Ensinar capacidades gerais de resolução de problemas não é uma substituição, nem um complemento viável, a ensinar matemática1 JOHN SWELLER, RICHARD CLARK E PAUL KIRSCHNER [email protected], [email protected], [email protected]. 1 Artigo originalmente publicado em Notices of the American Mathematical Society, que gentilmente permitiu a sua tradução e a sua publicação na Gazeta de Matemática: J. Sweller, R. Clark, P. Kirschner, “Teaching General Problem-Solving Skills Is Not a Substitute for, or a Viable Addition to, Teaching Mathematics”, Notices of American Mathematical Society, vol. 57, Issue 10, 2010, 1303-1304. Tradução de ISEL-IPL. 26 GAZETA DE MATEMÁTICA r166 Resolver problemas é central para a matemática. No entanto, a capacidade de resolver problemas não é o que parece. sinar os estudantes a usarem estratégias gerais, tais como as !"#$%&' ()*$(+,-.'(/012*#34#-&5(6789:5(;' (% *(<(%3 !=1%#3>#?( Não existe um corpo de investigação com base em experiências aleatórias, controladas, indicando que tal ensino leve a resolver melhor os problemas. A recente “reforma” do currículo ignora a ausência de dados de suporte e entende de uma forma completamente errada o papel da resolução de problemas na cognição. Suponhamos, com vista a um absurdo, que não estamos realmente a ensinar matemática às pessoas, mas a ensinar alguma forma geral de resolução de problemas. Então, pode ser reduzida a importância do conteúdo matemático. De acordo com este argumento, podemos ensinar os alunos a resolver problemas em geral, e isto torna-os bons matemáticos aptos a descobrir novas soluções independentemente do conteúdo. Acreditamos que este argumento ignora toda a evidência empírica sobre a aprendizagem da matemática. Apesar de certos matemáticos, na falta de instrução adequada, poderem ter aprendido a resolver problemas matemáticos descobrindo soluções sem orientação explícita, esta abordagem nunca foi a 4*$;'(1*;(;#-2*$($# !->'&*(*!(;'% (#=1%#3>#()'$'(')$#3&#$( N matemática. a verdade, o tema da resolução de problemas A via alternativa para adquirir competências de resolu- *4$#!($#1#3>#;#3>#(!;('!;#3>*(&#(%3>#$# #(#($#U#VJ*( ção de problemas em matemática deriva do trabalho de um em investigação, no entanto muitos dos resultados desta in- ) %1,-*"*(2*-'3&@ 5(A#(B$**>(/67CDE67D9:5(%3F# >%"'3&*('(*$%- vestigação são contra-intuitivos e contrários a muitos pontos gem da competência em xadrez. Pesquisando porque é que de vista amplamente aceites. Por exemplo, muitos educadores os mestres de xadrez derrotaram sempre os jogadores de assumem que estratégias gerais de resolução de problemas são =;E&#E #;'3'5( A#( B$**>( 1*3 #"!%!( #31*3>$'$( ')#3' ( !;'( não apenas possíveis de aprender e de ensinar, mas também &%4#$#3G'?( H-#( ;* >$*!( '( ;# >$# ( #( I*"'&*$# ( &#( =;E&#E #- um complemento essencial para o conhecimento matemático. ;'3'( !;'( 1*3="!$'GJ*( &*( >'K!-#%$*( &#( !;( I*"*( $#'-5( $#;*- A exposição mais conhecida desse ponto de vista foi forne- veu-a após cinco segundos, e pediu-lhes para a reproduzir. 1%&'( )*$( +,-.'( /679L:?( H-#( &% 1!>%!( !;'( <$%#( &#( # >$'><"%' ( Os mestres conseguiam fazê-lo com uma taxa de precisão gerais de resolução de problemas, tais como incentivar os &#(1#$1'(&#(LMN5(#;(1*;)'$'GJ*(1*;(OMN()'$'(* (I*"'&*$# (&#( alunos de Matemática a pensar num problema relacionado =;E&#E #;'3'?(P2' #(#(0%;*3(/67LO:($#)-%1'$';(# ># ($# !->'- para depois resolver o problema dado, por analogia, ou a dos e, adicionalmente, demonstraram que, quando a experiên- pensar num problema mais simples e, em seguida, extrapolar 1%'(4*%($#)#>%&'(1*;(1*3="!