REPRESENTAÇÕES SOBRE NEGÓCIOS ENTRE MEMBROS DE UMA EMPRESA
FAMILIAR
SENA, Marcello (Orientador)1
CUNHA, Adriano (Co-orientador)2
BARBOSA, Jorge Eduardo3
MELIN, Jefferson4
Palavras-chave: Empresa Familiar. Processo Sucessório. Subjetividade Coletiva.
Introdução
O objetivo deste trabalho é identificar as representações dos proprietários de uma
pequena empresa familiar sobre a atividade econômica que desempenham. A sociologia
brasileira, através da obra de autores como Costa Pinto (1965) e Cardoso (1964), dedicou alguma
reflexão à empresa familiar. Tal reflexão inseria-se em uma discussão teórica mais ampla sobre o
desenvolvimento do país onde a empresa familiar foi tomada como a expressão de um
tradicionalismo empresarial marcado por uma mentalidade aristocrática e patrimonialista difusa
entre o empresariado nacional. O argumento era que a superação deste tipo de organização
representaria uma clara evidência de um avanço considerável rumo à modernização.
Presume-se hoje que cerca de 90% das empresas privadas nacionais são familiares, que
menos de 40% chegam à segunda geração, menos de 10% passam à terceira geração, não
significando sua desintegração, mas em geral uma desestruturação e uma consequente venda.
Soma-se a isso existência de um número considerável de trabalhos acadêmicos e de consultorias
voltados para a gestão e a sucessão em empresas familiares que sugerem uma tendência inversa
àquela aventada pelos sociólogos desenvolvimentistas (Cf. BERNHOEFT, 1988; BORGES,
2009; LODI, 1987; GERSICK et al, 1997). Ao partirem da constatação de que a maior parte das
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Professor da Escola de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Castelo Branco/RJ. Orientador do Programa de
Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2013/2014.
E-mail: [email protected]
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Professor da Escola da Saúde e do Meio Ambiente da Universidade Castelo Branco/RJ. Orientador do Programa de
Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2013/2014.
E-mail: [email protected]
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Graduando do Curso de Administração da Universidade Castelo Branco. Aluno Voluntário do Programa de
Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2013/2014.
E-mail:[email protected]
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Graduando do Curso de Administração da Universidade Castelo Branco. Aluno Voluntário do Programa de
Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2013/2014.
E-mail:[email protected]
empresas privadas de capital nacional é familiar, procuram compreender e explicar este
fenômeno no que tange aos aspectos organizacionais, operacionais, financeiros e, especialmente,
sucessórios.
Contudo, tais análises pautadas em critérios universalistas que visam à eficiência
empresarial e podem ser complementadas por análises sintéticas que investiguem a interposição
de aspectos objetivos e subjetivos que influenciam as tomadas de decisão estratégica.
Assim, propomo-nos a investigar o ethos de atores sociais que possuem ou podem vir a
possuir titularidade sobre aquelas empresas que se enquadram na definição abaixo e que nos
servem de objeto. Consideramos empresa familiar a organização empresarial cujo controle
econômico e operacional é reservado para ser exercido por um ou mais membros de uma ou
mais famílias e pelos membros da geração posterior a dos atuais controladores, cuja gestão é
caracteristicamente orientada para a conciliação de racionalidades que podem engendrar
lógicas simultâneas de competitividade, de exercício do poder e de bem-estar.
Procedimentos Metodológicos
A pesquisa proposta é descritiva e quali-quantitativa, pois pretende identificar as
representações dos empresários a respeito de seus negócios. Para este propósito, a utilização da
Escala de Likert foi considerada ideal por se tratar de uma ferramenta que pode ser empregada
para identificar as motivações que levam a determinadas condutas. Previu-se também a
realização de entrevistas semidiretivas.
Na Escala de Likert, os pesquisados apresentam seu grau de concordância com
afirmações ou conjuntos de afirmações que poderão ir de “discordo firmemente” até “concordo
firmemente”, passando por “indiferente”. Cada questão específica pode ter as respostas
analisadas separadamente ou confrontadas com outras respostas ou categorias estatísticas como
faixa etária, gênero, escolaridade, tempo de existência da empresa, entre outros.
Por poder ser aplicada a um número maior de pessoas que podem estar livres de
melindres provocados pela presença e pelas perguntas invasivas do pesquisador de campo, seus
resultados podem ser confrontados com as respostas dadas às entrevistas semidiretivas que serão
realizadas em consonância com os temas do questionário.
