Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS
ISSN – 2175-4128
Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso
São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: IDENTIDADES E ESPECIFICIDADES
Iramaia da Silva Santos (UNEB)
Introdução
Neste artigo, propõe-se estudar alguns constituintes teóricos e concepções
sobre as especificidades do ensino da Língua Portuguesa. Será apresentada uma
breve elucidação do processo histórico do modo como se consolidou o ensino da LP
(Língua Portuguesa) no Brasil e da introdução da Linguística Aplicada para o ensino
da LP. A finalidade deste estudo é discutir as especificidades do ensino da Língua
Portuguesa. Para tal finalidade, apresentamos uma breve elucidação do processo
histórico, social e teórico do modo como se consolidou o ensino de Língua Portuguesa
no Brasil e sobre os objetos e fundamentos do ensino de português (GERALDI, 1997).
A questão central deste trabalho é a seguinte: De quais maneiras são construídas
social e historicamente as diferentes identidades do professor de Língua Portuguesa?
Assim, as contribuições teóricas e a reflexão das mesmas nos permitiram pensar
sobre os vários caminhos e percursos que definiram e vêm definindo o ensino da LP.
Essas abordagens trouxeram enfoques importantes para pensarmos também nas
inferências que as mudanças sócio-hitóricas das condições de produção de
conhecimento incidem nas formas como lidamos com esse produto científico. Essa
inferência constrói os modos de atuação profissional do professor.
Fundamentos do Ensino de Língua Portuguesa.
Ser professor de Língua Portuguesa envolve diversas demandas, como por
exemplo: formar cidadãos críticos e conscientes dos usos e domínios da linguagem
em suas várias situações. Há também, na perspectiva que envolve a construção da
imagem do professor de LP, a determinação a este profissional em garantir uma
sociedade formalmente letrada e livre do analfabetismo, pois sabe-se que as
habilidades de leitura e expressão são requisitos ao êxito escolar dos alunos e que,
desse modo, alicerçam o crescimento educacional e cultural da sociedade. Dentre
estas questões apontadas, ressaltaremos a competência estipulada ao professor de
LP em dominar a língua falada e escrita, bem como sua metalinguagem. Para tanto,
traremos uma breve apresentação sobre as teorias e concepções das especificidades
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do ensino da Língua Portuguesa, pois acreditamos que os próprios fundamentos e
objetos de ensino de português caracterizam diferentes identidades para o professor
de LP.
Geraldi (1997) no livro Portos de Passagem identifica uma premissa sobre o
modo como é construída a identidade do professor de Língua Portuguesa. Esta
premissa baseia-se na necessidade de se estabelecer a diferença entre conteúdo de
ensino e o produto da pesquisa científica.
O autor faz uma reflexão sobre as
diferentes posturas advindas da relação estabelecida entre o conteúdo de ensino e o
produto da pesquisa científica que circunstancialmente foram definindo diferentes
identidades do professor de Língua Portuguesa. Três momentos diferentes na relação
entre a produção do conhecimento e o ensino são tratados por Giraldi (1997) para
compreendermos a construção social e histórica das diferentes identidades do
professor.
Da Idade Antiga até a Idade Média o professor era o produtor do conhecimento
e do saber (mestres) e seus interlocutores (discípulos). Não havia distinção entre
aquele que ensina e o que produz o conhecimento. Ou seja, quem ensinava gramática
era também gramático. No período mercantilista houve uma mudança dessa
identidade. Dessa vez não mais o mestre era quem produzia o saber, agora constituise por saber docente um conhecimento produzido por outrem e não por aquele que
ensina. Segundo o autor, no período mercantilista ocorre a universalização do ensino
devido à demanda por novos saberes (matemática, física, medicina, etc) e com isso
surge à urgência da instrução. Surge assim a figura do professor. De produtores a
transmissores: uma nova identidade; do outro lado, também uma outra identidade: de
discípulos a alunos. (GERALDI, 1997, p.87-88).
Com esta mudança de enfoque, há agora uma nova caracterização deste novo
profissional-professor. Neste momento o professor necessita agora deter o
conhecimento produzido sem mais ser ele o produtor do saber.
Desta maneira,
emerge a característica que constrói a ideia de ser professor: atualizar-se das novas
descobertas científicas. Todavia, como não mais produz conhecimento e nem convive
com a pesquisa, o professor (e a escola) estará sempre aquém da atualidade. Ainda
neste momento eclode uma necessidade: articular os conhecimentos com as
necessidades reais da transmissão dos mesmos. É a partir do processo de articulação
desses eixos que são construídos os conteúdos de ensino.