$'GQ# ('-#'>,$%' (#;(F#R(&#(1*3=- para o problema dado. Os exemplos que Pólya utilizou para "!$'GQ# ( &#( I*"*( $#'-5( ;# >$# ( #( I*"'&*$# ( &#( =;E&#E #;'3'( demonstrar as suas estratégias de resolução de problemas são >%32';( %"!'-( )$#1% J*( /S( OMN:?( T ( ;# >$# ( 4*$';( !)#$%*$# ( 4' 1%3'3># 5( #( '( !'( %3U!@31%'( )*&#( )$*F'F#-;#3>#( >#$( %&*( ')#3' ()'$'(1*3="!$'GQ# ($#>%$'&' (&#(I*"* ($#'% ? originada, pelo menos em parte, por esses exemplos. O xadrez é um jogo de resolução de problemas, cujas re- No entanto, em mais de meio século, não surgiu nenhum gras podem ser aprendidas em cerca de trinta minutos. No 1*$)*( % >#;W>%1*( &#( )$*F' ( X!#( &#;*3 >$#;( '( #=1W1%'( &' ( entanto, são precisos pelo menos dez anos para alguém se tor- estratégias gerais de resolução de problemas. É possível en- nar um mestre de xadrez. O que é que ocorre nesse período? ENSINAR CAPACIDADES GERAIS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS (...)r+PIO4XFMMFS3JDIBSE$MBSLF1BVM,JSTDIOFS 27 Ao estudar os jogos anteriores, os mestres de xadrez apren- Uma resposta simples é enfatizando exemplos trabalhados de &#;('($#1*32#1#$(&#R#3' (&#(;%-2'$# (&#(1*3="!$'GQ# (&*( estratégias de resolução de problemas. Há agora um grande tabuleiro e os melhores movimentos associados a cada con- corpo de evidências que mostra que estudar exemplos tra- ="!$'GJ*( /0%;*3( Y( B%-;'$>%35( 67LO:?( Z( !)#$%*$%&'&#( &* ( K'-2'&* ( <( !;'( 4*$;'( ;'% ( #4#1>%F'( #( #=1%#3>#( &#( ')$#3&#$( mestres de xadrez não vem de terem adquirido inteligentes a resolver os problemas do que simplesmente praticar a re- #( *= >%1'&' ( # >$'><"%' ( "#$'% ( &#( $# *-!GJ*( &#( )$*K-#;' 5( solução de problemas, sem referência a exemplos trabalha- ;' ( %;(&#(>#$#;('$;'R#3'&*(%3[;#$' (1*3="!$'GQ# (#(* ( &* (/+'' (Y(F'3(B*"5(`MMD:?(a3>#$1'-'3&*(*(# >!&'$(#V#;)-* ( melhores movimentos associados a cada uma na memória de trabalhados com praticar a resolver o tipo de problemas des- longo prazo. crito no exemplo reduz a carga desnecessária da memória de Os resultados de De Groot têm sido replicados em vários trabalho que impede a transferência de conhecimento para a campos educacionalmente relevantes, incluindo o da mate- ;#;,$%'(&#(-*3"*()$'R*(/+'' (Y(F'3(B*":?(Z(;#-2*$%'(3*(&#- ;W>%1'(/0\#--#$(Y(P**)#$5(6789:?(H-# (&%R#;E3* (X!#('(;#;,- sempenho de resolução de problemas subsequentes, depois de ria de longo prazo, uma componente crucial da arquitectura estudar exemplos trabalhados em vez de resolver problemas, é cognitiva humana, não é usada para armazenar factos isola- 1*32#1%&'(1*;*(#4#%>*(#V#;)-*E>$'K'-2'&*(/+'' (Y(b'3(B*":?( dos, aleatórios, mas sim para armazenar enormes complexos Enquanto é notável a falta de evidência empírica apoian- de informações estreitamente integradas que resultam em do o ensino de estratégias gerais de resolução de proble- competências de resolução de problemas. Essa competência é mas em matemática, existe ampla evidência empírica da 1*32#1%;#3>*(&#(&*;]3%*(# )#1]=1*5(#(3J*(&#(&*;]3%*("#$'-?( validade do efeito dos exemplos trabalhados. Um grande Um experiente “resolvedor de problemas” em qualquer domí- número de experiências aleatórias controladas demons- nio construiu e armazenou um grande número de esquemas na >$'( # #( #4#%>*( /)*$( #V#;)-*( 012\*3c#( #>( '-( `MM7d( 0\#--#$( memória de longo prazo, que permitem aos problemas nesse Y( P**)#$5( 6789:?