Capitulo V A Bailadeira da India Nota Preliminar A mUsica e a danca exerceram sempre urn papel preponderante nas grandes religities da antiguidade (1). A Biblia contem uma colectanea de salmos, poemas da espiritualidade judaica que eram cantados nas solenidades do templo. 0 grande rei David cantava e dancava por ocasiao das festas de Israel(2). Quando na antiguidade se formava o pantedo dos deuses, o principio e os emblemas da fertilidade no homem e na mulher junto corn os da fertilidade da terra mereceram uma veneracao muito especial o que era muito natural, porquanto "a reproducâo é a forca mais misteriosa e potente na natureza"(3). Sobre este tema, leiam-seos artigos "Music and Religion", em New Catho/ic Encyclopaedia McGraw-Hill Book Company, New York, 1967,Vol.X, pag. 131; "Dancing, Religious", lbidem, Vol.1V, pag. 629.. Thompson, Denys, The uses of Poetry. Cambridge Univ Press,1974, "In the beginning: Dance" (Cap.2). 2 Samuel, 6, 5.14.20-21. Will Durant, The Life of Greece na serie The Story - 159 - Vol.11, pag. 175. A concepcao do amor era essencialmente erotica e sensual. Assim, no mundo greco-romano, as divindades que personificavam o amor eram Afrodite, Venus, Eros, Cupido(4). E, na india, a deusa Parvati, sob a forma ou o nome de Gauri ou Jagadgauri. (5) Deste modo, o canto sagrado e a dancareligiosa tiveram um caracter voluptuoso. Aos deuses e deusas, simbolos de fertilidade e amor erotico, veio associar-se uma classe de pessoas que, em nome e em honra desses deuses, se entregavam a diferentes formas de amor sensual. Por exemplo, nas regioes onde floresceu a reli gi ao grega, havi a numerosos templos dedicados a Venus e Afrodite. Em Corinto era comum "dedicar mulheres que a (Afrodite) serviam como prostitutas e traziam seus honorarios aos sacerdotes"(6). Como escreve Estrabao, "o templo de Afrodite era tao rico que possuia mais de mil escravas do templo, cortesas que tanto os homens como as mulheres tinham dedicado a deusa. Era por causa dessas mulheres que a cidade estava chei a de gente e tornou-se rica; por exemplo, os capitaes de barcos esbanjavam aqui livremente o seu dinheiro"(7). Na antiga BabilOnia ou Sumeria, "mulheres estavam ligadas a cada templo, algumas como domesficas, outras como concubinas dos deuses ou dos seus representantes legitimamente constituidos na terra. Servir Os templos desta maneira nao parecia qualquer desonra ou ignominia a uma menina sumera; seu pai sentia-se orgulhoso de dedicar os seus encantos a mitigacao da monotonia di vina e celebrava a admissao da sua filha a estas funcoes sagradas corn Urn sacrificio de cerimoni a e corn a apresentacao do dote de casamento da menina ao templo(8). No Egipto, "os sinais de prostituicao religiosa eram em escala menor; apOs a ocupacao romana, a mai s beta menina entre as famil i as de Tebes era escolhida para ser consagrada a Amon. Quando era ja velha demais para satisfazer os deuses, ela recebia 4. Ibidem. pag. 178. 5. lons,Veronica, Indian Mythology, Paul Hantlyn,1967, pag.91-93. 6. Will Durant, op.cit, pag.91. 7. Ibidem, pag. 91; cfr. P. Thomas, Indian Women Through the Ages, Asia Publishing House, 1964; pag.236 8. Will Durant, Our Oriental Heritage na serie The Story of Civili:ation, Vol.l , pag. 129. - 160 - uma aposentacao honrosa, casava-se e entrava nos mai s altos circulos"(9). Os templos de Isis e Osiris eram bem conhecidos pelas suas orgias e a danca executada pelas cortesas profissionais era a atraccao principal das grandes festas e festivais desses santuarios. Moloc, Baal, Astarte e outros deuses do mundo antigo tinham orgias e bacanais em sua honra(10). Foi com o Cristianismo que as ideias, ou antes, a concepcdo do sexo e do amor sexual se sublimou. Com a expansao do Cristianismo, tal concepcdo estendeu-se primeiro para a regiao do Meditenineo e depois para todo o mundo. Enquanto tal nab sucedeu, o sexo e as manifestacties artisticas eroticas nunca foram considerados como qualquer coisa incompativel com a religido na sua forma elevada e nobre. A Devadasi do Templo Hindu A India antiga "vista, durante quase toda a Idade Media por urn aspecto fantasi sta que seduzi a os espiritos simpli stas corn a imagem das suas ri quezas fabul osas, dos seus habitantes estranhos, dos seus encantos naturai s"(l I ), foi berco duma religi que sobrevive ainda no nosso seculo e que deu origem a uma rica tradicao de filosofia, arte, arquitectura, escultura, pintura, danca e teatro. A medida que a vida social se organizava, o templo tornava-se o centro da vida social e economica. 0 templo ou era doado pelo rei( l 2) e, neste caso, el e estava situado na capital e intimamente associado a corte real; ou era construido e mantido corn as ofertas das corporacoes e dos comerci antes de uma cidade e, destarte, estava dependente de urn sector predominante da populacdo da cidade. Nas al deias, o templo chegou naturalmente a ser o centro de actividade e entretenimento, uma vez que a reuni do dos aldeoes bem como a escola tinha ai lugar — e era mantido pela gente da aldeia. Ibidem, pag.167. 10. P. Thomas, op.cit. pag.236. 11. Mattoso, Antonio G., Hisleiria da 5"ed., Lisboa 1952; pag.260-261. 12. Thapar, Romila, A History of India. Penguin Books, 1979, pag. 211 9. - 161 - A manutencao do templo compara-se a de uma ampla instituicao dos nossos Bias. 0 corpo administrativo e o do pessoal menor compreendiam sacerdotes, musi cos, serventuarios e urn born numero de mulheres ligadas ao entretenimento(13). Abbe Dubois -- um missionario frariass que traballiou na India por ups ii iilid e anos nos inicios do seculo XIX -- deixou as suas observagoes no seu famoso livro Moeurs, Institutions et Ceremonies des Peuples de L'Inde, mais tarde traduzido para ingles(14). Este missionario escritor diz que "as cortesas ou as dancarinas ligadas a cada templo ocupam o segundo lugar", apos os sacerdotes hindus, por ocasiao do oferecimento diario de sacrificios. Elas chamam-se devadasis (servas ou escravas dos deuses), mas o public° chama-lhes pelo nome mais vulgar de prostitutas"(15). No sul (da India), escreve Will Durant, as necessidades do homem faminto (de sexo) eram satisfeitas pela instituicao providencial das devadasis — literalmente "servas dos deuses", e de facto prostitutas. Cada templo tamil tinha um elenco de "mulheres sagradas", empregadas primeiro para dancar e cantar diante dos idolos, e talvez para entreter os Bramanes. Algumas delas parecem ter levado vidas de retiro quase conventual; as outras foi permitido estender seus servicos a todos quantos pudessem pagar, sob a condicao de que uma parte dos seus ganhos deveria reverter a favor dos clerigos. Muitas dessas cortesas deste templos, ou meninas de nautch, proporcionavam a danca e o canto nas funceies publicas e reunioes privadas, a maneira das geishas do Japao; algumas delas aprendiam a ler e, a semelhanca das hetairai da Grecia proporcionavam cavaco ameno culto em casas onde as mulheres casadas nab se dava o encorajamento para ler, nem permissao para se misturarem entre os hospedes. No ano 1004 da nossa era, segundo nos informa uma inscricao sagrada, o templo do rei Chola Rajaraja em Tanjore, tinha quatrocentas devadasis. 0 costume ganhou foros da santidade do templo e parece que ninguem o considerou imoral; mulheres respeitaveis dedicavam de quando em quando uma menina a profi ssao de prostituta do tempi o mui to 13. Ibidem, pag.211 14. Abbe Dubois, Hindu Manners, Customs and Ceremonies, translated by Henry Beauchamp C.I.E., Asian Educational Service, 1983 (Third Edition, 1906, Oxford). Abbe Dubois; op.cii., pag.584. 15. - 162 - adentro do espirito ern que um filho pudesse ser consagrado ao sacerdocio(16). A instituicao das dancarinas ou devadasis ligadas aos templos é um topico' que tern sido interpretado de varias maneiras por historiadores e socialogos. Origem da palavra devadasi A palavra devadasi deriva de deva (deus) e dasi (escrava), significando literalmente "escrava de deus". As devadasis chamadasnautchgirls,nautchsignificando danca e que deriva do hindi nach dancarino. Os portugueses chamaram tais mulheres bailadeiras, naturalmente porque a profissao delas era bailar. Esta palavra ficou a designar a dancarina indiana do templo corn uma conotacao diferente de bailarino(a) que significa uma pessoa que danca por profissao(1 7). Do portugues bailadeira derivou a palavra francesa bayadere(1 8). Em concanim, a palavra que indica a profissdo de bailadeira é kolvont que deriva de kala (arte) e vont (dotado de, cheio de). A bailadeira e' tambem designada em concanim pelo nome de naikin (naiquine). Origem historic() - religiosa da instituicao das devadasis A instituicao das bailadeiras remonta, segundo P. Thomas, ao periodo que se estende entre o declinio do Budismo e a expansao do Islamismo na india(1 9). E a era puranica ou do dharma sastra, period() de cultos exoticos e secretos, de reaccao contra as tradicoes liberai s internacionai s do Budismo. Corresponde entre os seculos VII e XII 16. 17. Will Durant,Our Oriental Heritage. pag.490-491. Gangul i,D. C., "Some Aspects of the position of women in Ancient India" em The Cultural Heritage of India Vo1.11 edit. under the chairmanship of Dr. S. Radhakrishnan, Calcutta Jaime de Seguier, Dicionario Prbtico Hustrado, Lello e Irmaos - Porto, 1972. 18. Petit Larousse Illustre, Paris, 1980. 19. P. Thomas, Indian Women Through the Ages, Asia Publishing House, London, 1964, pag.236, 219. - 163 - da nossa era. Com o desenvolvimento da religiao puranica e o culto regular de Shiva, Vishnu e suas esposas, nasceram grandes templos por toda a India. Estas divindades, simbolos de romanti smo e nobreza, substituiram o primevo Indra, masculino, aguerrido, bebedor Pram do soma e seus socins (nierreirnc OR rii-17erPS dos novnc de,iicec • . de min naliirPZa diferente: eles gostavam de ablucoes, decoracoes, fibres, assentos macios, fruta, leite e, acima de tudo, musics e danca. Era para o prazer destes deuses, para os entreter com canto e danca que, pela primeira vez, as cortesIs foram empregadas nos templos. Nos tempos da religiao vedica, na epoca pre-budica, a prostituicao nao esteve associada aos templos, embora houvesse c,ortesas. Os livros sagrados budistas e o Artha Sas tra tem descricoes detalhadas da alta posicao e larga presenca de mulheres de vidalevianana India antiga. Mas nenhum texto menciona a presenca del as e a utilizacao dos seus servi cos nos templos. Isso era devi do nao tanto a qual quer especie de oposicao de caracter religioso a pro stituicao, mas sim asimplicidade da religiao vedi ca e aindole guerreira ou marcial dos arianos e seus deuses(20). 0 Mahabharatafala das Deva Vesyas ou prostitutas dos deuses. Nao se sabe se elas estavam ligadas aos templos ou eram meras variacOes dos Thirthagas (prostitutas das Aguas sagradas) que atraiam os peregrinos. No seculo VII da nossa era, a instituicao das dancarinas dos templos estava bem estabelecida, como se depreende das descricoes do viajante chines Huien Tsang desse mesmo seculo. Os templos do Sol de Konarak e Orissa tornaram-se famosos pelo seu erotismo e o peregrino chines viu um grande nimiero de dancarinas no templo do sol em Multan(21). Tudo leva a crer que tal instituicao passou do pal acio real para o templo. Assim como o rei empregavaumahoste de cortesas para aumentar o seu prazer e pompa, os templos empregaram-nas para el as cantarem e dancarem di ante dos idolos, para 20. Ibidem, pag. 236 Ibidem, pag. 236 - 164 - aban - arem a ventarola durante as procissaes e, de uma maneira geral, para aumentarem a atraccao das festas e rituais do templo. Muitas vezes sucedia que a fama de urn santuario era identificada nao tanto corn a grandeza da divindade a quern o mesmo era dedicado como corn o encanto das pagens voluptuosas que, mais do que as divindades, atraiam muitos peregrinos. A maneira de as recrutar De uma maneira geral, as dancarinas dos templos (devadasis) eram recrutadas nas classes das prostitutas que abundavam nas cidades e vil as da India. 0 Abbe Dubois afirma que elas eram recrutadas de varias castas, "havendo entre elas algumas, ainda de familias respeitaveis". Em tempos de fome e inanicao, na India antiga e medieval, pais pobres, muitas vezes, vendiam suas criancas e as autoridades dos templos compravam as meninas bem parecidas e educavam-nas como devadasis. NAo raras vezes uma mulher gravida corn a mira de ter um born parto fazi a um voto, corn o consentimento do marido, de dedicar ao servico do templo a crianca do seu ventre, se esta fosse do sexo feminino. Outras vezes, pais piedosos que nao tinham filhos ofereciam a primogenita ao templo para cumprir o seu voto. Meninas consideradas de mau agoiro ou ma sorte eram abandonadas pelos pais supersticiosos e doadas ao templo. Adentro do quadro das supersticoes da India, uma quinta menina que nascesse numa familia ou essa outra nascida numa conjuncao irk) auspiciosa dos planetas, ou, ainda essa outra quelevasse desde o seu nascimento certas marcas misticas de mau agoiro era considerada como portadora do mal. Os pais que nao quisessem tais meninas doavam-nas, para as arruinar, aos deuces que tinham o poder de fazer o devido equilibrio, se nao eliminar, das suas mas influencias(22). 22. P. Thomas, op.ci1., pag.238. Abbe Dubois, op.cit., pag.584 e seg. - 165 A Funcio das Devadasis Descrevendo a historia do sul da India entre os seculos X e XIV da nossa era, Romila Thapar diz que "as devadasis ou bail adeiras eram comuns na maior parte dos templos do periodo dos Cholas. El as eram, na sua origem, urn grupo especial e honrado de mulheres servicais, algumas das quais, a semelhanca das Virgens Vestais de Roma eram, ja desde o seu nascimento ou, quando muito novas, dedicadas ao templo. As que entre elas possuiam mais talento eram escolhidas para o treino extremamente dificil de dancarinas de Bharata Natyam. Algumas das melhores dancarinas de hoje descendem de familias devadasis. Porem, corn o decorrer dos tempos, fez-se mau use do sistema e, eventualmente em muitos templos, as devadasis degeneraram - se em re ais prostitutas vergonhosamente exploradas corn os seus lucros que passaram a ser colectados pelas autoridades dos templos. Ern contraste corn estas, as cortesas da cidade (palacio real) que eram as mais das vezes senhoras de alto coturno, eram tratadas corn deferencia. As cortesas e as senhoras da alta classe tinham uma certa liberdade de movimento, porquanto podiam desafiar as convencoes sociais numa medida muito major que as outras mulheres"(23). Segundo o Abbe Dubois, na hierarquia dos numerosos oficiais do culto hindu, "os sacrificadores ocupam o primeiro lugar". Estes sao, sem diivida, os sacerdotes. "As cortesas ou as dancarinas ligadas a cada templo ocupam o segundo lugar". Embora se chamem devadasis, o public° conhece-as pelo nome vulgar de prostitutas. Dubois nao se coibe ern chama-lasmulheres "de atitudes lasci vas" e "gestos indecorosos". Embora, a primeira vista, parecam "reservadas exclusivamente para o gozo dos Bram an es", elas estao obrigadas pela sua profissao "a conceder seus favores a qualquer pessoa que os peca, ern troca de dinheiro manente". Elas eram, sem duvida, consagradas de uma maneira especial ao culto das divindades hindus, de tal sorte que cada tempi o de certa i mportan ci a ti nh a a seu servi co um grupo de oito, doze, ou ainda mais bail adeiras. Os seus deveres principais eram "dancar e cantar dentro do templo duas vezes ao di a, pela manila e pela tarde e tambem em todas as cerimonias pUblicac. "0 primeiro dever", diz Dubois, "etas cumprem-no corn suficiente grata; porem, o seu canto limita-se a versos obscenos que descrevem 23. Thapar, Romila,op.cit.,pag.21 1 - 166 - algum episodio licencioso na historia dos seus deuses". Alan de dancar e cantar nos templos, as devadasis "fazem de pagens que ac,ompanham pessoas de certa distincao quando estas fazem umas as outras, visitas de cortesia". Na vida social. fora do templo, as devadqsis "estn ,t,.-"resentes nos casarr_entos e outras reunioes familiares solenes". Na opiniao do Abbe Dubois, a condicao das devadasis era "simplesmente vergonhosa", e os templos em que elas viviam "eram reais lupanares". Porem, comparadas a semelhantes mulheres noutros paises, as devadasis, diz Dubois, eram "mais habeis" pois elas empregavam "todos os seus recursos e artificios de leviandade: perfumes, vestes elegantes, penteados mais apropriados para expressar a beleza do seu cabelo que elas entrelacam com fibres fragantes, uma profusao de jOias usadas com muito gosto em diferentes partes do corpo, atitudes graciosas e voluptuosas". Pelos deveres religiosos que cumpri am no templo, el as recebiam "um sal Ario fixo; porem, como a importancia" era pequena, elas supri am-no " vendendo seus favores da mais proveitosa maneira" (24). A par do seu juizo severo a respeito das devadasis, o Abbe Dubois tem atenuantes a respeito das mesmas: "Comparadas as europeias vivendo em semelhantes condicioes degradantes", diz o nosso missionart o--escritor, "as devadasis sao menos impudicas ou indecentes e mais reservadas ern pfiblico e, fazendo de pagens, tomam o cuidado particular da nao expor qualquer parte do corpo". Porem, tais atitudes sao devidas nao tanto a sua "modestia inata" como ao "modo de pensar do pais", pois, "por mai s lascivos ou I evi anos que os hindus sejam na sua vida moral, eles mantem rtgorosamente uma aparenci a externa de Clecencia e ligam grande importancia a observancia do decoro rigoroso em pabli co". Explicando em termos praticos esta aparencia externa de decencia, o Abbe Dubois diz que "a mais desenvergonhada prostituta nunca ousart a fazer parar urn homem na estrada; e ela, por sua vez, repeliri a corn indignacao qualquer homem que se atrevesse a tomar qualquer liberdade indecente para corn ela. 0 homem que se 24. Abbe Dubois, op.cit, pag.585 e seg. - 167 - comportasse corn familiaridade corn uma dessas mulheres em public° seria censurado e desprezado por todas os que presenciassem o escandalo". Nao obstante este juizo rigoroso do Abbe Dubois sobre o modo de ser e viver das devadasis ou bailadeiras em suma, elas sao para ele mulheres de ma vida — é forcoso reconhecer clue a sua profissao tinh a um aspect° positivo: el as eram dancarinas religiosas. E sob o prisma de dancarinas e artistas que Marco Polo descreve as bailadeiras. Eis a sua impressao: "Os pais das devadasis consagravam suas filhas aos templos dos deuses por quern eles tinham grande devocao. As filhas viviam corn seus pais e, em ocasiOes festivas, iam aos templos e entretinham a divindade corn a sua danca e canto; elas prestavam este servico ate que se casassem. Sabe-se que as dancarinas apresentavam dramas em certas ocasioes"(25). Um outro historiador, indiano, diz que "embora a prostituicao fosse olhada corn desprezo pelo estado e pela religiao hindu, as cortesas do templo nao o eram"(26). Havia uma aureola de sagrado em volta del as e os reis eram patrocinadores das cortesas do templo. El as gozavam de privilegio s especiais e os reis prestavam-lhes homenagem. A residencia das bailadeiras era orgulho de cada cidade hindu. Elas eram objecto de admiracao e simpatia. Consideradas glOria e ornamento da cidade, as bailadeiras brilhavam pela sua presenca em todas as festas publicas, procissoes religiosas, corridas, lutas de galos ou de bodes e eram estrelas de cada audiencia teatral. Muitas delas chegaram ate nos como heroinas de dramas e romances. Por exemplo, Rasa-lila é uma danca popular dos Vaishnavas (adoradores de Vaishnu) por toda a India. 0 terra desta danca é o amor das Gopis (leiteiras) pelo deus gracioso, Krishna. As bailadeiras fazem de gopis (27). A Condicao da Devadasi em Goa A condicao da devadasi ou bailadeira em Goa nao era muito diferente da que existia noutras partes da India. Com a cristianizacao das Velhas Conquistas, a populacao hindu desta regiao 25. 26. 27. Citado por D. C. Ganguli, op. cit. P. Thomas,op. cit., pag.120 Ibidem, pag. 103. -168- passou para as Novas Conquistas(28). Com a populacao tambem as divindades passaram para as Novas Conquistas. As divindades hindus comecaram a ser adoradas em novos templos construidos em localidades das Novas Conquistas nao muito distantes das das Velhas Conquistas(29). Assim, por exemplo, Shri Manguesh ■ venerado ern Cortalim(30) e Shri Shantadurga ern Quelossim passaram a Priol e Queul A(31) respectivamente on de ainda hoje tem, em sua honra, famosas devalai as. As aldeias de Priol e Queula ficam situadas na margem direita do rio Zuari, enquanto Cortalim e Quelossim ficam na margem esquerda do mesmo rio. As divindades da Raia e Margao nas Velhas Conquistas, Shri Kamaksha e Shri Damodar, passaram a ser veneradas em Siroda e Zambaul im(32), a uma di stanci a de uns cinco a oi to quilometros. Em ambos os casos, o rio Zuari separa nitidamente as aldeias das Velhas Conquistas das das Novas. A populacao hindu e a divindade da ilha de Piedade e Narod passaram para Narod de Bicholim(33), do outro lado do rio. Cada templo hindu era em Goa centro da vida religiosa e social dos habitantes da aldei a. Ligadas aos templos viviam as devadasis. Elas eram cantadeiras e dancarinas, conhecidas por varios nomes, tais como naikins (naiquines), kolvonts (kalavantes)(34). A casta a que etas pertenciam era considerada inferior nao por qualquer razao de natureza etnica mas sim social e religiosa(35). Eis como Braganca Pereira escreve na sua obraEtnografia da India Portuguesa: "Em todas as festividades hindus cantam e dancam as calavantes, bailadeiras, duas a duas e face a face. 0 canto é monotono e cadenciado. Elevam a voz para formar os sons 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. Priolkar, A. K., The Goa Inquisition, Bombay, 1961, pag.60-86. Souza, Francisco de, Oriente Conquistado a Jesus Christo parte.II (Conq.I, Div.I § 15), pag.14. Ibidem (§13) pag.12. Gomes Pereira, Rui , Hindu Temples and Deities, Panaji,1978, pag.192-196 Ibidem, pag.200-201; 226. Ibidem, pag.47. 0. Rothfield, Woman of India, pag.164 citado por Braganca Pereira. Braganca Pereira, A., Etnografi a da India Portuguesa, Tipografi a Rangel, Bastorkpag.46 - 169 - guturais. A dancareduz-se a algumas contorsOes obtidas com grande esforco sobre os calcanhares, e com as pontas dos pes quando recuam. Nestes movimentos fazem sonido com os guizos quetrazem em volta dos tornozelos. No fim todos os dancantes se voltam com as maos erguidas diante do idolo, para o adorar, fazendo todas os mesmos gestos de modo que parece serem movidas Delo mesmo impul so. A musica que as acompanha é tocada pelos murdangueiros. As calavantes dedicam-se tambem a dancar e a cantar nas festividades publicas e particulares, tanto religiosas como profanas"(36). 0 templo tinha relargoes com essa outra institui cab social de Goa, a Comunidade da aldeia. 0 testemunho de Filipe Nery Xavier a respeito das relacOes da Bailadeira com os Gaunkares da aldeia vem muito a proposito. Segundo este autor, as bail adeiras eram "dancarinas dos Pagodes, mulheres publicas" a quem, apOs a conversdo da maioria dos habitantes dos tres concelhos das llhas, Salsete e Bardez, foi "proibido morarem nas Conquistas Velhas assim por Ordens Regias como por diferentes Alvards e Provisoes dos Vice-Reis". Esta proibicao durou ate 1804(37). "0 ganho de bailes", continua F. N. Xavier, "pertence tambem aos irmaos vivendo em comum". Lopes Mendes considera as bailadeiras como dancarinas. Descrevendo o Sigamo'ou Shigmo como "o carnaval dos gentios", diz ele que, nessaocasião, "os ri cos habitantes da India organizam no chouquz da casa uma grande sala de baile — onde oferecem aos seus amigos e ao public°, sem distincao, o espectaculo das dansas (sic) e o canto das calavantes ou bailadeiras"(38). Com respeito a sua maneira de se vestir e ataviar, diz Lopes Mendes que as bailadeiras se vestem "com ricos panos de musselina azul, branca e rosada, bordados de seda, prata ou oiro". Os cabelos delas "atados no alto da cabeca sao envolvidos por grinaldas de flores naturais excessivamente aromaticas, e os pescocos, orelhas, nariz, maos e pes estao ornados de joias" (39). 36. 37. Ibidem, pag.229-230. Xavier, Filipe Nery, Esboco de urn dicionario Historico-ultramarino do (iabinele Litenorio dos Fontainhas, pag.219. 38. Lopes Mendes, A India Portuguesa, Vol. I, pag.44. 39. Ibidem, pag. 104. - 170 - Proporcionando-nos uma descricao pictorica da dansa das bailadeiras, diz o mesmo escritor que "el as dab principio a dansa (sic) cantando separadamente, e depoi s todas ao mesmo tempo, enquanto os musicos ou os murdangueiros tangem com as maos sobre as murdangas que tem ligadas a cintura. Em certas occasiiies o canto e dansa das bailadeiras ac=pcinhados pelc3 sons de uma cspezic, do rebeca - sevangui. Se elevam a voz é so para formar os sons guturaes tao frequentes e tao desagradaveis ao ouvido europeu. A dansa reduz-se a algumas contorsoes dos dedos das mao§ e a um fraco movimento de progressao obtido com grande esforco sobre os calcanhares e com as pontas dos pes, quando recuam. Nestes movimentos fazem grande sonido coin os guizos que trazem em volta dos tornozelos"(40). Urn outro escritor indo-portugues, Antonio Maria da Cunha, fundador do diario Herald° e seu redactor por muitos anos, refere-se ainstituicao da bailadeira no seu livro India Antiga e Moderna. Em sua opiniao, a prostituicao sagrada, embora um dos "costumes mais nefastos da religiao hindu" foi "antigamente considerada essencial para garantir a propagacao da especie e frutificaqao da terra". Tal pratica tinha um nao sei que de romantico ou poeti co, pois "ao dedi car-se as mulheres eram consorciadas com os deuses mas os filhos nasciam por intervencao humana. Sucede o mesmo ate agora no sul da India; mas em certos lugares o consorte é uma arvore ou uma espada"(41 ). As devadasis sao "consideradas portadoras de boa sorte, sobretudo para as noivas, sendo por isso e porque nunca podem ser viuvas muitas vezes colocadas , testa de cortejos nupciais"(42). Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, europeu antiquario erudito, humanista e pal eografo quefoi Secretario do Governo Gera] de Goa, no seu artigo "Jornada as partes do Sul", mostra-se encantado com "a grata e fl exibilidade" das bail adei ras. Di z el e que as bailadeiras de Pondicherry executavam "suas dancas sempre tao originais e pitorescas mesmo para os espectadores mai s cansados(43). 40. Ibidem, pag. 104 pag.359-360. 