UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E SUA APLICABILIDADE NO DIREITO DO CONSUMIDOR. AUTORA DANIELLE PEREIRA NUNES Orientador PROF. JEAN ALVES Rio de Janeiro 2010 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E SUA APLICABILIDADE NO DIREITO DO CONSUMIDOR Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes – Instituto A Vez do Mestre, como requisito parcial para conclusão do curso de Pós-Graduação “Latu Sensu”. Por: Danielle Pereira Nunes 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à Deus que me deu força, saúde e vitalidade para obter mais essa conquista. Aos meus pais Sergio e Elyane que me proporcionaram mais essa oportunidade de estudo e crescimento intelectual e ainda me deram apoio em todos os momentos marcantes da minha vida. 4 DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho monográfico ao meu filho João Sergio, que é a minha razão de viver, como forma de recompensar todos os meus momentos de ausência, momentos estes dedicados com total empenho para o alcance dessa vitória. 5 RESUMO O presente trabalho aborda o instituto da inversão do ônus da prova, como direito básico do consumidor, parte hipossuficiente da relação de consumo, manifestando-se como verdadeira inovação jurídica no instituto da prova. Nessa obra foi feita uma breve abordagem sobre o instituto da prova: sua definição, características e objeto. Foi feito ainda um breve relato sobre a evolução histórica do instituto e sua conceituação. Finalmente foi trabalhada a aplicabilidade do instituto no Código de Defesa do Consumidor, como grande inovação jurídica. 6 METODOLOGIA Para a elaboração dessa obra foi feita uma pesquisa bibliográfica descritiva e exploratória nas obras dos principais doutrinadores brasileiros tais como: Humberto Theodoro Junior, Luiz Guilherme Marinoni, Alexandre Freitas Câmara, entre outros. Os livros foram obtidos nas bibliotecas da Universidade Cândido Mendes e da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Prevalecerão referências aos ensinamentos doutrinários, levando-se também em consideração o exposto em revistas e artigos jurídicos publicados na internet. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................8 CAPÍTULO I BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO INSTITUTO DA PROVA 1.1 CONCEITO DE PROVA.............................................................9 1.2 CARACTERÍSTICAS DA PROVA.............................................10 1.3 OBJETO DA PROVA.................................................................11 1.4 VALORAÇÃO DA PROVA.........................................................13 1.5 MEIOS DE PROVA ...................................................................15 1.6 PODER DE INSTRUÇÃO DO JUIZ ..........................................18 1.7 PROCEDIMENTO PROBATÓRIO ............................................19 1.8 DEVER DE COLABORAÇÃO COM A JUSTIÇA .......................20 1.9 PROVAS EM ESPÉCIE .............................................................21 CAPÍTULO II INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO 2.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA........................................................22 2.2 DEFINIÇÃO..............................................................................................23 2.3 ÔNUS DA PROVA DE FATO NEGATIVO................................................25 2.4 TEORIAS SOBRE A REPARTIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA....................26 CAPÍTULO III A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR 3.1 REQUISITOS PARA CONCESSÃO..........................................................28 3.2 MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA .................................31 3.3 CONVENÇÃO SOBRE O ÔNUS DA PROVA............................................34 CAPÍTULO IV CONCLUSÃO...................................................................................................36 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste em um estudo detalhado sobre a inversão do ônus da prova, presente no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Cumpre analisar como se opera a medida do ônus probatório nas hipóteses apresentadas nas relações consumeristas. Antes da aplicabilidade do instituto no Código de Defesa do Consumidor havia um desequilíbrio considerável entre fornecedores e consumidores em geral, parte mais fraca na relação de consumo. Havia a necessidade de criação de instrumentos adequados para contrabalancear a desigualdade existente entre os empresários e consumidores. Dessa forma os princípios fundamentais como o princípio da transparência e o da honestidade com o consumidor passam a reger a matéria, tendo em vista que toda e qualquer relação de consumo deve observar os princípios básicos que informam a Lei Consumerista. O Código de Defesa do Consumidor busca então o equilíbrio nas relações de consumo, conferindo aos consumidores mecanismos de defesa compatíveis com a necessidade do dia a dia. No contexto houve a modificação de conceitos e de institutos processuais objetivando a defesa de interesses dos consumidores, como a inversão do ônus da prova. O código constitui-se num sistema autônomo e próprio, tornando-se fonte primária do sistema da Constituição. 9 CAPÍTULO I BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO INSTITUTO DA PROVA 1.1 Conceito de prova No Direito Processual Civil Brasileiro, mais especificamente no Processo de Conhecimento o Juiz precisa formar o seu convencimento e decidir a lide que é o objeto do processo. Dessa forma tanto o autor quanto o réu precisam fundamentar seus argumentos apresentando as provas dos fatos alegados, cuja apreciação pelo Juiz fará com que o mesmo profira a sentença de mérito, que colocará fim a fase cognitiva do processo. Para melhor compreensão deste trabalho, mostra-se de extrema relevância citar a definição do conceito de prova dada pelo ilustre professor Alexandre Freitas Câmara: “Denomina-se prova a todo elemento que contribui para a formação da convicção do juiz a respeito da existência de determinado fato”. (Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol I, 2006, P. 397). Já para o doutrinador Humberto Theodoro Júnior existem dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo, são eles: a) “um objetivo, isto é, como instrumento ou meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e o outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como a 10 convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado.” