Jurisprudência Corte Especial AÇÃO PENAL N. 536-BA (2006/0258867-9) Relatora: Ministra Eliana Calmon Autor: Ministério Público Federal Réu: Zuleido Soares Veras Advogados: Daniel Gerber Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Advogados: Angela Cignachi Edson Queiroz Barcelos Júnior Rannery Lincoln Gonçalves Pereira Marcelo Leal de Lima Oliveira José Rollemberg Leite Neto Wencesláo Piñeiro González Janaina Castro de Carvalho Kalume Cláudio Chaves Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Réu: Maria de Fátima César Palmeira Advogados: Lúcia Maria de Figueirêdo Sérgio Luís Teixeira da Silva e outro(s) Sérgio Roberto Roncador Daniel Gerber Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Ariel Gomide Foina Cláudio Chaves Réu: Florêncio Brito Vieira Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira Daniel Gerber Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Cláudio Chaves Réu: Gil Jacó Carvalho Santos Advogados: Sérgio Habib Daniel Gerber Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Roberto Sampaio Cláudio Chaves Réu: Humberto Rios de Oliveira Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira Daniel Gerber Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Cláudio Chaves Réu: Ricardo Magalhães da Silva Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Réu: Flávio Conceição de Oliveira Neto Advogados: José Carlos Dias Theodomiro Dias Neto Marina Dias Werneck de Souza Maurício de Carvalho Araújo Elaine Angel Francisco Pereira de Queiroz Gilberto Vieira Leite Neto e outro(s) Réu: João Alves Neto Advogado: Paulo Roberto Baeta Neves Advogados: Janaína Castro de Carvalho Kalume Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira Eduardo Antonio Lucho Ferrão Advogados: Angela Cignachi Edson Queiroz Barcelos Júnior Rannery Lincoln Gonçalves Pereira Marcelo Leal de Lima Oliveira José Rollemberg Leite Neto e outro(s) Emanuel Messia Oliveira Cacho Réu: José Ivan de Carvalho Paixão Advogados: Geraldo Resende Filho Madson Lima de Santana e outro(s) Flávia Helena dos Santos Argolo Emanuel Messia Oliveira Cacho 20 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Réu: João Alves Filho Advogado: Daniel Gerber Advogados: Janaína Castro de Carvalho Kalume Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira Eduardo Antonio Lucho Ferrão Edson Queiroz Barcelos Júnior Benedito Pereira Filho Rannery Lincoln Gonçalves Pereira Marcelo Leal de Lima Oliveira e outro(s) Eliseu Klein José Rollemberg Leite Neto Bruno Beserra Mota Advogada: Vanessa Alves Pereira Advogados: Thaís Aroca Datcho Lacava Cláudio Chaves Advogada: Thiago Peleja Vizeu Lima Réu: Max José Vasconcelos de Andrade Advogados: Joaby Gomes Ferreira João Guilherme Carvalho e outro(s) Pedro Oliveira Leite Neto Réu: Gilmar de Melo Mendes Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s) Antonio Carlos de Oliveira Bezerra Réu: Victor Fonseca Mandarino Advogado: Paulo Ernani de Menezes e outro(s) Advogados: Márcio Macêdo Conrado Luzia Santos Gois Réu: Roberto Leite Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s) Antonio Carlos de Oliveira Bezerra Réu: Kleber Curvelo Fontes Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s) Antonio Carlos de Oliveira Bezerra Réu: Sérgio Duarte Leite RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 21 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Advogados: Geraldo Resende Filho Madson Lima de Santana e outro(s) Flávia Helena dos Santos Argolo e outro(s) Réu: Renato Conde Garcia Advogados: José Gilton Pinto Garcia e outro(s) Marcelo de Albuquerque Garcia EMENTA Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e outros 16 (dezesseis) acusados. Preliminares de incompetência jurisdicional, inépcia da inicial acusatória, ilegal manipulação do sistema judiciário brasileiro, ausência de comprovação da licitude das gravações, presença dos requisitos da Lei n. 9.296/1996, prorrogação da interceptação, nulidade do processo. Ilicitude da prova, necessário apensamento do procedimento de interceptação telefônica aos autos do inquérito, cerceamento de defesa. Prazo hábil para a análise do material anexado ao processo, ausência dos requerimentos e das ordens que deferiram as interceptações telefônicas que redundaram no presente feito, impossibilidade de utilização da Lei n. 9.034/1995 no caso concreto, supostas nulidades das interceptações em razão de decisões proferidas por esta Corte. Rejeição. Mérito da acusação. Indícios de superfaturamento e desvio de verba pública no Contrato n. 110/01. Relatório da CGU. Materialidade. Indícios de prática dos crimes de formação de quadrilha, peculato-desvio, corrupção ativa e passiva. 1. A oitiva dos investigados na fase pré-processual pelo relator não viola os princípios do devido processo legal e da imparcialidade. Precedentes do STJ e do STF. 2. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, na medida em que houve a exposição do fato considerado criminoso, com suas circunstâncias, assim como se deu a devida qualificação dos denunciados e a classificação do crime. 3. As medidas constritivas de direito levadas a termo nos autos do Inquérito foram determinadas por autoridade competente à época dos fatos. 22 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 4. Interceptações telefônicas eventualmente determinadas por autoridade absolutamente incompetente permanecem válidas e podem ser plenamente ratificadas. Precedentes do STJ e do STF. 5. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão motivada do Juízo competente. 6. É prescindível a degravação integral das interceptações telefônicas, sendo necessário, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a transcrição dos trechos das escutas que embasaram o oferecimento da denúncia. Precedentes do STJ e do STF. 7. Havendo encontro fortuito de notícia da prática de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto. Precedentes. 8. A denúncia oferecida contra os acusados está lastreada estritamente em indícios coletados por meio de prova documental e interceptações telefônicas colhidas por meio de decisões proferidas com base na Lei n. 9.296/1996. 9. As decisões de quebra de sigilo telefônico (e respectivas prorrogações) deferidas quando da chegada dos autos a esta Corte encontram-se devidamente fundamentadas, reportando-se, inclusive, ao teor dos requerimentos formulados pelo MPF e pela Polícia Federal. Fundamentação per relationem. 10. Ausência de solução de continuidade nas ordens judiciais que determinaram a quebra do sigilo telefônico, tendo sido estritamente cumprido o prazo previsto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996. 11. A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno, tem competência para fiscalizar e avaliar a execução de programas de governo, inclusive ações descentralizadas com recursos dos orçamentos da União, realizar auditorias e avaliar os resultados da gestão dos administradores públicos, apurar denúncias e executar atividades de apoio ao controle externo. 12. A materialidade de delitos praticados contra a Administração (em que ocorre suposto desvio de dinheiro público), pode ser RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 23 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA demonstrada por perícia realizada pelos órgãos estatais de controle (tais como o TCU e a CGU), incumbidos pela legislação vigente do exercício específico de tal mister. 13. A Secretaria de Controle Interno da CGU apontou a existência de fundados indícios de que houve superfaturamento e irregularidades na execução do Contrato n. 110/01 firmado entre a Deso (Companhia de Saneamento do Estado de Sergipe, sociedade de economia mista na qual o Estado detém a maior parte do capital social) e a construtora Gautama, resultando em desvio de verba pública. 14. O TCU constatou a presença de irregularidades na execução orçamentária do contrato firmado entre a Deso e a Gautama. 15. Existem nos autos indícios de que determinados agentes públicos do Estado de Sergipe ( J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, J.I.C.P, M.J.V.A) solicitaram e receberam, por diversas vezes e em razão da função que desempenhavam no Governo Estadual, vantagens indevidas de funcionários da empresa Gautama, praticando, em juízo perfunctório, o crime de corrupção passiva previsto no art. 317, § 1º, do Código Penal. 16. Exsurgem dos autos indícios de que os denunciados J.A.F, F.C.O.N, M.J.V.A, Z.S.V, R.C.G, R.M.S, S.D.L, V.F.M, G.M.M, K.C.F, J.I.C.P praticaram, em juízo sumário de cognição, o delito de peculato-desvio, tipificado no art. 312, caput (2ª figura), do Código Penal. 17. Indícios de que os denunciados Z.S.V. e R.M.S. praticaram, na modalidade de autoria, o crime de corrupção ativa previsto no art. 333, caput, do Código Penal. 18. Em juízo de delibação da peça acusatória exsurgem dos autos indícios de que os denunciados J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, M.J.V.A, Z.S.V, R.C.G, R.M.S, S.D.L, V.F.M, G.M.M, K.C.F, J.I.C.P associaram-se, de forma estável e permanente, com o fim específico de cometer crimes contra a Administração Pública, praticando o crime de formação de quadrilha previsto no art. 288, caput, do Código Penal. 19. Indícios que demonstram que os denunciados tinham ciência do funcionamento de todo o esquema montado no Estado de Sergipe 24 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL com vistas a, mediante repasse de vantagem indevida a funcionários públicos, desviar dinheiro do Estado em prol da Gautama e garantir verba para o financiamento da campanha de reeleição do denunciado J.A.F. 20. Extinta a punibilidade do denunciado F.C.O.N. em relação ao delito previsto no art. 319 do Código Penal (prevaricação), nos termos do art. 107, IV, do Estatuto Repressivo pátrio (prescrição da pretensão punitiva). 21. Ausência de justa causa em relação aos denunciados R.L, H.R.O, F.B.V, G.J.C.S, M.F.C.P, no que tange aos delitos imputados no denominado “Evento Sergipe”. 22. Denúncia recebida em parte, com o afastamento do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, pelo prazo que perdurar a instrução criminal. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça Em continuação de julgamento, a Corte Especial, por unanimidade, rejeitou as preliminares arguidas pela defesa. No mérito, recebeu a denúncia em relação aos acusados Zuleido Soares Veras, Ricardo Magalhães da Silva, Flávio Conceição de Oliveira Neto, João Alves Neto, José Ivan de Carvalho Paixão, João Alves Filho, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino, Kleber Curvelo Fontes, Sérgio Duarte Leite e Renato Conde Garcia. Quanto ao acusado João Alves Neto, rejeitou a denúncia quanto a imputação do art. 312 CP e, quanto ao acusado Flávio Conceição de Oliveira Neto, declarou extinta a punibilidade, em face da prescrição, quanto à imputação do art. 319 CP. Rejeitou a denúncia em relação aos acusados Roberto Leite, Humberto Rios de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima Cesar Palmeira, nos termos do voto da Senhora Ministra Relatora. Por unanimidade, ainda, decidiu pelo afastamento do acusado Flávio Conceição de Oliveira Neto do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Sergipe até o término da instrução criminal, nos termos do voto RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 25 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA da Senhora Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Benedito Gonçalves e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedidos os Srs. Ministros Castro Meira e Maria Thereza de Assis Moura. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Castro Meira, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho e o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, este na assentada do dia 15 de março de 2013. Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro Jorge Mussi. Convocados os Srs. Ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Benedito Gonçalves. Na sessão do dia 14 de março de 2013, sustentaram oralmente o Dr. Brasilino Pereira dos Santos, Subprocurador-Geral da República e o Dr. Marcelo Leal de Lima Oliveira, pelos réus Zuleido Soares Veras, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos, Humberto Rios de Oliveira, Ricardo Margalhães da Silva. Na sessão do dia 15 de março de 2013, sustentaram oralmente o Dr. Sérgio Roberto Roncador, pela ré Maria de Fátima César Palmeira; o Dr. José Rollemberg Leite Neto, pelos réus João Alves Filho e João Alves Neto; o Dr. Gilberto Vieira Leite Neto, pelo réu Flávio Conceição de Oliveira Neto; o Dr. Mádson Lima de Santana, pelos réus José Ivan de Carvalho Paixão e Sérgio Duarte Leite; o Dr. Márcio Macêdo Conrado, pelo réu Victor Fonseca Mandarino e o Dr. William Charley Costa de Oliveira, Defensor Público da União, pelos réus Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Roberto Leite, Kleber Curvelo Fontes e Renato Conde Garcia. Brasília (DF), 15 de março de 2013 (data do julgamento). Ministro Felix Fischer, Presidente Ministra Eliana Calmon, Relatora DJe 4.4.2013 26 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL RELATÓRIO A Sra. Ministra Eliana Calmon: O Ministério Público Federal, pelas Subprocuradoras-Gerais da República, Drª Lindôra Maria Araújo e Drª Célia Regina Souza Delgado, oferece denúncia contra: 1) Zuleido Soares de Veras; 2) Maria de Fátima Cesar Palmeira; 3) Tereza Freire Lima; 4) Gil Jacó Carvalho Santos; 5) Florêncio Brito Vieira; 6) Humberto Rios de Oliveira; 7) Vicente Vasconcelos Coni; 8) Abelardo Sampaio Lopes Filho; 9) Bolivar Ribeiro Saback; 10) Rosevaldo Pereira de Melo; 11) Dimas Soares de Veras; 12) João Manoel Soares Barros; 13) Ricardo Magalhães da Silva; 14) Geraldo Magela Fernandes da Rocha; 15) Roberto Figueiredo Guimarães; 16) Ernani Soares Gomes Filho; 17) Sérgio Luís Pompeu Sá; 18) José Reynaldo Tavares; 19) Jackson Kepler Lago; 20) Ney de Barros Bello; 21) Abdelaziz Aboud Santos; 22) Ricardo Wagner de Carvalho Lago; 23) Alexandre Maia Lago; 24) Francisco de Paula Lima Júnior (Paulo Lago); 25) Sebastião José Pinheiro Franco; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 27 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 26) José de Ribamar Ribeiro Hortegal; 27) Ulisses Cesar Martins de Sousa; 28) José Aureliano de Lima Filho; 29) José Ribamar Santana; 30) José Eliseu Carvalho Passos; 31) Otávio Júlio Rosas Costa Filho; 32) Teotonio Brandão Vilela Filho; 33) João Ferro Novaes Neto; 34) Eduardo Henrique Araújo Ferreira; 35) Denisson de Luna Tenório; 36) Marcio Fidelson Menezes Gomes; 37) Adeilson Teixeira Bezerra; 38) José Vieira Crispim; 39) Eneas de Alencastro Neto; 40) Flávio Conceição de Oliveira Neto; 41) João Alves Filho; 42) João Alves Neto; 43) José Ivan de Carvalho Paixão; 44) Max José Vasconcelos de Andrade; 45) Gilmar de Melo Mendes; 46) Victor Fonseca Mandarino; 47) Roberto Leite; 48) Kleber Curvelo Fontes; 49) Sergio Duarte Leite; 50) Renato Conde Garcia; 51) Silas Rondeau Cavalcante Silva; 52) Jorge Targa Juni; 53) Walter Luís Cardeal de Souza; 54) Ivo Almeida Costa; 28 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 55) Aloísio Marcos Vasconcelos Novaes; 56) José Ribamar Lobato Santana; 57) José Drumond Saraiva; 58) José Ricardo Pinheiro de Abreu; 59) Gregório Adilson Paranaguá da Paz; 60) Emanoel Augusto Paulo Soares; e 61) Roberto Cesar Fontenelle Nascimento. A presente ação refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionadas ao esquema que envolve especificamente a empresa Gautama e os servidores públicos e agentes políticos, nas obras identificadas nos autos, em diversos Estados da Federação. DA INVESTIGAÇÃO A narrativa das Senhoras Subprocuradoras-Gerais da República está embasada no minucioso relatório elaborado pela autoridade policial, em procedimento investigatório denominado “Operação Navalha”. As investigações tiveram início no ano de 2004 em trabalho desenvolvido por força-tarefa no Estado da Bahia, levando à descoberta de um grupo organizado voltado para a obtenção ilícita de lucros através da contratação e execução de obras públicas, praticando, para tanto, diversos crimes autônomos, como fraudes a licitações, peculato, corrupção ativa e passiva, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dentre outros delitos. O inquérito policial originou-se de medidas cautelares em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária da Bahia (n. 2004.33.00.0220130 e n. 2006.33.00.002647-3) e, diante da constatação do envolvimento de autoridades com foro privilegiado, deslocou-se a competência para o Superior Tribunal de Justiça, tendo sido remetidos os autos a esta Corte, cabendo-me o feito por distribuição. Assim, iniciaram-se as primeiras autorizações judiciais de interceptações telefônicas (Lei n. 9.296/1996). Segundo está exposto no requerimento ministerial, apurou-se, com base em interceptação telefônica autorizada, que: 1) havia um esquema de desvio de recursos públicos nos Estados de Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe, protagonizado pelo sócio-diretor RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 29 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA da empresa Gautama, Zuleido Soares de Veras, e seus empregados, com o envolvimento de empresários, servidores públicos e agentes políticos, esquema iniciado nos Ministérios, onde era obtido, mediante o oferecimento de vantagem indevida, o direcionamento de verbas da União para obras nos Estados e nos Municípios nos quais a Construtora Gautama atuava. O esquema englobava todo o processo de destinação e aplicação dos recursos, desde a apresentação e aprovação dos projetos pelos entes políticos - que eram elaborados pelo grupo criminoso -, passando pelas fraudes nos processos de licitação e o desvio de vultosos valores por obras não executadas ou executadas irregularmente”; 2) as atividades delituosas se desenvolveram concomitantemente nos vários Estados em que a Gautama executava obras públicas, tendo a empresa, nesses Estados, um chefe de escritório e agentes especialmente dedicados às atividades ilícitas ali desenvolvidas. DO MODUS OPERANDI Relata o MPF que o grupo criminoso: 1) em um primeiro momento, identificava nos Ministérios a existência de recursos destinados a obras públicas nos Estados e Municípios; 2) em seguida, cooptava agentes políticos e servidores públicos para viabilizar a realização dos convênios entre os Ministérios e os entes federativos, participando, inclusive, da elaboração dos projetos técnicos e estudos exigidos para a sua celebração; 3) posteriormente, passava a atuar na fase da licitação, para que a Gautama fosse vencedora no procedimento, isoladamente ou em consórcio com outras construtoras. De acordo com os diálogos interceptados, a 3ª fase era a mais complexa de todo o processo, pois compreendia: a) a celebração de acordos para “acomodar” os interesses de eventuais concorrentes; b) a cooptação dos servidores públicos que conduziam as licitações, para não criarem embaraços aos processos conduzidos pela Gautama e, mais do que isto, para aceitarem agir de modo determinado a fim de que a obra fosse adjudicada à própria Gautama; 4) superada a fase da licitação, com o início da execução das obras, tinha início a fase mais proveitosa, quando efetivamente alcançavam os denunciados os fins ilícitos a que se propunham: desvio e apropriação dos recursos públicos; nesta etapa eram apresentadas as medições periódicas, todas fraudadas, as 30 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL quais eram aprovadas e pagas, mediante a corrupção dos servidores públicos incumbidos de examinar os processos, atividade que incluía a emissão de pareceres técnicos analisando a compatibilidade entre as medições apresentadas e as obras efetivamente executadas, a aprovação das medições e a autorização dos pagamentos; e 5) recebidos os pagamentos, o grupo se incumbia de distribuir as propinas nos percentuais previamente ajustados com os servidores públicos e agentes políticos envolvidos. DA FORMAÇÃO DE QUADRILHA A partir da análise das condutas dos investigados, o MPF conclui tratar-se de um sofisticado grupo criminoso, comandado pelo denunciado Zuleido Soares Veras e integrado por empregados da construtora Gautama e por lobistas, que se aliaram de forma permanente e estável para a perpetração da prática delituosa: o direcionamento de recursos públicos, federais e estaduais, para obras a serem executadas pela Construtora Gautama; o vencimento de processos de licitação; e a liberação de pagamentos de obras superfaturadas, executadas irregularmente, ou mesmo inexistentes, mediante a corrupção de servidores públicos e agentes políticos. A partir do conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito, alega o Órgão Ministerial que a organização criminosa pode ser assim dividida: 1º) núcleo central - grupo liderado por Zuleido Veras que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, fraude à licitação e corrupção ativa. Composto por funcionários da Gautama que atuavam nos diversos Estados em que o grupo exercia suas atividades, mantendo relação direta de subordinação, acatando as ordens e determinações de Zuleido Veras, conscientes do caráter ilícito de suas condutas. São eles: 1) Maria de Fátima Cesar Palmeira; 2) Tereza Freire Lima; 3) Gil Jacó Carvalho Santos; 4) Florêncio Brito Vieira; 5) Humberto Rios de Oliveira; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 31 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 6) Vicente Vasconcelos Coni; 7) Abelardo Sampaio Lopes Filho; 8) Bolivar Ribeiro Saback; 9) Rosevaldo Pereira de Melo; 10) Dimas Soares de Veras; 11) Ricardo Magalhães da Silva; e 12) João Manoel Soares Barros; Composto também por intermediários que se valiam da influência que possuíam para articular com os servidores públicos e os agentes políticos a prática dos atos necessários para que a organização criminosa alcançasse os seus objetivos ilícitos: 13) Geraldo Magela Fernandes da Rocha; 14) Roberto Figueiredo Guimarães; 15) Ernani Soares Gomes Filho; e 16) Sérgio Luís Pompeu Sá. 2º) ramificações - outras quadrilhas foram sendo formadas nos Estados em que a Gautama tinha interesse em executar obras públicas, integradas por servidores públicos e agentes políticos, que se organizaram de forma estável e permanente para atender aos propósitos ilícitos do grupo comandado por Zuleido, cujas condutas serão descritas quando da narração dos eventos. DOS INTEGRANTES DA QUADRILHA LIDERADA POR ZULEIDO VERAS Zuleido Soares Veras, sócio-diretor da Construtora Gautama, era o líder do grupo criminoso. Estabelecia as diretrizes de atuação da quadrilha, coordenava e controlava as ações dos demais agentes, funcionários da empresa e intermediários. Dirigia todo o esquema delituoso, articulando todos os episódios descritos nesta peça acusatória. A participação dos demais integrantes da quadrilha pode ser assim descrita, segundo o MPF: 1) Maria de Fátima Palmeira - Diretora Comercial da empresa Gautama, era o braço direito de Zuleido, ocupando posição de destaque na estrutura da quadrilha; ao lado de Zuleido, interagia com todos os demais agentes, decidindo 32 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL as ações a serem implementadas para viabilizar o processo de direcionamento de obras públicas à Gautama, desde a celebração dos convênios até a fase final de pagamento dos valores indevidos; antes de ser contratada pela Gautama, foi servidora da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado de Alagoas, tendo proporcionado ao grupo criminoso fácil acesso à estrutura administrativa do órgão; intermediou, ainda, o pagamento de vantagens indevidas aos servidores públicos e agentes políticos; 2) Tereza Freire Lima - Secretária da empresa Gautama em Brasília, era um dos elos de ligação de Zuleido com os demais membros da quadrilha e com os servidores públicos envolvidos nos esquemas delituosos, repassando as suas orientações, ciente da ilicitude das condutas praticadas; além disso, encarregouse de efetuar entregas de dinheiro para pagamentos de propinas; 3) Gil Jacó de Carvalho Santos - Diretor Financeiro da Gautama, providenciava dinheiro para o pagamento das propinas solicitadas ou oferecidas aos servidores públicos e aos agentes políticos; esse dinheiro era retirado das contas da própria Gautama na Caixa Econômica Federal e no Banco do Brasil ou nas contas das outras empresas de Zuleido; em todas as situações nas quais houve o pagamento de vantagem indevida, os integrantes da quadrilha mantinham contatos com Gil Jacó, que providenciava o dinheiro e a remessa para os locais onde eram feitos os pagamentos; no esquema criminoso, o seu papel ainda consistia na administração dos lucros da prática ilícita; 4) Florêncio Brito Vieira - empregado da Construtora Gautama, atuava sempre ao lado de Gil Jacó Carvalho Santos, efetuando os saques em dinheiro para o pagamento das propinas, transportando o numerário para as localidades onde seriam consumados os pagamentos; quando estava impossibilitado de viajar ou se fazia necessário o transporte de propinas para mais de um Estado, dividia a tarefa com Humberto Rios de Oliveira; 5) Humberto Rios de Oliveira - empregado do setor financeiro da Gautama, auxiliava Gil Jacó e dividia com Florêncio a tarefa de sacar o dinheiro para o pagamento das propinas e transportá-lo até os locais onde seriam entregues aos beneficiários; 6) Vicente Vasconcelos Coni - funcionário da Gautama no Estado do Maranhão, participou de quase todos os episódios delitivos ocorridos naquela unidade federativa; intermediou, por diversas vezes, o pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos para obter a aprovação de medições relativas a obras executadas irregularmente ou não executadas pela Construtora; manteve RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 33 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA encontros e reuniões constantes com servidores das Secretarias de InfraEstrutura e de Planejamento para obter a aprovação das medições irregulares; 7) Geraldo Magela Fernandes da Rocha - foi servidor público do Estado do Maranhão, exercendo o cargo de assessor do então Governador José Reinaldo Tavares; teve intensa atuação em defesa dos interesses escusos da quadrilha durante o período de assessoria do ex-Governador; no curso das investigações, foram captadas dezenas de diálogos entre Geraldo Magela e Zuleido Veras, Fátima Palmeira e Vicente Coni, sempre combinando modos de ação para viabilizar as pretensões ilícitas do grupo criminoso; valendo-se das facilidades do seu cargo, tinha acesso a autoridades do Estado e a servidores das Secretarias de Infra-Estrutura e de Planejamento, para o patrocínio de interesses do grupo, ora relativos à aprovação das medições das obras de construção das pontes, ora referentes à celebração de convênio entre o Estado e o Ministério dos Transportes, recebendo, em contrapartida, valores em dinheiro; intermediou, também, reuniões entre Zuleido e o então Governador José Reinaldo para tratar não apenas das medições, cuja aprovação, em razão das graves irregularidades apresentadas, exigiam uma intervenção direta do primeiro mandatário para determinar aos seus subordinados a realização dos pagamentos, mas, também, das