41. Cunha, Antonio M. Da, 42. Ibidem, pag. 360 43. Cunha Rivara, J. H. da, Jumada a.c Partes do Sul, citacAo de um artigo de Le Olilciel em histituio Vasco da (Irma, 3"serie, pag.31. India Anliga e Aloderna, - 171 - Alonileur A Devadasi na Imaginacao Romantica Popular A bailadeira, a devadasi, era, em resumo, uma mulher "dancarina de profissao, vivendo geralmente ao pe de pagodes e exercendo a prostituicao"(44). A sua funcao principal era dancar e cantar. Contudo, a prostituicao a que ela se entregava nab estava nalinha daquela profissdo que, depois da agricultura, é considerada como a mai s antiga em todo o mundo. Era antes uma prostituicdo sagrada uma aberracao talvez que resultava do facto de que elas eram dedicadas aos templos. A cristianizacao das Velhas Conquistas de Goa, corn a consequente separacao entre cristaos e hindus -- re sul tado das lei s promulgadas pelo Governo, pel a i grej a e pel a Inquisicao — criou um hiato social entre as duas comunidades(45). Os cristaos estavam proibidos de ter qual quer tipo de comunicacao ou intercambio social corn a antiga religiao que pudesse desvi a-los da sua fe(46). Porem, apesar de todas as proibicoes e restricoes, os cristaos nao podiam esquecer-se das suas raizes hindus. Havia como que urn inconscio colectivo que os atraia, antes;€11,erci a uma fascinacao sobre a sua memori a e imaginacao ern relacao a certas praticas religiosas, usancas, simbolos culturais, etc., que tinham sido parte do patrimonio cultural dos seus antepassados, tais como procissoes, dancas, cantos, sacrificios, festivais, etc. A nova religiao proi bi a tais praticas como sendo formas de idol atri a. 0 termo pagodeira na sua conotacao regional de Goa, significa todas essas praticas dos 44. 45. 46. Gracias,Mariano, Terra de Rajahs, Epilogo, pag.107. D'Souza, B. G., (loan Society in Transition, Bombay, 1975, pag.136 e seg. Cunha Rivara, J. H. da„/Irquivo Portugues Oriental, pag. 13, 97,124, 130, 192, 210 e 265 Paiva Manso, Bullarium Patronalus Poriugalice, Apendice I, pag. 33, 15 - 172 - cristabs que cheiram a manifestacoes da religiosidade hindu. Mas quern podia proibir os cristdos de representarem na sua imaginacao essas praticas e sentirem por elas como que uma saudade cultural? Acresce a isto o facto de que a proibi cdo atica sempre a curiosidade, como bem di z o proverbio: "o fruto proibi do é sempre o mai s apeteci do". Dai, quando, na segunda metade do seculo XIX, apareceram as cancOes folcloricas de Goa, tipicas dos cristdos — o mando, a dulpod e o dekhnni — encontram-se nelas numerosas referencias a vida socio-religiosa dos hindus. "De uma maneira geral", dizem Jose Pereira e Michael Martins, "o tema do deknni é a vida nas areas hindus, no outro lado do rio; mas a das areas cristas e tambem expressa nessas cancoes. Este tema revigora e estimul a tanto a imaginacao como o sentido do ricliculo. Enquanto o interesse pelo modo de ser e viver dos hindus revela a nostalgia do goes cri stab por urn passado perdido (no decorrer dos anos), o humor é forte e esta na vanguarda: sente-se que os habitos das populacoes na • outra margem do rio sao engracados quando nab estranhos"(47). Falando das personagens que figuram nessas cancOes folcloricas, os mesmos autores dizem que "de todas as pessoas envoi vidas na vida do templo, as dancarinas (ou kolvonts) sobressaem: de facto, elas sac) as actrizes-estrelas do Deknni. Elas tern diferentes nomes, tais como Boiru, Dulgem, Sundorem e Mogrem. "Nao se perde muito tempo ern descrever suas feicoes; maior atencao é prestada as suas vestes. Como todas as meninas do Concão elas gostam de fibres no seu cabelo e seus ornatos no tornozelo (paizonnam, guisos) e os aneis do nariz tornam-se seus distintivos"(48). Por exemplo, o famoso deknni Hanv Saiba Peltoddi Votam' faz uma referencia explicita a danca das bailadeiras na tenda da festa de casamento do noivo: 47. 48. Hanv Saiba peltoddi votam Vou fazer a travessia, meu senhor, Damulea lognank votam Para it assistir as bodas de Damum. Mhaka Saiba vatt(o) dakoi E favor indicar-me o caminho, Pereira, Jose --Martins, Michael , A Bombay, 1967; pag.10. Ibidem, pag. 10 sheaf of deknnis. - 173 - The Konkan Cultural Association, Mhaka Saiba vatt(o) kollonam Pois que nc7o o conheco. Damulea mattvant(um) Na tenda do casorio este!' a correr kolvontancho khell(u) a danca das bailadeiras. Damulea mattvant(um) Na tenda do casorio este!' a correr kolvontancho khell (u) a danca das bailadeiras. Se a imaginacao dos compositores dessas cancoes folcloricas se acendia tao intensamente com os temas da vida social dos hindus que decorria na outra margem do rio, pode-se calcular qual seria a fascinacao exercida na imaginacao criadora do cristao instruido e culto que, de um lado, era profundamente dedicado a sua religiao, mas de outro lado, nab podia esquecer o seu passado cultural. A Devadasi na Imaginacio Romantica do Escritor Criador Na. sua obra A Literatura Indo-Portuguesa, Vimala Devi e Manuel de Seabra dizem que o tema da bail adeira "parece ter exercido uma estranha fascinacao sobre os poetas de Goa"(49). Qual seria a razao, ou antes, por que processo psicologico teria este tema passado, para exercer tal fascinacdo? Acabamos de ver que a conversdo teria despertado nos cristaos certa curiosidade nos assuntos da vida dos que habitavam na outra margem do rio. Dal, certa dose de saudade de um passado proprio esquecido. Esta saudade teria 1 evado os compositores a adoptar o tema da bailadeira nas cancOes folcloricas de Goa. Por esta mesma razao, parece-nos, o tema da bailadeira exerceu uma estranha fascinacao sobre o escritor indo-português. Prostituta sagrada, a bailadeira era cantadeira e dancarina. Estas func5es criaram a volta dela uma aureola nimbada de mito e lenda. 49. Devi, V. e Seabra, M., A Literalura Indo-Portuguesa, Lisboa, JIU, 1971: pag.328.. - 174 - Antes de mais, na antropol ogi a indiana, a mulher e o simbolo da Vida. El a é dadora da Vida. "Que é que os grandes homens poetas e criadores, nao homens de analise exigem da mulher? ... A iinica coi sa que el es tem exigi do das mulheres é Vida"(50). "Que simboliza a criacao? Quem da origem a homens e deuses? E Aditi, a mulher fecwida e formosa", iz Froiiaiio de ivieio(31). "0 brilho de Radha fez o chao em que ela ficou de pe tao brilhante como o oiro. E este fulgor na mulher mais que qualquer outra qualidade que impele os homens a toda a sorte de heroismo, marcial ou poetico"(52). 0 panteao hindu esta cheio de figuras masculinas e femininas. "Como urn macho puro, o Grande Deus é inerte, mas o seu "poder" e' sempre feminino e é el a que conduz as hostel celestes contra os demonios"(53). A mulher é olhada como Prakriti, Maya ou Shakti, a Eterna Energi a "sem a qual a accao é i mpossi vel "(53). A mulher representa a continuidade da vida da raca, uma energia que nao pode ser di vidi da ou desviada sem uma correspondente perda da vitalidade racial. Como escreve Frieda Das, a atitude fundamental do ari ano para corn a mulher é a de a tratar por ma (mae). E a atitude ainda do marido para corn a mulher(54). A funcao da mulher como fonte de vida e energia nao pode ser separada da sua funcao de mae. E aqui surge a pergunta: qual é a relacao entre a mulher e o sexo na antropologi a indiana? "0 Sexo", continua Frieda Das, "corn o seu acento na maternidade olhada como a sua mais alta expressao, sempre permaneceu, por urn lado, urn principio santificado di gno de veneracao; por outro lado, tornou-se o dragao no caminho ern di reccao a Ultima perfeicao. 0 sexo acentuou uma adoracao do principio feminino na di vindade corn a 50. 51. 52. 53. 54. Coomaraswamy, Ananda, The Dance ofShiva, Indian Edit. 1974, pag.136. Discursos, coligidos por A. Jeremias Lobo, "A mulher indu". Coomaraswamy, op.cit. pag.I37. Ibidem, pag.I37. Das, Frieda M., Purdah, The Status of Indian Women. New York, The Vanguard press, Inc.1932 ., pag.20. - 175- sua tendencia inerente ao arroubo espiritual, extatico"(55). Falando dos mitos em torno da mulher, no decurso da historia, Simone de Beauvoir diz que a mulher foi olhada como urn simbolo da fertilidade ou fecundidade. E por isso que a prostituicao religiosa foi uma maneira de "dar vasao aos poderes da fecundidade e canaliza-los"(56). Muitos dos festivais populares ainda hoje sao marcados "por erumbes de erotismo e a mulher aparece ai nab simplesmente como urn objecto de prazer, mas urn meio de chegar aquele estado de hybris, desenfreamento em que o individuo excede a sua medida"(57). Falando do lugar que a prostituicao religiosa tinha na India, A. S. Altekar diz que as devadasis "tinham uma posicao peculiar na India antiga. Como pessoas que tinham sacrificado aquilo que a olhado como urn ponto particular de honra numa mulher, (sua castidade), elas eram tidas em pouca estima. Contudo, a sociedade tratava-as com uma certa deferencia como guardias das belas artes. 0 cultivo destas tinha ja cessado noutras camadas da sociedade. Embora desprezadas em urn certo sentido, as prostitutas (dos templos) comecaram a ser respeitadas pela perfeicao adquirida nas belas artes"(58). Por todas estas razoes, a devadasi no curso da hi storia, embora tida em menos estima, nunca contudo foi desprezada pel a sociedade. Porquanto mulher, el a foi olhada como um simbolo da Vida e Energia; porquanto cantora e dancarina, como urn simbolo da Beleza. Nesta ordem de ideias, nao admira, pois, que a mulher tenha sido um tema da literatura, principalmente da poesia. Note-se que a grande maiori a dos poetas em todo o mundo foram homens. "0 poder da mulher sobre os homens", escreve Simone de Beauvoir, "deriva do facto de que el a os convi da genti I mente a uma real i zaca"o modesta da sua verdadei ra condicao; este e o segredo da sua sabedori a desil udi da, triste, ironi ca 55. Ihidem, pag.17, 26. 56. 57. Beauvoir, Simone de, The Nature (if the Second Sex, pag.177. Ibiclem, pag. 177 58. Altekar, A. S., The Position of Women in Hindu Civilization, 3rd Edit. 1962; pag. I81. - 176 - e amavel"(59). Tudo quanto a autenticamente feminino evoca interesse para os fins de representacao na literatura ou pintura. "Na mulher ainda a sua frivolidade, natureza caprichosa e ignorancia sao virtudes cheias de encanto, porque elas florescem aquem e adem ac mundo em que c home:: cscolhe viver mas em que d c nac gosta de "—it:4r se". Mais adiante , analisando a relacao entre o processo poefico e a mulher, Simone de Beauvoir diz que " é de supor que a poesi a recolhe aquilo que existe alem do pro sai co do dia-a-dia; e a mulher é uma realidade eminentemente poefica desde que o homem projecta nela tudo o que ele resolve nao ser. Ela encarna o sonho... aquilo que ele nao deseja e nao faz, pelo que ele aspira e que nao pode ser atingido. Ela encarna o Outro misterioso que é uma imanencia profunda e transcendencia distante..." A mulher é a propria substancia do trabalho poefico do homem. Sendo assim, compreende-se que "ela apareca como sua inspiracao: as Musas sao mulheres. A Musa medeia entre o criador e as fontes naturais donde ele deve haurir. 0 Espirito da mulher esta profundamente submerso na natureza e é atraves dela que o homem esquadrinhard as profundezas do silencio e da noite fecunda"(60). Que a imaginacao romantica do escritor indo-portugues tivesse transformado a bailadeira, de uma mulher frivola, uma simples dancarina e cantora que ela era, numa musa, isso ressalta do facto de que se lhes atribuiu uma origem lendaria quase divina. 0 poeta Mariano Gracias numa nota explicativa sobre o que sao as bailadeiras, escreve: "As bailadeiras sera() filhas das Opsaras? E essa varati (ragine e semideusa), nympha formosa,- de cabelo anelado cor de azeviche, que esta acariciando-o amante, trajada de branco, usando braceletes e fibres nas orelhas, nao guardando a fidelidade conjugal — essa di vi na mulher nao sera porventura filha tambem de uma clpsara, como Shakuntala, filha de Menaka, cipsara, on Urwaxy, outra cipsara?"(61). Num longo e bem elaborado estudo, A Mulher na India Portuguesa, Properci a Con-eia Afonso trata do problema das bailadeiras em Goa. Segundo Correia Afonso, 59. Beauvoir, Simone de, op. cit., pag. 207 60. lbidem, pag. 207 61. Gracias, Mariano, op. cit., pag.107 - 177- as bailadeiras "conhecem-se sob o nome de devadasi, serva de Deus, calvante, artista, vishvaioshita, a mulher do mundo, tees nomes que, nao sendo sinonimos, mostram os tees aspectos mais salientes da sua vida de miseria doirada". Quanto a origem dacasta das bailadeiras, Properci a Correia Afonso diz que "da14-nr4amna A.ivir.-" poi s "elas descender. ApsarL, ninfas de cer: de Indra". E interessante conhecer esta lenda descrita por ela. Segundo o Ramayana, estas ninfas sairam do mar "quando os Devas, genio s das esferas inferi ores e o s Ass uras, espirito s do mal , em I uta constante com os deuses remexiam as Aguas brancas de espuma em busca de Amrita, a ambrosia que faria deles imortais". Essas criaturas celestes "surgiram das Aguas e puseram-se a dancar. Tao sedutoras eram, tal o encanto que a danca lhes dava, que logo os Devas e os Assuras, esquecidos dos seus trabalhos, se lancaram em uma peleja para delas se apoderarem. Os Devas vitoriosos levaram-nas a Indra, o Deus supremo que logo as proclamou dancarinas do ceu, dando-lhes por companheiros os gandarvas, musicos celestes. Uma deusas deusas, seduzida pelo canto de urn mortal, enamorou-se dele e da sua uniao nasceu uma rapariga que, nao podendo estar no ceu, por causa da sua origem terrestre, foi confiada aos bramanes de um pagode, para nele ser educada. Foi a primeira devadassi. De pequena, arrastada por natural inclinacao, a apsarazinhapunha-se a dancar di ante das estatuas dos deuses. Cresceu e amou. Dos seus amores nasceram sete raparigas a quem en sinou a dancar nas festas religiosas e tres rapazes a quem coube o papel de gandarvas"(62). Esta lenda vem mostrar que, nos primordios da civilizacao vedica, a bailadeira, a devadasi, tinha em volta de si uma aureola cheia de poesia, romantismo e mito. Foi a epoca da ascencao da bailadeira. "A concepcao das apsaras", continua Correia Afonso, "e o culto da castidade tao louvado no Rigveda levaria os pais a dedicarem a di vi ndade suas filh as". Porem, mais tarde, quando tanto o Budismo como o Hinduismo ficaram afectados por aquilo que é geralmente conhecido por Tantrismo, "uma doutrina que teve origem na Bengal a no seculo V - VI e que é uma mistura de filosofia e ocultismo, misticismo e magica, ritual e etica"(63) — com a enfase posta no "culto da deusa, especialmente a Mae-Deusa, esposa de Shiva conhecida por vat-jos nomes", é que veio "o misticismo sexual e a sacramentalizacao do acto sexual". Tambem 62. 63. Correia Afonso, Propercia„4 Mulher na India l'ortuguesa," A Bailadeira",B1VG,N ° -9,1931 Leia-se o artigo "Tantras" em Dictionary of Oriental Literatures, Vikas Publ. House, 1975; edit. por Prusek-Zbavitel, Vol.11, pag.154. - 178 - "4' ■01.• , • • ‘- • ,• • 1 , k( II ■ IL NI ■ 111 , , algumas outras praticas que hoje sao consideradas repreensiveis tais como "a queima das viuvas conhecida como sati, o casamento de criancas, o sacrificio de animais, o infanticidio feminino e a pro stituicao religiosa das devadasis" tornaram-se comuns(64). "Nao admira", diz S. Radhakrishnan, "que nas filosofias tantricas o sexo se tome a base" (65). E, sem diivida, no contexto do desenvolvimento do tantrismo que "as mulheres desviadas que quisessem passar por santas, se teriam agregado aquelas (devadasis do templo), ...corrompendo a primitiva ideia como é natural e frequente em todas as instituicoes humanas"(66). Foi a epoca que marca a decadencia da bailadeira. Foi a partir de entao que a bailadeira comecou a ter urn significado ambiguo — uma dancarina celeste-terrestre descendente das apsaras ou ninfas, de urn lado, e uma prostituta, mulher perdida, de outro lado. E este caracter ambiguo da devadasi que teria atraido a imaginacao romantica particularmente dos escritores criativos portugueses da Europa ou da India A este prop6sito, diz P. Correia Afonso que "urn certo niimero de arte entra na vida destas desgracadas e a sua luz, para quem tenha olhos de ver, mais lugubre se torna a sua triste sorte. E talvez essa arte que tem exercido tanta fascinacao na poesia de todos os paises que tem tomado a bailadeira por seu terra". 0 proprio Camoes, o principe dos poetas portugueses e Tomas Ribeiro, o poeta de D. Jaime, que veio a India como Secretario Geral do Govern°, deixaram-se fascinar pelo encanto e pela grata da bailadeira. Eis como Te6filo Braga se refere transfiguracao da bailadeira na mente de Camoes: "A influencia d' este exotismo na alma de Camoes ficou representada pela forma encantadora da Endecha a hua cativa, corn quern andava de amores, na India, chamada Barbora (Rim., fl.159. Ed.1595) ...Camoes era urn homem da Renascenca e os herois e os filosofos da antiguidade • 64. 65. 66. Basham,A. L., A Cultural History of India, cap. "Medieval Hindu India". Radhakrishnan, S., Indian Philosophy. The Macmillan Co. 1962, Vol.', pag.122. Correia Afonso,P., op.cit. - 179 - classica incitavam-no a deixar-se seduzir: Eu nunca vi rasa Em suaves molhos, Que para meus olhos Fosse mais formosa Rosto singular Olhos socegados Pretos e cansados, Mas new de matar Pretideio de amor Tao doce a figura Que a neve lhe jura Que trocara a cor Leda mansidao Que o siso acompanha, Bern parece es tranha Mas barbara nab. Como poderia Camtles resistir a uma mulher que the cantava estrophes da apaixonada poesia popular indu e industanica? Urn pad como este: «Eu acordei pensandao em ti, sem ti nab hei contentamento...» bastava para accender-lhe todos os desejos... Em Cameies a exuberanci a da sensibilidade affectiva I evou-o a confessar que em amor nunca andou a urn so remo. A mulher oriental, uma floracao da feminilidade exotica fascina-lhe os sentidos corn urn perfume acre que hallucina e adormenta. 0 poeta Tido podia ficar frio diante da flexuosidade voluptuosa d' aquellas curvas que vivificavam movimentos que o envolveram; nem d' aquell es olhares langui dos de uma morbidez que magnetiza e quebra a vontade pelo desejo. Barbara era o typo da rapariga gentia nativa, de um moreno escuro, de uma rata inconfundivel corn a negroi de; brace , ecolmduastrebonzdumac plet,nasdvo pelo habito das dansas hieraticas, que the davam a todos os movimentos uma flexuosidade felina, envolvente, completando a seducao pelo fulgor estonteante de uns olhos negros, azevichados que provocam urn desejo infindo, que al umi am o sorri so da - 180 - bocca pequena, orlada de alvissimos dentes corn que mastigava as plantas aromaticas; um andar leve como de gazella solta; uma grata primitiva como de animal submisso, que se entrega a primeira caricia"(67). Alberto Osorio de Castro, dando-nos a suaimpressdo viva sobre as Endechas de Camiies, diz: "uma mulher India Thos inspirou, sem nenhwmq davida, P 1 im a pnhre calavanthe, alguma gracil escravasinha calumbina. Em Gaspar Correia encontram-se referencias as bailadeiras chamadas em concanim e marata Calavant ou Calvant; eram Deva-Dassi ou escravas dos Deuses. Eis o testemunho de Tomas Ribeiro emJornadas II:" Que filtros tera esta masica oriental que se insinua a nosso pesar em nos, que nos faz vontade de dormir para continuarmos os sonhos que principiamos acordados? A bailadeira por mais aceada que esteja anda e danca descalca nas pernas porem, sobre o tornozelo tern uma porcao de manilhas de prata, cadeias e pequenos globos sonoros de metal, que acentuam agradavelmente o compasso da sua danca; esta guisalhada argentina é as castanholas do Oriente". Urn outro elemento que vem corroborar a romantizacao da bailadeira na imaginacao do povo ou do escritor criativo e o facto de que a el as se atribui urn caracter extra-humano, fazendo-as consortes de elementos tao naturais quo romanti cos como arbustos e flores. Elas, "em crianca, sAo casadas corn arbustos ou flores", diz Mariano Graci as(68). Diz mais M. Gracias que ele conheceu "uma que era casada corn urn undo cravo vermelho -- a divina Sundorem, a Swarup-sundor." Nascimento Mendonca, outro grande poeta indo-portugues, tambem faz use deste elemento no seu poema Vatsala(69). A Bailadeira na Poesia Indo Portuguesa - Quase todo o escritor-poeta indo-portugues, tomou a bailadeira como um terra dos seus versos. Evidentemente, a maneira como o terra é tratado difere de poeta a poeta. A bailadeira — a cantadeira-dancarina do templo, "a mulher que nunca soube 67. 68. 69. Braga,TeOfilo, Camoes: Epoca e Vida, em Hist6ria da Literatura Portuguesa, 1872. Gracias, Mariano, op.cit. pag.107. Mendonca, Nascimento, Valsala, Bastora, pag.4., - 181 - o que é a honra", a "desigracadaque perdeu a dignidade", como dela di sse Francisco Luis Gomes, em Os Braluimanes(70)— esta ai nos versos indo-portugueses. E foi decerto a imaginacAo romantica que a colocou neste pedestal. Os poetas que escrevcram sobrc este tema Mariario Gracias (1 f!,71-1931), Pauline, Dias (1874-1919), Floriano Barreto (1877-1905), Nascimento Mendonca (1884-1926), Lino de Abreu (1914-1975), Eucaristino Mendonea , Clara de Menezes. MARIANO GRACIAS 0 tratamento do tema da bailadeira em Mariano Gracias tem de ser compreendido no contexto da sua inteira obra poetics. Longe da terra do seu berco, durante os anos em que cursava Direito em Coimbra, Mariano Gracias deixou-se fascinar pelo seu tondo natal. "0 facto de ter vivido", escrevem Vimala Devi e Manuel de Seabra, "quase toda a sua vida fora de Goa fe-lo cair num tipo de saudosismo sentimental de gosto muito discutivel"(71). Ele canta a beleza e a docura d' A Indiana (72).(*) Um sensualismo inocente perpassa pel a descried° da mulher indiana ora andando ritmicamente numa cadencia que faz lembrar a da arequeira ora bailando languidamente como uma bailadeira. Os seus I abios sac) de um vermelho da roma ou do pitkall (uma planta silvestre que produz uns frutinhos vermelhos-escuros) ou do brinddo. Os seus dois lindos seios, pequenos e duros, sac) redondos como dois jambos. 0 mesmo sensualismo aparece nos sonetos 0 Banho e 0 Serer°. 0 primeiro descreve a cena pitoresca em que Zayu, uma formosa dessayna (mulher das nobres famili as dos Dessays), despida do seu rubropitainbor, mergulha o dmbar poli do do seu 70. Gomes, Fco. Luis, Os Brahcimanes, Nova Goa, 1927, pag.171-177. 71. Devi-Seabra, op.cit. pag.319. 72. Gracias,Mariano,op. cii.,, pag.23-24. (*) Vide Apedice, Documentos, no fim deste capitulo. - 182 - corpo em flor, na piscina que, podemos compor nanossa imaginacdo, fica situada junto do templo hindu. No segundo soneto, duas mulheres, Dudha (significando leite) e Abolem (uma flor) falam entre si acerca do seu amor por Ravindra, enquanto bordam um tcholi (blusa). Abolem ama o moral de Ravindra; porem, a outra que admira as suas outras virtudes, afinal compreende que c =or frdgil como c fie. Para o seu imaginario, Mariano Gracias inspirou-se largamente na natureza em volta. 0 tema da bailadeira perpassa por quase todos os poemas do seu livro Terra de Rajahs. Na descried° poetica de 0 Cortejo Real, a bailadeira, dancarina que ela é, aparece como um dos elementos que formam o cortejo real: Formosas bailadeiras de olhos belos Com lotus de esmeraldas nos cabelos. Para Mariano Gracias, a mulher indiana e a bailadeira, em quem ressuma a sensualidade e a beleza do corpo feminino, parecem ser equivalentes. 0 tema da bailadeira é tratado de uma maneira especial no soneto Bailadeira e nos poemas dramaticos A Danca das Bailadeiras e Sundorem(73). 0 soneto Bailadeira é urn perfil a tacos largos de uma formosa dancarina do templo chamada Mogrem que, ao compor o seu gentil toucado, num ambiente muito pitoresco, mira o seu proprio perfil na agua e se enamora vaidosa da sua propria fronte como Narciso da mitologi a grega. A cena quase que confunde o poeta e desafia-o a descrever a natureza ou o catheter intimo dessa mulher que o arrebata. 0 poeta entdo ve nela os requintes de uma mulher fatal (femme fatale, como diriam os franceses) que se aproveita dos seus encantos e atractivos para ser causa da perdicao dos outros: 73. Ibidem, pag.49. pag.57-62, 69-83. - 183 - j,J r_ 'C C Mulher fatal que so a si adora Mulher que ri, mulher que nunca chora - Bailadeira, mulher que munca ama! A Danca das Bailadeiras é urn pequeno poema dramatic°. 0 pano de fundo é a cidade sagrada de Benares — a Jerusalem da India, como o poeta the chama — situada a margem do rio Ganges a que aromaticas resinas que ardem e feericos fogos de Bengala que sobem ao firmamento emprestam urn caracteristico colorido indiano. Varias bailadeiras sucedem-se tuna a outra. Cada tuna delas desata num canto-lamento a respeito da sua vida ou seu destino de amor. A cada uma delas urn Coro, expresslo ou resposta dos espectadores a sorte da personagem, muito a maneira do coro na tragedia grega, irrompe num clamor, em forma de uma quadra. A concepcOo da vida e o destino do amor destas bailadeiras resume e exprime, ao que parece, a concepcOo que o poeta tem a respeito delas: o verdadeiro amor esta para alem das aspiracoes de uma bailadeira e uma fatalidade pesa sobre a vida delas. A seguinte quadra posta na boca da bela Lakme a muito ilustrativa: Nunca nasce para freira Na minha casta a mulher Pois quem nasceu bailadeira Bailadeira hci-de morrer como diz o autor, feito de excertos de um poema dramatic° de sabor indiano. A cena decorre a beira da cascata de Arvalem em Goa, um lugar que a pena do poeta torna mais idilico e bucOlico do que na verdade ele é. Sundo rem é, A primeira parte do poema intitulado Nevrose de Amor apresenta Sundorem, uma bailadeira frustada no seu amor, poi s tendo sido maculada por Ens°, o domador de serpentes, foi abandonada por este. Agora junto da cascata de Arvalem, pensando no amor, ve de repente Raiu o famoso cacador de tigres. Por ele anela o seu coracOo. , - 184 - Num impeto de amor, Raiit confessa-lhe: Ainda to nao possui Ainda, nos meus fortes bravos Dos teus Mbios ndo colhi Ldneuidos beiios, tdo lassos Ainda nab sorvi, mulher Em ethereos devaneios A ambrosia do prazer Na tumidez dos teus seios. Raiit debate-se numa tortura: Ndo sei que fatal palpite De perder, o meu amor, 0 teu corpo de Aphrodite, A tua alma toda em flor!... E quedo-me assim tristonho Nesta tortura constante Porque o amore como o sonho Dura apenas um instante! Um desejo erofico supremo apodera-se de Rain: Beijar-te toda linda, toda nua. Uma diwida persegue o nosso cacador de tigres: 0 fogo dos teus olhos ndo me abraza Tuas moos entre as minhas sinto-as frias !... - 185 - Apos uma pausa de silencio em que ambos ficam a cismar, Rail' cone para ela e beija-a longamente e Sundorem, entre os bravos rijos e trigueiros de formas heroicas de Rail', some-se toda, numa alegria de crianca e entao ambos fazem mittuas confissOes de amor. A segunda parte do poem sob o tirzlo de A toilette, e mri monalogn d Sundorem. A cena decone no quarto privado da nossa bail adeira que, ajudada pel a sua criada, Dudha, faz a toilette para it assistir a representacao de um nataka (drama) acompanhada de Rail', seu actual amante. Sundorem admira as suas joias e ornamentos. JA ataviada, mira-se no seu toucador: Lindo!... como sou formosa Desde Lahore a Manaar Desde Birmcinia a Damao Por todo o grande Hindustclo Nab ha mulher, na-o ha raga Assim linda e tao airosa Que me possa comparar. Lembra-se gratamente de que, aos seis ou sete anos, tinha sido casada corn uma flor, como era costume fazerem as bailadeiras: Um swamy ja muito velho Com uma reza em maratha, Casou-me com uma flor: - Um lindo cravo vermelho. E agora, bonita e formosa, sonha o que fari a corn Rail': Que par tao encantador Para uma noite de amor Mirando-se ao espelho, acha que pode ser ainda mai s formosa enfeitando-se - 186 - com riquissimas j6ias. Pede entao a sua criada para as trazer todas. Agora Sundorem esti no auge do sentimento da sua formosura: E despeitadas, yes tu, Olham-me ate as estrelas!... Vai do sa sempre, torna a mirar-se ao espelho. Ni sto bate mei a-noi te. So s sobrada, vendo que a horaja passou e o seu Raiit nao vinha, num impeto de nervos arranca, uma a uma, todas as suas joias e an-emessa-as ao at Raivosa e desolada, desata num choro convulso: Ah! como sou desgravada! Nilo haver prazer nem nada Que o desejo satisfacal... Rama! que grande desgraca! Num arremesso de desespero, dirige-sea sua criada: Tu nao ouviste, Dudha, Sim, despe-me toda, ya! Lamenta entao a sua sorte: Ah! a minha dor infindal... E entao, Dudha, despindo-a, fica enlevada: Despida, é muito mais linda. - 187 - FLORIANO BARRETO Autor de Phalenas corn Uma Parte corn Assuntos Indianos, (*) publicado em Bastora em 1898, Floriano Barreto revela, nos poemas que constituem esta obra, "as ansias de urn romantismo ja um pouco decadente"(74). Seus versos, todavia, sao "vivos, soltos como visoes coloridas da sua Goa natal"(75). A bailadeira da India e o titulo de um dos seus longos poemas. 