: Acervo pessoal de Joanete Pina (1999). 55 Ao fim da década de 1990, embora a polícia tivesse recebido maiores investimentos, principalmente voltados à aquisição de equipamentos como viaturas e armamentos, além da contratação de cerca de 1000 novos policiais a partir do concurso para soldados realizado em 1998, entre os anos 1995 e 2000, segundo Ibarê Dantas (2005, p. 257), houve aumento da criminalidade e das ações violentas e criminosas envolvendo membros da polícia: A impunidade cresceu alimentada pelo rito processual cada vez mais complexo e tolerante com os profissionais do crime. Como se isso não bastasse, as prisões se deterioraram, e as fugas dos presos atingiram índices alarmantes no período 1995/2000. Acompanhando o quadro nacional, a segurança dos cidadãos degradouse consideravelmente. O elemento feminino, em termos gerais, pelo caráter restrito que ocupou na corporação, produziu poucas mudanças na imagem da Polícia Militar e nas suas estruturas internas. Conforme ressaltou um dos policiais entrevistados e que acompanhou a chegada das mulheres à instituição, as resistências ao trabalho feminino vinham, inclusive, do meio externo, principalmente de outras mulheres, que manifestavam desaprovação à presença feminina na polícia por razões variadas, que iam desde “machismo” à inveja: “No início, quando as policiais femininas começaram a incorporar, eu já estava na polícia. Na verdade, observei muitas críticas. Noventa por cento das mulheres repudiavam, não aceitavam a policial fazer a revista das mulheres [...]. No trabalho de policiamento no calçadão, as mulheres quando viam uma policial feminina viravam a boca como reprovação. [...] Discriminavam por que achavam que não era serviço de mulher e que elas estavam se “achando” (as policiais). Na verdade, muitas mulheres têm fantasias sexuais ou com policiais de farda ou de vestir a farda. Muitas não tinham coragem [de ingressar na PM], até por que pagava pouco, as que tinham essa coragem, entravam. E outras tinham inveja dessas mulheres” (Segundo Tenente, 39 anos, 21 anos de serviço). O mesmo policial afirmou que no início as mulheres também sofreram com as investidas dos homens, que tentaram forçar aproximação. No entanto, por terem tido uma postura “autêntica”, segundo ele, o assédio teria terminado “rápido” na instituição. A experiência de trabalho desse policial, que atua no policiamento, o fez perceber que o trabalho das mulheres na polícia é muito importante e algo que não pode faltar. Segundo ele, as mulheres teriam conquistado o respeito da sociedade, de modo que têm “algumas” com quem ele prefere trabalhar, pois essas são na sua ótica ótimas policiais. Elas são mulheres de “atitude”, ao mesmo tempo em que conseguem, em razão de sua maior sensibilidade, amenizar alguns problemas, apostando no diálogo. Trata-se de procedimento diferente dos homens que, pelas atitudes e palavras bruscas, tendem, de acordo com esse policial, a complicar as ocorrências. 56 Figura 06 - Policiais em serviço durante Forró Caju 2009 Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1246388481>. Acesso em: 09 jul. 2009. Particularmente sobre a idéia expressa de que a sociedade respeita as policiais, uma das entrevistadas se mostrou cética em relação a isso, afirmando que a opinião das pessoas sobre essas profissionais é ruim e equivocada. Mas é um fenômeno que, segundo ela, encontra respaldo na pouca presença das mulheres nas atividades de policiamento nas ruas: “[as pessoas] elas acham umas bonecas, não têm confiança mínima, tanto que quando você aparece de farda as pessoas parecem que estão tendo uma visão, vendo um alienígena quando vê uma policial feminina uniformizada. Geralmente perguntam: ‘Ah, você está armada? Isso não é perigoso?’ Acho que a confiança ainda é muito pequena nas mulheres. Ao não ser se for uma mulher que fuja do padrão, seja um pouco mais agressiva, com um corpo mais masculino. Agora se a mulher for uma pessoa mais calma, confiança zero. [...] Mas a recepção costuma ser positiva, pois acreditam que com elas é mais fácil de conversar, você ouviria as queixas e levaria para outra pessoas resolver. As pessoas entendem que você tem uma facilidade de contato, você entende mais, mas você não vai resolver. Você vai ouvir e vai passar para alguém resolver. [o motivo] Eu acho que a sociedade ainda não vê [com freqüência policiais femininas], por ter poucas policiais femininas trabalhando ostensivamente [...] são poucas, muito poucas, uma ou outra nas companhias RP [Rádio Patrulha], Choque. Elas [as pessoas] até estanham quando vêem uma mulher trabalhando em festas. Não é nem culpa da sociedade, elas não vêem a policial feminina, então quando vêem na rua eles até estranham. Vêem muito mais os homens, acabam confiando mais nos homens” (Soldado Feminino, 26 anos, 03 anos de serviço). Em 2001, em razão dos baixos salários e problemas disciplinares internos, os policiais militares resolveram pelo aquartelamento, o que motivou a intervenção do governo, que nomeou um coronel do Exército para comandar a PM. Desde então, as políticas e práticas de segurança pouco se alteraram, apesar de ações controversas do governo do Estado divulgando ações de investimento com a reestruturação do serviço de atendimento 190, 57 transformando-o em centro integrado (CIOSP) que envolve os diferentes órgãos de segurança: Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros e melhoria substancial dos salários desses servidores. Essa última ação, objeto de intensas críticas da oposição, provocou sério desgaste na imagem do governo, fazendo por sua vez aflorar velhas rivalidades entre policiais civis e militares a partir da concessão de reajuste salarial bastante diferenciado entre as duas categorias. No que se refere à presença feminina na PMSE, o número de mulheres continua, após completados vinte anos da incorporação das primeiras policiais femininas, ainda bastante reduzido. Contando com um efetivo de 5.406 homens, o efetivo feminino totaliza na corporação 334 policiais, de acordo com o último levantamento a que se tive acesso, datado de 28 de abril de 2009. Conforme a tabela 02 a seguir, o referido número representa menos de 6% do efetivo total da PM, distribuído através da sua estrutura, composta pelo Comando Geral, Estado Maior em: 08 batalhões de Polícia Militar, Batalhão de Polícia de Guarda, Batalhão de Policiamento de Choque, Batalhão Especial de Segurança Patrimonial, Hospital da Polícia Militar, Companhias de Rádio Patrulha, de Polícia de Trânsito, de Polícia Rodoviária Estadual, de Polícia Fazendária, de Segurança Escolar, de Polícia Ambiental, de Operações Especiais, Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, além de Esquadrão de Polícia Montada28 e oito Companhias de Polícia Comunitária, que reúnem 26 postos de Atendimento (PAC’s). Tabela 02 – Resumo do Efetivo Feminino da PMSE Posto Tenente Coronel Capitão 1º Tenente 2º Tenente Asp. Oficiais Alunas Oficiais Subtenentes 2º Sargento 3º Sargento Alunas Sargentos Cabos Soldados Total 29 Fonte: PMSE (2009). Contingente 05 04 19 03 02 05 07 01 14 49 03 222 334 _________________ 28 Disponível em:<http://www.pm.se.gov.br/index.php>. Acesso em: 05 jul. 2009. Agradeço a soldado Nilza Santos que, disponibilizando de forma generosa as tabelas com o efetivo atual da PMSE, poupou-me o imenso trabalho de identificar na listagem completa do efetivo, outrora cedido pela PM-1, uma a uma cada policial feminina e assim proceder à contagem desse efetivo. 29 58 2.3 A mulher e as implicações da carreira policial: A (n)visibilidade feminina na PM Desde o ingresso das primeiras mulheres nas polícias militares, é possível dizer que foram poucos os cargos de destaque por elas ocupados, num tipo de percepção essencialista que geralmente tende a identificá-las como pouco “adaptadas” às atividades de policiamento ostensivo. Tarefas que, associadas aos perigos conhecidos das ruas, supostamente exigem a “força” e a “coragem” “comuns” ao sexo masculino. Baseadas num tipo de formação que privilegia os aspectos militares e que se sustenta, portanto, numa lógica guerreira, as polícias militares se constituem desde a sua origem e organização como instituições hegemonicamente masculinas, fator que ainda torna atualmente a inserção e presença feminina nessas instituições um elemento não só limitado, mas de pouca visibilidade. Segundo Márcia Calazans (2004), a sobredeterminação militar e o passado masculino secular dessas corporações atuam na manutenção dos homens como arquétipo de emancipação e qualificação no desempenho profissional. Assim, a identidade feminina policial e a consequente feminização da carreira policial militar é um fenômeno basicamente visível apenas a partir do acesso de mulheres em subgrupos de trabalho dentro dessas instituições. A sua maior presença nesses subgrupos é acompanhada do significativo esvaziamento do público masculino, que segue em busca de outros espaços. Desse modo, persiste em várias PM’s do país a prática de empregar as mulheres em funções de menor prestígio e reconhecimento nos quartéis, elemento que tem preservado substancialmente a hegemonia masculina em muitos setores policiais. Através de diferentes recursos, a presença de mulheres, vista como uma espécie de ameaça identitária aos membros masculinos da corporação, é restrita aos serviços internos nas diferentes seções administrativas dessas instituições (MUSUMECI e SOARES, 2004). Revestidas de uma lógica “protetora”, as polícias militares tendem a reforçar a discriminação internamente não só restringido o ingresso de policiais femininas a partir do estabelecimento de quotas de 10% nas promoções30 de praças e oficiais, mas favorecendo a _________________ 30 Segundo consta no Art. 3º da Lei Estadual nº 5.216 de 15 de dezembro de 2004, assinada pelo então governador João Alves Filho, o “[...] preenchimento das vagas de Postos e Graduações Policiais-Militares deve ser realizado por promoção, por admissão mediante seleção (concurso), ou por incorporação, de acordo com a legislação pertinente, ficando estipulado um mínimo de 10% (dez por cento) de vagas para candidatos do sexo feminino, até que se complete o efetivo fixando nesta mesma Lei”. Diz ainda no inciso 2 º: “Oficiais e 59 elas um tipo de acesso a certas funções de modo condicionado na polícia, na medida em que mesmo chegando aos últimos postos da carreira elas possuem pouco poder de decisão na estrutura da organização e nos destinos das operações policiais. Assim, a inserção das mulheres está quase sempre restrita aos setores administrativos ou a atividades que exigem “facilidade de diálogo” e que visam evidenciar o ajustamento da PM aos preceitos “modernos” de policiamento, ou seja, enquanto estratégia de marketing e ponto constante nas iniciativas de reforma das instituições policiais no país nas últimas décadas. Um fator que se mostra devedor da concepção secular sobre o que se constitui efetivamente “trabalho de mulher”, uma construção social que costuma associar as mulheres a tarefas que exigem uma passividade “que predispõe à execução, doçura e ordem” (PERROT, 2005, p. 252). Com uma estrutura de treinamento bastante próxima a de grupamentos do Exército, baseado num tipo de formação guerreira, a PMSE enfatiza a importância que delega a um intenso e doloroso condicionamento físico, bem como aos valores militares em detrimento das técnicas policiais. Assim como em outras polícias militares, nela se sobressaem os rituais voltados para transmissão de atitudes militaristas e guerreiras, que destacam uma cultura policial ancorada em atributos “masculinos” como força e capacidade de resistência. Processo semelhante ao verificado por Albuquerque e Paes Machado (2006) na Jornada de Instrução Militar (JIM) na Academia Militar da Bahia e presentes em outras polícias no país, aspecto que reforça a importância de descobrir as estruturas simbólicas e o sentido amplo presente no discurso social para a orientação das ações dos sujeitos policiais. as Praças policiais-militares femininos devem ter acesso ao último Posto e à última Graduação, respectivamente, obedecidas as prescrições constantes em leis e regulamentos, especialmente as do art. 11, §§ 1º, 2º e 3º, as do art. 45 e as do art. 46 do Decreto nº 3.874, de 15 de dezembro de 1977 (Regulamento de Promoções de Oficiais), e as do art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º, as do art. 5º e as do art. 9º do Decreto nº 3.974, de 09 de março de 1978 (Regulamento do Sistema de Promoção de Graduados)”. 60 CAPÍTULO III 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A PRESENÇA FEMININA NA PMSE: os homens policiais e um “outro” indesejado O espaço potencial é portanto o espaço dos símbolos. Símbolos pressupõem a capacidade de evocar presença apesar da ausência, já que sua característica fundamental é que eles significam uma outra coisa. Nesse sentido, eles criam o objeto representado, construindo uma nova realidade para a realidade que já está lá. Eles provocam uma fusão entre o sujeito e objeto. Através de símbolos, coisas diferentes podem significar umas as outras e podem mergulhar umas nas outras; eles permitem uma variabilidade infinita, e, ainda assim, são referenciais [...] É a referência do mundo que garante a natureza criativa da atividade simbólica, de tal forma que a experiência de um, ao se mesclar com a experiência de outros, cria continuamente a experiência que constitui a realidade de todos. Sandra Jovchelovitch (1995, p. 74). 3.1 A pesquisa: método e dados levantados Cristina Bruschini (1992), discutindo a utilização de abordagens quantitativas em pesquisas sobre as relações de gênero, destacou que a definição da metodologia de investigação deve ser feita com base no problema apresentado pela pesquisa, observando suas características básicas como abrangência, objetivo, tempo e recursos disponíveis31. Diferente de algo comum no passado, quando especialmente na década de 1970 muitos pesquisadores julgavam que as abordagens qualitativas seriam as metodologias mais adequadas aos interesses dos grupos feministas em compreender melhor a realidade para _________________ 31 De acordo com a autora, a pesquisa quantitativa, de uma forma geral, caracteriza-se enquanto procedimento de “sistematização de grande número de informações obtidas através de uma ou outra técnica de pesquisa” (BRUSCHINI, 1992, p. 289). 