As entrevistas semidiretivas permitem ao entrevistador exercer certo controle sobre a
entrevista mediante a apresentação de um tema que deve ser focado, mas deve-se deixar que o
entrevistado responda livre e espontaneamente.
Análise de dados
Em razão da mudança dos membros da equipe de alunos vinculados ao PIBIC&T, o
cronograma de pesquisa sofreu atraso e, neste momento, somente foi possível fazer a análise das
entrevistas; para confeccionar este trabalho, realizamos um breve estudo de caso com uma das
empresas estudadas. A entrevista foi feita com os dois sucessores, André e Murilo, que
assumiram o controle da empresa após a morte do pai e fundador Bernardo5.
A história da fundação da empresa de tintas Dois Irmãos6, que no início atuava no ramo
atacadista, reproduz o tema do self made man. Após ter aberto a firma no início de 1990 e ter
sido enganado pelo sócio, contraiu dívidas com o principal fornecedor, conseguiu negociar a
manutenção da representação deste fornecedor escalonando a dívida com base na divisão do
comissionamento. Após conseguir a representação de uma importante indústria de tintas em
1997, deu início ao crescimento da empresa até vir a falecer em 2011, momento em que os filhos
assumiram o comando da empresa e consolidaram a representação de quatro importantes
fornecedores do segmento de tinta.
Quando indagados a respeito do núcleo decisório da empresa, os entrevistados
demonstram não estabelecerem com precisão uma divisão hierárquica que defina uma cadeia de
comando. Apesar de entenderem que são os principais dirigentes, não definiram um cargo para
emanar o poder sugerindo que quem trabalha mais pela empresa deve ser considerado o principal
gestor; porém Murilo reconhece que André é quem mais trabalha pela empresa e é quem gosta
da atividade.
Embora abrupta, a sucessão foi relativamente estável uma vez que os sucessores
trabalhavam no mesmo ramo e, portanto, encontravam-se familiarizados com a atividade, com a
organização do trabalho e com as tecnologias utilizadas por esta empresa onde trabalhavam. Este
fato facilitou a adaptação à tarefa de assumir a condução do negócio. Neste processo, as
tecnologias de comunicação e informação são reputadas como a principal transformação
identificada pelos sucessores por agilizarem o processo de encomendas que no início dos
negócios eram realizados semanalmente via FAX.
Percebe-se que a empresa demonstra boa capacidade de adaptação às mudanças e os
sucessores demonstraram familiaridade com a gestão por trabalharem no mesmo segmento e,
especialmente, comprometimento com a firma.
Os sucessores identificam dificuldades na conciliação entre empresa e família em razão
da intervenção da mãe. A convivência diária é apontada como o principal fator que dificulta a
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Os nomes dos entrevistados ou citados por eles são fictícios e foram criados para salvaguardar o anonimato de
todos.
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Nome fictício criado para salvaguardar a imagem e reputação da empresa.
conciliação, pois os negócios da empresa são discutidos dentro de casa e a mãe, embora não
trabalhe na firma, considera que deve intervir nas decisões. É razoável supor que a sucessão é
entendida como uma herança e não um legado social, pois a empresa é vista como um
patrimônio e não como um negócio.
A serem indagados a respeito do planejamento sucessório, ambos afirmam que não
ponderam sobre essa temática e que o próprio pai deixou de planejar deliberadamente esse
processo, pois pretendia que os filhos seguissem outra carreira. Ambos deixam transparecer que
as contingências e um interesse pessoal de André o levaram à sucessão. Murilo demonstra sua
incerteza quanto à sua permanência na firma, mantendo-se lá para auxiliar o irmão no
provimento da família.
Os meus objetivos no futuro dependem muito do andar da carruagem. Se tiver tocando o
negócio, se tiver bem não vou ver problema nenhum em estar junto da empresa... se o
dinheiro estiver entrando no bolso não tem problema. Mas o meu futuro eu não
imaginava aqui na empresa. Imaginava num outro ramo, no de jornalismo, por exemplo,
que é um ramo diferente, mas como tenho uma filha agora pra criar, como tem que ter o
dinheiro no bolso... então busco... o melhor caminho financeiramente. (Murilo)
A capacitação profissional é considerada relevante para tornar a carreira profissional, e
não necessariamente o negócio, bem sucedida. A formação superior é considerada indispensável,
mas deve ser complementada por cursos oferecidos por consultorias.