0 poema inteiro é um estudo de contraste entre os dois aspectos da devadasi: de um lado, a mulher que fascina e seduz a imaginacao romaritica do poeta e, do outro, a mulher que é, no contexto actual da sociedade indiana, nada mai s do que uma filha da desgraca e do vicio, porque é uma mulher de ma fama. 0 poeta debate-se num intimo conflito. De um lado, a bail adeira é para ele uma figura fascin ante, dotada de "eleganci a gentil do busto deli cado" que o transporta "a um mundo luminoso"; de outro lado, a bail adeira da indi a é "filh a da desgraca", para quern o vicio é o unico ganha-pao. 0 poema comeca com uma citacao em frances de Victor Hugo: "Oh, n'insultez jamais une femme qui tombe. Dieu sait sous quel fardeau la pauvre dine succombe". Esta frase-chave é, naturalmente, um indicativo do prisma sob o qual o nosso poeta contempla esta mulher de contradiceies. Adentro da sua formacao crista, Floriano Barreto, a maneira de Victor Hugo — que, nas suas obras literarias, tomou uma atitude cheia de nobreza crista no seu tratamento dos espezinhados e dos deserdados da fortuna durante a Revolucao Francesa— é cheio de nobreza, compaixao e sentimentos de aceitacao humana para corn a bailadeira. A estrutura do poema é a seguinte: cinco sonetos consecutivos, seguidos de uma longa estanci a de cinquenta e tres alexandrinos (ora emparelhados ora interpolados). Esta estanci a é por sua vez seguida de uma outra de noventa e cinco alexandrinos geralmente emparelhados. Apos esta segunda estanci a, vem um a terceira de vinte e tres (*) 74. 75. Vide Apendice, Documentos, no fim deste capitulo. Devi-Seabra, op.cit., pag. 173. Ibidern, pag. 173. - 188 - alexandrinos geralmente emparelhados. Os cinco sonetos iniciais sao uma glorificacao da bailadeira, a dancarina e a cantadeiraque seduz o poetaeo transporta ao "bralunanico mundo antiquado e loucao". No primeiro soneto, ela é apresentada como uma dancarina graciosa. A bailadeira tem os guisos nos pes. 0 poeta convida-a a tilinta-los com um tchim, enquanto saranguis desprendem lAnguidas docuras e harmonias. Os "finos sons musicais e sonoros" "semelham ao longe as Apsaras em coro". No segundo soneto, o poeta expressa num gran ascendente a fascinacAo da bailadeira. A &Karina toma-se, neste segundo soneto, uma"feiticeira". A imaginack do poeta visualiza "uma turba que se apinha" para ver o semblante da dancarina-feiticeira e a curva musical dos seus seios. No passo airoso e cadenciado ela tem o "donaire d'uma ondina ligeira" e "o ondear duma palmeira quando a brisa the beija a copa luxuriante". "A graca. ideal" com que a bailadeira fascina os seus espectadores é o terra do terceiro soneto. Ela é mais doce que a "rosa perfumada ao ondular numa haste" no jardim. 0 "fru-fru subtil do pano de seda" da nossa dancarina é mais delicado e suave do que o "do murmitrio d'um lago oculto na al ameda" ou o do "ciciar da brisa" ou dos "fremitos de uma ave". Ela é dotada de uma "voz melodiosa". "As notas divinaes, maviosas" do canto da bailadeira sac) singulares. 0 poeta implora a diva cantora a transportar com ela os espectadores "a um mundo de ballada" e "verter sobre a sua alma triste e maguada" maciezas de velludo e jorros de harmonia". Este é o motivo do quarto soneto. Finalmente, no quinto soneto, o poeta confessa o drama intimo que vai na sua alma romantica. Ele sente-se "transportado a um mundo luminoso" da India milenari a e misteriosa, com seus usos e costumes, reis, deuses e faquires, personagens, mitos e lendas. Entretanto, "o doce prazer" e o "gozo profundo" que ele sentiu, durou pouco "como a estrella cadente", pois, em breve, sua "alma desce a fria realidade". Qual é esta realidade social? E o que o poeta se prop& descrever nas tres longas estrofes de versos alexandrines. Ai, ele traca o quadro da realidade nua e crua das condicOes sociais em que vive a bailadeira da India. - 189 - Ela é "filha da desgraca" que "se enlameia no lodo, ela que na infancia" foi "uma flor meiga e pura, cheia de aroma e luz"... Numa apostrofe, o poeta interpela a bailadeira a que the diga quem foi que a "arrojou ao lado da ignominia", quem the "arrancou da fronte a coroa celeste". E o pr6prio poeta responde. Ha uma lei -- a lei do Karma, sem diivida que the lancou no fragil pulso "escandentes algemas", uma lei que "nao tolera uma queixa", e é marcada pela "ideia do fatal". Ser bailadeira é a sorte da dancarina do templo. Em virtude do fatalismo da lei do karma, a bailadeira deixa-se "resvalar as profundezas do abysmo". 0 poeta sente-se invadido por uma tristeza e chega a sentir na sua alma um desejo santo de chorar, ao pensar "nesta sorte ruim", "na amargura" da mulher que o seduz, atrai e fascina. Na segunda estrofe, Floriano Barreto descreve as forcas que condicionam a vida da bailadeira. "Apsara encantadora aos olhos de quem pensa", ela é uma "estatua animada" "cuja fronte cingia a luz da madrugada" quando veio ao mundo. Contudo, a sociedade aniquilou nela a forca da vontade como que coin o fim de a proibir de praticar a virtude. A religiao fez dela uma escrava. A velha lei hindu segregou-a numa casta— a das dedicadas para o canto e a danca (enquanto a outra casta é a dos tocadores): "Quando a bailadeira canta e danca em varios casamentos, aufere eventuais e parcos elementos dos seus meios de vida". A ocasiao do natch ou danca, é tao pouco repetida que é dificil crer que o ganho dela bastasse para ela ser honesta e pura por toda a vida. As leis sociais — que em Ultima instancia sao fatais, pois é "Deus que ordena" — sao tao inexoraveis que "nenhum hindu queira fazer sua mulher e sua companheira da mulher que dancar em palico na praca". Em suma, a bailadeira nao é, na opiniao do poeta, "a meretriz descarada e devassa que negoceia a honra e que profana a grata". Antes, ela é uma mulher que caiu vitima nas maos do Brahama e a sociedade, que seguiu a sua "sina" e "pelo fatalismo" caiu "a resvalar nos tremendaes d'abysmo". Dai, ela nao merece "desprezo" mas somente "a nossa compaixao". - 190 - Na terceira estrofe, o nosso poeta aconselha a bailadeira a seguir a "estrella nefasta" que presidiu um dia ao nascimento infausto que a "sacrificou no altar da honra e do bem", claramenteporque este é o unico caminho que the resta. Porem, ha uma restea de esperanca para a dancarina-feiticeira, a saber, tomar "as formas ideals da Venus Florentine, tomar na sua danca "o endear da palmeira", fascinr a gente corn a sua beleza. 0 resultado sera que a bailadeira despertara sempre "em coracoes devassos, fremitos de voliipia e languidos cancassos" e "numa alma de luz, num espirito forte, sentimentos de d6, de compaixao, de pena, pelo triste porvir, pela misera sorte a que a religiao" a vota e a condena. NASCIMENTO MENDONQA E VATSALA (*) 0 Enredo do Poema Vatsala Considerado como "o maior poeta indo-portugues"(76) ou, como Ethel Pope disse, "a figura mais vigorosa na literatura indo-portuguesa"(77), Nascimento Mendonca explorou o tema da bailadeira com a mdo de um poeta consumado, na sua obra-prima Vatsala "Um poema de grande densidade emocional"(78), Vatsala "encerra passagens perfeitas de ritmo e poesia"(79). 0 assunto do poema podia ser resumido assim: uma donzela hindu, Vatsala, da classe das bailadeiras, conscia da sua mocidade e formosura defronta Uma labrica visa() monstruosa e diving. Ela poi sa o olhar angustiado no corpo de um Rixi hirto e semi-nu estendido (*) 76. 77. 78. 79. Vide Apendice, Docuinentos, no fim dente capitulo. Devi-Seabra,op. cit., pag.315. Pope, Ethel, India in Portuguese Literature, pag.267. Dias, Filinto Cristo, Esboco da Literatura Indo-Portuguesa, Bastora, 1963, pag.55. Devi-Seabra, op.cit., pag.316. - 191 - sobre uma pele de tigre. Ela ve-se a si propria em contraste ao rixi: el e é casto e asc,etico e o seu coracao como um cofre inviolado Onde nuncafulgiu o luar dos quimeras Puro e sereno como as Virgens sem pecado enquanto ela é bela ate ao ponto do ser lasciva e sensual, uma jovem que De perfumes ungiu seu corpo de rainha e vem por beijo dele ardente que alucina. Num apelo doido e supremo, ela pede-lhe: Ah, liberta-me to da cobica dafera. Mas o rixi concentrado, na sua atitude ascefica, na contemplacao do misterio do Transcendente, faz troca da solicitacab irresistivel da bailadeira. Ela volta corn as suas blandicias de sedutora: Fujamos, o Maraj para as florestas ...Vamos! Ha jangles no pais que a tua Lei lido sondes. Tu has-de ver ali os Deuses que ignoramos Sem as tiaras de sdndalo e os ventres em rosca, Deuses que sabem rir e saltam pelos ramos... 0 contraste entre ela e o asceta esta bem presente na mente de Vatsala que, todavia, intenta, por todos os meios, uma so coisa: Ah, deixa-me beijar-te e cumpra-se o destino, Eu so quero beijar-te e cair na voragem. Entretanto ela deita na escudela de pedinte o leite de vaca preta envenenado, e o rixi morre empeconhado. Entao, Vatsal a cone a beijar a boca do asceta e, senfi ndo-a fria, exclama: Urn cadaver to es, o doce peregrino Moro, nab mais direis que sou a came impura, Nilo mais me afastara o teu gesto felino. - 192 - Umanuvem de embriaguez turvao espirito da mulher e, num instante, como que aclarando-se dela, a bailadeira exclama: Nunca mais, nunca mais, como Apsaras nocttimbulas Tuas palavras de oiro lu7o-de embalar minha alma, Quando fulzem no ceu as estrelas soncimbulas. Enquanto arde lenta a fogueira do Mahatma, Vatsala recorda, numa intima revolta, a sombra da noite em que sua mae a vendera a um mercador bramane e desdobra-se nestes lamentos: Minha mae deu-me o cetro infamante do Vicio; E pequenina era eu como um lotus abrindo, Antes me dera o fel e o barbaro cilicio. Em vdo, em vao sonhei um sonho clam e lindo Para o amor eu nasci... Que e feito do meu sonho? Que e feito, Madeva! dos meus rosais florindo? Meu coraccio morreu num temporal medonho. Ah, porque sonha o ceu a mulher que se vende? .Enquanto Vatsala medita triste na sua sina maldita, canticos acompanhados de murdangas, dancas de bailadeiras, perfumes e ritmos exoticos formam o ambiente do lugar da pira. Desfilam entao urn Sadhu, urn Puroito, um Boiragi, ulna Brdmine, cada urn deles afirmando num breve ou longo poema, a sua fe na doutrina do Maya e na grande verdade de que so a Morte traz paz e descanso. Entretanto, Vatsal a continua, ora chi span do de volupi a, ora mei ga e medi tabunda, numa luta tempestuosa entre os desejos que the escaldam o sangue e as subitas viragens a calma e lucidez. Chega, enfim, o momento supremo. Poe a sua mao tremula sobre - 193 - a fronte do Mahatma e, entao, como que redescobre o significado da Vida e da Morte: A morte nunca engana Ouvi dizer que nao avilta coracaes Entregar-me-6 talvez, reconciliada e humana, Presa a ti, meu amor, num confibio bendito, A Vida que jamais foi abjecta ou tirana. Depois lanca-sea pira num derradeiro brado: Posso enlacar-te enfiml Tu pertences-me Esfingel As chamas envolvem os dois corpos unidos num amplexo eterno. Vatsalei: Uma Interpretacao 0 quadro e as personagens deste poema fundem-se perfeitamente corn a paisagem da India historica e romantica. A bailadeira, a dancarina dos deuses, o rixi, o sadhu, o puroito, os chelas , o bramane sao parte da alma da India tanto quanto o sao as montanhas sagradas, as florestas, os templos e osrios. Sao-no igualmente o ambiente da natureza em que decorre a cena - "o viso de urn verde oiteiro", sob uma alta figueira sagrada, uma aldeia distante a sorrir, urn pagode da deusa Cali, o casamento de uma devadasi com urn hibiscus, o som do murdanga, do sarangui, lampaddrios de prata mareada a arderem, manilhas a tilintarem — e a pira em que finalmente arde o corpo da bailadeira enlacado ao do rixi, lembrando a pratica do sati. A primeira leitura, Vatsala evoca urn quadro muito comum na india: o do encantador da cobra e a cobra capelo. Contudo, enquanto é raro o encantador ser mordido pela cobra (que é domesticada) e morrer em consequencia da mordedura, o drama de Vatsalei gira em volta do envenenamemto do rixi inocente e puro, por uma criatura virulenta e a consumpcao final do agressor junto corn o agredido. No piano literario, o poema leva a imaginacao do leitor a associa-lo com dois dramas, ambos corn timbres retintamente poeticos: urn é o genuinamente oriental, - 194 - Sanyasi de Rabindranath Tagore e o outro distintamente ocidental, Salome de Oscar Wilde. No Sanyasi, Tagore apresenta um sanyasi, um asceta que."nao tern nem exiio nem t apego no seu coracao", ern dialog° corn uma moca, Vasanti, que diz: ,"Eu sou a polucao, corno me chamam"; elanao tern nem pai nem mae e ansei a por estar corn o asceta. Este permite a Vasanti ficar ao pe de si sem,•cOntudo, a deixar aproxirnar-se de si. No rnundo, nao ha abrigo para ela, pois o rnundo é "urn precipicio sem fundo", "um rnercado de ilusoes". Porem, uma transformacao comeca a operar-se no asceta desde o moment() ern que Vasanti pousa a sua face sobre a indo do Sanyasi ate que afinal ele renuncia o seu estado de asceta e vai a procura da moca. Nessa altura ironia do destino —, a moca ja nal° é dos vivos. Salome de Oscar Wilde é a dramatizack de um episOdio biblico ampliado (Mc. 6, 17-29). A Biblia diz-nos que Joao Baptista, o precursor de Cristo, tinha sick) encarcerado por ordern de Herodes, porque o precursor deitara a cara do rei que nao the era permitido tornar por sua rnulher Herodiade, esposa do seu irmab Filipe. Na festa do aniversario natalicio de Herodes, Salome, filha de Herodiade, danca corn tanto primor e encanto que Herodes promete sob jur' amento a menina dar-lhe tudo o que ela pedir. Salome pede entab num prato a cabeca de Jbao Baptista. Muito pesaroso, Herodes ordena a degolacao do Baptista. A cabeca é, entdo, trazida num prato e dada a moo. Nesta altura, Oscar Wilde -implia o episOdio biblico para the dar urn desfecho dramatico: Salome é apresentada conio uma moca ern amor secreto corn o Baptista. NaO tendo conseguir seduzir o profeta na sua vida, al canca-o na sua morte. Logo apOs ter a cabeca decepada do Baptista nas suas maos, Salome lanca-se num amplexo corn beijos do amor. Herodes, horrorizado, perante a monstruosidade da rnulher, ordena aos guardas: "Matai essa rnulher". Associar Wilde e Tagore corn Nascimento Mendonca e talvez algo exagerado. Mas talvez neste confronto seja possivel projectar alguma luz nova sobre esta obra-prima da literatura poetica indo-portuguesa e chegar a uma admiracao major pelo engenho e a arte do poeta. - 195 - Nascimento Mendonca e, sem duvida, "o mais teliuico" dos poetas indo-portugueses(80). Ele foi o "poeta que melhor cantou os motivos indianos"(81) pois possuia "a imaginacao impetuosa dos Portugueses combinada corn a sensibilidade Indiana" (the impetuous imagination ofthe Portuguese combined with Indian sensitiveness)(82). Nos seus delirios, nas suas alucinacoes, Nascimento Mendonca tinha sempre o culto da mulher, taco caracteristico da sua sentimentalidade, da sua paixao. Nessas visOes de imagens frementes que na sua retina resplandeciam, reflectia-se perfeitamente a essencia do sentimento da sua alma. Era intenso o seu sensualismo, mas todo infimo; manava da alma limpa e cantando as volApias e ondulacoes suaves dos corpos das suas Apsaras, via-as tais quais elas eram no Ceu da sua imaginacao, imagens vaporosas, translircidas, inacessiveis a toda a especie de impureza"(82a). Corn a sua sensibilidade indiana, Nascimento devia compreender bem que, na visa° indiana, a mulher é o ser "dotado das qualidades passivas de castidade, modesfia, devocao e capacidade de se sacrificar numa medida muito maior do que o homem o 6. E esta qualidade passiva na natureza que transforma as suas forcas monstruosas ern criacoes perfeitas de beleza — domesticando os elementos selvagens para uma delicadeza de ternura aptapara o servico da vida" (83) e que "Deus tern enviado a mulher para amar o mundo que a urn mundo de coisas e eventos ordinarios"(84). Mas, ao mesmo tempo, a sua imaginacao impetuosa, tipica dos Portugueses, levou-o a escolher para a heroina deste poema nao uma mulher corn qualidades pas si vas, mas uma devadasi desprezada pelos mortais, para a transform ar num a cri atura eterea das regiOes do Eros Platonic°. 80. Azevedo, Carmo de, "Nascimento Mendonca" em BIMB, Panjim, Goa, 1985, No.146, pag. 41 81. Costa, Adolfo, "Nascimento Mendonca" em BIVG,no. 2, 1928 82. Pope, Ethel, ap.cit.,pag. 277 82a. 83 Silva, F. A. Wolfango da, "Proemio",em Valsala, Tip. Rangel, Bastora, 1938, pag. V. Tagore, Rabindranath, "Woman" em Personality, Macmillan & Co., London. 1961, pag. 173 84. Ibidem; Kakar, Sudhir, , The Inner .World, pag.66-67. IA - 196 - Nascimento era um esteta, um poeta parnasiano. Toda a sua obra poetica revela que ele cultivou a arte pela arte. A imica preocupacao do poeta era transmitir o belo, o sublime. Cada linha que saiu da sua pena foi o resultado de um trasbordar espontfineo das suas emocaes poderosas. Porem, esta sua qualidade ficou simultaneamente marcada corn os desvairos causados "pelas nuances esquisitas do seu temperamento artistico e boemio"(84a). "A boemia do espirito trouxe-lhe a boemia da vida, e no destrambelhamento da sua organizacao é preciso procurar a origem da sua morte tao precoce"(84b). Estas duas facetas do homem nos ajudarao a compreender as forcas intimas que o levaram a escolher a Mulher e o tipo da mulher que é Vatsala, como o tema e a personagem principal do seu poema. No decurso da historia universal, o sentimento do homem, nas profundezas do seu ser, a respeito da mulher tern si do a verdade de que a mulher a uma especie de urn mysterium profundum. A mulher, como object() da admiracao da parte do homem, como tema da sua poesia, deve "encarnar o maravilhoso florescer da vida e, ao mesmo tempo, esconder os seus misterios obscuros". Ao contempla-1 a, o homem deve chegar a esquecer-se de que "a morte jamais reside na vida"(85). No decurso da historia, "certos homens reconheceram-na como a mulher bendita dos seus sonhos; mas os outros, apenas como a mulher maldita que desmente os seus sonhos. Na verdade, se o homem pode achar tudo na mulher, isso é porque ela tern ambas estas faces: ela represents numa maneira carnal e viva todos os valores e anti-valores que dao sentido a vida"(86). Estard aqui a razao por que os poetas in do-portugueses e, muito particularmente, Nascimento Mendonca, escolheram a devadasi, a dancarina do tempi o hi ndu para tema ou personagem principal dos seus poemas. 84a. 84b. 85 86. Costa, Adolfo, /oc.cii. Ibidem Beauvoir, Simone de, op. cit., pag. 183 Ibrdem - 197- Vatsala: A Devadasi Metamorfoseada Todo o homem e, muito particularmente, o poeta aspira por fazer triunfar o espirito sobre a vida carnal, a accao sobre a passividade. Dai, as personaaens aue povoam suas producoes — poeticas, literarias, artisficas — s'ao criacOes cinzeladas e sublimadas. Tal sublimacao pressupoe tuna consciencia mitica e tnito é outro nome generic° dessa sublimacao. Na literatura universal, a mulher tern sido projectada sob varias luzes, muitas vezes contraditorias tais como, idolo, serva, fonte da vida, poder das trevas, silencio elementar da verdade, artificio, bisbilhotice e falsidade; ela é a presenca que cura, a bruxa, a cativa do homem, sua queda. Ela é tudo o que ele nao é e aquilo por que ele anseia; sua negacao e sua razao de ser. Eva, Maria, Antigona, Medeia, Lady Macbeth, Xacuntala, Cleopatra, Salome, Dalil a, Judite sac) varios tipos estilizados na literatura. Quando sublimada na literatura, a mulher é admirada ou mitizada ern virtude da sua virgindade, juventude e beleza. Vatsala nao podia, por obvi as razoes, ser sublimada porNascimento Mendonca em virtude da sua virgindade, pois ela é simplesmente ... A mulher gue se vende. El a é uma "mulher perdida". Mas Vatsal a danca di ante da imaginacao romanti ca do poeta em virtude da sua Beleza, e Juventude. Descrevendo-se a si propria em imagens vivas, ela diz: Sou moo e sou formosa ainda Eu sou a graca, o vivo, a luz das primaveras Eu sou a graca ainda Nada perdi por esses asperos caminhos. - 198 - Esse encanto da mulher aumentado com as joias, ornamentos e perfumes — Vatsala é uma bailadeira chei a de joias e gw so s, suave peregrina que "de perfumes ungiu seu corpo de rainha" — opera nela uma metamorfose e faz dela um idolo, uma feiticeira, fascinadora, encantadora, um idolo ambiguo. Esta ambiguidade transparece no contraste da bailadeira com o rixi. Ela revela-se nestes termos: Eu sou como uma deusa, a teu lado sozinha E lembra o meu olhar a timida chitela. Bern sei que es casto; e ntio yes que sou bela? Sou a torre-do-sonho, airosa e luciolante 0 retin9 de amor das almas doridas. Engrinalda-se ao ver-me a alma solucante. Ela é "tao Linda e tao moca ..." e por isso convida o rixi a vir "beber sem destino, a minha fonte clara a agua das ilusoes que enfeitica e remora". Mais adiante, ela diz: Vinham rajas beber, palidos e sedentos As aguas do meu banho, encantadora ambrosia. Perfumavam meus pes corn suaves unguentos Rubras bocas febris onde o desejo estua Era como um pendik a flutuar aos ventos 0 meu corpo moreno, a minha came nua, Poisava o meu olhar nas almas laceradas Como a sombra de um sonho e a caricia da lua. Ao lado desta feiticeira ou idolo ambiguo esta o rixi casto cujo coracao é "como urn cofre inviolado onde nunca fulgiu o luar das quimeras", ele é urn "Deus", "urn bronze sem mancha", "alguem como eu (a bailadeira) jamais sonhara por consorter". - 199 - Ele é uma criatura que vive de ideais extra-mundanos, na regido do Maya: Que sonhas tu na noite imensa quite envolve? pergunta-lhe Vatsali. Em sua cabana, a morte entra com a mensagem da verdade que ele sonhou. Para o rishi: morrer é renascer no ventre Do lotus que é so luz e jamais tomba da haste. A frente do rixi a bailadeira compreende que So vale a vida se é desejo realizado. Se é sonho, se é Mentira amorosa e fecunda. Esta feiticeira é, a primeira vista, traicoeira e perfida, a mulher fatal —femme fatale, como diriam os franceses — que se aproveita dos seus encantos e atractivos para fazer daquele que ela julga ser seu amante sua vifima. Oscar Wilde poe na boca de Salome, quando esta tern nas maos a cabeca decepada do Baptista, as seguintes palavras: "0 misterio do amor é maior do que o misterio da morte. So deviamos pensar no amor Havia urn sabor amargo nos teus labios. Seria o sabor do sangue? Mas talvez seja o sabor do amor... Dizem que o amor tern um sabor amargo." (... the mystery of love is greater than the mystery of death. Love only should one consider... There was a bitter taste on thy lips. Was it a taste of blood? ...But perchance it is the taste oflove... They say that love hath a bitter taste...) que parecem ecoar o Ccintico dos Ccinticos (8, 6-7): "o amor é forte como a morte, a paixdo cruel como a tumba..." A maneira de Salome, Vatsala — mas esta sem a perfi di a triunfante daquel a — ao poisar sua mao sobre a fronte do Mahatma morto exclama: E contudo tu es das minhas ilusoes - 200 - Aquela que amo mais ... A morte nunca engana Ouvi dizer que nab avilta coracoes. Posso enlacar-te enfim! Tu pertences-me, Esfinge. Vatsala: Uma Personificacao, Um Arquetipo ? Vatsala 6 a obra de um esteta que procura dar expressao a sua intuicao da beleza jovem feminina e relaciona-la com a perfeicao espiritual e transcendente que habita o mundo material. 0 poeta sente no seu intitno e traca com a sua mao de poeta e esteta, o drama da co-presenca perigosa do egoismo-luxuria e a espiritualidade. Vatsala simboliza o ser human. 0 Rixi , pela sua vida de oracao, sacrificio e austeridade, e uma criatura alheia a fealdade, torpeza e riquezas deste mundo. Por isso mesmo ele 6 um ser esbelto e cheio de encanto que possui a verdadeira riqueza de que todo o homem realmente precisa: o desapego ao mundo material. Vatsala, a bailadeira, e o Rixi sao arquetipos. Ela nao e simplesmente uma criatura coin laivos de lascivia e sensualidade. Nem 6 ela simplesmente a mulher fatal. E de nao 6 puramente o homem de Deus, austero que nao se move perante as blandicias e as seducOes da tentadora. Ambos des sao mais do que isso. Vatsala 6, antes, o simbolo da deusa paradoxa Kali a quern a filosofia Sankhya elaborou no arquetipo de Prakriti (Materia) e the deu os tres gunas ou atributos fundamentals de sattvas, rajas e tamas significando bondade (a bondade que afaga e nutre), paixao (sua emocionalidade orgiastica) e trevas (profundezas negras quase infernais)(87). Vatsala tem todas estes tees atributos. Na mitologia indiana, a deusa Kali 6 negra, insuficientemente vestida e danca 87 Jung, Carl Gustav, "The Principal Archetypes" em The Modern Tradition, pag. 653-654 - 201 - em um frenesim doido perante o corpo prostrado do seu marido. Ela é uma deusa que incute terror e destroi a vida em grandes proporcOes(88). Por sua vez, o rishi envenenado pela bailadeira é simbolo de Purusha. Na filosofia Sankhya, Purusha e a alma, com a sua individualidade e realidade, inactiva, que fica para cima de qualquer especie de experiencia de dor, prazer e desejo(89). 