61 transformá-la, atualmente se compreende que as metodologias tanto quantitativas quanto qualitativas servem a esse propósito, de modo que: [...] a observação participante, as entrevistas e histórias de vida são tão válidas em pesquisas que lidam com pequeno número de informantes, que visam ao aprofundamento mais do que à generalização, quanto às análises de dados secundários ou os surveys, quando o que se procura é traçar diagnósticos macrossociais com base em dados generalizáveis para amplos conjuntos da população, os quais costumam ser extremamente úteis para embasar a formulação de políticas públicas. Por considerar que este trabalho está no limite dessas duas orientações, a pesquisa assumiu uma natureza quali-quantitativa, na medida em que tem como propósitos tanto aprofundar algumas discussões no campo das relações de gênero nas instituições policiais quanto, por meio da sistematização dos dados dos questionários, possibilitar a construção de uma análise sobre as representações sociais dos PM’s a respeito da presença das mulheres nas atividades policiais que possam vir a subsidiar a elaboração de políticas públicas destinados a estimular o debate sobre gênero na PMSE. Nesse processo de análise, sigo a conhecida ressalva sobre as possibilidades que o estudo das representações pode ensejar, pois os dados sobre relações de gênero podem seguir um caminho parecido com aqueles apresentados pelos estudos a respeito da violência, onde é comum a dificuldade dos indivíduos em falar sobre o tema ou mesmo se sentirem inclinados a responder de forma socialmente desejada e um tanto distante daquilo que efetivamente pensam a respeito. As análises, portanto, apresentam em geral tendências, possibilidades por onde o debate poderá seguir, de modo a encontrar formas de aprofundar o conhecimento sobre a realidade. Um percurso indubitavelmente difícil, pois as representações reclamam interpretação. Como enfatizou Maria Stela Grossi Porto (1999, p. 132): “representações sociais não são assertivas falsas ou verdadeiras e sim apenas a matéria-prima, o dado bruto que cabe ao sociólogo analisar, interpretar, compreender”. É possível afirmar inicialmente sobre o processo de pesquisa, que a aplicação dos questionários em diferentes unidades da Polícia Militar foi uma experiência particularmente rica e reveladora, tendo em vista os objetivos definidos para o recolhimento dos dados. Na ocasião que assinalou a aplicação dos questionários preferi ir sozinho aos locais de pesquisa e conversar pessoalmente com os policiais militares, embora eu tivesse naquela oportunidade a 62 chance de poder contar com auxiliares no processo de distribuição e aplicação de um número relativamente extenso de questionários em diferentes unidades da PMSE32. A decisão estava amparada numa certa intuição de que aquele momento seria particularmente importante para, como pesquisador, ter acesso às representações sociais dos PM’s e à multiplicidade de elementos que escapam de um processo inegavelmente rico, com os comentários e reações provocadas pelas perguntas e o caráter, de certo modo “polêmico”, do tema proposto, evitando maiores estranhamentos e resistências, que possivelmente a presença de um maior número de pessoas poderia causar. Cheguei por volta das 10 horas da manhã na primeira quinzena de maio deste ano no Quartel Central da PM, dia coincidentemente da passagem do Comando-Geral da instituição, ocorrida após curto período de permanência e grande processo de desgaste político. Se em outro dia poderia encontrar mais policiais militares no Quartel Central, pois muitos deles estavam envolvidos com os preparativos em torno das mudanças em alguns setores com a passagem para um novo Comando na instituição, as possíveis resistências à aplicação dos questionários foram abrandadas, principalmente porque encontrei muitos policiais conhecidos na ocasião. De modo geral, posso afirmar que encontrei um contexto bastante propício para esse trabalho, fato que se repetiria nas outras unidades nos dias que se seguiram a essa etapa da pesquisa. A aplicação foi em vários momentos seguida de comentários ou provocações, quase sempre em tom sarcástico ou jocoso, dirigidas às mulheres presentes nos setores em que estive, vindo a suscitar algumas discussões interessantes e demonstrações também de indisfarçável preconceito contra o público feminino. Em algumas dessas ocasiões a minha chegada aos setores não era surpresa, tendo em vista que os comentários a respeito do questionário sobre “as mulheres” na PM já havia se alastrado de forma veloz, provocando cenas e comentários inusitados. Posso afirmar que a decisão de aplicar os questionários no Quartel Central me colocava certas dúvidas na medida em que o QCG se constitui um espaço onde o número de mulheres é acentuado quando comparado a outras unidades da PMSE, chegando em algumas seções do QCG as mulheres constituírem maioria. O receio estava em ter o acesso às representações sociais dos policiais militares masculinos comprometido a partir de uma presença mais acentuada do público _________________ 32 Agradeço à professora Sheyla Farias Silva, da Universidade Tiradentes, que, juntamente com alguns de seus alunos, gentilmente se disponibilizou a ajudar nesse trabalho. 63 feminino e da força de um possível discurso “oficial”, “politicamente correto” sobre a “igualdade” de gênero na corporação. Contudo, esse processo se mostrou inversamente favorável aos meus objetivos. Se até então eu imaginava que a maior presença feminina iria “minar” maiores resistências às mulheres na instituição, a prática me fez perceber o quanto eu estava equivocado. Nos setores compostos por homens e mulheres, alguns policiais masculinos faziam questão de ler propositadamente em voz alta as perguntas para provocar a reação das colegas de serviço, configurando cenas interessantes com a exposição de percepções correntes sobre o sentido da presença feminina na PM. Representações bastante parecidas àquelas a que tive acesso durante os anos em que fui policial e que poderiam ser sintetizadas nas expressões “Polícia não é lugar pra mulher” e “elas não servem pra guerra”. Ao chegar a um dos primeiros setores, fui recebido por três policiais, sendo duas mulheres e um homem. O policial aproveitou para, entre pequenas “brincadeiras” que atribuem às mulheres na Polícia o fato de serem “noseiras”33 e “preguiçosas”, expor sua opinião sobre o trabalho feminino na PM. Segundo esse policial, um soldado com aproximadamente dez anos de serviço na corporação, as mulheres que atuam nas ruas “são mais violentas, batem mais” nos indivíduos, principalmente quando já estariam presos e imobilizados, visto que costumam agir amparadas nas guarnições em que trabalham, geralmente compostas em sua maioria por homens. Segundo eles, “eu já trabalhei algumas vezes na rua e percebi isso. Elas batem confiando nos homens da guarnição, pois sabem que qualquer coisa eles vão defendê-la”. Essa declaração, seguida de tantas outras que afirmavam que as mulheres buscavam apenas privilégios e não as responsabilidades próprias da condição policial, colocavam-me interiormente numa dupla e contraditória situação. Como pesquisador, eu me via dividido entre um claro constrangimento com os “ataques” e ao mesmo tempo “satisfeito” e “confiante” com o andamento da pesquisa, na medida em que via o objeto da minha análise emergindo através das representações sociais dos policiais, pois a frase “mulher na PM é dinheiro perdido do Estado” era, quando não evocada explicitamente, confirmada por outras formas pelos policiais masculinos e até femininos, sobretudo pelas mulheres que já haviam passado pela experiência de trabalhar na rua e que viam na resistência de suas colegas uma _________________ 33 Gíria militar, refere-se aquele policial esperto que dá “nó” nos colegas, ou seja, que é “enrolado” na forma como conduz o serviço, procurando trabalhar menos. 64 confirmação do “despreparo” e “falta” de interesse das mulheres em desempenhar as mesmas atividades que os homens. A aplicação do questionário foi ainda inusitada, pois se para muitos policiais masculinos eu estaria querendo “favorecer” as mulheres com a pesquisa colocando-os numa “difícil” situação, principalmente quando algumas perguntas estariam “levando-os” a cair em contradição ou a expressar uma visão não muito democrática sobre as policiais femininas, para estas as perguntas do questionário eram claramente “machistas”. Assim, as perguntas do questionário expressariam tanto o interesse das mulheres em “denunciar” o preconceito contra elas na PM quanto à opinião do pesquisador, fato que levou uma policial a se negar a responder às questões. A seguir, busquei apresentar, com base nos dados recolhidos através de questionários fechados distribuídos em diferentes unidades da Polícia Militar de Sergipe, um perfil geral dos policiais que participaram da pesquisa (Apêndice D), a fim de possibilitar o entendimento mais amplo a respeito das representações sociais de policiais militares sobre a presença feminina na Polícia Militar de Sergipe articulando-as às características sócioculturais do público pesquisado. Em relação ao instrumento de coleta citado, ele concentrou, conforme Apêndice B, 23 perguntas fechadas destinadas a recolher desde elementos básicos sobre a vida do policial como idade, sexo, tempo de serviço, religião, escolaridade, posto ou patente, setor de trabalho, passando pela motivação para o ingresso na profissão, grau de satisfação com a carreira, relações interpessoais no ambiente de trabalho, assim como as questões específicas sobre a percepção a respeito da presença feminina na corporação. A partir de questões básicas, a exemplo de idade, tempo de serviço, sexo, entre outras, passando por perguntas que buscaram captar opiniões sobre o papel das mulheres na PMSE, como as representações sobre o número de policiais femininas, critérios para distribuição desse efetivo, relação profissional e afetiva entre subordinados e superiores, até as questões polêmicas sobre os possíveis impactos da presença feminina na instituição, busquei compreender como os policiais militares, homens e mulheres, percebem o papel feminino na Polícia Militar. De modo semelhante, como as policiais militares modelam as representações sobre de si e sobre si no interior da instituição policial militar, lidam com as diferentes formas de preconceito na corporação e por sua vez trabalham, frente a esse cenário, na estruturação de sua identidade profissional. A disposição das perguntas no questionário, partindo de temas mais amplos e conhecidos do público policial militar para as questões específicas de gênero, cumpriu o 65 propósito de estimular uma maior abertura ao tratamento de um tema por si só polêmico como as questões de gênero. Além disso, a arquitetura do questionário se voltou para suscitar entre os policiais consultados um contexto maior de reflexão sobre temas diversos que guardam relação, por sua vez, com a presença das mulheres na instituição, como é o caso da relação afetiva entre homens e mulheres na polícia, bem como as relações interpessoais nos setores de trabalho, visto que um dos argumentos mais levantados pelos próprios policiais está no fato de que o ingresso das mulheres na instituição teria sido importante por “humanizar” as relações internas na instituição policial militar, conforme destacou um dos policiais ouvidos durante a pesquisa: “as mulheres são mais organizadas, cautelosas e sabem tratar melhor os policiais, seus subordinados. Entendem melhor quando o policial tem um problema em casa com a família. É diferente dos homens”. O desenho construído tanto para o questionário quanto para o roteiro de entrevista é um aspecto que coloca este trabalho metodologicamente lastreado nas observações apresentadas por Maria Odila Dias (1992, p. 40) a respeito dos parâmetros a serem utilizados nas pesquisas sobre gênero, pois: Libertar-se de categorias abstratas e de identidades universais como ‘a condição feminina’ é uma preocupação que decididamente enfatiza o interesse em desconstruir valores ideológicos e em perseguir trilhas do conhecimento histórico concreto que, reduzindo o espaço e o tempo a conjunturas restritas e específicas, permitem ao estudioso a re-descoberta de papéis informais, de situações inéditas e atípicas, que justamente permitem a reconstituição de processos sociais fora do seu enquadramento estritamente normativo. Documentar o atípico não quer dizer apontar o excepcional, no sentido episódico ou anedótico, mas justamente encontrar um caminho de interpretação que desvende um processo importante até ali invisível, por força da tonalidade restrita das perguntas formuladas tendo em vista estritamente o normativo. Encontrar a trilha e a perspectiva que ilumina a terceira margem do rio é um modo de renovar o conhecimento e nunca é bastante chamar atenção para o quanto podem ser renovadores os estudos feministas. Neste sentido, da amostra quantitativa definida para esta pesquisa, que totalizou 325 questionários, preenchidos por 271 indivíduos do sexo masculino e 43 do sexo feminino34, a faixa etária predominante esteve centrada em policiais entre 30 e 39 anos, compreendendo 48,9 % do total, ou seja, 159 indivíduos. Em seguida, verificou-se que _________________ 34 Na pesquisa, 11 questionários foram devolvidos em branco, correspondendo a 3,4% do total de questionários aplicados e um foi anulado por ter sido assinado pelo policial. Um fato interessante colhido foi a disposição de muitos policiais em assinar o questionário, embora inicialmente eu destacasse a necessidade de que não fossem assinados. Desses policiais dispostos estavam, sobretudo, os que afirmavam não concordar com a presença feminina na instituição, o que revelou a ausência de constrangimento de alguns policiais em expressar que a presença feminina na PM é em certo sentido um elemento “indesejado”. 66 indivíduos com idade entre 40 e 49 compuseram o segundo maior percentual, totalizando 70 policiais, o que em termos percentuais significou 21,5% da amostra, seguida de 18,5% de policiais situados na faixa etária entre 25 e 29 anos; 5,8%, entre 21 e 24 anos, 1,8%, correspondente a indivíduos com idade superior a 50 anos. A maior concentração de policiais com idade entre 30 e 49 anos, 70,4% do total, encontra correspondência nos dados sobre tempo de serviço na corporação que aponta para percentual representativo dos indivíduos consultados, ou seja, 26,5% situados entre 10 e 15 anos de serviço na Polícia Militar, e 25,5%, entre 15 e 20 anos de trabalho. Elemento que aponta para uma amostra composta em sua maior parte por policiais com expressivo tempo de serviço na instituição: entre 10 e 20 anos. Nesse campo, a terceira maior frequência registrada ficou com policiais que totalizam de 01 a 03 anos de corporação: 18,5%. A junção dos dados referentes à idade dos entrevistados e o tempo de serviço revela que o ingresso na Polícia Militar se dá geralmente cedo, por volta dos 22 anos de idade, assim como a existência de uma população jovem menor, embora expressiva, presente na instituição. Do efetivo total, 29,3% teriam no máximo 10 anos de serviço e, como foi citado anteriormente, 52% dos policiais que participaram da pesquisa têm entre 10 e 20 anos de instituição, enquanto 15,06% têm mais de 20 anos de experiência na caserna. Na parte correspondente à cor, a composição ficou marcada por 61,8% de indivíduos que se auto-declararam pardos, 16,3% negros, 15,7% brancos, 1,8% amarelos e 0,6 indígenas. Percentual um pouco semelhante à da população sergipana, onde os índices de pardos e negros giram em torno de 75%, segundo o último censo realizado pelo IBGE (2007). O que evidencia a PM como um setor do serviço público estadual onde ocorre uma distribuição equitativa das “raças” ou cores em relação à composição étnico-racial da sociedade sergipana. No campo correspondente à religião, 58,8% se auto-declararam católicos, seguidos por 17,2% evangélicos, 4,6% espíritas, 3,1% ateus, enquanto apenas 0,3% assumiram o candomblé como sua religião. Chama a atenção o fato de 8,3% assinalarem a opção “Outras”, fazendo referência a formas diversas de vivência espiritual sem ligação direta com os cultos religiosos majoritários. O espaço reservado à escolaridade dos policiais, indubitavelmente, aponta para um dado bastante interessante vivido pela instituição nos últimos anos e até então carente de dados mais precisos, tendo em vista a ausência de pesquisas quantitativas ou censos da instituição que confirmassem uma percepção geral sobre o crescimento da escolaridade dos policiais militares, especialmente na última década. Segundo levantamento feito a partir do 67 questionário desta pesquisa, a maior parte dos policiais, 34,2%, possui o ensino médio completo, enquanto 20,6% estão na universidade e outros 23,1% já possuem diploma de nível superior, seguidos de 8,6% que avançaram através de cursos de pós-graduação. Desse modo, apenas 10,5% dos policiais possuem escolaridade abaixo do ensino médio, sendo 2,5% com o ensino fundamental incompleto, 1,8% ensino fundamental completo e 6,2% ensino médio completo, o que faz revelar que uma vez somados os indivíduos com ensino médio completo, superior completo, incompleto e com pós-graduação, o percentual chega a “impressionantes” 86,5%. Esses dados evidenciam que, ainda que não seja possível apresentar dados da instituição sobre a escolaridade dos policiais militares de anos anteriores, a PM segue uma tendência no país e em outras instituições com o crescimento da escolaridade dos seus membros, na medida em que a própria escolaridade definida para o ingresso em seus quadros tem aumentado nas últimas décadas35. De ensino fundamental incompleto no final dos anos 1980 para ensino médio no final dos anos 1990, acompanhado de recentes reivindicações, através das associações de classe dos policiais militares junto ao Governo do Estado para fixação do requisito de nível superior, processo semelhante ao da Polícia Civil, os membros da PM dão indícios importantes de crescimento da escolaridade e da importância, em grande parte estratégica, que a escolaridade tem para a valorização da carreira e das oportunidades de melhoria das condições de trabalho. Pode-se ainda atribuir ao maior nível escolar às tensões hoje existentes no interior da Polícia Militar, quando o questionamento dos preceitos militares que balizam a organização é um fato cada vez mais constante entre policiais que ocupam a base da instituição. Não raramente, soldados com quem conversei e que possuem maior escolaridade, vêem as tarefas de execução com alguma resistência, principalmente quando os seus superiores possuem menos anos de estudos e as chances de ascensão profissional são reduzidas na instituição36. Os números são ainda mais representativos quando se leva em consideração que 43,1% foram respondidos por soldados, acompanhado de 14,5% por cabos, 22,5% por sargentos e 4,3% por sub-tenentes. Do total de oficiais que participaram da pesquisa 5,8% _________________ 35 Nos concursos para soldado e sargento nos anos de 1991 e 1993, a escolaridade exigida dos candidatos foi de primeiro grau completo. 