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol I, 2008, P. 480). O citado doutrinador em sua obra ainda cita o entendimento do professor João Monteiro que entende que prova não é somente um fato processual, “mas ainda uma indução lógica é um meio com o que se estabelece a existência positiva ou negativa do fato probando, e é a própria certeza dessa existência”. (Junior, Humberto Theodoro. Curso de ..., cit.,p. 480) Ainda sobre o tema Humberto Theodoro Junior argumenta que: “Não é raro a parte produzir um grande volume de instrumentos probatórios (documentos, perícia, testemunhas, etc.) e mesmo assim a sentença julgar improcedente o pedido por “falta de prova”. De fato quando o litigante não convence o Juiz da veracidade dos fatos alegados, prova não houve, em sentido jurídico: houve apenas apresentação de elementos com que se pretendia provar, sem, entretanto, atingir a verdadeira meta da prova – o convencimento do Juiz.” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito....,cit., p. 480). Em suma, pode-se afirmar que o objetivo da prova é a de formar a convicção do magistrado sobre a veracidade dos fatos, a fim de que este faça incidir a norma jurídica ao fato. 1.2 Características da prova Humberto Theodoro em sua obra ainda elucida as características do instituto da prova afirmando que: 11 “Toda prova há de ter um objeto, uma finalidade, um destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e métodos determinados. A prova judiciária tem como objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. Sua finalidade é a formação da convicção em torno dos mesmos fatos. O destinatário é o Juiz, pois é ele que deverá se convencer da verdade dos fatos para dar uma solução jurídica ao litígio. Os meios legais de prova são os previstos nos art.s 332 a 443; mas além deles, permite o Código outros não especificados, desde que moralmente legítimos (art. 332). Há, outrossim, um método ou sistema processual preconizado legalmente para o emprego dos meios de prova que forma o procedimento probatório minuciosamente regulado pelo Código e que deve ser observado pelas partes e pelo juiz para que a apuração da verdade fática seja eficaz para fundamentar e justificar a sentença” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito ..., cit., p. 481). 1.3 Objeto da prova A prova incide como regra sobre a matéria fática. Os meios legais de prova e os moralmente legítimos são empregados no processo para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa (art. 332). (Brasil. Código de Processo Civil. Organização Editoria Jurídica da editora Saraiva. 13ª Ed. 2007). Conforme dito as provas devem recair sobre os fatos, entretanto essa regra comporta uma exceção, em que pode haver provas sobre a matéria de direito, ou seja, há hipóteses que também pode haver prova sobre matéria de direito, conforme determina o art. 337 do Código de Processo Civil Brasileiro: 12 Art. 337. “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o Juiz.” (Brasil. Código de Processo Civil. Organização Editoria Jurídica da editora Saraiva. 13ª Ed. 2007). Frise-se que na hipótese mencionada pelo art. 337 do CPC, o Juiz poderá dispensar a produção de tal prova, pois não é obrigado a fazê-lo, pois o magistrado pode já ter conhecimento sobre a norma invocada. Só os fatos relevantes para o deslinde da causa devem ser provados, ou seja, aqueles que influenciarão na sentença final. O art. 334 do Código de Processo Civil determina que: “não dependem de prova os fatos: I- notórios; II- afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III- admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita a presunção legal de existência ou de veracidade.” (Brasil. Código de Processo Civil. Organização Editoria Jurídica da editora Saraiva. 13ª Ed. 2007). A primeira hipótese refere-se aos fatos notórios, que são de conhecimento geral, como por exemplo: acontecimentos políticos, datas comemorativas e históricas e etc. Sobre o tema Humberto Theodoro cita em sua obra a determinação de Couture que afirma: “Podemos considerar fatos notórios aqueles que entram naturalmente no conhecimento, na cultura ou na informação 13 normal dos indivíduos, com relação a um lugar ou um círculo social, no momento em que o juiz tem que decidir.” (Junior, Humberto Theodoro, apud Couture, Fundamentos Del Derecho Procesal Civil, 1974, nº 150, p. 235.) Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, descrito no inciso II do Código de Processo Civil, dispensa maiores comentários, pois há concordância de ambas as partes sobre a ocorrência do suposto evento. No caso dos fatos incontroversos a produção de prova se mostra desnecessária, pois prová-los é desnecessário e protelatório. Já no inciso IV refere-se aos fatos cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade, que também dispensam a produção de prova e podem ser exemplificados pelo caso do devedor que possui em seu poder o título de crédito e não precisa provar o respectivo pagamento. (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito..., cit., p. 482). 1.4 Valoração da prova Os sistemas de valoração da prova permitirão que o magistrado forme seu convencimento sobre os fatos ou o seu juízo de valor. O primeiro sistema de valoração conhecido no direito processual foi o do critério positivo ou legal no qual se acreditava existir um tarifamento das provas. Sobre o assunto Fredie Didier Jr. argumenta que: “As regras legais estabelecem os casos em que o juiz deve considerar provado, ou não, um fato; em que atribui, ou não, valor a uma testemunha; quando já prova plena ou semiplena. 