questões pertinentes às obras de pavimentação da BR 402, cujo convênio com o Governo Federal interessava particularmente ao grupo; além disso, intermediou o pagamento de vantagens ao ex-Governador, inclusive mediante a emissão de notas frias da sua empresa Pool Comunicações; após deixar o cargo que exercia no Governo do Estado, Geraldo Magela passou a integrar a quadrilha de Zuleido; aproveitando-se de sua influência, atuou perante os órgãos da administração do Estado, notadamente nas Secretarias de Infra-Estrutura e de Planejamento, tendo, inclusive, promovido a aproximação entre o grupo criminoso e o Governador Jackson Lago, através do seu irmão Ricardo Lago; 8) Roberto Figueiredo Guimarães - foi contratado, sem licitação, como prestador de serviços ao Estado do Maranhão, tendo exercido papel semelhante ao de Geraldo Magela, cabendo-lhe, na verdade, defender os interesses financeiros do grupo nos diversos escalões da Administração Pública, mesmo após o seu desligamento do Governo do Estado; no governo de Jackson Lago, participou de reunião em Brasília, no Hotel Kubitschek Plaza, com Vicente Coni e Abdelaziz Aboud Santos, Secretário de Planejamento do Estado do Maranhão, para tratar dos interesses da quadrilha; mesmo designado para exercer o cargo de Presidente do BRB – Banco de Brasília, não se afastou do grupo criminoso, continuando a patrocinar os seus interesses; 34 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 9) Abelardo Sampaio Lopes Filho - engenheiro e funcionário da Gautama em Alagoas, era a pessoa responsável pela apresentação de medições irregulares à Secretaria de Infra-estrutura daquele Estado, agindo intensamente para obter a aprovação das medições e o pagamento dos valores indevidos; comunicavase freqüentemente com Zuleido Veras e com Fátima Palmeira, discutindo estratégias para viabilizar os propósitos delituosos do grupo; 10) Bolivar Ribeiro Saback - diretor operacional da Gautama, representava os interesses da organização perante o Governo do Estado de Alagoas, articulando o pagamento de medições apresentadas pela construtora de obras não executadas; 11) Rosevaldo Pereira de Melo - empregado da Gautama no Estado de Alagoas, negociava a liberação de recursos públicos para a organização criminosa, sempre em pagamento das medições irregulares; antes de trabalhar para a Gautama, foi servidor do Estado de Alagoas, lotado na Companhia de Água e Saneamento do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Infra-estrutura; valeu-se, por diversas vezes, da sua influência junto aos servidores da Secretaria, notadamente de suas relações de amizade com o Secretário Márcio Fidelson, para obter a aprovação das medições, oferecendo, como compensação, vantagens indevidas; 12) Ricardo Magalhães da Silva - engenheiro civil, representante da Gautama no Estado de Sergipe, era o responsável pelo acompanhamento das obras executadas naquele Estado e pelos processos das medições; teve destacada atuação nos fatos ilícitos ali ocorridos, mantendo contatos pessoais com os agentes públicos incumbidos da aprovação das medições irregulares apresentadas à Secretaria de Infra-Estrutura do Estado, intercedendo para a efetivação dos pagamentos; participou, também, das tratativas nos episódios designados de “Evento Maranhão” e “Evento Luz para Todos”; 13) Ernani Soares Gomes Filho - é servidor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, à disposição da Câmara dos Deputados, exercendo atualmente as suas funções no gabinete do Deputado Federal Márcio Reinaldo, do Estado de Minas Gerais; a sua função era obter, no âmbito do Ministério, a liberação de orçamento para as obras de interesse da Gautama; em razão do cargo que exercia, Ernani era peça-chave no esquema criminoso, propiciando ao grupo acesso a dados e informações que possibilitaram situação de vantagem na disputa pela destinação de recursos aos Estados e Municípios onde a Gautama executava suas obras; segundo consta do seu depoimento, era sempre procurado RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 35 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA por Zuleido Veras e mantinha contatos freqüentes com Fátima, prestando assessoria nos procedimentos de obtenção e liberação de recursos para obras de interesse da Construtora; 14) João Manoel Soares Barros - empregado da Gautama no Estado do Piauí, atuava sob as ordens diretas de Zuleido Veras e de Fátima Palmeira, tendo se destacado em razão dos atos que praticou para fraudar o processo de licitação que permitiu à Gautama adjudicar as obras de construção de redes de distribuição de energia elétrica em áreas rurais do Estado do Piauí, contempladas pelo Programa “Luz para todos”, do Governo Federal; participou, também, das negociações no episódio designado por “Evento Maranhão”; 15) Dimas Soares de Veras - irmão de Zuleido e empregado da Gautama, gerenciava as obras do “Programa Luz para todos” no Estado do Piauí; mantinha freqüentes contatos com o Presidente da Cepisa Jorge Targa, articulando os interesses da quadrilha; providenciou a entrega de propina a Jorge Targa e elaborou medição fraudulenta; e 16) Sérgio Luís Pompeu Sá - lobista e empresário, sócio da Prosper Assessoria e Consultoria Ltda., prestava serviços à Engevix; as suas relações com Zuleido remontam a 1998, quando ainda morava em Salvador e trabalhava para a Construtora Fernandez; promoveu a aproximação de Zuleido com o então Ministro de Minas e Energia Silas Rondeau e com o seu assessor Ivo de Almeida Costa; foi também Sérgio Sá, na condição de integrante da organização criminosa, quem aproximou Zuleido Veras do denunciado Jorge Targa Juni, Presidente da Cepisa; teve papel significativo nos fatos identificados como “Evento Luz para Todos”, articulando junto a diversos órgãos públicos para dirigir à Gautama as obras de construção das redes que levariam luz elétrica a área rural do Estado do Piauí, além de atuação destacada no Ministério de Minas e Energia, mais especificamente com o então Ministro Silas Rondeau, para viabilizar os termos aditivos aos contratos firmados entre a Eletrobrás, Cepisa e Gautama; para alcançar esses objetivos, intermediou encontros entre Zuleido e Maria de Fátima com Silas Rondeau e Ivo de Almeida, inclusive para o pagamento de vantagem indevida ao ex-Ministro. Conclui o MPF que os denunciados Zuleido Soares Veras, Maria de Fátima César Palmeira, Tereza Freire Lima, Gil Jacó Carvalho Santos, Florêncio Brito Vieira, Humberto Rios de Oliveira, Vicente Vasconcelos Coni, Abelardo Sampaio Lopes Filho, Bolivar Ribeiro Saback, Rosevaldo Pereira Melo, Dimas Soares de Veras, Ricardo Magalhães da Silva, João Manoel Soares Barros, Geraldo Magela Fernandes 36 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL da Rocha, Roberto Figueiredo Guimarães, Ernani Soares Gomes Filho e Sérgio Luís Pompeu Sá procederam de modo livre e consciente e, por isso, estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal. DOS EVENTOS O MPF passa a relatar a atuação das quadrilhas nas situações identificadas, descritas como eventos específicos, de acordo com as obras irregularmente executadas em cada Estado. Explica o Órgão Ministerial que, excetuadas as situações em que a quadrilha de Zuleido atuava diretamente nos Ministérios para obter o repasse de recursos públicos para Estados e Municípios onde as obras já estavam previamente direcionadas para a Gautama, o modo de agir do grupo nos vários eventos foi bem semelhante. Muitos dos integrantes da organização criminosa foram flagrados negociando o direcionamento das licitações, o superfaturamento das obras, a aprovação e o pagamento das medições irregulares, por obras não executadas ou executadas fora dos padrões previstos, mediante propina. De acordo com o relatório elaborado pela Controladoria-Geral da União CGU, especialmente em relação ao processo de pagamento de obras públicas, a empreiteira deveria seguir basicamente o seguinte esquema: 1º) Apresentação das notas fiscais comprobatórias da aplicação dos recursos por parte da contratada, indicando precisamente o cálculo das quantidades de serviços executados e dos materiais empregados na obra (medição); 2º) Verificação da observância da execução da obra em relação ao plano de trabalho, ao projeto básico e executivo e ao cronograma físico e financeiro, através de fiscalização realizada pelo contratante ou por empresa gerenciadora do contrato. Tais peças discriminadas são exigências da Lei n. 8.666/1993; 3º) Emissão de Parecer Técnico, por parte do contratante, sobre a legalidade e adequação da execução da obra, subsidiando o pagamento das medições à empresa contratada. Afirma o MPF que, nos Estados onde a Gautama executava obras públicas, a organização criminosa burlava este procedimento, mediante a corrupção de servidores públicos, fazendo com que as perícias e os pareceres técnicos e jurídicos atestassem que as obras foram executadas de acordo com o plano de trabalho e o cronograma físico e financeiro previsto e que os valores adequavamse ao que fora efetivamente executado pela construtora, quando, na verdade, as medições não correspondiam à realidade, o que implicou em vultoso desvio RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 37 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de recursos públicos. Tratava-se de medições fraudadas e, muitas vezes, obras sequer iniciadas foram efetivamente pagas. DO EVENTO MARANHÃO I - Obra: “Restauração, Substituição e Implantação de Obras de Arte Especiais do Programa de Perenização de Travessias do Estado do Maranhão, para Melhoria do Sistema Viário em diversas Rodovias”. Relata o Ministério Público Federal que: 1) em 31 de março de 2004, a Construtora Gautama e o Estado do Maranhão, por meio da Gerência de Estado de Infra-estrutura – Geinfra, firmaram o Contrato n. 005/2004, tendo por objeto a “Restauração, Substituição e Implantação de Obras de Arte Especiais do Programa de Perenização de Travessias do Estado do Maranhão, para Melhoria do Sistema Viário em diversas Rodovias” (DO de 2.4.2004), no valor de R$ 143.285.047,95 (cento e quarenta e três milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, quarenta e sete reais e noventa e cinco centavos), figurando como contratante o Consórcio GautamaRivoli S.P.A., do qual Zuleido Veras era o administrador; 2) conforme o Laudo de Exame em Obra de Engenharia n. 1.974/2007, elaborado pela Polícia Federal, a Gautama não possuía as condições necessárias para participar da Concorrência n. 086/2003, para execução das obras acima referidas; daí a necessidade da formação do consórcio Gautama-Rivoli, para compor o acervo técnico exigido pelo edital da concorrência; porém, a realização das obras, inclusive perante o Crea-MA, ficou exclusivamente a cargo da Gautama; e 3) o edital de licitação previa a construção de 112 pontes para as rodovias do Estado do Maranhão, obras com exigências tecnológicas bastante diferenciadas porque envolviam a construção de pontes de 10 metros sobre riacho temporário e de 100 metros ou mais sobre rio perene e navegável, o que indicava a necessidade de mais de uma licitação, com a maior participação de empresas especializadas. A partir da análise dos diálogos monitorados no curso das investigações, constatou o MPF que: 1) Zuleido Veras mantinha no Estado do Maranhão um esquema ilícito para a obtenção indevida de altos lucros, através da aprovação de medições relativas 38 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL às obras executadas irregularmente ou não executadas pela referida construtora, esquema do qual participaram os seguintes integrantes da quadrilha por ele liderada: Geraldo Magela Fernandes da Rocha, Vicente Vasconcelos Coni, Maria de Fátima Palmeira, João Manoel, Gil Jacó e Humberto Rios (conforme diálogos monitorados, notadamente no período de maio a julho de 2006); 2) o ex-Governador José Reinaldo Tavares, o Secretário de Infraestrutura Ney de Barros Bello (referido como “Gordão”), o Procurador-Geral do Estado Ulisses César Martins de Souza (referido como “Gordinho”), Roberto Figueiredo Guimarães, Consultor Financeiro do Estado à época, e os servidores Sebastião José Pinheiro Franco (referido como “Baixinho”), José de Ribamar Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho (referido como “A”), José Ribamar Santana (referido como “Quantum”) e José Eliseu Carvalho Passos (referido como “Zeus”), associaram-se de forma estável e permanente para promover o desvio dos recursos destinados ao pagamento das obras públicas naquele Estado, tendo efetivamente proporcionado tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante o recebimento de vantagens indevidas; e 3) após o término do mandato do Governador José Reinaldo, em janeiro de 2007, passaram a integrar a quadrilha o seu sucessor Jackson Kepler Lago, o irmão Ricardo Wagner Lago, representante do Estado do Maranhão no Distrito Federal, os sobrinhos Alexandre Lago e Francisco de Paula Lima Junior (Paulo Lago), e o Secretário de Planejamento Abdelaziz Aboud Santos, os quais se associaram, também de forma estável e permanente, a Ney de Barros Bello, Ulisses César Martins de Souza, Sebastião José Pinheiro Franco, José de Ribamar Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Ribamar Santana e José Eliseu Carvalho Passos, para dar continuidade aos desvios dos recursos públicos, utilizando-se dos mesmos estratagemas anteriormente descritos, para favorecer a empresa Gautama, recebendo, em contrapartida, vantagens indevidas (conforme documentos constantes dos autos e áudios captados no período de fevereiro a abril de 2007). Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros da quadrilha foi determinante para a continuação da atividade criminosa e para a concretização do programa delituoso; a estabilidade e a permanência da aliança se revelou eficiente na perpetração de vários crimes, que resultaram em verdadeira sangria nos cofres públicos. Para demonstrar a veracidade de suas alegações, o MPF passa a destacar os seguintes pontos: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 39 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1) das cento e doze pontes contratadas, a Gautama executou serviços parciais em apenas algumas delas, com inúmeras irregularidades, comprovadas pelos Laudos Periciais n. 1.974/07, n. 2.012/07, n. 2.053/07 e n. 2.087/07, elaborados pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC/DPF); 2) o primeiro local vistoriado pelos peritos foi a Ponte sobre o Rio Pericumã, localizada na Rodovia BR-308, próximo da localidade de Monte Carmo, entre os Municípios de Bequimão e Central do Maranhão; a obra da ponte ainda não havia sido iniciada, com a só execução dos serviços preliminares de sondagem do terreno e de recomposição do revestimento primário do acesso ao leito do rio; de acordo com os peritos, embora tenha resultado em um superfaturamento total de 416,13% do custo da obra, correspondendo ao valor de R$ 770.720,40 (setecentos e setenta mil, setecentos e vinte reais e quarenta centavos), a preços de janeiro de 2004, nenhuma obra da ponte propriamente dita foi executada (Laudo de exame em obra de engenharia n. 1.974/2007 - INC/DITEC/DPF); 3) a obra da Ponte sobre o Rio Munim, localizada entre os Municípios de Presidente Juscelino e Cachoeira Grande, encontrava-se apenas em sua fase inicial, com alguns dos elementos de fundação executados; o prejuízo oriundo do superfaturamento da obra em questão, atualizado para 16.7.2007, foi de R$ 1.790.886,91 (um milhão, setecentos e noventa mil, oitocentos e oitenta e seis reais e noventa e um centavos); já o valor pago indevidamente por serviços não executados foi de R$ 1.250.837,53 (um milhão, duzentos e cinqüenta mil, oitocentos e trinta e sete reais e cinqüenta e três centavos), a valores de janeiro de 2004 (Laudo de exame em obra de engenharia n. 2012/2007-INC/ DITEC/DPF); 4) outro local vistoriado pelos peritos foi a Ponte sobre o Rio Santa Cruz, localizada entre os Municípios de Cururupu e Palacete; a obra encontrava-se apenas parcialmente executada, não mais existindo o canteiro de obras no local; a perícia constatou que foram pagos por serviços não executados a quantia de R$ 83.161,51 (oitenta e três mil, cento e sessenta e um reais e cinqüenta e um centavos), bem como um sobrepreço calculado em R$ 513.208,53 (quinhentos e treze mil, duzentos e oito reais e cinqüenta e três centavos), perfazendo uma diferença total a maior de R$ 596.370,35 (quinhentos e noventa e seis mil, trezentos e setenta reais e trinta e cinco centavos) - Laudo de exame em obra de engenharia n. 2.053/2007-INC/ DITEC/DPF; e 5) os peritos do INC vistoriaram, também, a Ponte sobre o Rio Cabeceira, situada também entre os Municípios de Cururupu e Palacete; ainda em sua fase inicial, a obra encontrava-se somente com os elementos de fundação executados; 40 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL o exame pericial indica um valor pago indevidamente por serviços não executados de R$ 430.213,70 (quatrocentos e trinta mil, duzentos e treze reais e setenta centavos); o desvio oriundo do superfaturamento, atualizado para 27.7.2007, totaliza R$ 512.961,73 (quinhentos e doze mil, novecentos e sessenta e um reais e setenta e três centavos) - Laudo de exame em obra de engenharia n. 2.087/2007-INC/ DITEC/DPF). Explica o MPF que, para a liberação dos pagamentos das medições fraudulentas das obras, durante o governo de José Reinaldo, Zuleido contou com a atuação efetiva de Vicente Coni e também de Maria de Fátima, que o orientava nos contatos freqüentes com Geraldo Magela (na ocasião assessor do Governador), Roberto Figueiredo, o Secretário de Infraestrutura Ney Bello, o Procurador-Geral do Estado Ulisses César e com os servidores da Seinfra: Sebastião José Pinheiro Franco, José de Ribamar Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Ribamar Santana e José Eliseu Carvalho Passos. Segundo a denúncia, os valores das medições das obras eram negociados entre os membros da quadrilha de Zuleido e os servidores públicos daquele Estado encarregados de proceder à fiscalização das obras, avalizar as medições apresentadas pela Gautama, liberar as verbas correspondentes e efetivar os pagamentos, tudo mediante o recebimento de propina, como demonstram os áudios captados no curso das investigações e os documentos apreendidos. Afirma existir prova nos autos de que coube ao ex-Governador José Reinaldo a autorização para a disponibilização e a liberação das verbas destinadas ao pagamento das medições apresentadas pela Gautama, tendo para isto, inclusive, envidado esforços para o remanejamento da importância de R$ 93.000.000,00 (noventa e três milhões), que originariamente era destinada a garantir a execução do “Projeto Pro Saneamento” (fl. 238 do apenso 42). Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca, ainda, o MPF: 1) para viabilizar os pagamentos indevidos à Gautama, o ex-Governador contou com o auxilio de Ulisses e de Ney Bello, que se empenharam para que o setor jurídico da Seinfra não criasse embaraços para a concretização dos pagamentos, conforme pretendido pela Gautama; 2) coube, ainda, a Ney Bello, na qualidade de ordenador de despesas da Seinfra, emitir as ordens bancárias em favor da Gautama, conforme documentos de fls. 39-40, do anexo 48: OB n. 2006 0801765, de 30.8.2006, no valor de R$ 3.172.912,90 (três milhões, cento e setenta e dois mil, novecentos e doze reais e noventa centavos); OB n. 2006 0802187, de 27.9.2006, no valor de RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 41 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA R$ 5.496.098,70 (cinco milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, noventa e oito reais e setenta centavos); OB n. 2006 0803113, de 4.12.2006, no valor de R$ 3.040.499,15 (três milhões, quarenta mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quinze centavos); OB n. 2006 0803582, de 19.12.2006, no valor de R$ 3.000.020,00 (três milhões e vinte reais); e OB n. 2006 0803727, de 26.12.2006, no valor de R$ 2.655.355,83 (dois milhões, seiscentos e cinqüenta e cinco mil, trezentos e cinqüenta e cinco reais e oitenta e três centavos); 3) os servidores da Seinfra, responsáveis pela fiscalização das obras e por atestar os serviços executados, Sebastião José Pinheiro Franco, José de Ribamar Hortegal, José Ribamar Santana e José Eliseu Carvalho Passos, além de Otávio Costa Filho, Chefe de Gabinete de Ney Bello, e Aureliano Filho, Assessor Especial do Secretário, contribuíram efetivamente para viabilizar os pagamentos das medições fraudulentas, mantendo tratativas com os membros da quadrilha de Zuleido, especialmente com Vicente Coni, e firmando pareceres técnicos que não correspondiam à realidade, nos termos acertados com Ney Bello e Ulisses; 4) como contrapartida pela liberação dos pagamentos indevidos, Zuleido, com a intermediação de Geraldo Magela, “presenteou”, em março de 2006, o então Governador José Reinaldo com um veículo Citröen, ano 2005, modelo C5; o carro foi adquirido por R$ 110.350,00 (cento e dez mil, trezentos e cinqüenta reais) e pago do seguinte modo: um sinal, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), através de cheque emitido por Geraldo Magela, posteriormente devolvido pela concessionária ao seu emitente, mediante o pagamento do valor integral do veículo em dinheiro; Tal fato restou demonstrado por meio de diligência realizada na concessionária Saint Moritz, situada nesta Capital, identificando-se o veículo Citröen, modelo C5, ano 2005, placas JGV-7326-DF, em nome do próprio José Reinaldo; no escritório da empresa Pool Comunicações, de Geraldo Magela, foram encontrados comprovantes de depósitos relativos à aquisição do veículo; os valores e datas são exatamente aqueles lançados na ficha de venda obtida na concessionária Saint Moritz, fato confirmado na Informação Policial n. 001/2007. Além disso, segundo o que consta do “Auto de apreensão complementar e análise de dados” lavrado pela Polícia Federal (fls. 156 e seguintes do apenso n. 43, do Inq. n. 544-BA) na residência de Geraldo Magela, localizada na SQS 311, Bloco F, apart. 403, Brasília, DF, foram apreendidos diversos disquetes, constando arquivos demonstrativos da “contabilidade” da propina paga por 42 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Zuleido para a obtenção de vantagens junto ao Governo do Maranhão, dentre os quais verifica-se o “acerto” com José Reinaldo referente ao “Projeto Pontes”, no valor total de R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais), pagos da seguinte forma: a) mediante a emissão de notas fiscais frias da empresa Pool Comunicações, por supostos serviços prestados à Gautama: Nota Fiscal n. 638, de 11.7.2006, no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) - (fl. 174 do mesmo apenso); Nota Fiscal n. 650, de 28.11.2006, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) - (fl. 177); Nota Fiscal n. 653, de 28.12.2006, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) - (fl. 179); b) pagamentos em dinheiro, sem notas fiscais, mas também intermediados por Magela, realizados: em 9.9.2006, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no escritório da Gautama em Brasília, por Teresa Freire; em 8.11.2006, R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), no Aeroporto de São Luís, por Florêncio; em 17.11.2006, R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), no Aeroporto de Brasília, por Humberto; em 19.12.2006, R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), no escritório da Gautama em Brasília, por Teresa; e em 25.12.2006, R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais), no escritório da Gautama em Salvador, por Florêncio; 5) Geraldo Magela era, na época, assessor do então Governador José Reinaldo e, nessa qualidade, também recebeu vantagens indevidas, tendo sido identificada a quantia de R$ 56.300,00 (cinqüenta e seis mil e trezentos reais), paga em 20 de junho de 2006, além de ter solicitado, no dia 13 de julho, “pagamentos” a Zuleido, pedindo a ele para “lembrar da sua caloi” (diálogo transcrito às fls. 2.624); 6) em decorrência do pagamento das medições fraudulentas, Zuleido, com a colaboração de Vicente Coni, Gil Jacó e Florêncio Vieira, pagou também vantagens indevidas aos servidores do Estado do Maranhão que contribuíram para “arrumar” as irregularidades existentes; 7) nos diálogos interceptados, por diversa vezes, foram utilizados os códigos “TDO”, que significa “Transferência de Dinheiro para Obra”, e “agendas”; tais expressões eram empregadas sempre que os membros da quadrilha se referiam a valores em espécie para o pagamento de propinas a servidores e agentes políticos (diálogo transcrito às fls. 2.625-2.626); e 8) no auto de busca e apreensão (apenso 45) verificam-se anotações relativas a pagamentos de propinas a Ulisses; os documentos de fls. 73 e 78 apontam o recebimento das quantias de R$ 33.748,00 (trinta e três mil, setecentos e quarenta e oito reais), em 11.9.2006; de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 43 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 30.9.2006; e, de duas parcelas, uma de R$ 54.960,00 (cinqüenta e quatro mil, novecentos e sessenta reais) e outra de R$ 174.000,00 (cento e setenta e quatro mil reais) em 30.10.2006. II - Obra: “Implantação e pavimentação da Rodovia BR 402” Relata o Ministério Público Federal que: 1) em 29 de junho de 2006, o Convênio foi assinado entre o DNIT e o Estado do Maranhão, representado naquele ato pelo então Governador José Reinaldo e pelo Secretário de Infra-Estrutura Ney Bello, no valor total de R$ 170.161.078,66 (cento e setenta milhões, cento e sessenta e um mil, setenta e oito reais e sessenta e seis centavos), cabendo ao DNIT financiar R$ 153.144.970,80 (cento e cinqüenta e três milhões, cento e quarenta e quatro mil, novecentos e setenta reais e oitenta centavos) e ao Estado, em contrapartida, R$ 17.016.107,86 (dezessete milhões, dezesseis mil, cento e sete reais e oitenta e seis centavos); 2) conforme fiscalização procedida posteriormente pelo DNIT, o então Governador do Estado do Maranhão José Reinaldo e o Secretário Ney Bello inseriram no “Plano de Trabalho”, documento essencial para a formalização do Convênio, declaração diversa da que ali deveria conter, consistente na obrigação de, a título de contrapartida, construir pontes (obras de arte especiais) que, na verdade, já existiam, alterando, assim, a verdade sobre fato juridicamente relevante; essas obras de arte foram objeto do Contrato n. 005/2004, celebrado entre o Estado e a Construtora Gautama, contrato este utilizado para desvio de dinheiro público, conforme já narrado; 3) as pontes já construídas anteriormente sequer serviriam para a BR 402, porque possuíam largura de 10 metros, o que não corresponde ao padrão para as estradas federais, que é de 12,80 metros de largura, além de estarem localizadas fora do traçado da referida BR 402, tudo a demonstrar que não poderiam mesmo constar como contrapartida para a realização do convênio; 4) diante da deflagração da “Operação Navalha” e da fiscalização realizada pelo DNIT, o referido convênio foi, então, denunciado, conforme Portaria n. 868, 30 de maio de 2007, publicada no DOU de 1º.6.2007, anulando-se, ainda, a Nota de Empenho