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As formas de se achar um modo de transmitir com facilidade as informações
dos resultados de pesquisa desencadearam algumas variáveis na construção do
conteúdo de ensino como, por exemplo, á compreensão do trabalho científico como
definitivo e cristalizado como verdade bem como a maneira histórica com a qual os
conteúdos de ensino foram, mesmo caindo em desuso, incorporando a uma forte
tradição aliada as exigências da própria disciplina. Torna-se uma necessidade a
repetição dos conteúdos de ensino produzindo uma disciplina, uma matéria. Para
Geraldi (1997, 63) trata-se de um conjunto de controles que se exercem do interior dos
próprios discursos, e indica que “a disciplina, enquanto definidora de um conjunto de
procedimentos, de métodos, de assuntos, e de proposições consideradas verdadeiras,
estabelece regras para discursos que se fazem”. (GERALDI, 1997, p.63).
De acordo com o autor, o trabalho de gradação, seriação, modos de ensinar,
história do que sempre se ensinou, mudanças na concepção da educação e a
construção de novos recursos didáticos são alguns dos instrumentos que se constrói a
diferença entre o trabalho de produção científica e o trabalho de ensino. Constrói-se
então, a diferença entre os objetos “transmitidos”, divide-se o trabalho, sendo que na
produção científica mudaram-se as relações com o advento da divisão do trabalho e
com isso alteraram-se as condições de produção de bens. No ensino, trata-se de
ensinar as explicações já transmitidas, sendo que neste processo o trabalho do
professor seria o de articulador dos eixos epistemológicos e das necessidades
didático-pedagógicas.
Atualmente, não se fala mais em sábios, nem em cientistas, agora denominamse pesquisadores, sendo estes refletidos pelas mudanças nas relações de produção:
emprego, exigência de produtividade, salários, etc. No mundo tecnologizado, muda-se
a identidade e o trabalho do professor que agora utiliza o material didático posto à
disposição com a tarefa de transmissão. Cabe ao professor a escolha desse material
que usará em sala de aula mudando as condições de trabalho do professor. Segundo
Geraldi (1997, p.94), o material didático:
Facilitou a tarefa, diminuiu a responsabilidade pela definição do
conteúdo de ensino, preparou as respostas para o manual ou guia do
professor. Permitiu elevar o número de horas-aulas, diminuir a
remuneração, contratar professores independentemente de sua
formação ou capacidade.
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Para o autor, a soma de tudo isso é uma forma de compreender o desprestígio
social da profissão. Por outro lado, o autor também enfatiza que nem sempre os
professores e alunos seguem o material didático, havendo válvulas de escape,
posicionamentos e questões levantadas por professores e alunos.
De acordo com os aportes conceituais apresentados por Geraldi (1997),
podemos observar as características de três diferentes identidades para o professor
ao longo da história: a) pela produção de conhecimentos, b) pela transmissão de
conhecimentos e c) pelo controle da aprendizagem. (GERALDI, 1997, p.86). Contudo,
o autor nos esclarece que essas identidades podem conviver numa mesma época
histórica, elas se entrecruzam.
As contribuições deste autor nos possibilitaram a
reflexão sobre os modos como a relação entre a construção do conhecimento, suas
condições de produção, seus usos e maneiras de transmiti-los repercutiram na
construção dos conteúdos de ensino assim como na construção da identidade do
professor de LP. Os elementos que identificam em diferentes momentos históricos as
especificidades do trabalho de ensino são apontados pelo autor, no intuito principal de
correlacionar o trabalho científico e o trabalho de ensino. E por que o autor direciona
sua reflexão ao professor de LP? Segundo o autor o autor o “trabalho de ensino
fetichiza o produto do trabalho científico”. (GERALDI, 1997, p.74). [Esse fetiche]
“autonomiza as descrições e explicações linguísticas desconsiderando o processo de
produção do trabalho cientifico que produziu as descrições e explicações ensinadas”
(GERALDI, 1997, p.74). O autor nos fala sobre a direta articulação entre o
conhecimento que se tem a propósito da língua e o seu ensino.