Discussão dos resultados
A percepção demonstrada pelos entrevistados sobre os negócios da família sugere que a
empresa, para existir, depende de trocas seletivas com o seu meio; neste caso estamos
considerando a influência recíproca com a família. Portanto, uma firma não é apenas um
construto técnico-econômico, mas um espaço de sociabilidade, de produção de identidades e de
divergências que proporcionam formas mais ou menos instáveis de integração.
Neste trabalho, a empresa familiar foi tomada como um espaço de relações intergrupais
cujos grupos (família, firma e fornecedores) estabelecem intercessões e articulações entre si.
Dada sua autonomia relativa, podemos caracterizar a empresa familiar como uma forma de
subjetividade coletiva (DOMINGUES, 1996c) que se relaciona com outras como a família, os
funcionários, a concorrência e os clientes, as quais se vinculam a diferentes lógicas que orientam
a ação dos indivíduos.
Partimos da ideia de que uma empresa familiar é uma forma de subjetividade coletiva
cujo impacto “na vida social não depende de seu caráter consciente, podendo ser este impacto
completamente não intencional e, inclusive, não reconhecido pelos membros daquele sistema
social” (DOMINGUES, 1996c, p. 18). Domingues (1996c) apresenta-nos um modelo explicativo
que pode ser expresso por dois eixos perpendiculares que representam identidade e organização,
de modo que quanto mais próximos da origem de cada eixo estiverem seus respectivos níveis,
menores os índices de centramento e intencionalidade das ações. Dentre os tipos de
subjetividade coletiva que o autor elenca, a organização seria aquela que possui um alto nível de
centramento, pois é precisamente delimitado, possui uma identidade clara e fortes núcleos
decisórios. Assim, uma empresa familiar é uma empresa e não uma família. É na empresa que
está o centro das decisões.
Este núcleo decisório, no entanto, é afetado por um conjunto de fatores intervenientes.
Gersick et al (1997) desenvolve um modelo teórico tridimensional baseado na articulação de três
círculos estruturais que representam a família, a propriedade e a empresa. A forma como estas
estruturas se caracterizam e se combinam é definida pelo estágio de desenvolvimento da empresa
familiar, sendo que o modo de evolução destes estágios provoca alterações nas estruturas de cada
um dos círculos, assim como na forma como eles se combinam. Como a propriedade vai se
tornando difusa, o núcleo decisório pode apresentar instabilidades relevantes.
A fala de Murilo demonstra que a concepção sobre o negócio é a de um patrimônio que
serve aos interesses familiares. Não se percebe a empresa como um legado social importante
para o crescimento econômico e social da região e como fonte de renda para outros
trabalhadores. Estes fatos indicam que a diferenciação social aí é claramente parcial, pois ambos
se vêm e se tratam como irmãos e não como gestores.
Considerações Finais
Embora o núcleo decisório esteja centrado na empresa, a conjugação de papéis
ocupacionais e familiares neste tipo de organização nos leva a crer que se os processos de
diferenciação social associados à evolução e adaptação da empresa a diferentes cenários forem
parciais podem não ser totalmente responsáveis pelo sucesso ou fracasso do empreendimento.
A investigação deste objeto da maneira como está proposta avança na direção de
completar análises universalistas com outras particularistas que revelem que as organizações
empresariais não podem ser pensadas apenas como um construto técnico-econômico. Elas
mantêm uma relação muito próxima e relativamente controlada com seu entorno, mas não deixa
de ser afetada pela concorrência, pelas políticas econômicas das diversas esferas de governo,
pelos consumidores de produtos e serviços, pela comunidade e, o que nos interessa, pela família.
Referências Bibliográficas
BERNHOEFT, R. O processo de sucessão numa empresa familiar: como conduzi-lo.
Tendências do Trabalho. Rio de Janeiro, p.28-30, jan. 1988.
BORGES, A. F. A construção do processo de sucessão empreendedora em empresas
familiares: um estudo multicaso. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Lavras, 2009.
CARDOSO, F. H. Empresário industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difel,
1964.
COSTA PINTO, L. A. Sociologia e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1965.
DOMINGUES. J. M. Sistemas sociais e subjetividade coletiva. Rio de Janeiro, Dados, vol. 39, n.
1, p. 5-32, 1996c.
GERSICK, K. et al. De geração para geração – ciclos de vida das empresas familiares. São
Paulo: Makron Books, 1997.
LODI, J.B. Sucessão e conflito na empresa familiar. São Paulo, Pioneira, 1987.
VIDIGAL, A. C. Viva a empresa familiar. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.