n. 2006 NE 902073; 5) com a mudança de governo, em janeiro de 2007, os pagamentos às empreiteiras foram suspensos pelo Estado do Maranhão, sendo retomados paulatinamente, à medida que os acordos foram firmados; 44 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 6) em fevereiro de 2007, quando já se encontrava no Governo do Estado o seu novo titular, Jackson Kepler Lago, o grupo criminoso, continuando a valerse da intermediação de Geraldo Magela, conseguiu aproximar-se de Jackson Lago e de Abdelaziz Aboud Santos, Secretário de Planejamento, que passou a concentrar parte das atribuições antes exercidas por Ney Bello, Secretário de Infra-Estrutura; o elo foi feito através de Ricardo Lago, irmão de Jackson Lago, que representa o Estado no escritório de Brasília (diálogos transcritos às fls. 2.627); 7) apesar da mudança de governo, a quadrilha não perdeu o espaço de atuação ilícita no Estado, agindo através de Vicente Coni e, agora, de Geraldo Magela e de Roberto Figueiredo (conhecido como Betinho), que se desligaram do governo e passaram a integrar a quadrilha de Zuleido, representando os interesses da Gautama, e articulando-se com o atual Governador Jackson Lago por intermédio do seu irmão Ricardo Lago e dos seus sobrinhos Alexandre e Paulo Lago (diálogos transcritos às fls. 2.628-2.630); 8) no mês de março o grupo já realizava tratativas para garantir a continuidade dos pagamentos das medições relativas às obras das pontes, apresentadas nos mesmos moldes anteriores, ou seja, sem que correspondessem aos serviços realmente executados, o que de fato ocorreu; 9) segundo o que consta do “Auto de apreensão e análise de dados” relativo à busca procedida pela Polícia Federal no escritório da Gautama em São LuísMA (apenso 48, fls. 27-29-39-40), foram pagas à Gautama as seguintes quantias relativas à 9ª medição das obras das pontes: a) R$ 3.455.267,43 (três milhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais e quarenta e três centavos), correspondentes à primeira avaliação, mediante a Nota Fiscal n. 1.041, relativa a Ordem Bancária n. 2007 0800103, de 9.3.2007, no valor de R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e treze reais), e a Ordem Bancária n. 2007 0800194, de 2.4.2007, no valor de R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos); R$ 1.492.867,63 (um milhão, quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e sessenta e três centavos), correspondentes ao complemento da 9ª medição, Nota Fiscal n. 1.062; R$ 1.177.286,97 (um milhão, cento e sessenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis reais e noventa e sete centavos), correspondentes ao reajustamento da 9ª medição, Nota Fiscal n. 1.063; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 45 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 10) dentre os documentos apreendidos com Zuleido Veras no Hotel Pestana, em São Paulo, conforme o “Auto de apreensão e análise de documentos”(apenso 49, fls. 24 a 48), verifica-se que o Governador Jackson Lago, assim como os servidores públicos daquele Estado integrantes da quadrilha, receberam percentual por cada pagamento indevido que viabilizaram, sendo 8% para o Governador, 2% para Ney Bello (“Gordão”), 1% para Sebastião (“Baixinho”), 1% para Santana (“Quantum”), 1% para Eliseu (“Zeus”), 0,25 para Aureliano (“A”), além de pagamentos extras e de eventuais aumentos de percentuais; 11) no mesmo documento em que foram registrados os percentuais para os pagamentos das propinas constam registros relativos ao acréscimo de 35% no valor das medições, obtido mediante negociações entre os membros das quadrilhas; tais acréscimos alcançaram as cifras de R$ 1.037.610,82 (um milhão, trinta e sete mil, seiscentos e dez reais e oitenta e dois centavos) e R$ 183.913,80 (cento e oitenta e três mil, novecentos e treze reais e oitenta centavos) e redundaram na emissão de ordens bancárias em favor da Gautama no valor de R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e treze reais), em 9.3.2007; e de R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos) em 2.4.2007. Segundo o MPF, tais anotações se coadunam com os demais elementos de provas coligidos no curso das investigações, sejam as interceptações telefônicas, sejam os relatórios de monitoramento policial; 12) em 6.3.2007, Roberto Figueiredo e Vicente reuniram-se em Brasília, no Hotel Kubitschek Plaza, com o Secretário de Planejamento Abdelaziz, ao qual competia, autorizado pelo Governador, disponibilizar as verbas para a Secretaria de Infra-Estrutura efetuasse os pagamentos à Gautama; nesse encontro ficou combinado que a Seplan providenciaria o remanejamento de verbas destinadas a outros projetos para possibilitar a disponibilização orçamentária permitindo à Seinfra efetuar o pagamento da 9ª medição no patamar pretendido pela Gautama, que era inicialmente de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), mas que, após os acertos, atingiu a cifra de R$ 3.455.267,43 (três milhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais e quarenta e três centavos) - (diálogos transcritos às fls. 2.631-2.632); a referida importância foi, de fato, paga à Gautama, mas em duas parcelas: a primeira, no dia 9.3.2007, no valor de R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil e quatrocentos e treze reais), através da OB n. 2007 0800103; e, a outra, no valor 46 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos), através da OB n. 2007 0800194, no dia 2.4.2007, ambas assinadas por Ney Bello; 13) efetivado o pagamento da primeira parcela, Roberto, no dia 12.3.2007, cobrou de Zuleido e de Gil Jacó a sua parte no negócio, ressaltando a pressa em receber, tendo em vista a sua iminente nomeação para a Presidência do BRB; Conforme se extrai do diálogo captado em 21.3.2007, a pretensão de Betinho foi de fato acolhida (transcrição às fls. 2.633-2.634); 14) em contrapartida à liberação de tal parcela, paga em duas vezes, no total de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), o Governador Jackson Lago, por sua vez, recebeu R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), correspondentes a 8% do valor pago à Gautama, conforme o combinado, valendo-se da colaboração dos seus sobrinhos Alexandre e Paulo Lago; 15) o estratagema por eles utilizado foi o seguinte: no dia 21 de março, Gil Jacó e Florêncio Vieira sacaram na Caixa Econômica Federal, Agência Cidadela, em Salvador, através do Cheque n. 309577-0, conta de titularidade da Gautama, n. 03557011-3, a importância de R$ 237.000,00 (duzentos e trinta e sete mil reais), que foram trazidos para Brasília por Florêncio, juntamente com outros valores sacados no Banco do Brasil, totalizando a importância de R$ 440.000,00 (quatrocentos e quarenta mil reais), e entregues a Fátima no escritório da Construtora Gautama; de imediato, Fátima Palmeira dirigiu-se para o Hotel Alvorada, onde se encontrou com Alexandre Lago e Paulo Lago, entregandolhes o valor de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); a entrega do dinheiro deveria acontecer no escritório da Gautama, tendo sido o local alterado de última hora, por orientação de Jackson Lago (conforme demonstram diálogos transcritos às fls. 2.634-2.637); 16) as Informações Policiais de n. 22/07 e n. 36/07 esclarecem que, naquele dia 21 de março de 2007, Jackson Lago encontrava-se em Brasília, hospedado no Apartamento n. 1.001 do Hotel Kubitschek Plaza; muito embora seu nome não constasse da lista de hóspedes, a autoridade policial obteve a filmagem das câmeras de segurança instaladas no local, aparecendo o Governador nas dependências do Hotel; 17) outra equipe de policiais, no mesmo dia 21 de março de 2007, seguindo as orientações da equipe de monitoramento de áudio, deslocou-se até o Hotel Alvorada, para identificar e registrar o encontro de Fátima Palmeira, Alexandre e Paulo Lago; de acordo com a Informação Policial n. 35/2007, Fátima chegou RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 47 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ao hotel por volta de 21h40min, carregando uma sacola grande de papel de cor marrom, encontrando-se com Paulo e Alexandre Lago; após conversarem longamente, inclusive sobre os pagamentos de faturas e medições, Fátima deixou com eles a sacola contendo o dinheiro a ser entregue ao Governador; no dia seguinte, relatou a João Manoel e a Vicente a entrega do dinheiro (diálogo reproduzido às fls. 2.638); 18) pelos atos praticados em favor da quadrilha, que possibilitando o pagamento indevido da quantia antes referida, Ney Bello (“Gordão”) recebeu R$ 59.248,26 (cinqüenta e nove mil, duzentos e quarenta e oito reais e vinte e seis centavos), Sebastião (“Baixinho”) R$ 14.818,06 (quatorze mil, oitocentos e dezoito reais e seis centavos), Santana (“Quantum”) R$ 29.624,13 (vinte e nove mil, seiscentos e vinte e quatro reais e treze centavos), Eliseu (“Zeus”) R$ 29.624,13 (vinte e nove mil, seiscentos e vinte e quatro reais e treze centavos), Aureliano (“A”) R$ 7.406,03 (sete mil, quatrocentos e seis reais e três centavos), correspondentes a 2%, 0,5 %,1%, 1%, 0,25%, respectivamente (apenso 48, fl. 4849); 19) em seguida, após negociações que envolveram, da mesma forma, os membros das duas quadrilhas, foi liberado, no dia 2.4.2007, o pagamento da quantia de R$ 492.000,00 (quatrocentos e noventa e dois mil reais) à Gautama; no mesmo dia, a quadrilha de Zuleido iniciou as tratativas visando à continuidade do recebimento de valores por obras supostamente executadas e independentemente de medição real, mas já pagas, como informa Vicente a Zuleido em diálogo transcrito às fls. 2.639-2.640); 20) as dificuldades enfrentadas pela quadrilha de Zuleido para os recebimentos subseqüentes não residiam especificamente na inexecução das obras ou na ausência de medições verdadeiras, mas na necessidade de se fazerem ajustes relativos à dotação orçamentária da Seinfra que permitissem os pagamentos pretendidos, além da entrega das propinas referentes aos R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos) que haviam sido liberados no dia 2.4.2007; para tanto, foram mantidos contatos sucessivos com Alexandre e Paulo, que se encarregaram de atuar junto ao Governador para que fossem disponibilizadas as verbas em favor da Gautama (diálogo - fls. 2.641); 21) ante as dificuldades orçamentárias e a expectativa do não recebimento por falta de obras concluídas, Hortegal se ofereceu, em troca de propina, para ajudar a Gautama, atestando mais uma medição fictícia; os diálogos entre 48 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Hortegal e Vicente de fls. 2.642-2.644 demonstram os caminhos percorridos pelas quadrilhas no Governo do Estado para o sucesso da fraude; No dia seguinte, Paulo Lago deu notícia a Fátima acerca da liberação das verbas e perguntou sobre a propina que lhe havia sido prometida (fls. 2.644) e a questão foi solucionada com o desvio para a Gautama de verba prevista no orçamento para a construção de um aeroporto (fls. 2.644-2.645); tais negociações resultaram na disponibilização de mais R$ 3.000.000,00 para a Gautama; a partir daí, iniciaram-se as tratativas com os encarregados da aprovação de mais uma medição fraudulenta: Hortegal, Sebastião, Eliseu, Santana e o próprio Secretário Ney Bello; 22) em 9 de abril de 2007, o denunciado José de Ribamar Hortegal solicitou vantagem indevida a Vicente Coni, no valor R$ 8.000,00, renovando tal pedido no dia seguinte; considerando que o referido servidor poderia criar empecilhos aos trâmites das pretensões da quadrilha na Secretaria de Infra-Estrutura, Zuleido, através de Gil Jacó, providenciou a remessa da importância solicitada, além de mais R$ 50.000,00 destinados a outros servidores daquela Secretaria (fls. 2.645-2.646); em razão da vantagem ilícita prometida e paga no dia 12 de abril, José de Ribamar Hortegal beneficiou indevidamente a Gautama com o reajuste de 20% sobre o valor relativo à 9ª medição (fls. 2.647); 23) em 13 de abril de 2007, em novo telefonema, Hortegal transmitiu a Vicente os números relativos ao reajuste da 9ª medição, antes referido: “medição-R$ 2.631.373,00: Ponte Munin - R$ 1.230.423,00, Ponte Pirapemas - R$ 300.000,00, Ponte Cururupu - R$ 400.000,00, Ponte Riachão - R$ 480.000,00, Ponte Campo Alegre- R$ 140.000,00. Total: R$ 4.881.796,00”, que acrescido do reajuste de 20% promovido por Hortegal alcançaria a quantia de R$ 5.858.155,00 (cinco milhões, oitocentos e cinqüenta e oito mil, cento e cinqüenta e cinco reais); insatisfeito com os números, Vicente Coni pediu que fosse alterado o valor referente a Cururupu, que deveria ser aumentado para R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), para fechar a medição em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), “como havia combinado com Ney” (áudio de 13.4, às 16:32), uma vez que do total pretendido pela quadrilha na 9ª medição seriam descontados os R$ 3.455.267,00 (três milhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais), que foram recebidos antecipadamente (fls. 2.648); o grupo criminoso, com intensa atuação de Zuleido e Vicente Coni, pretendia, na realidade, que os valores fossem pagos independentemente das irregularidades detectadas em cada uma das medições (fls. 2.649); a continuidade dos pagamentos pretendidos por Zuleido esbarravam, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 49 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no entanto, no fato de não haver pontes concluídas, apesar de pagas, como se extrai do seguinte diálogo (fls. 2.649-2.650); além disso, as vigas das pontes em construção não correspondiam às especificações do projeto, sendo utilizados, inclusive, materiais pouco resistentes, comprometando a segurança das obras (fls. 2.650-2.653); verificou-se, no entanto, que o grande entrave para a liberação dos R$ 2.670.154,00 (dois milhões, seiscentos e setenta mil, cento e cinqüenta e quatro reais) pretendidos por Zuleido era o pagamento das propinas relativas aos R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos), prometidas anteriormente; 24) em 19 de abril de 2007, Vicente, Zuleido e Gil providenciaram os R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) correspondentes ao percentual destinado ao Governador, que foram levados por Humberto Rios, de Salvador para São Luís, no dia 20.4.2007; a quantia foi recebida por Vicente no aeroporto daquela cidade, conforme consta da Informação Policial n. 41/2007; o diálogo entre Vicente e Telma, sua namorada, na noite daquele dia, não deixa dúvida de que Humberto entregou o dinheiro a Vicente no aeroporto (fls. 2.653-2.654); no dia seguinte, Vicente entregou a propina no apartamento de Alexandre Lago, o que se constata pela Informação Policial n. 42/2007; no dia 24 de abril, João Manoel informou a Vicente que o sobrinho do Governador havia dito que estava “tudo OK” (fls. 2.654); 25) além da propina paga ao Governador, o documento de fl. 49 do apenso 48 dá conta de que, em razão do pagamento indevido dos R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três centavos), foram entregues R$ 9.857,09 (nove mil, oitocentos e cinqüenta e sete reais e nove centavos) ao Secretário Ney Bello, R$ 2.464,27 (dois mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e vinte e sete centavos) ao fiscal Sebastião Franco, R$ 4,928,54 (quatro mil, novecentos e vinte e oito reais e cinqüenta e quatro centavos) ao fiscal Santana, R$ 4,928,54 (quatro mil, novecentos e vinte e oito reais e cinqüenta e quatro centavos) a Eliseu e R$ 1.232,14 (mil, duzentos e trinte a dois reais e quatorze centavos) a Aureliano; no entanto, mesmo com a entrega das propinas, o pagamento complementar da medição pretendido por Zuleido não pôde se consumar imediatamente, porque o prazo do contrato estava expirado; para resolver o problema, Vicente e Sebastião combinaram uma fraude, que permitiria a prorrogação do contrato e, por conseqüência, o pagamento da medição; Sebastião manteve contato com Vicente, orientando-o a retirar “as vinte e seis ordens de serviço dos processos”, que já haviam sido pagas, e a renumerar as páginas, de modo a viabilizar a prorrogação 50 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL do contrato (fls. 2.654-2.655); resolvida essa questão e pagas as propinas antes especificadas, no mês de abril, a parcela de R$ 2.670.154,60 (dois milhões, seiscentos e setenta mil, cento e cinqüenta e quatro reais e sessenta centavos) (Notas Fiscais n. 1.062 e n. 1.063), relativa ao complemento e ao reajustamento da 9ª medição, foi liberada, tendo sido distribuídos R$ 213.612,37 (duzentos e treze mil, seiscentos e doze reais e trinta e sete centavos) ao Governador Jackson Lago; R$ 65.142,81 (sessenta e cinco mil, cento e quarenta e dois reais e oitenta e um centavos) ao Secretário Ney Bello, sendo R$ 53.403,09 (cinqüenta e três mil, quatrocentos e três reais e nove centavos), correspondente a 2% daquele valor, mais R$ 11.739,00 (onze mil, setecentos e trinta e nove reais) de parcela extra; R$ 26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e quatro centavos) ao fiscal Sebastião Franco, que, desta feita, recebeu a importância correspondente a 1% “em virtude das ordens de serviço que ajudou a resolver”; R$ 26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e quatro centavos) a Santana; R$ 26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e quatro centavos) a Eliseu; e R$ 6.675,00 (seis mil, seiscentos e setenta e cinco reais) a Aureliano; 26) na busca procedida pela Polícia Federal na residência de Sebastião Franco, em 21.5.2007, foi encontrada, em espécie, a quantia de R$ 735.900,00 (setecentos e trinta e cinco mil e novecentos reais), conforme auto de apreensão de fls. 179 a 183, do apenso 48; na residência de José de Ribamar Ribeiro Hortegal foram encontrados R$ 15.500,00 (quinze mil e quinhentos reais), constatado pelo auto de apreensão de fls. 184 a 188, do mesmo apenso; e 27) as quadrilhas pretendiam dar continuidade aos desvios dos recursos públicos, tanto que, no dia 7 de maio de 2007, por iniciativa do próprio Ney Bello, foi agendado um encontro entre ele, Vicente e o Secretário de Planejamento Abdelaziz, a fim de tratar dos detalhes para a obtenção de recursos federais oriundos do recém-lançado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que seriam destinados para obras em andamento, bem como para projetos futuros; na ocasião, a Construtora Gautama alugou uma aeronave para levar Vicente até São Luís, conforme Informação Policial n. 45/2007 (fls. 2.656); posteriormente, Vicente Coni relatou a Zuleido o teor da reunião, enfatizando a necessidade de obter recursos financeiros para o Estado do Maranhão por meio de Roberto Figueiredo, então Presidente do BRB (fls. 2.656-2.657). Conclui o MPF que a função de cada um dos um dos integrantes das quadrilhas que agiram no Estado do Maranhão é bem delimitada, tendo RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 51 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA funcionado no período de dois governos, com a prática reiterada de crimes contra a administração pública, que culminaram com o desvio em favor do grupo criminoso liderado por Zuleido, de R$ 24.331.917,09 (vinte e quatro milhões, trezentos e trinta e um mil, novecentos e dezessete reais e nove centavos), até a data de 25.4.2007, conforme o Laudo n. 1.974/2007 (item VI.I) do Departamento de Polícia Federal. Considerando terem os denunciados procedido de modo livre e consciente, o MPF afirmou que: a) José Reinaldo Tavares, Ulisses Cesar Martins de Sousa, Ney de Barros Bello, Sebastião José Pinheiro Franco, José Ribamar de Santana, José de Ribamar Ribeiro Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Eliseu Carvalho Passos, Jackson Kepler Lago, Abdelaziz Aboud Santos, Alexandre Lago, Paulo Lago e Ricardo Lago estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal; b) José Reinaldo Tavares, Ulisses Cesar Martins de Sousa, Ney de Barros Bello, Sebastião José Pinheiro Franco, José Ribamar de Santana, José de Ribamar Ribeiro Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Eliseu Carvalho Passos, Jackson Kepler Lago, Abdelaziz Aboud Santos, Alexandre Lago, Francisco de Paula Lima Júnior (“Paulo Lago”) e Ricardo Lago, Zuleido Veras, Vicente Vasconcelos Coni, Geraldo Magela Fernandes da Rocha, Maria de Fátima Palmeira, João Manoel Soares, Teresa Freire, Gil Jacó Carvalho Santos, Florêncio Brito Vieira, Humberto Rios e Roberto Figueiredo Guimarães, estão incursos nas penas do art. 312 do Código Penal; c) Zuleido Soares Veras (37 vezes), Gil Jacó Carvalho Santos (37 vezes), Geraldo Magela (8 vezes) e Vicente Coni (2 vezes), Florêncio Vieira (3 vezes), Maria de Fátima Palmeira, Humberto Rios (2 vezes) e Tereza Freire (2 vezes) estão incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal; d) José Reinaldo Tavares (6 vezes), Geraldo Magela Fernandes da Rocha (8 vezes) Ney de Barros Bello (3 vezes), Ulisses César Martins de Souza (4 vezes), Sebastião José Pinheiro Franco (3 vezes), José Ribamar Hortegal, Aureliano Filho (3 vezes), José Ribamar Santana (3 vezes), José Eliseu Carvalho Passos (3 vezes), Jackson Kepler Lago (3 vezes), Alexandre Lago (3 vezes) Francisco de Paula Lima Júnior (Paulo Lago), Roberto Figueiredo Guimarães, estão incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal; e e) José Reinaldo Tavares e Ney de Barros Bello estão incursos nas penas do art. 299 do Código Penal (inserção de declaração diversa no “Plano de Trabalho” referente ao convênio para as obras de pavimentação da BR 402). 52 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL DO EVENTO ALAGOAS Relata o Ministério Público Federal que, em abril de 2006 a empresa Gautama executava as obras de construção da Barragem de Duas BocasSanta Luzia, no Rio Pratagy, de adutora e sub-adutora de água tratada, bem como da instalação de proteção de adutora de captação de água bruta, objeto do Convênio n. 715/2005 (Siaf n. 553.730), celebrado, em 29.12.2005, entre a União, por intermédio do Ministério da Integração Nacional e o Estado de Alagoas, no valor total de R$ 77.780.000,00 (setenta e sete milhões, setecentos e oitenta mil reais), sendo R$ 70.000.000,00 (setenta milhões) oriundos do Governo Federal e a contrapartida estadual de R$ 7.780.000,00 (sete milhões, setecentos e oitenta mil reais); o referido convênio foi firmado, inicialmente, para vigência no período de 30.12.2005 a 24.12.2006, sendo prorrogado até 22.12.2007. A partir da análise dos diálogos monitorados no curso das investigações, constatou o MPF que: 1) Zuleido Veras mantinha também no Estado de Alagoas um esquema ilícito para o desvio dos recursos públicos, através de sobrepreço no orçamento, de superfaturamento das obras contratadas e de pagamentos feitos indevidamente à Construtora Gautama, na forma de antecipação, com base em medições e saldos contratuais fictícios, além de pagamentos em duplicidade, esquema do qual participaram os seguintes integrantes da quadrilha por ele liderada: Maria de Fátima Palmeira, Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho, Gil Jacó Santos, Florêncio Vieira e Rosevaldo Pereira Melo (identificado por Rose); 2) os servidores Eduardo Henrique Araújo Ferreira (identificado por “Cheba”), ex-Secretário de Fazenda; Marcio Fidelson Menezes Gomes e Adeilson Teixeira Bezerra, ex-Secretários de Infra-Estrutura; José Crispim Vieira e Denisson de Luna Tenório, ex-Diretores de Obras da Secretaria de InfraEstrutura, associaram-se de forma estável e permanente para promover o desvio dos recursos destinados ao pagamento de obras públicas, tendo efetivamente proporcionado tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante o recebimento de vantagens indevidas; e 3) concorreram, também, para a consumação dos delitos, o atual Governador do Estado de Alagoas Teotônio Brandão Vilela Filho, à época Senador da República; o representante daquele Estado em Brasília Enéas de Alencastro Neto; João Ferro Novaes Neto, Diretor do Centro de Convenções de Alagoas; e, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 53 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA o servidor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Ernani Soares Gomes Filho, hoje cedido à Câmara dos Deputados. Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros das quadrilhas foi determinante para a concretização do programa delituoso; a estabilidade e a permanência das alianças se revelaram eficientes na perpetração de vários crimes, que resultaram em verdadeira sangria nos cofres públicos. Para demonstrar a veracidade de suas alegações, o MPF passa a destacar os seguintes pontos: 1) o Relatório de Ação de Controle n. 00190.034133/2007-74, elaborado pela Secretaria de Controle Interno da Controladoria Geral da União, aponta diversas ilicitudes na liberação das verbas do Convênio n. 715/2005, firmado entre o Ministério da Integração Nacional e o Estado de Alagoas, assim como na contratação da empresa Gautama para as obras de ampliação do sistema de abastecimento de água do Rio Pratagy, desde o procedimento licitatório (Concorrência n. 03/2000-Y3-CPL/AL), até a execução do Contrato n. 14/2001, firmado entre aquela empresa e o referido Estado, em 30.3.2001; 2) até 13.5.2008 (data do oferecimento da denúncia) foram liberados pelo Ministério da Integração Nacional R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) para o Estado de Alagoas, com base no referido convênio, por meio das Ordens Bancárias n. 2006OB900248, de 24.2.2006 e n. 2006OB901333, de 20.7.2006; 3) as liberações foram irregulares porque feitas sem a apresentação do projeto técnico detalhado e sem o licenciamento ambiental para a execução das obras de ampliação do sistema de abastecimento de água do Rio Pratagy, principalmente em relação à construção da Barragem de Duas Bocas; 4) as liberações das duas parcelas de R$ 15.000.000,00 só ocorreram pela atuação de Ernani Soares Gomes Filho junto aos órgãos competentes do Ministério da Integração Nacional; 5) Ernani é servidor do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão desde 1988, ocupando o cargo de analista de planejamento e orçamento, mas encontra-se cedido à Câmara dos Deputados desde 1997; na década de 80 foi assessor do então Ministro dos Transportes José Reinaldo Tavares; nos anos 90 foi assessor do ex-Deputado Ricardo Fiúza; em 2006, foi assessor do Deputado Cleonâncio Fonseca, acusado por envolvimento no “escândalo dos sanguessugas”, e quando deflagrada a “operação navalha” era assessor do Deputado Federal Márcio Reinaldo, envolvido no inquérito que apura a prática de crime ambiental pela construção de uma barragem em córrego que passa pela sua fazenda; 54 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 6) valendo-se do cargo que ocupava e do prestígio que possuía no Ministério da Integração Nacional, Ernani intermediou as tratativas que possibilitaram as liberações das verbas pretendidas pela Gautama, mesmo sem o preenchimento dos requisitos necessários para que isto ocorresse; para tanto, manteve freqüentes contatos com Zuleido Veras e Maria de Fátima, orientandoos como proceder para burlar as exigências do Ministério, relativas à licença ambiental, à adequação do plano de trabalho do convênio para a execução das obras, à adimplência do Estado e à apresentação do projeto técnico detalhado, mediante a solicitação de vantagens indevidas (diálogos de fls. 2.660-2.661); 7) o documento de fl. 57, do apenso n. 45, indica que estava prevista para o mês de julho de 2006 a entrega da importância de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) à Ernani, o que de fato ocorreu; R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia 12.7.2006 e R$ 30.000,00 (trinta mil reais), no dia 15.7.2006, conforme revela o diálogo de 13.7.2006, às 12h 05min 08s (fls. 2.661); 8) recebida a propina, foi liberada a 2ª parcela da verba do convênio, no montante de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), no dia 20.7.2006, independentemente do cumprimento integral das exigências pactuadas, como esclarece o citado relatório da Controladoria Geral da União; 9) Ernani continuou as tratativas visando à liberação das demais parcelas do convênio, cuja dificuldade residia, principalmente, na ausência do projeto detalhado para a execução da Barragem de Duas Bocas (fls. 2.661-2.662); 10) Ernani também empenhou-se junto ao Ministério do Planejamento para direcionar recursos do orçamento da União para atender aos interesses da Gautama, como revela diálogo mantido com Maria de Fátima (fls. 2.663); 11) no diálogo ocorrido no dia 6 de setembro de 2006, Maria de Fátima diz a um funcionário da Gautama, afirmando que Denisson lhe “falou muito claramente que o pessoal não sabe nem se o local da barragem é o local correto e, por isso, ele não quer liberar a barragem nem a ensecadeira e nem o desvio do rio, porque pode liberar um serviço que depois não seja”, demonstrando claramente a inexistência de projeto que justificasse a liberação de verbas para a obra (fls. 2.663); 12) para interferir no processo de liberação de verbas do convênio, Ernani solicitou a Zuleido vantagem indevida, que lhe foi entregue no dia 5.9.2006; como se verifica pelos áudios captados naquela data, Zuleido disse a Ernani para passar no seu escritório para receber o dinheiro, que estava sendo transportado por Florêncio de Salvador, o que foi confirmado por Tereza; o documento de fl. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 55 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 58, do apenso 45, confirma que Ernani recebeu, naquela data, a importância de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) - (diálogo de fls. 2.663-2.664); 13) a partir da análise do extrato bancário da conta específica do convênio MI n. 715/2005 (Conta Corrente n. 5.711-8, da Agência n. 3.557-2, do BB), relativo ao período de 16.12.2005 a 27.6.2007, constatou-se que o Governo do Estado de Alagoas efetuou indevidamente saques no montante de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais), para fins estranhos ao objeto do convênio, na forma de transferências para a conta única do tesouro estadual (c/c n. 5011001, da Agência 2.735, da CEF) e para a Conta n. 72.008-9-Sefaz, Agência 3.557-2, do Banco do Brasil; 14) objetivando a disponibilização das verbas do convênio pela Secretaria de Fazenda, para que a Secretaria de Infra-Estrutura efetuasse os pagamentos indevidos pretendidos pela quadrilha, Zuleido, Maria de Fátima e Rosevaldo mantiveram sucessivas tratativas com o Secretário de Fazenda, “Cheba”; tais tratativas foram facilitadas pelas ações de João Ferro e do atual Governador do Estado de Alagoas Teotonio Vilela, que à época era Senador da República, os quais se empenharam para que “Cheba” atendesse aos interesses de Zuleido, o que de fato ocorreu; 15) no relatório da CGU antes mencionado consta que a Secretaria de Fazenda de Alagoas disponibilizou, gradativamente, o montante de R$ 27.003.141,41 (vinte e sete milhões, três mil, cento e quarenta e um reais e quarenta e um centavos) para a conta específica do convênio, nas seguintes datas: em 19.5.2006, R$$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); em 31.5.2006, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); em 28.6.2006, R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais); em 1º.8.2006, R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais); em 28.12.2006, R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais); e, em 9.5.2007, R$ 3.503.141,41 (três milhões, quinhentos e três mil, cento e quarenta e um reais e quarenta e um centavos); 16) a partir da 11ª medição da obra do Pratagy, as datas dos pagamentos efetuados à Gautama coincidem com as das disponibilizações das verbas pela Secretaria de Fazenda; 17) coube ao atual Governador do Estado de Alagoas Teotônio Vilela, então Senador da República, interceder junto ao Secretário de Fazenda daquele Estado para que as verbas do convênio, depositadas em conta única, fossem disponibilizadas para a Secretaria de Infra-Estrutura, possibilitando os pagamentos à Gautama; Tal fato poderia ser considerado apenas como legítima 56 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL tratativa política para viabilizar a conclusão das obras que viriam a favorecer ao Estado não tivesse o Governador, para tanto, recebido vantagens indevidas de Zuleido Veras; 18) segundo as agendas apreendidas pela Polícia Federal na sede da Gautama em Salvador, que integram o “Auto de apreensão complementar e análise de dados” de fls. 65, 84, 88, do apenso 45, o Governador, ora identificado por TEL-MCZ, ora por TEO, recebeu de Zuleido Veras as quantias de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em 5.8.2006, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em 22.11.2006 e R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em 20.12.2006; 19) as informações constantes das “agendas” compatibilizam-se com as demais provas colhidas no curso das investigações; pelo “Relatório de Ação de Controle” da CGU verifica-se que a Secretaria de Fazenda disponibilizou para a Seinfra as importâncias de R$ 2.500.000,00 (dois milhões em quinhentos mil reais), no dia 28.6.2006, R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), no dia 1º.8.2006, e R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais), em 28.12.2006, datas próximas às das propinas recebidas pelo Governador; 20) os contatos do então Senador Teotônio Vilela com Secretário de Fazenda de Alagoas, “Cheba”, para atender aos interesses de Zuleido Veras, foram intermediados por João Ferro, que à época era seu assessor no Senado; o próprio Governador declarou em Juízo que conhece João Ferro desde a juventude e que o nomeou Gerente do Centro de Convenções quando assumiu o Governo do Estado de Alagoas; 21) os diálogos entre João Ferro, Zuleido, Maria de Fátima, Rosevaldo e Bolivar são esclarecedores no sentido de que agia em nome do então Senador para favorecer à Gautama e de que suas ações foram eficientes, pois as verbas pretendidas foram de fato liberadas logo após as negociações (fls. 2.665-2.667); 22) em contrapartida, João Ferro também recebeu “propina” de Zuleido Veras: R$ 30.000,00 (trinta mil reais), no dia 7.5.2006, conforme se verifica pelo documento de fl. 110, do apenso n. 45; e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em 10.7.2007, conforme revelam os diálogos entre Zuleido e Florêncio (fls. 2.667); 23) quando Teotonio assumiu o governo do Estado de Alagoas, nomeou Eneas de Alencastro Neto como representante do Estado em Brasília; Enéas é,também, amigo do atual Governador desde a juventude e, juntamente com João Ferro, foi seu assessor no Senado, como já havia sido também assessor do seu falecido pai; nessa qualidade intermediou para o Governador as liberações do saldo do convênio ainda mantido na conta única do Estado, empenhando-se RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 57 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA para que fossem feitos os pagamentos pretendidos por Zuleido com as verbas já liberadas no governo anterior, recebendo, para tanto, vantagens indevidas; 24) nos meses de março e abril de 2007 foram feitas várias tratativas entre Enéas e Zuleido e entre Enéas e Adeilson a propósito do retorno dos recursos do Convênio do Pratagy e do pagamento da 19ª medição (fls. 2.667-2.669); tais diálogos deixam claro o envolvimento do Governador Teotônio Vilela nas negociações, pois, como se vê das respectivas transcrições, Enéas refere-se sempre ao seu “chefe”; 25) o relatório da CGU esclarece que, de fato, a Gautama recebeu R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais), através da 2007OB00031, no dia 4.4.2007, correspondentes a 19ª medição; que no dia 9.5.2007 foi disponibilizado o saldo restante da conta única do Estado para a do convênio, no montante de R$ 3.503.141,41 (três milhões, quinhentos e três mil, cento e quarenta e um reais e quarenta e um centavos); e que no dia 10.5.2007, através da 2007OB 00050 foram pagos à Gautama mais R$ 565.346,70 (quinhentos e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais e setenta centavos), relativos ao saldo da 19ª medição; 26) para viabilizar tais liberações Enéas solicitou vantagem indevida a Zuleido Veras, como se extrai do diálogo interceptado no dia 20.3.2007, às 18h58min3s, em que Tereza informa a Zuleido que Enéas “tá ligando sobre uma documentação que era pra ter indo ontem”; os diálogos que se sucederam até o dia 23.3.2007 revelam que a chamada “documentação” era, na verdade, a propina; 27) a estratégia para o pagamento da vantagem indevida solicitada por Enéas foi a seguinte: no dia 23.3.2007 Zuleido viajou para Maceió (Informação Policial n. 027/2007), levando a importância de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), que lhe foi entregue por Florêncio, no Aeroporto de Salvador; porém, antes de embarcar, Zuleido recomendou que Enéas avisasse ao seu “chefe”; assim que chegou a Maceió Zuleido encontrou-se com Enéas no local conhecido como “casinha amarela”, no Farol, onde lhe foi entregue a propina, conforme Relatório de Inteligência n. 31/2007, elaborado pela Polícia Federal; segundo esclareceu o Governador em seu depoimento, a “casinha amarela” é de propriedade da sua mulher e ali foi instalado o seu escritório político; 28) as diligências policiais antes mencionadas, aliadas às comunicações telefônicas adiante transcritas, evidenciam que o dinheiro foi providenciado por Gil Jacó, sacado por Florêncio e entregue por Zuleido a Enéas naquela data e local (fls. 2.670-2.671); 58 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 29) extrai-se do relatório da Controladoria Geral da União que, na execução do contrato firmado entre a Gautama e o Estado de Alagoas, em razão do referido convênio, a Seinfra atestou e pagou despesas no valor total de R$ 30.098.683,48 (trinta milhões, noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e três reais e quarenta e oito centavos), sendo R$ 28.531.543,48 (vinte e oito milhões, quinhentos e trinta e um reais e quarenta e três reais e quarenta e oito centavos) com recursos federais e R$ 1.567.140,00 com recursos daquele Estado, mediante a apresentação das medições das obras ali especificadas (informações constantes das planilhas de fls. 2.671-2.672); 30) as planilhas constantes do relatório da CGU revelam, ainda, que os pagamentos envolveram, em relação às adutoras: 1) o superfaturamento de preços dos tubos, peças e conexões hidráulicas utilizadas nas obras das adutoras, conforme a análise comparativa de preços realizada entre a planilha orçamentária do plano de trabalho do convênio, os boletins de medições dos serviços e as notas fiscais de fornecimento dos materiais utilizados na sua execução; 2) sobrepreço na adequação do plano de trabalho para a interligação da adutora “Pulmão B” com o reservatório R-1, da ordem de R$ 3.587.930,22 (três milhões, quinhentos e oitenta e sete mil, novecentos e trinta reais e vinte e dois centavos); 3) acréscimo em torno de 170% nos itens de serviços para a construção das adutoras; 4) irregularidades na execução da adutora até o reservatório R1, que, segundo a planilha orçamentária, deveria ser construída com tubulação de ferro fundido, com diâmetro nominal de 1000mm, na extensão de 2.381m, mas foram utilizadas tubulações de DN 800mm, DN 700, DN 500, DN 250, nos trechos de 1.320m, 575m, 831m, 70m, respectivamente; 5) irregularidades na construção da sub-adutora, com extensão aprovada de 401,50m e tubulação de ferro fundido de DN 400mm, mas executados aproximadamente apenas 100m de extensão, com tubulação de DN1000mm; 6) divergências entre os boletins de medição e o plano de trabalho aprovado pelo Ministério da Integração Nacional quanto à descrição, unidade, quantidade e valor unitário dos ítens de serviços; em relação à Barragem de Duas Bocas: 1) pagamento antecipado da 18ª medição por serviços que não foram prestados; 2) acréscimos da ordem de 800% nos itens de serviços apresentados - 19ª medição; 3) alteração do projeto, com redução dos serviços, sem o respectivo abatimento no preço da obra - 19ª medição; 4 ) pagamento do item de serviço “transporte e descarga de material em solo mole para bota-fora”, correspondente a 5Km, tendo a inspeção in loco constatado que a distância real para a execução do serviço era de 1Km - 19ª medição; 5) pagamento da 19ª medição sem que a área técnica competente atestasse a execução dos serviços; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 59 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 6) pagamento de transporte de materiais pétreos entre o eixo da barragem e a pedreira mineradora superior à distância real - 19ª medição; 31) o plano de trabalho inicialmente proposto pelo governo do Estado de Alagoas, que resultaria, numa primeira etapa, no aumento da capacidade de produção de água do sistema Pratagy, de uma vazão de 360 l/s para aproximadamente 1080 l/s, restou totalmente comprometido, uma vez que a supressão dos serviços e materiais contratados e pagos inviabilizaram o funcionamento das obras, conforme detalhadamente exposto no mencionado relatório da Controladoria Geral da União e como revela o diálogo de 28.2.2007, às 17h22min43s, Zuleido e Abelardo; 32) os valores das medições, assim como ocorreu no Estado do Maranhão, foram negociados entre os membros da quadrilha de Zuleido, Maria de Fátima Palmeira, Bolívar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e Rosevaldo Pereira Melo, e os servidores públicos do Estado de Alagoas encarregados de avalizar as medições, liberar as verbas correspondentes e efetivar os pagamentos, Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, Adeilson Teixeira Bezerra e José Crispim Vieira, tudo mediante o recebimento de propina, como demonstram os áudios captados no curso das investigações e os documentos apreendidos; 33) Marcio Fidelson Menezes Gomes e Adeilson Teixeira Bezerra exerceram o cargo de Secretário de Infra-Estrutura do Estado nos anos de 2006 e 2007, respectivamente; Denisson de Luna Tenório, ocupou, no ano de 2006, o cargo de Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura e, no ano de 2007, passou a exercer o cargo de Subsecretário daquela pasta; José Crispim Vieira, a partir de 2007, assumiu o cargo de Diretor de Obras da mesma Secretaria; nessa qualidade, os referidos servidores contribuíram efetivamente para viabilizar os pagamentos das medições fraudulentas; 34) para o gerenciamento e a supervisão das obras do Pratagy a Seinfra contratou a empresa Cohidro - Consultoria Estudos e Projetos S/C Ltda.; as faturas apresentadas pela Gautama deveriam, porém, passar pelo Serviço de Engenharia do Estado de Alagoas - Serveal, órgão responsável por emitir os pareceres técnicos sobre a regularidade na execução da obra; as interceptações telefônicas realizadas naquela época revelam que, por diversas vezes, os pagamentos pretendidos pela Gautama foram objeto de questionamento por parte de engenheiros da Cohidro e da Serveal, mas que os seus interesses acabaram atendidos por determinação dos Diretores de Obras e dos Secretários de Infra-Estrutura antes 60 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL indicados, tendo Márcio, inclusive, garantido que os processos da Gautama não passariam mais pelo Serveal, conforme se constata pelos diálogos de 20.6.2006, às 13h41min3s (fls. 2.674); 35) os pagamentos relativos aos serviços discriminados na 12ª até a 17ª medições, pelo Relatório da CGU, não foram executados; no entanto, foram pagos por Márcio, no período de 3.7.2006 a 28.12.2006, no montante de R$ 13.328.743,00 (treze milhões, trezentos e vinte e oito mil, setecentos e quarenta e três reais), mediante a autorização de Denisson; os pagamentos relativos aos serviços discriminados nas três etapas da 18ª medição e na 19ª, da mesma forma não realizados, foram autorizados por Crispim e pagos por Adeilson, no período de 1º.3.2007 a 10.5.2007, no montante de R$ 6.328.095,00 (seis milhões, trezentos e vinte e oito mil e noventa e cinco reais); 36) para viabilizar tais pagamentos indevidos, Zuleido, Maria de Fátima, Bolívar, Abelardo e Rosevaldo mantiveram freqüentes contatos com os referidos servidores públicos e, também, com “Cheba”, a quem competia, como narrado anteriormente, disponibilizar as verbas da Secretaria de Fazenda para a Secretaria de Infra-estrutura; 37) para receber a importância da 12ª medição, Zuleido, ao ser informado por Bolívar de que a Secretaria da Fazenda teria a verba de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões) para outros compromissos, inclusive recolhimento do INSS, encontrou-se com o Secretário de Fazenda, “Cheba”, em Maceió, no dia 26.6.2006, uma vez que este teria se comprometido com Fátima a repassar tal verba para pagar à Gautama; em seguida, Zuleido obteve a notícia de que “Cheba”, conforme o combinado, havia disponibilizado R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) para a Secretaria de Infra-estrutura (Seinfra), destinados ao pagamento à Gautama, embora a sua pretensão fosse de receber, por aquela etapa, R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais); 38) na noite de 28.6.2006, o que “Cheba” havia prometido a Zuleido se confirmou com o repasse de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) da Sefaz para a Seinfra; contudo, verificou-se a existência de dificuldades na aprovação da medição, o que impedia o imediato recebimento do dinheiro pela construtora Gautama; segundo Bolívar, o Subsecretário de Infra-Estrutura teria se recusado a assinar a medição, uma vez que a Gautama estaria “devendo um milhão e seiscentos relativos aos tubos e à primeira medição”, ou seja, foram feitos pagamentos antecipados; a dificuldade enfrentada pela Gautama em conseguir a aprovação da medição considerada irregular foi contornada por acordo entre RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 61 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Zuleido e Márcio, que retirou o processo do então Subsecretário e o repassou a Denisson Tenório, Diretor de Obras, para que se pronunciasse em favor da Gautama; 39) no dia 4.7.2006, a construtora recebeu o pagamento da 12ª medição, no valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), tendo Márcio mandado empenhar a verba e preparar a Ordem Bancária n. 2006OB00150, no dia 3.4.2006, e Denisson, no dia seguinte, entregou o parecer favorável à Gautama (diálogo de fls. 2.671-2.672); para possibilitar o pagamento da medição fraudulenta, Márcio e Denisson solicitaram e receberam de Zuleido Veras vantagens indevidas (diálogos de fls. 2.676); 40) no dia 7.7.2006, Florêncio Vieira (identificado por Foca), funcionário do setor financeiro da Gautama, foi acionado por Zuleido e orientado a repassar a quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a Fátima para ser levada a Maceió; Florêncio entrou em contato com a Caixa Econômica Federal de Salvador, agência Cidadela, e com o Banco do Brasil em Salvador, agência da Av. Tancredo Neves, para levantar a quantia determinada; por volta das 19 horas, encontrou-se com Cláudio, funcionário da Gautama, no Aeroporto de Brasília e, juntos, foram à casa de Fátima entregar a “propina”, por eles referida como “documentação”; no dia 10.7.2006, Fátima viajou a Maceió, levando consigo a quantia recebida de Florêncio, para pagar a “propina” solicitada por Marcio e Denisson; o diálogo entre Fátima e Rosevaldo no dia 7.7.2006, esclarece que Marcio valia-se da amizade que tinha com Rosevaldo para viabilizar o recebimento de propina através da empresa do amigo (fls. 2.677); a quadrilha também pagou passagens aéreas (Maceió-Brasilia-Maceió), em 4.9.2006, para que Denisson viesse a Brasília defender os interesses da Gautama no Ministério da Integração Nacional; 41) apesar da mudança de Governo, a partir de fevereiro de 2007, verificouse a continuidade da prática delitiva por parte das quadrilhas com relação às obras do Pratagy, agora com a participação de Adeilson Teixeira Bezerra, que substituiu Marcio Fidelson na Secretária de Infra-Estrutura, Denisson de Luna Tenório, que passou a ser o Subsecretário de Infra-Estrutura e José Crispim Vieira, que substituiu Denisson na Diretoria de Obras da Seinfra; para tanto, Denisson, Crispim e Adeilson mantiveram frequentes contatos com Abelardo Sampaio, que era o funcionário da Gautama responsável por obter junto à Secretaria de Infra-Estrutura as liberações dos valores relativos às medições fraudulentas, mediante o pagamento de propinas aos servidores públicos; 62 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 42) na época em que Márcio era Secretário de Infra-Estrutura e Denisson o Diretor de Obras, a Seinfra adiantou os pagamentos de serviços não executados, indicados na 13ª, 14ª, 15ª, 16ª e 17ª medições e, como a quadrilha pretendia que se prosseguisse com os pagamentos indevidos, no início do ano de 2007 foram pagas a eles as propinas prometidas por tais liberações, efetuadas no período de 11.8.2006 a 28.12.2006, no montante de R$ 11.098.746,00 (onze milhões, noventa e oito mil, setecentos e quarenta e seis reais); 43) da análise do documento de fl. 46, do apenso 45, com das demais provas constantes dos autos, depreende-se que, pelos adiantamentos, Márcio recebeu, no dia 16.1.2007, a quantia R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais); 44) Denisson, por sua vez, recebeu de Abelardo, no dia 14.2.2007, no seu escritório em Maceió, a quantia de R$ 115.000,00 (cento e quinze mil reais), sacada, por Florêncio, na CEF no dia 12.2.2007; as tratativas para viabilizar o pagamento da propina a Denisson foram feitas nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2007, por Fátima, Abelardo e Zuleido (diálogo de fls. 2.678); conforme o combinado, Fátima encontrou-se com Zuleido naquele dia, às 19h20min, no Restaurante Albatroz, localizado no Aeroporto de Brasília, oportunidade em que lhe entregou o dinheiro; a estratégia utilizada para disfarçar a entrega do dinheiro foi a seguinte: Fátima deixou a sua bolsa vermelha na cadeira do restaurante; Zuleido apanhou a bolsa, se dirigiu ao banheiro e retirou o dinheiro; minutos depois retornou, pagou a conta, deixou a bolsa no mesmo lugar e embarcou para Maceió (Informação Policial n. 003/2007, de 13.2.2007); ao sair do aeroporto Fátima comunicou-se com Denisson acertando a entrega da propina (diálogo de fls. 2.678-2.679); concomitantemente, Zuleido e Fátima, continuaram a agir no Estado de Alagoas em conjunto com Bolívar, Rosevaldo e Abelardo, apresentando novas medições fictícias, com o propósito indisfarçável de apropriarem-se de todo o valor do contrato; 45) para atender às pretensões do grupo, Crispim e Adeilson, a pedido de Abelardo, entabularam sucessivas tratativas com os engenheiros responsáveis pela fiscalização das obras, pressionando-os para viabilizar a aprovação da 18ª medição, conforme os áudios captados nos dias 13.2.2007 (16:31:28, 16:34:23, 16:36:24, 18:17:47, 18:55:51), 16.2.2007 (10:11:53, 17:4739), 22.2.2007 (16:41:01), 26.2.2007 (17:21:39, 17:34:17, 17:55:54); 46) o diálogo entre Zuleido e Abelardo, captado no dia 28.2.2007, revela claramente que até aquela altura e apesar de todo o dinheiro recebido, a Gautama não havia realizado as obras contratadas, aliás não havia sequer o RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 63 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA projeto definitivo da Barragem de Duas Bocas, portanto, as medições eram mesmo fraudulentas (fls. 2.679-2.680); mesmo assim, nos dias 1º e 2.3.2007, Adeilson determinou o pagamento de mais R$ 3.162.748,05 (três milhões, cento e sessenta e dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e cinco centavos) à Gautama, mediante as Ordens Bancárias n. 2007OB00005, no valor de R$ 2.909.728,21 (dois milhões, novecentos e nove mil, setecentos e vinte e oito reais e vinte e um centavos), n. 2007OB00008, R$ 173.951,14 (cento e setenta e três mil, novecentos e cinqüenta e um reais e quatorze centavos) e n. 2007OB00009, R$ 79.068,70 (setenta e nove mil, sessenta e oito reais e setenta centavos); em contrapartida, Zuleido pagou a Adeilson, em Maceió, a quantia de R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais), no dia 9.3.2007, quantia esta sacada, por Florêncio, no Banco do Brasil, Agência Jorge Amado, em Salvador, naquela mesma data, mediante a emissão de dois cheques, um no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e o outro no valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais); para facilitar o embarque de Zuleido com aquela quantia, Florêncio adquiriu, também, uma passagem para Maceió e dirigiu-se a sala de embarque do aeroporto de Salvador, onde entregou a Zuleido a maleta contendo o dinheiro; em seguida, retornou do saguão de embarque e cancelou a sua passagem; 47) chegando a Maceió, Zuleido dirigiu-se ao Escritório Teixeira & Bezerra, do qual Adeilson é sócio, localizado na Rua Ranildo Cavalcanti, n. 37, local onde foi realizada a entrega da propina; tais fatos encontram-se pormenorizadamente retratados na Informação Policial n. 017/2007 e no diálogo entre entre Zuleido e Adeilson, naquele mesmo dia (fls. 2.680); 48) após o pagamento da 18ª medição, o Estado de Alagoas ainda dispunha de R$ 3.165.346,00 (três milhões, cento e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais) de saldo dos R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) repassados pelo Ministério da Integração Nacional em razão do convênio; assim, prosseguiram-se as negociações para o desvio do saldo em favor da Gautama, bem como as injunções junto ao Ministério para a liberação dos R$ 47.000.000,00 (quarenta e sete milhões), o restante do valor total do convênio para as obras do Pratagy; 49) para articular a liberação dos R$ 3.165.346,00 (três milhões, cento e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais), Zuleido foi a Maceió no dia 26.3.2007 e encontrou-se com Adeilson, conforme se extrai do áudio captado naquele dia às 08:36:36; a partir daquele encontro, Adeilson iniciou as 64 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL tratativas com Crispim e Abelardo, para viabilizar a pretensão de Zuleido de levantar rapidamente aquela quantia, tendo, inclusive, determinado que fosse providenciada uma nova medição, no valor total da verba disponível (fls. 2.681); no entanto, em razão da resistência da empresa fiscalizadora da obra em avalizar também aquela 19ª medição, além de não dispor a Seinfra da verba pretendida, uma vez que parte