0 mito filosofico apresenta Prakriti dancando a frente de Purusha, a fim de the recordar o "conhecimento discernlvel"(90). Na teoria bramanica, o Ideal é insaciavel como o Amor e a Ambicao é incomensuravel como o Infinito S6 a Morte é salutar, perfeita e purificadora(91). Sendo assim, a morte da bailadeira enlacada ao rixi, nas chamas da pira é a consumacao final que purifica e transforma. PAULIN() DIAS E A DEUSA DE BRONZE (*) A Deusa de Bronze um poema de 83 tercetos em alexandrinos retrata uma bailadeira, Bhavani, que se enamora de uma cobra-capelo e, finalmente morre do seu veneno. "Caracteristicamente original, so o titulo é como se fosse o resumo de uma mitologia inteira"(92). A primeira leitura o poema é de dificil percepcao, visto que Paulin, usando uma linguagem altamente sugestiva e simbolica, evocativa da vaga e nebulosa cosmogonia indiana e do substrato damitologi a de que esta tecida a so ciedade indiana, deixa que as reficencias abundem e os contornos fugidios encubram a ideia principal. Mas,lendo-se o poema mai s atentamente, ve-se que o autor levado pelo seu ideal sombreou "qual Rubens em verso", um quadro estranho "a fim de apresentar em toda a nudez o feiticismo do amor"(93). 92. Thomas, P., op. cit., pag. 27 Ibidem, pag. 39 Jung, Carl Gustav, loc. cit. Gracias, Mariano, Epigrafe ao poema "Metempsicose" em Terra de Rajahs Vide Apendice , Documentos, no fim deste capitulo. Costa, Adolfo, "A Deusa de Bronze" em 0 Heraldo, 31-7-1909 93. Ibidem. 88. 89. 90. 91. - 202 - 0 facto de que, quando o poema foi publicado pela primeira vez em 1909, apareceu na imprensa local urn grande niunero de artigos criticos e ainda urn poema da autoria de Jose Joaquim Fragoso(94), é sinal de que esta obra de Paulino Dias foi encarada sob varios prismas e considerada como susceptive) de varias interpretacoes. A Deusa de Bronze é como se fosse uma peca de teatro em urn acto. 0 pano de fundo é uma paisagem quimerica, quaseirreal, criada por uma fantasia intensamente oriental. Que outra coisa se poderia dizer quando o poeta usa expressoes tais como -- porta de marfim, altas ogivas bordadas de esmeraldas, brocados gloriosos, panos vermelhos bordados durante seculos pars descrever o pano de fundo? 0 seu enredo desenrola-se por meio de urn monologo, posto na boca da personagem principal, a bailadeira Bhavani. Mas o monologo é uma expressao do drama sombrio em que se debate nao apenas a mulher mas o pr6prio autor. "Sao os dois, o autor e a criacao, que lutam nele", escreveu um critico(95). "E um dialogo soberbo que elle entreve sob o acento duma Unica voz que se modula ao sabor de incidentes"(96). Nos trechos descritivos o poeta procura "representar e colorir cada vibracao da mulher tragica, todas as faces do seu espirito, cada movimento do seu coracao"(97). Que tipo de mulher é essa, criada pela intensa emotividade de Paulino Dias? Como o titulo indica, a imaginacao do poeta vestiu essa mulher, a bailadeira, de bronze pars a erguer, qual deusa, num pedestal de oiro. Tem ela os seus adoradores: herois que me v'em com a gloria e os perfumes Por meu corpo sem mancha e o meu cabelo alto. 94 95 96 97 Fragoso, Jose J., "A Deusa de Bronze" (poema) em Heraldo,20-11-1909 Pereira, Marques, "A Deusa de Bronze" em Heraldo, 10-10-1909 Mira, Rafael, "A Deusa de Bronze" em 0 Heraldo, 22-12-1909 Pereira, Marques, loc. cit. - 203 - Mas nab é facil definir-lhe os tacos, pois ela a como se fosse "um resumo duma mitologia inteira". Dando-se a conhecer a seus espectadores, ela diz: Eu sou a deusa de bronze impassive) e dura! Quando eu nasci, meu pai, forte como uma torre, Vencedor de nacOes, rei de vasta armadura, Deu-me urn leite cruel corn que a piedade morre, Exilou-me a um pais de torturas estranhas; E o sangue de leoes que em minims veias corre. - Minha mae, minha in& é o venire das montanhas: Eu tive o corac'do das rochas de basalto E nao tremem no abrir minhas duras entranhas. A imaginacAo torturada do poeta apresenta-a, quando a cena se abre, diante da pl atei a, nua e como que num "orgasmo leonino"(98). Ha um sensualismo e um erotismo exOtico. A cena abre corn Bhavani no acto de despir o sari branco e soltar o imenso' cabelo cortado de ondas e exclamando: O meu corpo, o meu corpo, 6 forma altiva e linda O meus seios a arder terriveis e robustos Todo um mundo de pompa e de ambictio reune-o Meu corpo intacto e nu na alta torre d'oiro. Uma comocao rara de febre e de lascivia sacode as fibras intimas do seu ser e a faz delirar de desespero na alta torre de oiro: Quern é que me chi na boca o beijo extraordinario? Sinto subir meu sangue assim como a cicuta. A minha pele untei de essencias imprevistas, Para o beijo do amor oculto e veemente, Deixei o reino imenso e as glorias das conquistas. 98 Fragoso, Jose J, loc. cit - 204 - E doida e linda eu you para o conzibio ardente. Junto dos reis, tal como a prostituta, nua, 0 que é que eu sinto? Ai... o ventre insatisfeito, E o delirio a crescer como a mare que estua. Bhavani nab é umamera bailadeira. Sem dirvida,ela é uma tal que unta de "oleo glorioso os seios", se atavia com "braceletes cravejados de carbimculos e ...manilhas" em forma de cobras, como se preparasse para dancar. Ela é uma bailadeira evocada por uma imaginacao torturada. Ela é um ponto de encontro de uma contradicao desoladora das mais dispares paixoes. Donde, perpassa nela o sopro do contacto com a natureza primitiva e brutal. Com o seu noth (99) que, diz o poeta, é "feito de pedra mistica arrancada outrora a um capelo admiravel por meio do sacrificio de cem criancas de leite", e os guisos nos pes, Bhavani exclama: 0 que é que eu nib senti? Que agudo sobressalto, A fe, ou a compaixtio que em noites d'alta lua Dobra o peito da fera e a rocha de basalto? Olha-me, 6 terra vasta, altos azuis saudosos, O montanha, 6 montanha, 6 forte mae imensa Dos leaes d'altajuba e dos tigres queixosos. Ela foi alimentada de "urn leite cruel corn que a piedade morre". E nas suas veias é o "sangue de leOes" que cone. Neste quadro de tumultuosas paixoes, o erotismo exotic() de Bhavani é urn sensualismo que "nao aspira a gozar delici as moles num coxim doce e macio corn urn raja, corn qualquer daqueles "herOi s que lhe vem corn a glOria e os perfumes..." Mas antes pelo contrario. "Rainha al ti va e triunfante despreza-as corn uma al tivez que toca as raias de loucura sentindo, porem, a ansia de pisar reis de triunfantes bustos"(1 00). Contorcendo-se em buscar em vao "a incognita esperanca", Bhavani sente a 99 100 joia que adorna a narina Mira, Rafael, /oc. cit. nostalgia dum ideal superior. E quando se exprime saudosa (las Ayes a trilar, as miles e as criancinhas e ulula lugubremente: Sinto um clarlio em mim, sublime, desmaiando 0 que é, o que é, deva! que estranha nostalgia. Dum pais que eu sonhei e new me lembro quando... Esta saudade pela vida pura e sem macula ressalta iniludivel do terceto: De que me val' a beleza altiva peregrina? Sem uma barreira, livre, aos ventos e os espacos, Chow de sede como a mulher libertina. 0 monolog° repetimos da deusa é antes um dialog°, ele esta entremeado de descricOes do ambiente e do quadro que o poeta tenta formar na mente do leitor em prosa "que as vezes tem mai s cintil noes magi cas do que alguns dos versos"(1 01). Duas personagens absorventes entrain lá em cena. Antes de mais, a Natureza que se revela muito amiga sua, e nutre por ela o carinho duma mae e conserva no coracao daquela diva criatura um amor imenso. Dai, aqueles anelos, exclamacOes e apostrofes pungentes. Uma grande luta se trava no fundo da alma de Bhavani, que num esforco sobre-humano tenta recal car o turbilhao das paixoes, das magoas que ameacam trasbordar as paredes do seu coracao: Ei-lo o solposto a arder, o mar e as andorinhas Olha-me 6 terra vasta, altos azuis saudosos. Guardai o meu perfil na fantasia intensa Semi-nua a tremer na alta torre d'oiro Como dum olho amado a lagrima suspensa. 6 solposto no mar, 6 ceu ardente e loiro! Quern vos dissera a vos, lindas formas suaves, Que a noite pode a hora de um mau agoiro... 101 Ibidem - 206 - Se a Natureza simpatiza com ela neste transe, a outra personagem, a Humanidade, porta-se com desdem e altivez, "nab sabendo e nab querendo compadecer-se da sua desgracada sorte que come ao sabor diuna negra fatalidade"(102). Face a Humanidade, Bhavani, ela tambem em atitude de desdem e altivez, deixa sair dos seus labios tremulos, uma expressab de desespero tragico que é "a imagem do entrechocar desvairado e surdo dos pensamentos mai s opostos e desencontrados": Que importa que o meu nome malfazejo Seja nas eras como maldicao lancada? Bhavani "nab desafia essa figutannais impassivel do que ela, da Humanidade, cujo espectro ainda com olhos fechados-ria perturba no maior gozo da volupia"(102a). Enjeitada pelos homens, a deusa de breqe'enamora-se do Naga, a cobra capelo da India. Meu amor, meu amor, na febre e nos delirios Eu venho para ti, tao linda e perfumada... - Que loucura me abala e a sede dos martirios! Este reptil fatal e sinistro esta muito ligado a mitologia hindu. Siva, o deus destruidor, cinge o seu corpo com ele. Com um capelo em que esta tracado pela natureza um desenho em forma de um U, a cobra capelo, qual serpente do Genese, considerada como um fino sedutor da inocencia pura, dotada que e de um mixto de generosidade e malicia, e olhos faiscantes que fascinam. Bhavani esta bem consciente disso: Que lindo é o teu olhar formoso e iluminado... Tem a fascinaceio fraudulenta do abismo Acorda em mim a cincia obscura do pecado. Num coniibio de lascivia, num sorvo de sensualidade bruta, Bhavani une a boca 102 Ihidem 102a Ibidem - 207 - do Naga a sua e depois solta o cabelo ambarino, despe o pano e, nua, deity-se no talamo de ametistas: Cinge-me bem, sou mole assim como a acucena Sentes o meu tremor cancado e pudibundo? S6 a twit= mcx: pc:s, quc:;:tos refs afa;na.,;-43s Vem com o cavado olhar, nostalgicos no mundo? Palpa-me a coxa, palpa a minha carne pura, O meu amot; disseram os meus olhos cerrados... Sacudida de feria, aperta contra o seio o Naga rijo, abre a boca da cobra e crava urn dos seus dentes no bico do seu seio esquerdo. Num epilogo que atinge a culminancia das palavras derradeiras pronunciadas por uma dessas personagens das grandes tragedias da literatura universal, Bhavani exclama: Venha ja sobre mim a noite e o esquecimento. O repouso, 6 repouso abencoado e impassivel Niio quero o mundo, a pompa, a tentadora gloria Uma lagrima, so da palpebra pendida, Cai corn compaixdo sobre a minha memoria. e cerrando os olhos, lentamente: Alguem ha-de chorar uma mulher pendida! A Deusa de Bronze é, sem diivi da, um poema criado sob um forte impulso estetico. Forcas que condicionam a criacao de uma obra de arte influiram em Paulino Dias para metamorfosear a bail adei ra, a dancarina do templo hindu, cujo corpo — é assim que a sociedade ol ha para el a — tresanda ao vicio, numa deusa de bronze erguida num pedestal de ouro. Mulher decaida,femme tombee, el a ja nao é a mulher fatal como - 208 - a viram alguns dos ja mencionados poetas indo-portugueses, mas tuna criatura em que o amor e o Odio, a suavidade encantadora e o desespero tempestuoso, o desdem e a altivez coexistem e fazem dela uma mulher de uma contradick desoladora. Afinal, nap é Deus o ser em quem, na optica da filosofia indiana, os atributos mais opostos o transcendente e o imanente, o criador e o destruidor -- se encontram? Com uma fina sensibilidade e conhecimento profundo damitologia e cosmogonia da India, Paulino Dias tentou integrar varios elementos numa tela poetica. E conseguiu faze-lo com arte. Pelos modos, inspirou-se na corrente simbolista representada por Paul Verlaine, Mallanne e outros. 0 amor de Bhavani por urn bicho como uma cobra capelo nao é um motivo novo na historia da criack literaria. Ja antes de Paulino Dias, Shakespeare imortalizara Cleopatra que se matou fazendo-se morder por uma aspide e Afonso Daudet concebera a paixao de uma mulher por urn escorpiao. Um critic° disse que Bhavani lembra a Sallambd de Flaubert(1 03). Um outro afirmou que Mallarme e Verhaeren tern fantasias simbOlicas encarnadas em tais personagens como Aretusa e Gardienne(104). Na obra Palavras Divinas de Ramon Valle Inclan, a adultera aparece como uma feiticeira a dancar com o di abo. Descoberta a sua falta, a al dela inteira reune-se para the rasgar as roupas e em seguida, submergi-la nas aguas(105). Caindo vitima do veneno da cobra capelo, Bhavani, tuna pecadora aos olhos da sociedade, é torturada e castigada nao pela sociedade mas por um bicho com tanta contradicao em si como a propria heroina— malicioso, fascinante, nobre, vingativo — e é desta forma, a maneira das personagens dos dramas de Calderon, Lorca, Valle Inclan, "devolvida a Natureza depois de ser privada da sua dignidade social" como mulher que "pelo seu pecado deulargas as emanacoes naturais do mal". "A expiacdo foi executada numa especie de orgia sacra"(106). 103 Cunha, Vicente de Braganca, Literatura Indo-Portuguesa, Figuras e Faclos, Bombaim, pag. 7. 104 Castro, Alves,( pseudonimo de Adolfo Costa), "0 Ideal e os Criticos", em 0 Herald°, 2610-1909 105 Beauvoir, Simone de, op. cit., pag. 215 106 Ibidem - 209 - LINO ABREU e A INFIEL (*) A Infiel é um poema com duas partes, cada tuna levando o titulo dos nomes das duas so personagens que o integram: Maduvra e Rader Cada tuna destas personagens articula em urn soliloquio, o seu drama de amor frustrado. A primeira parte Maduvra contem trinta e dois tercetos em verso al exandrino, dispostos de forma que o primeiro verso de urn terceto rima com o terceiro, e o segundo com o primeiro verso do terceto que segue. A segunda parte Rader comeca com uma serie de seis quadras seguidas de dez tercetos. Ao depois, vem outras quadras seguidas de oito tercetos. As quadras representam ora verdadeiro soliloquio ora o canto,expressao de simpatia, do luar. Os tercetos — tambem em alexandrinos rimados da mesma maneira como na primeira parte — sao soliloquios ,antes, monologos, pois atraves deles as personagens falam alto. Maduvra a quem Rada, formosa filha de uma bailadeira, encantara com os seus amores e the jurara fidelidade e cedo traira, iniciando-se no mister da sua mae, entra para urn templo situado na verdura da cordilheira de Saiadri e queixa-se a Cali poderosa, a deusa da Morte, de que ele é o caminheiro cansado e mesto que ela viu "a beira da estrada da Existencia" e a quem Cali disse: "Deixa-lo sofrer!" Exprimindo a sua desilusdo, e por entre angdstia e intima revolta, Maduvra desabafa: Porque é que a Sorte brisa varia da Injusteza — Que ao largo ciciava osculos de ternura Nesta alma desferiu o tambora de tristeza? e dirige-sea deusa, como quern encara a Morte como a Unica verdade: "Eu ia, o alta Devi, so a tua procura! Porque so to por entre a rosea falsidade Que e o Sonho, apontas como cirio eternal P'ra quern deita a escalar o mastro da Verdade!". Vide Apendice, Documentos, no fim deste capitulo - 210 - Subitamente entra num extase e, entao, perpassam pelo seu espirito as memori as das canc.bes, das flores e paisagens bem como figuras de formosas jovens de Mardol, sua aldeia natal, famosa pelo seu templo e pelas devadasis ligadas a el e. Quando desperta do seu extase, vem-lhe a memoria a noite em que pela primeira vez beijara Rada: " Eu era novo ... e a minha alma virginal Sentiu urn dia ern si stibito enrubescer A alvorada de amor, serena e ideal". Acende-se-lhe na memoria a imagem de Rada. El e a vira urn dia, mesmo antes de a conhecer pessoalmente, no seu corpo jovem, a entrar para o templo, num rastilho de perfumes e tentaceies, na noite de Malini-Punov (lua cheia). E num enternecimento, todo saudade, maldiz o costume social de fazer uma jovem dessas uma bailadeira, costume esse que the desatara os laws que a natureza atara: "Que culpa? Que pecado? se a humana fraqueza Ruiu ante o primor do eterno Aguarelista? RadO era entre as beias a facil princesa". Afaga, em sonho deleitoso, as flores estremecidas da sua quimera: Assim pela manna da Existencia, de fronte Erguida, ia eu, minha alma toda envolta Em luz jorrada de new) sei que estranha forte. Porem, logo, vem toldar-lhe a alma a lembranca da noite em que Rada se fizera bavina (bailadeira) abandonando o seu amante a longa desventura: la quando ia! do. brusca reviravolta 0 meu fado! Desmaia no alto a airosa estrela! E tudo se faz treva densa em minha volta! Essa I embranca persegue-o tal como urn naga (cobra capelo) raivento de feri do; mas logo, perdoa Rada e sua mae: Mas quern pode culpa-la de tanta maldade? E sua mae que foi quem cedo ma tirou? Eli so maldigo a Impia sociedade. - 211 - Recordando, desdenhosamente, as inclemencias do caminho da vida que trilhou apetece a morte. Ante o seu olhar embaciado, a estatua da deusa Cali vai-se diminuindo, pouco a pouco, acabando por se fazer em ar. Saito, do pedestal vazio ergue-se uma grande asa negra — a asa da Morte flutua no ar e vai parar suspensa sobre o corpo quase cadaverizado de Maduvra que, mm p_rofindo e supremo siLspire, diz: Tudo por ela foil e num cicio manso pronuncia tres vezes o nome da sua amante Rada. No silencio que se segue a austera imagem de Cali responde-lhe: E um sonho amargo tudo o gue ela da Enquanto é este o conflito da desilusao em que Maduvra se debate, RadA, no mesmo dia e a mesma hora, divaga na encosta da colina Velamonte, os olhos cerrados e os labios colados a lamina da adaga que sustenta em ambas as mdos: Visaes de outrora, Torturas sem fim, Dor gue me devora Morrerci enfim A espiranca— da ,Sorte 0 ultimo penar -Ha-de com a morte P'ra sempre acabar. Para e, abrindo os olhos, fita-os no sitio onde fora cremado o cadaver da sua mae e maldiz a sua sina: O vida! O desgraca de eu ter nascido! Porem, o remorso de ter quebrado a sua Jura de amor a Maduvra inquieta-a profundamente: E hoje mais gue nunca esta vida atroz! Delia! Como anseia este peito morrente 0 erro carpir corn a minha mik, a sos! - 212 - e num derradeiro desejo: Que deste mundo eu parta sem achar peril& Pelo amor desdenhado, tanta fe traida! rondo a lamina ao peito, Morte dura p'ra quern viveu de traicuo! Maduvra! Maduvra! crava o punhal no peito: Sem fim Sem fim porque assim é ser feliz.... 0 ambiente em que Lino Abreu retoma o tema da bailadeira é evidentemente romantic°, muito a maneira das historias de amor (Romeu e Julieta de Shakespeare, Amor de Perdicilo de Camilo Castelo Branco ) que se encontram em quase todas as literaturas. Da paixao humana nasce urn drama intenso que culmina corn a morte de ambos. Enquanto nos contos trail cionais os amantes morrem por nao poderem suportar a mntua ausencia, em A Infiel, Maduvra morre desiludido por ter sido traido pela sua amante, compreendendo afinal, a beira da morte, a maneira de um rixi a procura da verdade, que o amor é urn "sonho amargo". Para Rada, a sua morte por suicidio é um castigo do amor que ela desdenhou, da fidelidade que ela nao guardou. A morte the vem; antes, ela a encara, como um moksha, uma libertacao, um caminho para a felicidade. "Porque assim é ser feliz", ela exclama. A Infiel é um poemeto em volta de uma bailadeira. Porem, aqui a bailadeira nao é transfigurada pela imaginacao do poeta numa mulher fatal como no Vatsalo de Nascimento Mendonca nem numa deusa que se enamora duma cobra capelo como em A Deusa de Bronze de Paulino Dias. Ela é apresentada simplesmente na sua "medida terrena" (1 07) 107. Devi-Seabra, op. cit.. pag. 328 - 213 - Rada é uma dancarina do templo hindu, cOnscia de que é vifima de urn destino cruel que faz dela uma infiel por antonomasia, aos olhos da sociedade em que vive: O vida! O desgraca de eu ter nascido! De gue me vale o mundo se foram profanos Os meu preliac de amor —furas duma infel — El a sabe bem que dedicando-sea profissao de bail adeira privou-se daslegitimas delicias do viver gue da-nos 0 ser amante, o ser esposa, o ser fiet Foi sua mae que a iniciou nesse mister vergonhoso. Dird alguem que esta é uma hi storia cheia de urn sentimentalismo ja ultrapassado nas literaturas modernas. Mas nAo se admire. Este tipo de "senfimentalismo de uma qualidade barroca" (108) enquadra-se muito bem dentro do ambiente psiquico dos tempos que ja la se foram e que ainda é , fundamentalmente, o de hoje entre as massas. Entretanto, cumpre reconhecer que o poemeto de Lino Abreu tem os seu mentos. Antes de mais, o inteiro quadro é uma paisagem tipicamente goesa hindu e a imagetica esta mergulhada no hiimus da terra natal, o que faz de A Infiel urn poemeto cacteristicamente indo-protugues. Assim, Maduvra frustrado no seu amor, um peregrine aos pes de Cali, a deusa da Morte, no jangle e Rada lamentando a sua sorte no sifio onde foi cremado o cadaver da sua mae recordam os homens e as mulheres, que povoam as vizinhancas do templo de Marcela e vivem em funcao do mesmo, e a floresta do c,oncelho de Ponda. A Infiel revela Lino Abreu como um poeta que se inspirou na doutrina de maya, «a transitoriedade do mundo»,de moksha, «alibertacao pel a morte», e ate, numa certa medida, de karma, «a existencia actual a determinada pel as acceies de uma existenci a previa», para retratar o drama de frustracao e desilusao. 108 lbidem - 214 - Maduvra compreende que a base dos seu infortimio esti a irrealidade da realidade: Foi a sonhar, sofrer, que andei, como quem anda Entre o livor de um sonho e a treva da So o Ser divino a como um cirio eternal: Eu ia, o alta Devi, so a tua procura! Porque so tu por entre a rosea falsidade Que é o Sonho, apontas como cirio eternal P'ra quem delta a escalar o mastro da Verdade! 0 sofrimento é a via de expiar as penas dos pecados duma existencia anterior. Por isso, enquanto Rada lamenta a sua desgraca de ter nascido: . O Vida! O desgraca de eu ter nascido Maduvra ouve Cali a sentenciar o caminheiro ao sofrimento: Eu sou o caminheiro que tu viste a beira Da estrada da Existencia Mas tu disseste logo: "Deixa-lo sofrer!" - 215 - Apendice Documentos 414 a. ///q3/ Terra de Hat Corn urn um elucidativo Glossario) Como e belo o Oriente! Antonio Candy d Como tudo isto d divinuir,cfnle sublime: Julio de VitIa A 1025 USO-IN DI AN A — (Cass Editors) 73 — Milton, Street — 70 somamm cr i _ ' 4tril 0 SAR-DESSAV A .10AQUIM DR ARAUJO MASCARIINHAS Adornava-lhe o rosto atilalgado, Com o tic oriental de um perfil moire. Urn indico turbante avermelhado De seda de ShahApur corn listrOes do oiro. Ricks ambles pendentes dos orelhas, — Ares de luz mordidos de diamantes ! — De subido valor joins tao velhas, Eram reliquias de epochs distantes. 0 s?,u tchtigo do sole adomascada, Bordado a oiro e prate desflada, Serie a tentacoo dos Bliounsu16s1,.. Urn bele tipo de oriental beleza : Opulencia, vigor, grace, nobreza I. — Deviam set assim 03 meus Ayes. rirInvr•rr+v^7.-7-rr .--• -.. • .•s .,4130' • A INDIANA AO DR. JORGE HAIIRRTO Oh I que doce creatura Aquela Linda trigueira 1)o tho distinta figura I Quando caminha ligcira, Com rythmico raider c'dento, Fez tembrar uma arequeira. Fez lembrar uma serpente, On languida Wiladeil a &Ulundi" constantemente. • Vagos olhos do chymera, Quaes dues vordes jagomas Em manh5 do primavera. Das sues lusirotias comas, Com grinaldas de ()mold, Evotam doces aromas. Os lobios silo de romb, pitticall on de brindoo, E do bravo as kankand .1∎ g• 1 , ,:“ ■44,.. VA° descemin sobre a moo. You cantor em dithyrambos Os seus tentaciio I., . Os do4 lindos Solos ambos Tao pequenog bio • E reciolidcta: v4t1:4, dais' jambos, 0 BANHO Mae silo 4oisjaMb .as. msduros... p4 Ortoii.:11,0cla garccki;, *erdc4SCurOs • Olhos vagos de ilusiio !... `.0h 1 qua doce ciestura, Qua figura do deka° I •Urna perfeita esCulpturs, vaparosa rnogra, cintura •, .:usa ;Cain. recitiebto4 _Tanagra 1, ,. Os seusd Who's sobretudo Teem a daZar#:dejaprf • .1 -C.U#ViSted: loo doce L. q. .terz de tsmarii:In ieclura, • Dentes brongutotios do altta... , i tic: Prfutherde tel foionosura ' ' " Outra nnitiundoi3Ao rs. A AVELINO DE ALMEIDA Despida do sou rubro pitamber, Do pequenino tchole de musselina, Zayd mergulha na gazil piscine 0 &mbar polido do sou corpo em tior. Saltam peixinhos de variada etor Na clara agua da marmorea E grossas ondas de uma essencia tins &aches o ar de delicioso olor. Ao p8, comp num rico mosiruario, Suas joias, de brilho extraordinario, Ao sol retulgem n'um efeito lindo E Zayd, a formosa , dessayna, Abracada pela agua da piscina, Corn os peixinhos brinca alogre o rindo.. • • Na doce paz reigiosa e santa De um lindo claustro em jade de Hydrapam — Architectura de beleza ram, Em But renda,lue des:umbra e encanta I A rica Mita do dessay Anent', Cuja teleza a a dcce voz, tao c!ara, Ate as proprias feras amansara, a Ao sagrado tuldshe a rezar, cents. A cantar arra), em brands voz suave, A ferverosa prece ao grand° Brahma. Lembra antes o trino de tuna ave I IC o Brahma scisma to sue alma bele, • :Na tank' mudanca d'essa chamma, Se a fare n'uma for ou n'uma estrela I... 'BAILADE1RA' A LUIZ DE MENESES Sob o verde dace] de uma palmeira, Ao pe de um tanque de ambar nacarado, Mogrem, a mail fovmosa bailadeira, Esti. compondo o seu gentil toucado. Na mansa agua a rosto se retrata, Na mansa agua limpida, argentina, E o seu perfil franzino de marattha Vaidosa o mira na agua crystalina. Qual Narciso da lenda, se enamora Da sua propria fronte enc4adora E o seu vaidoso othar rebrilha em chammal... Fatal mulher quc so a si adora, Mulher que ri, mulher que nunca chora: mulher que nunca amal... 'fa A DANCA DE "BAILADEIRAS" A LOURENCO CAVOLLA Em Benares, cidade sagrada, lendaria terra do sonho e do mysterio—a Jerusalem da India! noite. Ardem aromaticas retinas, perfumando a vastidao dos palmarea e arecaes. Feerlcos fogos de Bengala sobem do divino Ganges, IA de baixo, onde descem trezentos degraus de sumptuosas escadarias de malachyte, onyx e lapis-lazuly. Ihamas, pedrarias, deslumbramentos!... Cantam e dancant tayaderas ao tom dolente do tanguido sarangur, ao tan-tan retumbante da festiva tiibula. Elora voz, a de Zoivonlitm, de othos maravilhosos e perturbadores: • Sou trigueira tnas formosa Como o lindo muruony, Uma pedra preciosa: Ou esmeralda ou rubi! 0 a.mor é um lotus belo Dt- um cer to lago encantado... Pobre de quem vae colht-lo Que vac morrer afogadol.,, '' • 41t ' 7 firth TERRA DE RAJAHS MARIANO GRACIAS 06ro Meu amor, anda ligeiro, Estou morta por to amar... Bailee, ballae, balladeiras, Em mil curvas harmoniosas, Como ondulantes polmeiras Ou serpentes laugorosas... Aquele que chegar primeiro, Primeiro me ha-de beijar.. • ti Cerro Meu coracAo, a bailar, anda de mito.em Oulra voz, a de Zahl, de dedos afilados, espalisaitdo docuras imomensuraveis na hr.-gait:ea do gest° : Sou trigueira e nAo formosa Vitas tenho urn valor secreto. A pedra mais preciosa o diamante preto. •• Ah, quem m'o vier comprar, JA nao compra coracao... A graciosa Gassy, de olhos garcos, covinhas au face t; adoravels sorrisos: 0 meu amor, de zeloso, Ate me bate! Que importa! Sou qual sandal() cheiroso Que perfuma a quern o corta. Sobe o amor em alta onda Quando sae do coracAo, T31 ao throno de Golconda Urn Maharajah do ilyndnstao I Ys 59 Core • men doce amor primeiro, Minha paixao, meu ciume, Es como a flor do cprwofeiro Que nunca perde o perfume!... 6 Em languidas espiraes, Em volteio3 de serpentes, Torcei os corpos sensuaes, Torcei os corpos ardentes I... Caata Megrim, a de bongos eabelos assetinados, da abundam& das searas: Se Venus nasceu no mar, Nasceu Cupido no Oriente, N'uma noite, em Malabar, Noite de amor, quente, quentel... Cbro 0 amor primeiro, em verdade, Ainda mcsmo de tuna hora, Grava em nbs grata saudade, Saridade pela Vida fbra.., 1.4 ✓ .. 