Uma crítica ao processo de subestimação da criança leitora em um material didático: reflexões sobre a prática de leitura, interpretação e compreensão textual Isabela Aparecida da Silva (PIBIC-Junior/UNIOESTE/Bolsista F.A)1 RESUMO: Este estudo é o resultado de uma atividade de pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Iniciação Científica Junior/Unioeste, financiado pela Fundação Araucária/SETI. O estudo teve por objetivo analisar as práticas de encaminhamentos de leituras no livro didático de Língua Portuguesa Buriti, voltado aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Buscou-se verificar como as propostas para o ensino da leitura e compreensão/interpretação contribuem, ou não, para a formação de um leitor crítico e competente, pois, segundo Koch e Elias (2006, p. 13): “espera-se que [o aluno] processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dê sentido e significado ao que lê”. Nesse sentido, significa que cabe ao professor, na posição de quem deve mediar o ensino da leitura, saber que os alunos “São vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que - dialogicamente - constroem e são construídos no texto.” (KOCH e ELIAS, 2006, p. 10). A escolha pela série a que o livro em análise se destina justifica-se, porque se entende que a prática deficitária da leitura, muitas vezes, verificada ao término dos anos escolares, tem suas raízes no momento da fundamentação básica desse ensino. A partir desse entendimento, apontam-se alguns problemas no manual de ensino analisado, que, não raras vezes, constituise no único acervo a que o aluno tem acesso e se restringe, em relação às atividades de leitura, interpretação e compreensão, a questionamentos pouco pertinentes, que podem ser mecanicamente respondidos. PALAVRAS-CHAVE: leitura; ensino; livro didático. ABSTRACT: This study is a result of a research activity carried out for the Junior Scientific Initiation Program/Unioeste, sponsored by Fundação Araucária/SETI. The study aimed at analyzing the practices of guiding reading in the Portuguese textbook entitled Buriti, designed to students of the 3rd year of Elementary School. We intended to examine how the propositions for the teaching of reading and text interpretation/comprehension contribute (or not) to the development of a critical and competent reader, since, according to Koch and Elias (2006, p. 13), “it is expected that [the student] processes, criticizes, contradicts or evaluates the information he/she has before him/her, that he/she enjoys or repels it, that he/she assigns meaning and significance to what he/she reads”. In this sense, it means that the teacher, as a mediator in the teaching of reading, should be aware that the students “are seen as social actors/constructors, active subjects who – dialogically – construct and are constructed in the text.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 10). The choice for the grade to which the textbook under review is intended can be justified by the understanding that the deficient practice of reading often found at the end of the schooling has its roots in the basic foundation of that level of education. Based on this assumption, we raise some problems in the textbook, which, not 1 Aluna do Colégio Estadual Wilson Joffre (Cascavel/PR), cursa o 2º ano de Formação Docente (EFMNP). Vigência do projeto: abril/2013 a março/2014. O trabalho foi orientado pela professora Dra. Luciane Thomé Schröder, docente do Curso de Graduação em Letras da UNIOESTE, câmpus de Marechal Cândido Rondon. infrequently, constitutes the only collection to which the student has access and is restricted, concerning the activities of reading, interpretation and comprehension, to inappropriate questions that can be answered mechanically. KEYWORDS: reading; teaching; textbook. INTRODUÇÃO Esse estudo é o resultado de uma atividade de pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Iniciação Científica Junior/Unioeste, financiado pela Fundação Araucária/SETI. O estudo teve por objetivo geral analisar as práticas de encaminhamentos das leituras no livro didático de Língua Portuguesa Buriti, voltado aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental; a obra analisada é utilizada por uma escola municipal da cidade de Cascavel/PR. Por meio do estudo, busca-se verificar como as propostas para o ensino da leitura compreensão/interpretação contribuem, ou não, para a formação de um leitor crítico e competente, pois “compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive” (MARCUSCHI, 2008, p 229). Segundo Koch e Elias (2006, p. 13) “Desse