dela ainda não havia sido disponibilizada pela Sefaz, Adeilson e Crispim decidiram efetuar o pagamento em duas partes (diálogo de fls. 2.6812.682); 50) então, Abelardo “arrumou” a parte técnica da 19ª medição, entabulando sucessivas tratativas com Adeilson e Crispim, especialmente em relação à questão de pré-furos e drenos, que pretendia incluir para fechar aquela parte da medição. Entretanto, tinham ciência do perigo em serem comprometidos, inclusive em face da oposição da Cohidro, conforme os áudios dos dias 27.3.2007, às 10:26:33; e 29.3.2007, às 09:09:16, 12:04:44, 13:30:21, 17:58:14, tendo Abelardo dito o seguinte: “(...) mas aquela imagem o cara pode chegar e dizer: venha cá, como é que você fez pré-furo se não tinha material duro aqui, só tinha lama?”; nesse episódio, detectou-se, também a participação de Enéas Alencastro, como já anteriormente relatado, valendo-se aqui destacar o diálogo entre ele e Adeilson, no dia 4.4.2007, às 10:37:27, a propósito do pagamento da 19ª medição, que dependia ainda da disponibilização da verba da Sefaz para a Seinfra (fls. 2.682); após combinar com Enéas, Adeilson acertou com Crispim a liberação do pagamento da medição, independentemente do posicionamento dos engenheiros da Cohidro, tendo sido emitida a ordem de pagamento, no valor de R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais) - fls. 2.682-2.683; 51) no dia 4.4.2007, a Gautama recebeu a importância, mediante a Ordem de Pagamento n. 2007OB00031, emitida no dia anterior, por Adeilson; depois, tendo Enéas conseguido a transferência do saldo da verba do convênio da Sefaz para a Seinfra no dia 9.5.2007, Adeilson efetuou o restante do pagamento da 19ª medição, através da Ordem n. 2007OB00050, emitida no dia 10.5.2007, no valor de R$ 565.346,70 (quinhentos e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais e setenta centavos); e 52) na busca procedida pela Polícia Federal na residência de Márcio Fildelson, em 17.5.2007, foi encontrada, em espécie, a quantia de R$ 38.402,00 (trinta e oito mil, quatrocentos e dois reais), conforme se verifica pelo auto de apreensão de fl. 378, do apenso 26; na de Denisson Tenório foram encontrados R$ 227.110,00 (duzentos e vinte e sete mil, cento e dez reais), constatado no RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 65 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA auto de apreensão de fl. 393; e, na residência de Adeilson, além de R$ 43.370,00 (quarenta e três mil, trezentos e setenta reais) - auto de apreensão de fl. 419 -, foi encontrado um automóvel marca Toyota, modelo Hilux, SW4,SRY, 4x4, placa MVK 0704, ano 2007. Conclui o MPF que a função de cada um dos integrantes da quadrilha com atuação no Estado de Alagoas é bem delimitada, tendo funcionado no período de 2006 a 2007, com a finalidade preestabelecida da prática reiterada de crimes contra a administração pública, culminando com o desvio de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). Considerando terem os denunciados procedido de modo livre e consciente, o MPF afirmou que: a) Teotônio Brandão Vilela Filho, Enéas de Alencastro Neto, João Ferro Novaes Neto, Ernani Soares Gomes Filho, Eduardo Henrique Araújo Ferreira, Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, José Crispim Vieira e Adeilson Bezerra estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal; b) Teotônio Brandão Vilela Filho, Enéas de Alencastro Neto, João Ferro Novaes Neto, Ernani Soares Gomes Filho, Eduardo Henrique Araújo Ferreira, Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, José Crispim Vieira, Adeilson Bezerra, Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Tereza Freire Lima, Gil Jacó Carvalho Santos, Florêncio Vieira, Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e Rosevaldo Pereira Melo, estão incursos nas penas do art. 312 do Código Penal; c) Zuleido Veras (18 vezes), Maria de Fátima Palmeira (2 vezes), Tereza Freire Lima (2 vezes), Gil Jacó Carvalho Santos (18 vezes), Florêncio Vieira (8 vezes), Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e Rosevaldo Pereira Melo, estão incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal; e d) Teotônio Brandão Vilela Filho (3 vezes), Enéas de Alencastro Neto (2 vezes), João Ferro Novaes Neto (3 vezes), Ernani Soares Gomes Filho (5 vezes), Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório (2 vezes), José Crispim Vieira e Adeilson Bezerra, estão incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal. DO EVENTO SERGIPE Relata o Ministério Público Federal que: 1) a Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso, Sociedade de Economia Mista, tem como principal acionista o Estado de Sergipe, detentor 66 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de 99% do capital. Firmou a companhia, com a empresa Gautama o Contrato n. 110/01, em 27.8.2001, para a execução das obras e serviços de construção civil e montagens da 2ª Fase, da 2ª Etapa, do Sistema da Adutora do Rio São Francisco, no valor total, com aditivos, de R$ 128.432.160,59 (cento e vinte e oito milhões, quatrocentos e trinta e dois mil, cento e sessenta reais e cinqüenta e nove centavos); 2) os recursos financeiros envolvidos tiveram origem no Convênio n. 200/99, celebrado com o Ministério da Integração Nacional em 30.12.1999, no valor de R$ 22.550.000,00 (vinte e dois milhões, quinhentos e cinqüenta mil reais), sendo R$ 20.500.000,00 (vinte milhões e quinhentos mil reais) da União e R$ 2.050.000,00 (dois milhões e cinqüenta mil reais) de contrapartida estadual; no Convênio n. 006/05 MI, de 25.10.2005, no valor de R$ 28.685.273,10 (vinte e oito milhões, seiscentos e oitenta e cinco mil, duzentos e setenta e três reais e dez centavos), sendo R$ 26.077.521,00 (vinte e seis milhões, setenta e sete mil, quinhentos e vinte e um reais) da União e R$ 2.607.752,10 (dois milhões, seiscentos e sete mil, setecentos e cinqüenta e dois reais e dez centavos) de contrapartida estadual; no Contrato de Financiamento e Repasse n. 15645364/03, de 29.12.2003, firmado com a CEF, no valor de R$ 94.000.000,00 (noventa e quatro milhões de reais); e em verbas próprias do Estado de Sergipe; 3) pelo contrato foram pagos à Gautama R$ 224.620.790,59 (duzentos e vinte e quatro milhões, seiscentos e vinte mil, setecentos e noventa reais e cinqüenta e nove centavos), em razão dos reajustes efetivados, sendo R$ 26.661.060,32 (vinte e seis milhões, seiscentos e sessenta e um mil, sessenta reais e trinta e dois centavos) com base no Convênio n. 200/99 MI; R$ 7.665.844,52 (sete milhões, seiscentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e cinqüenta e dois centavos), com base no Convênio n. 006/05 MI; R$ 113.827.509,97 (cento e treze milhões, oitocentos e vinte e sete mil, quinhentos e nove reais e noventa e sete centavos), mediante financiamento da CEF; e R$ 76.466.375,78 (setenta e seis milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil, trezentos e setenta e cinco reais e setenta e oito centavos) com recursos do Estado de Sergipe; 4) o “Relatório de Ação de Controle” n. 00190.020334/2007-94, elaborado pela CGU, aponta diversas ilegalidades na Concorrência Pública n. 005/2000DT/DESO, resultando no direcionamento do contrato para a Gautama, além de indicar que grande parte dos recursos públicos federais e estaduais foram desviados em favor daquela empresa. Segundo a CGU: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 67 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a) o edital da concorrência pública previu o fornecimento de materiais (tubulações, válvulas, acessórios) e a execução de obras e serviços de engenharia, caracterizando a antieconomicidade e a restrição da competitividade no certame. Além disso, o edital previu a incidência do percentual de 35% a título de BDI (Bonificação e Despesas Indiretas) sobre todos os itens cotados, inclusive sobre o fornecimento dos materiais, cujos itens abrangeram quase 60% do valor total contratado; b) a falta de detalhamento de itens nas planilhas orçamentárias elaboradas pela Enpro, empresa contratada pela Deso para tal finalidade, além da ausência de pesquisas de preços ou de fontes de referências, fatores que também restringiram o caráter competitivo da licitação, em razão da dificuldade na apropriação dos reais custos de execução; apesar disso, a Gautama apresentou planilhas de preços com valores muito próximos aos das planilhas orçamentárias da Enpro, com a qual Zuleido Veras mantinha estreito relacionamento; c) a inclusão de outras cláusulas restritivas ao caráter competitivo da licitação, tais como: preço exorbitante para a aquisição do edital, exigência de índices econômicos-financeiros não habituais e de difícil consecução e prazo para a apresentação de garantia que limitou a participação no certame; e de cláusulas abusivas, consistentes na exigência de comprovação de capacidade técnica para itens irrelevantes e não representativos para a execução da obra e na proibição de somatório de quantidades apresentadas em atestados diferentes; d) das 4 (quatro) empresas participantes do certame apenas a Construtora Gautama atingiu todos os índices relativos à habilitação técnica exigidos pelo edital, mas o seu acervo técnico, atestado pela própria Deso, foi baseado na execução de contrato anterior firmado com aquela empresa para a realização dos serviços da 1ª fase, da 2ª etapa da adutora do São Francisco, no qual também foram detectadas inúmeras ilegalidades; e) a análise formal do processo de licitação revela que no edital, no projeto básico, na planilha do orçamento e nas especificações dos itens de serviços não constam as assinaturas dos responsáveis; e não foram encontrados o comprovante de publicação do edital no DOU, o parecer da assessoria jurídica sobre o edital, a minuta do contrato, o comprovante de publicação do resultado final da licitação, a composição dos preços unitários da proposta da empresa vencedora referentes aos itens de fornecimento de materiais; e nem a fonte de pesquisa orçamentária para o embasamento dos preços de tais itens; 68 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL f ) a licitação foi induvidosamente direcionada para favorecer à Gautama e possibilitar o desvio dos recursos públicos durante a execução do contrato, como de fato ocorreu; 5) o Contrato n. 110/01, por sua vez, foi firmado em bases extremamente desfavoráveis para a Deso, porque previu preços contratados irreajustáveis pelo período de 12 meses, mas estabeleceu que o prazo seria contado a partir de setembro de 2000; como o contrato foi celebrado em agosto de 2001, quando já decorrido o prazo estabelecido, todos os preços foram, na verdade, reajustados. Em relação ao mesmo contrato, destaca: a) a avença deveria vigorar por 42 meses, vencendo em 18.4.2005, mas, no dia 8 daquele mês, foi firmado o 1º termo aditivo, que o prorrogou por 90 dias; o pedido de prorrogação foi feito pelo Engenheiro da Gautama, Ricardo Magalhães, ao seguinte argumento: “as obras estão em fase de conclusão, mas constatando que restarão serviços de acabamento e testes que devem ultrapassar esta data limite, solicitamos ampliação do prazo em mais 90 dias”; b) inusitadamente, a justificativa do Engenheiro fiscal da Deso, Renato Garcia, para concordar com a prorrogação foi “devido as chuvas, descontinuidade de recursos financeiros, demora pela Deso da retirada de invasores da faixa de domínio, alteração de projeto exigida pela fiscalização, e o atual desenvolvimemto da obra, concordamos com a alteração do prazo por mais 3 meses, fixando,assim, o novo prazo em 18.7.2005”; c) através do 6º Termo de Rerratificação ao contrato, firmado no dia 6.6.2005, alterou-se o prazo fixado no 1º Aditivo, ficando estabelecida a prorrogação por mais 15 meses, a contar de 19.4.2005, sob a justificativa de necessidade de execução de outros serviços emergenciais não previstos inicialmente; d) a prorrogação venceria, portanto, em julho de 2006; ocorre que, em 26.6.2006, a Deso, atendendo à solicitação da Gautama, tornou a prorrogar o prazo contratual por mais 90 dias, através do 2º Termo Aditivo; dessa vez o pedido foi formulado nos seguintes termos: “em virtude dos impedimentos para execução das obras, especialmente, por chuvas ocorridas durante esses 57 meses de vigência do Contrato. Nesta oportunidade, informamos que ainda restam 3.100 m de montagens para a conclusão dos serviços”; e) em outubro de 2006, celebrou-se o 3º Termo Aditivo ao contrato, prorrogando-o por mais 60 dias, mediante a justificativa da Gautama, aceita RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 69 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pela Deso, no sentido de que necessitaria de tempo para “a conclusão da obra, execução das interligações, realização dos testes e acompanhamento da operação da linha por um período”; e f ) as essas prorrogações de prazo visaram, na verdade, viabilizar a execução de serviços diversos daqueles inicialmente licitados e com as mesmas bases de preços superfaturados, incidindo, ainda, os altos índices de correção do valor do contrato original. Segundo o MPF, desde o início do contrato foram efetivadas significativas modificações nas planilhas licitadas, tanto em relação ao fornecimento de materiais, quanto ao dimensionamento dos serviços contratados, objeto de rerratificações, sempre vantajosas para a Gautama, apontando o relatório da Controladoria-Geral da União aponta que: a) a medição dos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.000mm e espessura 5/16”, foi de 11.197m, mas as notas fiscais de aquisição totalizam apenas 9.020,98m, constatando-se, ainda, que o preço unitário medido e pago por esses tubos foi 2,347 vezes maior do que o preço de aquisição pela Gautama; b) a medição dos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.200mm e espessura 9/32”, foi de 39.021,500m, mas as notas fiscais de aquisição totalizam apenas 36.700,457m, além do que o preço unitário medido e pago por esses tubos foi 2,131 vezes maior do que o preço de aquisição pela Gautama; c) a medição relativa aos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.200mm e espessura 11/32”, foi de 2.400m, enquanto as notas fiscais de aquisição registram apenas 1.700,34m, além do que o preço unitário medido e pago foi 2,370 vezes maior do que o preço de aquisição pela Gautama; d) os preços superfaturados dos tubos, no montante de R$ 68.216.764,44 (sessenta e oito milhões, duzentos e dezesseis mil, setecentos e sessenta e quatro reais e quarenta e quatro centavos), foram pagos antes mesmo da Gautama têlos adquirido, incidindo, ainda, sobre esses valores os reajustes contratuais, de modo que, pelo fornecimento dos três tipos de tubos, foram pagos à Gautama o total de R$ 137.232.501,96 (cento e trinta e sete milhões, duzentos e trinta e dois mil, quinhentos e um reais e noventa e seis centavos), dos quais R$ 69.015.727,52 (sessenta e nove milhões, quinze mil, setecentos e vinte e sete reais e cinqüenta e dois centavos) correspondentes a reajustes indevidos; e) a primeira alteração contratual foi feita em outubro de 2002, pelo 1º Termo de rerratificação, para alterar os critérios de medição l, retirando-se 70 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL fatores inerentes a “empolamento” de materiais, sem, contudo, haver alteração do valor do contrato; f ) para as obras do trecho “Gravidade II” de duplicação da adutora estavam previstos no contrato o fornecimento e serviços com tubos de ferro fundido, mas, através do 2º termo de rerratificação, de 25.9.2003, foi feita a substituição de tais tubos por aço carbonado, sem considerar que uma das exigências do edital de licitação era a capacidade técnica para assentamento de tubulações em ferro fundido, o que redundou na desclassificação das demais concorrentes; alterouse, também, a metodologia construtiva, com a substituição das travessias subaquáticas para aéreas, reduzindo-se o valor do contrato de R$ 107.458.567,58 (cento e sete milhões, quatrocentos e cinqüenta e oito mil, quinhentos e sessenta e sete reais e cinqüenta e oito centavos) para R$ 103.064.249,67 (cento e três milhões, sessenta e quatro mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos); apesar disso, a nova planilha manteve os preços unitários originalmente estimados, portanto, superfaturados; g) em maio de 2004, como o Tribunal de Contas da União havia condicionado a “continuidade da execução do Contrato n. 110/01 à celebração de termo aditivo no qual se preveja que as futuras alterações contratuais em que constem acréscimos de quantitativos devam tomar como base os preços de mercado, tomando como parâmetro os elementos comprobatórios dos custos efetivamente despendidos pela construtora na aquisição de produtos”, foram firmados o 3º e o 4º Termos de Rerratificação; o 3º, no dia 3.5.2004, alterando novamente a planilha de preços do projeto executivo, para remanejamento de quantidade de serviços; e o 4º, no dia 31 daquele mesmo mês, para proceder à revisão dos preços inicialmente contratados, consignando-se, no entanto, que seria assegurado o “equilíbrio econômico financeiro do contrato”, ou seja, manteve-se tudo como antes; h) no dia 8.3.2005 o 5º Termo de Rerratificação foi firmado, também sob a justificativa de adequação da planilha do projeto executivo, passando o valor global do contrato de R$ 103.064.249,67 (cento e três milhões, sessenta e quatro mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos) para R$ 105.136.916,44 (cento e cinco milhões, cento e trinta e seis mil, novecentos e dezesseis reais e quarenta e quatro centavos); i) no dia 6.6.2005, celebrou-se o 6º Termo de Rerratificação, alterando o seu valor global de R$ 105.136.916,44 (cento e cinco milhões, cento e trinta e seis mil, novecentos e dezesseis reais e quarenta e quatro centavos) para R$ 128.432.160,59 (cento e vinte e oito milhões, quatrocentos e trinta e dois mil, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 71 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA cento e sessenta reais e cinqüenta e nove centavos), sob a justificava de que se tratava de acréscimo de obra emergencial, porque durante as operações de interligação entre as unidades construídas naquela fase e as construídas há mais de 25 anos, na 1ª etapa da adutora, verificou-se uma série de vazamentos que comprometia todo o sistema; tal fato era, no entanto, previsível, como afirmou o próprio Diretor-Técnico da Deso no relatório que embasou a alteração contratual; mesmo assim, não se procedeu à época da concorrência um estudo adequado para a inclusão de tais serviços naquele procedimento licitatório ou para a contratação de um outro projeto, através de licitação específica; j) o Contrato n. 110/01 previa a duplicação de 42.585m da adutora; pelos boletins de medição, até o mês de maio de 2005, já havia sido assentados 42.570,95m de tubulação, ou seja, 99,99% da obra contratada, porém as medições continuaram a ser fraudulentamente apresentadas e pagas, totalizando 52.867,50m de tubulação, quando as notas fiscais revelam a aquisição pela Gautama de apenas 47.698,67m de tubos; k) o cálculo das medições relativas aos serviços de escavações são incompatíveis com os dados das sondagens realizadas ao longo do eixo da adutora, conforme o que consta do volume VI, do “Relatório Final do Projeto Executivo de Complementação da 2ª Etapa da Adutora do São Francisco”, o que redundou em pagamento superior ao devido por tais serviços; l) não foi designada equipe de campo para o acompanhamento dos serviços e verificação dos quantitativos efetivamente executados, inexistindo, portanto, relatórios de fiscalização, registros fotográficos ou sequer os diários de obra; m) os valores das medições foram apresentados e pagos na medida em que as verbas públicas destinadas à ampliação da adutora do São Francisco foram disponibilizadas para a Deso, independentemente da quantidade e da qualidade dos serviços realizados; n) as tabelas constantes do referido “Relatório de Ação de Controle” da CGU, demonstram que, do total de R$ 224.620.790,59 (duzentos e vinte e quatro milhões, seiscentos e vinte mil, setecentos e noventa reais e cinqüenta e nove centavos) pagos pela Deso à Gautama, dos quais R$ 97.713.337,93 (noventa e sete milhões, setecentos e treze mil, trezentos e trinta e sete reais e noventa e três centavos) correspondem aos reajustes, foram desviados R$ 178.708.458,81 (cento e setenta e oito milhões, setecentos e oito mil, quatrocentos e cinqüenta e oito reais e oitenta e um centavos) em favor da empresa; 72 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL o) a análise feita pela CGU do resumo da contabilidade relativa ao Contrato n. n. 110/01, constante da planilha eletrônica apreendida pela Polícia Federal, intitulada “PS Final Aditivo Gil”, revela que dos custos indiretos do contrato, correspondentes a 59% do seu valor, 37% referem-se a “despesas extras”, envolvendo o pagamento a “parceiros” e “TDO”, nos percentuais variáveis de 10,4% a 12% e de 20,78 a 22,7, respectivamente, sobre o total faturado. Afirma o MPF que os áudios captados no curso das investigações, aliados às declarações de alguns dos denunciados em juízo, no sentido de que “TDO” significava a “transferência de dinheiro para pagamento de obras” não se sustenta. Conforme as anotações constantes dos documentos apreendidos, a “TDO” era calculada sobre o montante das medições recebidas, demonstrando que as despesas extras eram, na verdade, as propinas. Sustenta que os diálogos monitorados, notadamente nos períodos de abril a setembro de 2006 e fevereiro a maio de 2007, mostram que, para alcançar seus objetivos ilícitos, Zuleido Veras manteve no Estado de Sergipe um esquema do qual participaram os seguintes integrantes da sua quadrilha: Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva, Gil Jacó, Florêncio Vieira e Humberto Rios. Alega que o ex-Governador daquele Estado João Alves Filho; o exSecretário da Casa Civil e atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Flávio Conceição de Oliveira Neto; o ex- Secretário de Fazenda, Max José Vasconcelos de Andrade; o ex-Presidente da Deso e ex-Secretário de Fazenda Gilmar de Melo Mendes; o ex-Presidente da Deso Victor Fonseca Mandarino; os ex-Diretores-técnicos da Deso Roberto Leite e Kleber Curvelo Fontes; o sócio-administrador da Enpro Sergio Duarte Leite; o engenheiro fiscal da obra Renato Conde Garcia; o ex-Deputado Federal e ex-Secretário de Administração, José Ivan de Carvalho Paixão; e João Alves Neto, filho do então Governador do Estado João Alves Filho, associaram-se de forma estável e permanente para promover o desvio dos recursos públicos destinados ao pagamento das obras de ampliação da adutora do Rio São Francisco, tendo efetivamente proporcionado tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante o recebimento de vantagens indevidas. Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros das quadrilhas foi determinante para a concretização do programa delituoso; a estabilidade e a permanência das alianças se revelaram eficientes na perpetração de vários crimes, que resultaram em verdadeira sangria nos cofres públicos. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 73 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca o MPF: 1) apesar de todas as irregularidades anteriormente relatadas, a Concorrência Pública n. 005/2000 foi homologada pelo então Presidente da Deso Gilmar, a quem coube, também, celebrar com a Gautama o Contrato n. 110/01; para a execução do contrato, não designou, no entanto, equipe de fiscalização adequada para a avaliação qualitativa e quantitativa dos serviços contratados, ordenando os pagamentos das medições irregulares e dos reajustes indevidos à Gautama, até ser substituído na Presidência daquela empresa por Vitor Mandarino, no início do Governo de João Alves Filho, em 2003; posteriormente, nos anos de 2005 e 2006, Gilmar exerceu o cargo de Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe e, nessa qualidade, também contribuiu para o desvio de recursos públicos em favor da Gautama; 2) na época em que Gilmar era o presidente da Deso, Roberto Leite exercia o cargo de Diretor-Técnico da empresa, cabendo-lhe zelar pela regularidade do processo de licitação, da execução do contrato e da fiscalização da obra; no entanto, aliado a Gilmar para favorecer à Gautama, participou ativa e determinantemente das decisões na fraudulenta Concorrência Pública n. 005/2000, desde a formulação do edital, concorrendo para o direcionamento das obras para a empresa de Zuleido e, posteriormente, para o desvio dos recursos públicos; foi ele quem aprovou o orçamento da obra formulado pela Enpro, sem verificar a pertinência da estimativa de custos, o relatório de análise das propostas, o relatório técnico de análise da documentação, as planilhas de preços superfaturados apresentadas pela Gautama, a incidência indevida do percentual de 35% a título de BDI sobre o fornecimento dos materiais e as medições irregulares daquele período; 3) quando João Alves Filho assumiu o governo do Estado, com as obras já em andamento, havia repasse de R$ 20.550.000,00 (vinte milhões, quinhentos e cinqüenta mil reais) pelo Ministério da Integração Nacional, em razão do Convênio n. 200/99, através das Ordens Bancárias n. 00360, de 15.2.2000, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), n. 002335, de 13.12.2001, no valor de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais), e n. 001704, de 1º.7.2002, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais); 4) como o contrato firmado entre a Gautama e a Deso era de R$ 126.907.452,67 (cento e vinte e seis milhões, novecentos e sete mil, quatrocentos e cinqüenta e dois reais e sessenta e sete centavos), o ex-Governador empenhouse para conseguir o restante dos recursos; assim, buscou financiamento junto 74 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL à Caixa Econômica Federal em outros estabelecimentos bancários, além de ter firmado novo convênio com o Ministério da Integração Nacional, o de n. 006/05, do qual só foram liberados R$ 6.800.001,00 (seis milhões, oitocentos mil e um reais); 5) tais condutas poderiam ser consideradas como decorrentes da legítima atividade governamental, pois a obra contratada era de inegável interesse público, não tivesse o ex-Governador, através do seu próprio filho, João Alves Neto, negociado com Zuleido Veras vantagens indevidas em troca de obtenção de verbas e autorizar as liberações dos recursos para que a Deso efetuasse os pagamentos das medições fraudulentas pretendidas pela Gautama a partir de janeiro de 2003; 6) as provas constantes dos autos demonstram que o ex-Governador, que era candidato à reeleição no ano de 2006, necessitava de dinheiro para a campanha eleitoral, valendo-se, para isso, das “propinas” pagas por Zuleido Veras; João Alves Neto, encarregado de angariar recursos para a campanha política do pai, participou intensamente das negociações de empréstimos junto às instituições financeiras e das liberações de verbas para que os agentes públicos efetuassem os pagamentos à Zuleido, com o qual manteve freqüentes contatos, tendo, por diversas vezes, dele recebido vantagens pecuniárias, pelas intermediações que possibilitaram à Gautama o recebimento indevido de