4.; TERRA DE RAJAHS MARIANO ORACIAt ■ .- :57•• ,;• o zarangui—o stradlwarius indiano gem, gum game dolorosamente, quaff grito a/Edge° e sutocado da viriem moribunda Violentada por urn fauno!... E o murdanguy, apopletico e febr11, tamborila a tabula, atacando-a freneticamente! Ha relampagos de diamantes noa naha das dancarinasl Os gulzos dos tornozelos tillotam furiosos! Odra a da bait Lektnee,;;a . de olhos rasplalderealesi ssinpre voldohlosa a doce Por ondc passo aria° a'tenda Para vender -cp men amor Artigo de compra a venda, Sou de todo o comprador... 61 0 meu corpo ja desmaia Em teus bravos, amor meu: Bis-me no alto do Hymalaia, Quase no setimo ceu!... COro • Bailae, bailae, bayaderas, Entre pompas e alegria... A mais linda das chymeras it o amor de cada dia... ... Canto Xirnbd, dal:ea:id° corn a elegancia de ulna oare• queira•: Nunes naricelpara freita Na minha:casta a rnulher, Pols quern niacin, balladaira, Bailadelra 60.-de morrer... Li nos altos ceus remotos, Na lagoa do Infinito, , Lembra a lua urn grande lotus„ Lotus sagrado e bemdito. Uniram-se o sole a lua, —Ate o ciu se estreloul Poz-se a lua toda nua, 0 sol beijou-s... e passou. 06ro JA dei beijos, muitos beijos, Tenho ainda muitos para dar... Ai, quern andar com desejos Que m'os venha d comprar... 3 ,..iii+talOaf ' MARIANO ORACIAS 62 Calla Xiulfem— a de divinas formas eseulpfuraesl --solucant de saudades efernas 0 amor so de pensatnento Foi coisa que Cu nunca tire, 0 amor 6 sempre sedento, Dos beijos é que elle vive... A tua bocca é tao dote, Tem a docura do alud Quando a beijei e que cu trouxe Dotes beijos que ella da... 06ro Bailae, bailae docementc, Cantac de amor as paixo, Em languida voz dolente De enfeiticar coracoes... l o sarangur genie. gerne, v,eme C;11 sardine. qua! cc z suave t s..tntida de tuna velld nba Inurenta murrnurzndo lents, li■triter44444.614 palavras saudosas de urn extinct° amor... E o tamborilar de tOnPa c ili agora mats dace, mats espacado. coma as ultimas pa lavras desalentadas de nine alma sofre.dora e insaciavel... EstA finds a Testa. Alvorece.• Pelos orclins reaes ha o despertar estridulo dos pav6es. Paasam apressados no at dealbante bandos verdes de pa. pa2nios. As germs c as cepahas descern ao Aivino Ganges. Ha romores na floresta, per. fumada a mogrim e a .nia.;, granite :,tiy-Fa 0 301 . doira 8 asgrada Benares n'arn deslumbramento! SUNDOREM Swarup-Sunddr— a mais formosa! tExcerptoa at um poema dramatic° de sal'or indianol NEVROSE DE AMOR AO DR. VASCO FERNANDES Em Salary. A beira da Cascata de ArvalEm. 0 sal expleildido e canicular dos tropicos morde como urn caustico, deslumbrando tudo! Bandos de pavoes, de longzs caudas em, leque, descem sequiosos a Linda bacia onde a cascata se precipita, impetuosa e espumante, de alto, muito de alto. Indolentes os grandes bufatos ruminam pensativos zi tona das aguas correntes, coma ermitoes estaticos. Passarada garrula e saltitante vae pousar-ihes nas hastes, familiarmente. Perto ji, o pavida silvar das cobras !... Sob a copa florida de urn onwoleira, Sunclorem, a mais formosa baitadeira, TERRA DE RAJAHS 7(0 MARIANO ORACIAS segue distraida o voo de uma garca, clue no azul turqueza parece urn lento branco a acenar... Pensa de certo no amor... Tern ao ladb, pousada n'uma pedra de malachyte, a sua amphora de ambar. Raid, que a requests e por quern pens de amores —Raid, o famrso cagador de tigres, poeta eximio da escola lyricoerotica de Kalidassa, BhArtr5hari, dos reis Jayadewa e Jagannatha—surge-lhe de repents corn o scu grande tigre-real demesticado que o acompanha servilmente como urn cao de guarda. Chovetn sobre Sundorim as perfumadas e loiras ovvo/a3— florcs miudinhas que antes parecem estrelinhas tombadas do ceti ! Olhae: o seu ondeado e farlo tabelo 6 bcm urn ceir negro todo eslreladd! Sundorem é a predilecta de Kustoba, chefe de uma quadrilha de salteadores — os celebres bo tddvales o dessay de Sanvordem, urn rane dzstemido, temido de todosl Q seu nome, retumbante e dominador, avassala e aterra Goa inteira! Sundorem amou Ens6, o domador de serpentes, que a atraicoou cobardemente, abandonando-a depois de a macular... Raiff tenta beiji-la... Sundorem, sttrpreendida, quer esquivar-se, mas o tigre estende-se-Ihe aos pes, rocando-se nela mum caricia muda e singular I 1 1 , 'CaP eXf).411,404:iwut. Antes parece urn grande gato de estimaga° lambendo-lhe a ponta dos pes, fazendo tinir os guizinhos de oiro que Ihe cobrem os tornozelos. desRaid, em impetos de amor, n'uni vairo de erotico: r. i. Ainda to no possul, Ainda, nos melts fortes bravos, Dos tens labios nao colhi Languidos beijos, tlo lassos..• Ainda numa ansia louca. N'um enlevo vaporoso, Nao bebi na tua boca 0 nectar de amor e gOzol... Ainda Tao sorvi, mulher, Em ethereos devaneios, A ambrosia do prazer Na tuntidez dos teus seios I... Ainda nossos corpos quentes, Em volupias de desejos, Se Tao uniram!... Scrpentes Famintas de amor e beijos I... Ainda niol... Mas que receio Invade o meu coracle De quebrar o encanto, o enleio D'esta tic) grande paol..• sei que fatal palpite De perder, 6 meu amor, 0 teu corpo de Aphrodite, toda em flor!... A tua alma Nao 72 TERRA DE RAJAI IS MARIANO ORACIAS 73 de gelo, De to perder, minha querida, Perdendo a maior ventura Como se jogasse a vida Niuma arriscada aventural... Fazer vibrar o teu corpo E quedo-me assim tristonho Nesta tortura constante, Porque o amor E como o sonho, Dura apenas urn instante!... Este men granile arnor calca-lo-ias, urn coracao em brasa! Pisando aos 0 logo dos teas olhos nao me abrasa, sinto-as friar !.. • Tuas maos cntre as minhas Ressuscitar teu morto coracao!... Como poderei jamais eu aquece-lo Se os mortos nunca ressitscitam, naol .. ... . . . . . . . . . • . ..... . . .. .. certo amaste alguem, fOste traida... Pot —Ama-se uma s6 vcz cut toda a vida . . Ficam silenciosos e meditativos... Melancolicas tristezas tombam-lhes dos olhos, de uma docura infinita... Uma nuvem passa veloz no a:-, encobrindo o sol por instantes... A comocAo produz amor quando a sympathia se poe de permeio. Quem sabe decifrar mysterios insondaveis das almas que se irmanaml?... Mas Rai4, na obstinagao constante de a possuir, como que desperto e sacudido do seu ideal sonho, n'um antegozo supremo de urn erotico incorrigivel: . . . . . Novamente ficani a scismar... Sundorem, como que enleiada, sorri pato Rata, cheia de encanto!... Vae encher a sua amphora. Coin ela au dos hombro, sube pressidosa ao I e bet° tonplo genPk•ddwas grange tilico, monolithic°, de nove entradas os abertas na rocha viva, onde se vi granito celebres lingas fascinado de tanta beleza, corre — e, num grange abraco sufo- Beijar, colar a mitiba boca f tua, Que doce que seria, se deixasses!... Beijar-te o colo, a tram, o seio, as faces, Beijar-te toda Buda, toda nua! . Pela estrada azul das veias, branca hor, Do teu esculptural corpo de neve Pudesse eu meus labios rocar de leve, Fr4er-tc estreqncer ebria de amor!.,, • para ela, cante, beija-a longatnente, como que sorvendo-a todal... Entre aqueles bract's rijos e trigueiros, onde tatuagens memoraveis recordam datas de heroicas cocadas, Sundorem, flor gentil dos tropicos, inebriante e doce, recolhe-se, some-se numa alegria doida de creanca!• today 74 MARIANO ORACIAS Raid, na gloria de uma conquista, no dominio perfeito da posse, cingindo-a muito ao coracio: No oceano do meu amor ts o lotus que fluctual... Sundorem, ji atordoada e tonta, beijando-o muito, n'uma ternura infinita, quase desfalecida: Raid, 6 meu dote amor, Arno-te, sou toda tual... Ouvem-se tiros na mata, entre estridulos gritos das shingas. E o Kustoba que regressa corn a sua grande quadrilha retumbante e festiva. Raid, sereno e magestoso no seu belo turbante vermelho listrado de oiro, retIra-se vagaroso, fazendo retinir o seu grande e luzente punhal recurvo preso cinta. 0 grande tigre segue o seu senbor como um clo II A 1TOILETTE 11 A BRAZ DE SA No sett riquissimo boudoir hynclus- tanico, onde ardem deliciosas essolcias, para ir Surtiorern faz a sua toilette uciassistir a represent:Ica() de tuna acompanhada de Raiii—sen actual talta, amante --eine a vira buscar. —boceta de Pandora Aquele boudoir corn El-Dorado la dentro! —n'uma polichromia dancante de 11!zes variegadas, que mil crystaes e pedras mil centuPlicam, tern qm.lquer coisa feerica que a phantasia de ton poets n3o atinge! A urn canto, Winn oratorio (arat) um pequenino GAnesh—o &us protrc.finba cleteeter—corn a sua phantina e os scus quatro bravos, sentado, de ptrnas cruzadas, comb Buddha. porcelana, corn Urn grande ukd de finaseda, n'itma tubode o seu coleante urn leito de mesita lacreada. Ao lado, ' e madresandal() embutido a marlin . perola, corn o sett docel de brocados. lavrado, uma N'um tamborete de sisso de prata corn o predilecto e salvasita Moveis de inaispensavel pai-supary. Urn luxuoso, e luxurios0, lacreado. divan cic serralho.., ,'V 76 TERRA DE RAJAHS MARIANO ORACIAS Que quern me ye embebeda De atnores... e de luxaria I... Quern fazer sombra ao Sarya 1 Que, mal surge no oriente, Vem beber .no men olhar Toda a hiz resplandecente Que vae depois espalhnr I... Quero agora o men colar, O meu belo galleary De perolas de Manaar; Grosso colar mullicor, O que me deu Suryagy, Aquele opulent° amigo, Na bela noire de amor Quando elle dormiu commigo... Sundorim, dolda de alegria: Anda, penteia-me, vst POe no meu negro cabelo 0 lotus azul, to bebop. De mil sapbyras, Dudiut 1 Vae busci-lo, quero Admlrando-o valdosa: Que lindol outro igual nio ha 1 Pbe tambem, mas do outro 'ado, 0 meu tchaldracor de prata, Meia-lua em diamantes, Esse que me tinba dado O Principe Jigannitha, O melhor dos meus amantes... rifIrando-se no crystal do sea toucador de malachyle marcheludo a oiro : Dud& traze a minha tunics, Meu sdddl de rubra seda, Aquele de pavOes de oiro E );arras-reaes, um thesoiro, is Suspirando luxuriosa: Va, enfeita-me as orelhas Com kdrdb e bugddyo, As ricas joias too velhas lierckdas a minha avo; Sao de perolas vermelhas Rarfssimas em Ophir 1... E, qual lotus a florir, Poe na curva do meu peito Meu Mushy de cliantautcs I Lindol... Como sou forrnosal Desde Lahore a Manaar, Desde Birmania a Damao, Pot todo o grande Hyndustao, Nao ha muiher, nio ha rosa, Assim linda e too airosa Que me possa comparar, Por Skukra o Pro, ciao! Sou a mais formosa—a unical Com orgalhosa smphase: 77 Mirando-o enlevada: • sim, com efeito, Lindol... De entontecer os amantes 1... ti TERRA DE RAJAHS 79 MARIANO ORACIAS De rubra seda o corpete de lindos folhos, E a kdpdd Giros e pedras aos molhos, Uma abundancia de florei Na tranea, iobre as orelhas, Duas eduardas vermelhas... bhdtta, Depois, no pagode, o muito velho, Um swami Com uma reza em marittha, Cason-me com uma floc: —Um Undo crave vermelhol VI no fundo do scu volumoso e opuknto escrinio uma granite conta da • pedra-de-kite. e tflada n'um grosso fio de coracs: minha rule que a usava Quando me creou ao peito, E o leitinho que eu mamava Poi la abundante e tanto Que preciso foi do peito Tirti-la logo. Quoitanto Remedial Pedra temdita Para a mle q.te se ye aflita Sem leite par& os se is filnosl... rI N'un:a risada maliclosa: Que par to encantador Para uma noite de a:nor!". Begando-a comovida: Pedra bemdita, sem brilhos, Mas ti<o piedosa e santa Que di alimento a tanta Bovita rosada e linda I Mirando-se ao espelho, corn desanimo: Colt profu•da magna: Rama I Ramat Se eu ainda Tivesse uma vaga esperanca De ser mite de uma creanca I... N'u,na lembranca grata: Dudhi, como ainda me lembro Do meu Undo casamento Bela manila de Dezembro De oriental deslumbramento I Eu, creanca, seis ou sete Aninhos encantadores I :431 el W" 44.444•44444. .• Mas que pobreza, Dudha, Este misero toucadol Anda, corre a buscar, va, todo de oiro, Meu kurtarlrn, E pbe-m'o, de qualquer !ado; Que um pouco de tom loiro Em fulvos-negros cabelos, N'ttm cabelo como o men De um forte negro azulado, Faca recordar o ceu Quando e negro e tem estrelasl... olds, E Para os meus cotovelos Quer() os meus baikhury6.E, Traze da tua !lyre escolha Mais uma joia, ou duas, Muitas joias, o que as tuas ?Mos encontrar, que sly belas 47 tiQ 1 1 -• • • TERRA DE RAJAHS MARlANO ORACIAS E bem raras todas ellas!... E para os meus formosos bravos Traze is minhas kefftkanildin. Quando-eu andar aos abravos Aos abracos, sim, e aos beijos Ms meus mil admiradores, Que por mina morrem de amores, Que tilintem de desejos, E de gozo, as liankanndm... E traze os meus aneis todos, Quero oiro e p_ erolas a rodos. Ahl ter eu s6 vinte dedos E tanto and, tanta gema I Nto ter a alegria suprema De cobrir meu corpo belo, Desde os pes ate ao cabelo, Corn todo o meu imenso oiro S6 de uma vezl Anda, vá, 6 minha boa Dudhi, Maze as minhas painzanna E as manilhas dos meus Os; Que, quando Raid vier, Saiba conio unlit mulher, A mais linda indiana, Entre &brava, beijos, risos, Sabe tilintar os guizos Bailando dancas Uri langttes Como os incbriantes banguesl... Ekfelta-se coin past todas as seas riquissimas joins : Phs• me luzente qual Saga, 0 grande sol do Oriente! Mae bem mais intenso e ardente Este amor—todo luxuria I.. , 81 Miranda-se ao espelho: Que linda que estoa! que beta! Vou ji usar, a cautela, Meu tartaspaty. Di ca, Minha Dudhi, boa serva, Aquele colar que preserva Das olhadas... Uma vez (Ve, minha boa Dudhi, Quanto é born acautelar-se) la eu, como hoje, linda, Mas sem o rico amuleto, E um rnagro e horrendo parse, Mais magro do que um espeto, •Mirou-me assim de reves, E, coisa singular, inda Nao passira um qttase-nada, C.Phi logo ftilminadal... Meu rico e Endo colar, mpanitar. Sempre me ha-de a ironic; de um ntalicioso sorriso: Mudando de tom. Com Dudha, se agora me vissem A vaidosa Zoivontem E essa invejosa Que n'ttm certo lugar tem Um signalzinho vermelho, que nio diriam ellas, No- seu despeito ji velho, Da tua ama Sundorern 0 E despeitadas, vii tu, Olham• me ate as estrelas!... 82 TERRA DE RAJAHS MARIANO GRACIAS Abraeando Dudhei, em asks de alegria: Dudha, como sou feliz, 0 idolo dos meus amantesl Olha o brilho dos diamantes Do men ndtha do nariz I... ,Txaminando as joias: Mas faita o meu born fug-dor De malachyte e coral, Amulet° contra o mat Na ventura de um arnor... Anda, vs, p8e-mro ao pescoco. Laneando-se, raivosa e desolada,sobre o divan de brocadss, , n'unt chore convulse: Ah I como.sou desgracada I Ntto haver prazer nem nada Que o desejo satisfacal... Ramat que grande desgraca 1 N'unt arrentico de desespIto: Tu nao ouviste, Dudha, Sim, despe-me toda, vat N'um lament° supremo: Ahl a minha d6r infindal...1 Cam malieta: Dudhd, dsspindo a, enlevada: - Nada, elk E Undo a moo, E em homens nunca se fia... 0 maroto inda o outro dia I 0 Parecia que a comia Com itquele seu duce olhar... Nada, nio ha que fiar... Vaidosa sempre, Lorna a rnirar-se ao espetho. N'isto bate meia-nolle o grande relofio de prata. Sossobrada, vendo qua a Nora jd passou e o seu Raid ado vinha, n'uma forte arise de nervos arranea de repeldo, unta a unta, lodas as suas joias e as arremera ao ail Desplds, k muito fasts linda PliALEHAS Cora nrna parte sabre assumptos indianos r BASTORA. 'Isy porno P fi 1. RAN EL S9S (-4 • Ofcparses- f . • 4, • Vae rompendo i; dia. A fritseit inaditigada chove sobre as fiores orvalhos de perolas. No alto azul da gloria ha risadinhas eernlas trams suavidilde e ineegada: (lorre pelo espaco um fremito de Bozo. A aragem ondula a verdura da seara. Nas ftmbrias do oriente mal despontae aelant urn rain dourado do sol glorioso, os parses ferventes, cabeca inclinada, humildes e creates, Innis perto do nada, ante a gloria olympiet do sot triumphal adoram submissos, co' immenso respeito, joelhos sobre a u:rra, front; sobre o peito. rc Far„ it o disco d'oiro e de cristal. A BA/LADE:RA DA INDIA. Oh 1 n'Ingultez jamale line femme qul Dieu ealt sous quel lardeau la pauvre erne euee,,,e1... r. gwv.. os gaisos : Saranguis lenGaienci. desprendem pelo espaco em languidas docuras harnionias d'amor aveliudadas, puras, que embalain a nos:: alma cm um sonlio o soluros de ;tutor, situ melodias eerolas aereas, iguotas. 'Valuta os p•rok, : t.chiuu. 8so orvallios quo sc Vvaltqtalii g•n iiirbilhio de nota,, Bate.:,;08 *gaol- tohinu, tchtatt ;e Matisa t consiella room estes,finoretiomi 6usicaee e *MOMS nguffavola,!• 1,i1 , que imemelhanfitilonge as Apsitraeem taros deacantandO so liar a volato mais beilic ' tom a vas dime ammo urn setim de ooroBa.... S . Chora o earangul Bate as guir,os, feitioeira, a laud pars a tnrba um olhar seintillante que se apinba ao redor para ver-te o semblant, e a curve musical dos seioa, bailadeira. Avanca triumphal, vae olytnpica, ovante, co'o donaire sent par d'unta on d ina ligeira. 'roma na tua danca a ondear da palmeira '1uaudo a brisa the beija a eopa luxuriante. graca do ten passo airoso e mdenciado. na elegancia geutil do busto delicado, no tnorbido (liar dos tens olhos serenus sente-se bem clue adeja urn fretnito de goso. cheio de teataeoes, ignoto e delicioso, que infiltm na noes' alma unit calidos veneno, • • • lorosaperfuntach.tio andular Wants baste. &oval° d'amor -tine a vimeiio the tr,nxe, nAo possue no jardim tuna graea mais don' do (pie a graea ideal coin pie 110F+ F:aseivasr ^ - 1)n inurintirio d'oun lago occult() nit IA14111101:1. ao•iciar brisa a cos fretuitos de ulna numi e mais delicado e nada et in its suave do que 0 tru-rrn snbtit do ten pawn) de sted;t. 6 Tchion, Winn I .ondea, baste euvelrvas de serpeotgi e deseurola ao aosso,olhar laugoidatoente,-.f: ..; n esbelta seduosSo,40 collo eiculptain*,,.,„:.„1. j-. -• Tohina, Won. Isoptime ao corposttitudes ginolonoit ,, di-lhe posi9oes belles .e donairosas, ; cheias de morbides e meant() lirial. A; • • 1; 1 -1 4 Choral osarangni. ' Soho a voz tneloclioss em accordes ideaes, tretonloe e argeutinos, em clue ha gorgeios d'ave e elaroes purpurinos.. Enurmurios de crime, e halites de rose. Presos du tun voz nas malts de poesia, transports-nos comtigo a uni mundo de ballndu c verte sobre a nowa alma triste e tuaguada aiaciezas de velludo e jorros de kurnionia. brands flaceide4 das relras orvalltadas, 1 docura da hta em noires constelladas, candidez do linho e os trinados de tuna ave r llada disso tem. Biala ,poesia e ens auto tine as notas diving e, maviosas do ten caw, languido, melodioso, inspirado, suave. 1 . 4 * Sinto-me tritasportado a um Inundotitunittoso, ao brabamanico mundo antiguado e loneito. eom cadaveres taus e fiores de lodao • esabrochando a floc do Ganges inunnuroso crotu prince e rein, suttis. castas e parias. Monstros e raeshassits, dense: , eenearliactieti, .:Orn joguis 4! fakirs, gunis a inspiracoes, gandliarbas idelies, (-tan A ' ,tiaras lendaria". k `Vrr..,?!..•"•^:••., ;IT; • • `4;.4- um duo *ter, ainto um ipso pmfundo eiviver umtimitiaite itnmerso lieste mond° eittrahente., - • 7;7:-. • iantittha,alintli,4esee a fria realidader onto nma nosbOgia e uma viva saudade goo que dUrou anno a estreila eadente. do • . • 0' bailadeira da India, o filua da desgraga, ti venenosa fl or (lite perfumas a praca e qne o vento do gut derrubou sobre a haste, ao ver a podrioltoem que eulatneaste, os salpicos da lama infeeta ,to paul que inquinou e mauchou t,eu diadem taut, custa-nos been a crer, admira-uos,espattta-nos, que sendo to na infuncia tuna flor uteiga e pan,. cheia de aroma e luz, de vivo e fortntsura, fosses desabrochar na negridito dos pvittatios, comp a flOr do loch() perfutuada e virente. . innocenciainfauti .dos tempos de creatic,:i matisou de listrOes e adornou de esperanca o ten diadems puro, angelic°, esplendente.. Quern te arramcou da f route a coroa celeste Quern foi que te perdeu? Dire-me: o (Inc tize-v, dos arreboes, da luz, dos astros, da grivalda, das nimpheas . de abril que a innocencia desindd., na fronte .d'uma creanca angelica e setinea • Quern foi que te arrojou tto ludo da it nornini:, Que veneuosas ratios couvulsas e itediondas laticaratn-te ao paul ? 1)esejo que respondio Porque fleas olhar-nw esp:nta,da c la-emend° Nao sa1,66 a ras.lo ? j;:t sci e j:i eoinpreli•ndy. Sentes no fr:Igil pak, Nae tens a culpa, a 'operetta cruel d'c:icau , lentes algcntat. A lei qua t'as 1aucott tau tolera ulna queix:, .,.. *a atii dti,fetkipiii,goitaente:0.4a,daititti!Aft ;o- ne nium mnbote moo, ("humid* e aonvalio;;.: -.,,,,, en exel$04 viatiikeoleTas imptatnaa,.-.,-Ltk--,...i.;; , .,....i:...,2, an deepeasees.))etu,-is :istonree, soendas,-- ., .' - e, no eigpuitio:de fel*. i. de itriiinti§fitia'ulddlii!' . "' . Ouldaa'queti'ttiti fibitirt'pe.loltttalistiii R .1;" '''."11''' . ... deixas-te reavalii is iirofttndas do ibytimo-44 . - ' -0 ao pensar oomisistezk. n pobre deagrastada, •i tOsta sorte mini 'gni to foi reiervada eque inne-datalei teairacnt a'um moment() a flor do eoiiiiico; ii; ficir IIlien tiintito e quo pulverisandol tie'ro%t de innocencia , , , deizon-te vinciilada", a esta infatne existeucia, desfez-te pars iellipiti as docuras do tar, ' a alegria de ser adorada e d'ainAr uito coin aquelle amor fugitico e sensual matt vivo txano a luz, puro coin° o cristal, a dottrti sem par de cobrir a. tilliinhots de beijos puros conic uns fremitos de ninhos, e de Hies responder, co' orgulho de ser mite, (wind() pecam o pan tine tautus outros tem; Oleg° a sentir na minha alma um desejo sant* de thorax, de e.I.Orat; sobre a tug amarguri . p'ra to purificar na agna histral do pranta , 0-, il e fazer-te depths -Lk' virginal, tat) pura, eomo urn lyric qiie Vier( em redotna Waitrons • 0' rosy do pant, it Arksltra enotntadora. . aos olhos de quern pensa, es estatua aniroadu euja froute einght a luz da madrugada quando vieste ac mond°. Olt !. ain't 1 qua stsitAitale :inniquilou em ti a Lorca flu vtattade :tile é parrs a virtude f• twat% a unicx :ILO guts : !tune-a to poude vet. attsint tao linipa e lyratall belleza e den-te par 'neater rn•goeiar 1 t V ., i \ i 10 i ,1 9 e a magua de obeervar que tudo te despresa em public°, na prao, em presenca de gente, e te adore talvez silenciosamente,... . ! a relight° fez de ti uma escrava e, egoista, nem via que assim despedacava as fibres ideaes que te ornavam a fronte que assim esfumava o ten puro horisonte. A fim de completar as prescripcites do rito ao Dens supremo, ao Deus grande, ao Deus infinit Q. unto sobemnia absoluta c nefasta, a venni lei hindli segregate unm casta : mulheres pant o canto c a danca, e tocadores line as mulheres hindds das castas superiores t.eNtsam-se a o fazer sent toed° nem disfarce, pois fazel-o entre gente e o tocsin() (pie aviltar-s.•. lies a lei Ilan garante a sna indei,etalencia eon) um meio efficaz part, a s a t cXistcneta livre de tot a a tonucha e de toda a intiatreza essa mulher entao vend(a propria hellezn. Quando ellu canta e datica cm varios castoneoto, aufere eventuaes c parcos elenientos dos setts tneios de vida ; elia for feia sempre o hindti deprecia, tivilt.a, regateia, e tertnina Anal pot. Ike pager bew mettos : t..lato denials a mais Liao toonerosa a class': e a occasiao do natch tao pouco repetida bastasse coin° se Ode crer line este pars ells ser honesta c porn em toda a vide Nem podem aspiror a sag-J.17;1° de esposas. Se o lino prohibe a lei, ha a sitatacao das coasns, ha a certeza fatal title nenhum hitaln queira layer sun mother, e son romp,' oh e ira alt mother (ille (111.11(:11111:111 11:t .1i gut sone funesta, ai 11114:11:1ra lic:•grit1,1% E o hind/i seInpoetl(t1-uta am prof and° respeii, e tray. hunlildetnettte o °spirit° ,..ujeito da son rdigiii° au Ii), ■ is 1,•vt• 3 • • , ••••••7 -er;',..:••••••••L,r...": 10 ainda que elle o uvilte e ainda sue elle o infaine. E quern ousa amender a revolta malditit contra as ordens de Deus que o brahaniane the dita ? tilhos tkm dos paes a heranca dos mesteres (cotno herdam-lhes tambein varios dos caracteres phisieos c moraes) ; e o hindA a to submisso sue, gaunt° a reaccrio, elle nem peusa A prostituicao foi-te l e nt nefasta heranea, a rubra fl6r do vicio to.non a tux tranca e a coma do mal vein do naseimento ; into tinhas coracim, nrio tinhas pensamento ; au) podias ancear urn porvir nobre e puro, o venenosa flnr atirada au inotituro ; a lei sue halo ordena e Joe LIUIn presereve destinon-te a IllItnet.ar a candum de neve.-Nein lKalias fazer reaei;:lo voluntaria seguir-se-hin o enstigo expuls10 da clista : e ninguein sabe 0 horror da existenci• d'urn paria a quern Ludo condemna, annaldicoae afasta. Quem reag,e contra o que e fatal e Dens ordena em peal da honra e pildOr tine nao conhecea nnoca pois triste educacao Ill'os roubou ern pequena. mergolhando-a sew do on Innia da espel &Inca : 1)esmlararn-ti em cminca e suando nein podia:: conbeeer 0 valor diasoillo site despias. Maneliarain min 0 sopro o tell azol celeste. Qtie podiaS perder se to nada tiveste at nunea cotiheceste o decor° e u pndor e uiw seittiste Walnut us effluvios de lune). ? Nf.t4•3 resvalaste do alto e tits azul perfainado ill) cliarco tenineniaCDtiu col pOridoes. utt Ica t t . nal) ealiiste do eCu no lodie;al infect° ttur infin«iit foi setilpre u atoleir0 abjectm. Nao meretriz desearada e devassa que negoeeia a Imara r tote prolana a ;:,rraea sua prupria vontade. so inipalso VietiteuA-te s , ra ttan, n lit':111;:too e :1 `" 11 title desde o neocimento eras to destine& neo sentir jamais o esplendor d'alvorade. eoroar essa fronte avelludada e pure, os effinvicts do arnor e os clareeo da veut lira. Curt-este co' hmuildtule essa fronte, 'fluffier, a lei que to ordenhva o maim triste mister. Seguiste a taw sine e pelo fatalismo caltiste a resvalar nos tretnednes d'abysmo. Quern te despresa o urn Immo e é 86 porque nAo pen•a na desgraca infinite e na amargnra immense d'esta sorte ruim qne to foi reservada Nae te clever]) desprezo, o nittlher desgmeada to meeeces semente a noose compaixao. • •ieto a pare ti o attic() gaulta-pao ? Enelaustima-te a lei no circtdo da caste ? A maid icoott-te ? Situ ? Segue a estrella nelasta que presidia urn dia ao naseitnento infausto t i ne te sacrificou—victinia do holocaustoIto altar da houra e do beta. Segue a estrella que cavou-te a mina e eavou-te a desdita. Nos atrios do pagode e nes publicus pracas, desenrola ao oihar da turba as tuaa graces, ao vivido clanlo dos gnindes iatnpadarios. proprios pare allumiar o iuterior dos sanctuerios. das bugles de enxofre e archotes de resins. 'roma as formes ideaes da 'Venus florentina. Fluettuttn-te na &Akira eflisvios perfuniados, aromas de tchainpins e iyrioo setinados. Toms na tua dance o otidear da palmeira. Ettecitia a genie .'. Bate os guizos, feiticeira, que despertarao setnpre em coracoes devasoos, fremitos de volupia e languid -0a can Assos, e n'nma shun de luz, Want espirito forte, sentintentos de do, de comiNtixao, de pent. peto triste porvir, peht 'Metre sorte a que a religiao te vottt e te condemns. 