36 Segundo legislação em vigor da PMSE, para ser promovido do posto de soldado para cabo, o policial militar precisa ter no mínimo 08 anos de efetivo serviço na corporação. Uma exigência que é ainda condicionada à existência de vagas no quadro, o tem levado esses policiais a alcançarem a promoção, em média, com 14 anos de serviço efetivo na instituição. 68 pertencem ao círculo dos tenentes, 3,7% dos capitães; 1,5% dos majores, 0,6% dos tenentescoronéis e 0,3% dos coronéis. Em resumo, 84,4% pertencem às praças, 9,5% ao quadro dos oficiais subalternos e 2,4 aos dos oficiais superiores. No que tange à distribuição desse efetivo, 48,3% afirmaram desenvolver suas atividades na esfera administrativa, enquanto 10,2% estão concentrados no trabalho de trânsito, a exemplo das Companhias de Policiamento Rodoviário Estadual (CPRv) e CPTran, que atua no perímetro urbano da capital. A PM-2 e o setor reservado do CPMC, encarregados dos serviços de investigação na instituição, concentram 1,8% da amostra, enquanto 20,3% trabalham em serviços de ronda ou policiamento ostensivo; 13,5% fazem parte de unidades de polícia especializada como Batalhão de Choque e Companhia de Operações Especiais, que nos últimos anos, com base na política de segurança pública do atual governo do Estado, vêm também desempenhando a tarefa de policiamento ostensivo. Integram ainda o grupo 1,5%, correspondente aos policiais que atuam junto a Postos de Atendimento ao Cidadão (PAC) e 0,3%, ou seja, apenas 01 policial, em delegacia de polícia civil. Um percentual explicado pela recente resistência manifestada pelos policiais militares em atuar nas delegacias de Polícia Civil, sobretudo após a concessão de reajuste salarial diferenciado para as duas categorias, na qual os agentes e escrivães de polícia civil receberam reajuste parcelado até 2010, em torno de 600%, fato que motivou os superiores e os próprios subordinados a atuar na transferência para outros setores da atividade, com vistas a “coibir” na PM o desvio de finalidade, na medida em que constitucionalmente os policiais militares são responsáveis pelo policiamento ostensivo e os policiais pelo serviço investigativo. A forte concentração de policiais no setor administrativo na Polícia Militar de Sergipe, que gira em torno de 48% e, portanto, emprega uma grande parcela do efetivo, é um aspecto que demanda atenção cuidadosa. Tal distribuição pode, em certa medida, ser relacionado como um fator significativo a expressar não só uma suposta inclinação reduzida dos policiais pelo policiamento ostensivo, em virtude dos inerentes perigos que a atividade oferece, mas a fatores localizados na própria estrutura organizacional da PM, que motivaria a saída desses policiais da atividade-fim, conforme discuti em outro trabalho (SOUZA, 2008). Durante a pesquisa, a concentração do público feminino nas atividades administrativas seria, curiosamente, tanto fator para justificar a presença das mulheres na instituição, pois estas estariam “naturalmente” mais inclinadas a desenvolver essas atividades por serem “cuidadosas”, “organizadas” e “sensíveis” – portanto não-aptas à rotina das ruas quanto fator de crítica às mulheres que estariam fugindo dos riscos inerentes ao policiamento 69 ostensivo, recorrendo ao apadrinhamento político ou à “proteção” dos superiores hierárquicos, lotando as seções, conforme “denunciaram” alguns policiais durante a pesquisa, ao afirmar que as mulheres na polícia já entrariam buscando trabalhar nos setores administrativos da instituição. Certamente os motivos apontados pelos Pm’s para o seu ingresso na instituição ressaltam a necessidade de pensar políticas públicas que busquem melhor valorizar a atividade e que a curto ou médio prazo a transformem numa opção atraente de ingresso, para além do mero desejo de estabilidade (39,1%) ou como opção apresentada frente à “ausência de outra oportunidade” (18,2%). Dos policiais consultados, apenas 9,2% assinalaram a opção “possibilidade de crescimento profissional” e 15,7% a alternativa “vocação”, enquanto 3,4% destacaram o fator “salário” e 2,5% o “incentivo familiar”, revelando assim que a profissão é pouco valorizada socialmente e que a experiência direta na corporação é pouco eficaz em resignifcar o sentido do ingresso desses indivíduos. Aspecto sintomático de mudanças importantes operadas no mercado de trabalho no Brasil, sobretudo num momento em que os candidatos a ingressar na PM, até então majoritariamente vindos dos estratos sociais mais pobres, vêm ultimamente com frequência de setores médios e até médios altos, apresentando por sua vez maior nível de escolaridade. Um fator que aponta também para a busca do serviço público como alternativa viável e privilegiada nos últimos anos e como resultado provável das crises econômicas enfrentadas pelo país, responsáveis por forjar nos brasileiros o desejo de buscar oportunidades de emprego que ofereçam maior estabilidade no vínculo de trabalho. É possível ilustrar esse crescimento, no caso da PMSE, através de uma breve comparação entre os concursos realizados pela instituição nas últimas duas décadas. Se em 1990, por exemplo, inscreveram-se 2028 pessoas para concorrer às vagas de sargento masculino e feminino, que além da exigência dos candidatos serem solteiros e sem dependentes, exigia que tivessem o primeiro grau completo37, no ano de 1993 concorreram cerca de 3 mil candidatos para o preenchimento de 290 vagas para soldado, sendo 250 masculinos e 40 femininos38. _________________ 37 38 “Sexta e sábado as provas para Sargento da Polícia, Jornal Gazeta de Sergipe, (09/01/1991, p. 03). “Resultado de concurso da PM deverá sair na segunda-feira”, Jornal Gazeta de Sergipe (12/11/1993, p. 06). 70 Quase uma década depois, aproximadamente 30.000 disputaram 200 vagas para o cargo de soldado, sendo 160 vagas para homens e 40 para mulheres39. No concurso para CFSd de 2005, por sua vez, segundo matéria veiculada no site da PMSE em 19 de agosto de 2005, a concorrência continuou alta, quando foram registradas 14.804 inscrições para 500 vagas, distribuídas em sete regiões do Estado, conforme tabela 03: Tabela 03 - Concorrência concurso de soldado 2005 Cidade Masculino Feminino Aracaju 27.33 51.97 Propriá 33.78 33.13 Itabaiana 11.78 16.38 Canindé do são Francisco 42.72 42.13 Estância 18.44 18.75 Lagarto 20.41 22.00 Fonte: http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1123540383. Acesso em: 05 jul. 2009. Nota-se na tabela 03 que os locais mais procurados foram Aracaju e Canindé do São Francisco. A cidade de Aracaju, na verdade a região metropolitana, que compreende além da capital os municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros, teve 6559 homens concorrendo a 240 vagas, seguida de 3118 mulheres inscritas para 60 vagas ofertadas, o que fixou a concorrência expressiva de 27,33 e 51,97, respectivamente, por vaga. A segunda maior concorrência registrada foi a da região de Canindé, onde a concorrência tanto para as vagas masculinas e femininas fixou números semelhantes, de aproximadamente 42 candidatos por vaga. É importante destacar, ainda, voltando aos dados sobre o motivo destacado pelos policiais para o ingresso, o sentido problemático que o termo “vocação” assume quando voltado para a atividade policial, pois ser um sujeito vocacionado, tendo em vista o imaginário que envolve a instituição e as práticas policiais, não é garantia de um desempenho ético orientado à promoção dos direitos humanos e ao respeito ao estado de direito democrático. Como percebido em diferentes conversas com policiais no momento de aplicação do questionário, as afirmativas que se referiam espontaneamente a respeito do motivo para ingresso e que se referiam à vocação, em grande medida relacionavam a vocação 39 “Boato de fraude não anula concurso da PM”, Informe Sergipe (16/04/2002). Disponível em: <http://www.informesergipe.com.br/pagina_data.php?sec=2&&rec=79&&aano=2002&&mmes=4>. Acesso em: 05 jul. 2009. 71 para a atividade policial como um desejo aparentemente contraditório de experimentar o risco e de “combater” a marginalidade. Assim, mesmo com os baixos salários no momento do ingresso na PM o que estava em questão era a “vocação” de ser polícia, de “trocar tiro com marginal”, de “prender bandido”. Os policiais, portanto, ao se fixarem no processo de constituição de sua identidade profissional demonstram estabelecer relação de alteridade com aquilo que eles têm como seu inimigo, o “bandido”, considerando-o como aquele que deve “castigado” e que uma vez resolvendo “dar as testas” com a polícia, ou seja, resistir de forma violenta à prisão, deve ser morto. Afinal, ele “deve pagar o seu preço”. Sobressai nessa relação que os policiais estabelecem na prática policial importância do “bandido” como elemento que dá respaldo simbólico à existência da polícia. Nesse caso, o policial antes de existir para promover a segurança dos cidadãos e promover a ordem pública, teria sua existência respaldada pela missão de “pôr fim”, “combater os marginais” por meio de uma política que privilegia o enfrentamento e a “aniquilação” dos inimigos sociais. No caso da satisfação com a profissão, esse quadro possui contornos preocupantes quando perguntado aos policiais se eles se sentem satisfeitos com a profissão. Do total, apenas 21,2% afirmaram ser realizados ou muito realizados. De modo inverso, a maioria, 74,1% expressaram pouco ou nenhuma satisfação com a profissão. Um percentual, inegavelmente, reforçado pelos impasses com o Governo do Estado em torno da concessão do reajuste dos soldos, orientada pelas reivindicações relativas à equiparação dos vencimentos dos Pm’s com os Policiais Civis e que têm concentrado a atenção nos últimos meses de grande parte da corporação40. Esse cenário, aliado à crise de identidade vivida pelos policiais militares, segundo apontou Jacqueline Muniz (2001), colabora para uma realidade marcada por dois aspectos emblemáticos do cotidiano policial militar, ou seja, a difícil relação entre superiores e subordinados, e a percepção social ruim sobre a função policial, que, segundo os estudos de Minayo, Souza e Constantino (2007) e Fernanda Amador (2002), apresentam-se como causas de sofrimento psíquico para os policiais. Nos discursos dos policiais, a sociedade tem uma imagem bastante ruim da instituição _________________ 40 No último mês os PM’s conseguiram reajuste parcelado até dezembro de 2010 de aproximadamente 80%. Reajuste que eleva, segundo o Governo do Estado, os salários dos soldados de 1.500 reais para cerca de 2.600 reais até dezembro de 2010. 72 Quanto à relação superiores/subordinados, cito, no plano local, os trabalhos de Juliana Silva Dantas: “O Trabalhador Policial Militar: sujeito vulnerável ao adoecimento psíquico” (2008) e Gomes, Góis e Leite (2002), que buscaram analisar a relação entre as condições de trabalho, formas de sociabilidade, formação profissional e o adoecimento mental de policiais na Polícia Militar de Sergipe. Os trabalhos indicam a conexão entre a rotina de trabalho e o adoecimento psíquico dos policiais, assim como o tímido papel do Estado dispensado no enfrentamento desse problema. Segundo destacou Muniz (2001), os policiais questionam com grande frequência a validade dos preceitos militares na orientação da atividade policial, considerados entraves ao bom funcionamento das atividades e causa de comprometimento das relações, na medida em que não expressariam a natureza do trabalho por eles desempenhado. Possivelmente, a pouca satisfação apontada na relação entre superiores e subordinados, em torno de 50%, revele essa crise de identidade e a necessidade de reformulação das estruturas organizacionais na instituição. Na PM, os tímidos serviços de assistência psicossocial e o rigor militar impedem uma maior abertura a debates internos entre praças e oficiais, a exemplo da exposição de demandas individuais específicas a um tipo de atividade marcado pelo grande sentimento de risco e desencanto com a atividade. Um elemento comum e que pode ser representado por respostas como a de uma jovem policial entrevistada, que disse ter saído da iniciativa privada, onde tinha um emprego que lhe remunerava inclusive melhor, para ingressar na PM em razão de sua suposta vocação e pela estabilidade do serviço público. Segundo ela, o “militarismo”, categoria que serve para designar o modelo que rege a organização da PM e também instrumento a serviço dos superiores impor restrições ao comportamento dos subordinados, constitui razão para o desencanto com a profissão policial militar: “No início eu até achei que seria interessante. A principio eu estava feliz em entrar na polícia militar, pois eu sempre quis trabalhar em órgão de Segurança Pública. [...] Depois descobri que minha vocação era para Segurança Pública e não para a PM. O militarismo é um grande entrave, depois de três meses já estava arrependida de entrar na policia. Eu não sei se o militarismo ou se a forma como usam o militarismo. É uma instituição complicada que você não tem liberdade de expressão, se você é soldado você vai ter que obedecer desde um soldado mais antigo até um coronel. Qualquer pessoa pode anular sua expressão, qualquer um mais antigo pode lhe detonar”. (Soldado Feminino, 26 anos, 03 anos de serviço). Já no que diz respeito às representações dos PMs sobre a imagem da sociedade sobre a função policial, pode-se afirmar, neste sentido, que as cenas recorrentes de violência envolvendo policiais, aliadas às críticas da mídia e outras organizações, a exemplo de entidades de defesa dos direitos humanos e setores organizados da população, provocaram um 73 reflexo sobre a percepção que os policiais atribuem à sociedade em relação à imagem da Polícia Militar. De acordo com 69,2%, a imagem que a sociedade possui da polícia é ruim ou muito ruim, contra apenas 22,8% que consideram a imagem da polícia boa, e 0,9% que afirmou ser muito boa essa imagem. Como destacou uma policial: “[as pessoas] não vêem com bons olhos não, pelas próprias ações por parte de alguns. Parecem que não sabem lidar com certas situações, acabam praticando coisas que vemos todos dias nos jornais na televisão. Cria uma imagem muito ruim, nós sabemos que tem pessoas boas, são pessoas honestas que trabalham direito, infelizmente por causa de algumas ou certas coisas que a gente ver no dia a dia é que a polícia militar fica mal vista, fica desmoralizada, desacreditada”. (Aluna do curso de sargento, 36 anos, 13 anos de serviço). 3.2 Representações Sociais e Relações de Gênero na PM Na série de perguntas mais específicas do questionário, destinadas a identificar as representações sociais dos policiais militares sobre diferenças de gênero e as possíveis implicações do ingresso das mulheres na corporação, a primeira questão se deteve em verificar se para os policiais as pessoas, de um modo geral, manifestariam mais segurança ao serem atendidos por homens ou mulheres policiais durante uma ocorrência. Segundo 51,1% dos policiais consultados, as pessoas se sentem mais seguras sendo atendidas por policiais masculinos. De modo diverso, apenas 2,5% afirmaram que a população se sente mais protegida ao receber atendimento de policiais femininos, enquanto 37,5% disseram não existir diferença na percepção dos indivíduos sob maior nível de segurança quando o atendimento varia segundo o sexo dos policiais. Uma compreensão que, portanto, difere dos discursos usuais, que normalmente atribuem ao público feminino qualidades como maior “poder de comunicação”, “sensibilidade” e “paciência”. Nesse caso, essas mesmas qualidades não se reverteriam em maior adaptação das mulheres à atividade policial, mesmo aquelas caracterizadas pelo maior contato com o público civil, como o policiamento comunitário. Uma das poucas exceções seriam justamente as atividades de atendimento ao público na central telefônica de chamadas de emergência e em locais públicos como repartições e aeroportos, espaços que por suas características, como presença de diferentes sistemas de vigilância, a participação feminina direta numa ocorrência policial é um aspecto em certa medida remoto. Como é possível visualizar nas tabelas 04 e 05 a seguir, que concentram respostas dos policiais a partir das variáveis graduação e posto, assim como sexo dos policiais, mais da metade dos PM’s consultados afirmaram que a sociedade se sente mais segura quando atendida por policiais masculinos. 