leitor, espera-se que processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dê sentido e significado ao que lê”. Entende-se, ainda, conforme cita Lajolo (1996 p.4) que ”O pior livro pode ficar bom na sala de um bom professor e o melhor livro desanda na sala de um mau professor. Pois o melhor livro, repita-se mais uma vez, é apenas um livro, instrumento auxiliar da aprendizagem”. Portanto, compreende-se que o docente será o mediador entre o conteúdo do livro e o aluno, ou seja, o professor poderá ter o melhor material, mas se não souber usá-lo, o material por si só não garantirá a aprendizagem. Mas, se o professor tiver condições de perceber os problemas no material que tem em mãos, poderá fazer um bom uso dele. No caso desse estudo, significa que cabe ao professor, na posição de quem deve ensinar a leitura, saber que os alunos “São vistos como atores construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente constroem e são construídos no texto”. (KOCH e ELIAS, 2006, p. 10). EMBASAMENTO TEÓRICO Segundo Cagliari (1999), a escola dá mais ênfase ao ensino da escrita do que o da leitura, pois é mais fácil ela avaliar pelo sistema de escrita, isto é, corrigir os erros e os acertos da ordem gramatical, ou ortográficos, por exemplo. Mas na nossa sociedade é mais importante ler do que escrever; pois, no mínimo, precisa-se saber ler placas de trânsito, ônibus, números, nomes, etiquetas, documentos dentre outras materialidades. Para esse autor, ainda, a leitura pode ser vista, falada ou ouvida. Uma criança, ao estar ouvindo textos também está fazendo uma leitura; ouvir um programa de rádio ou assistir televisão, também significam ações de leitura. “A leitura e a produção de sentido são atividades orientadas por nossa bagagem sócia cognitiva”. (KOCH e ELIAS, 2006, p. 21). No decorrer do desenvolvimento deste estudo, observou-se, além das questões relacionadas à leitura, outras problemáticas que interferem no seu processo de aprendizagem, como o trabalho com textos – utilizados, corriqueiramente, como pretextos para o ensino gramatical; conteúdo que ainda ocupa a primeira ordem de importância nas atividades de ensino de Língua Portuguesa, como no caso do material em análise. Compreende-se que essas questões relacionadas ao trabalho com textos não estão “deslocadas” do processo de ensino e aprendizagem da leitura, por isso, fez-se necessário também uma reflexão dos aspectos que envolvem o ensino da língua como estrutura, quando esses encaminhamentos, de um modo ou de outro, afetam, fundamentalmente, a prática de leitura de textos e, por conseguinte, do desenvolvimento da leitura. É importante destacar que a concepção de ensino da linguagem assumida aqui é aquela que compreenda a língua como prática de interação e, por conseguinte, a leitura é tida Na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como atores construtores sociais, sujeitos ativos que –dialogicamente- constroem e são construídos no texto, considerando o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. (KOCH e ELIAS, 2006, p.10). O texto, bem como a leitura do texto, significam: O lugar onde o encontro se dá. Sua materialidade se constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu turno, são materialmente marcadas pela concretude de um produto com “espaços em branco” que se expõe como acabado, produzido, já que resultado do trabalho do autor escolhendo estratégias que se imprimem no dito. O leitor trabalha para reconstruir este dito baseado também, no que se disse e em suas próprias palavras. (GERALDI, 1997, p. 167) Nesse sentido, o ensino da gramática será válido “Se os métodos não forem rígidos demais, pretendendo dominar a maioria das atividades escolares” (CAGLIARI, 1999, p. 156). A escolha pela série a que o livro em análise se destina, justifica-se, porque, entendese que a prática deficitária da leitura, muitas vezes, verificada ao término dos anos escolares, tem suas raízes no momento da fundamentação básica desse ensino, isto é, no princípio do processo de escolarização. A partir desse entendimento, então, aponta-se, dentre outros fatores responsáveis pelo baixo desempenho dos alunos, os problemas nos manuais de ensino, que não raras vezes, se constituem no único acervo a que o aluno tem acesso e se restringem, em relação às atividades de leitura interpretação e compreensão, a questionamentos pouco pertinentes, que não requerem reflexão e podem ser mecanicamente respondidos. Segundo Marisa Lajolo (1996, p. 6): Os significados que, em torno do livro didático, o aluno vai construir ou alterar, precisam, por um lado, corresponder