Introdução A área de estudos sobre crime e violência no Brasil vem ganhando espaço nos últimos 40 anos. Importantes pesquisas empíricas somadas à uma reflexão própria da realidade brasileira foram produzidas. Faltava, porém, um livro de referência, à semelhança dos handbooks de tradição anglo-saxã, oferecendo um quadro do “estado da arte” dessa área de pesquisas. Crime, polícia e justiça no Brasil mapeia e apresenta as principais abordagens e focos temáticos dos estudos sobre a área no país. Dessa forma, a obra traz não apenas as principais correntes da literatura internacional, como também incorpora os avanços teóricos e metodológicos produzidos no Brasil. O livro conta com mais de 80 colaboradores, de diferentes origens e inserções acadêmicas e profissionais (de áreas tão diversas quanto Ciências Sociais, Direito, História, Economia, Administração Pública, Geografia, Psicologia, Medicina e Engenharia). Há uma mescla de pesquisadores seniores pioneiros em suas linhas de pesquisa, a geração de seus herdeiros intelectuais e, ainda, jovens pesquisadores que têm participado ativamente dos debates e oferecido leituras e releituras importantes acerca de alguns dos principais temas do campo de estudos sobre crime, polícia e justiça no Brasil. Desse modo, os capítulos aqui reunidos permitem ao leitor um panorama privilegiado da multiplicidade de posições, abordagens e aproximações institucionais e disciplinares que configuram e dão dinamismo ao corpus teórico e conceitual de Crime, polícia e justiça no Brasil um campo de estudos que tem crescido de forma acentuada nos últimos 15 anos. Novas fronteiras estão bem delimitadas, como aquelas dedicadas pioneiramente ao estudo das prisões, e outras estão ainda em formação, como é o caso dos estudos sobre políticas de segurança pública e políticas sobre drogas. Na intersecção dessas fronteiras, temas clássicos da criminologia e das ciências sociais, como violência contra mulheres, direitos humanos, discriminação racial, administração da justiça e conflitos sociais ajudaram a guiar as pesquisas e os debates intelectuais da área. Arriscamos dizer que o conjunto de pesquisas oriundas das ciências sociais estaria conformando um campo de estudos sobre “segurança pública e sociedade”. Por conseguinte, o campo vem adquirindo centralidade em estudos de várias disciplinas e áreas. Se, como destaca David Garland,1 os temas da nossa área de pesquisa são mais bem concebidos se articulados a um campo prático que utiliza as fontes intelectuais de disciplinas como a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Economia, a Psicologia e o Direito, faz-se mais do que necessário um programa acadêmico e intelectual que marque divisas e, ao mesmo tempo, reestabeleça pontes entre esses distintos universos. O livro traz um conjunto de capítulos que problematizam diferentes dimensões da realidade social e das agências de segurança pública e justiça criminal. A partir de um debate mais amplo sobre a administração da justiça penal, tal como considerada pelos estudos sociocriminológicos sobre o tema, são abordadas questões como a seletividade do sistema penal e o problema do acesso à justiça, assim como o fluxo de funcionamento da justiça penal. O campo do controle do crime é analisado também de forma particularizada, com textos que tratam do conceito de segurança pública e, em relação à polícia, de questões como o mandato policial em diferentes contextos sociais, a proposta e as experiências de policiamento comunitário, os avanços e impasses a respeito da formação policial, a letalidade da atuação das polícias. Também abordamos a vinculação de uma ética corporativa às práticas policiais e judiciais, e as decorrências daí advindas para as possibilidades de pensar reformas no interior da estrutura policial e judiciária. Quanto ao sistema de justiça, os capítulos discutem temas como o funcionamento e a simbologia do Tribunal do Júri, a existência e o funcionamento da justiça juvenil, as possibilidades abertas pela proposta de uma justiça restaurativa e a questão prisional em seus vários aspectos como objeto de investigação sociocriminológica. O tema da pena é ainda tratado de forma mais ampla, analisando a punição como elemento do contexto social, assim como a ideia e as práticas de implementação das chamadas penas alternativas. Também é enfrentada a questão da tortura e suas imbricações com a administração da justiça penal. Os estudos sobre a administração da segurança pública e da justiça penal em suas várias dimensões apontam para questões fundamentais do ponto de vista da compreensão dos processos de criminalização, bem como dos limites dos projetos e propostas 14 Introdução de reforma. É o caso da demanda de reestruturação das polícias e de todo o funcionamento da justiça penal – desde a investigação criminal até a execução das penas. Essencial do ponto de vista democrático, essa reestruturação ainda não encontrou seu caminho: houve diversas tentativas, mas os impasses continuam e não há consenso de como executá-la. Todas as propostas recentes de mudanças esbarraram numa dinâmica de funcionamento que não incentiva a inovação e oferece fortes resistências. Qual a causa dos crimes e como relacionar as dinâmicas criminais em determinados âmbitos sociais? Essa é uma questão bastante estudada atualmente e que engloba diferentes disciplinas. Há aqui o debate proposto pelos estudos que relacionam economia e crime, que discutem a relação da criminalidade com a pobreza e as periferias urbanas, o fenômeno dos grupos delinquentes e o crime e a punição em uma perspectiva histórica. Há também capítulos que problematizam temas que vão desde a questão dos ilegalismos enquanto conceito apto a desconstruir a categoria crime, a pistolagem como fenômeno social específico de determinados contextos sociais e a relação ou associação entre o crime e o uso de substâncias como a droga e o álcool, assim como a própria criminalização dessas substâncias como geradora de efeitos sociais e de criminalização secundária de determinados grupos sociais. São ainda abordados os delitos de proximidade e a violência doméstica e a produção e utilização das estatísticas criminais e de pesquisas de vitimização pelas agências de controle do crime e os problemas epistemológicos daí decorrentes. Enfim, esta obra oferece insumos para a reflexão rigorosa sobre os limites e possibilidades das políticas públicas de segurança no país, reunindo em uma única publicação pesquisadores que, a partir de diferentes abordagens teóricas, têm contribuído para a consolidação do campo de estudos sobre crime, polícia e justiça no Brasil. Em termos de formato, os capítulos oferecem um panorama de cada tema e trazem uma seção intitulada “Para Saber Mais” visando a quem quiser se aprofundar no assunto. Para concluir, vale ressaltar que uma obra como esta, publicada pela Editora Contexto, só poderia ter sido concluída com o apoio irrestrito não só dos autores, que desde já agradecemos, mas também de organizações e instituições. Cabe destacar o papel do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), peça-chave na mobilização e articulação de todos, bem como do INCT sobre Violência, Democracia e Segurança Cidadã (CNPq/Fapesp) e da Capes/CNJ Acadêmico (Projeto Descarcerização e Sistema Penal), fundamentais parceiros e que viabilizaram esta edição. Por fim, gostaríamos de agradecer a Beatriz Rodrigues, Laís Figueiredo e Patrícia Nogueira, responsáveis pela preparação e controle, no FBSP, do original e do contato com os autores. Sem o auxílio delas, o projeto teria sido ainda mais árduo. Os organizadores 15