74 Tabela 04 - Questão 13 (variável graduação ou posto) Q6/Q13 POR HOMENS POR MULHERES QUALQUER UM NÃO SABE TOTAL Soldado Cabo Sargento 26.20% 8.00% 9.80% 1.20% 0.30% 0.30% 13.50% 4.90% 10.50% 2.20% 1.20% 1.80% 43.10% 14.50% 22.50% Sub-Tenente Tenente Capitão Major 2.20% 2.50% 0.90% 0.90% 0.00% 0.30% 0.00% 0.30% 2.20% 2.80% 2.80% 0.30% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 4.30% 5.80% 3.70% 1.50% Tenente-Coronel Coronel Não informou 0.00% 0.30% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 3.40% 0.60% 0.30% 3.70% Total 51.10% 2.50% 37.50% 8.90% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009) Fator que se repete na tabela 05, onde metade das policiais (6,5%) respondeu de forma idêntica, acreditando, sem respaldo de pesquisas de opinião, mas sob a base de um saber difuso construído a partir de sua vivência pessoal e do contato com o público civil, que as pessoas preferem ser atendidas por homens. Trata-se de resposta que se confunde com a opinião das policiais, que afirmam confiar pouco nas condições de trabalho de outras policiais, conforme revelou umas das policiais ouvidas: “Muitas aí não têm preparo, não sabem pegar numa arma, fazer uma revista, uma abordagem. Preferem ficar aqui dentro, não sabem resolver nenhuma ocorrência. Dessas daqui eu confio só em algumas. A maioria das oficiais nunca trabalhou na rua. Só uma que comandou uma companhia e é boa de trabalhar na rua. O restante eu não confio. Precisam ir pra rua”. (Soldado, 34 anos, 11 anos de serviço). Tabela 05 - Questão 13 (variável sexo) Q3/Q13 NÃO SABE TOTAL Masculino POR HOMENS 44.60% 1.80% 32.60% 4.30% 83.40% Feminino 6.50% 0.60% 4.60% 1.50% 13.20% Não Informou 0.00% 0.00% 0.30% 3.10% 3.40% Total 51.10% 2.50% 37.50% 8.90% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). POR MULHERES QUALQUER UM 75 Diferentemente do que afirmou uma das policiais com quem conversei durante a pesquisa, uma aluna do Curso de Sargento que defende maior participação das mulheres nas tarefas de policiamento sob o argumento de que as policiais femininas são mais “equilibradas” e “pacientes”, tendo o cuidado de ouvir a versão das partes envolvidas, principalmente em brigas entre vizinhos e pequenas confusões de rua, parte expressiva dos policiais ouvidos parecem acreditar que a presença feminina representa maiores riscos para a guarnição policial que garantias de sucesso na resolução de ocorrências. Ao atuar nas ocorrências os policiais teriam a dupla preocupação de resolver a situação e “proteger” suas companheiras de trabalho. Segundo um dos policiais que entrevistei, existiriam diferenças acentuadas entre homens e mulheres, de modo que para ele: “Tem diferença [entre homens e mulheres]. Homem é homem até debaixo d’água. As mulheres se acham com direitos iguais. Isso pra mim não existe. Tem coisas que pode até ter, outras não porque o homem sai dois, três dias de casa e tudo bem; agora a mulher vai ser desmoralizada de uma hora para outra pelos colegas, vizinhos. O homem pra onde ele for ele continua sendo o homem, agora a mulher... Não sei nem explicar direito [...] [Além disso,] os militares não aceitam muito bem não. Porque na hora do vamos ver o cara tem que defender ela primeiro pra depois defender o meliante. Ou você se preocupa com o meliante ou com sua parceira. É uma preocupação enorme e isso compromete o serviço. Trabalhando a gente tem que colocar ela no meio porque se colocar ela a última os vagabundos não respeitam, eles vão passar a mão, querem mexer. Não respeitam. Por esse motivo a gente tem que tomar cuidado com elas”. (Segundo Sargento, 39 anos, 20 anos de serviço). Na oportunidade, perguntei ao sargento se isso já havia acontecido durante algum serviço, tendo a seguinte resposta: “Já. A gente trabalhando junto e tentaram passar a mão nela e agente teve que se preocupar mais ainda porque teve que trabalhar com ela [a policial] no meio da guarnição”. (Segundo Sargento, 39 anos, 20 anos de serviço). Neste sentido, a mesma policial que reivindica maior participação ativa das mulheres da PM, contou-me que certa vez foi chamada na repartição em que trabalha para atender uma ocorrência num dos fóruns da cidade, onde um indivíduo estaria tumultuando o local. Ao chegar ao fórum e se dirigir a uma das salas foi recebida pela Juíza, que havia chamado reforço. Em tom “visível” de espanto e certo desapontamento, a Juíza, segundo ela, teria reclamado do Setor de Segurança do Tribunal de Justiça sobre o fato de terem enviado uma mulher para resolver a ocorrência. A policial afirmou na ocasião à Juíza que tudo que um homem pudesse resolver ela também poderia, não sendo questionada pela Juíza que, em seguida, solicitou que ela resolvesse a situação. 76 Seguindo essa linha, a fala de um dos policiais masculinos com que conversei durante a pesquisa se mostrou particularmente reveladora tanto de uma visão cristalizada sobre gênero quanto das polêmicas tentativas de discutir essas representações na PM. No dia em que apliquei parte significativa dos questionários no Quartel Central, ele aproveitou o espaço, assim como muitos de seus colegas, para expressar seu descontentamento com a presença das mulheres na polícia. Segundo o policial, elas não contribuiriam o necessário para o bom andamento da instituição na medida em que estariam isoladas da atividade de rua, ao privilegiarem o serviço administrativo, aspecto para ele resguardado pelos superiores hierárquicos que, a depender dos “atributos físicos”, como beleza das policiais, prefeririam têlas em suas seções em detrimento de policiais masculinos. Interpelado por um dos colegas de trabalho, que afirmou que o ingresso de mulheres nos quadros da PM havia sido um aspecto positivo para a instituição, pois elas são mais “inteligentes e sensíveis”, prontamente o policial, um soldado, respondeu que justamente por serem “inteligentes e sensíveis” a polícia não era lugar pra elas. O que mostra não só que a presença de mulheres na PM está distante de ser objeto de consenso entre policiais, como também a existência de uma imagem resistente no meio policial militar sobre a pouca importância desses critérios para um bom desempenho profissional. Neste sentido, Bila Sorj (1992, p. 20) afirma que, pautando-se nessa lógica, fica evidente que [...] se o mundo público, sua cultura e instituições se organizam por intermédio de uma moral racional, haveria pouca chance de se ver aí incluída a perspectiva das mulheres. Consequentemente, ou as mulheres abandonam sua identidade particular e se integram no ‘humano universal’, ou bem estariam excluídas do mundo político. Se observada a opinião dos policiais militares a respeito da presença feminina, pode-se chegar a uma realidade aparentemente alentadora, pois 74,8% afirmaram ser favoráveis ao emprego de mulheres na instituição. Do total de soldados, 43,10%, grande parte, 32,30%, afirmou ser favorável, ainda que parcela substancial, 8,90%, disse apenas a depender do setor aonde elas viessem a trabalhar. Na esfera dos sargentos, os dados refletem uma maior resistência à presença das mulheres na instituição. Algo que pode ser reforçado pelas entrevistas ou simples conversas que mantive com alguns policiais dessa graduação. A condição dos sargentos no quadro hierárquico da instituição (Anexo A), mostra que eles estão justamente na faixa de transição entre a esfera das praças e a dos oficiais, podendo ser considerados o elo, a comunicação mais frequente entre esses dois universos. Os sargentos cumprem, segundo o artigo 36 do Estatuto dos Policiais Militares, Lei número 2.066 de 23 de dezembro de 1976, juntamente com os subtenentes, as tarefas que visam à 77 auxiliar e completar “as atividades dos oficiais, quer no adestramento e no emprego dos meios, quer na instrução e na administração”. Embora possam vir a ser empregados nas atividades de execução de policiamento ostensivo, são os soldados e cabos, de acordo com o artigo 37 da mesma lei, considerados “essencialmente” os elementos de execução. Desse modo, os sargentos são responsáveis mais diretos pela execução das atividades de policiamento, os chefes das guarnições policiais e muitas vezes, pela sua experiência de vida na caserna e do seu saber sobre as ruas, aqueles que forjam nos recrutas as representações sobre o que de fato consiste em ser policial. Nesse caso, reforçam que sua resistência à presença das mulheres está sustentada na experiência direta de observação do trabalho feminino, para alguns deles marcado por “sérios” problemas como faltas no serviço em razão das complicações no ciclo mentrual, varizes e questões relacionadas à maternidade. Conforme o relato de um sargento no momento em que distribuía os questionários: “Eu já comandei Pfme’s aqui no centro da cidade e foi o pior período da minha vida. Nunca vi tantos problemas. Era tanta reclamação delas, atestados de saúde, problemas. Quando alguma delas descobria que estava grávida não queria mais trabalhar. Isso já no primeiro dia que descobriu a gravidez dizia: “Sargento, não posso mais trabalhar na rua, estou grávida. Isso no primeiro dia!”. Tabela 06 - Questão 14 (variável graduação ou posto) SIM NÃO DEPENDE DO SETOR NÃO SABE TOTAL Soldado Cabo Sargento Sub-Tenente Q6/Q14 32.30% 12.30% 16.30% 3.10% 1.80% 1.20% 1.80% 0.30% 8.90% 0.90% 4.00% 0.90% 0.00% 0.00% 0.30% 0.00% 43.10% 14.50% 22.50% 4.30% Tenente Capitão Major Tenente-Coronel 5.20% 3.10% 1.20% 0.60% 0.60% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 0.30% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 5.80% 3.70% 1.50% 0.60% Coronel Não Informou 0.30% 0.30% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 3.10% 0.30% 3.70% 74.80% 6.50% 15.40% 3.40% 100% Total Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Assim, embora seja declaração minoritária, chama a atenção o fato de 6,5% emitirem opinião contrária a essa presença, seguida daqueles que apresentaram condicionantes ao ingresso das mulheres, 15,40%, afirmando que seriam favoráveis à 78 presença feminina a depender do setor onde estas viessem a trabalhar. Ou seja, para a maioria deles, desde que longe da atividade de rua, considerada um espaço eminentemente masculino. Tabela 07 - Questão 14 (variável sexo) Q3/Q14 SIM NÃO DEPENDE DO SETOR NÃO SABE TOTAL Masculino Feminino Não Informou 61.20% 13.20% 0.30% 6.50% 0.00% 0.00% 15.40% 0.00% 0.00% 0.30% 0.00% 3.10% 83.40% 13.20% 3.40% Total 74.80% 6.50% 15.40% 3.40% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Uma das perguntas exigiu que os policiais refletissem sobre o possível impacto produzido na instituição a partir do ingresso das mulheres. Nesse caso, conforme demonstrado na tabela 08, apenas 6,2% disseram que elas não teriam contribuído para o desenvolvimento da corporação, acompanhados de 36,6%, que disseram que as policiais femininas contribuíram pouco ou muito pouco para o desenvolvimento da PM. Em processo inverso, 49,5% disseram que as mulheres auxiliaram bastante no progresso da corporação, ainda que essa contribuição esteja condicionada à percepção de que elas estariam preparadas apenas a desempenhar algumas atividades na polícia, representada por 42,8% dos policiais consultados. Tabela 08 - Questão 15 (variável graduação ou posto) Q6/Q15 CONTRIBUIU NÃO POUCO CONTRIBUIU CONTRIBUIU CONTRIBUIU NÃO MUITO BASTANTE SABE POUCO TOTAL Soldado 12.00% 1.50% 3.70% 23.40% 2.50% 43.10% Cabo Sargento Sub-Tenente Tenente Capitão Major Tenente-Coronel Coronel Não Informou 4.00% 7.70% 0.60% 0.30% 1.80% 0.30% 0.00% 0.30% 0.00% 0.90% 2.50% 0.60% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 2.50% 2.20% 0.00% 0.90% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 6.50% 9.20% 3.10% 3.70% 1.50% 0.90% 0.60% 0.00% 0.60% 0.60% 0.90% 0.00% 0.30% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 3.10% 14.50% 22.50% 4.30% 5.80% 3.70% 1.50% 0.60% 0.30% 3.70% Total 27.10% 6.20% 9.50% 49.50% 7.70% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). 79 Outros 5,5% afirmaram que a atividade policial não poderia ser desempenhada por mulheres, totalizando assim 48,3% dos que recusam ou restringem o desempenho polical feminino, mesmo percentual daqueles que julgaram que as mulheres podem desempenhar qualquer atividade na polícia. Em relação ao primeiro grupo, sua opinião supostamente está fundada na compreensão de que as mulheres não têm o mesmo “preparo” que os homens para esse tipo de atividade, que exigiria como requisito não apenas coragem, mas “força” e “atitude”, elementos reconhecidos como tipicamente masculinos e, segundo eles, exigido no quotidiano policial, marcado pelo sentimento de risco e confronto iminente com a morte. Embora com possibilidades “iguais” de desempenho da atividade, alguns policiais ouvidos afirmaram que a mulher seria um pouco “diferente” no que se refere à força física, “claramente” menor, uma “menor” capacidade de se adaptar à rotina policial, assim como uma inclinação maior à demonstração de medo: “São seres humanos, tudo igual. Mas, a mulher é um pouco assim: qualquer coisa se assusta, tem medo, mas depende do ensinamento. Ela tem receio, tem medo de atirar, mas depende do ensinamento. No primeiro tiro ela fica com medo. Tudo bem, mas depois depende [de como for treinada]”. (Soldado, 54 anos, 32 anos de serviço). Essa opinião, sem dúvida, explica o fato de 11,1% julgarem o número de policiais femininas excessivo na PMSE, seguida de 43,4% que consideram suficiente esse número. Com base no efetivo da corporação, no qual as mulheres representam pouco mais de 5% do total de agentes, essa percepção dificulta, por exemplo, que o efetivo feminino seja ampliado, para além dos obstáculos legais colocados nos processos de recrutamento. Do total da amostra, 34,5% disseram que o número de mulheres é insuficiente, contra 54,5% que apostam, mesmo que indiretamente, na diminuição ou “congelamento” do número de mulheres na instituição. Uma análise mais detalhada, observando o posicionamento dos policiais segundo graduação ou posto, revela que mais de 30% dos sargentos e praticamente 50% dos soldados e dos oficiais entende ser suficiente o efetivo feminino na PM. Já os que consideram excessivo são aproximadamente 20% entre os sargentos e 10% entre os oficiais, percentuais, portanto, maiores que entre os soldados (menos de 9%), fato que pode ser creditado ao maior número de policiais femininas soldados que preencheram o questionário. Os dados, de qualquer sorte, deixam transparecer que aqueles que detêm maior poder decisão na corporação, formulando planejamento de segurança e atuando na distribuição de efetivo e na formulação de políticas de segurança não creditam maior importância ao aumento do efetivo feminino na Polícia Militar de Sergipe. 