aos padrões de conhecimento da sociedade em nome da qual a escola estabelece seu projeto de educação. Por outro, os significados que o livro veicula podem também questionar o conhecimento até então aceito como legítimo. O livro didático não deixa de ser importante instrumento dentro da sala de aula para o processo ensino-aprendizagem; nele, há um direcionamento para os conteúdos a serem trabalhados durante o ano, o que é importante para o docente, contudo, os conteúdos devem atender às necessidades dos alunos. Dessa forma, o professor não é “usado” pelo livro, mas faz uso do material, tornando-se seu beneficiário e propiciando o mesmo aos alunos. Partindo-se do princípio de que o aluno já traz consigo um determinado conhecimento sociocultural, é a partir da interação com os conteúdos do livro que a aprendizagem pode se efetuar, afinal: “Espera-se que [o aluno] processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dê sentido e significado ao que lê” (KOCH e ELIAS, 2006, p.13). Os grupos se constituem de indivíduos com culturas diferentes, assim, a construção do saber por meio da leitura dá-se por meio da troca de saberes “Na interação autor-texto-leitor”. (KOCH e ELIAS, 2006, p.21). Geraldi (1997) fala em seus livros O texto na sala de aula (1997a) e em Portos de Passagem (1997b), quatro formas de leitura, sendo elas: a leitura-busca de informações, a leitura-estudo do texto, a leitura-pretexto e a leitura-fruição do texto. Para o autor, a leitura-busca de informações se dá quando buscamos no livro ou texto alguma informação. Nesta prática de leitura, podemos nos perguntar para que ler o texto. Na escola, muitas vezes, lemos livros para podermos responder a exercícios, com respostas que poderão estar mais ou menos evidentes. Existem duas formas de se orientar: a) pela busca de informações sem roteiro previamente elaborado (quando lemos textos para verificarmos que informações ele traz) e, b) pela busca de informações com roteiro previamente elaborado, quando lemos um texto com algum propósito. Entendemos que todo o movimento de leitura é importante, mas os dois caracterizados podem ser tidos como os mais presentes nos livros didáticos, em especial, no livro em análise. Como exemplo, reproduz-se abaixo o exercício da página 12 e 13 da obra pesquisada, como forma de demonstrar um exercício que apresenta perguntas pouco ou nada desafiadoras, do que se infere uma perspectiva de ensino que destitui os alunos de alguns saberes, como eles não tivessem capacidade de responder exercícios mais exigentes: Rapidópolis, 23 de maio Poeta Fiquei muito comovida com a sua carta. Felpo querido, eu gosto de orelhas diferentes, acho que dão um charme interessante a um coelho. Principalmente você, que é poeta, devia se orgulhar de ser assim especial. Foi lindo e corajoso você confessar que tem alma de tartaruga, afinal, elas são cheias de sabedoria. Já imaginou se você fosse um coelho com alma de urubu? Lembra aquele ditado que diz: Urubu infeliz, quando cai de costas, quebra o nariz? Isso sim seria azar... Bem, Felpo, agora admiro não só os seus problemas, mas também a sua pessoa. Quando você quiser vir tomar chá comigo Serpa muito bem-vindo. Adoro cozinhar e fiquei curiosa de conhecer os bolinhos de chocolate da sua avó. Você poderia me mandar a receita? Beijos Charlô Eva Furnari (texto e ilustrações) Felpo Filva. São Paulo: Moderna, 2006. 1) Converse com os colegas a) Quem é Felpo? b) Porque Charlô diz que Felpo é especial? Você concorda com ela? c) Que características de Felpo fazem Charlô admirá-lo? d) Charlô faz um convite e um pedido a Felpo. Quais são eles? e) Você já escreveu uma carta? Para quem? f) E já recebeu alguma? De quem? Depois do exercício apontado, podemos analisar que o mesmo se mostra superficial, trazendo apenas perguntas que, para serem respondidas, basta ao aluno decodificar o texto. Para retomar, a leitura-estudo do texto é quando há um diálogo leitor/texto/autor. Geraldi (1997) cita uma rotina para o estudo do texto, a partir dos seguintes passos, devendo-se buscar: -A tese defendida no texto; -Os argumentos apresentados em favor da tese defendida; -Os contra-argumentos levantados em teses contrárias; -Coerência entre tese e argumentos. Além desses pontos, o leitor ainda poderá levantar outros pontos, construindo, assim, um diálogo mais aprofundado entre leitor/texto/autor. De modo que A leitura é uma atividade que solicita intensa participação do leitor, pois, se o autor apresenta um texto incompleto, por pressupor a inserção do que foi dito em esquemas cognitivos compartilhados, é preciso que o leitor