( +'$'( * ( '-!3* ( 3*F'>* ( &#( ;'>#;W>%1'5( domínio ser categorizados de acordo com seus movimen- é esmagadora a evidência de que estudar exemplos trabalha- tos-solução. Em suma, a investigação sugere que pode- dos em vez de resolver os problemas equivalentes facilita a ;* ( #3 %3'$( ' )%$'3># ( '( ;'>#;W>%1* ( '( #$#;( #=1'R# ( aprendizagem. Estudar exemplos trabalhados é uma forma “resolvedores de problemas“ fornecendo-lhes apenas um de instrução directa, explícita, que é vital em todas as áreas "$'3&#( '$;'R<;( &#( # X!#;' ( # )#1]=1* ( &*( &*;]3%*?( curriculares, especialmente em áreas que muitos alunos con- A competência de resolver problemas de matemática é sideram difíceis e que são cruciais para as sociedades moder- adquirida através de um grande número de estratégias es- nas. A matemática é uma dessas disciplinas. O mínimo de )#1]=1' (&'($# *-!GJ*(&#()$*K-#;' (&#(;'>#;W>%1'(X!#( J*( orientação no ensino da matemática conduz a uma aprendi- relevantes para problemas particulares. Não existem estra- R'"#;(;]3%;'(/e%$ 123#$(0\#--#$(Y(P-'$c5(`MMD:? tégias gerais, independentes, de resolução de problemas que possam ser aprendidas. Como é que se podem resolver problemas que não se tenham previamente encontrado? A maioria das pesso- REFERÊNCIAS f6g(h?(B?(P2' #5(Y(i?(Z?(0%;*35(^+#$1#)>%*3(%3(P2# _5(Cognitive Psychology(C(/67LO:5(99j86? ' ( #;)$#"'( !;'( F#$ J*( &#( '3W-% #( &* ( ^=3'% ( %3>#$;<&%* _5( #;( X!#( J*( %>%=1'&' ( ' ( &%4#$#3G' ( #3>$#( !;( f`g(Z?(A#(B$**>5(Thought and Choice in Chess, Mouton, The Ha- problema-formulado corrente e um objectivo-formulado "!#5(k#>2#$-'3& 5(67D9?(/T$%"%3'-(\*$c()!K-% 2#&(67CD?: e os operadores de resolução de problemas reduzem essas diferenças. Não há nenhuma evidência de que esta es- fOg( +?( e%$ 123#$5( l?( 0\#--#$5( Y( m?( P-'$c5( ^h2.( n%3%;'-( B!%- tratégia seja possível de ensinar ou de aprender porque a usa- &'31#(A!$%3"(a3 >$!1>%*3(A*# (3*>(h*$co(Z3('3'-. % (*4(>2#( mos automaticamente. failure of constructivist, discovery, problem-based, experien- Mas as competências de resolução de problemas de ma>#;W>%1'(&#(&*;]3%*(# )#1]=1*(podem ser ensinadas. Como? 28 GAZETA DE MATEMÁTICA r166 tial and inquiry-based teaching “, Educational Psychologist 41 /`MMD:5(L9j8D? fCg(p?(+'' (Y(q?(F'3(B*"5(^T)>%;% %3"(h*$c#&(HV';)-#(a3 >$!1>%*3o(A%r#$#3>(\'. (>*(%31$#' #("#$;'3#(1*"3%>%F#(-*'&_5( Learning and Instruction(6D(/`MMD:5(8Lj76? f9g(B?(+,-.'5(How to Solve It: A New Aspect of Mathematical Method5(A*!K-#&'.5(B'$(P%>.5(ks5(679L? fDg( Z?( 012*#34#-&5( Mathematical Problem Solving, Academic Press, New York, 1985. fLg( m?( 012\*3c#5( Z?( m#3c-5( P?( e$#%"5( l?( h%>>\#$5( b?( Z-#F#35( Y(m?(0'-#(^q2#(h*$c#&(HV';)-#(Hr#1>o(k*>('3('$>%4'1>(*4( lousy control conditions”, Computers in Human Behavior( `9( /`MM7:5(`98j`DD? f8g(i?(0%;*3?(Y(e?(B%-;'$>%35(^Z(0%;!-'>%*3(*4(n#;*$.(4*$( Chess Positions”, Cognitive Psychology(9(/67LO:5(`7jCD? f7g(l?(0\#--#$(Y(B?(P**)#$5(^q2#(t #(*4(h*$c#&(HV';)-# (' ('( Substitute for Problem Solving in Learning Algebra”, Cognition and Instruction(`(/6789:5(97j87? SOBRE OS AUTORES +PIO4XFMMFS é professor de Educação na School of Education, University of New South Wales, Sydney, Austrália. 3JDIBSE&$MBSL é professor de Psicologia Educacional no Clinical Research Professor of Surgery, e director do Center for Cognitive Technology na University of Southern California. 1BVM ,JSTDIOFS é professor de Psicologia Educacional no Centre for Learning Sciences and Technologies (CELSTEC) da Open University of the Netherlands em Heerlen, Holanda. 29