80 Tabela 09 - Questão 17 (variável graduação ou posto) Q6/Q17 EXCESSIVO SUFICIENTE INSUFICIENTE NÃO SABE TOTAL Soldado 3.70% 20.90% 16.30% 2.20% 43.10% Cabo Sargento SubTenente Tenente Capitão Major TenenteCoronel Coronel Não Informou 1.20% 4.30% 7.10% 8.00% 4.60% 7.10% 1.50% 3.10% 14.50% 22.50% 0.30% 0.60% 0.60% 0.00% 1.80% 2.80% 0.90% 0.90% 2.20% 1.50% 1.80% 0.60% 0.00% 0.90% 0.30% 0.00% 4.30% 5.80% 3.70% 1.50% 0.00% 0.00% 0.60% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.60% 0.30% 0.30% 0.00% 0.30% 3.10% 3.70% 11.10% 43.40% 34.50% 11.10% 100% Total Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Na tabela 10, destaca-se parcela significativa de policiais femininos que entendem ser suficiente o número de mulheres na instituição. Ainda que nenhuma tenha considerado o número de mulheres excessivo, entre aquelas que respondram à questão, 13,20%, 4,90%, isto é, mais de um terço, disseram que o efetivo feminino é suficiente. Provavelmente, esse índice mantém relação com a percepção comum, inclusive entre as mulheres, que para as tarefas reservadas a elas o número é suficiente. Além disso, diante das condições estruturais oferecidas para o efetivo feminino, ou mesmo da ausência de alojamentos e banheiros específicos, a PM não poderia comportar mais mulheres na medida em que mesmo para o número pequeno existente as condições de trabalho são precárias ou inexistentes. Segundo enfatizaram alguns policiais, a polícia militar teria mudado estruturalmente muito pouco desde o seu ingresso, de modo que para uma mulher hoje é ainda muito difícil trabalhar na função policial. Da mesma forma, quando pensada a ampliação do efetivo feminino, este vem como possibilidade de liberar os homens que trabalham nos setores burocráticas para as atividades de risco, que representam maior risco. “Serviço burocrático deveria ser mais para a mulher e botar o homem no policiamento ostensivo. [...] Eu creio que sim. Talvez aumentar um pouco para trabalhar no serviço de rua, deveria ter mais mulheres”. (Cabo, 37 anos, 18 anos de serviço). Mesmo o Quartel Central, que concentra grande parte das mulheres policiais, não teria atualmente estrutura adequada com número de sanitários e alojamento para número 81 razoável de policiais femininas. A dificuldade de assimilar a presença feminina na instituição seria tão evidente, que para uma delas isso se expressa no próprio uniforme distribuído pela corporação, que não leva em conta o biotipo e as especificidades do corpo feminino, restringindo, inclusive, maiores ajustes no fardamento feminino (Anexo C), que não pode seguir “modas” e evidenciar contornos. Algo não previsto para os homens. As regras presentes na instituição definem que a mulher mantenha os cabelos presos sob a forma de impecável “coque” ou os tenha soltos, desde que curtos, acima dos ombros. Não pode fazer uso de maquiagem acentuada e acessórios que “descaracterizem” o fardamento como bolsas e bijuterias, além de outras que mudem características naturais como a cor do cabelo. Os cabelos, nesse sentido, “símbolo da feminilidade”, como definiu Michelle Perrot (2007, p. 51-55), devem ser disciplinados, pois o “pêlo mal domesticado sugere a presença inquietante da natureza [...] os cabelos são a mulher, a carne, a feminilidade, a tentação, a sedução, o pecado”. O conhecido filme “G. I. Jane”, lançado em 1997 e que no Brasil recebeu o sugestivo título “Até o limite da honra”, versa sobre a história de luta da personagem tenente Jordan O’Neill, que após ajuda da senadora Anne Brancoft busca enfrentar os duros treinamentos militares para se tornar membro de um grupamento de elite da Marinha dos Estados Unidos. O filme, dirigido por Ridley Scott e estrelado por Demi Moore, mostra os rigores dos treinamentos e faz uma alusão interessante ao difícil processo, sobretudo político, de incorporação de uma mulher num grupamento militar tradicionalmente masculino. Como uma das etapas durante o estágio de treinamento, embora dispensada, a tenente decide raspar os cabelos, a fim de vencer o tabu imposto às mulheres na instituição. A cena retrata a clara relação entre mulheres e cabelos, onde no “limite da honra”, a mulher, a fim de ser reconhecida como uma igual, tornar-se um anônimo, persegue o símbolos que emprestam honra, força e virilidade aos “guerreiros” militares. O ato de raspar os cabelos revela-se sinônimo de domínio do outro, de controle sobre um corpo que representa tentação aos homens. Tosquiar os cabelos é rito de purificação de um mal, de controle da natureza selvagem da mulher. Motivo de sofrimento, de despojamento da individualidade, a “perda dos cabelos é particularmente sensível para as mulheres por serem o sinal mais visível da feminilidade” (PERROT, 2007, p. 52). Vistas como objeto do desejo masculino e fonte, portanto, de “ameaça” à tranquilidade interna da tropa, a instituição entende que para tornar possível a permanência das mulheres é necessário camuflar os atributos que dão sentido à diferença entre homens e mulheres, “uniformizando-os” igualmente. Alvo da libido e do afeto masculinos, a mulher precisaria ser 82 protegida, acompanhada de perto. O modo inverso não é pensado, como destacou Maria Celina D’Araujo (2004, p. 444) em relação aos militares das Forças Armadas, que entendem que apenas o homem protegeria a mulher. Para os militares entrevistados pela autora, as justificativas para o não-emprego de mulheres na guerra estão amparadas na compreensão de que a presença feminina na guerra tornaria o conflito mais sangrento, pois [...] o homem tenderia a proteger a colega mulher e com isso o inimigo ganharia tempo para avançar; o inimigo, também movido pelo sentimento de proteção ou de superioridade, não aceitaria lutar com mulheres e se atiraria com mais violência contra os homens. Tabela 10 - Questão 17 (variável sexo) Q3/Q17 EXCESSIVO SUFICIENTE INSUFICIENTE NÃO SABE TOTAL Masculino Feminino Não Informou 11.10% 0.00% 0.00% 38.20% 4.90% 0.30% 26.20% 8.30% 0.00% 8.00% 0.00% 3.10% 83.40% 13.20% 3.40% Total 11.10% 43.40% 34.50% 11.10% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Uma presença, no entanto, que não apresenta grandes restrições ao envolvimento afetivo entre homens e mulheres na polícia. 49,8% disseram ser totalmente a favor de relacionamento amoroso entre membros da corporação, acompanhados de 22,8% que são parcialmente a favor; 3,7%, parcialmente contrários e 2,5% que disseram que relações desse tipo não dão certo, acompanhados de 17,8% que se mostraram indiferentes ao tema. Dos comentários colhidos, destaca-se a queixa de alguns homens na corporação de que as mulheres policiais dariam “preferência” aos superiores hierárquicos, sobretudo pertencentes ao círculo dos oficiais como “estratégia” para conseguir privilégios e terem assim “suavizadas” sua rotina de trabalho. Um argumento também utilizado por mulheres. “Sem dúvida elas têm um tratamento diferenciado dos homens. Não posso nem entrar em detalhes porque é complicado, né. Mulher é mulher. O tratamento é mais facilitado no dia-a-dia. Sempre dão um jeitinho pra facilitar a vida delas. Se tiver que trabalhar 6/7 horas em pé, vai um amigo e facilita a vida dela. Já o homem fica lá em pé cansado e se for pedir eles mandam aguentar. [...] Pra elas a corporação é excelente. Eu creio que seja o melhor emprego para elas”. (Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço). No bloco seguinte de perguntas, que concentra as questões de número 19 a 23, procurou-se estimular a reflexão sobre experiências vivenciadas a partir de possível comando exercido por mulheres na instituição, seguido de prognósticos em relação à possibilidade da corporação vir a ser comandada por uma mulher, assim como a realidade de preconceitos 83 vivenciada pelas mulheres policiais, expondo algumas questões polêmicas recolhidas no interior da PMSE. O objetivo se voltou para a possibilidade de verificar como os policiais militares de uma forma geral julgam determinadas representações e concentram expectativas ou sentimentos de descrença em torno da presença feminina na instituição. Objetivou também identificar como as mulheres lidam com a identidade de gênero na corporação. Neste sentido, através do questionário, perguntei aos policiais se eles já haviam sido comandados por uma mulher durante sua experiência na PM. 64,6% afirmaram que já foram comandados por policiais femininas, enquanto 31,7% afirmaram que nunca foram comandados por mulheres na PM. Com base num cenário hipotético no qual uma mulher viria a assumir o Comando Geral da Polícia Militar de Sergipe, questionei se diante dessa configuração a instituição sofreria mudanças ou permaneceria a mesma. De acordo com 9,2% dos policiais, a instituição pioraria ao ter uma mulher no comando, seguidos de 42,5% que acreditam que com essa presença a PM não mudaria. Já 8,3% disseram acreditar que a corporação melhoria muito, enquanto para 6,8% o comando feminino traria poucas mudanças positivas. Um percentual expressivo, 33,2%, disse não saber se o comando de uma mulher na PM implicaria em melhorias ou maiores problemas para a instituição. Observando a tabela 08, percebe-se que a maior resistência está localizada entre os sargentos. Do total de sargentos consultados, cerca de 15% se manifestou pessimista quanto à ascensão de uma mulher ao Comando Geral da PM. A baixa expectativa quanto à possibilidade de mudanças positivas a partir de um comando feminino se devem particularmente a alguns fatores como a crença generalizada entre os policiais de que o histórico de atuação dos policiais nas ruas, o conhecimento dos problemas a partir da vivência direta no comando de companhias e batalhões operacionais forneceria a senha, ou seja, legitimaria a chegada ao comando de “qualquer” policial. Para merecer a confiança da tropa, o policial precisar antes provar sua competência nas ruas, na gerência dos assuntos específicos de polícia. Desse modo, sem presença de um número expressivo de policiais no policiamento ostensivo, a candidatura, sobretudo das mulheres, torna-se comprometida e às vezes inviabilizada pela ausência de conhecimento prévio sobre a “verdadeira” realidade policial. Uma “falta” de conhecimento que se julga como característica das mulheres na instituição e que, de acordo com um policial entrevistado, seria responsável por um cenário de “grande” preconceito contra o público feminino na PMSE. Ao ser perguntado se as mulheres eram sofriam preconceito na instituição, ele respondeu que sim, afirmando que já, inclusive, havia presenciado uma cena na qual um dos policiais da guarnição se negou a trabalhar com uma policial feminina: 84 “Sim, muito. Muitos acham que a mulher não deveria estar aqui que aqui não é serviço de mulher. Às vezes ocorrem alguns flertes entre as policiais e homens notadamente com graduação maior, esse é um fator que gera maior preconceito com o público feminino na instituição”. (Soldado, 30 anos, 03 anos de serviço). Sobre a cena de preconceito: “Um cabo disse que não trabalharia com aquela Pfem porque ele não trabalha com Pfem porque [policial feminina] é problemática. Agora o que era problemática ele não explicou. Ela reagiu e disse que não trabalharia com ele também. Ele foi transferido e a escala já estava pronta, então ele foi reclamar com o responsável pela escala”. (Soldado, 30 anos, 03 anos de serviço). Uma percepção que se mostra ainda mais evidente na fala das mulheres da corporação, que conviveriam constantemente com as manifestações tácitas ou implícitas de preconceito por conta da idéia disseminada sobre a “condição” feminina que, uma vez relacionada com a atividade policial é percebida de forma estigmatizada. Assim, o preconceito: “Existe, por conta da imagem da mulher como sexo frágil. Muitos se negam a trabalhar numa equipe que tenha mulher porque eles não respeitam as particularidades da mulher. Eu já ouvi comentários de amigas, do tipo que para homem é mais fácil urinar em qualquer lugar e mulher necessita de maior aparato. Existem questões do corpo da mulher que necessitam de uma atenção maior. Por exemplo, o tempo que o homem consegue ficar em pé seria maior que o da mulher, isso por uma questão biológica mesmo. Mas, na questão da técnica não. Tanto um quanto outro é capaz”. (Soldado feminino, 25 anos, 03 anos de serviço). Para essa mesma policial, a ausência de respeito em relação às mulheres na instituição se manifestaria de diferentes formas, seja na recusa dos homens em trabalhar com elas, na designação de atividades sem grande importância na corporação, mas principalmente nos comentários e gestos que parecem negar a presença feminina ou confronta-la com pressões de diferentes ordens. Confronta-se que poderia ser identificado em comportamentos machistas, na falta de investimentos em instalações adequadas às “especificidades femininas”, assim como na cobrança mais acentuada nos treinamentos onde existem mulheres, de modo que a falta de respeito em relação ao público feminino seria o grande problema na instituição, onde ela mesma teria sido vítima: Sim, de falta de respeito. De comentários sobre mulheres entre policiais. Às vezes em locais de trabalho policiais assistem a vídeos de conteúdo pornográfico e não respeitam a presença da Pfem no local. Até mesmo a própria corporação não disponibiliza no posto de atendimento um alojamento feminino, tem que dormir no mesmo local ou utilizar o mesmo banheiro e tem que haver essa separação. [...] Eu já ouvi falar que em treinamentos alguns oficiais exigiam mais das mulheres por serem mulheres que muitos preferiram escalar mulheres para serviços mais simples, por 85 acreditar que elas não teriam competência para lhe dar com determinadas situações. (Soldado feminino, 25 anos, 03 anos de serviço). Tabela 11 - Questão 20 (variável graduação ou posto) Q6/Q20 PIORARIA MELHORARIA PERMANECERIA MELHORARIA NÃO TOTAL MUITO A MESMA UM POUCO SABE Soldado Cabo 2.80% 1.50% 4.90% 0.60% 20.30% 6.80% 4.30% 0.60% 10.80% 43.10% 4.90% 14.50% Sargento Sub-Tenente Tenente Capitão 3.40% 0.30% 0.00% 0.30% 2.50% 0.00% 0.00% 0.30% 6.80% 2.20% 4.30% 0.90% 1.50% 0.30% 0.00% 0.00% 8.30% 1.50% 1.50% 2.20% 22.50% 4.30% 5.80% 3.70% Major TenenteCoronel Coronel Não Informou 0.00% 0.00% 1.20% 0.00% 0.30% 1.50% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.60% 0.60% 0.30% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 3.10% 0.30% 3.70% Total 9.20% 8.30% 42.50% 6.80% 33.20% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Ao passar para a tabela 11, observa-se que entre as mulheres praticamente 40% delas acreditam que a PM permaneceria a mesma sendo comanda por uma policial, percentual, portanto, maior do que daquelas que afirmaram confiança na melhoria da realidade da instituição com o advento de uma Comandante mulher. Esse fato fica ainda mais explícito quando relacionadas às entrevistas com as policiais femininas. Apesar de consideram um fato positivo, motivo de “orgulho”, de “glória” para as mulheres de uma forma geral, elas se mostraram descrentes quanto ao gênero como fator a fazer diferença no Comando. Segundo elas, o fator que deve contar no comando é competência e essa qualidade independeria de sexo. Do mesmo modo, para muitas, observando a trajetória das oficiais na instituição, praticamente não existiriam mulheres capacitadas a exercer o comando e fazer uma administração diferente, visto que mesmo sendo oficiais e, teoricamente, com poder de contribuir para a melhoria das condições inclusive de promoção e trabalho das policiais femininas, elas praticamente nada teriam feito durante suas carreiras para mudar a realidade das outras mulheres e da instituição em geral. Como afirmou uma das policiais: “Olhe, eu vou dizer uma coisa teria que ser uma mulher que tivesse muita fibra, porque em nosso estado existe um sistema muito fechado. Como agente vê hoje, no dia de hoje o nosso comando tem muitas dificuldades até pra mulher garantir certas coisas para a policia militar é muito difícil. Isso em qualquer governo. Desde que eu entrei existiam essas dificuldades, não é só nesse agora, desde quando entrei na polícia existe essa dificuldade, de prestígio. Então, com o Comando o governo faz o 86 que ele quer, ele foi criado justamente para isso, aquela força que o Estado tem para poder resolver os problemas. O Estado não vai conseguir resolver os problemas [...]. É complicado, se para o homem já é complicado para mulher [...] não sei não”. (Aluna do curso de sargento, 36 anos, 13 anos de serviço). Já para alguns homens, isso seria ruim, pois elas tenderiam a olhar mais para seus interesses que o do efetivo geral, majoritariamente masculino. Além disso, o Comando feminino não seria o mesmo fato de se presumir que os homens não ficariam à vontade sendo comandados por mulheres: “Eu espero que isso não aconteça porque elas vão puxar muito pro lado delas. Não seria viável [...] [o comando] tem diferença porque o comando da mulher não é a mesma coisa do homem tá comandando, né. Eu mesmo me adapto mais trabalhando com homem que com mulher. Eu fico mais a vontade. [...] Não é que eu me sinta mal, mas não me sinto tão à vontade quanto quando comandado por um policial”. (Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço). Na ocasião, perguntei se os desafios seriam maiores para as mulheres. A entrevistada respondeu que sim, que a comandante teria que ter qualidades redobradas. O que sugere uma articulação simbólica entre comando e política enquanto espaço dominado pelos homens, onde a mulher teria maiores dificuldades no Comando: “Seriam desafios muitos grandes [os desafios]. Não só pelo fato de ser mulher, tem que ter muita competência, muita capacidade, entende, muito jogo de cintura por que [...] é uma política [...] então é complicado não só pelo fato de ter uma mulher que ia melhorar não”. (Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço). Tabela 12 - Questão 20 (variável sexo) MELHORARIA PERMANECERIA MELHORARIA MUITO A MESMA UM POUCO NÃO SABE TOTAL 5.80% 0.90% 25.50% 4.60% 83.40% 13.20% 0.00% 0.00% 3.10% 3.40% 42.50% 6.80% 33.20% 100% Q3/Q20 PIORARIA Masculino Feminino Não Informou 8.90% 0.00% 5.80% 2.50% 37.20% 5.20% 0.30% 0.00% Total 9.20% 8.30% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Bastante elucidativo, nesse campo, é o percentual que afirmou que as mulheres policiais sofrem preconceito no interior da corporação. Segundo 48,6%, as mulheres são vítimas de preconceito em alguns momentos. Para 20,0%, esse preconceito é um fenômeno constante na experiência das policiais, sendo que para 5,5% é algo que ocorre apenas 87 eventualmente. Somados, totalizam expressivos 74,1% dos policiais que reconhecem manifestações de preconceitos contra a mulher PM. Somente 14,5% afirmaram que as mulheres não sofrem preconceito no interior da PMSE, concentrando-se o percentual mais alto entre os sargentos, onde, significativamente, as resistências à presença feminina na corporação são maiores. Tabela 13 - Questão 21 (variável graduação ou posto) SIM, ALGUMAS VEZES 21.50% 6.50% 4.30% 2.20% 11.40% 2.80% 12.00% 4.30% 2.20% Tenente Capitão Major TenenteCoronel Coronel Não