14 Há o tarifamento das provas, uma vez que cada prova tem como que tabelado o seu valor, do qual não há como o magistrado fugir. O juiz não passa de mero aplicador da norma, preso ao formalismo e ao valor tarifado das provas.” (Junior, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol 2; Salvador, 2009, P. 39). Nesse caso o juiz pratica uma atividade jurisdicional mecanizada onde seus atos não são precedidos de reflexão, de uma avaliação, somente efetua o cálculo da somatória das provas apresentadas. Alexandre Câmara, em sua obra, ilustra perfeitamente a questão conforme demonstrado a seguir: “Por este sistema, a lei atribui “valores” fixos aos meios de prova, os quais devem ser seguidos pelo juiz ao formar seu juízo de valor. Assim, exemplificando, se a lei atribuísse à prova testemunhal peso um, à prova documental peso dois e à confissão peso três, o juiz, ao final do processo, deveria verificar quantos de cada um desses meios probatórios cada parte dispõe, para que possa declarar então quem teve a melhor sorte no processo. Tal sistema, hoje inteiramente superado, transformou o processo em verdadeiro jogo, onde o sucesso ficaria ao lado do melhor estrategista.” (Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito ..., cit., p. 405). Já o segundo sistema de valoração das provas é o a livre convicção, onde o juiz é totalmente livre para apreciar as provas apresentadas nos autos. Segundo Alexandre Câmara o juiz deve julgar de acordo com o seu convencimento, deverá ser formado através de quaisquer elementos. 15 Nesse caso o magistrado não fica preso às provas apresentadas aos autos podendo formar seu convencimento através impressões e fatos que tomou conhecimento informalmente. O último sistema é o da persuasão racional ou livre convencimento motivado, adotado pelo nosso Código de Processo Civil brasileiro, segundo o qual: “Não obstante apreciar as provas livremente, o juiz não segue suas impressões pessoais, mas tira sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e a força probante desta; a convicção está na consciência formada pelas provas.” (Junior, Fredie Didier. Curso de ..., cit., p. 40) O juiz ao formar seu convencimento deve levar em consideração somente as provas constante dos autos e ao proferir sua decisão deverá fundamentá-la, como forma de propiciar um controle a fim de auferir se a decisão foi tomada com base nas provas carreadas ao processo. 1.5 Meios de prova Alexandre Câmara cita em sua obra a definição dada por Amaral Santos, segundo a qual: “Meios de prova são os instrumentos através dos quais se torna possível a demonstração da veracidade das alegações sobre a matéria fática controvertida e relevante para o julgamento da pretensão.” (Câmara, Alexandre Freitas. Lições de ..., cit., p. 406). O doutrinador cita que é comum encontrarmos a distinção entre meios e fontes de prova, onde os meios são os instrumentos que permitem que se leve ao juiz os elementos que irão participar da formação da convicção e as fontes são as coisas e pessoas de onde se promana a prova. 16 O art. 332 do nosso Código de Processo Civil determina que sejam utilizados meios juridicamente idôneos (meios legais de prova), bem como dos moralmente legítimos. Os meios legais de prova são aqueles típicos, ou seja, definidos em lei, como por exemplo: a prova testemunhal, a prova documental, depoimento pessoal e etc. Já os meios moralmente legítimos são aqueles que apesar de não estarem descritos em nenhuma norma, podem ser usados no processo por não contrariarem a moral e os bons costumes. O mesmo autor ainda faz uma severa crítica ao art. 212 do Código Civil pois apresenta um elenco menor de provas. Afirma que a norma veiculada pelo artigo é criticável sob diversos aspectos, primeiro por misturar meios com fontes de prova, em segundo por não fazer distinção entre meios e fontes de prova, em terceiro por não fazer alusão aos meios atípicos de prova. A exclusão dos meios atípicos de prova implica em uma restrição ao direito à prova, o qual é uma garantia constitucional, corolário da garantia do contraditório. “Sendo o contraditório, como visto anteriormente, a garantia que os interessados no provimento poderão participar do processo influindo no seu resultado, o direito a prova é elemento integrante daquela garantia, já que através da prova as partes podem interferir no resultado do processo de conhecimento.”(Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito ..., cit., p. 407). Ressalta-se que a Constituição Federal proíbe a utilização de meios de prova obtidos por meio ilícito (art. 5°, LVI), podendo acarretar a nulidade da prova apresentada nos autos. 17 Os meios de prova elencados pelo Código de Processo Civil são: I – “depoimento pessoal (arts. 342-347) II – confissão (arts. 348-354) III- exibição de documento ou coisa (arts. 355 e 363) IV – prova documental (arts. 364-391) V – prova testemunhal (arts. 400-419) VI – prova pericial (arts. 420-439) VII- inspeção judicial (arts.440-443).” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito..., cit., p.490). 1.6. Poder de instrução do juiz Afirma Humberto Theodoro Junior em sua obra que: “o juiz no processo moderno deixou de ser simples árbitro diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes de iniciativa para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa.” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito...., cit., p. 485). Porém esse poder não é ilimitado, pois na maioria das vezes a conduta da parte influencia decisivamente sobre a prova e afasta a iniciativa do juiz nessa matéria. “Assim acontece quando o réu deixa de contestar a ação e esta não versa sobre direitos indisponíveis, ou quando, na contestação, deixa de impugnar precisamente os fatos ou alguns fatos narrados na inicial. Nesses casos ocorre a presunção legal de veracidade dos fatos que se tornaram incontroversos (art. 319 e 302) e ao juiz 18 não será dado produzir prova de sua iniciativa para contrariar a presunção.” (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito..., cit., p. 485). Dessa forma, hodiernamente o Juiz não pode permanecer ausente da pesquisa da verdade material e como afirma Fritz Baur: “antes fica autorizado e obrigado a apontar às partes as lacunas nas narrativas dos fatos e em caso de necessidade, a colher de ofício as provas existentes”. (Baur, Fritz. Transformações do Processo Civil em nosso tempo. Vol. VIII, pags. 58-59). Porém ressalta-se a observação feita por Humberto Theodoro Jr.: “O juiz, porém, deve cuidar para não comprometer sua imparcialidade na condução do processo. A necessidade da prova, ordenada de ofício, deve surgir do contexto do processo e não de atividade extra-autos, sugerida por diligências e conhecimentos pessoais ou particulares auridos pelo magistrado fora do controle do contraditório. O juiz pode ordenar a produção de provas não requeridas pela parte mas não pode tornar-se um investigador ou um inquisidor”. (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito..., cit., p. 487). 1.7 Procedimento probatório Alexandre Câmara conceitua que denomina-se procedimento probatório a seqüência logicamente ordenada de atos que tende á produção da prova. Tal procedimento é formado por três atos: propositura, admissão e produção. A propositura é o momento em que as partes indicam de forma individualizada, os meios de prova que pretendem produzir para contribuir na formação da convicção do Juiz. Devem ser especificadas na inicial e na contestação. 19 A admissão da prova ocorre no momento em que o Juiz dispõe sobre os meios de prova que entende que devam ser utilizados para que seu convencimento possa se formar. Tal fato ocorre no despacho saneador do processo. O último ato do procedimento probatório é a produção da prova, ou seja, a carreação aos autos do meio de prova cuja utilização foi deferida. “Em regra a produção da prova se dá na audiência de instrução e julgamento (art. 336 do CPC), havendo exceções no tocante à prova documental (que deve ser produzida em regra, junto com a apresentação da petição inicial e da contestação – art. 396- só se admitido a juntada posterior de documentos quando sua não apresentação no momento oportuno foi devida a legítimo impedimento (como o desconhecimento da existência do mesmo, caso fortuito e a força maior), á prova pericial e a inspeção judicial (que devem ser realizadas após a decisão de saneamento do processo, mas antes da audiência de instrução e julgamento)”. (Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito..., cit., p.410). 1.8 Dever de colaboração com a justiça Humberto Theodoro Júnior afirma que a realização da justiça é um dos objetivos principais do Estado moderno. Acima dos interesses das partes há um interesse de ordem pública, na justa composição do litígio e na prevalência da vontade concreta da lei, como forma de buscar a paz social e o império da ordem jurídica. Para o alcance dessas metas é necessário que todo cidadão cumpra com o seu dever de colaborar com o poder Judiciário na busca da verdade. “Trata-se de uma sujeição que atinge não somente às partes, mas todos que 20 tenham entrado em contato com os fatos relevantes para a solução do litígio”. (Junior, Humberto Theodoro. Curso de Direito..., cit. p.493). Sobre o tema dispõe o art. 339 do Código de Processo Civil que “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”. Ressalta-se que o art. 340 do mesmo diploma legal ainda dispõe os seguintes deveres às partes, em matéria de instrução do processo: I- O de comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado; II- O de submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária; e III- O de praticar ato que lhe for determinado. O art. 341 impõe o dever com relação à terceiros; I- Informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento; II- Exibir coisa ou documento que esteja em seu poder. 1.9 Provas em espécie Será abordado nesse momento as provas em espécie, ou seja, todos os meios de prova regulamentados em sede legislativa. Será usado para ilustrar o trabalho as definições dadas pelo professor Alexandre Câmara em sua obra doutrinária: Depoimento pessoal: É o testemunho prestado por uma das partes (autor ou réu) em juízo. Possui dois objetivos: trazer esclarecimentos acerca dos fatos da causa – isto é, sobre os fatos controvertidos e relevantes alegados pelas partes e provocar a confissão. Não comparecendo a parte a fim de prestar depoimento pessoal, deverá ser aplicada ao ausente a “pena de confissão”, ou seja, a parte contumaz 21 confessou (presumidamente) os fatos sobre os quais deveria prestar depoimento. Confissão: É a admissão, por alguma das partes, de fato contrário aos seus interesses e favorável ao adversário, segundo determinação fornecida pelo art. 348. A confissão somente pode versar sobre os fatos concernentes a direitos disponíveis e oriunda de erro, dolo, ou coação pode ser invalidada, através de ação anulatória quando ainda estiver pendente o processo que foi feita e por ação rescisória, se já tiver sido formada a autoridade da coisa julgada. Prova documental: É toda atestação escrita ou gravada de um fato. Alcança não só os documentos escritos como também as fotografias, gravações de sons, filmes e etc. deve ser produzida com a petição inicial e com a contestação e só é admissível a juntada posterior de documentos quando sua apresentação no momento oportuno não foi possível por legítimo impedimento. Prova testemunhal: É a produzida por testemunhas. Testemunha é a pessoa estranha ao feito que vai em juízo dizer o que sabe sobre os fatos da causa. Ressalta-se que não se admite a prova exclusivamente testemunhal nos negócios jurídicos que exceda o décuplo do salário