altos valores dos cofres públicos; 7) além de João Alves Neto, o ex-Governador contou com o auxílio de Flávio Conceição de Oliveira Neto, à época Secretário da Casa Civil; de Max José Vasconcelos de Andrade, Secretário de Fazenda nos anos de 2003 e 2004; de Gilmar de Melo Mendes, Secretário de Fazenda nos anos de 2005 e 2006; e, de Victor Fonseca Mandarino, Presidente da Deso nos anos de 2003 a 2006; 8) contou, ainda, com a colaboração do ex-Deputado Federal Ivan Paixão, que havia sido Secretário de Administração no seu governo, o qual se empenhou para a liberação da verba de R$ 6.800.001,00 (seis milhões, oitocentos mil e um reais) pelo Ministério da Integração Nacional, relativa ao Convênio n. 006/05, o que ocorreu em 29.12.2005, através da Ordem Bancária n. 902420; aliás, no depoimento prestado neste inquérito, Ivan declarou ser suplente de Deputado Federal, sendo nomeado Secretário de Estado para possibilitar a ida de Ivan para o Congresso, com a missão específica de solucionar as pendências que impediam a liberação das verbas federais para o Estado de Sergipe; apurou-se que a conduta do ex-Deputado também não decorreu da sua atividade política, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 75 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA mas dos entendimentos mantidos com Zuleido, de quem solicitou e recebeu reiteradamente vantagens indevidas; conforme se extrai do diálogo captado no dia 4.7.2006, às 10h27min25s (fls. 2.692), Zuleido prometeu propina a Ivan Paixão, pagando-lhe R$ 240.000,00, (duzentos e quarenta mil reais) no dia 2.8.2006, conforme demonstra o documento de fl. 60, do apenso n. 45, constante do auto de busca e apreensão lavrado pela Polícia Federal; além disso, a seqüência dos diálogos dos dias 2, 5, 6 e 8 de setembro de 2006, comprova que do montante das propinas enviadas para Aracaju, no dia 6.9.2006, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), foram entregues a Ivan Paixão; 9) a articulação para o pagamento da propina foi feita entre Zuleido Veras e Flávio Conceição. Zuleido determinou a Gil Jacó adotasse providências para obter o dinheiro e a Humberto Rios o transporte; em Aracaju, os valores foram entregues a Petu, motorista de Flávio, conhecido como “Anjo Negro” (diálogo de fls. 2.692-2.693); 10) Flávio Conceição participou da atividade criminosa como elo de ligação entre o governo do Estado e Zuleido Veras; conforme depoimento prestado no presente inquérito, uma das suas funções como Chefe da Casa Civil era a de “assessorar o Governador em relação à distribuição das verbas destinadas às diversas obras realizadas (...) que a sua função era apontar para o Governador, pelas prioridades, por ele traçadas, as verbas que deveriam ser endereçadas a cada obra (...), que só fazia acompanhar as decisões tomadas pelo Governador, que era quem decidia (...)”; nessa condição, intermediou os interesses de Zuleido naquele Estado, mantendo inúmeras tratativas com o filho do Governador, com os Secretários de Estado Max e Gilmar, e com o Presidente da Deso Vitor Mandarino, possibilitando a liberação dos recursos públicos e o pagamento das medições irregulares à Gautama; 11) os diálogos captados no curso das investigações demonstram que Flávio Conceição teve destacada atuação no evento criminoso, intervindo sempre, quando necessário, para remover os óbices aos objetivos de Zuleido. Flávio era homem da inteira confiança do Governador João Alves, sendo nomeado Secretário da Casa Civil e, no final do seu governo, Conselheiro do TCE. Era também ligado a Zuleido Veras, envolvendo-se nos negócios da Gautama inclusive em outros Estados da Federação; atuou intensamente no ano eleitoral de 2006, para liberação de vultosos pagamentos para a Gautama, tendo, em contrapartida, solicitado e recebido, por diversas vezes, vantagens indevidas, para si e para os demais agentes públicos envolvidos; em 2007, quando já 76 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL investido no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, continuou representando os interesses da Gautama, intermediando pagamentos da obra da adutora do São Francisco, intercedendo junto ao novo governo para a liberação das verbas, mediante o recebimento regular de propinas; 12) Max e Gilmar, como Secretários de Fazenda, garantiram os repasses dos recursos, tanto os dos convênios firmados com o Ministério da Integração Nacional quanto os do próprio Estado de Sergipe, para que a Deso efetuasse os pagamentos à Gautama, pelo que também receberam vantagens indevidas de Zuleido Veras; como as finanças do Estado de Sergipe não eram suficientes para atender aos interesses de Zuleido, Gilmar também prestou a sua colaboração para conseguir junto às instituições bancárias os empréstimos pretendidos pelo ex-Governador; Max, referido como “careca”, por sua vez, exerceu também a função de coordenador financeiro da campanha de João Alves em 2006, tendo assinado a prestação de contas remetida ao TRE; as interceptações telefônicas dão conta de que, naquele ano, foi Max quem recebeu, pelo menos por duas vezes, pessoalmente, as propinas dadas por Zuleido Veras em razão dos pagamentos feitos pela Deso, que lhes foram entregues por Florêncio, no Aeroporto de Aracaju, no dia 8.8.2006, e, por Humberto Rios, no Hotel Jatobá, no dia 30.8.2006; 13) Vitor Mandarino, como Presidente da Deso, a partir janeiro de 2003, firmou os termos aditivos relativos às prorrogações do contrato, assim como as alterações contratuais, além de ordenar todas as despesas que favoreceram à Gautama, sem adotar as medidas necessárias para a verificação da sua pertinência, não designando sequer equipe de campo para o acompanhamento das obras e verificação dos quantitativos executados; para isso, contou com a colaboração de Kleber Curvello Fontes, à época Diretor-Técnico da Deso, e de Renato Garcia, engenheiro fiscal da obra; 14) coube a Kleber Curvello autorizar as prorrogações de prazo do contrato e as alterações contratuais que favoreceram à Gautama, inclusive o 6º Termo de Rerratificação, que majorou o contrato em mais de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), conforme anteriormente descrito; além disso, anuiu com os pagamentos superfaturados e com as medições irregulares, ciente da inexistência dos diários de obra e de equipe para a verificação dos quantitativos efetivamente executados; 15) Renato Garcia, na qualidade de engenheiro fiscal da obra, concordou com os pedidos de prorrogação de prazo e de alterações contratuais formulados RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 77 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pela Gautama, atestou as medições fraudulentas, inclusive as relativas aos fornecimentos dos tubos, além dos cálculos de reajustes, tendo sido o fiscal da obra desde o início do contrato, atestando as medições desde aquela época, sem providenciar os relatórios de fiscalização, o material fotográfico ou sequer os diários de obras; por outro lado, tinha pleno conhecimento de que no processo licitatório havia sido especificado o assentamento de tubulação de ferro fundido, e que tal fato havia motivado a desclassificação de todas as demais concorrentes, mesmo assim, elaborou parecer técnico para justificar a substituição de tal tubulação por aço carbonado, dando ensejo ao 2º Termo de Rerratificação anteriormente referido; da mesma forma, como engenheiro do “Projeto da Adutora do São Francisco”, tinha o dever de fiscalizar as condições do local das obras propostas para a 2ª fase, da 2ª etapa, e apontar as deficiências da tubulação antiga, que viabilizariam a continuidade dos trabalhos no momento das interligações das tubulações; no entanto, quedou-se inerte e participou da celebração do 6º Termo de Rerratificação do contrato, firmado a título de obra emergencial, nas mesmas bases superfaturadas do contrato original; 16) Sergio Leite, na qualidade de sócio-administrador da EnproEngenharia de Projetos e Obras Ltda., prestou serviços à Deso, elaborando o orçamento da obra, que embasou a concorrência pública e, depois, à Gautama, confeccionando o “projeto executivo”, que alterou significativamente as planilhas originais; Sergio era amigo de Gilmar e, por isso, a sua empresa foi contratada pela Deso para elaborar as planilhas de custos da obra, na época em que Gilmar era o Presidente da empresa; como apurou a CGU, tais planilhas foram elaboradas de forma a restringir o caráter competitivo da licitação, pela ausência de detalhamento dos serviços propostos, além de dar margem a manipulações e alterações posteriores; por outro lado, Sergio mantinha freqüentes contatos com Zuleido, o que possibilitou à Gautama a apresentação de proposta na concorrência pública com preços muito próximos daqueles orçados pela Enpro; posteriormente, a Gautama contratou a própria empresa de Sérgio para elaborar o projeto executivo da obra e as suas modificações, alterando substancialmente as planilhas de preços originalmente formuladas pela própria Enpro, assim como as quantidades e especificações de serviços e materiais, e a metodologia construtiva. As tratativas entre Sergio e Gilmar, para favorecer Zuleido Veras, prosseguiram mesmo depois do afastamento de Gilmar da Presidência da Deso e da nomeação para a Secretaria de Fazenda do Estado de Sergipe; na fase da execução do contrato, Sergio acompanhava junto a Gilmar as operações relativas 78 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL aos empréstimos bancários e prestava informações a Zuleido e a Flávio Conceição, inclusive sobre os procedimentos da Deso, dos quais tinha conhecimento através da sua mulher, que trabalhava na superintendência comercial daquela empresa. O representante da Gautama e responsável pelo andamento das obras da adutora no Estado de Sergipe era o Engenheiro Ricardo Magalhães da Silva; nessa qualidade, manteve freqüentes contatos com os agentes da Deso, apresentando os boletins das medições fraudulentas, acompanhando as disponibilidades dos recursos e as liberações dos pagamentos indevidos pretendidos por Zuleido; subscreveu, ainda, os pedidos das prorrogações de prazos do contrato e das alterações contratuais, apresentando justificativas que não correspondiam à realidade dos fatos, além de acompanhar junto a Sergio Leite a formulação dos respectivos termos. De fato, era Sergio quem preparava os termos aditivos ao contrato, firmados entre a Deso e a Gautama, bem como as alterações das planilhas de preços, como revela o seguinte diálogo entre Zuleido e Ricardo, no dia 28.6.2006, às 13h34min00s (fls. 2.696); 17) consta do anexo II, do Relatório de Ação e Controle da Controladoria Geral da União, que a Deso pagou à Gautama, nos dias 19 e 22 de agosto de 2005, a importância total de R$ 4.998.672,75 (quatro milhões, novecentos e noventa e oito mil, seiscentos e setenta e dois reais e setenta e cinco centavos); pelas intermediações que possibilitaram tais pagamentos, Flávio Conceição recebeu de Zuleido, no dia 30.9.2005, a importância de R$ 100.000,00 (cem mil reais), conforme se verifica pelo documento de fl. 40, do apenso 45, apreendido pela Polícia Federal na sede da Gautama em Salvador; 18) nos dias 11, 19 e 21 de outubro de 2005 foram pagos em razão do contrato em questão o valor total de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); pela liberação dos recursos que permitiram a Deso efetuar esses pagamentos, João Alves Neto recebeu de Zuleido, na Construtora Habitacional, empresa por ele dirigida, R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia 14.10.2005, R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia 20.10.2005, e R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia 10.11.2005, como se constata à fl. 42, do apenso 45; 19) nos dias 15 e 26 dezembro de 2005, a Gautama recebeu da Deso a importância de R$ 7.995.167,70 (sete milhões, novecentos e noventa e cinco mil, cento e sessenta e sete reais e setenta centavos), mediante onze ordens de saques; nos dias 1º e 15 de fevereiro de 2006 recebeu mais R$ 4.156.599,50 (quatro milhões, cento e cinqüenta e seis mil, quinhentos e noventa e nove RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 79 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reais e cinqüenta centavos), através de quatro documentos de créditos e de duas ordens de saques, ou seja, em apenas dois meses foram pagos R$ 12.151.761,20 (doze milhões, cento e cinqüenta e um mil, setecentos e sessenta e um reais e vinte centavos); por tais pagamentos, Zuleido encaminhou a Aracaju, no dia 16 de janeiro, R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a título de propinas para os membros da quadrilha (apenso 45, fl. 46). Pagou, ainda, à Flávio Conceição R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 8.2.2006; R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 9.2.2006; e mais R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 13.2.2006, além de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ao pessoal da Deso naquele mesmo dia (fl. 47, apenso 45) e mais R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 14.2.2006 (fl. 48, apenso 45); 20) nos dias 2, 13, 14 e 27 de março de 2006 a Deso pagou à Gautama, através de seis ordens de saque e de dois documentos de créditos, a importância total de R$ 4.696.280,50 (quatro milhões, seiscentos e noventa e seis mil, duzentos e oitenta reais e cinqüenta centavos); nos dias 7, 11 e 26 de abril daquele ano foram liberadas três ordens de saque e dois documentos de créditos, no total de R$ 3.498.916,83 (três milhões, quatrocentos e noventa e oito mil, novecentos e dezesseis reais e oitenta e três centavos); em razão das liberações, Zuleido Veras pagou a Flávio Conceição, no dia 8.3.2006, a importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no dia 10.3.2006 mais R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no dia 10.4.2004 R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), e, no dia 2.5.2006 R$ 276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil reais), além de ter distribuído R$ 100.000,00 (cem mil reais) entre o pessoal da Deso, no dia 10.4.2006, conforme consta às fls. 48, 50 e 53, do apenso 45; 21) no mês de maio de 2006, a Deso pagou à Gautama a importância de R$ 1.829.716,22 (um milhão, oitocentos e vinte e nove mil, setecentos e dezesseis reais e vinte e dois centavos), através de documentos de créditos, nos valores de R$ 494.880,25 (quatrocentos e noventa e quatro mil, oitocentos e oitenta reais e vinte e cinco centavos) e R$ 334.835,98 (trezentos e trinta e quatro mil, oitocentos e trinta e cinco reais e noventa e oito centavos) no dia 10; e de ordem de saque, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no dia 25 daquele mês; tais pagamentos foram negociados entre Zuleido e Flávio, como revelam as conversas entre eles naquele período (fls. 2.697); de fato, como revelam os documentos de fls. 55 e 56, do apenso 45, Zuleido pagou a Flávio R$ 100.000,00 (cem mil reais) no dia 29.5.2006 e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 2.6.2006; 80 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 22) a continuidade dos pagamentos nos montantes pretendidos por Zuleido, que redundaria em propinas de altos valores, dependia, porém, dos empréstimos bancários solicitados pelo Estado de Sergipe; então, João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição, Gilmar de Melo e Vitor Mandarino empenharam-se para que as instituições bancárias atendessem às suas pretensões, mantendo Zuleido Veras sempre informado do andamento das operações, pessoalmente ou por intermédio de Sérgio Leite, como constata-se pela seqüência de diálogos nos meses de junho e julho de 2006 (fls. 2.698-2.699); para tratar dos empréstimos e dos pagamentos à Gautama, Zuleido reuniu-se com João Neto em Aracaju, no dia 16.6.2006 e no dia 7.7.2006, conforme o diálogo transcrito às fls. 2.699 e a Informação Policial n. 27/2006; 23) ainda quando se mobilizavam para conseguir o almejado empréstimo, os pagamentos à Gautama não foram interrompidos; no dia 14 de junho de 2006 foram pagos R$ 700.413,90 (setecentos mil e quatrocentos e treze reais e noventa centavos) através de documentos de créditos, nos valores de R$ 417.758,50 (quatrocentos e dezessete mil, setecentos e cinqüenta e oito reais e cinqüenta centavos) e R$ 282.655,40 (duzentos e oitenta e dois mil, seiscentos e cinqüenta e cinco reais e quarenta centavos); para viabilizar a liberação das verbas, João Alves Neto recebeu de Zuleido, no dia 8.6.2006, a quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), como indica o documento de fl. 57, do apenso 45; 24) no dia 19.6.2006, Flávio Conceição voltou a tratar com Zuleido sobre os “ajustes” com o Governador e com o seu filho João Neto para dar continuidade aos pagamentos à Gautama, oportunidade em que renovou o pedido de vantagem ilícita, deixando entrever que se tratava de esquema de pagamentos mensais de propinas (diálogo transcrito às fls. 2.699-2.700); de fato, no dia 22.6.2006 (quinta-feira), Zuleido recebeu mais R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), através de duas ordens de saques, nos valores de R$ 294.485,92 (duzentos e noventa e quatro mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e noventa e dois centavos) e R$ 305.514,08 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quatorze reais e oito centavos), conforme negociação feita na véspera com Flávio Conceição (fls. 2.700); em 11.7.2006, Flavio cobrou novamente de Zuleido a propina prometida em razão dos seiscentos mil reais conseguidos por Vitor para a Gautama (fls. 2.700); o documento de fl. 58, do mesmo apenso 45, demonstra que a propina de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) foi paga a Flávio no dia 14.7.2006; 25) Zuleido prometeu, ainda, a Sergio, para que ele acompanhasse junto a Gilmar e a Deso os seus interesses, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 81 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA conforme o previsto na agenda do dia 30.5.2006 (fl. 56, apenso 45), sendo aceita a promessa tanto que determinou à Maria de Fátima fosse providenciada a remessa do dinheiro (fls. 2.700-2.701); 26) no mês de julho daquele ano, Flávio continuou interferindo para possibilitar os pagamentos a Zuleido, conseguindo que, no dia 20, lhe fossem pagos R$ 419.427,71 (quatrocentos e dezenove mil, quatrocentos e vinte e sete reais e setenta e um centavos) - fls. 2.701; em contrapartida, recebeu de Zuleido, no dia 28.7.2006, a importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), conforme consta à fl. 59, do apenso 45; no dia 2 de agosto, a Deso pagou à Gautama mais R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), tendo Zuleido, no dia 8, determinado a Gil Jacó fossem remetidos pelo menos R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Aracaju e, no dia seguinte, mais R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), visando à liberação de outra ordem bancária (fls. 2.701); a seqüência dos áudios captados no dia 8.8.2006 revela que o esperado empréstimo bancário fora concedido, o que levou Zuleido a se deslocar até Aracaju para um encontro com João Alves Neto, a fim de garantir o direcionamento dos à Gautama, uma vez que a Deso pretendia pagar também a outras empresas (fls. 2.701); as tratativas entre Zuleido e João Alves Neto resultaram na liberação de R$ 7.141.658,00 (sete milhões, cento e quarenta e um mil, seiscentos e cinqüenta e oito reais), que foram efetivamente pagos à Gautama, sendo R$ 3.297.733,56 (três milhões, duzentos e noventa e sete mil, setecentos e trinta e três reais e cinqüenta e seis centavos) no dia 11.8.2006, e R$ 3.843.924,44 (três milhões, oitocentos e quarenta e três mil, novecentos e vinte e quatro reais e quarenta e quatro centavos) no dia 15.8.2006, conforme consta do relatório da CGU; o diálogo entre Zuleido e Ricardo, logo após o encontro com João Neto, demonstra que os pagamentos foram, de fato, intermediados pelo filho do Governador, independentemente da quantidade de serviços executados (fls. 2.702); a negociação com Zuleido foi feita mediante a promessa de pagamento de propina de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), cobrada por João Neto na véspera do pagamento dos R$ 3.297.733,56 (três milhões, duzentos e noventa e sete mil, setecentos e trinta e três reais e cinqüenta e seis centavos), ou seja, no dia 10.8.2007 (diálogo de fls. 2.702); para receber, no dia 15.8.2006, os R$ 3.843.924,44 (três milhões, oitocentos e quarenta e três mil, novecentos e vinte e quatro reais e quarenta e quatro centavos), Zuleido pagou propina a Flávio e a João Neto, como aliás fazia regularmente; Flávio recebeu R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), como se constata pela previsão anotada na 82 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL agenda de fl. 61, do apenso 45 e João Neto R$ 100.000,00 (cem mil reais), que lhes foram entregues por Zuleido em Aracaju, no dia 14 daquele mês; 27) a Informação Policial n. 028/2006 demonstra que Zuleido, no dia 14.8.2006 chegou em Aracaju, por volta das 16h50min, em avião fretado, encontrando-se com João e com Flávio para fazer a entrega das propinas, providenciadas por Gil e por Humberto (áudios de fls. 2.703), retornando a Salvador às 19h do mesmo dia; além disso, Flávio Conceição, neste dia, solicitou mais propina a Zuleido, para a mesma semana (fls. 2.703); pelo total de R$ 8.641.658,00 (oito milhões, seiscentos e quarenta e um mil, seiscentos e cinqüenta e oito reais) liberados para os pagamentos feitos indevidamente à Gautama, entre os dias 2 e 15 de agosto de 2006, mediante a intermediação de João Neto e de Flávio, o ex-Governador João Alves Filho recebeu de Zuleido a importância de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), entregues, em espécie, através de Max, seu coordenador de campanha eleitoral, no dia 30 de agosto daquele ano; 28) a programação constante das agendas de Zuleido para os dias 22 e 23 de agosto (fl. 69, do apenso 45), revela a previsão dos pagamentos de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais) e R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) para Max Andrade, o que se confirma pelos diálogos entre ele e Florêncio, e entre Florêncio e Gil, no dia 18.8.2006 (fls. 2.703-2.704); no entanto, logo em seguida, Florêncio falou com Flávio dizendo que “a programação só pra semana, viu?”; como até o dia 30.8.2006 o referido pagamento não havia sido concretizado, Flávio conversou com Zuleido sobre a ansiedade de João Neto (fls. 2.704); assim, no dia 30.8.2006, Gil Jacó providenciou a importância de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), transportada de Salvador para Aracaju por Humberto, em carro da empresa “Localiza”, como foi interceptado no percurso pela Polícia Rodoviária Federal, liberado após contato telefônico feito pelos policias com Florêncio; ao chegar em Aracaju, Humberto se dirigiu ao Hotel Jatobá, local onde se encontrou com Max Andrade, entregando-lhe o dinheiro, como revelam os áudios interceptados naquele dia (fls. 2.704); no dia seguinte, Zuleido retomou as negociações com Flávio, articulando a continuidade das propinas, inclusive as prometidas a João Neto, para que os pagamentos à Gautama fossem mantidos (fls. 2.705); 29) no dia 5.9.2006, foram pagos à Gautama R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), conforme o relatório da CGU; o pagamento foi autorizado pelo então Governador, através de João Neto, intermediado por RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 83 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Flávio (diálogo de fls. 2.705); de fato, entre os dias 11 e 28 de setembro de 2006, a Gautama recebeu da Deso mais R$ 4.252.924,60 (quatro milhões, duzentos e cinqüenta e dois mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta centavos), totalizando, naquele mês, R$ 5.752.924,60 (cinco milhões, setecentos e cinqüenta e dois mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta centavos), conforme se verifica pelo anexo II, do Relatório de Ação de Controle da Controladoria Geral da União; em contrapartida, Zuleido enviou a Flávio, no dia 8.9.2006, R$ 216.000,00 (duzentos e dezesseis mil reais), conforme a agenda de fl. 63, do apenso 45; os diálogos transcritos às fls. 2.706 demonstram ter sido a propina solicitada por João Neto para ser entregue a Max, através do motorista de Flávio, Petu, também chamado de “Anjo Negro”; Flávio recebeu, para ele próprio, no dia 12.9.2006, os R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais) referidos por Zuleido, que, aliás, já estavam programados na mesma agenda de fl. 63, do apenso 45; e mais R$ 86.000,00 (oitenta e seis mil reais) naquele mesmo dia, conforme se verifica pela fl. 74; recebeu, ainda, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 19.9.2006, como consta à fl. 75, do mesmo apenso; João Neto, por sua vez, recebeu R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 7.9.2006; e mais R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 12.9.2006, como consta às fls. 71 e 74, do apenso 45; Max Andrade recebeu, para o ex-Governador João Alves Filho, R$ 163.000,00 (cento e sessenta e três mil reais) no dia 14.9.2006 e R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) no dia 22.9.2006, conforme anotações de fls. 74 e 76, do apenso 45; 30) no dia 27.10.2006, a Deso pagou à Gautama R$ 465.307,70 (quatrocentos e sessenta e cinco mil, trezentos e sete reais e setenta centavos) mediante quatro documentos de créditos; no dia 24.11.2006, R$ 154.292,41 (cento e cinqüenta e quatro mil, duzentos e noventa e dois reais e quarenta e um centavos) através de dois documentos de créditos; e, no dia 19 de dezembro daquele ano, data do encerramento do contrato, mais R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais); 31) naquela fase de término do contrato e também do mandato do exGovernador João Alves Filho, Zuleido ajustou com os seus parceiros as “propinas” ainda devidas, garantindo-lhes o que havia sido prometido durante todo o desenrolar do contrato: pagou a Flávio, no dia 2.10.2006, R$ 115.800,00 (cento e quinze mil e oitocentos reais); no dia 23.10.2006, R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) e, no dia 25.12.2006, R$ 30.000,00 (trinta mil reais) - (fls. 112 e 89, do apenso 45); a João Neto, no dia 19.10.2006, R$ 150.000,00 (cento 84 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL e cinqüenta mil reais) e, no dia 25.12.2006, R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) (fls. 79 e 89, do apenso 45); e a Max Andrade (“careca”), no dia 25.12.2006, R$ 20.000,00 (vinte mil reais) - (fl. 89, do apenso 45); 32) em janeiro de 2007, Flávio assumiu o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado; continuou a manter os freqüentes contatos com Zuleido, articulando outros negócios com obras públicas, intercedendo em favor da Gautama junto à nova administração estadual, uma vez que ainda restava um saldo contratual de R$ 585.426,75 (quinhentos e oitenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e seis reais e setenta e cinco centavos), para cujo pagamento solicitou e recebeu vantagem indevida de Zuleido Veras (diálogo de fls. 2.707); no dia 27.2.2007, Florêncio