Informou Q6/Q21 Soldado Cabo Sargento SubTenente Total NÃO SABE TOTAL 1.50% 1.20% 4.30% 1.80% 43.10% 14.50% 3.70% 1.50% 0.90% 22.50% 0.90% 0.60% 0.30% 0.30% 4.30% 4.00% 1.50% 0.90% 0.30% 0.90% 0.60% 0.90% 0.30% 0.00% 0.30% 0.60% 0.00% 0.30% 0.30% 0.00% 5.80% 3.70% 1.50% 0.00% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.60% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 0.30% 0.00% 3.40% 3.70% 48.60% 14.50% 20.00% 5.50% 11.40% 100% NÃO SIM, SIM, BASTANTE RARAMENTE Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Quando observado a partir do critério sexo dos policiais, o percentual que reconhece o preconceito permanece acima de 70%. Entre as mulheres, vítimas do preconceito, mais da metade considera o preconceito como algo bastante acentuado na corporação, ocorrendo com grande frequência segundo 54% delas. Entre os homens, esse índice fica em torno de 15%, apresentando que as mulheres têm, certamente por serem as vítimas, maior percepção sobre o preconceito. Tabela 14 - Questão 21 (variável sexo) SIM, ALGUMAS VEZES NÃO Masculino Feminino Não Informou 43.10% 5.50% 13.80% 0.30% 12.90% 7.10% 5.50% 0.00% 8.00% 0.30% 83.40% 13.20% 0.00% 0.30% 0.00% 0.00% 3.10% 3.40% Total 48.60% 14.50% 20.00% 5.50% 11.40% 100% Q3/Q21 Fonte: Pesquisa de Campo (2009). SIM, SIM, NÃO SABE BASTANTE RARAMENTE TOTAL 88 O grau de resistência à presença das mulheres foi averiguado a partir da exposição de uma frase bastante polêmica recolhida no interior da PM. Tive acesso a essa frase durante o período em que integrei os quadros da Polícia Militar, como soldado, onde acompanhava com atenção as queixas constantes de policiais masculinos, dentre eles, com grande ênfase, os que atuavam no policiamento ostensivo, sobre as mulheres policiais. A questão pedia, portanto, que os policiais se posicionassem diante da frase “Mulher na PM é dinheiro perdido pro Estado”, dizendo-se favoráveis ou contrários a expressão. Grande parte dos consultados, 70,2%, disse não concordar com a frase, embora representativos 25,2% concentraram as respostas daquelas que afirmaram ser parcialmente ou totalmente a favor dela, evidenciando, desse modo, que a resistência ao emprego de mulheres nas atividades policiais encontra significativo espaço na corporação. Nesse caso, como se pode visualizar na próxima tabela, o grupo dos sargentos concentrou um dos maiores percentuais de indivíduos que concordam seja em parte ou plenamente com a frase. Dos 22,50% dos sargentos consultados, consideráveis 9% concentram-se nessa faixa, o que significa quase a metade do grupo, sendo em termos precisos, 40% dele. Os tenentes, por sua vez, representam o percentual maior de rejeição à frase, alcançando 85%. Dentre as razões possíveis, está o fato de terem, de uma forma geral, no caso dos oficiais do quadro operacional, menos tempo de corporação quando comparado a dos sargentos. Saídos da experiência das academias militares de polícia, onde a presença feminina é mais acentuada nos treinamentos que dispensam a homens e mulheres as mesmas obrigações físicas e intelectuais, o respeito em relação às policiais femininas seria um elemento mais comum entre eles. 89 Tabela 15 - Questão 22 (variável graduação ou posto) Q6/Q22 CONCORDO CONCORDO PLENAMENTE PARCIALMENTE NÃO CONCORDO CONCORDO MAIS OU MENOS NÃO SABE TOTAL Soldado Cabo Sargento SubTenente Tenente 0.90% 1.20% 2.20% 5.80% 1.50% 3.70% 32.60% 10.80% 12.60% 3.40% 0.90% 3.10% 0.30% 0.00% 0.90% 43.10% 14.50% 22.50% 0.30% 0.00% 0.00% 0.60% 3.70% 4.90% 0.30% 0.30% 0.00% 0.00% 4.30% 5.80% Capitão Major TenenteCoronel Coronel Não Informou 0.30% 0.00% 0.00% 0.00% 2.80% 1.50% 0.30% 0.00% 0.30% 0.00% 3.70% 1.50% 0.00% 0.00% 0.00% 0.30% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.60% 0.30% 0.00% 0.00% 0.60% 0.00% 3.10% 3.70% 4.90% 12.00% 70.20% 8.30% 4.60% 100% Total Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Como era previsível, no que concerne à distribuição das respostas conforme o sexo, a quase totalidade das mulheres não concorda com a expressão. Dos homens consultados, aproximadamente 30% se posicionaram favoráveis à frase, ainda que com alguma ressalva. Entre as justificativas, está o fato das mulheres não realizarem, em sua maioria, os serviços de rua, que justificam o ingresso na PM. Embora muitos homens também trabalhem nesses setores, dificilmente eles são citados, provavelmente por constituírem minoria em comparação com o efetivo total empregado no policiamento ostensivo. Empregados nas atividades burocráticas, a presença dos homens é vista geralmente como “provisória”, enquanto que para as mulheres o espaço interno seria um lugar “natural” e, nessa lógica, “definitivo”, pois, só no caso de falta grave ou vontade própria as mulheres iriam trabalhar nas ruas, o que revela a permanência, ainda que com mudanças tênues, na compreensão que costuma restringir as mulheres às atividades domésticas como possibilidade de protegê-las do trabalho externo, em certa medida visto como fator que “compromete” o caráter feminino. Aspecto que revela que a rua, lugar onde se forja o saber policial, é também encarada como punição, espaço de martírio para as policiais e ao mesmo tempo lugar que concentra as possibilidades de consagração heróica para os policiais masculinos. 90 Tabela 16 - Questão 22 (variável sexo) Q3/Q22 Masculino Feminino Não Informou Total CONCORDO CONCORDO NÃO PLENAMENTE PARCIALMENTE CONCORDO CONCORDO MAIS OU MENOS NÃO SABE TOTAL 4.90% 0.00% 11.70% 0.30% 56.90% 12.90% 8.30% 0.00% 1.50% 0.00% 83.40% 13.20% 0.00% 0.00% 0.30% 0.00% 3.10% 3.40% 4.90% 12.00% 70.20% 8.30% 4.60% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Tal preconceito em relação à presença feminina na PM torna-se particularmente evidente nas respostas endereçadas à última questão do questionário, que solicitou dos policiais um posicionamento frente à hipótese de serem chamados a atuar numa ocorrência grave envolvendo troca de tiros com criminosos. Diante dessa situação, perguntou-se quem eles escolheriam como parceiro nessa ocorrência, se um homem ou uma mulher. Aproximadamente metade deles afirmou que escolheriam nessa situação um homem como parceiro de trabalho. Já aqueles que escolheriam ter uma mulher como parceira de ocorrência representaram apenas 1,2%, acompanhado de 45,2% daqueles que disseram escolher qualquer um como parceiro, não pesando na escolha o critério sexo do policial, mas a “competência” do parceiro. Essa exigência é extremamente importante, pois aparece como condição para aceitação das mulheres, de forma que a observação de uma oficial – com pouco mais de 06 anos na instituição –, que entrevistei faz bastante sentido. Segundo ela, as mulheres chegam às unidades e são consideradas pelos colegas de serviço “incompetentes até que provem o contrário, enquanto que os homens são competentes até o momento em que seu desempenho aponte sua incompetência”. O que demanda um grande esforço das mulheres em provar que merecem a confiança dos seus companheiros de serviço e das outras policiais, que também entendem que o preconceito contra as mulheres se ancora na recusa dessas próprias mulheres em desempenhar algumas funções que integram o campo de competência policial, mas que estariam mais “ajustadas” ao público masculino. A noção de “fragilidade” feminina, portanto, seria instrumentalizada por algumas mulheres a fim de se resguardarem do emprego nas atividades de rua: “Eu vejo que muitas mulheres se deixam ser mal vistas quando se negam a fazer determinada função. Não é simplesmente porque os homens não acreditam que elas não sejam capazes; muitas vezes elas aproveitam essa situação e se limitam ao serviço burocrático porque o senso comum as vê como sexo frágil”. (Soldado feminino, 25 anos, 03 anos de serviço). 91 Parece bastante pertinente também pensar que quase metade dos policiais afirmando que escolheria qualquer policial, desde que preparado, é um índice positivo, que indicaria uma maior abertura dos policiais a presença feminina na instituição embora o número de mulheres seja pequeno. Contudo, as entrevistas realizadas tanto com homens quanto com mulheres faz entender que o percentual apresentado pelos questionários se deve mais ao cumprimento de um ideal de igualdade de gênero na PMSE que uma realidade. O trabalho feminino não é visto como sinônimo de eficiência, de qualidade, mas “produto” a ser ofertado por poucas mulheres, “verdadeiras guerreiras” que não deixariam dever a nenhum policial masculino, ainda arquétipo de eficiência na atividade ostensiva. Isso fica evidente com o relato de uma policial com quem conversei rapidamente num dos setores da PM. Ela contou que trabalhou algum tempo numa Companhia de polícia da capital e que numa das ocasiões sua guarnição recebeu um chamado de ocorrência relativo a assalto. Ao se preparar para atender a ocorrência, um dos policiais com mais tempo na instituição veio até ela e procurou saber se ela havia realizado o procedimento correto de manuseio e carregamento da arma. Ela afirmou que sim e disse ter reparado que o “cuidado” do policial se deu apenas em relação a ela. Na chegada às proximidades da ocorrência os policiais desceram da viatura e a orientação, ou melhor, a determinação, foi de que ela ficasse tomando conta da viatura. Para ela, algo paradoxal, pois ainda que revelasse “preocupação” com a sua segurança, ficar na viatura para ela era muito mais arriscado na medida em que ela ficou sozinha, podendo ser surpreendida com a ação de criminosos41. Voltando a processo de escolha, é muito significativo que uma minoria de policiais femininas disse que escolheria uma mulher como companheira. Entre os policiais do círculo das praças: soldados, cabos, sargentos e subtenentes, os percentuais variaram entre 35 e 55% daqueles que escolheriam um homem. Nas entrevistas, a rejeição à presença feminina na atividade de rua de certo modo mais evidente com a ressalva de alguns policiais de que mesmo sendo uma atividade de pouco prestígio indicariam, com poucas exceções, a profissão _________________ 41 Fato bastante parecido foi narrado por outra policial, também praça, que contou que durante trabalho de policiamento no campo de futebol, aconteceu ainda dentro do estádio briga entre torcedores. Tendo se deslocado juntamente com outros policiais, diz ela ter sido surpreendida pelo empurrão de um colega de farda, que pediu que ela se afastasse do tumulto, deixando que o grupo resolveria o problema. O comentário que se seguiu ao relato revela a difícil situação de parte das mulheres na corporação. Segundo a policial, ela teria ficado ao mesmo tempo alegre com o gesto de atenção, de cuidado do companheiro, quanto decepcionada com a atitude, pois era também sinal da pouca confiança dos homens no trabalho das mulheres na polícia. 92 policial militar às irmãs, filhas ou amigas, na medida em que o trabalho de “policial feminina”: “[...] não é ruim. Pra mulher não é ruim porque elas trabalham como se fosse escritório, na parte burocrática. Então, se fosse filha ou irmã eu aconselharia. Agora se ela fosse pra rua tinha que orientar pra ela ter os cuidados básicos com a segurança própria para depois fazer a segurança dos demais”. (Segundo Sargento, 40 anos, 20 anos de serviço). No círculo dos oficiais, que praticamente teve poucas policiais femininas respondendo ao questionário, os índices oscilaram entre 25 e 35%, evidenciando, seja uma maior assimilação da presença da mulher, seja um maior receio desses policiais, que ocupam funções de gestão na PM, de se mostrarem preconceituosos. Como “espelhos” da tropa, os oficiais traduzem, ainda que apenas formalmente, os interesses de modernização da instituição. Em contato constante com cursos de formação e aperfeiçoamento, exigências imprescindíveis para ascensão na carreira, esses policiais dialogam com certa frequência com as “inovações” no campo da segurança pública implantadas em diferentes polícias no país e também no exterior, vindo a reproduzi-las no estado. Muitas vezes de forma descaracterizada e superficialmente. Tabela 17 - Questão 23 (variável graduação ou posto) Q6/Q23 0.30% QUALQUER UM 18.20% NÃO SABE 2.50% 0.30% 0.30% 0.00% 0.00% 6.50% 10.50% 2.50% 4.00% 0.30% 1.50% 0.00% 0.30% 14.50% 22.50% 4.30% 5.80% 1.20% 0.60% 0.00% 0.30% 2.50% 0.60% 0.00% 0.00% 3.70% 1.50% 0.00% 0.00% 0.60% 0.00% 0.60% 0.30% 0.60% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 0.00% 3.10% 0.30% 3.70% 45.80% 1.20% 45.20% 7.70% 100% HOMEM MULHER Soldado 22.20% Cabo Sargento Sub-Tenente Tenente 7.40% 10.20% 1.80% 1.50% Capitão Major TenenteCoronel Coronel Não Informou Total TOTAL 43.10% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Verificando a distribuição da resposta por gênero, vê-se que metade dos homens responde que escolheria um homem como companheiro de trabalho numa ocorrência. No grupo das mulheres, cerca 30% revelou que também escolheria um homem, embora dois terços dissessem que independeria na ocorrência o sexo do companheiro. Chama a atenção 93 nesse caso, o percentual pequeno de mulheres que afirmou que escolheria uma outra mulher para resolver a ocorrência. Assim, embora uma das policiais com quem conversei tivesse afirmado que não escolheria por sexo mas pelo preparo do policial, ao refazer a pergunta apresentando uma situação hipotética onde haveria um chamado de ocorrência destinado a um PAC, apresentando a opção de escolha entre um policial masculino e outro feminino, questionei com quem na ocasião ela iria para a ocorrência. A policial afirmou que escolheria como parceiro de trabalho um homem, pois a ocorrência poderia “precisar” e não teria nenhum problema da outra policial ficar no posto. Tabela 18 - Questão 23 (variável sexo) Q3/Q23 HOMEM MULHER Masculino Feminino Não Informou 42.50% 3.40% 0.00% 0.90% 0.30% 0.00% Total 45.80% 1.20% QUALQUER NÃO SABE UM 36.90% 3.10% 8.00% 1.50% 0.30% 3.10% 45.20% 7.70% TOTAL 83.40% 13.20% 3.40% 100% Fonte: Pesquisa de Campo (2009). Essa pergunta se mostrou especialmente carregada de significados importantes que as opiniões espontâneas dos policiais ajudaram a esclarecer, dando sinais que o percentual daqueles que escolheriam um companheiro do sexo masculino seria maior, caso a pergunta do questionário tivesse destacado que o parceiro em questão era um indivíduo desconhecido deles. Para ser mais claro: caso a pergunta deixasse evidente para os policiais que o companheiro em questão não era seu conhecido, a quem pudessem fazer considerações sobre sua competência profissional, o número dos policiais que escolheriam um homem como parceiro poderia aumentar significativamente, pois como ressaltaram alguns deles, se fosse a “Soldado X” ou a “Sargento Y”, reconhecidas como “verdadeiras guerreiras”, seria mais sensato confiar nelas que em alguns companheiros “medrosos”. Assim, contaria bastante na escolha o histórico de atuação do policial nas atividades de rua, com as suas demonstrações de “coragem e bravura”, espaço onde são mais frequentes os embates com os criminosos. O que me chamou bastante à atenção no caso das policiais citadas está no fato delas serem reconhecidas entre os policiais como destemidas e implacáveis na ação. Quase sempre são policiais que fazem uso constante da violência, batem “tanto ou mais” que os homens, não demonstram “fragilidade” frente às situações de risco e demonstram estar 94 dispostas a ultrapassar os rituais impostos aos guerreiros masculinos, como as que batizam o indivíduo em etapas que desafiam o rigor físico e o desafio simbólico e real da morte. Raras exceções, essas policiais seriam tanto admiradas quanto alvo de críticas, principalmente de outras policiais, que questionam os instrumentos utilizados por elas para alcançar reconhecimento no ambiente de trabalho. De uma forma geral, as resistências ao público feminino são grandes, a ponto de para serem reconhecidas como “verdadeiras” policiais elas precisam, muitas vezes, provar que são mais “audaciosas”, “corajosas” que os próprios homens empregando quase sempre expedientes de violência na prática policial. Dentre os argumentos mais comuns utilizados pelos policiais masculinos para justificar posicionamento contrário à maior presença de mulheres na atividade policial, está o suposto fato de que a “sociedade” não estaria pronta para ver morta em serviço uma mulher policial, assim como questões específicas do universo feminino como ter que ficar dias em campana sem banho, pois as mulheres estariam mais sujeitas a infecções e a baixas pela menor capacidade física de carregar equipamentos e suportar os rigores do “intenso” treinamento físico. Outro elemento que se refere à ideologia da guerra é o de que as mulheres são motivo mais de dissuasão do que de integração das tropas. Tanto a inclinação protetora dos homens quanto os