mínimo no momento de sua celebração. Poderá por exemplo ser usada como complemento da prova documental. Prova pericial: Há determinados casos em que o julgamento do mérito da causa depende de conhecimentos técnicos de que o juiz não dispõe. Nesses casos será necessário o auxílio de um especialista, o perito, auxiliar da justiça, que dispondo do conhecimento técnico necessário, transmitirá jurisdicional o seu parecer sobre o tema posto à sua apreciação. ao órgão 22 “Assim por exemplo, num processo em que se pretende a renovação de uma locação empresarial, um perito analisará o valor do imóvel locado, com o fim de verificar qual o valor de mercado do aluguel do prédio onde funciona a empresa.” (Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito ..., cit., p. 426) Inspeção Judicial: Trata-se da prova através da qual o próprio Juiz através dos seus sentidos examina uma coisa ou pessoa, a fim de obter esclarecimentos sobre os fatos da causa. Pode ser feita de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer fase do processo. “O juiz, ao realizar a inspeção, pode ser acompanhado por um ou mais peritos e deverá ir ao local onde se encontre a coisa ou pessoa objeto da prova, toda vez que julgar necessário para poder melhor verificar ou interpretar os fatos a serem observados, quando a coisa (ou pessoa) não puder ser apresentada em juízo sem grandes despesas ou grandes dificuldades ou quando determinar a reconstituição dos fatos.” (Câmara. Alexandre Freitas. Lições de Direito..., cit., p.429). Exibição de documento ou coisa: Trata-se na verdade de demanda autônoma, de índole cautelar e não de meio de prova. Será dispensada, segundo o art. 363, toda vez que seja lesiva á intimidade e à honra do requerido, de sua família, bem como a dever de sigilo seu. 23 CAPÍTULO II A INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO 2.1 Breve abordagem histórica No Direito Romano prevalecia a regra que incumbe o ônus da prova a quem afirma ou age, ficando dessa forma desobrigado de produzir qualquer prova aquele que simplesmente nega o fato. Sobre o tema é interessante ressaltar o artigo publicado pelo jurista Rodrigo Neme Mira, que discorre sobre o ônus da prova na história; “Já no Direito Português, ainda sob influência do pensamento romano, as Ordenações Filipinas admitiam que, em regra, a 24 negativa não se pode provar, porém, quando se resolve em afirmativa, torna-se fato que, ainda negado o direito alegado por outra parte, é passível de prova.” (Mira, Rodrigo Neme. www.direitonet.com.br / 20.06.2007). Ainda sobre o tema o jurista continua sua exposição relatando: “Das teorias que explicam a utilização do ônus da prova, Chiovenda elege como critério dominante a oportunidade, ou seja, o interesse da parte em fazer prova do que alega, remetendo-se ao princípio do dispositivo supracitado, pelo qual cabe à parte tomar a iniciativa das provas. Carnelutti diverge da visão de Chiovenda afirmando que o ônus da prova deve ser distribuído, não de acordo com o interesse de provar, que é bilateral, mas de afirmar o fato que embasou o pedido da parte. Logo, segundo Carnelutti, ao autor caberia afirmar os fatos constitutivos de seu direito com o ônus de prová-los, e ao réu, quando afirmando fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, teria o ônus de fazer prova sobre eles.” www.dieitonet.com.br / 20.06.2007). (Mira, Rodrigo Neme. 25 Dessa forma verifica-se que o sistema adotado pelo nosso atual Código de Processo Civil pátrio, onde o art. 333 dispõe que: “Art. 333 O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” (Brasil. Código de Processo Civil. Organização editoria jurídica da editora Saraiva. 13ª Ed. 2007). Em suma, a cada parte incumbe a tarefa de demonstrar a veracidade de suas afirmações a fim de convencer o Juiz sobre a existência do direito alegado. 2.2 Definição do conceito Fredie Didier conceitua em sua obra que ônus da prova é uma regra de conduta dirigida às partes, que indica quais os fatos que a cada um incumbe provar. (Junior. Fredie Didier. Curso de Direito..., cit., p. 41). O mesmo autor ainda sustenta a existência de dois sentidos para o referido instituto, sendo o primeiro sentido o chamado ônus subjetivo e o segundo o ônus objetivo. No ônus subjetivo as partes possuem a tarefa de demonstrar, de comprovar os fatos alegados, a fim de convencer o julgador a existência do seu direito. Já no ônus objetivo o ônus da prova é dirigido ao Juiz, que mesmo que as provas existentes nos autos sejam insuficientes para formar seu convencimento, deverá julgar a demanda proferindo sentença de mérito. 26 Didier ainda cita em sua obra a definição fornecida pelo jurista Barbosa Moreira sobre o assunto: “Explica o ônus subjetivo, Barbosa Moreira: O desejo de obter a vitória cria para a litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois para que tais meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa. Fala-se ao propósito, de ônus da prova, num primeiro sentido (ônus subjetivo ou formal). E segue comentando o ônus objetivo: A circunstância de que, ainda assim, o litígio deva ser decidido torna imperioso que alguma das partes suporte o risco inerente ao mau êxito da prova. Cuida então a lei, em geral, de proceder a uma distribuição de riscos: traça critérios destinados a indicar, conforme o caso, qual dos litigantes terá de suportá-los, arcando com as conseqüências desfavoráveis de não se haver provado o fato que lhe aproveitava. Aqui também se alude ao ônus da prova mas num segundo sentido (ônus objetivo ou material)”. (Junior. Fredie Didier. Curso de Direito..., cit., p. 74). Em suma, o ônus subjetivo é o sistema direcionado para as partes, enquanto o ônus objetivo é a regra de conduta a ser adotada pelo Juiz em caso de provas insuficientes apresentadas pelos litigantes. Para finalizar o tema é relevante ressaltar a abordagem feita por Didier: “Questiona-se, contudo, a utilidade de tal distinção. Afinal, pouco importa quem, no curso da instrução, produziu a prova trazida aos autos: se a parte que atendeu ao seu ônus, se a parte adversária ou mesmo o magistrado, Não interessa uma análise subjetiva da prova, de qual sujeito ela se originou. Deve estar atento o juiz, ao final da instrução, para as provas que 27 foram objetivamente produzidas – independentemente de quem as produziu – e aquel’ outras que não o foram, para atribuir as conseqüências devidas àquele que não se desincumbiu de tal ônus.” (Junior. Fredie Didier. Curso de Direito ... cit., p.74). 