4 Al aJcifrn..eptia A:Ithaca . • z.) t 1\1 J) AI W. A COLIIC - t 1A RY ;Ifl t flt 4 1 lell ( Lp/!0 1 no, 1.2!.6. lat*.Psq"/7 Ltrogralia • BAS TO R A' c'ertita • Po ditresa `1 4 kl CDT& IP lltVID FEREcO hoje a curiosidade espiritual do leitor, ern edicao p6stuma, o poema Vatsala do meu saudoso pai. Nan quizera juntar as destoantes palavras desta nota aos ritmos hannoniososdo poema e a elegincia s6bria do prefacio que o antecede. Mas o longo trap de silencio—x2 anos 1--que separa esse dia de dor — em quc meu pai cessou de existir t — do momento presente exige de mim uma explicacao. Alen disto, entendi dever dar ao leitor—embora de forma imprecisa—conb.ecimento da vida fntima de meu pai, servindo.me, para isso, de factor da sua vida diaria e dum leve esboco do ambiente, onde o seu espfrito floriu e sot reu. Em x926, quando meu pai morria aos 42 anos, vencido por uma doenca de poucos dias, is o Vatsala a caminho de Angola, levado a pedidos de um amigo, para ser editado. Mas a idea nao vingou. E voltou e1e, em torna-viagem, para as minhas mans, amarrotado e gasto. 0 poema—quero crer—ficara sem oSultimos retoques. Meu pai, na altura em que o concebeu, trabalhava pouco. Ia a mesa de trabalho apenas quando a sua imaginacao ardente, escalando feliz as culminancias do pensamento, fazendo-o vibrar de emocao, the ditasse asses poemas e sonetos que the conquistaram o lugar que ocupou na poesia indo.portuguesa. Quanto a mim, vacilei em publicar o Vatsali. Receiava que na obra houvesse deficiencias a suprir, asperezas a limar e, editando.a., iria eu deslustrar a sua mem6ria em vez de a engrandecer O autor de "Lotus de Sangue e do Ideal ", " A Morta ", " Auto da Vida ", "Hervas de Hind " era ja nome conhecido nas letras portuguesas. O • Irf II Passaram assim dois WIGS. Urn dia; lembrou-me, pedir `a urn poets, nosso amigo, que revisse e prefaciasse a obra. Aceitou-me bet. Ofereceu-me todo o apoio.• Mas,. passado tempodevolvetuine o Vatsala dizendo •" Seu pai tem versos meihores . . Nio conhece a cosmogonia indiana " Desde entio ficou o original em meu poder ate que motivos, ponderosos me levassem a lanci-lo hoje " aos quatro ventos do espfrito!'. Avultavam por urn lado as insistencias dos admiras dotes de meu pai ; por outro temia que os meus receios apagassem uo silencio do esquecimento o que_sem mais relevo, mais caricter, mais valor a obra' do poeta—deixaria conhecer essa sua nova maneira de encarar o drama humano nas suns paixoes; ita sua dor, nos seus anseios, pennitindo seguir a curva do , espfrito do poeta na sua ascencio' triunfal as altas esferas do pensainento e da fantasia: E e- Vatsali, ap6s esforcos materials que nbo cabiam na minhas possibilidades, foi ao prelo. Nio possuo dados seguros para tracar um escerco biografico de meu pai. Faltam-me, ao presente, informac.13es para dar corpo a um piano que trago em vista. Passel a maior parte da vida em internatos de colegio e pouca oportunidade tive para conhecer os seus amigos. Sei, de ouvir, que o Senhor Dr. Alberto Oserio de Castro, distintfssimo Juiz aposentado do Supremo Tribunal de Justica, fino autor de " Exiladas " e " Flores de Coral ", foi quern pion os seus primeiros passos. Nao me passa, pore.m, de memeria, a funds impressao de certos Momentos da sua vida. Ha 12 anos viviamos em Gontgal, ✓tums brinca casinha que parecia mesmo um pombal engastado no verde-negro dusts palmeiral frondente. Ali, isolado do mundo corn a alma debrucada sobre o viver primitivo duma,coldnia de lavradores—tinicos habitantes do Lugar—e escu • tando ns mil votes da Prithivi, meu pal produziu os seus melhores poemis. Ali, ao zumbido alegre da• despreocupada infancia de meus irmalos—eu era ji adolescente—se foi constimando a tragedia que cobriu de luto o nosso coracio. A vida de meu pai foi um poema de Doi. . Que mais podia "ser ? A Dor era-lhe um mal necessario. A Dor iluminava.o; emprestava asas para o seu espfrito voar a mundos de Sol. Queimava-o a fafsca de Genic), a ansia de Beleza torturava o seu rito. Esti nisto a razao da sua Dor que, na ftltima fase da sua curta vida, se tornou mais intensa, real. UM triste incidents ferira fundo a sua delicada sensibilidade. Meu• pai nao Ode ser superior ao sofrimento...Baixou sobre o lar a sombra da. tristeza... 0 mundo dos formalistas—que vivem de regras aplicadas a vida como lentejoulas a urn vistoso traje--olhou para o poeta corn desdern, maldisse dele. Nao o podiam compreender. Para isso era preciso ser-se artista, set unto do poeta—uma fibra do seu wrack), ter sofrido, conhece•lo de perto—Mas, por vezes, sorria-nos o sol, entreabrindo clareiras no phimbeo Wu da nossa vida. Sebre as rufaas da Desilusio brotava a Esperanca. Meu pai, em tardes macias de verio, a sombra su.ssurr ante de palmeiras, dizia-nos : " Vou compor o meu canto de cisne e recOlho-me definitiva mente a quieta vida de aldeia. A nossa cabana precisa de modi. ficacoes. Vou p 0-la num piano , mais largo corn janelas implas‘ olhando para o rio ". • Esse projecto nio teve reaUdade. Estavamos em z9a6. Chegou Junho carrancudo e sombrio. Mal sabiamos que os ventos da moncio eram portadores duma fatalidade. 0 rio de Chapori rugia ameacador contra os flancos de Gontgal e corria, tfirgido de Aguas, para o mar. Pelas ramarias ouvia.se o lamentoso cantar Meu pai soltava o ultimo suspiro no de nenias. Foi entio regaco da santa companheira que corn ele cimentara o lar tao ridente na aurora, fulvo, logo, mas pouco depois tio triste.... A sua morte, o pals, sensibilizado, surgiu 1111/3141 onda de simpatia a envolver-lhe a memeria nos mais amplos elogios. Dizia-se por toda a parte : " Poi o nosso maior poeta ... Grande advogado Possuia uma bela imaginacio Escrevia num estilo elegante ... Era poderosa a sua legica ... " Poucos porta), como n6s, se lembravatu da sua vida , • ...los., . i. IV " Tudo passou.. E volto triste Nem posso andar e o lar sem ninhos, sem p Meu coragio arranca a tua dor a Aurora Vamos encher de luz este ninho que chora E a dor faro. brotar extranhos ideals ..." )nde ele fOra todo ternura e bondade para a familia, para os unigos, para todos. E' a esses tempos saudosos de convfvio ameno em farnflia pie me transporto para evocar um sugestivo momento da sua Tida. La pelos meus is anos, estudante da quinta, classe de ingles, Eu leio e dos seus olhos descem ligrimas, emquanto para eta olho admirado de ver chorar um homem tao forte.. . Eu era crianca entao, e s6 agora compreendo que chorar é dom dos espiritos superiores que sabem amar, ne encontrava em casa a passar as ferias. Manha de sol, quando, ie caminho para o jogs:), na b ilicosa companhia de meus irmaos nenores, meu pai me detem : —Vem ca. —Que é, meu pai ? —Le-me isto. E entrega-me o seu poeraa em ingles "The Crown of Myrtle". :u contrariado, passo a ler, sem o devido acento, desvirtuando .4.3rrecido a pontuacio: " morning there came into his hear t ,e desire of seeing the Temole of Love. He was young and powerful. its ancestors owned the golden cheviots and ponoolies of the ,Seven n.gs of the Elul..." E prossito. Atraves da I minha leitura, em•ora mal feita, o poeta recorda o passado. Tambdm ele, jovem :leio de fe, partira confiante a'busca do Ideal: No seu olhar fulgia fume da Esperanca. Pelos caminhos da vida esperava alentar.se am os perfumes da Bondade e a forca da Justica. 0 Sol, eterno :-iador da Beleza, era o ambolo da vida nobre, hergica, forte. ele marchava como os hergis legendarios a conquista do seu soh°, levando dentro de si o pre:prig Sol. Mas breve, sob a relva o caminho, brotaram cardos que the rasgaram os pes. 0 seu louco caiu r6to, trespassado pelos gumes cortantes do realisio da Vida. E o poeta viu•se sem faros aos pes da grande e do. .1inadora Mentira da Vida : • Varios admiradores de meu pai opinavam que o Vatsala devia afrontar a crftica literaria sem carta de recornendarA.o. Julguei o contrario. A obra de meu pai tivera pouca divulgacao nesta terra. E' limitado o nemero dos que o conhecem devidamente. Fui, por isso, bater a porta do senhor Dr. Wolfango da Silva, eminente homem de letras'e grande cientista que aprendi a admirar. Pela mao dum amigo subi as escadas da sumptuosa vivenda, onde o grande homem—tio fidalgo e. to cortes,—vive numa moldura de arte. A sinceridade caracteriza a sua fala, a elegancia marca a sua accao. Os anos parecem passar pelo ilustre doutor como rajadas de primavera que rejuvenescem o seu espfrito, fazendo-o desabrochar em fiorescencias encantadoras que perfumam a sua prcla, leve de graca e impregnada de elevados conceitos. E, nao obstante a idade que the cobriu de neve caminho da vida, o sr. Dr. Wolfango da Silva acolhe-me bondoso corn um sorriso consolador. Ao meu timido pedido de preficio ao poema de meu pai responde modesto : " Vou ver o que posso. Seu pai tem versos transcendentais. Ha tanta gente que o podera prefaciar methor ". Eu bem sabia que o fino espfrito do esteta apreenderia como poucos o sentido exacto da poesia de meu pai para bem o conhecer. E o prefacio fez-se " Sonb.o doirado de imortal beleza No que veio a dir E velho precoce, vergado sob o desalento--nao se apagara no Thos o reverbero da chama astral que the ardia na alma!--vein uscar a paz no lar que quis etcher de luz, de inocentes criancihas quill fomos n6s : C, 4 „.. * Esaevi esta nota dominado por iarios ientirnentos. Li o Aubit da Vida " e Hervas de Wind " em qua o espfrito de meu pal prOjecta luz sabre -a- Natureza. para the sentir, as pulsacaes intimas e procura iiruniaar o misted° da alma humana. Recom. puz, simultineamente, ajudado pela Satidade; em sagrado recolhi• mento, a sua vida em Gontgal. cheio!, de beleza moral--proclamanda a Igualdade, arnando os Oprimidos, estremecendo de piedade diante do Sofrimento Human. E se houve momentos quando a for o venceu amei•o mais. Receio, porisso, qua tenha escorregado sabre a imodestia do louvor. Mas o leitor nao regateark certamente; sua benevolencia a urn filho, que ao evocara vida deixou 'falar . ao cornice r also; trews de eln1c00-40 *tit do v440, pp*:, 040. E' o INHA A FranciscO do NasChneirato Meiradonco ca quo Die vfnu. Poema M4gite, 514. s Pa; de tao intensa Sopipi1410$1e, 00; o Jendexin nap o No entanto, da aaaA proprio seio er volta dos 4 filhost alma perolas deelumbranto& que &dimu sfist ► _lameiro os moo elwiss e morreu no plow) florix ds,,,vidt,,modesta obscuramente, cOmo nos tempos,. eupgos, facedis, grandes genios que por eupt intaus08, /1;02,000,11s ninguem viu nem sondou, acabavam.,eft.0048-diall. Nunes se desvaneeer,4 do mea espirito.' adealnui,bradsimpressito que .me ,,,causou a viititia,quklipAkuina.; estufa em Otacannuid nas: roasmo2. ;- U6ok no sul da Era UM *Pete de " quo 41Wealialno solo e iam em anatoetro sabindo pelas parades. A gindo o teeth , debracivam-se ,osteutando.214!4,14ulaa corolas suspensas no ar sabre 44. ;)000988 408 Yiaitetip Dove ser assim a 3 visa° fantastica poetas quo em alacinacoes aublim,es proeuram, gtenormer, o Logo do gonio que os consome por dentro. False concedes ,f V. A T, S A L A tadas tantas vezes polo sofrimento dosses martires da idea do ideal, devem devora-los como a chama quo lavra Blida com intermitencias- de clarOes, que alumiam, .abrasam e dormem no seio da vitima. Devia ser tambem assim a chama qua ardia no intimo dos profetas da Biblia quando falavam sob o influx° da faisca divina que lhes movia a lingua e encandeavao cerebro dizendo coisas que na sua inia,,oinacao viam em contornos mal definidos mas gravados na sua consciencia. 0' alma de Antero de Quantal, sublime no vosso misticismo, santa nos vossos arroubamentos, arfando o peito, gemendo e arrulhando em estos 'de ansia insatisfeita em visoes do Alem, tivestes nesta fndia de Afonso de Albuquerque e de CamOes, uma alma &tea da vossa, triste, abandonada, dedilhando a . sus, harpa de der por entre fremitOs de Amor no isolamento do sou leito escuro por entre os fulgores de visOes da mansao sterna. • Homens de mesquinb.os horizontes mal compreendem que nao exist° na Natureza o Oriente nem o Ocidente. Se partirmos do paralelo em qu4 estamos, .caminhando na sua direccao, cairemos sempre rio Oriente ou sempre no Ocidente. Deus fez este mundo redondo para nab nos encontrarmos e •nos conhecermos.' ' E' porisso que vemos Goethe canter as glerias do Xacuntala e Max Muller meditar por entre os gelos da sua• regido- os esplendores radiantes da fndia. Nao sao os compatriotas' "de`' Nascimento Mendonca qrie hao de avaliar com ju.stica'- os meritos do poeta incompreendido. -Nao houve nesta terra uma voz que se levantasse parao glorificar, was -houve arruaceiros que o amesquinharam e o insaltaram. Pobre poets, cuja nobreza V A T S A L A de alma nem se quer atingiu a insolencia dos seus insultadores1 Hit dosses paradoxos neste mundo. A gloria de Pasteur se foi reconhecida quando da outra banda da Franca um outro benemerito da Htunanidade o coroou de louros para a admiracao dos sous inirnigos, fiThos do memo, pais. Quern ha nests terra capaz de medir a estabara,. de Nascimento Mendonca? Aqui nao se cultiva a ftor da, bondade mas sdo como a figueira maldita onde Judas se enforcou. A luz suave e mistica dos Campos Elisios caminham de maos dadas Virgilio e Dante, Homero e Tasso, Campos e Milton. Dispensam a brissola quo dirija os seus passos na amplidao infinita que a gleria de Deus alumia. La se encontram os eleitos. Passado o famoso rio do esquecimento das perfidies humanas, encon i trou,ceampngdvteos,uparq julgaram. Para esta terra • desgracada Me foi grande demais. Foi um ingles que apresentou a India o sou maior poeta e dramattvgo, e foi um, alma° quem canton o sea famoso drama Xacuntala e o revelou a Europa e ao mundo inteiro. Sao sabios estrangeiros que nos dao a histkia fiesta vasta peninsula reconstituindo as sues civilizacOes milenexias. Quando vira da Europa b, India um compositor lirico pondo em mica as divinas concepcOes do misterioso drama do Kalidassa e dando-nos a mais soberba mais grandiosa Opera, deliciando-nos os ouvidos em suavissimos acordes enquanto desfilam diante dos 1108E408 olb.os os deslumbrantes quadros de um cenario verdadeirsmente paradisiac° ? Ao contact° da civilthcao europeia esta grande pe, ninsula ressurge e nao sei se vOltara ao padrao antigo de nsplendor o gleria de uma rata sublime quo ninguaut sabe donde surgiu e desapareceu Para sempre deixando-nos logados precioSos que constituem a admiracao de tOdas as eivilizaoes. I parte a Urania dos povos conquistadores, fatalidade quo se nao podo evitar, mal fundamental do earacter humane em toda a parte, 6 incontestavel que desse mal broth o .bem; por uma dessas leis de equilibrio, que, existindo em tOda. as funcOes organicas come lei biolOgica, nao pode deixar de se manifestar tambent nos fenomenos sociais. Nao me queixo da intrus4europeia nos remotos continentes ; lamento que esse encOntro . nao fosse desde o princIpio de ordeal espiritual em tOdas as terras do maneira a fazer caminhar mais rapidamente a Humanidade ao . tipo eomum, sem prejuizo da diversidade das regioes e dos povos. Tem o seu curso o Vonabio e tamb6m o Reno. Sega= ig,ualmente u seu caminho o Indo e o Ganges, o Zaire e o Mississipi. Nao sacs iguais as paisagens que orlam estes rios nem 6 identico o seu volume de agua e a sua extensao.. Todavia, obedecem .ao mesmo plane da Natureza. Pe altos montes .brotam, e percorrendo cidades ou florestas despejam-se no mar alto Com variantes de ritmo. Assim sao os povos nos diyersissimos continontes e treks de terrenos. Ha, por6m, um campo, em que todos se encontnirao'quando fOr igual ou semelhante a cultura mental afinada por anico diapasao. E porque nao ? Nao estamos a ver como as barreiras de usos e costumes estao a cair e o ,entendimento matuo entry os homens so vai pronunciando e se vai procurando ,numa ansiedade crescente? - Nao 6 NI a frase solidatiedade humans de alto significado moral no campo em que trabalijoin os ap6stolos f e nao os charlatais no dizer do Padre Gillet. Nos setts delirios, nas seas alucinacOes, Nascimento Mendonca tinha sempre o culto da mulher, trace caracteristico da sua sentimentalidade, da sua paixao. Nessas visoes de imagens frementes que na sua retina resplandeciam, reflectia-so perfeitamento a ossencia do sentimento da sua alma. Era intenso o seu sensualismo, mas todo intimo ; manava da alma limpa e cantando as volapias e ondulacoes suaves dos e,orpos das sues Apsaras, via-as tais quais elas cram no Chu da sua imaginacao, imagens 'vaporosas, translacidas, inacessiveis a t6da a esp6cie de impurezas. E' curios° este contraste entre a sua vida psiquica e a sua vida social—o espirito sobrepujando a mat6ria. Austero na sua vida privada, voluptuoso no campo espiritual em quo se sublima a beleza corp6rea, liberta dis contingencias da dissolucao na grande retorta das transformacoes otlganicas. Estorcendo-se no leito da sua dor moral, como Ole se aproxima do Ideal cristko atrav6s das volapias de tuna religiao onde nao prima a santidade dos dez fundamentais principios que constituem os preceitos de Cristo! Tem &Nes contrastes a alma human. E' forcoso reconhecer que ha no homem, rialmente, maltiplas facetas de homem do sea skid° e de homem de todos os seculos. E' a fOrca da heranca a pesar no nosso corpo em vincos somaticos, na nossa alma, em gestos e ages que poem em f6co a funcao do nosso carebro. Conhecer 6 perdoar, disse-o Madame de Stael; conhecer 6 interpretar digo eu no meu modo de ver os aspectos, da alma dos reprobos e de todos os estados intermadios na sari° VI - V.' A T S A L A da evolucao humana. E' este o nosso modo de ser em Oda a parte onde exists o homem e a mulher. Estamos ainda no limiar do grande templo onde arde a limpada do Espirito Santo iluminando o novo caminho que o sublime martir tracou na sua passagem pela Galileia e na agonia da sna peregrinacao na Judeia. Quem 8 cristao neste mundo, mesmo onde o cristianismo impera ? Malevolas inteneOes disfarca-as a mais vil e revoltante hipocrisia .; cometem os mais repugnantes crimes os que no altar divino eomungam a hostia do mais puro amor. No esplendido livro dedicado a memoria de Antero do Quental ha umas deliciosas e magnificas paginas escritas pelo grande mestre que foi o dr. Souza Martins. A "Nosografia de Antero" temperada na mais transcendent° filosofia mediea, baseada em factps adquiridos da ciencia biologica, abrangqndo as funeObs organicas nas suas awes presentee, nos seus fandamentos passados e no estrato prirnitivo que de longs vem, em soma silenciosa ou em antagonismos que se entrechocam pelas diversidades das almas ancestrais, pintam ao vivo as tempestades e desequilibrios que tantas vezes nos tornam vitimas da fatalidade. Dessa licao admiravel transcrevo este conceito que bem se acomoda ao poeta indiano que foi tamb6m um desequilibrado superior : "E' assim que Antero foi o que entre psiquiatras se diz um cerebral anterior. Nao amava com intencao de posse. Amava divinizando. Nao queria a mulher com o coracao, mas com o pensamento... " Mentem e caluniam os que afirmam que a mulher 6 L V A A ' VU tratada comb ente inferior no Oriente, conceito incompatfve com a delicadeza dos sentimentos dos povos orientais. E' infinita a distancia que vai do grande mestre a "este pobre verme que vive a sombra do sea nada'", A-pesar disso, eu tentaria. ainda um tenue esfOrco para fazer ligeira analise psicologica do poeta goes, mas de todo me faltam os elementos para isso. Nada sei dos seas anteeedentes. Conheci-o spews tuna vez de vista e nem sequer tenho a mais leve tintura da arte poetica para o poder apreciar nas suas producOes que, algamas delas, do ordem altamente metafisica, nem atinjo. Todavia, comove-me, como disse, o pedido do filho que nao eneontra nesta terra quem qaeira apadrinhar a sus santa e generosa intencao. Porisso, dou o que tenho e da melhor vontade, inspirando-me sinnente numa intaicao natarail. que, certamente, nao resolve o problema nem talvez satisfaca o desejo de quem me formulou o pedido. Deixo, porem, a porta aberta a quem convmelhor conheeimento da causa, numa inteligentissima °midis° psicologiea e conhecimento da delicada arte da poesia, possa compreender e dissecar a alma do grande poeta desta. fndia Portuguesa. Vejo o asstuto atraves de denso nevoeiro. Antes isso que nao querer ver nada. Nova Goa, Julho de 1938. Francisco Antonio Walfanga da Silva Va J- i a1 no viso de um verde oiteiro, sob nma sits figueira sagrada... 0 sol deslumbra e confrange. Calam-se na sombra do jangle, que rescende, as ayes enardecidas, e Vatsali fins e formosa bailadeira, cheia de joias a de guisos, vinte anos fervescentes, musicals a tentadores, cheiraudo a luz e a lava, como um filtro e uma flor, poisa o olhar angustiado no corpo do um Rixi, hirto e estendido &are uma pele de tigre... Boni distante uma aldeia com as suss casas brancas, e, perto, um pagode de Cali, a Deusa da Morte, arqueia no ar as cupolas laminadas de oiro. Urn balsamic° mel selvagem impregna a paisal gem e entontece. V atsald 0' fluids sombra azul das firvores gigantes, Es urn veludo a arder na minha came linda 1... Lova as mios ao peito magnetizada. a terra os olhos t Que delirio me abraza os seios palpitantes?... Rompeste Como urn sol na noite que nao finda, 0' Itibricavisao monstruosa e divina... Mas que importa?... Sou mosa e sou formosa ainda. ■ 2 V A T. S A L A E pondo-se de joelhos diante do Rixi: Eis-me enfim a teus pas, suave e peregrina ; De perfumes ungi meu corpo de rainha, E venho por teu beijo ardente que alucina. Eu sou como uma deusa, a teu lado sozinha, E lembra o meu olhar a tirnida chitela, Sob os meus pas exulta ainda a erva daninha. Bern sei que to es casto; e nao vas que sou bela ? No meu amor seris como o rei triunfante Que nunca teme a dor, porque pode esquece•la. Sou a tarre-do-sonho, airosa e luciolante, 0 retiro de amor das almas doloridas. Engrinalda-se ao ver•me a alma solugante. Mas s6 por ti deixei, como as ranins vencidas, Meu leito de rubis e de astros cravejado. E ergnendo-se nnnia dolorosa ironia: Ve se sabem amar as mulheres perdidas. Abre o teu coragao como urn cofre inviolado, Onde nunca fulgiu o luar das quimeras, Puro e sereno como as virgens sem pecado. Ai f deixa-me cingir-te, tal como as verdes heras 0 tronco da palmeira, a tua came dura. Eu sou a grata, o vivo, a luz das primaveras. T A L A Na Etta lembranca dorida passa a sombra do dia em que, alvorocada e tremnla, els vim, primetta ro, o Mahatma, sentado ali, no mein de paharis semi-mis, sereno e doce como um bronze em que um mantra de Crishna houvesse transfundido tads a sue vida divine. Fotava ali, evocando, num cantle° august°, o sonho imortal dos Rizhi de Cailass... Tu nAo foste s6 bronze... a hut face cream Lembrava urn calmo luar e a tern= dos ninhos, Teus olhos eram mios afagando a amargura. E eu vinha de urn jardim por isperos caminhos, Ver•te a juba de Lego, em meio da &testa. Ouvir-te a estranha voz que amansaria espinhos. Eu vinha sempre, sempre... e era doce e modesta, No meu sari bemfeito, odorando na sombra, Por ti deixava, amor, a minha casa em Testa. ...Que importava o destino imprevisto que assombra ? Nao é acaso o amor o caminho que mode Nossas vidas conduz como sisbre uma alfombra?... Eras ali urn Deus, o torso bruno e forte, Bronze sem mancha, o olhar suavissimo e distante Alga= como eu jamais sonhara por consorte. E era eu na mata a cascata ressoante Onde nunca pousou a aza de urn sol que nasce, Onde sempre bebia o tigre e o traficante... A' figua, deu-lhe Deus uma formosa face... Quern Ihe ve a alma que na luz se dilaters, Se a mancha ardente e tragica diz Deus que passe?... • v A T i S 3-- A L Cantem no artelho asses guisos, Facam-nos morrer de sede... Beije-te a Iuz feita risos, 0' minha amorosa rode I E num ap6lo doido e supremo: Ah, liberta-me tu da cobisa da fera... Ja cheira a cravo essa baca, E se queda sonatnbula. Na lonjura, doco o voluptuoso como inn rocagar do sodas, um rnlar do ,rolas uoivando sobo na luz do sol, paira um instante a tremular, langue, oudula o se esvai num pali do aroma de satidade c do ternnra... Perto no Bairro dos Jasinins, dependiincia do pagode, 85o os casiuhotos, meio colinado, meio telha vri, ondo elas vivem, fulgetu o se apagaui. Toda a tristeza tai sObre elas do au, no inverno; toda a lava d o E nao ha quern mais a alin.de. • Donde esse ritmo que toca As rubidas almas de Hind ? . Tremes, tolinha, desfeita Em pranto de obscura magoa. ausindorve.E'iadbose uma Deva-dassi pequeniva, catorze anos de lotus sabre uma ague mansa, tier em que se embebe tada a grace do sol nas ente, noiva de urn hibiscus, tambem florido, de ja dim hurnildo. E' como olas casam,•pobres ayes entregues aos ventos da Vida. Com o hibiscus, a ixora, o jasmineiro, os cactus pontilhados de sangue... Ao lado do sacerdote grave e seri°, que consagra o noivado, uma jovem voz canta, eusopada em voltipia e pranto: V A ...A guiga s6 é bemfeita Quando entra risonha na agua. Na polpa da tua pele Que sortilegio havers ? ...Ah, quem pox ti sofra e vele Como um Deus na dor sera. • Cantem no artelho asses guisos, E brinquem flares na transa, Beije-te a Iuz feita risos, Que tu vais casar, criansa. Poe o cocume na testa, Veste o sari mais bemfeito... c Sabes que o dia a de festa?... E eu nao vejo arfar-te o peito. Teu Noivo ? 0 rabid° hibisco. e Que mais quererias tu ? NA° tern espinhos, nem visco Para ferir-te o seio nd. Que o sol to baile na transit Como num jangle sagrado... Bern undo ai ser, criansa, 0 teu ingen4 noivado. Ah, quem mais ventura logra, Do que a noiva de uma Flor I Nunca terns uma sogra, Nem tu crearas em dor. A V A Y A • T S A L 0' linda noiva de o arbusto, 0' mesa que o mundo admira Enlaca-te o airoso busto A mais formosa Mentira. No riso da cascata, mixto de docura nupcial e de lefts materna, travesso e rftmico, sabre a curva sinnosa da colina, cria o Sol a imagem da Beleza, verdade eterna on divina Mentira, que sere, sempre a teta maternal das almas. Os ais da agna que se choca e se esmigaiha, de pedra em pedra, transformam-se. a vara do Milagre, em riso, euritmia, kstase fecnndo... De onvf-la transborda a alma do Pandita: Eu tinha azas... Subi... Sonhei a gloria De hater com amor sereno e vasto A' porta do meu sonho, onde é o Paste Do set que é luz ou sombm merencdria. Vatsald: A carne fez-se nuvem incorp6rea No v6o de oiro per um ceu tao casto Seguia um vivo, luminoso vasto Longe, tao longe da paizao ingloria. Ergui-me como um diva her6ico e ardente, E era a porta do Chu de mim tao perto, Que quasi a via arrebatadamente. ...Volto de la mais pobre e triste e incerto, E sd te vejo, Amor, etemamente C.nando com teu sangue as fontes no Deserto. 