o complete, por meio de uma série de contribuições. (KOCH e ELIAS, 2006, p. 35) A leitura do texto-pretexto diz respeito a atitude de ir a um texto para resolver outra atividade conforme destacado anteriormente. Nem sempre isso é bom, pois quando usamos um texto para estudar gramática descontextualizada, muitas vezes, os alunos perdem não só o interesse pela leitura, mas perdem, também, o que há de fundamental nessa prática: a reflexão sobre os sentidos daquela leitura. Isso fica ilustrado na atividade abaixo presente na página 7 do corpus analisado: QUESTÕES SOBRE AS LETRAS M E N ANTES DE CONSOANTES Leia o poema Passa, tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo, tic-tac Tic-tac, e vai-te embora Passa, tempo Bem depressa Não atrasa Não demora Que já estou Muito cansado Já perdi Toda a alegria De fazer Meu tic-tac Dia e noite Noite e dia Tic-tac Tic-tac Tic-tac... Vinícius de Moraes. A arca de Noé São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. a) Sublinhe as palavras que tem M ou N antes de consoante b) Que consoantes aparecem depois da letra M? c) Que consoante aparece depois da letra N? Como pode ser verificado, o encaminhamento silenciou o trabalho de leitora do poema, transformando-o num mero pretexto para o reconhecimento das letras M e N. É nesse sentido que segue a crítica desse estudo: onde fica o trabalho com o gênero em questão? Como provocar no aluno o gosto pela leitura quando ela é completamente anulada? Quanto à leitura-fruição, entende-se que quando lemos um texto por interesse, por vontade própria, sem lê-lo por obrigação ela é tida como leitura prazer. Como sugestão, Geraldi (1997) fala que os alunos deveriam indicar os livros, para poderem adquirir o hábito da leitura por prazer. Como esse procedimento é difícil de ser executado, vale verificar se os livros didáticos e os textos que eles apresentam estão de acordo com a faixa etária. Richard Bamberger citdo por Bordine e Aguiar (1993), identificou cinco idades de leitura; para um aluno de 3º ano (faixa etária dos alunos que usam o livro em análise); a fase seria a seguinte: 2º fase: Idade do conto de fadas (5 a 8 ou 9 anos). De posse de uma mentalidade mágica, o leitor vai buscar, nos contos de fadas, lendas, mitos e fábulas, a simbologia necessária à elaboração de suas vivências. Através da fantasia, resolve seus conflitos e adapta-se melhor no mundo2. Geraldi (1997, p. 91), citando Lajolo (1982, p. 59), reitera que: Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. Segundo Cagliari (1999, p.155) “Por leitura se entende toda manifestação linguística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outro e colocado em forma de escrita”. A leitura é fundamental e de grande importância para uma pessoa dominar o processo de escrita. A leitura é uma extensão da escola, através dela, conseguiremos adquirir novos conhecimentos, sendo uma herança bem maior do que qualquer certificado ou diploma, afirma o autor. 2 O livro em análise traz os seguintes gêneros textuais: poesia e poema, 14; narração, 10; carta, 3; textoinformativo, 10; tirinhas, 10; entrevista, 1; dedicatória, 1; fragmentos de diário, 1; parlenda, 1; bilhete, 1; mangá, 1; jornal, 1; cantiga, 1; reportagem, 2. Geraldi (1997), conforme foi dito, reitera que a leitura é um processo de diálogo entre o leitor e o autor mediado pelo texto. O leitor terá um encontro com o autor, mesmo este estando ausente fisicamente. Por isso, diz-se que o autor não domina sozinho o processo de leitura, pois mesmo tendo dado uma significação para o texto e imaginado seu leitor, depende deste para reconstruir o texto na sua leitura possível. Para Cagliari (1999, p.149) “A leitura é a realização da escrita, quem escreve, escreve para ser lido”. Sendo assim, tudo o que é escrito tem por finalidade a leitura, sendo esta uma atividade individual. É muito difícil uma pessoa ter a mesma leitura que outra, mesmo tendo lido um mesmo texto. Quando lemos, assimilamos conhecimentos, relacionam tais conhecimentos a anteriores, com o que já sabemos, podendo-se assim ter uma maior compreensão e reflexão do que foi lido. Portanto, as pessoas que não leem “São pessoas vazias ou subordinadas de conhecimentos” (CAGLIARI, 1999, p.150). É preciso que a construção da criticidade seja desenvolvida para que os alunos tenham condições de filtrar as ‘verdades’ que lhes chegam. Para uma boa leitura não basta decifrar e decodificar o texto, pois a leitura é mais que uma atividade de decifração e decodificação. O leitor precisa conhecer o código, mas deverá entender e refletir sobre seus sentidos, pois só assim