2.3 O ônus da prova de fato negativo Hodiernamente diz que só os fatos absolutamente negativos não são passíveis de serem provados e devido ao fato de serem indefinidos. Didier ensina em sua obra que todo fato negativo corresponde a um fato positivo e vice e versa. Se não é possível provar a negativa, nada impede que se prove a afirmativa correspondente. O mesmo autor faz a distinção dos tipos de negativa, as negativas absolutas das relativas: “A negativa absoluta é a afirmação pura de um não-fato, indefinida no tempo e/ou no espaço (ex. jamais usou um “biquíni de lacinho”). Já a negativa relativa é a afirmação de um não-fato, definida no tempo e/ou no espaço, justificada pela ocorrência de um fato positivo – fácil de perceber quando lembramos dos “álibis’ (ex. na noite de réveillon, não cometeu adultério no apartamento 501, do Hotel Copacabana, pois estava com amigas no Eco Resort, na Praia do Forte, Bahia).” (Junior, Fredie Didier. Curso de Direito..., cit., p. 760 Como dito acima somente os fatos absolutamente negativos são insuscetíveis de prova, porém já os fatos relativamente negativos são totalmente aptos a serem provados. 28 2.4 Teorias sobre a repartição do ônus da prova Fredie Didier em sua obra cita a síntese feita por Wilson Alves Souza sobre as principais teorias sobre o ônus da prova: 1. “Teoria de Jeremy Bentham: a obrigação de provar deve ser imposta a quem tiver condições de satisfazê-la, com menos inconvenientes – temporais, econômicos etc. Trata-se da teoria seguida por DEMOGUE, com poucas variações. Aqui já se encontram os primeiros sinais de uma teoria dinâmica do ônus probatório. 2. Teoria de Bethmann- Hollweg: a quem deduz um direito, cabe provar sua existência – falando em prova de direito e não de fato. 3. Teoria de Gianturco: deve produzir prova aquele que dela auferir vantagem. 4. Teorias de Betti, Carneluttu e Chiovenda: que muito se assemelham e, em linhas bem gerais, dispõem que o autor deve provar fatos que fundam sua pretensão e o réu deve provar fato que baseiam suas exceções. Essas teorias são muito criticadas por Micheli, por levarem em consideração a relação jurídica abstratamente colocada, ignorando a situação real das partes da causa e suas possibilidades concretas de produzir provas. 5. Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (e a similar teoria do principio da solidariedade e cooperação) de Jorge W Peyrano e Augusto M. Morello (na verdade, seus principais mentores): surgiu na Argentina onde os ditos autores, a partir da concepção do processo como situação jurídica de Goldschimdt, passaram a defender a repartição dinâmica do ônus da prova. Baseando-se nos princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade (com atuação do juiz), defendem que é necessário levar em conta as 29 circunstâncias do caso concreto, para atribuir-se o ônus da prova àquele que tem condições de satisfazê-lo; impõe-se uma atuação probatória da parte que tem mais possibilidades de produzi-la. E o Juiz verificando que houve uma violação ao dever das partes de cooperação e solidariedade na apresentação de provas, deve proferir decisão contrária ao infrator. Tudo isso, no intuito de que o processo alcance seus fins, oferecendo prestação jurisdicional justa”. (Souza. Wilson Alves. “Ônus da prova – considerações sobre a doutrina das cargas probatórias dinâmicas” p. 243-244). O nosso Código de Processo Civil adota a teria estática do ônus da prova, teoria clássica, distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório nos seguintes termos: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos. CAPÍTULO III A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR 3.1 Requisitos para concessão Insta consignar que a lei consumerista possui determinações próprias que tratam da questão da prova. 30 Rizatto Nunes em sua obra doutrinária preceitua que: “Entender, então, a produção das provas em casos que envolvam as relações de consumo é compreender toda a principiologia da lei nº 8078, que pressupõe, entre outros princípios e normas, a vulnerabilidade do consumidor, sua hipossuficiência (especialmente técnica e de informação, mas também econômica, como se verá), o plano geral da responsabilização do fornecedor, que é de natureza objetiva etc.” (Nunes. Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 2005, p.737) O Ilustre doutrinador ensina que a primeira situação envolvendo provas na lei consumerista é relacionada a responsabilidade civil objetiva do fornecedor pelo fato do produto ou serviço, bem como à responsabilidade pelo vício do produto ou serviço que se espraia por todo o sistema adotado pelo CDC. “Haverá, por exemplo, necessidade de o consumidor provar o nexo de causalidade entre o produto, o evento danoso e o dano, para pleitear a indenização por acidente de consumo. E a produção dessa prova preliminar necessária se fará pelas regras do Código de Processo Civil, a partir dos princípios e regras estabelecidos no CDC.” (Nunes. Rizzatto. Curso de Direito ... , cit., p.738). A determinação da inversão do ônus da prova fica a critério do Juiz que a concede sempre que verificar a existência de verossimilhança das alegações do consumidor ou sua hipossuficiência. A interpretação gramatical impõe a conclusão que vasta a verossimilhança ou a hipossuficiência. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES 31 Rizzatto Nunes ensina que não basta somente o advogado ter uma boa redação no momento de elaborar a peça inicial, não basta ter uma ótima capacidade de escrita e confeccionar uma ótima petição. “É necessário que da narrativa decorra verossimilhança tal que naquele momento da leitura se possa aferir, desde logo, forte conteúdo persuasivo.” (Nunes. Rizzatto. Curso de Direito..., cit., p. 739). Para melhor ilustrar a questão é relevante mencionar o exemplo citado por Luiz Guilherme Marinoni em sua obra na qual o autor cita: “No caso em que o autor alega que um defeito no sistema de freios de seu veículo lhe acarretou um acidente com danos materiais e pessoais, e o fabricante não demonstra a inexistência desse defeito, a dificuldade no preciso esclarecimento de que o dano foi gerado pelo defeito não pode ser suportada pelo consumidor, bastando-lhe assim, fazer o juiz acreditar na verossimilhança de que este defeito tenha provocado o dano. (...) É por isso que basta a verossimilhança ou como quer o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que o juiz inverta o ônus da prova, com base na verossimilhança, na própria sentença.” (Marinoni, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento, 2006. P. 279-280). HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR Sobre o tema Rizzatto Nunes dispõe que: 32 “(...) Mas a hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício, etc.” (Nunes. Rizzatto. Curso de Direito...., cit., p. 740). Desta forma não se pode concluir que a hispossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova é uma espécie de proteção ao mais pobre. “Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.” (Nunes, Rizzatto. Curso de Direito ..., cit., p. 740). O juiz quando for analisar a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor o fará segundo as regras ordinárias de experiência. As regras de experiência são as denominadas presunções com base no que ordinariamente acontece. O juiz ao utilizar as regras ordinárias de experiência vai usar o seu prudente arbítrio e formação pessoal para observar o fato conhecido levando em consideração o que ordinariamente acontece e assim chegar a presunção da verdade. 3.2 Momento da inversão do ônus da prova O magistrado, a requerimento da parte ou de oficio, analisará com base nas regras ordinárias de experiência se há incidência de um ou dos dois requisitos que possibilitem a inversão do ônus da prova proferindo sua decisão. 33 A doutrina e a jurisprudência divergem sobre qual o momento adequado para se aplicar as regras de inversão do ônus da prova. Rizzatto observa que a polêmica em torno do momento processual para aplicação da regra da inversão do ônus da prova se dá em razão da falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pela Lei 8.078. O mesmo autor se opõe ao entendimento de que o momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova é no julgamento da causa, afirmando que esse pensamento está alinhado com a distribuição do ônus da prova do art. 333 do Código de Processo Civil e não com aquela instituída pelo Código de Defesa do Consumidor. O doutrinador sustenta que as partes que litigam no processo civil, tem clareza na distribuição do ônus e que não haverá qualquer surpresa para as partes, porquanto elas sempre souberam a quem cabia a desincumbência da produção da prova. Porém não é essa certeza que prevalece no Código de Defesa do Consumidor, pois a inversão não se dá de maneira automática, tal fato ocorre somente diante da constatação da existência de verossimilhança das alegações ou se for hipossuficiente o consumidor. Dessa forma é necessário que o magistrado se manifeste no processo para saber se existe verossimilhança das alegações ou se a hipossuficiência do autor foi reconhecida. O autor considera que o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o despacho saneador. O doutrinador afirma que não vê qualquer sentido que o juiz venha decidir a inversão somente na sentença, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as partes. Sobre o tema Rizzatto ainda faz uma última abordagem sobre o assunto: 34 “Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar e a fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança obrigado a se ou hipossuficiência, manifestar antes o magistrado da está verificação da desincumbência, porquanto é ele que dirá se é ou não caso de inversão.” (Nunes, Rizzatto. Curso de Direito ..., cit., p. 743) Entretanto, para o aperfeiçoamento desta obra, abordaremos adiante a inversão do ônus probatório antes e no momento da sentença. Antes da sentença: Sobre o assunto se mostra relevante citar o posicionamento adotado pelo Prof. Andre Gustavo de Andrade, que de forma clara sintetiza a questão em seu artigo da seguinte forma: A idéia, por muitos sustentada, de que o disposto no art. 6º, VIII, do CDC constitui regra de procedimento parte da premissa de que, antes da manifestação do juízo acerca da inversão do ônus da prova, o fornecedor ainda se encontra sob o regime geral do art. 333 do CPC, ou, pelo menos, supõe que assim se encontra. A manifestação prévia do juízo teria por finalidade determinar ou estabelecer que o caso sub examen passará a se submeter ao regime especial do art. 6° do CDC. A partir dessa manifestação judicial – e só então – saberia o fornecedor que é seu o ônus da prova, e a ele seria conferida a oportunidade de se desincumbir do encargo que lhe é entregue – e com o qual, até então, não contava. (Andrade, André Gustavo. A inversão do ônus da prova no CDC. www.tj.rj.gov.br). O citado jurista considera ainda que não é acertado, todavia, o entendimento de que, enquanto não estabelecida judicialmente a aplicação da regra da inversão do ônus da prova, as partes estejam – ou necessariamente suponham que estejam – sob a influência da regra geral do art. 333 do CPC. 35 “A despeito do que parece indicar, o texto do art. 6°, VIII, do CDC não está a conferir ao juízo um poder discricionário, de inverter ou não o ônus da prova. A inversão do ônus da prova