riscos de assédio sexual rondariam com maior frequência, diante das condições adversas das “batalhas”. Dessa forma, esses são os fatores que impediriam a presença das mulheres em grupamentos policiais militares. Nesse sentido, a justificativa da guerra iminente com seus horrores, ampara-se na lógica guerreira de aniquilamento dos inimigos, sendo um dos fortes argumentos utilizados pelos policiais para justificar as resistências ao maior ingresso das mulheres na corporação e sua participação mais efetiva nas ruas. Essa barreira seria transposta por poucas que assumiram as estratégias masculinas de alcançar a honra como possibilidade de serem aceitas. Considerado elemento de risco à ordem interna da corporação, o efetivo feminino além de limitado pelos regulamentos, sofre as mais diversas resistências a uma assimilação efetiva no seu interior, visível na pouca inclinação a mudanças estruturais mais amplas e no silêncio presente na legislação sobre suas “diferenças” e assim “necessidades”. As formas de reconhecimento privilegiadas na instituição não se estenderiam às mulheres para além das referências comuns à sua capacidade maior de dialogar, à sua “delicadeza” habitual em lidar com os indivíduos e atividades, consistindo assim numa frágil ou ausente noção de respeito em relação à grande parte do efetivo feminino. Como destacou Richard Sennett (2004): 95 A falta de respeito, embora seja menos agressiva que o insulto direto, pode assumir uma forma igualmente ofensiva. Nenhum insulto é feito ao outro, mas ele tampouco recebe reconhecimento; ele não é visto – como um ser humano pleno, cuja presença tem importância. De modo geral, o reconhecimento amplo na PM passa pelo exercício da força e pelas demonstrações constantes de enfrentamento ao risco. Em sua maioria distante do universo das ruas, a função pública exercida pelas mulheres convive na transição entre o espaço interno da corporação e o contato com um público externo específico, para quem as relações públicas, o contato parcimonioso é comum nas recepções de órgãos públicos ou em solenidades públicas, onde o marketing da corporação é mais comum, tendo as mulheres um efeito “ornamental” que enfatiza o ajustamento da polícia aos preceitos de uma ordem democrática. Como mencionei anteriormente, os alojamentos são raros e servem basicamente para as policiais em serviço nos expedientes matutinos. O fardamento, por outro lado, tentaria ofuscar os elementos da feminilidade, sendo praticamente os mesmos, com exceção do fardamento de passeio. Uma reclamação constante entre policiais masculinos e femininos, a farda, especificamente de instrução, conhecida por ambos os sexos pelo desconforto, ganham o reforço na fala das policiais por serem praticamente as mesmas dos policiais masculinos. Esse fato, expressa que a construção social do policial enquanto agente pertencente a uma tropa e, portanto, sujeito que encontra sentido no coletivo, nas ações conjuntas do grupamento ao qual pertença, vive as contradições de uma experiência atual onde a individualidade se choca com os preceitos de uma instituição que aposta na uniformização dos valores e atitudes. Focadas, em grande parte, no interesse em afirmar socialmente tanto que podem ocupar as mesmas funções que os homens quanto de reforçar suas singularidades, parte considerável das mulheres ouvidas percebe nas determinações sobre o fardamento ações dotadas de pouco sentido. Assim, as formas institucionais de repressão ao vestuário, que afetam homens e mulheres, aparecem como mecanismo que em certa medida nega sua existência na instituição quando as atividades são de rua, visto que nas solenidades e uniformes de passeio nas seções administrativas as policiais usam fardamentos distintos, onde é comum o uso de saia, sapatos femininos, de salto médio, e até bolsas. Em resumo, é possível inferir que se por um lado as mulheres se queixem das “constantes” demonstrações de preconceito no interior da polícia militar que lhes reserva o papel de “naturalmente” sedutoras e passivas, afirmar os traços de feminilidade, 96 paradoxalmente, aparece como oportunidade tangível de não terem sua identidade de gênero obscurecida ou negada na instituição. Da mesma forma, um recurso para conseguir espaços de trabalho que não representem maiores riscos, principalmente àquelas que não enxergam na profissão possibilidade de carreira e chegaram até ela em razão da falta de outra oportunidade ou puro desejo de estabilidade através do serviço público, principalmente quando o uso arbitrário da força é a possibilidade mais direta de reconhecimento para as mulheres nos círculos policiais operacionais da PM. De modo geral, a PM não está aberta a discutir sobre essa multiplicidade de formas de ser masculino e feminino, fato que engessa processos de inclusão para além de cotas de acesso e promoção reservada às mulheres. Entendo, neste sentido, que singularidades devem ser pensadas em questões práticas que passam pela construção de instalações adequadas para homens e mulheres e fardamentos que explicitem as especificidades da atividade policial, como facilmente se movimentar no espaço e as longas horas de trabalho. Se os “adereços” representam risco, com brincos, cabelos soltos, entre outros, vindo a comprometer a segurança das policiais, isso também precisa ficar claro, inclusive para as policiais que expressam esse cerceamento como invasão em sua intimidade e desconstrução de sua identidade de gênero. Da forma como aparecem, segundo os policiais, as determinações que orientam as mulheres a não ajustar o fardamento com base em padrões de moda e os homens quanto ao cumprimento dos padrões de corte de cabelo, são formas institucionais de repressão à intimidade dotadas de pouco sentido, expressão simples do interesse dos superiores em oprimir os subordinados. Dessa forma, orientada por um “rigor” moral acentuado em relação à presença feminina e aos preceitos que norteiam o emprego desse efetivo na atividade policial, a PM constrói diferentes obstáculos à maior presença das mulheres ao cotidiano militar, sendo uma “ameaça” que necessitaria de um controle acentuado dos comportamentos, mais suscetíveis de desvirtuamento a partir da presença feminina. Tais fatores tornam a inclusão feminina um fenômeno superficial e de pouca visibilidade, além de incapaz de mobilizar maiores discussões no interior da corporação, dominada em geral por um ethos masculino voltado à “guerra”. Conforme destacou Perrot (2005, p. 249): [...] daí o austero de uma vigilância maníaca que excede sempre o trabalho (entre os homens, ela tende a se reduzir à produção), a importância das exigências morais, um sistema de punições (ou de recompensas) infantil, um discurso que oscila do paternalismo à grosseria. 97 CONSIDERAÇÕES FINAIS Observo que os sergipanos e turistas presentes na festa ainda se sentem surpresos em perceber as mulheres da PM atuando de forma ostensiva e agindo da mesma maneira que a tropa masculina. Estamos acostumadas com esse tipo de trabalho, além disso, a mulher geralmente é mais cautelosa na abordagem42. Policial Feminina, Soldado, 03 anos de serviço. A fala acima, destacada de notícia publicada no site da Polícia Militar de Sergipe no dia 26 de junho deste ano, pode ser entendida como um elemento importante para assinalar aspectos que resistem na percepção sobre a presença das mulheres na PM. Disseminada entre “sergipanos” e “turistas”, a “surpresa” presente no olhar do outro é importante não apenas para apontar o caráter difuso da dificuldade de reconhecimento da associação entre categorias até pouco tempo vistas como incompatíveis, ou seja, mulher e polícia. Do mesmo modo, a fala da jovem policial43 é revelador também do olhar que algumas policiais reservam ao seu trabalho, bem como ao lugar, objetivo e simbólico, que elas ocupam na instituição. Chama atenção na notícia, passados vinte anos do ingresso das primeiras mulheres na PMSE, o fato de sua presença ser ainda motivo de “surpresa” para a população, e o emprego policial feminino nas festividades algo “marcante” e, portanto, nãocomum aos olhos de “sergipanos” e “turistas” – que a partir da relação de alteridade moldam a identidade dessas policiais44. Para outra policial ouvida durante o evento – esta com sete anos de polícia – o serviço preventivo é definido como tranquilo, sendo a atuação em festas públicas algo para ela, pertencente à Companhia de Choque, a que estaria acostumada. Segundo suas palavras: _________________ 42 Cf. “Notícias - Forró Caju: Policiamento feminino é presença marcante nos festejos da capital”. Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1246023184>. Acesso em: 28 jun. 2009. 43 A soldado, entrevistada por outros policiais do Setor de Relações Públicas da Polícia Militar, (PM-5), segundo informações contidas na notícia, trabalha há três anos e sete meses na corporação e estava naquela noite empregada no patrulhamento da área interna da festa. 98 “[...] o serviço é nivelado e a técnica conta muito mais que a força em eventos deste porte. Realizamos o mesmo trabalho que os homens e percebo que a cada ano a valorização e respeito perante a policial feminina aumenta. Temos as mesmas obrigações”. Se a matéria revela eventuais mudanças, inclusive com a maior “liberdade” das policiais que ocupam a base da instituição em falar sobre sua atividade, estas mesmas falas expressam questões que indicam aspectos controversos, apontados tanto nos questionários quanto nas entrevistas realizadas para esta pesquisa. As mulheres policiais, ao mesmo tempo em que buscam afirmar que são preparadas para desempenhar as mesmas atividades que os homens, reconhecem que compensam a desvantagem da menor força com o uso da técnica e a maior cautela nas ações policiais. Contudo, o que se percebe com grande frequência é que, se as concepções essencialistas sobre homens e mulheres tendem a apresentá-los, respectivamente, como “fortes” e “corajosos”, “frágeis” e “cautelosas”, essas características – que poderiam ser no campo da segurança pública uma possibilidade de melhoria das atividades policiais com maior presença das mulheres nas atividades que demandam ações fundamentadas na inteligência policial, contato com o público, resolução de conflitos em comunidades – são negadas na prática ao se restringir com grande recorrência as mulheres às atividades burocráticas internas, consideradas mais “compatíveis” com a “natureza feminina”. No processo de análise das entrevistas, juntamente com alguns dados dos questionários, chamou a atenção, por exemplo, a tendência de maior parte das mulheres em preferir um companheiro de ocorrência homem a ter uma mulher como parceira de atividade. Um aspecto que expressa, em certo sentido, que as mulheres policiais militares tendem mais interiorizar do que resistir às representações vigentes na instituição sobre sua presença na rotina policial. De forma ampla, a “opção” de um grande número de mulheres pela atividade burocrática se ampara tanto na idéia de que elas são “rechaçadas” pelos colegas homens nas atividades de rua e pela ausência de condições estruturais ofertadas pela instituição, quanto na concepção bastante difusa entre homens e mulheres da PM que o serviço ostensivo é mais ajustado ao público masculino. Misto que resignação e estratégia, permanecer em serviços internos aplaca as críticas masculinas, “protege”, com algumas implicações, as mulheres dos constantes testes de “competência” impostos na instituição e nos quais o público feminino costuma iniciar com larga desvantagem “simbólica”, pois, como afirmou uma jovem oficial, se o homem na polícia é competente até que a experiência nas ruas prove o contrário para os 99 seus companheiros, a mulher é incompetente até que dê provas de sua coragem e habilidade no serviço ostensivo para um bom número de outros policiais. No que tange às representações sociais dos PM’s, cerca da metade deles afirmam que o trabalho é “nivelado” e que os policiais escolheriam seus companheiros de serviço pelo critério da competência e não pelo sexo. Esta afirmação não encontra apoio no processo de observação realizado na instituição, nas entrevistas, assim como nas políticas e práticas no campo da Segurança Pública que privilegiam a “ordem” e a repressão em detrimento de programas destinados a estimular a gestão democrática na área como o policiamento comunitário. Nas entrevistas, os policiais revelaram que, uma vez não conhecendo os parceiros e, portanto, sem condições de aferir sua competência na atividade ostensiva, escolheriam um homem, pela eventualidade de vir a utilizar a força, além da idéia corrente de que as “pessoas” não respeitam as policiais femininas e poderiam vir a resistir mais facilmente às determinações de uma policial. O recurso à força, portanto, é um elemento bastante valorizado pelos policiais militares e associado diretamente ao efetivo masculino, para quem os riscos de “desmoralização” da função policial seriam muito menores em comparação com o feminino, considerado mais “suscetível” de sucumbir diante de atentados contra a honra. Neste sentido, se o preconceito foi amenizado, se muitos entendem que a participação das mulheres é respaldada em razão da maior cautela que elas expressam no desenvolvimento de suas ações, essas representações são contraditórias com as resistências presentes no campo da segurança pública no Estado de Sergipe. Nesse campo, embora exista um discurso que afirme ser a competência elemento mais importante do que o sexo do parceiro, ainda existem restrições legais e morais ao acesso das mulheres na instituição, de modo que esta costuma lhes delegar o cumprimento de tarefas internas sob o argumento de “fragilidade”, “despreparo” e ausência de instalações físicas adequadas. O que escapa das representações sociais dos policiais é que a competência dificilmente é construída na PM, sendo uma vantagem a ser desenvolvida nos treinamentos, mas já presente nos policiais, sobretudo do sexo masculino, que tem uma afinidade histórica com o espaço da rua, bem como atributos naturais e morais mais “compatíveis” com esse universo, tido como sinônimo de perigo. Assim, as diferenças biológicas “naturalmente” favoreceriam os homens no desenvolvimento das atividades de polícia, associadas em grande parte ao uso da força e de uma imposição traduzida na compleição física do protótipo de policial, cujos atributos físicos ensejariam por si só medo respostas mais adequadas à compreensão de dissuasão dos comportamentos desviantes. 100 Considerando o cenário da Segurança Pública em Sergipe e as representações sociais dos policiais militares sobre a presença feminina na PMSE, mostra-se extremamente importante debater as relações de gênero na corporação e pensar mecanismos que venham a estimular o debate sobre esse tema e as implicações que o atual cenário impõe para a permanência de velhas práticas policiais. Assim, discutir os sentidos das ações que historicamente têm reservado um lugar subalterno, do ponto de vista numérico e simbólico, às mulheres policiais é condição essencial para rever os impedimentos legais que restringem o ingresso e a progressão na carreira das policiais femininas. Obstáculos que quem impedem pensar de forma equilibrada as diferenças entre os sexos, assim como um engajamento pleno das mulheres ao universo policial. Entendo que essas mudanças podem operar tanto a partir da reformulação da legislação quanto das instalações físicas, sendo oportunidade para reconhecer simbolicamente e materialmente a presença feminina na Polícia Militar, espaço carente de difusão de práticas que, com base nas diferenças de gênero, concebam formas mais democráticas de atuação policial, fundamentadas no respeito e promoção aos direitos humanos. Nesse processo, sou particularmente otimista em relação à possibilidade de os policiais militares reinventarem suas representações e práticas sobre gênero e polícia, que hoje oscilam entre o machismo, tentações autoritárias e o interesse de profissionalização, vindo a estabelecer um processo de reconhecimento acerca das diferenças entre homens e mulheres. Dessa forma, a ação articulada entre sociedade e Estado pode, indubitavelmente, a curto e médio prazo, promover a construção de um contexto institucional de maior autonomia capaz de estimular a reflexão sobre os mecanismos institucionais que impedem, ainda hoje, pensar de forma mais equilibrada as diferenças, entendendo, segundo Richard Sennett (2004, p. 297) que: “em vez de uma igualdade de compreensão, autonomia significa aceitar, nos outros, o que não se compreende neles”. 101 REFERÊNCIAS ADORNO, Sérgio. Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: MICELI, Sérgio (Org.). 