construirá novos conhecimentos. Existem duas formas de leitura, sendo elas a leitura sintagmática e a leitura paradigmática. A primeira é aquela leitura em que o leitor lê o texto acompanhando palavra por palavra, adquirindo dessa forma apenas o significado literário do texto. A segunda é aquela leitura onde o leitor lê o texto descobrindo tanto o significado literário do que foi lido, como também interpreta o que foi lido da sua maneira, conforme seus conhecimentos. (CAGLIARI, 1999). Cagliari (1999) diz que cada pessoa tem uma forma de ler diferente da outra, um adulto não terá a mesma leitura de uma criança, uma criança rica não terá uma leitura igual a de uma criança pobre e assim por diante. Mas isso não significa que uma pessoa tem uma leitura ruim e a outra tenha uma leitura boa, mas sim que todos sabem ler, só que de maneiras diferentes. Precisamos saber que “não podemos dizer quantas são as compreensões possíveis de determinado texto, mas podemos dizer que algumas não são possíveis. Portanto, pode haver leituras erradas, incorretas, impossíveis e não autorizadas pelo texto” (MARCUSCHI, 2008, p. 257). E isso também faz parte do ensino da leitura. ANÁLISE E ALGUMAS REFLEXÕES Compreendemos que o momento dessa pesquisa é um passo inicial; de forma alguma, ela pretende fechar uma porta, mas sim, ser mais uma porta entreaberta sobre a necessidade constante de os professores e futuros professores estarem de prontidão: alertas ao que os materiais didáticos apresentam (sempre tão coloridos e bem ilustrados!). Não se quer a crítica pela crítica, mas pretendeu-se esboçar, ainda que de forma preliminar, uma reflexão sobre o que vem sendo apresentado às crianças lá nas séries iniciais. E, talvez, assim, permitir um questionamento sobre o fazer docente, quando nas séries finais, alardeamos a incompetência leitora dos alunos; mas, quando é mesmo que o aprendizado da leitura deve se dar? Na sequencia, apresenta-se o corpus e mais duas atividades para a avaliação dos leitores desse texto. Português: 3º ano - Organizadora: Editora Moderna; Editora Responsável: Marisa Martins Sanchez; PNLD: 2013, 2014, 2015. ATIVIDADE PÁGINA 117: 1- Converse com os colegas. a) Você conhece as personagens dessa história em quadrinhos? b) O que Cascão e Cebolinha colocaram na caixa? c) O que eles pretendiam com isso? d) Mônica percebeu que alguém mexeu em sua caixa? e) No final da história, aconteceu o que Cebolinha e Cascão esperavam? Por quê? f) Você ficaria feliz em ganhar um gatinho de presente de aniversário? Esse exercício demonstra que o livro didático apresenta uma atividade que não exige o desenvolvimento do senso crítico e reflexivo dos alunos, subestimando-os, como se eles não fossem capazes de responder questões mais complexas. Elas exigem apenas que o aluno volte ao texto e siga o que os quadrinhos explicitam nos desenhos. Não há qualquer questionamento, por exemplo, do processo de inferência e conhecimentos de mundo exigidos para que os quadrinhos sejam compreendidos. Outro exercício tomado como demonstração é o da página 52. Leia os títulos destes livros. a) b) Qual é o título que faz uma pergunta? Qual é o título que faz uma afirmação? Mais uma vez, tem-se um exercício pretexto para estudar, no caso, a pontuação. Que, ousa-se dizer, é limitado, pois não leva o aluno a refletir como contexto de uso é determinante para a pontuação usada; que se trata de um momento de entoação específico e que pode variar: essas ausências de explicações podem levar o aluno à construções equivocadas sobre o funcionamento da pontuação. “Esse procedimento de interpretação de texto através de perguntas ‘óbvias’ [...] tira todo o sabor da leitura, substituindo-o por um gosto chato de questionário”. (CAGLIARI, 1999, p.181). E cabe ao professor mediar, estabelecendo entre o que o livro traz e o que ele deixa de dizer, a completude necessária para o desenvolvimento do aluno, sobretudo, no tocante à prática de leitura dos textos que os livros apresentam. REFERÊNCIAS GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997a. _____. Portos de Passagem. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997b. LAJOLO, Marisa. Livro Didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, ano 16, n. 69, jan./mar. 1996. BORDINI, Maria da Glória e AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 10 ed. (3ª reimpressão). São Paulo: Scipione, 1999. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. KOCH, Ingedore Villaça e ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os sentidos do texto. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006