é produzida ope legis, ou seja, decorre da própria lei, uma vez presentes os requisitos estabelecidos em lei, os quais são apenas reconhecidos no caso concreto pelo juízo (no momento de proferir a sentença).” (Andrade, André Gustavo. A inversão do ônus da prova no CDC. www.tj.rj.gov.br). Justifica-se a inversão do ônus da prova anteriormente a sentença, já que, decidindo o juiz pela inversão somente na sentença, estaria retirando do fornecedor o direito de se defender - o que, conseqüentemente ofende o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. No momento da sentença Alguns doutrinadores fundamentam sua tese afirmando que as regras da inversão do ônus da prova são de julgamento da causa e que, somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a determinar a inversão ou não do ônus probatório. Para o ilustre doutrinador Nelson Nery Jr, o ônus da prova é regra de juízo. Este renomado autor, ao manifestar-se acerca do tema em debate, afirma que a sentença é o melhor momento para a inversão. Sustenta este renomado jurista que "a parte que teve contra si invertido o ônus da prova (...) não poderá alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendo non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova." (Nery e Nery. Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade.CPC comentado, São Paulo, 2002, p. 696). Conclui-se que a maioria dos doutrinadores defende o posicionamento em que a sentença não é o momento mais adequado para a inversão, sendo o 36 momento mais adequado aquele que antecede a sentença, preferencialmente antes de iniciada a instrução probatória, decidindo através do despacho saneador. 3.3 Convenção sobre o ônus da prova Humberto Teodoro Junior explica em sua obra doutrinária que as partes podem convencionar sobre os critérios próprios a respeito do ônus da prova, desde que tratem de direitos disponíveis, senão vejamos: “Como as partes tem disponibilidade de certos direitos e do próprio processo, é perfeitamente lícito que, em cláusula contratual, se estipulem critérios próprios a respeito do ônus da prova, pra a eventualidade de litígios a respeito do cumprimento do contrato. Isto porém só será admissível quando a cláusula referir-se a direitos disponíveis, ou quando não tornar impraticável o direito da própria parte.” (Junior. Humberto Theodoro. Curso de Direito ... , cit., p. 490. Importante salientar que o art. 333 em seu parágrafo único declara nula a convenção das partes que distribua o ônus da prova de forma diversa daquela prevista em seu caput quando: recair sobre direito disponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. Fredie Didier argumenta: “O art. 51,VI, do CDC cuida da nulidade de convenção quando imponha ao consumidor o ônus da prova das suas alegações. Trata-se de norma que complementa o art. 333, parágrafo único do CPC, que expressamente permite negociação da distribuição do ônus da prova, limitando-a, nos dois incisos previstos neste dispositivo. É como se houvesse um terceiro 37 inciso no parágrafo único do art. 333 do CPC. Esse dispositivo “não proíbe a convenção sobre o ônus da prova, mas sim, tacha de nula a convenção se trouxer prejuízo ao consumidor.” (Junior, Fredie Didier. Curso de Direito ..., cit., p. 86). Conclui-se que as partes podem convencionar a respeito do ônus probatório desde que tratem de direitos disponíveis ou tornar extremamente oneroso a uma das partes o exercício do direito. CAPÍTULO IV CONCLUSÃO Devido à existência da vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor foi criada a norma que permite o acesso do mesmo uma justiça justa, proporcionando equilíbrio no âmbito processual. O art. 6, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor preceitua uma melhoria na defesa dos direitos do consumidor, sendo a mais importante a inversão do ônus probatório em prol da parte mais frágil. A aplicação da inversão do ônus probatório depende do convencimento do magistrado quanto às provas apresentadas pelas partes, dependerá da verossimilhança das alegações ou quando este for considerado hipossuficiente. Uma vez invertido o ônus probatório, ocorre a desoneração do consumidor do encargo de provar o evento danoso, ficando ao encargo do fornecedor a produção de tal prova. 38 Conforme citado nesse trabalho monográfico existem divergências doutrinárias a respeito de qual deve ser o melhor momento para a aplicação da inversão do ônus da prova. É necessário que ocorra um consenso dos doutrinadores para que se chegue a uma conclusão sobre o tema, proporcionando total proteção aos direitos do consumidor. A Lei n° 8078/90 veio com o objetivo de regulamentar a situação do consumidor face a sua vulnerabilidade e hipossuficiência nas relações de consumo. BIBLIOGRAFIA 1. Andrade, André Gustavo. A inversão do ônus da prova no CDC. www.tj.rj.gov.br 2. Baur, Fritz. Transformações do Processo Civil em nosso tempo. Vol. VIII, Revista Brasileira de Direito Processual. 3. Brasil. Código de Processo Civil. Organização Editoria Jurídica da editora Saraiva. 13ª edição, 2007. 4. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. 5. Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. Editora Saraiva, 15ª edição, 2006. 6. Junior, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Vol 2. Editora Juspodivm, 5ª edição, 2010. 7. Junior. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Editora Forense, 48ª edição, 2008. 8. Marinoni, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 39 Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 2006. 9. Mira, Rodrigo Neme. A inversão do ônus da prova no processo do trabalho. www.dieitonet.com.br / 20.06.2007. 10. Nery e Nery. Nelson Junior e Rosa Maria de Andrade. CPC Comentado, 3ª edição, 2002. 11. Nunes, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. Editora Saraiva,2ª edição, 2005. FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Título da Monografia: Autor: Data da entrega: Avaliado por: Conceito: 40