Adotando a abordagem teórica da Linguística (nota de rodapé) para o ensino
de LP, Rodolfo Ilari (1992) no livro A linguística e o ensino da Língua Portuguesa
apresenta a seguinte questão: pode a Linguística contribuir para o aperfeiçoamento do
ensino da língua materna? Ilari (1992) nos afirma que não houve alterações profundas
nos hábitos de ensino do professor de LP. “Indagar porque a Linguística contribuiu tão
pouco para alterar os hábitos do ensino equivale em grande parte a constatar a
ineficiência dos mecanismos que tem assegurado a mediação entre a pesquisa
linguística e o ensino”. (ILARI, 1992, p.103). Todavia, o autor reconhece que a
aplicação da linguística ao ensino de Português deu margem a algumas mudanças,
como por exemplo, nas escolas em que “deixou-se encarar como uma afronta a
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eventual utilização, por parte do professor, de expressões pertencentes a variantes da
língua socialmente desprestigiadas”. (ILARI, 1992, p. 3).
Mais uma vez observamos o ponto de vista que correlaciona os modos de construção
do conhecimento, do objeto de estudo e sua relação com o ensino e com as formas
como são transmitidas esses conteúdos. A partir desse ponto de vista trataremos
adiante sobre questões pertinentes à reflexão sobre a relação ensino-aprendizagem
da LP.
Ensino- aprendizagem em Língua Portuguesa
A relação ensino-aprendizagem é baseada na premissa de que deve haver
uma intermediação recíproca entre quem ensina e aprende. Araújo (2010) apresenta
uma análise dos modos como a Língua Portuguesa foi e está sendo usada no Brasil.
Dentre as tendências teóricas e sociais estão a corrente tradicionalista da linguagem
que estigmatizou o uso da norma padrão da língua portuguesa bem como as correntes
progressistas dentre elas está a inserção dos ramos da Línguistica enquanto ciência
da linguagem que considera as características sócio-histórica da linguagem. A partir
disso, as contribuições do texto de Araújo (2010) ajudam a pensar sobre as inferências
do momento histórico e das práticas socioculturais com suas derivadas correntes
teóricas que influenciam diretamente na forma como são concebidos o ensino e
aprendizagem da Língua Portuguesa, a partir de seus pressupostos, bem como nas
formas como são afetadas as posições políticos de construção identitária do professor
de Língua Portuguesa mediante tais demandas.
A democratização do ensino no país no início do século XX, assim como a
construção de políticas e diretrizes da Educação Básica relacionada aos novos rumos
da contemporaneidade na década de 90 direcionaram novas maneiras de se conceber
tendências do ensino/aprendizagem. A ideia da democratização do ensino no país era
o de que toda a população tivesse acesso ao sistema de ensino. Essa diretriz, mesmo
que na prática não funcionasse, trouxe diversas demandas ao sistema de ensino,
dentre elas estaria o de incluir as diversas classes sociais e culturais no âmbito
escolar. Surge então a questão que até hoje abordada: Quais medidas foram e estão
sendo tomadas para o trabalho com as diferenças sociais, culturais e linguísticas na
sala de aula? Como o professor que era da elite cultural acostumado a trabalhar com
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alunos da elite social daria conta da sistematização e universalização do
conhecimento?
Araújo (2010) nos esclarece os conceitos de norma padrão, norma culta e
popular que estão justamente na interface dessas mudanças do sistema educacional
brasileiro
bem
como de
sua
realidade
linguística.
Esses
conceitos
foram
preponderantes nas funções sociais que concebem a identidade do professor de
Língua Portuguesa.
Ao longo do século XX, o debate sobre o ensino de língua
materna no Brasil refletiu o antagonismo entre duas correntes: a tradicionalista (vista
como destituída de base científica) e a sócio-interacionista. Para a concepção
tradicionalista ensinar e aprender português corresponde ao desenvolvimento de duas
habilidades no contexto institucional escolar: falar/escrever corretamente a língua
(conhecimento da língua) e identificar mediante a nomenclatura gramatical, seus
aspectos estruturais (conhecimento sobre a língua). Neste cenário, segundo a autora,
a norma padrão da língua veicula na escola uma norma linguística distante da norma
utilizada por falantes cultos, o que causa dificuldade até mesmo nos alunos de cultura
letrada. Para as correntes progressistas, o ensino de Língua Portuguesa pode ser
compreendido como conjunto de práticas sociais letradas, cujos modos específicos de
funcionamento têm implicações importantes para as formas pelas quais os sujeitos
envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade.