passou para Humberto Rios o dinheiro prometido a Flávio, a ser por ele entregue em Aracaju (fls. 2.707); a Informação Policial n. 005/2007 esclarece que, naquela data, Humberto realmente dirigiu-se a Aracaju, em carro alugado da empresa “Localiza”, levando o dinheiro entregue pessoalmente a Flávio; o diálogo entre Flávio e Zuleido, no dia 28.2.2007, confirma o recebimento da propina (fls. 2.707); com o auxílio de Flávio, Zuleido conseguiu, ainda, receber da Deso, no dia 10.5.2007, o alegado saldo remanescente do contrato findo em dezembro de 2006, no montante de R$ 585.426,75 (quinhentos e oitenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e seis reais e setenta e cinco centavos), através de nove documentos de créditos; 33) além disso, na qualidade de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio participou da sessão daquela Corte, realizada no dia 29.3.2007, quando decidiu suspender o procedimento licitatório promovido pela Deso, já sob nova administração, cujo objeto era exatamente a contratação de uma auditoria externa para a verificação dos contratos de engenharia, inclusive o celebrado com a Gautama, e do qual havia se locupletado ilicitamente. Embora suspeito, Flávio Conceição não só participou da votação, mas ainda atuou intensamente para que o resultado do julgamento fosse favorável aos seus interesses, ou seja, para que a Deso fosse impedida de proceder à pretendida auditoria, tudo para evitar viesse a tona o desvio dos recursos públicos promovido através do Contrato n. 110/01, mantendo Zuleido informado dos fatos (diálogo de fls. 2.708). Para o MPF a função de cada um dos integrantes das quadrilhas no Estado de Sergipe é bem delimitada, reunindo-se os seus membros com a finalidade preestabelecida da prática reiterada de crimes contra a administração pública, atividade que levou ao desvio de R$ 178.708.458,81 (cento e setenta e oito milhões, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 85 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA setecentos e oito mil, quatrocentos e cinqüenta e oito reais e oitenta e um centavos) em favor da empresa. Considerando que os denunciados procederam de modo livre e consciente, o MPF afirmou que: a) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva, Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte, Sergio Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão, estão incursos nas penas do art. 312 do Código Penal; b) Zuleido Veras (46 vezes), Gil Jacó (46 vezes), Ricardo Magalhães, Maria de Fátima Palmeira, Florêncio Vieira (3 vezes) e Humberto Rios (3 vezes), estão incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal; c) João Alves Filho (14 vezes), João Alves Neto (12 vezes), Flávio Conceição de Oliveira Neto (26 vezes), Max José Vasconcelos de Andrade (6 vezes) e Ivan Paixão (2 vezes), estão incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal; d) Flávio Conceição de Oliveira Neto está incurso nas penas do art. 319 do Código Penal. DO EVENTO “LUZ PARA TODOS” Relata o Ministério Público Federal que: 1) consta do Relatório de Ação de Controle n. 00190.034127/200717, elaborado pela Controladoria-Geral da União, que o governo federal, objetivando levar energia elétrica a toda a população rural brasileira, elaborou o chamado “Programa Luz para Todos”, instituído pelo Decreto n. 4.873/2003, envolvendo, além de investimentos financeiros de origem estadual e das concessionárias de energia, recursos federais no montante aproximado de R$ 8.700.000.000,00 (oito bilhões e setecentos milhões de reais), advindos de dois fundos setoriais: Conta de Desenvolvimento Energético - CDE e Reserva Global de Reversão - RGR; 2) os recursos da CDE, nos termos da Lei n. 10.848/2004, são “provenientes dos pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, das multas aplicadas pela Anell a concessionários, permissionários e autorizados e, a partir de 2003, das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializam energia com o consumidor final, mediante encargo tarifário, a ser incluído a partir da data da 86 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL publicação desta Lei nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição” e são disponibilizados pela Eletrobrás a título de subvenção econômica (fundo perdido); os recursos da RGR, conforme o disposto na Lei n. 8.631/1993, são provenientes das cotas anuais de reversão das empresas concessionárias de energia elétrica e disponibilizados a título de financiamento; 3) a gestão do programa envolve o Ministério de Minas e Energia, a Eletrobrás e os agentes Executores, que são as empresas concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica; ao MME incumbe a coordenação nacional do programa, a definição dos percentuais de subvenção (CDE) e de financiamento (RGR) e a autorização para a celebração de contratos e aditivos entre a Eletrobrás e os agentes Executores; à Eletrobrás cabe analisar tecnicamente os programas de obras apresentados pelos agentes executores, aprovando os orçamentos a serem encaminhados ao MME para a autorização de celebração dos contratos e seus aditivos, firmar os contratos autorizados e liberar os recursos federais (CDE e RGE), mediante inspeção e prestação de contas dos lotes de obras concluídas; aos agentes Executores incumbe a elaboração e a execução do programa de obras, assim como a prestação de contas dos valores recebidos; 4) para a implantação do “Programa Luz para Todos” no Estado do Piauí, a União Federal, pelo Ministério das Minas e Energia, celebrou com a Cepisa, em 25.3.2004, um “Termo de Compromisso”, com a interveniência da Aneel e da Eletrobrás, no qual o Ministério se comprometeu a garantir, pela Eletrobrás, os recursos financeiros oriundos da CDE, no percentual de 65% e da RGR, no percentual de 10%; o Estado do Piauí a repassar à Cepisa recursos no percentual de 10%, na forma de obras realizadas pelo “Programa de Combate à Pobreza Rural” e pelo Condepi; e a Cepisa a custear, com verbas próprias, 15% dos custos do programa, que deveria alcançar a 149.600 consumidores no meio rural; 5) conforme verificou a CGU, os contratos realizados entre a Eletrobrás e a Cepisa não observaram as regras estabelecidas na avença, arcando sempre a Eletrobrás, através dos fundos setoriais referidos, com custos bastante superiores aos acordados, conforme será adiante demonstrado: a) em 8 de junho de 2004, foi firmado o Contrato ECFS–012/2004, comprometendo-se a Eletrobrás a repassar para a Cepisa R$ 15.945.250,00 (quinze milhões, novecentos e quarenta e cinco mil e duzentos e cinqüenta reais), sendo R$ 13.819.220,00 (treze milhões, oitocentos e dezenove mil, duzentos e vinte reais) de verbas da CDE, a título de subvenção econômica e R$ 2.126.030,00 RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 87 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (dois milhões, cento e vinte e seis mil e trinta reais) de recursos da RGR, na forma de financiamento, para cobertura financeira dos custos diretos das obras da 1ª Tranche do Programa de Eletrificação Rural no Piauí, prevendo o atendimento a 6.175 consumidores; b) em 4.2.2005, foi celebrado o primeiro aditivo ao contrato (ECFS– 012-A/2005), sem alteração dos índices, metas, prazos ou valores originalmente pactuados, mas incluídas cláusulas relativas ao controle da execução do contrato, dentre elas a obrigação do agente executor apresentar, na prestação de contas final, certificado de aplicação dos recursos na finalidade a que se destinam, emitido por auditoria independente, sem prejuízo das supervisões da Eletrobrás; c) em 6.6.2005, o contrato foi novamente alterado (aditivo ECFS– 012-B/2005), para aumentar os recursos subvencionados (CDE) para R$ 16.152.750,00 (dezesseis milhões, cento e cinqüenta e dois mil e setecentos e cinqüenta reais) e o f inanciamento (RGR) para R$ 2.153.700,00 (dois milhões, cento e cinqüenta e três mil e setecentos reais), com o acréscimo de apenas um consumidor a ser atendido, totalizando 6.176 consumidores; previu, ainda, as seguintes alterações: implantação de uma central fotovoltaica (geração solar) para atender a 40 consumidores; expansões e adequações em quatro subestações; aumento de 0,16% da densidade média de consumidores por Km de rede; diminuição de 0,32% da média de postes por consumidor; diminuição de 1% da média de peso de condutor por consumidor, representando um aumento de custo médio por consumidor de 0,33%; d) em 17 de junho de 2005, a Eletrobrás celebrou com a Cepisa o Contrato ECFS 090/2005, destinando recursos para as obras e serviços da 2ª Tranche, no montante de R$ 70.133.460,00 (setenta milhões, cento e trinta e três mil e quatrocentos e sessenta reais), sendo R$ 60.782.330,00 (sessenta milhões, setecentos e oitenta e dois mil e trezentos e trinta reais) da CDE e R$ 9.351.130,00 (nove milhões, trezentos e cinqüenta e um mil e cento e trinta reais) de financiamento da RGR, para atendimento a 25.149 consumidores, sem que tivessem sido cumpridas as etapas previstas no Contrato ECFS–012/2004; e) o contrato estabeleceu que os recursos relativos à parcela de assinatura só poderiam ser liberados pela Eletrobrás após a comprovação de 30% da realização física das obras da 1ª etapa do programa previstas no contrato anterior; mas somente no dia 5.12.2005 foi atingida meta. Contudo, foi liberada para a Cepisa, no dia 23.8.2005, a importância de R$ 7.013.346,00 (sete 88 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL milhões, treze mil e trezentos e quarenta e seis reais), referente à parcela de assinatura do Contrato ECFS 090/2005; f ) em 28.4.2006, como a Cepisa concluíra as ligações de apenas 3.247 consumidores dos 6.176 previstos no contrato ECFS–012-B/2005, o prazo contratual já estava para expirar e as metas para a liberação do restante dos recursos previstos no contrato ECFS 090/2005 não haviam sido atingidas, a Eletrobrás celebrou com aquela empresa um terceiro aditamento ao contrato ECFS-012/2004 (ECFS-012-C/2006), reduzindo o número de consumidores a serem atendidos exatamente para 3.247; excluiu, ainda, a implantação da central fotovoltaica, as expansões das subestações, diminuiu em 62% a densidade média de consumidores por Km de rede, aumentou em 46,55 a potência média por consumidor, aumentou em 43% a média de postes por consumidor, aumentou em 45% a média de peso de condutor por consumidor, tudo como estratégia para considerar que o contrato ECFS-012/2004 havia atingido 100% da sua execução, quando, na verdade, apenas 55% dos consumidores tinham sido beneficiados; g) apesar de ter reduzido o atendimento aos consumidores em 44,5%, os recursos da Eletrobrás, tanto os da CDE quanto os de financiamentoRGR, foram reduzidos em apenas 18,4%, passando para R$ 11.277.110,00 (onze milhões, duzentos e setenta e sete mil e cento e dez reais) e R$ 1.734.940,00 (um milhão, setecentos e trinta e quatro mil e novecentos e quarenta reais), respectivamente; h) assim, operou-se o encerramento fictício daquele contrato e a Eletrobrás ainda disponibilizou em favor da Cepisa o saldo remanescente de R$ 5.039.425,00 (cinco milhões, trinta e nove mil e quatrocentos e vinte e cinco reais), sendo R$ 4.367.288,74 (quatro milhões, trezentos e sessenta e sete mil, duzentos e oitenta e oito reais e setenta e quatro centavos) provenientes da CDE e R$ 672.136,26 (seiscentos e setenta e dois mil, cento e trinta e seis reais e vinte e seis centavos) a título de financiamento, uma vez que, até aquela data, havia liberado recursos no montante de R$ 7.972.625,00 (sete milhões, novecentos e setenta e dois mil e seiscentos e vinte e cinco reais): R$ 6.909.821,26 (seis milhões, novecentos e nove mil, oitocentos e vinte e um reais e vinte e seis centavos) da CDE e R$ 1.062.803,74 (um milhão, sessenta e dois mil, oitocentos e três reais e setenta e quatro centavos) da RGR; i) além disso, na mesma data do terceiro aditivo ao Contrato ECFS– 012/2004, 28.4.2006, que reduziu para 3.247 o número de consumidores a RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 89 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA serem atendidos pelo programa, foi firmado um aditivo ao Contrato ECFS 090/2005 (ECFS 090A/2006) prevendo o atendimento a 49.766 consumidores; j) o aditivo ECFS 090A/2006 aumentou o volume de recursos a serem repassados pela Eletrobrás para R$ 212.141.650,00 (duzentos e doze milhões, cento e quarenta e um mil, seiscentos e cinqüenta reais), sendo R$ 183.856.100,00 (cento e oitenta e três milhões, oitocentos e cinqüenta e seis mil e cem reais) da CDE e R$ 28.285.550,00 (vinte e oito milhões, duzentos e oitenta e cinco mil e quinhentos e cinqüenta reais) de financiamento da RGR, ou seja, alterou o valor total do contrato em aproximadamente 203% e o número do consumidores em apenas 98%, acrescendo, assim, em 53% o custo médio por consumidor; estabeleceu, ainda, em 30% a parcela relativa à assinatura do contrato, contrariando a norma estabelecida no “Manual de Operacionalização do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica Luz Para Todos”, anexo à Portaria n. 38, de 9.3.2004, do Ministério de Minas e Energia, que fixava em no máximo 10% a liberação de tal parcela do contrato; k) a finalização fraudulenta do Contrato ECFS–012-B/2005 possibilitou a liberação imediata da parcela de assinatura do aditivo ECFS 090A/2006, que previa a comprovação de 60% das obras do contrato para ser liberado ao pagamento que, na realidade, estava longe de acontecer; parte dessa parcela, no montante de R$ 21.040.038,00 (vinte e um milhões, quarenta mil e trinta e oito reais), já havia sido repassada à Cepisa, antes mesmo da assinatura do aditivo; l) assim, no dia 9.5.2006, foram liberados R$ 42.428.330,00 (quarenta e dois milhões, quatrocentos e vinte e oito mil e trezentos e trinta reais) pela Eletrobrás para a Cepisa, correspondentes ao saldo remanescente dos 30% da parcela relativa à assinatura do aditivo ECFS 090A/2006; e, no dia 1º.9.2006, foram liberados R$ 4.973.836,89 (quatro milhões, novecentos e setenta e três mil, oitocentos e trinta e seis reais e oitenta e nove centavos), relativos ao saldo do Contrato ECFS–012/2004, descontadas as taxas de administração da CDE e da RGR; m) no dia 28.11.2006 foram liberados mais R$ 42.428.330,00 (quarenta e dois milhões, quatrocentos e vinte e oito mil e trezentos e trinta reais) para aquela empresa, correspondentes à primeira parcela do aditivo ECFS 090A/2006; ocorre que tal liberação estava condicionada à 70% do avanço físico do Contrato ECFS–012/2004, o que foi conseguido artificialmente através do aditivo ECFS-012-C/2006; e de 10% do avanço físico do aditivo ECFS 090A/2006, que àquela altura só havia atingido o percentual de 3,49%; 90 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL n) a CGU verificou que, no final do ano de 2006 a Cepisa não havia concluído nem 20% das obras objeto dos contratos com a Eletrobrás, mas que já lhe tinham sido repassados recursos no montante de R$ 118.908.748,00 (cento e dezoito milhões, novecentos e oito mil, setecentos e quarenta e oito reais), correspondentes a 53% do valor total dos contratos; os extratos bancários da Conta-Corrente n. 420449-2, da agência 3518-1, do Banco do Brasil, associada ao Contrato ECFS–012/2004, revelam que no dia 31 de dezembro de 2006 o saldo daquela conta era de R$ 141,35 (cento e quarenta e um reais e trinta e cinco centavos); pelos extratos bancários da Conta-Corrente n. 5967-6, da agência 3791-5, do Banco do Brasil, associada ao Contrato ECFS–90/2005, verifica-se que o saldo, naquela data, era de R$ 9.771.563,75 (nove milhões, setecentos e setenta e um mil, quinhentos e sessenta e três reais e setenta e cinco centavos); o) dos recursos repassados pela Eletrobrás foram gastos pela Cepisa, até o final do ano de 2006, R$ 109.137.042,90 (cento e nove milhões, cento e trinta e sete mil e quarenta e dois reais e noventa centavos), ou seja 47% do valor total dos contratos, o que evidencia o desvio de finalidade da aplicação das verbas de subvenção e de financiamento do “Programa Luz para Todos” no Piauí, uma vez que não tinham sido executadas nem 20% das obras contratadas; os extratos bancários das referidas contas, relativos ao período de 1º janeiro a 30 de julho de 2007, demonstram que do montante transferido pela Eletrobrás para a o “Programa Luz para Todos” no Piauí restaram até aquela data apenas R$ 134.807,89 (cento e trinta e quatro mil e oitocentos e sete reais e oitenta e nove centavos), mas os serviços para os quais foram alocadas as verbas de subvenção e financiamento do programa também não foram devidamente executados naquele período; p) a auditoria realizada pela CGU na Cepisa, em 18.7.2007, constatou, ainda, o seguinte: 1) foram retirados do almoxarifado específico do PLPT materiais para a execução de 120 obras estranhas ao programa; 2) foram retirados materiais relativos a 84 obras informadas à Eletrobrás como finalizadas; 3) de 20 obras informadas a Eletrobrás como concluídas não tinham sido nem retirados os materiais; 4) foram declaradas à Eletrobrás as ligações de 10.243 consumidores, até abril de 2007, mas foram retirados do almoxarifado apenas 1.210 medidores; 5) até aquela data, foi declarada à Eletrobrás a utilização de 2.534 transformadores, mas do almoxarifado foram retirados 5.386 transformadores; 6) foi declarada à Eletrobrás a utilização de 33.774 postes, mas retirados do almoxarifado 69.046 postes; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 91 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA q) os contratos previam a verificação periódica e in loco da Eletrobrás, das aplicações realizadas pelo agente executor do programa financiado e subvencionado e a restituição do recurso liberado se, no prazo de 6 meses, não houvesse a comprovação da aplicação integral de qualquer parcela, além de juros e multa, o que não foi observado pela contratante; previam, também, a obrigação do agente executor de apresentar, na prestação de contas final, certificado de aplicação dos recursos na finalidade a que se destinavam, emitido por auditoria independente, sem prejuízo das supervisões da Eletrobrás, o que também não lhe foi exigido; e r) além disso, o manual de operacionalização do programa estabelecia que os recursos seriam destinados exclusivamente para promover a eletrificação em domicílios e estabelecimentos localizados no meio rural, conforme o disposto no Decreto n. 4.873, de 11 de novembro de 2003; cabia ao Ministério das Minas e Energia aprovar a elaboração e a assinatura dos contratos com os agentes executores e acompanhar a sua execução físico-financeira; e à Eletrobrás liberar os recursos, inspecionar fisicamente as obras executadas e comprovar a adequada utilização dos recursos financeiros. Segundo o MPF, as investigações procedidas no presente inquérito demonstram que o então Ministro das Minas e Energia Silas Rondeau Cavalcante Silva e o seu assessor Ivo de Almeida, o Presidente da Eletrobrás Aloísio Vasconcelos, o Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Luís Cardeal de Souza, o Diretor Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar Lobato Santana, o Diretor Financeiro da Eletrobrás José Drumond Saraiva, o Diretor Presidente da Cepisa Jorge Targa Juni, o Diretor Financeiro da Cepisa José Ricardo Pinheiro de Abreu, o Diretor de Expansão da Cepisa Gregório Adilson Paranaguá da Paz, o Gerente de Expansão da Cepisa Emanoel Augusto Paulo Soares e o Presidente da Comissão de Licitação da Cepisa Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, associaram-se, de forma estável e permanente para promover a aplicação das verbas destinadas ao “Programa Luz para Todos” no Piauí em finalidades diversas daquelas estabelecidas nas Leis n. 10.438/2002 e n. 8.631/1993, regulamentada pelo Decreto n. 774/1993, no “Manual de Operacionalização do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica Luz Para Todos” e nos próprios contratos celebrados entre a Eletrobrás e a Cepisa, além de outros crimes contra a administração pública. Para a denúncia, a participação de cada um dos membros das quadrilhas foi determinante para a concretização do programa delituoso; a estabilidade 92 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL e a permanência das alianças se revelaram eficientes na perpetração de vários crimes. Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca o MPF: 1) quando o Contrato ECFS 090/2005 foi assinado, Silas Rondeau era o Presidente da Eletrobrás e, nessa qualidade, celebrou o referido ato, juntamente com o Diretor Financeiro daquela empresa José Drumond Saraiva, e com os ex-Diretores Presidente e Financeiro da Cepisa, Jorge Targa Juni e José Ricardo P. de Abreu, destinando mais R$ 70.133.460,00 (setenta milhões, cento e trinta e três mil, quatrocentos e sessenta reais) para a execução do “Programa Luz para Todos” no Piauí, apesar de cientes de que as verbas de subvenção e de financiamento do programa, repassadas com base no contrato precedente (ECFS12/2004), estavam sendo desviadas para outras finalidades; 2) os fraudulentos aditivos ECFS-012-C/2006 e ECFS 090A/2006 foram assinados pelos ex-Diretores Presidente e Financeiro da Eletrobrás, Aloísio Vasconcelos e José Drumond Saraiva e pelos ex-Diretores Presidente e Financeiro da Cepisa, Jorge Targa Juni e José Ricardo P. de Abreu; o plano foi arquitetado no Ministério das Minas e Energia, no dia 12 de janeiro de 2006, em reunião da qual participaram representantes daquele Ministério, da Anell, da Eletrobrás, da Cepisa, e os Coordenadores Nacional e Regional do “Programa Luz para Todos”; 3) apesar da inexistência de ata da referida reunião, apurou-se que a proposta formal para a celebração dos aditivos foi dirigida, em 23.1.2006, ao Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Cardeal, com cópia para o Diretor Financeiro daquela empresa José Saraiva, pelos então Diretores de Expansão e Financeiro da Cepisa Gregório Paranaguá e José Ricardo de Abreu; embora a proposta fosse clara quanto à inexecução das etapas de obras previstas nos contratos anteriores, foi aprovada pelo ex-Diretor Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar Lobato, através de ofício dirigido a Valter Cardeal e, finalmente, autorizada por este e pelo Ministro Silas, a quem competia, em última instância, decidir sobre as metas e os recursos para o programa; 4) Jorge Targa, José Ricardo de Abreu e Gregório Paranaguá, na qualidade de Diretores Presidente, Financeiro e de expansão da Cepisa, efetivamente aplicaram em finalidade diversa da prevista na legislação que regula a CDE e a RGR, no manual de operacionalização do “Programa Luz para Todos” e nos próprios contratos, os recursos provenientes desses fundos setoriais, geridos pela Eletrobrás, que ao conceder financiamentos às concessionárias para expansão e RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 93 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA melhoramento dos serviços públicos de energia elétrica, inclusive de programas de eletrificação rural, exerce atividade equiparada a das instituições financeiras; 5) concorreram para a aplicação desses empréstimos com desvio de finalidade o ex-Presidente da Eletrobrás e ex-Ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, o ex-Presidente da Eletrobrás Aloísio Vasconcelos, o Diretor Financeiro daquela empresa José Drumond Saraiva, o ex-Diretor de Engenharia Valter Cardeal e o ex-Diretor Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar Lobato Santana, que, mesmo cientes de que o agente executor do programa não cumpria com as obrigações pactuadas, mantiveram os repasses das verbas, mediante aditivos contratuais ardilosamente engendrados para elevar substancialmente esses recursos, tanto os subvencionados como os de empréstimos; além disso, autorizaram a liberação das parcelas desses contratos sem a comprovação da execução física dos percentuais de obras previstos para cada etapa, conforme anteriormente relatado; 6) em 26.7.2006, a então Presidente do Conselho de Administração da Cepisa, Aracilba Alves da Rocha, enviou ao Ministro Silas Rondeau a Carta n. 008889/2006, relatando a má gestão da Cepisa, com base no relatório de auditoria encaminhado pelo Ofício n. 20.850/CGU-PR, em 5.7.2006, e dandolhe ciência de que não se vislumbrava qualquer possibilidade de pagamento dos empréstimos concedidos pela Eletrobrás àquela empresa; a referida carta foi encaminhada pelo Gabinete do Ministro ao Presidente da Eletrobrás Aloísio Vasconcelos em 2.8.2006 que, assim, tomou conhecimento daqueles fatos; naquela mesma data, 26.7.2006, o próprio Presidente da Cepisa Jorge Targa Juni dirigiu-se ao Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Luís Cardeal de Souza, através da Carta n. CT-PR 168/2006, afirmando que a empresa não dispunha dos recursos para a execução do programa nos termos ajustados; 7) o Coordenador Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar Santana, integrante do Conselho de Administração da Cepisa, participou da 6ª (sexta) reunião ordinária daquele Conselho, realizada no dia 27 de julho de 2006, oportunidade em que lhe foi entregue cópia da carta enviada pela Presidente ao Ministro das Minas e Energia; naquela reunião, o Presidente da Cepisa reafirmou a inexecução do programa conforme contratado com a Eletrobrás, mas comunicou que havia autorizado, ad referendum do Conselho, a licitação da 6ª etapa do programa; 8) no dia 19.9.2006, o Governador do Estado do Piauí remeteu ao Ministro Silas Rondeau o Ofício n. 470/GG, solicitando alteração do “Termo 94 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de Compromisso” firmado com o Ministério em 25.3.2004, para ampliar a participação da Eletrobrás no programa para 80%, ao argumento de que a Cepisa estava operando com resultado negativo e que não dispunha de recursos nem para as suas despesas de manutenção, não tendo, assim, condições de cumprir com o pacto de custear os 15% do montante necessário para a implementação do “Programa Luz para Todos” naquele Estado; 9) mesmo diante da flagrante inadimplência da Cepisa com as obrigações contraídas com a Eletrobrás, inclusive quanto a parte dos recursos próprios que se comprometeu a aplicar no programa, os denunciados continuaram a repassar as verbas dos mencionados fundos setoriais para aquela empresa, apesar do disposto no artigo 6º da Lei n. 8.631, de 4 de março de 1993, que estabelece: “Os concessionários inadimplentes com a União e suas entidades, os Estados e suas entidades, os Municípios e suas entidades, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A.Eletrobrás, e suas controladas e demais empresas concessionárias do serviço público de energia elétrica ou os que não tenham celebrado os contratos de suprimento a que se refere o art. 3º desta lei, não poderão receber recursos ou garantias, de qualquer natureza, da União e das entidades por ela controladas direta ou indiretamente”; 10) os denunciados Silas Rondeau, Aloísio Vasconcelos, Valter Cardeal e José Drumond Saraiva, geriram fraudulentamente o fundo setorial RGR, composto pelas cotas anuais de reversão das concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, conforme o previsto na Lei n. 8.631/1993, que autoriza a Eletrobrás a destinar os recursos desse fundo