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Fontes: Jornais: Jornal da Cidade: 1989 a 1996. Gazeta de Sergipe: 1989 a 1996. Boletins Internos da PMSE: 1989 – 1993. Almanaque da Polícia Militar para 1951. Ano Décimo, Imprensa Oficial, Aracaju, 1951. 109 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM “VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS” Identificação: Nome: Idade: Sexo: Cor: Religião: Número de filhos: Ano de ingresso na PM: Ingresso e identidade: 1. Como se deu o seu ingresso na PM? 2. Por que você escolheu a carreira policial militar? 3. Quais as implicações dessa escolha para sua vida? O que mudou? 4. Como você se sente ao vestir a farda policial? 5. Para você o que é ser policial militar? 6. Como você define o militarismo? Relação com a sociedade: 7. Houve críticas, elogios a sua decisão em ingressar na PM? 8. Qual é a reação das pessoas quando você se identifica como policial militar? 9. Você se sente bem desempenhando a função policial? 10. Como você acredita que a sociedade vê os policiais militares? 11. Como você acredita que a sociedade vê as policiais femininas? 12. Na tua opinião a sociedade tem a mesma imagem de policiais masculinos e femininos? Formação e convivência na PM: 13. Como foi o seu curso de formação? 14. Que experiências mais fortes você vivenciou durante a formação? 15. Como é o cotidiano da atividade policial? 16. Como você define as relações pessoais e profissionais no interior da corporação policial militar? 110 17. Existe algum fator que impede a melhoria das relações internas na PM? Representações sobre gênero e polícia: 18. Para você homens e mulheres são diferentes? Quais seriam essas diferenças? 19. Na tua opinião existe preconceito contra mulheres na PMSE? 20. Você já foi vítima de preconceito na PMSE?* 21. Existe diferença de tratamento dispensado às mulheres na PMSE? 22. Existe alguma vantagem em ser mulher na PM? Quais?* 23. Quais as desvantagens de ser Pfem?* 24. Na tua opinião, a PMSE trata melhor o público feminino interno em relação a outras corporações ou não? 25. Na atividade de rua, você se sentiria mais protegido tendo um colega homem, mulher ou para você não tem diferença? 26. Existiriam na instituição policial atividades mais adaptadas a homens que a mulheres? 27. Na tua opinião é suficiente o número de policiais femininas na PMSE? 28. Para você o que mudaria na PM se ela fosse comandada por uma mulher? 29. Você já foi comandada por uma mulher? Existe diferença? Quais? 30. Como você se sentiria sendo comandada por uma policial feminina? 31. Se fosse comandante da PM você mudaria algo na instituição? O quê e por quê? 32. Você pretende fazer carreira na PM? 33. Recomendaria a filha, irmã ou amiga a PM como boa possibilidade de carreira profissional? * Perguntas destinadas a policiais femininas, podendo ser adaptadas ao público masculino. 111 APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM “VIOLÊNCIA, CRIMINALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS” APRESENTAÇÃO Esta pesquisa faz parte de um conjunto de ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública voltado para construção de análises sistemáticas e conseqüente formulação de políticas públicas na área de segurança pública no Brasil. Neste sentido, os dados aqui coletados visam possibilitar o desenvolvimento de estudo sobre as representações sociais de gênero no interior da Polícia Militar do Estado de Sergipe. O propósito é favorecer a elaboração de diagnóstico e reflexão sobre o cotidiano das instituições policiais e de seus agentes. Dessa forma, assinale com X apenas uma opção contida nas perguntas a seguir que melhor se aproxima de sua opinião. Não é necessário se identificar. O desenvolvimento da segurança pública no país depende de nosso esforço. Muito obrigado pela colaboração! Prof. Marcos Santana45 Profa. Dra. Tâmara Oliveira46 QUESTIONÁRIO 1. Idade 18-20 ( ) 21-24 ( ) 2. Cor Negra ( ) 25-29 ( ) Branca ( ) 30-39 ( ) Parda ( ) 40- 49 ( ) 50-59 ( ) Amarela ( ) 60 ou mais ( ) Indígena ( ) 3.Sexo M ( ) F ( ) _________________ 45 46 Aluno do curso de pós-graduação em “Violência, criminalidade e políticas públicas” MJ/SENASP/RENAESP. Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Núcleo de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe e orientadora da pesquisa. 112 4.Religião Espírita ( ) Umbanda ( ) Católico ( ) Candomblé ( ) Budista ( ) Outras ( ) Evangélico ( ) Agnóstico ( ) Ateu ( ) 5. Escolaridade 1º Grau Incompleto ( ) 1º Grau Completo ( ) 2º Grau Incompleto ( ) 2º Grau Completo ( ) Superior Incompleto Superior Completo Especialização Mestrado Doutorado ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) 6. Qual o seu posto ou patente? Soldado ( ) Tenente ( ) Cabo ( ) Capitão ( ) Sargento ( ) Major ( ) Tenente-coronel ( ) Coronel ( ) Sub-tenente ( ) 7. Trabalha na PM há quantos anos? 1-3 anos ( ) 4-7 anos ( ) 7-10 anos ( ) 10-15 anos ( ) 15-20 anos ( ) 20-25 anos ( ) 25-30 anos ( ) Mais de 30 anos ( ) 8. Em que setor você desempenha suas atividades na PMSE? Administrativo ( ) Policiamento ostensivo (ronda) ( ) Trânsito ( ) PAC ( ) Investigação (reservado) ( ) Delegacia ( ) Especializado (Choque e COE) ( ) 9. Que motivo te levou a ingressar na PMSE? Estabilidade ( ) Possibilidade de crescimento profissional ( ) Vocação ( ) Falta de outra oportunidade ( ) 10. Você se sente realizado profissionalmente? Muito realizado ( ) Realizado ( ) Nada realizado ( ) Incentivo familiar Salário Ser valorizado pela função Outros ( ( ( ( Mais ou menos realizado ( ) Pouco realizado ( ) Não sabe ( ) ) ) ) ) 113 11. Como você avalia a relação entre superiores e subordinados no seu setor de trabalho? Satisfatória ( ) Insatisfatória ( ) Pouco satisfatória ( ) Mais ou menos satisfatória ( ) Muito pouco satisfatória ( ) Não sabe ( ) 12. Na tua opinião, a imagem que a sociedade tem da polícia é: Ruim ( ) Muito boa Muito ruim ( ) Não sabe Boa ( ) ( ) ( ) 13. Para você, as pessoas se sentem mais seguras durante uma ocorrência sendo atendidas por policiais masculinos ou femininos? Por homens ( ) Qualquer um ( ) Por mulheres ( ) Não sabe ( ) 14. Você é a favor da presença feminina na PM? Sim ( ) Não ( ) Depende do setor ( ) Não sabe ( ) 15. Para você, o ingresso de mulheres na PM contribuiu para o desenvolvimento da instituição? Contribuiu pouco Não contribuiu nada ( ) ( ) Contribuiu muito pouco ( ) Contribuiu bastante Não sabe ( ) ( ) 16. Na tua opinião, a atividade policial pode ser desempenhada por mulheres? Sim, qualquer atividade ( ) Sim, apenas algumas atividades Não, elas não têm o mesmo preparo ( ) Não sabe ( ) ( ) 17. Você considera o número de policiais femininas na PMSE... Excessivo ( ) Insuficiente ( ) Suficiente ( ) Não sabe ( ) 18. Como você avalia o relacionamento afetivo entre homens e mulheres na PMSE? Totalmente a favor Parcialmente a favor Totalmente contra ( ) Parcialmente contra ( ) ( ) Não dá certo ( ) ( ) Indiferente ( ) 19. Você já foi comandado por uma mulher? Sim ( ) Não ( ) 20. Na tua opinião, sendo comandada por uma mulher a polícia militar de Sergipe... Pioraria ( ) Melhoria um pouco ( ) Melhoria muito ( ) Não sabe ( ) Permaneceria a mesma ( ) 114 21. Para você, as mulheres policiais sofrem preconceito no interior da PMSE? Sim, algumas vezes Não Sim, bastante ( ) ( ) ( ) Sim, raramente Não sabe ( ) ( ) 22. Você concorda com a seguinte frase: “Mulher na PM é dinheiro perdido pro Estado”? Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Não concordo ( ) Concordo mais ou menos ( ) Não sabe ( ) 23. Numa ocorrência policial grave, envolvendo troca de tiros com criminosos, você escolheria como parceiro um homem ou uma mulher? Homem ( ) Qualquer um ( ) Mulher ( ) Não sabe ( ) 115 APÊNDICE C UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA REDE NACIONAL DE ALTOS ESTUDOS EM SEGURANÇA PÚBLICA PROJETO DE PESQUISA Estudo das representações sociais de policiais militares de Sergipe sobre gênero. OBJETIVO DA PESQUISA Analisar as representações dos policiais militares de Sergipe sobre a presença feminina e relações de gênero. PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA PESQUISA Serão realizadas entrevistas individuais com duração média de 01 hora, nas quais os policiais de diferentes graduações e patentes responderão questões relacionadas à situação social, criminalidade e violência. COORDENADORES DA PESQUISA: Profª Drª Tâmara Oliveira (DCS-UFS/Orientadora) Prof. Marcos Santana de Souza (Orientando-UFS) TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos da pesquisa, que me foram apresentados pelo responsável pela aplicação do questionário, e conduzida pelo mestrando Marcos Santana de Souza da Universidade Federal de Sergipe. Estou informado (a) de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos adotados durante a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo me recusar a continuar participando da investigação. Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas serão respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições: a) O entrevistado (a) não será obrigado (a) a realizar nenhuma atividade para a qual não se sinta disposto (a) e capaz; b) O entrevistado (a) não participará de qualquer atividade que possa vir a lhe trazer qualquer prejuízo; c) O nome do entrevistado (a) da pesquisa não será divulgado; d) Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial; 116 e) Os pesquisadores estão obrigados a fornecer ao entrevistado (a), quando solicitados, as informações coletadas; f) O entrevistado pode, a qualquer momento, solicitar aos pesquisadores que os seus dados sejam excluídos da pesquisa. g) A pesquisa será suspensa imediatamente caso venha a gerar conflitos ou qualquer mal-estar à Corporação Polícia Militar de Sergipe. Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins a que se destina, salvaguardando as diretrizes das Resoluções 196/96 e 304/2000 do Conselho Nacional de Saúde, desde que sejam respeitadas as restrições acima enumeradas. O pesquisador responsável por este projeto de pesquisa é o Professor Marcos Santana de Souza, que poderá ser contatado pelo e-mail: [email protected], telefone: 079 8838-0685. Endereço: Rua Sargento Marcelino, 581, Bairro Santos Dumont, Aracaju-SE. Aracaju.........de...........................de 2009. Nome: _______________________________________________________________ Assinatura:____________________________________________________________ Assinatura do responsável pela pesquisa:_____________________________________ 117 APÊNDICE D - PERFIL DOS ENTREVISTADOS Graduação/Patente Idade Sexo Cor/Raça Escolaridade Segundo Sargento Soldado 40 anos 54 anos Masculino Masculino Parda Parda Cabo Soldado 37 anos 30 anos Masculino Masculino Parda Negra Soldado 25 anos Feminino Parda Soldado 26 anos Feminino Parda Aluna do CFS Segundo Tenente Primeiro Tenente 36 anos 39 anos 31 anos Feminino Masculino Feminina Negra Parda Parda Soldado 34 anos Negra Negra Ensino Médio Ensino Fundamental Incompleto Ensino Médio Ensino Superior Ensino Superior Ensino Superior Ensino Médio Ensino Médio Ensino Superior Ensino Médio Tempo de Serviço 20 anos 32 anos 18 anos 03 anos 03 anos 03 anos 13 anos 21 anos 06 anos 11 anos 118 ANEXO A - HIERARQUIA DA POLÍCIA MILITAR DE SERGIPE Oficiais superiores coronel Oficiais subalternos primeirotenente tenente- segundo- coronel tenente major Graduados terceiro-sargento cabo oficial de oficial capitão segundo-sargento aspirante a aluno Intermediário pirmeiro-sargento subtenente Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/insignias.php>. Acesso em: 08 ago. 2006. 119 ESTRUTURA HIERÁRQUICA DAS FORÇAS ARMADAS Marinha Exército Aeronáutica Almirante* marechal* marechal-doar* almirante-deesquadra general-deexército tenentebrigadeiro general-dedivisão general-debrigada majorbrigadeiro Oficiais Generais vice-almirante contraalmirante coronel tenentecoronel coronel tenentecoronel Oficiais Superiores capitão-de-mare-guerra capitão-defragata capitão-decorveta major major Intermediários capitão-tenente capitão capitão Oficiais Subalternos primeirotenente segundotenente primeirotenente segundotenente primeirotenente segundotenente Praça Especial guarda-marinha aspirante aspirante Suboficial subtenente suboficial primeirosargento primeirosargento primeirosargento segundosargento segundosargento segundosargento terceirosargento terceirosargento terceirosargento taifeiro-mor taifeiro-mor cabo cabo taifeiro priclasse taifeiro priclasse taifeiro segclasse soldado priclasse taifeiro segclasse soldado segclasse Cabo marinheiro Graduados Fonte: Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/insignias.php>. Acesso em: 05 jul. 20089. brigadeiro 120 ANEXO B – PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008 Página número 2792 Confere com o original: IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL QOPM Chefe do EMG. = Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 085 de 15 de Maio de 2008 = = 2ª P A R T E = = INSTRUÇÃO = (SEM ALTERAÇÃO) = 3ª P A R T E = I = (ASSUNTOS GERAIS) = 1 – GABINETE DO COMANDO a) TRANSCRIÇÕES DE PORTARIAS a.1) PORTARIA nº 0211/2008 de 15 de Maio de 2008. Aprova as Normas para o Corte de Cabelo e uso de Barba e de Bigode por Oficiais e Praças da Polícia Militar. O COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SERGIPE, no uso das suas atribuições regulamentares, RESOLVE: Art. 1° Aprovar as Normas para o Corte de Cabelo e o uso de Barba e de Bigode por Oficiais e Praças da Polícia Militar, que com esta baixa publicação. Art. 2° Determinar que esta Portaria entre em vigor na data de sua publicação. NORMAS PARA O CORTE DE CABELO E USO DE BARBA E DE BIGODE PARA OFICIAIS E PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR 121 1. FINALIDADE Regular o corte de cabelo e uso de barba e de bigode pelos Oficiais e Praças da Polícia Militar, do sexo masculino. 2. CORTE DE CABELO = Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 085 de 15 de Maio de 2008 = a. Oficiais, Subtenentes e Sargentos: 1) Os Oficiais, Subtenentes e Sargentos usarão seus cabelos aparados, por máquina n° 3 ou tesoura, disfarçando gradualmente de baixo para cima, mantendo bem nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço. 2) Na parte superior da cabeça, o cabelo deverá ser desbastado o suficiente para harmonizar-se com o resto do corte e com o uso da cobertura. 3) As costeletas poderão ter o comprimento até a altura correspondente à metade do pavilhão auricular. Página número 2793 Confere com o original: IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL QOPM Chefe do EMG. b. Cabos e Soldados 1) Os Cabos e Soldados usarão seus cabelos cortados com máquina ° 2, nas partes parietais e occipitais do crânio, isto é na transição do couro cabeludo, mantendo-se bem nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço. 2) Na parte superior da cabeça, o cabelo deverá ser desbastado o suficiente para harmonizar-se com o resto do corte e com o uso da cobertura. c. Alunos do CFAP 1) Os Alunos do CFAP usarão seus cabelos cortados com máquina n° 1, nas partes parietais e occipitais do crânio, isto é, na transição do couro cabeludo, mantendo-se bem nítidos os contornos junto às orelhas e o pescoço. 122 2) Disfarçando o corte, gradativamente, de baixo para cima, com a tesoura, até a altura correspondente à borda da cobertura. 3. USO DE BARBA É vedado o uso de barba aos Oficiais e Praças da Polícia Militar. 4. USO DE BIGODE a. É permitido aos Oficiais, Subtenentes, Sargentos, Cabos e Soldados o uso de bigode, desde que discreto, aparado, não ultrapassando as comissuras labiais, devendo constar da Carteira de Identidade do Policial Militar. b. É vedado o uso de bigode aos Alunos do CFAP. PUBLIQUE-SE REGISTRE-SE CUMPRA-SE Quartel em Aracaju, 15 de Maio de 2008. José Péricles Menezes de Oliveira – CEL QOPM Comandante Geral da PMSE 123 ANEXO C – BOLETIM GERAL OSTENSIVO n° 104 de 12 de Junho de 2008 Página número 3435 Confere com o original: IVANILTON CAMPOS DE SANTANA – CEL QOPM Chefe do EMG. = Continuação do Boletim Geral Ostensivo n° 104 de 12 de Junho de 2008 = [...] d) UNIFORME FEMININO – As policiais militares deverão adotar providências para utilizar o uniforme previsto para PMSE sendo terminantemente proibida a alteração do modelo do fardamento, especialmente para as seguintes formas: 1. Calça boca-de-sino; 2. Calça de cintura muito alta (cós próximo ao peito “Saint Tropeito”); 3. Calça Saint Tropes (cintura baixa); 4. Calça à moda funk (cintura muito baixa); 5. Calça à moda rock (desfiada); 6. Calça cigarrete; 7. Calça capri; 8. Calça corsário; 9. Calça Legging; 10. Calça skinny; 11. Calça balone; 12. Mini saia. Os Comandantes de Unidades, de Sub Unidades, de Companhias Independentes e Chefes de Seção deverão efetuar a devida fiscalização e providências subseqüentes. [...].