7 T 6 7 A A Morre o ultimo rubor das ixoras sob a chapada fulva do sol. Um tepid°, tantalisante aroma vein do jangle, halito de adolescancia enamorada e de miateriosas coneekaes, sobe, ondulando, no ar, en' valve a terra, envolve, amacia, acarinha a bailadeira. Surid, em toda a sua gloriosa nudes desmaia no languor da Floresta ntibil e nita. E Vatmali, embriagada e ciciante. erguendo o olhar de uma fonte, onde a agtia é quasi morta, para o mahatma, e poisando-o logo, enabevecida, na linda musical da an afogando o cabelo esplendido ands hi ritmos de mar dancando na ogna: Por onde passo, ajoelha urn deslumbrado c8ro, E beija-me os sinais da sandalia doirada... Que sera do meu p6 ?... S6 de sonha•lo, chow. Roca-te coneu cabelo a came magoada E arde eml mint o Desejo em voluptuoso fume Para vestir-te a nudez trigueira e macerada. Mas embalde, Maraj I eu te embalo e perfumo, A came bruna e o coracao que se dissolve... Teu sonho ntlo me ye e plo muds de rumo. Que sonhas tu na noite imensa que te envolve ? Que visa° ma esmaga o teu desejo de homem, Que, se subiu ao ciu, a terra nao mais volve ? Ai, a docura desta dor que me consents E riao fui mais feliz quando me vi tae linda E rajas a ajoelhar 56 de ouvir, o meu nome. Se tu pudesses ver-me I Eu sou a grata ainda Nada perdi por esses asperos caminhos E por todo o Hind, amor I eu sou sempre bemvinda. 3 V A T S A Ainda transform° a dm em canticos dos ninhos mamThas Corn urn riso de criansa e o Unit das de ver-me embala-se em arminhos. 0 paria só doadoras do sonho E acariciando Coln as 111a0S o cabelo negro e basto conic> um voludo tUrgido: transa que brilhas, mtirmuro, 6 0' rneu cabelo Ergue-te em rumorosa, irreprimivel onda, Cobre-nos a nos dois, leva-nos para as ilhas diviniza a paixio mais hedionda Onde o amor came adolescente da Lena. Stsbre a vale, aveluda-se em promessa Ao fundo de um. de amoroso afago urn verde infantil do herva que nasce. Vein dela tun apelo, uma solieitacao irresistivel para o coracio da balladeira. Dir-se-ia entito que da apojadttra dos seas peitos aortaegio fiaia, espalhavo. no ar aloirando-o, impregnan_ do-o de um rOsco aroma de embriagas o do vol6,pia, conic> asa de rola rutiando sabre o ninho. E cla: A I T V S A L A 9 A sonhar dormindo sobre as pedras mais toscas Como se eu to embalasse a alma que delira Num leito nupcial de seda e prata fel seas. E embalada no org-ulho da propria formosura: Dize agora, Maraj, . nao vale mais a Mentira, Que de rosais em flor os abismos debrua? e Nao vale mais que o Ideal que em nossas maos expira? Quando ao som do murdanga danco a luz da lua, Poisa nos corasoes a minha Tina imagem, Desfeita em chuva de oiro, ou, como as Deusas, n6a. • tal como a cascata ao cafr na voragem, Feita pualha de sol, que embriaga e abencoa, E aveluda num beijo o granito selvagem. Ai de ti I ai de mim 1... Se a vida foga, Oa, 1 Que importa que a nossa alma em Brahma se concentre. Morto o jardim, esvai-se o aroma que atord8a... E to queres que a Mate em tua cabana entre Corn a mensagem da Verdade que sonhaste, Ah, para ti morrer é renascer no ventre Do Lotus que é so luz e jamais tomba da haste. Maxaj para as florestas... Vamos! Fujamos, 6 Ha jangles no pais que a tua Lei nao sonda. Tu has-de ver ali os Deuses que ignoramus Sem as tiaras de sandal° e os ventres em rosca, e 'saltam pelos ramos... Deuses que sabem tit Um raio de sol trespassa, vivo e risonho, como nma caricia de adolescancia em flor, a nmbela da figneira alta, poisa na fronte da bailadeira, embebe-se na sna boca, penetra o sen ser e é um pente de luz brincando na tranca negra••.Ela 2 Ti X10 V A S A eseuta, trt":mula e dorida, uma voz que se aproxima : Num verde bosque, a beira de uma fonte, Eram as tres mais lindas bailadeiras, Que eu via sombra cloce das palmeiras, Cheirando >1 sandal° e jasmins do monte. Disse a rnais nova:—" Vede a minha fronte Nao sou acaso a rainha das trigueiras ?" Atalha a outra :—" Das ms.os mais feiticeiras, Do olhar que a Terra urn r6seo C,eu aponte Eu sou a dona. "—Entao, formosa e n6a, Sem nada dizer, ergue-se a terceira. E &Ina assim na fonte a luz da lua. • ritmo a came esplendida e Ideeira, Mas, horror I Quando a danca mais estiia Tropeca o Eno pe numa caveiral E Vatsala, comb dosportando de mn sonho : e Nunca amaste, Maraj, a Graca, a Formosura, O L6tus que floriu p'ra regalar os olhos Dos que sent= na came o vibriao da arnargura ? O amor devera ser como urn ceu sem abrolhos. Ai, amar, deslizar num chao de tartaruga heti? em um bergantim sobre um mar sem escolhos. Como a dor de viver nossas almas enruga Nostalgia imortal que as prende e sobressalta, E de brasas vestiu minha pele sem ruga... A L A 11 L a. Umbra urn tigre cruel, que na floresta assalta 0 viandante incauto e a tfmida chitela A sede de ilusao que me aturde e se exalts. ...e Donde vieste, Rixi, para mim que sou bela, Corn os olhos de luz e a voz que amaldisoa 0 Amor, que os bandaris corn os Deuses nivela ? Um s6 instante a luz em nosso ser escoa, Fulge e flameja como urn sonho albodoirado, Cando de oiro, que no ar tao fugitive ecoa 1... S6 vale a vida se 6 desejo realizado, Se 6 Sonho, se 6 Mentira amorosa e fecunda, Como a face do mar sob um ceu estrelado. Cerra um instante os olbos, e num sorriso que unaa fntima angistia envenena: Donde vieste, Maraj I corn essa voz profunda, Que lembrava um rugido escaldante e selvagem, S6 lembrava a Pureza a t8da a Lepra imunda ? ...Teu arnor no meu peito 6 como uma tatuagem... Ai, deixa-me beijar-te e cumpra-se o destino, Eu s6 quero beijar-te e cair na voragem. Os seus lablos Golan:-se doidamente b6ca do Asceta. E ao senti-la fria um desejo insalubre lie esealda os seios : Urn cadaver to 63, 6 dace peregrino Morto, nao mais digs que sou a came impura, NA° mais me afastara o teu gesto felino. 12 V A S Al A . ,. Ah, sao abjectas, due, e siio vis porventura luz sao as doiradas imbulas, As fibres que Se no 'ado as espalha urn yenta de amargura ? Mas um instante o seu espirito se aclara da nuvem de embriaguez quo o turva••• Ah, nao fora ela que the deitara, envenenado, na'escudela de pedinte, o leite de vaca preta••• Ah, nao sable ela que o Mahatma bebera envenenado, na sua escudela de pedinte, o leite de vaca preta que era tbda a esmola nesse dia por 6Ie recolhida ?... Nunca man, nuns mais, como Apsaras noctimbulas, Tuas palavras de oiro hao-de embalar minha alma, Quando fulgem no ceu as estrelas son&mbulas. A morte deu-te a paz, a eterna doce calma, Morreste, o que imports ? 9 o meu sangue ruge e arde, 0 teu beijo de gel° a sede nao me acalina. E sentindo-se envolvida num glicido clarao do sol poente : • #, 0' sot, 6 sol, 6 sol, 6 meiga luz da tarcle, Nao me venhas sorrir no horror do sacrificio, Nap abraces meu corpo amoroso e cobarde. Arde 'elite a fogueira do Mahatma. Incendida e louca, ela junta-lhe, a fogueira, ramos sOcos de iigueira sagrada, e breve trausforma-a em uma pica. Paira na sua lembrauca, asa sinistra e en- V ' A •T ,5 I A L A sangitentada, a sombre da noite em que sue mai a vendera a um mereador bramane; tinha ela! 15 anos ou pouco menos. E convulse, os olhos °halos de odio, os labios cheios de rancor Minha mai deu-me o cetro infamante do Vicio; E pequenina era eu como urn l6tus abrindo, Antes me dera o fel e o birbaro Em vao, em vao sonhei urn sonho claw e Endo Para o Amor eu nasci...e Que 6 feito do meu sonho ? e Que 6 feito, Madeva 1 dos meus rosais florindo ? Da lua tinha a face e o coraslo risonho, Todo cheio de sons e o loiro sol que ensalma Meu coracao morreu num temporal medonho. Amei o Ilomem, Devi ; dei-lhe o mel da minha alma, Mistica e virginal como a alma da penumbra No seu sonho vibrei flexIvel como palma. E nao sei donde vem o sol que me deslumbra Que de longe, ai tao longe, a fina mao me estende E me embriaga de amor se em meus sonhos relumbra. Ah, porque sonha o ceu a mulher que se vende ? No pagode de Kali genie o sarangui, ardem_ lampadarios de prata mareada, tilintam manilhasde vidro e as bailadeiras dencem diante do Fogo Sagrado• A voz dos murdangas funde-se numa irresistivel solicited° de amor, envolve-as como num flame° de ritmos e perfumes. De pernas encruzadas assentam-se sObre esteiras de bambli. A 14 J T briirc i nes e dessainaS, escutando • • • Na voz das dir-se-ia que se diluiam pastilh.as de •" Caro de bailadeiras : Durga, a Serena, Deusa da Morte, Tem olhos de hiena E airoso porte. Durga, a Serena, Senhor, Senhor Traz-nos a Morte E é Insii do Amor. Nao vem sazinha Durga, a Serena, Dula d daninha, Tal como a hiena, Nao vem sazinha Senhor, Senhor Durga, a Serena Traz-nos o amor. De seus punhais O sangue escorre, Chove em corais Na herva que morre. Chove em corals, Senhor, Senhor A herva que morre Vejo-a em for. V A T 1 A J L A 15 E o p6, agora, • mudado, Jardim de aurora Todo orvalhado. E o p6, agora, Fez-se herva e for Ei•lo mudado Via mAo do Amor. Uma bailadeira qua vai a frente de urn cortejo envolta ent uma nuvem de sandal° e jasmine, attreolada trespassada de olhares implacaveis e, ao memo tempo, suplicantes, (ie parecem ma.os a guarsrem soltarlhe o sari diifano, desapertarlhe o chali junto, calcar-lhe de borzegnins de flama ca pee ntis Amor poe-me nos olhos Essa doirada renda, Nao quero ver abrolhos Na minha breve senda Que eu vejo s6 o Deva Que luz e ritmo e graga Soria ou Kamadeaa Deuses da minha race. ...A beira desse abismo, Onde enfim heide cafr e Hide a minha alma—dii-moVer rosais a florin ? 16 V A T S A L A Ja vai longs o cortejo. 13eijos de sol, caricias de sombra, toques de cbr, rufiando, como asas de elfos, em 'volts da bailadeira, poisando sobre o esplendor da sua cabeca, impregnam o ar de urn lino perfume quo entontece• Apaga-so a voz quo era como uma resins do sonho o do lascivia, ardendo em piveto de oiro numa love, ondulante, rdsea claridade. Passa urn boiragi chocalhando camandulas e cantando numa voz, que torna mais saudoso e mais sereiio o entardecer Ndo te verei extinto 0. sol, meu estandarte ; Dentro de mim te sinto, Comigo hei-de levar-te. E serei, sem alarde, Lume que nunca ;moue, Biazeiro canto que arde Perpetuo numa tone. Urn Sadha A A T ° S I 'A Seiva ou p6len fecundo, Meu ser, por Oda a parte, 0' Creador do Mundo H£-de enfirn enlacar-te. Hei-de ver-te na fonte, Adorar-te no arroio; Por ti serei no monte Arbusto, trigo ou joio. Serei na crista da onda Espuma de oiro a aflar No mar, que ninguem sonda, Urn fremito de luar. Deixa-la vir, a Morte, Sombra de Deus na Dor, Deixa-la vir, a Morte, Mai do infmito Amor. Urn puroito Saindo do templo, seguido de iniciadas e chelds, corn o sen coco-de-mer na mao e grossas contas de frntas silvestres ; a face urn tanto exalvicada Eu sonho a Hora Suprema Em que irei j£ disperso Em ritmos de um poema, Que se chama o Universo. —Solta-me os lassos, 6 Maya 0 Amor 6 mentira e magna... Uma voz distante, ire/Idea e doce: —A onda quebra-se na praia, E volta ao Mar, e é sempre igua..• - 17 • 22 •••••••Il ` V A T S A , V Ate, r. A E num desespero infinito : E nura desmaio : I Ai, thio se apaga nunca este rumor adustof... Ah, se piedosa, 6 Luz ! Beija-me to a face Num noivado de amor que é pranto e harmonia, A sombra de um denso bosque de tamarindos sio os lingas antiquissimos, simbolos de Siva, a Dens qua canta e ri e danca envolto em uma pale de elefante, manchada de sangae•. Ao lado de um (Mises lingas um b6to recite, na milenaria mono , ,diaherosv6,nmequaio ravelsdoDntimevodltacs nome, uma f6lha de bilva, o ser vegetal predilecto da divindade, Sabre o simbolo sagrado. Wadi. nao os ye, mas ouve distinta uma voz juvenil que canta. E ao 'bath da sna entristecida iroaia, limpadas de oiro se apagam no abismo doe olhos da bailadeira. A voz : Se tal como uma mai que o meu sonho embalasse. Ao longe um sarangui genie de amor e melancoi.M,fsemprancho distante a voz de uma ribeira. Soups verdejam vivas e risonhas sem o pressentimento maa de qua vireo sacs-las e pars as sementeiras benditas. E mama nostalgia intensa ela : Como esquecer, meu Deus, o sonho que inebria I Deita tuna folha de bilva E cerrando os olhos lentamente : Sabre o simbolo sagrado, Esquece a cobra que silva Vinham rajas beber, palidos e sedentos As iguas do meu banho, encantada ambr6sia. E o capelo abre a teu lado. 0 b6to que vi contando Mil nomes do Deus trigueiro ; Tu seas feliz s6 quando Perfumavam meus pis corn suaves unguentos Rubras bikas febris onde o desejo estua Era como urn pendao a limnsr aos ventos Ouvires o derradeiro. O meu corpo moreno, a minha came ntia Poisava o meu olhar nas aimas laceradas Como a sombra de urn sonho e a caricia da lua. Chovam fOlhas sabre o SObre ti bensaos: de Deus Volve-te em grito de singa • noites de sigma, finas e consteladas O meu corpo a tremer como um sagrado arbusto Ao som dos tamboris e as cantigas doiradas. Batendo a porta dos ceus. .44 Z4 V Sorri buscando a Verdade Mas, ai ! a Verdade o que 6 ? Nao sabes ... nem eu... e Porque ha de Ir tao longe a nossa fe ? Imita o Deus que danca No thbido ardor do teindava; Se como tun doido e a criansa, Como as hervas e o pdndava. Cre em teu Deus, se o servo Da fe que as maguas to acalma ; Seth o pao do teu nervo E o vinho da tua alma. E na danca mars fremente, A luz do sol e ao luar, No riso, que 6 ritmo 'ardente, Conserva o dom de horar. Delta que entre em tuas veias A luz do Sol ; tanto basta Qum ouve a voz das sereias Vale o Deus da tua casta. Longe o dorido cipreste, Que o nao imitemos n6s. Urn riso ao menos ateste Nao termos só prantos na voz. VI de roda ! ... A noite muda Lancemos o hino de, Siva Nossa alma talvez s6 iluda Diante de fe tao viva. A T S A L T A A. porta do pagode de Cali um moco pandita, cercado de rajputs, diz numa leve, alada cancao, a grandeza, a beleza, o supremo poder do Amor. 0 auditorio acompanha-o ao born de pequenos pratos que parecem de oiro e tilintam como cristaia. Maya q ueria, Cansada um dia De engrinaldar A dor sem nome Da vida do homern, Novo Deus criar, —Urn Deus que fosse Piedoso e doce Como a chama do Lar. Deus que levasse Na fronte e a face Urn calmo luar, E Razio fria, Naguine esguia Desse a magia -De asas a aflar. E a Luz inunda A lama imunda, Veste-a de fibres, Translucida asa, Que exalts, abraza Embalando dores. S A L No find° insano Do ser human Eis senAo quando Urn reptil silvou. Quem the dissera Donde a Luz viera, Que mantra a criou. Silo • e faisca, E os ares risca, Tal como urn raio E o sol nascence, Ei-lo tremente Em urn desmaio. E a Luz se extingue, Nem se distingue Do venue a flor, E morta a Graca, No ar esvoaca A asa da Dor ... Maya, por isso, Rindo-se disso, Criou-te, Amor. Os rajputa aplandem xabas xabas ! Num enristamento sensual o peito da bailadeira arfa e se levanta. E ela : Meu amor, 6 meu sol na dor e no vilipendio 1 Eis meu corpo auroral de contactos divinos E o coracao a arder nas cinzas de um incendio A T 6 A L A 27 Palpa a seda real dos meus cabelos fins, Beija-os, aspira o bangue e o sandalo que enleva, Bebe na minha &Ica os filtros femininos. Os meus cabelos, ve ! lembram a luz e a treva, Pelas costas correndo em urn Ono de brasas, Que os frios corasoes incendiando eleva. Noite alts, meu amor, 6 lava que me abrazas, Quando o luar subindo o palmar enfeitica, E erra no ar sensual como um frimito de asas, Eu sinto que me van, humllima e submissa, A tua alma de rei mendigar solucando A minha came morena onde o desejo vica. B a sua voz se aveluda de vobipia '13 de embriaguez. Toda ela é uma pedra de inme chispando de lascivia, um pivete de oiro wide ardem reams raraa. 0 sol aquece o corpo rigido do Mahatma, que ela toca enlevada cam a pont& dos dedos: e Nunca sentiste, amor, do meu seio tAo brando A suave nudez celeste e triunfante ? Junto ao teu peito de ask imaculado, arfando, Nao me sonhaste nunca, esvelta e palpitante ? Mas agora eis-me aqui, 6 Saniasi augusto I SO por teu beijo eu vim, 6 meu formoso amante 1 S6 to Ids-de cingir o meu flexivel busto, E quando eu to beijar, como o fumo dos lares, Hi-de em fumo evolar-se o meu desejo adusto. V V A TS A L Eu venho de urn covil de lobos e jaguares, Dos antros onde espreita a cobra venenosa, Escondida, meu Deus, entre Bores solares. Eu venhc para ti que es alma vitoriosa, Das terra onde a came ulula esfomeada, Das gentes onde a alma é lepra dolorosa. Quem es tu ? e o teu none ? e a tribu abencoada Donde yens, como um sol de um du que nunca vimos, Como da noite escura a luz da alvorada ? Nao sei, mas vejo o coracao afeito a mimos De urn sonho feito de pureza e suavidade, Do Bem que ate no MalFai de nos !—pressentimos. Diante de ti se dobra a minha mocidade, Como Lira guerreiro ao pi da Graca e Formosura, Como urn monge evocando a Suprema Verdade. • E contudo nao larga a minha came impura Urn desejo imortal que flameja e se acirra Ao ver-te a face bruna e trigueira e dura. E lastimosa, os olhos embobidos no sortiggio do seio tirgido VC ! a minha nudez é um jardim de mirra I A A E para Emanate No templo vetusto uma voz empalidece na calma tristeza de nma cancio de sombra e de soledade : Noite sossegada ! Leva-me contigo, Palida e cancada, Crianca sem abrigo. Beija-me sorrindo As miguas, 6 Sono ! Sorrindo, florindo No meu aband6no. Ern lencol de plumas 0 meu ser envolve Noite que perfumas, Em ti me dissolve. Minha alma olvida 0 desejo infiusto De prender a vida Neste corpo exausto. S6 a ti se entrega, Noite sossegada, A minha alma cega, Palida e cangada. De t8da a fadiga, Que amansas, perfumas, Faz lhe tu, Amiga - Um leito de plumas. V A L V A. A " g A ---- 1"MilPr- A t, at Tem-se levantado uma aragem de volipia e de infinite suavidade. E, Vataala, na febre de um desejo monstruoso, que the varre de redo a razio, junta it fogueira breve do Mahatma aches de figueira e de sindalo ; tranaforma-a em uma pira. E Embala-a nos bravos, 0' Morte serena solta-me os tacos Da Vida, sem pena. E logo como esplanade pela voz de brume e de soledade, outra voz de adolescente, como um veio de Ague cheio de sol e de perfumes, invooa Soria, o Deus da Alegria, do Ritmo e da Beleza Ai que s8de de ti meu coracle caldeia I E Oda em beijos cai a minha alma na tua, Lava e filtro mortal que atordoa e enleia. Veste-me co' o teu olhar macio c.omo a lua, E mais doce serei pars o teu desejo vasto Nao yes que estou, assim como as estrelas, nda? 0' Luz, 6 seio que alitnentas As almas, os vermes, a flor, Cria nos mares das tormentas 0 eterno misted° do Amor. ' S6 de ver-te floriu o meu sonho nefasto, Como um jangle sem fim de rubros vagalumes, E urn ?kw de rubis no meu cabelo basto. 0' ventre astral, maravilhoso, Das mais sublimes Conceigaes, Em•ti que me de ste repouso Nascem as minhas ilusaes. Enlaca-me, Rixi, da-me urn sari de lames. Nao me yes a teus pis humilima e vencida? Nao sentes o meu corpo ungido de perfumes ? Se to as beijas, dace e calms, Formas sem conta, feiticeiras Entrain dancando em minha alma, Como suaves bailadeiras. 0 desejo, nm inatente, é no tseu sangue corno a luz de uma limpada betide de vento. Penceextinguir-se. Maa o vento cid a tuna voz intima. e indomavel. E Vataala Na hors extrema, na agonia Beijasses to meus olhos, Luz. Ahl como a Morte floriria De tantos sonhos que em ti puz. Nao soubeste, Maraj I como é doce esta vida Hi tigres na floresta e cobras de peconha, e Mas to viste algum dia aldeia mais florida ? Volta depressa, 6 Sol fecundo, Dissolve a sombra, a escuridao 0' Sol, 6 Beleza do mundo, Berco do nosso corasio. E eu sou como este jangle onde a vida i risonha, Cascata feita luz e feita ritmo e grass, Se rompe um claw sol no corasSo que sonha. 4t1 V A T S A V L A T'S A a• A- Tem-se levantado uma aragem de volipis e de infinita snavidade. E, stibito, Vatsala, ns febre de um desejo monstraoso, quo the varre de rOjo a razio, junta a fogneira breve do achas de figueira e de sandalo ; tram:do uma pica. E larica : Embala-a nos bravos, 0' Morte serena I Ai, solta-me os laws Da Vida, sem pens. E logo como espicagada pela voz de brums e de soledade, outra voz deladolescente, como urn veio de ague cheio de sol e de perfumes, invooa o Deus da Alegria!do Ritmo e da Beleza : Ai que sede de ti meu coraclo caldeia I E Oda em beijos c.ii a minha alma na tua, Lava e filtro mortal que atordoa e enleia. , 01 Luz, 6 seio que aliment As almas, os vermes, a for, Cris nos mares das tonnentas 0 eterno misterio do/Amor. Veste-me co' o teu olhar macio como felua, E mais doce serei para o teu desejo i,vasto Nao yes que estou, assim como as estrelas, nda? S6 de ver-te floriu o meu sonho "nefasto, Como um jangle sera fim de rubros vagalumes, E um j8rro de rubis no meu cabelo basto. 0' ventre astral, niaravilhoso, Das mais sublimes Conceisoes, Enrti que me Cleste repouso Nascem as ,minhas ilusoes. • • Enlasa-me, Rixi, da-me urn sari de lumes. , Nio me yes a teus pes Intmslims e vencida? 4 Nio sentes o meu corpo ungido de perfumes ? Se tu as beijas, dace e calma, Formas isem conta, feiticeiras Entrain dansando em minha alma, Comb suaves bailadeiras. 0 desejo, um instante, e no sou sangue corn° a lnz de uma lampada batida de vent°. Parece extinguir-se. Mas o vento cai a uma voz intima e iridomivel. E Vatsala : Na hora extrema, na agonia Beijasses tu meus olhos, Luz. Nao soubeste, Maraj I como 6 doce esta vida Hai tigrei na floresta e cobras de pecoulia, 4 Mas tu viste algum dia aldeia mais florida ? Ahl como a Morte floriria De tantos sonhos que em ti puz. Volta depressa, 6 Sol fecundo, Dissolve a sombre, a escuridao 0' Sol, 6 Beleza do mundo, Berco do nosso corgi°. E en sou como ate jangle onde a vida E risonha, Cascata feita lux e feita ritmo e gracia, Se rompe um claro sol no corgi() que sonha. AS. 32" V Uma sombra do ceu tambem em mim perpassa, A mesma seiva alacre, o mesmo sonho ardente Do roble augusto e das ranins da tua raga. Mas batem-me na estrada, a lux do sol nascente, Como uma garra ma, os ventos dos tufaes. ....No meu pals, Maraj s6 a Lei sempre mente. E contudo to es das minhas ilusaes Aquela que amo ainda A sna mao poisa tremnla sabre a fronte do Mahatma. Emudcco. E' a Morte quo tem diante de si. Mas logo o sangue melhor da sua rasa, enganado, mistificado, tornado inerte a raiz da sua substancia, aflue ao sea cortical°. E ela : A mode nunca engana. Ouvi dizer qud nao avilta coragoes. • Entregar-me-fi talvez, reconciliada e hurnana, Presa a ti, meu amor, num condbio bemdito, A Vida que jamais foi abjecta ou tirana. E num grito : 10' corpo exangue, de pureza e de granito I Perfeigalo que assoberba e que jamais se atinge, Asa de Sol que é Deus e habits o Infinito • . . A polaris irrompe-Ihe do peito, Silva, canta, tintinibnla na voz que tanta ye; endoidara os •fleis nos pagodes, ora fltiida, violac.ea, tremula de A T S A L A 5,5 caricias, logo inquietante, porperea, esparzindo semeando desejos e delirios. Nam relanapago mau volta-lhe a lembranca do leite de vaca preta que deitara, envenenado, na escadela do pedinte sagrado. 0 Mahatma pertencia-lhe agora ••• E langando-se it pira, depois de nela ter depositado religiosamente o cadaver do Asceta : Posso enlagar-te enfim Tu pertences-me, Esfinge IIm vento mais forte fnstiga as labaredas. E' nm incendio a pira charms envolvem oe dois corpos unidos num amplexo eterno. GLOSSARIO • to , Bailadeira—Devaidassi, a serva de Dens, mnlher qua eanta • • -2 danca, nos pagodas, a quern a prostituiclo, senclo hereditaria, é quasi obrigat6ria. Rixi—Asceta. Ranins—Rainhas. Paharis—Montanheses. Mantra—Versicnlos de niagia. Sari—Pano corn clue se vestem as mnlheres Pandita—Sacerdote qua se consagra ao estudo dos Livros • Sagrados. • Dava—Dens. Suria-0 Dena Sol. Mnrdanga—Uma eppecie de tambor Bandaris--Indivillgos pertencentes a nma sub-easta hindi •B4madeva-0 Cupi do hindu Sadhi—aseeta Puroito—sacerdote hindd Lingas--Corresponde ao phalua grego. . B6to—Sacerdote Singa—Clarim hind.• Tandava—Ronda predilecta de Siva. Maya—A Densa Lusa.° Jangle—Floreata Apsaras—bailarinas da diem do Deus Indra • ka.41 3. D410 A DEUSA DE BRONZE 4bre cpm •fttreln(in a nor ' a ap mnr.Nm i vani, de sari branco, antra no boudoir dialtas ogivas bordadas de eEmeraldas. A luzVboa furta-cores. Ardem aromas raros. Ha rompa, . delirio, grande3a... a urn calafrio de rnorte, Sabre toxins d'oiro cae:n nregas de brocados gloriosos, panos verm ,-lhos corn cegonhas, bordados durante sErcUs. De palpar o tecido inestimavel sorri de volupia a mulher trigueira. E foarcz(stica: Honra ao sangue do homem, o' Linda seda rara. E despe o sari branco e solta o in-,enso cabe4o cortado d'ondas.Der;taca da Luz mietica o seu perfil alto, o talheque deslurnbra e enlou• quece; o cabelo rola tumultuoso ate o chao De pa, nIuma adoracao do seu ser, fecham-Wlhe as palpebras e a boca nAra n'um sorriso mole... 0' meu corpo, o' meu corpo, o' forma altiva e linda, to me refrescas como um banho d'agua clara. que maharajg, quedeus era ti sonhou ainda? Tu despertas em YttiPensamentos augustos, e tua beleza 6 como um carnro quo na-O finda. 0' meus seios a arder terr:(veis e robustos: Sinto a ambi9ETO do mal t da ruina e as fumaradas, a anciar de pisar reis de triunfantes bustoO s e soltar na sua pena as altar, gargalhadas. 0' meu capricho doido, infausto e Peregrino; o ' puros coraOes pizados nas calcadas... 0 meu sorriso a como espada d'aco fino. Quantos povos meu Deus caien de joelhos de ver sabre meu seio o bico recuenino... As feridas que abri com meus labios varmelhos vejo todas sangrar na febre e no inforttinio. Levanta-lhe o labio a ironta malevola. Beija o cabelo anbarado, a em grandes masses aperta-o contra o solo. Afaga-se lentamente e aorri... Voluptuosa no pescofo inclinado e os anon corrados so meio: 0 men corpo, 6 nou corpo, o5guisos dos artelhos. batidos AO passar de noite ao plenilinntq; Que vat um rein Amado e o brilho dum tesoiro? Todo um nundo de pompa a de ambiiin reune-o meu corpo intacto e n6 na alta torre d'oiro. S6 to me vas o'sol feliz e solitArio. que passes pal() oeu corn o teu diadema loiro. Sacode-a uma comofao rara de febre e de lastivia. Vibra. A rale trigueira se aveluda. Agita a cabeca. 0 cabelo se espaiha em um vasto manto negro. Quern A que me GUI na boca o beijo extraordinArio? Sinto subir meu sangue assim como a cicuta; enche-me o coracao dum sonho tumultuArio. 0' que A que quero eu? que formidAvel lucta a se travar por mim nos campos das searas, rats trazendo A carnagem a gente ingrata e bruta? Quero velhos rompendo as grandes barbas bauncas, 0 seio de ranis Para sempre esquecidos? Quantas vezes eu vi lindas belezas raras. a olharem pare mim com os coraOis feridos... Mas eu sou a rainha altiva e triunfante que pisa sob os pee os bArbaros vencidos. Levantko cabelo com ambas as maos e enrola-o em torre negra no alto da babeSa. Toma de sues joins um grande diamapte cor de rosa e crava-ono meio da transa, engastado d'oiro antasluissimo., Unta de oleo glorioso OS seios. Por aquele oleo se flu um dia guerre crua, com cinza de cidades vastas. Poe um colar do , c/rol n rrn , -." of ''f'f'1. t. guisos nos pes e enfia o noth feito de pedra mystica arrancada outr'ora a um capelo admiravel por meio de sacrificio de cerltcreon ae de leite. Entao Bhavani: 4 You ao beijo de amor solitArio o distante. Como foi e como foi que acendou-se a scentelha por aquele que 4 men tenebroso manta?' Frola-me a pelescomo uma chama vermelha; nua na torre dloiro o a sonhci-lo o a lembrg'sao... e a phantasia quanta urn par-do-sol semalha. Dobra-se o coraviO come urn fiel vassalo; a a minha alma o Ogle, como a"lua cheia. Por ele me prendia A cauda Wu' cavalo; partia com os pes descalcos pela areia, e passava.mil reis ao ► d'uma espada. Um pensamento em mim come as mares alteia! Nero sei que evocafgo ou "imcia desordenada t, que enche raivosamente o meu use alto o e contudo nao mata a cede inominada. 