Os modos de produção subjetiva do professor de Língua Portuguesa tornam-se
um paradigma na medida em que se relacionam a um conjunto de posições e
inferências sócio-culturais, políticas e econômicas que dimensionam sentidos a
construção do ser-professor. Houve-se um tempo em que o professor era considerado
pertencente a uma determinada classe social: a elite cultural do país, em que era o
detentor do conhecimento, cuja prática pedagógica estava determinada a transmitir a
norma padrão da língua portuguesa. Neste cenário, a escola era a agência
padronizadora da língua e o professor o que veiculava essa norma.
Com o advento político da redemocratização e universalização do ensino no
país, surgem várias demandas e novas funções ao professor de Língua Portuguesa.
Uma dessas demandas é dar conta das diferenças linguísticas dos alunos em função
do aumento da população escolar brasileira. Assim, a autora lança a seguinte questão:
Qual deve ser a postura do professor ante a variação linguística?
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Diante dessa questão a autora apresenta o ponto crucial para reflexão do seu
trabalho ao pontuar que a diversidade linguística está presente não apenas na voz do
aluno, mas também na do professor. Esse pressuposto é uma maneira de entender
que o professor torna-se um professor na medida em que enxerga-se no processo de
ensino/aprendizagem e são múltiplas as condições que formam um professor.
Entender que ser professor de língua portuguesa é também reconhece-se enquanto
sujeito no mundo, pertencente a um grupo social que tem suas características
linguísticas peculiares é uma maneira de desvincular-se da política da individuação
subjetiva que faz do professor um transmissor de saberes condizente ao que o
sistema estipula.
De acordo com Araújo, (2010) uma das maneiras do professor de língua
portuguesa livrar-se das amarras sociais que construíram sua identidade em torno da
detenção e transmissão de uma norma padrão da língua seria: adotar a variação
linguística em sala de aula salientando que os usuários de uma língua não as usam de
uma mesma forma em diferentes situações e que isto é que caracteriza um uso
consciente e competente da linguagem.
Considerações Finais
As considerações de Geraldi (1997), Ilari (1992) e Araújo (2010) nos permitiram
pensar sobre os vários caminhos e percursos que definiram e vêm definindo o ensino
da LP. Essas abordagens trouxeram enfoques importantes para pensarmos também
nas inferências que as mudanças sócio-hitóricas das condições de produção de
conhecimento incidem nas formas como lidamos com esse produto científico. Essa
inferência constrói os modos de atuação profissional do professor. Por exemplo, as
descrições gramaticais são ensinadas pelos professores, pois essas noções são
exigidas pelas séries seguintes ou por provas de concursos e vestibulares. Constrói-se
uma forte disciplina na construção e no ensino desses conteúdos, sendo que, mesmo
em desuso são trabalhados em sala de aula. Percebe-se, com exemplo do ensino da
gramática a “distancia cada vez maior entre o que os pesquisadores pensam sobre a
estrutura da língua e o professor que ensina a seus alunos”. (GERALDI, 1997, p.97).
As passagens que se constituíram em torno da construção do objeto de ciência
e sua relação estabelecida entre o produto do trabalho científico e o papel do
professor na construção do objeto de ensino evidenciaram que essa passagem
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cristaliza em verdade absoluta tudo o que na ciência se põe como hipótese. É nesse
sentido que Geraldi (1997, p.74) diz ocorrer uma fetichização na atividade de ensino e
conclui que:
Na história, a própria emergência do profissional professor, resultado
da divisão social do trabalho, acaba por produzir diferentes
identidades histórico-sociais. Estas diferentes identidades respondem
a diferentes interesses da sociedade na educação e de diferentes
condições técnicas com que se concretiza a atividade de ensino.
A partir dessas considerações, considera-se que professor constitui-se sujeito
de práticas sócio-históricas na medida em que vive essa emergência do profissional
docente, vinculando sentidos a sua função social. Esses desdobramentos exercem um
papel fundamental na construção da identidade profissional do professor, pois estão
revestidos de sentidos e significados ideológicos que compõem o discurso do
exercício profissional bem sucedido.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Silvana. O embate norma popular/ norma culta/ norma-padrão: implicações no
trabalho com análise linguística para falantes do português do português rural afro-brasileiro.
In: Anais do III Seminário de Língua Portuguesa e Ensino e I Colóquio de Lingüística, Discurso
e Identidade. 2010. Ilhéus - Ba. Anais, 2010. p. 01-13.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4 ed. São Paulo. Martins Fontes. 1997.
ILARI. Rodolfo. A linguística e o ensino da língua portuguesa. 4 ed. São Paulo. Martins Fontes.
1992.
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