0 que 4 que eu nio senti? Que agudo sobresalto o af,oucmpixbqenotsd'alu dobra o peito da fera e a rocha de basalto? Que busque a minha forma inviolada e nua? Na torre Voir() amada e as frinchas d'esmeraida uma doida visao, como as nuvens, flurga Beija-me lL apaga a febre que me escalda o meu tenebroso amor das noites de del6io... Quero tudo esquecer, as nalmas, a grinalda e o Intimo grazer que 4 simples como um lirio. Nunca mais, nunca mais ao solposto o quandomestrladongecmu cyrio, rica a'brisa do mar atde afagar-me o rosto, e hade sorrir, cantar minha alma de crianfa. ARosto, billAe *lair gritos e sis das conceiviis na trans.. e,as aims • trilarsi as sass e as criancinhaa. Es vii hel9e buscar a inco'gnita esperanfa. Corrseahlio a papebra us ilitimo qualms:1e dorido. Dobra-se pars o chib e e second* co set* nun tremor. de castidade. Quo Boras se forms de soledade sem olaulher cla'aoi ca nas formas do bronze s corn us enter• necisento desconhedido. Mae deirepeni; sacode.4 ehoque de colera. Nna, sem o sari branco s alts chat& de Joias rams. bate o pa cingido dip guisos e se apruma nas cops ambaradas. Quo disse en?...Rhavanit Doidas visiis as sinhas... Onde as lam deitar os sonhos tespestnosos? Pi; sobre o ombro o largo manto vermelho bordado de cebonhas s e abre cam Ipeto uma Janela de torre d'oiro rendilhada de desenhos coso teias.Pie-se o sol no vast° pal 11 de minarates altos, teaplos de miimore e praise de ancoradoiros ricos„. 1-lo o solposto a ardor, o mar e as andorinhas. Olha-me o' terra vasta, altos azuts saudosos, o* sontanha. montanha, 0 forte sae imenea dos lees d'alta Juba e dos tigres queixosos... Guardae o meu perfil na phantasia intense, semi-nua a tremer na alts torre Como dum olho amOo a llgrima suspensa. 0' solposto no mal e 0 ce; ardente e liiroi Quern vos dissera a v6s, lindas formas suaves, quo a noite pode ser a hors dum mau agoiro„. Passes na asa leve e fluido v6o51 Waves, ide a canter, florir sem uma lembranca abscura da desgrar que abalwas sumptuosas naves. Eu sou a dense de bronze impassivel e dura! Quando en nasci s meu pai s forte como uma torre t vencedor de nacties.re donne urn lute cruel corn que a piedade norrei a urn pale de torturao extranhao; Gangue do loons que am minhas vacs corm. axilow.00 8 o _ .ono, aloha nae e o ventre des nontanhaotEn tive o coraciio des rochas de baOpilto, o nio traces op abrir nlnbas duras entranhao. Quo ere vat o delfrio e o aglAdo Wiresalto dos heroes que me nen corn a glcirla e os perfumes por neu carp* sem mancba a o meu cabelo alto... Quando o inverno obscuro accende vagalumes, recipe das conceisBes o aroaa nos florastas, ^ von-no da terra triste os naguados quaixumes. Longe, longs de am as procissOes a as festao, coo as forms do Kall,Ganesha a knhadeva... on ono o eau pensar, nals as visties funestas; assalta-me a torture o delMo da treva. E se fica dulasima. Cerra corn volupia os olhos no solposto,e junta as niios,scintilantes de pedrarias. Cobriu-a o sol ao cair no nar; Has ela num delirio malfadado: Quells e que ester shi no fundo do meu sonho? -Con um anelo agudo o meu afecto lava:- JA YOU, jA you, perfil nostalgic° e nedonho de rosca e de aneis que ningUeM viu ainda, e a alma de carvTao em que eu somente sonho. Fecha a janela ao solcosto, e abre a porta nystica, encinada de trofeus onde arden opalas enormes.Eetende -se d'ahi um fundo escuro e paYoroso.Cortam -se brilhantes degraus de prata.Desce Bheyani cheioide jbias, res cendendo a amber e a. oleos seculares. Perde - se na soebra o seu perfil trigueiro, mas as Goias Arden como cirios, a dos guisos pattern nelodias d'oiro...E 1 extranho aquilo na ranpa negra. Delrepente: 1).-Q-LAA lANA/0—CA.SSJCA \)e-L)"." C-e-ii\A"0 ae, CL- cka- a t-Ac nAtm No tuna° oa terra e Us paiaclo oe cam, Mita Ortraohaite: rd. marsore negro tufts, a as qlevadas 001405M talhadas de rata tiniest**. Us seculo de trabalho e aquae maneao de pampa• horror. No food* on tanque barradebt de espolhos 1Xtos s onde a tire,* as avolUsa a as dilata formidavel. Avant* per entre a coluanata o p9rfil de Bhavani triguei ras guises batendo no chao Aqui foram cos raps na hictvria que nao finds. dues renose que gels e a tradicio selvages!. quantos captivos s ail pelo terror das eras com a incia da claridade s'• tam..tam 0 paisagem sorreras a ulular coso em um cavil de revie w ssombras que via come as 'mavens paseandos Sombra meus grandee avas de tradipBes guerreiras! Triste lago que estas os mortos evocando s olha.me bem s oliligna...Impetuosa tu vacs as ricas coarse d'oiro a as viimeas fecundando; em ti o lotus naeceu a banham - se os pardais. E to firs a sepultura s iiva do lago (undo * 94 romps* do teu seio os solitirios ais. Aate 4 que eu vim faster na miragen do mundo lie. Ou devo it pare ti--igua que me olhos fria, so repouso do vada imortal a profundo? Mas nao...o sangue ferve, e canta a cotovia! O'aeu corpo rebel s untado a consagrado por ti se acende ao lenge a intensa nostalgia. -Como estou a tremer das cinzas que hei cravado?.. Calaoseu corapiel sem pensar no inturo s facha*mvos s olhos meus, no ltigubre passado. Meu amor, men amor, os ideal formoso e impuro alenta o meu rensar! No leito dlamethistas tu est&e a chcrar plc meu peito duro? A minha pale untei de essncias imprevistas; pare o beijo do amor oculto a vehemente dexei o reino imenso e a glcrria das conquistas... e doida e linda eu you para o connAibio ardente. / 4 o perfil de Bhavani entre as coLugubre lunas de m6more negro, come outlora na cidade d morte._Lanka e Nabaka. De route de lago 6 um salao onde_ardem os axles com aromas profundos. Sao ahi as arenas dos reAiVeneltios s tr(irlleuk_e cabeccx decepadai: Solitaria no satio dos Eiriost 0 , noetAigicos reis que em cima das muraihas punhois a ver o sol nas nuvens de poente.,, 0' desgracados reis feridos nas batalhas... 0' desgravados reis feridos nas batalhas... quem vos diria a vos, untados d' oleos puros s come os abutres mAus e as descarnadas gralhas • que vi4sis a ser pendurados nos muros! . \,9,,,ise..xN11-'• 0' iroina, 0' iroina, acre loba inimiga s como 4 que evocas to os destinos obscuros... Onde e que eu you tambem...ingenua rapariga de phant..,asia branca e os sonhos a alta lua s com o desejo feroz que o meu sangue fitstiga? Junto dos rids, tal como as TIOstituras nua, o que e que eu sinto? Ail... e ventre insatisfeito, e o del(rio a crescer como a mark que estua. Quem me cobre a vergonha eterna do meu peito? Torce as maos desgracadas. Mae e de marmore 0 seu seio quo nao oscila na macieAa e na piedade. De novo, ululando lugubr6 Sinto uma nuvem negra 0 meu pensar frolando. Come o fumo se vae o coracio desfeito. Sinto um clargo em mire sublime desmaiando. 0 que 4, o que 4, devIA que extranha nostalgia dum pafg que eu sonhei, e nao me lembro quando... 0' luz, luz, o'luz, ol lZmpida harmonia porque 4 que eu sinto-a em thim como um sol apagado, e a minha alma 4 como os alabastos trial Sinto oe agoiros maws o o grando cou chagado. Rao nobe a cordilhoirn o ltar quo ontornoco o enaobrtumfldacieopndO. Do d000ngano quo nao morro o a can taco torva... Up coil.e dlanbar, grand* coao a caizna quo lawn' doze bomeno eats no mole de oalNo doe rois docepc don. Corre pare ele Bhavani ninintra, lovanta a tanpa orlada do guiaos e nogura com ambas aa ones Qwa rIcipmft.* Arne de chp0x+- ■ 1Prfs ; mila ■re Dente. Quando abriu a inoceiit rare um perfune tack rice°, atormentaaor encheu o palacio debaizo terra. Dir-se-ga todoc os aromas do mundo nontes azues e o fundo dos mares, apertados e diluidos. Ela unto de lquido os bicos dos solos vazga-o na boca entreaberta. Entio nuna insinia ceka antra por um tunel aberto pelo meio da terra Ao fundo e uma porta diaco,brunido.Encoata-oo Etc 'rani 1 porta cerrada, e tromula, a boca ontreabei aa mice panda(' no peito, fica a escutec outer ,necida e bunilde...Entno baixinho: WNW 0 1 rice madrugada! ai que ben que alvorece... -rocas brancae, meu Deus, quentos botBes de lyrion?Saba, meu corafao, numa inviaZel prece... Meu amor, meu amor, na febrc e nos delrios eu venho pare ti tiO linda a perfumada... -que loucura me abala e a sede dos martIrios I Pudesse eu ser pare ti morta e despedefada, neu corafiio Perdido e a carne do meu seio espalhasse-a no ceu pale noite estreladn..„ 41 Acorda e vem beijar-me a boca aberta no meio. Do teu desejo louco e a insaciavel lembranfa de leite quanta fica o meu tibere cheio. -Yam corn vastos aneic rolar as minhas tranfas!Como que fico eu, inviolads e altiva, lembrando-me de ti,assim como a crianfa? Senhora doe rajes, eis-me a taus pLs cartiva. Meu Amor, meu amor, no thvono de eemeralda levantas por acaso a fronte nensativa? Cuidas ver-ce chug al. COT jOisE e a grinaida, guisos raros nos r es, brilhantb e semi-nue? Prebentec o calor da febrc que we escalda? Quando ululse con a frcntt a ce crgucr como e-u. 'Ake, SiAirio e x& Iti,Y ■ko f q.ervcA;cla. N1070 S c1q, c)-(0 CA)vcAx.rcx;z1) sc,LL C,erPAO TAR. lug • Ouve-se d eTente no interior um largo eopro comtde temrestado o e logo o eco dum corpo quo cae vigoroso e mole. Ent*o Bhavani &bre desvairada a porta (Paso a antra no ultimo salno desconhecido, No mesmo instants atira-ee loara ela um grande Naga de corpo brilhante como o sol o o capelo orlado de duals zemas e a sauda finrccina. Vencida e treaula e a rani doe vastos, reinos sob a abraso do capelo formidavel Com os olhos langfirosos de voldpia... Bebe na minha boca • vinho embriacante, Abraca a minha carne altiva a dolorida, o meu senhor, meu solitarioNeusnhor amante, sinto a brae, a chama, o meteor() loiro que levy ate ao ceu o vento triumphante, 0 meu seio levanta... e um grito immorredoiro eu olyo no meu ventre aflito a abalado. Mau amor, meu amor, aperta os larg os (Polio! Que lindo e o teu olhar formoso e iluminado... tem a fascinayao fraudulenta do abysmo; acorda em mim a l'ancia obscura do recado. Segura o Raga num erot4smo agudo em cue se agita e vibra raivosa, e lcvantando 0 capelo; Ai que pequenino o mundo, a pom -na, o brilhantism0 junto do teu amor sinistro e Desfaz-se como o p6 meu feroz egoism°. Poisa na minha Boca um beijo para enc14-la por ti dum visco velurtuoso Fiz arder coracOes num Pogo irreranvel. Bebe na minha carne a volupin e o go3o, Cadormece depois sobre o meu seio casto. E a boca sorvo de adormece nissima, corpo de do Naga se unc sua n' urn longo sensualido.oe L:ruta. 0 aroma funvsto a vbora, a sua lingua cc agita fie os seus aneis se afroxam cobrc o Bhavani. Tu Its no meu destino o forte e fiel esrocol_ Vance ao loito amad00.0 o non gaol° haat) hide ser para ti tao undo travompoir0 006 Que me importa um provir vorgonhoao e nefaito? Pequenino s 110i/ou quo to beijei primeiro s pequniotamb‘ s euilada nos montes s e em meio doe leioa foots meu companheiro nos armee som refugio e as lagrimas das fontes. senti do teu amor co alivio e a pens. Juntos erak.nps ao pe dos horisontoe. con amparo a sem ninguem minha imagem morena. -Aos poucos foi por ti um Desejo profundoSolta Bhavani o cabelo ambarado s dospe o pano das cegonhas s e nub no ecilo azulsaphira s se delta no thilamo de amesthistas. Languid° do sou aroma o Naga se onrola ao seu seio erguido e adormece no meio da tramp. Num goso sensual ela; Cingo-me bem s sou mole assim como a acucena. Sentes o meu tremor can?ado a pudibundo? S6 a boi4ar meus pas s quantos refs afamados vem com o cavado olhars nostlagicos no mundo! Junto de ti estao meus sonhos destados Polva me a coxa s palpa a minha carne pure; of meu amor, dEscerra 06 meus olhos cerrados„. - Ai como 4 que me 'assalta a febre e a loucura! e inapaciavel ao.bre o lubrico Aesejo. Estrelta, enla?a, aperta o grande corpo do Naga no oeio tumefeito e brilhante; une a boca'h sua e n'uma sonolgncia em que o seu rensamento se apaga: / . Em mei° de volupia a du lada torture. Deixassem-me morrer, n'um perigoso beijo1 Deixassem-me c4ir sinistra e inanimadaJ.. Que importa que o meu nome inferno e malfazejo -solos nas ores &Ono a moldifE0 lonfada? Tudo pordi j o instinct00 a for fa „romitinina que consorva no lar a mulher console:do.' Que no val a beleza altiva e perogrina? Boa tux barreira o livre o a04 vested e os espafos dhoro do cede como mulher libertine. Quem me levanta0 quern? Nos m‘rmer4t, terrafos quen awoke a compaixiii? 0 1 meu Amor tera4vel deiza antes cingir-te ardente nos mews brafos! -Ai que panel, meu Deus, que encontrei e impossibel:Sacudida de fteria aperta contreLo seio o _ Naga rijo. Na lasciva desvairada abre entao a bocce da cobra coca as maos a Brava lentao raivosmentud sentobicd seio esquerdo. Usa gota de pefonha negra aflora. Entibi convulea a extenuada: Venha Jo sobre mire a noite e o esquecimento. repouso auenfoado a impassive' 0' reponse, Cobre core a asa negra o meu feroz tormento. Tu Os de minha vida o ultimo tormentoMtOria... apaga o meu del(rio e o agudo sentimento! Ni; quern o mind°. a pompa, altentadora gloria. Urea lagrima so de palpebra pendida cai corn compaixii sobre a minha memciria E cerrando os olhos lentamente. Alguem harde chorar urna mulher pendida. == = == = ====== LINO ABREU PRIESTS' LIBRARY XAVIER'S COLLEGE gAPUSA - GOA. . =N " X I MI 1962 TIPOGRAFIA RANGEL BASTORA, GOA I MI a d iti vea J A tivera em verdes anos sonhos ridentes que nunca vieram a realizar-se. Rada, formosa filha de uma bailadeira da Marcela encantara-o com os seus amores, jurara-lhe fidelidade, e cedo o traira iniciando-se no mister da sua mae. Anos volvidos, vai agora Maduvra, o sonhador de outrora, caminho do tilmulo, urn olho no Alern, e o outro sobre os rosais da sua distante primavera. E' ao pe da noite, na verdura da Saiadri. Debil e poeirento, quarenta anos longos e tumultuosos, entra ele pars um templo secular, quase dilapidado, e infrequentado dos homens. Prostra-se ante uma grande estatua em pedra, representando a deusa da Morte, e de um queixume dolente quebra o siltncio do jangle. Meu peito combalido, fragil, todo cheio De travo, eis-me aos teus pes, Cali poderosa, De ideal a sangrar, de andar em cambaleio. 9 2 Volve-me o teu olhar de Diva piedosa, Que eu só trago comigo a sordida poeira Duma Tonga jornada, b m triste e penosa. - bov., - qv41M- • E num gesto de piedosa rendicao : 0`- 6'12 vvt- (ve E,Yr Assim, fui pela Vida a errar, a padecer 0 flagelo da sorte amarga e nefanda Que de sepia roaz enfarruscou o meu ser. Foi a sonhar, sofrer ) que andei, como quern anda Entre o livor de urn sonho e a treva da„Ilusdo; Demandei o teu seio assim como demanda, Da procela do Ar -abia o quieto Mormugdo 0 patmarim da Meca, ou o barco de Mombasa Galeando de vaga em vaga... em em Angustia e intima revolta. Acorre•lhe a lembranca o doloroso passado que vira o contraste do seu infortunio coin a ventura e riqueza dos homens em sua volta. Mas ao longe era o Mundo a palpitar na asa Fremente do delfrio de oiro e de ventura — Ebria chama que eterna o peito humano abrasa. . 10 Ili Rasga-lhe o peito, como rasga o solo o arado de maio, essa lembranca magoada da injustica da Vida. E... revoltando-se : Porque sera, Devi, que na ampla noite escura Cegou o meu flebil olho o brilho da grandeza Que a minha solidao sentia na lonjura ? Porque é que a Sorte— brisa varia da Injusteza Que ao largo ciciava Osculos de ternura Nesta alma desferiu o tambora de tristeza ? Subito, e no requinte de orgulho filos6fico : Ao longo da jornada calcinante e dura Desdenhei o Formal, roupagens da Vaidade ; E como quem encara a Morte como a (mica verdade : Eu ia, 6 alta Devi, s6 a tua procura! Porque s6 to por entre a rosea falsidade Que é o Sonho, apontas como cfrio eternal P'ra quem deita a escalar o mastro da Verdade ! Os olhos em aljofar de saudade, imobiliza-se todo, e longamente fita a austera Imagem. Perpassa entAo, dancando, pelo seu espirito, 11 como linguidas almeias a luz da lua minguante, a airosa desfilada dos seus antigos prazeres : Afigura-se-lhe ver o Mardol, sua terra natal, que the dera na infincia flores e cancties ; cantam roldanas dos pops na aldeia ; incensam farfalhando em giros embriagados o Tempi° de Mals.1 pombinhas brancas como lotus; rodam, de trancas no ar, num fugri estuante, no dia de Ganexa, formosas jovens da aldeia ; trescalam a zui6s e a Patchuli as noites de Vijaiaratra... Desperta, enfim, do seu extase, e num quase sonho, meneando saudosamente a cabeca : Eu era novo ... Eis sendo quando vem-lhe a memoria a noite em que pela primeira vez beijara Rada. e a minha alma virginal Sentiu um dia em si subito enrubescer A alvorada de amor, serena e ideal. E, extasiada, entao, pos-se ela a adormecer, Como adormece ao colo da mae o inocente Apenas ouve o canto que o amor faz nascer. Gemia•lhe no coracao enfermo uma rola de saudade. 12 No lago da Ventura, brando e opalescente, Era eu sonhador numa chalupa de oiro, Singrando I luz da lua cheia no nascente. Remonta ainda mais ao passado o seu sonhar. Como o repontar paulatino de uma alva perfumada, acende-se-Ihe a membria a imagem resplendente de Rada, tal qual a vira pela primeira vez na noite de Malini-Punovo, na Marcela. Titilavam-lhe suavemente o sensualismo o aroma do ambar e do usvate, os cholis de veludo e de seda, arqueados de frescor, a fragrancia do jasmim nas trancas das devadassis, e a soada musical do sussurrar das mocas em sua volta. Nesse momento vira ele Rada entrar para o Templo, num rastilho de perfumes e tentacaes, um fino sari azul-sonho entesoirando o seu corpo jovem — uma primavera de vivo e encanto. Nao a conhecia. Mas is-lhe enchendo o coracao da ambrosia de amor o seu proprio sonhar, como enche de encanto a alma ao pegureiro no silencio de uma encosta a voz da sua propria flauta. Num enternecimento todo saudade : Ela tinha nos olhos divinal tesouro De ternura e amor ; e neles a certeza Dum distante porvir, feliz e duradouro. 13 Matdiz o costume social que the desatara os lacos que a natureza atara. culpa ? que pecado ? se a humana fraqueza I Que Ruiu ante o primor do eterno Aguarelista ? Rada era entre as belas a facil princesa. No seu corpo de moca abrasei a minha vista Em febre sensual quando primeiro a vi Disputando co'ardor a tao doce conquista. Torna a evocar a noite de Malini-Punovo. Os olhos em lagrimas, queda-se a idealizar como quem de inAos tremulas, afaga em sonho deleitoso as flores estremecidas da sua quimera que se the crestaram na geada da IlusAo. Foi entao que no meu negro peito senti Como a manha que sobre procelas daninhas Serena aponta, canta, reluz e sorri E os meus risos dir-se-iam trefegas pombinhas Que esvoacam ao pe do Templo de Mardol, Branquinhas de plumagem e de alma branquinhas. Recorda como era novo e sonhador, e como um sol de ventura de eterno brilho resplendia-lhe a dianteira. 14, Alto subia o meu sonho como o quindol Que encima o cocuruto do amplo Velamonte, E, aventureiro, busca as raias do alto Sol ! Epilogando, por fim, saudosamente, o seu venturoso passado : Assim pela manha da Existencia, de fronte Erguida, is eu, minha alma toda envolta Em luz jorrada de nao sei que estranha fonte. Como se fosse uma noite de Mirga, que, inclemente, descesse a esconder no sea negrume o rubor das rosas num jardim, assim vem toldar-lhe a alma a delirar a lembranca da travosa noite na Marcela em que Rada, as instancias da tradicao e da sua mae, se fizera bavina, abandonando-o a longa desventura. Ia... quando ai ! da brusca reviravolta 0 meu fado ! Desmaia no alto a airosa estrela ! E tudo se faz treva densa em minha volta! Rada! ... Rada! Ai ! Foi na terra de Marcela Que a perdi p'ra sempre — eu que nao dormia Momentos sequer 56 co'o medo de perde-la! 15 E essa lernbranca dolorosa de como fora vitima de urn ingrato costume, persegue-o tal qual urn naga raivento de ferido. A's instancias do estilo, sua mae um dia Verteu-lhe na alma branca o sarro do Pecado : E ela, moca bauni, ja nao me pertencia! SO me ficou, ai, meu sonho atormentado Naufrago a debater-se em densa escuridade Em redondo do seu barco desconjuntado. Mas logo, contrito, perdoa Rada, e perdoa a sua mae ; so maldiz a tradicao social que tao dura the fora. Mas quern pode culpa-la de tanta maldade? E sua mae que foi quem cedo ma tirou ? Eu so maldigo a fmpia sociedade. Nao foi ela, Devi, que, cega, me privou Do meu lotus de amor, mil venturas sonhadas Delfrio de uma noite que a aurora levou ? Agora, caminheiro do Alem, debruca por Ultima vez, sua alma lassa e chorosa sobre o distante canteiro florido da sua vida — as noites de Malini-Punovo e de Vijaiaratra. 16 ru • • Vi a Suavidade em noites encantadas Que teria amansado o tigre de Bengala, Tornado menos quente o aco das espadas. E vi nos olhos juras mais claras que a fala — Um ceu sereno a arder em rithidas estrelas, A aquentar-me a esperanca ... a ilumina-la A Morte a dianteira, recorda agora, desdenhosamente, seu doloroso passado, como recorda as inclemencias do carninho o marinheiro ao entrar no porto da sua terra. Exclama : 0' venturas de outrora! Timidas chitelas ! Foram-se, espavoridas, a voz do trovao ! E nem quern saber onde estao todas elas ! 0' verdugos da Dor ! 0' travos da Ilusao ! Mais doces do que foi meu doce verdor Sois vOs agora ao meu morrente coracao ! Porque é eterna docura o mais negro travor, E fugazes, sombrosas as nossas venturas Quando nos segue o espectro do primeiro amor. Apetece a morte : Vem, Devi, vem ; estende-me as tuas maos puras! E' urn sonho amargo tudo o que ela pranto A falsa sociedade : amor torturas 17 3 • Ir Ante o seu olhar embaciado anima-se levernente a estatua da Deusa, e num fervilhar ritmico e crescente vai-se diminuindo pouco a pouco, acabando por se fazer em ar. Subito, do pedestal vazio' ergue-se uma grande asa negra — a asa da Morte — tal qual vira e cobicara, ha anos, no seu leito de moribundo. Flutua ela no ar, avanca, e vai parar, suspensa sobre o corpo quase cadaverizado de Ma druva. Este num profundo e supremo suspiro : Tudo por ela foi ! Depois num cicio manso como o de urn beijo recatado: Rada... Logo, qual luz morrente de uma soma, que subito se reavivasse : Radal... E, de novo, debil, na derradeira lagrima : Rada... ••• • ••• ••• •• • •• 00 000 •• • •• ••• ••• O •• ••• ••• ••• ••• ••• No silencio que se segue, a austera Imagem da Devi parece anuir, e dizer pausadamente : E' um sonho amargo tudo o que ela da 18 N O mesmo dia e a mesma hora. Na encosta do Velamonte. De pe entre floridos cajueiros, os olhos cerrados e os labios colados a lamina da adaga que sustenta em ambas as maos, Rada devaneia : ti VisOes de outrora, Torturas sem fim, Dor que me devora Morrera enfim Na alta noite brava, Na negra procela, 0 ceu se desbrava, E rompe uma estrela! 'De olhos que carpiram Destino travoso Lagrimas fluiram Dc infinito goso 21 • Quando o pranto seu A Mogo cessar 1-16.-de no amplo ceu 0 sol apontar ! A esp'ranca — da Sorte 0 Ultimo penar — Ha-de corn a morte P'ra sempre acabar. Visoes de outrora, Torturas sem fim, Dor que me devora Morrera enfim I Para. Abre os olhos e, seguidamente, fita-os no sitio onde fora cremado o cadaver da sua mae : Ao afago da Morte, de mirn tao sonhado, Meu pobre coracao que ja nao Ihe resiste, Deixo-o, que seja agora por ele levado. Sfibito, olhando em redor, comp que aterrorizada : Mas porque e que suspira aqui brisa tao triste Como que a prantear na noite assim sombria Uma alma que sofreu e que ja nao existe? 22 Dir-se-ia 0' sombras agourentas !... Deva! Que, lassas de carpir o seu amor perdido, Desmaiam as estrelas na abObajda fria ; E acorda horrendo o naga que eu trouxe escondido Dentro do peito, ao longo de anos...tantos anos! 0' Vida! 0' desgraca de eu ter nascido ! De que me vale o mundo se foram profanos Os meus preitos de amor — juras durna infiel — Se fugi as delfcias do viver que da-nos 0 ser amante, o ser esposa, o ser fiel ? 0' noite ingrata em que o traf. Nunca descesses! Como o teu nectar faz-se hoje em mais acre fel ! Minha alma desterrada que ja to escarneces Do desejo de ser, do meu sonho primeiro, Esvai-te hoje nas minhas derradeiras preces. Lancando de novo os olhos ao sitio de incineracao : ti Terra sagrada! Deixa-me agora primeiro, Palpando-te, beijar-te o manto esmeraldinol... La... ardeu a minha mac o rito derradeiro. 23 Impacientemente : Tao lento se me cerra o ceu vespertino De negrume!... Depressa, 6 noite de tristura! Leva-me os passos tropcgos ao seu destino. Ha longo tempo, ai, tanto tempo que me dura A hidra de remorso, cruel e feroz, Que me ficou de eu ter quebrado a minha jura. A' luz da lua tardia a apontar por entre pltimbeas nuvens todo o Velarnonte se descobre, a pouco e pouco, aos olhos da bailadeira. De todos os lados chega-lhe aos ouvidos o canto do luar : Que as palavras tuas, Se forem fugazes, Nao ]evem consigo As juras que fazQs. Leveiras, velozes, Sem ecos por traz, Se apaguem as vozes Co'o Tempo fugaz ; Mas frescas e Auras Fiquem-lhe as juras Que o homem faz. 24 4 lj --4.4.04—e Por verdes ribeiras Correm a cantar As Aguas ligeiras Do Mand'vi ao mar ; E o retrato dura De toda a verdura Que vem de pintar ! Que as palavras tuas Sendo elas fugazes, Nao levem consigo As juras que fazes. Inquieta-a profundamente o remorso. E' hoje mais que nunca esta vida atroz ! Deva! Como anseia este peito morrente 0 erro carpir corn a minha mae, a sos! A 565, e esta noite, num canto dolente! Contar-Ihe a dor que me proveio do pecado A ela que ao pecado me deu inocente. Acerca-se do sitio onde fora cremado q cadaver da sua mae, e, num ar resoluto : 25 I rtf I3cija-mc, 6 Morte, meu corpo enrcgclado Beija-lo seja embora os beicos poluir Do veneno que elc traz de um horrendo pccado. Urn dia so a mais que me deixa existir SO me escarnece o scr, so me atica a dor Que nem o tempo acalma, nem mcu longo carpir. Reclinada contra o tronco de urn cajueiro, fecha os olhos, e tenta abracar num Ultimo sonho a longinqua quadra ridente da sua vida. Onde cstas, mcu primciro sonho, Luz, Amor ? Madeinqa, se-o tambem o Ultimo desta vida Qual ceu loiro da tardc a cantar ao sol-por. Chama-mc a Traicao, o Pccado, a Perdida! Que destc inundo eu parta scm achar perdao Pelo amor dcsdcnhado, tanta fe traida! Pondo a lamina ao peito: Mortc dura p'ra quern vivcu de traicao! Madruva! Madruva! Sit bito, na louca precipitacao : Ai ! porque hcsito ? Sim ! Mas Como ela me enamora, a mortc ante-sazdo 26 4 11 E' p'ra fugir a Dor quc a solidao cu vim! Volte meu pensamento a tanto mal quc fiz, Brade o Remorso no meu estertor sem fire ! Cravando o punhal no pcito : Sem fim... sem fim... porquc assim e scr feliz... ERRATA a -se Maduvra por Madruva 10, a seguir a primeira estancia: Eu sou o carninheiro que It; viste a beira Da estrada da Exisuincia, mesto e solitario, Tressuando de andar a ardente soalheira, Ttazia entao comigo um sonho mortu(rio, 1\1as to disseste logo : " Deixa-lo sofrer ! ••• • E o rumo se fez long:), o sul estacionario. 10, 1 1 'g. 14, 1 8: Foi a sonhar, sofrer, que•••••• 9 : Entre o livor de urn sonho e a treva da Ilttsao 11 : de m;-‘.-)F, tri2inalas 1 15 : Como que a manila l'g. 15, 1 14 : abandor;,ndo-o g. 23, 1 3• a longa desventura. abobada