para programas de eletrificação rural, inclusive sob a forma de empréstimo, caracterizando a sua atuação como agente financeiro do setor elétrico; 11) os diálogos monitorados, notadamente no período de junho de 2006 a abril de 2007, demonstram que tais artifícios contratuais foram utilizados para facilitar as pretensões ilícitas de Zuleido Veras, que manteve também no Estado do Piauí um esquema do qual participaram os seguintes integrantes da sua quadrilha: João Manuel Soares Barros, Dimas Soares de Veras, Maria de Fátima Palmeira, Tereza Freire, Gil Jacó, Florêncio Vieira e Sergio Luís Pompeu Sá; 12) Sérgio Sá trabalha para a Engevix, utilizando-se, para isso, da Prosper - Assessoria e Consultoria Ltda., empresa constituída com essa finalidade; atua como lobista e, nessa condição, promoveu a aproximação de Zuleido com o Ministro Silas, articulando para que fossem direcionados recursos da Eletrobrás para a Cepisa, permitindo, assim, a celebração dos contratos almejados por Zuleido e pela Engevix; intermediou, também, os interesses deles com Jorge RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 95 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Targa, Presidente da Cepisa; manteve freqüentes contatos com o Governador do Estado do Piauí Wellington Dias (interessado politicamente na execução do programa, pois pretendia a reeleição), para interferir junto ao Ministério das Minas e Energia na busca de mais recursos subvencionados para a Cepisa; ao mesmo tempo, Sérgio Sá pretendia fosse a Engevix contratada pela Cepisa para a prestação de serviços de gestão, apoio técnico e supervisão da execução do programa, como já havia conseguido em Minas Gerais; para isso, tentou, através de Jorge Targa, fossem disponibilizados R$ 7.780.431,84 (sete milhões, setecentos e oitenta mil, quatrocentos e trinta e um reais e oitenta e quatro centavos) da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE; a proposta para a disponibilização desse recurso foi efetivamente apresentada pelo Presidente da Cepisa ao Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Cardeal, através da Carta n. 168/2006, de 26.7.2006, e ao Conselho de Administração da Cepisa, na sexta reunião ordinária, realizada no dia 27.7.2006, ao argumento de ter o Ministro Silas Rondeau, em reunião realizada no Ministério, em 12.7.2006, autorizado a disponibilização de recursos da CDE para atender ao pleito; 13) logo após a celebração dos fraudulentos aditivos ECFS-012C/2006 e ECFS-090A/2006, assegurando um montante considerável de verbas para o “Programa Luz para Todos” no Piauí, iniciaram-se as tratativas para o lançamento do edital de Licitação n. 049/2006, para a execução da 6ª etapa do programa, da qual saiu vencedora a Construtora Gautama, aliás a única proponente; as providências para o direcionamento da licitação em favor da Gautama tiveram início em 20.6.2006, quando a Cepisa, pelos seus Gerente e Diretor de Expansão, Emanoel Augusto Paulo Soares e Gregório Adilson Paranaguá da Paz, emitiu a Nota Técnica n. 001/2006, alterando a filosofia de contratação adotada nas etapas precedentes, que era a de agregar as obras em lotes de tamanhos variados, com fornecimento parcial de materiais, de modo a ampliar a competitividade e a capacidade produtiva das empresas envolvidas, para implementar a execução da 6ª etapa do programa em apenas 2 (dois) lotes, com fornecimento integral de materiais e mão de obra, ao argumento de que se buscava a participação de empresa de grande porte e de comprovada capacidade produtiva e financeira, porque nas etapas anteriores não haviam sido alcançadas as metas esperadas; 14) as investigações procedidas no presente inquérito revelaram que a pretendida mudança de “filosofia” na execução do programa não era exatamente a eficiência, mas o direcionamento da licitação em favor da Gautama; apurou-se que o caráter competitivo da Concorrência n. 049/2006 foi fraudado, mediante 96 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL ajustes entre os membros da quadrilha de Zuleido, o Presidente da Cepisa Jorge Targa Juni, o Presidente da Comissão de Licitação Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, o Diretor de Expansão da Cepisa Gregório Adilson Paranaguá da Paz e o Gerente da Cepisa Emanoel Augusto Paulo Soares, proporcionando a adjudicação do objeto da licitação pela Gautama, com preços superestimados; tais tratativas, iniciadas desde a fase da confecção do edital, foram intermediadas por Sergio Sá; 15) logo após a emissão da “nota técnica” anteriormente mencionada, Sérgio Sá manteve contato com Zuleido e com Jorge Targa, articulando a preparação do aviso de licitação e do respectivo edital, que ficaram ao encargo de João Manoel, empregado da Gautama (diálogo de fls. 2.718-2.179); de fato, o primeiro “Aviso de Licitação” relativo à Concorrência n. 49/2006 foi publicado pelo Presidente da Comissão de Licitação no Diário Oficial da União no dia 29.6.2006, com a informação de que o edital somente estaria disponível a partir do dia 10.7.2006 e de que a data para o recebimento das habilitações e das propostas comerciais seria 10.8.2006; 16) apesar da Nota Técnica n. 001/2006, naquele primeiro aviso constou ainda como objeto da licitação a “contratação de pessoa jurídica para construção de redes de distribuição aérea em média e baixa tensão, com fornecimento parcial de materiais e integral de mão de obra, para atender 15.850 consumidores de domicílios e estabelecimentos rurais no Estado do Piauí, do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso de Energia Elétrica ‘Luz Para Todos’, 6ª etapa, ainda não contemplados em outros Programas de Eletrificação”, até porque o Conselho de Administração da Cepisa ainda não havia aprovado a decisão de alterar a “filosofia” da contratação para a execução do programa; 17) como a Gautama não havia conseguido ainda armar as estratégias para participar da concorrência, um dia antes da data marcada para o recebimento das habilitações e das propostas comerciais (9.8.2006), foi publicado no DOU (seção 3, página 74) o Aviso de Adiamento da Concorrência Cepisa n. 49/2006, com a observação de que a nova data para o recebimento da documentação e das propostas comerciais seria oportunamente informada; em 28.8.2006 foi publicado no Diário Oficial novo Aviso de Licitação da Concorrência Cepisa n. 49/2006, informando que o recebimento da documentação e das propostas ocorreria no dia 28.9.2006 e que o edital encontrava-se à disposição dos interessados na sede da Cepisa; nesse “aviso” o objeto da licitação já foi alterado para alcançar o “fornecimento integral de materiais e mão de obra”; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 97 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 18) nos dias 20 e 25 de setembro de 2006, as empresas PEM Engenharia e Orteng solicitaram o adiamento da apresentação das propostas prevista para o dia 28 daquele mês, tendo o Presidente da Comissão de Licitação rejeitado tais pedidos; no entanto, solicitação no mesmo sentido formulada pela Gautama, também no dia 25.9.2006, foi remetida pelo Presidente da Comissão ao Presidente da Cepisa, Jorge Targa, que acolheu, então, o pleito; assim, no dia 27.9.2006, o Presidente da Comissão enviou correspondências eletrônicas para as empresas que já haviam anteriormente retirado o edital, noticiando o adiamento da licitação; a publicação do quarto aviso de adiamento da data para a entrega das propostas para o dia 25.10.2006 foi feita somente no dia 13.10.2006, portanto, sem a observância do prazo de mínimo de trinta dias estabelecido na alínea a, inciso II, § 2º, do art. 21, da Lei n. 8.666/9, afastando a possibilidade da participação de novos interessados no certame, pela exigüidade de tempo para a elaboração de propostas; 19) constatou a CGU que no edital de concorrência não se exigiu a comprovação da regularidade para com as Fazenda Estadual e Municipal, como se fazia necessário, em razão do objeto alcançar tanto a prestação de serviços quanto o fornecimento de materiais; isto porque a Gautama, nos anos de 2005 e 2006, se encontrava inadimplente com as obrigações tributárias, não preenchendo os requisitos para a almejada contratação; além disso, como a Gautama não possuía a qualificação técnica suficiente para a participação no certame, admitiu-se no edital fosse complementada com o acervo técnico de empresa subcontratada, sem estabelecer o limite para isso; este artifício possibilitou à Gautama indicar como subcontratada empresa que forneceu acervo técnico para atender aos ítens de “construção de rede de distribuição rural” e “instalação de transformadores”, ou seja, quase a totalidade do objeto da licitação, enquanto ela própria apresentou apenas os requisitos para a execução de “caminhos de serviço”, “desmatamento” e “limpeza de terreno”, correspondentes a apenas 7% do total da obra; tal estratégia foi previamente acertada com o então Presidente da Cepisa Jorge Targa, como se verifica pelo diálogo entre Maria de Fátima e João Manoel (fls. 2.721); 20) a burla à exigência de qualificação técnica compatível com a obra licitada ficou evidenciada pelo fato da empresa Eplan- Engenharia, Planejamento e Eletricidade Ltda., de cujo acervo técnico valeu-se a Gautama para habilitar-se no certame, não integrar o quadro de parceiros posteriormente apresentado para a execução do contrato; 98 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 21) os sucessivos adiamentos da licitação foram motivados, também, pela dificuldade de se implementar a mudança de “filosofia” na execução do programa no Piauí, cujas licitações das obras vinham sendo feitas em pequenos lotes, o que não atendia aos interesses da Gautama; as negociações que culminaram na decisão de se lançar o edital de concorrência para atender a 15.850 consumidores em apenas dois lotes foram articuladas por Sérgio Sá, com o Jorge Targa e com o ex-Ministro Silas Rondeau (diálogo transcrito às fls. 2.721-2.722); 22) coube a José Ribamar Lobato Santana, na qualidade de membro do Conselho de Administração da Cepisa e Coordenador do programa junto ao Ministério das Minas e Energia, apresentar ao Conselho a proposta de licitação para a 6ª etapa do “Programa Luz para Todos” em apenas dois lotes e com o fornecimento integral de materiais e mão de obra na reunião ordinária realizada no dia 27.7.2006; assim, as obras objeto do edital de Concorrência n. 49/2006, assinado pelo Presidente da Comissão de Licitação Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, foram fragmentadas em dois lotes de 7.888 e de 7.962 consumidores, em diversos Municípios do Estado do Piauí; 23) em 6.11.2006, após todas as manobras antes descritas para beneficiar a Gautama, foram-lhe adjudicados os dois lotes de obras objeto da concorrência, cujo resultado, aliás, já estava previamente determinado, como revela o diálogo transcrito às fls. 2.723 entre Maria de Fátima e João Manoel; em conseqüência, a Cepisa celebrou com a Gautama, em 20.12.2006, um contrato para cada um dos lotes das obras licitadas: o primeiro, Contrato n. 350, para atender a 7.888 consumidores, no valor global de R$ 27.055.358,67 (vinte e sete milhões, cinqüenta e cinco mil, trezentos e cinqüenta e oito reais e sessenta e sete centavos), e o segundo, Contrato n. 351, para atender a 7.962 consumidores, no valor global de R$ 34.020.485,21 (trinta e quatro milhões, vinte mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e vinte e um centavos), totalizando o montante de R$ 61.075.843,88 (sessenta e um milhões, setenta e cinco mil, oitocentos e quarenta e três reais e oitenta e oito centavos); 24) além de todas as ilegalidades cometidas no procedimento licitatório anteriormente relatadas, a auditoria realizada pela Controladoria Geral da União verificou, ainda, que houve sobrepreço na contratação da empresa Gautama; 25) apurou-se que o orçamento da Cepisa, constante do edital da concorrência, coincide com a proposta apresentada pela Gautama e que os preços ali consignados e, ao final, contratados, foram estabelecidos pela própria licitante, em patamares muitíssimo elevados; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 99 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 26) para a execução das obras a Gautama subcontratou as empresas LR - Construção Civil e Rodoviária Ltda. e Serviços e Projetos Elétricos Ltda. Sepel, por 60% dos valores contratados com a Cepisa, ou seja, a sua função era apenas de intermediária e, para isso, ganharia 40% do valor global contratado; 27) em visitas realizadas no período de junho a agosto de 2007, em diversas localidades do Estado do Piauí, os auditores da CGU constataram, junto às comunidades locais, que os serviços de “escavação” e “desmatamento ou abertura de faixa”, justamente aqueles para os quais a Gautama apresentou habilitação técnica, vinham sendo executados pelos próprios moradores, que recebiam quantias irrisórias pelos serviços prestados; tais subcontratações demonstram que os preços orçados pela Cepisa e contratados pela Gautama estavam muito acima dos praticados no mercado e foram arbitrariamente elevados, onerandose a execução das obras a serem pagas com verbas públicas; 28) Sérgio Sá e Maria de Fátima, no diálogo do dia 7.8.2006, às 12h14min22s, tratando do edital da concorrência, deixaram claro que os preços foram estabelecidos por João Manoel (fls. 2.724); 29) para direcionar a concorrência para a Gautama e celebrar os contratos extremamente desvantajosos para a Cepisa, Jorge Targa aceitou promessa de vantagem indevida feita por Zuleido, tendo o dinheiro sido entregue ao ex-Presidente da Cepisa por Dimas Veras (diálogo de fls. 2.724-2.725); paralelamente, Jorge Targa determinou a publicação do aviso de licitação da Concorrência n. 51/2006, para a atender ao interesse de Sérgio Sá na contratação da Engevix para a gestão e apoio técnico à execução das obras do programa, o que foi efetivado pelo Presidente da Comissão de Licitação Roberto Nascimento, no dia 30.6.2006, antes mesmo da pretendida liberação de verba da CDE para essa finalidade; como a previsão para a realização do certame era para o dia 11.8.2006 e a Eletrobrás não autorizou o pagamento de tais serviços com recursos da CDE, porque tratava-se de custo indireto do programa que deveria ser coberto pelo próprio agente executor, a Cepisa adiou a concorrência, conforme publicação no DOU do dia 9.8.2006; 30) diante da posição da Eletrobrás, contrária aos seus interesses, Sérgio Sá promoveu articulações junto ao Presidente da Cepisa, ao Governador do Estado do Piauí e ao Ministro Silas Rondeau, visando à aditivação do “Termo de Compromisso” celebrado na época da implantação do programa naquele Estado, para a disponibilização de percentual mais elevado de recursos da CDE, com a conseqüente redução da participação financeira do agente executor do programa, 100 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de modo a viabilizar, tanto o contrato pretendido pela Engevix, quanto os da Gautama (fls. 2.725-2.726); de fato, no dia 19 de setembro de 2006, o Governador do Estado do Piauí encaminhou ao Ministro Silas Rondeau a Carta n. 470/GG, solicitando a alteração do referido “Termo de Compromisso” para ampliar os recursos de subvenção do programa para 80%, como compensação da “incapacidade de aporte de recursos próprios pela Cepisa”; no dia 25 de janeiro de 2007, o Ministro Silas Rondeau e, à época, o Presidente Interino da Eletrobrás Valter Cardeal, celebraram, então, com a Cepisa e com o Estado do Piauí, o aditivo ao “Termo de Compromisso” firmado em 25.3.2004, passando para a Eletrobrás o encargo de custear, a título de subvenção, ou seja, com recursos da CDE, 80% dos custos do programa; e o Estado e o agente Executor, cada um, com 10% dos custos; aumentou-se, assim, o encargo da Eletrobrás com verbas de subvenção, eximiu-se a Cepisa de endividamento através de recursos da RGR e reduziu-se a sua participação e a do Estado no programa de 15% para 10%; 31) para praticar tal ato, que viabilizaria os pagamentos previstos nos contratos àquela altura já firmados com a Gautama, o Ministro Silas Rondeau recebeu de Zuleido Veras, no dia 13 de março de 2007, vantagem indevida, no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), através do seu assessor Ivo Almeida; a intermediação para o pagamento da propina foi feita por Sérgio Sá (diálogos de fls. 2.726-2.727); a programação para o pagamento da propina foi registrada na agenda de Zuleido Veras, apreendida no presente inquérito (apenso 43), onde consta, no dia 13.3.2007, a anotação: “Falar c/ Sérgio sobre M.M.E.” e “Falar c/ Ministro Silas”; da agenda do Diretor Financeiro da Gautama, Gil Jacó, também apreendida (apenso 43), verifica-se, no dia 6.3.2007, a anotação “120 Ministro BSB”, indicando, como de costume, a previsão de pagamento de propina, aliás reforçada pelas anotações dos dias 7.3.2007: “BSB (120)” e “BSB (20)” e 9.3.2007: “BSB 120.000” e “BSB 20.000”; 32) conforme demonstram as interceptações telefônicas a seguir transcritas e a Informação Policial n. 12/2007, de fato, Florêncio Vieira, atendendo às instruções de Zuleido e de Gil Jacó, sacou da conta da Gautama na Caixa Econômica Federal, Agência Cidadela, em Salvador, no dia 9.3.2007, a importância de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais), que transportou até Brasília, repassando-a a Tereza Lima, no aeroporto desta cidade (fls. 2.727); no dia 13.3.2007, Sérgio Sá, que se encontrava no Gabinete do Ministro Silas Rondeau, combinou com Maria de Fátima a entrega da propina, orientando-a para que entrasse pela portaria privativa sem se identificar (diálogo de fls. 2.729); pela Informação Policial n. 18/2007 constata-se que naquele dia, por volta das RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 101 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 12h50min, Maria de Fátima dirigiu-se ao 8º andar do Ministério de Minas e Energia, entrou pela porta que dá acesso ao gabinete do Ministro, entregou o dinheiro e dali se retirou acompanhada, até o elevador, por Ivo Almeida; 33) as investigações revelaram, ainda, que logo após a celebração do aditivo ao “Termo de Compromisso” que estabeleceu o percentual de 80% de verbas da CDE para a Cepisa, Sérgio Sá persistiu no intento de que fosse firmado com a Engevix o contrato para a gestão e fiscalização do programa “Luz Para Todos” no Piauí, contando, para tanto, com o apoio de Jorge Targa; para isso, solicitou ao Presidente da Cepisa que formulasse pedido formal ao Presidente da Eletrobrás Valter Cardeal, para proceder a outra alteração do Contrato ECFS/90/2005, de modo a permitir a utilização de recursos da CDE para a cobertura financeira também dos custos indiretos da obra, o que foi efetivamente feito por Jorge Targa, através da Carta n. 033/2007, de 27.2.2007; tais tratativas foram realizadas por Sérgio Sá no gabinete do próprio Ministro Silas Rondeau, onde se encontrava em companhia de Zuleido Veras (fls. 2.730); no dia seguinte Zuleido relatou ao seu irmão Dimas a reunião que tivera com Silas e Santana (fls. 2.731); a partir daí, Sérgio Sá prosseguiu nas negociações com o Ministro Silas Rondeau e com o Coordenador Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar Santana, para viabilizar as medições fraudulentas das obras contratadas pela Gautama; para isso, encontrou-se com Santana e com Zuleido Veras, no dia 11.4.2007, no restaurante Lake’s, em Brasília, conforme demonstram as interceptações telefônicas e a Informação Policial n. 038/07 (fls. 2.731); 34) no dia 13.4.2007, Sérgio reuniu-se com Silas Roundeau e com Santana no Ministério das Minas e Energia, acertando o pagamento à Gautama de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), por obras que ainda não haviam sido executadas, mediante promessa de vantagem indevida por eles aceita (diálogo de fls. 2.731-2.732); atendendo à determinação de Zuleido, Dimas encaminhou à Cepisa a Correspondência Externa n. 093-2007, datada de 19.4.2007, solicitando a fiscalização para o faturamento das obras, de acordo com o que havia sido anteriormente combinado (fls. 2.732-2.733). Segundo a denúncia, o desvio dos recursos públicos em favor da Gautama só não chegou a ocorrer em razão da deflagração da “Operação Navalha”. No caderno de anotações de Ivo Almeida, apreendido no inquérito (apenso 44, fl. 24), consta: “faturamento da Gautama – não foi ainda encaminhado segundo última reunião da sexta-feira, dia 4.5.2007. Ver!”, o que demonstra que o controle dos 102 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL pagamentos àquela empresa era realizado pelo gabinete do próprio Ministro das Minas e Energia. Considerando que os denunciados procederam de modo livre e consciente, o MPF afirmou que: a) Silas Rondeau Cavalcante Silva, Ivo de Almeida, Aloísio Vasconcelos, Valter Luís Cardeal de Souza, José Ribamar Lobato Santana, José Drumond Saraiva, Jorge Targa Juni, José Ricardo Pinheiro de Abreu, Gregório Adilson Paranaguá da Paz, Emanoel Augusto Paulo Soares e Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal; b) Jorge Targa, José Ricardo de Abreu, Gregório Paranaguá, Silas Rondeau, Aloísio Vasconcelos, José Drumond Saraiva, Valter Cardeal e José Ribamar Lobato Santana, estão incursos nas penas do art. 20 da Lei n. 7.492/1986 (por três vezes); c) Silas Rondeau, Aloísio Vasconcelos, Valter Cardeal e José Drumond Saraiva, estão incursos nas penas do art. 4º da Lei n. 7.492/1986; d) Emanoel Augusto Paulo Soares, Gregório Adilson Paranaguá da Paz, Jorge Targa Juni, Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, José Ribamar Lobato Santana, Sérgio Sá, Zuleido Veras, João Manoel Soares Barros e Maria de Fátima Palmeira, estão incursos nas penas do art. 90 e 96, incisos I e V, da Lei n. 8.666/1993; e) Zuleido de Soares Veras, Maria de Fátima Palmeira, Gil Jacó, Florêncio Vieira, Dimas Soares de Veras, Tereza Freire e Sérgio Sá, estão incursos nas penas do art. 333 do Código Penal (pagamento de propinas a Silas Rondeau e a Jorge Targa); f ) Silas Rondeau, Ivo Almeida Costa e Jorge Targa Juni estão incursos nas penas do art. 317 do Código Penal; g) Zuleido de Soares Veras e Sérgio Sá estão incursos nas penas do art. 333 do Código Penal (oferecimento de propinas a Silas Rondeau e a José Ribamar Lobato Santana em 13.4.2007); e h) Silas Rondeau e José Ribamar Lobato Santana estão incursos nas penas do art. 317 do Código Penal (aceitação de promessa de propina no dia 13.4.2007). Ao final, requer o MPF: a) seja a presente autuada com o Inquérito n. 544 que a instrui; b) sejam os denunciados notificados para que, no prazo de quinze dias, apresentem resposta (RI-STJ, art. 220 e Lei n. 8.038/1990, artigo 4º); RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 103 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA c) decorrido o prazo supra, seja designado dia para que a Corte delibere sobre o recebimento da presente denúncia (RI/STJ, art. 222), bem como o afastamento dos denunciados ocupantes de cargos públicos do exercício dos respectivos cargos, em razão da gravidade dos fatos acima relatados; e d) após o recebimento da denúncia, sejam os denunciados citados, interrogados e, após os trâmites legais, condenados às penas cominadas nos artigos indicados ao fim de cada item. Nesta Corte, o Inq n. 544-BA foi reautuado como APn n. 536-BA. Por decisão de fls. 2.748-2.752, atendi a pedido do MPF de remessa de cópias, revoguei o Segredo de Justiça (exceto no que diz respeito a documentos sigilosos) e determinei fossem oficiadas as Assembléias Legislativas do Estado do Maranhão e do Estado de Alagoas, solicitando autorização para o processamento da acusação oferecida contra os respectivos Governadores de Estado, bem como notifiquei os demais denunciados para a apresentação de resposta à acusação. Considerando que as Assembléias Legislativas dos Estado do Maranhão e de Alagoas não autorizaram que esta Corte examinasse a denúncia oferecida contra os respectivos Governadores de Estado, concluiu a Corte Especial, em questão de ordem, pelo desmembramento do feito, mantendo a competência desta Corte para processar e julgar os denunciados abaixo indicados, quanto aos delitos praticados no denominado “Evento Sergipe” (tópico da exordial acusatória em que o MPF formula acusação contra o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe - único acusado detentor de foro privilegiado perante este Tribunal que se encontrava em condições de ser julgado): 1) Flávio Conceição de Oliveira Neto; 2) Zuleido Soares de Veras; 3) Florêncio Brito Vieira: 4) Gil Jacó Carvalho Santos; 5) Gilmar de Melo Mendes; 6) Humberto Rios de Oliveira; 7) João Alves Filho; 8) João Alves Neto; 9) José Ivan de Carvalho Paixão; 104 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 10) Kleber Curvelo Fontes; 11) Maria de Fátima César Palmeira: 12) Max José Vasconcelos de Andrade; 13) Renato Conde Garcia; 14) Ricardo Magalhães da Silva; 15) Roberto Leite: 16) Sérgio Duarte Leite; e 17) Victor Fonseca Mandarino. O julgamento da questão de ordem supramencionada restou assim ementado: Questão de ordem. Ação penal originária. Processual Penal. Art. 80 do Código de Processo Penal. Competência ratione personae desta Corte firmada apenas em relação a um dos denunciados. Possibilidade, necessidade e utilidade de desmembramento do feito. 1. Ostenta esta Corte precedentes, embasado em decisões do STF, ordenando o desmembramento do processo quando, pelo número excessivo de denunciados seria sacrificada a instrução. É o que ocorre na hipótese dos autos em que há 61 (sessenta e um) denunciados, sem que haja unidade de participação entre todos eles. 2. A manutenção da unidade do processo mostra-se contraproducente e contrária ao princípio constitucional da duração razoável do processo, dando azo à verificação da prescrição da pretensão punitiva e à inefetividade da persecutio criminos in iudicio. 3. Nos termos do art. 80 do Código de Processo Penal, o desmembramento da ação penal é facultativo e justificado quando o órgão judicial reconhece motivo relevante, consistente, na espécie, no fato de que apenas um dos réus tem foro por prerrogativa de função nesta Corte. 4. Questão de ordem resolvida no sentido de desmembrar a presente ação penal, extraindo-se cópia integral dos autos para serem encaminhados às Seções Judiciárias do Distrito Federal e dos Estados do Maranhão e de Alagoas (Juízos constitucionalmente competentes para processar e julgar os delitos supostamente praticados em sua área de jurisdição, nos termos do art. 109, IV, da Constituição da República de 1988) para que prossigam no processamento do feito em relação aos crimes praticados por cada um sem participação do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, mantendo-se o feito nesta instância apenas em relação aos delitos praticados pelos denunciados no denominado “Evento Sergipe”. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 105 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (APn n. 536-BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 17.3.2010, DJe 12.4.2010). (fl. 8.666-8.685). Notificados, os denunciados no denominado “Evento Sergipe” apresentaram resposta à acusação, oportunidade em que passo a relatar as mencionadas peças de defesa: I) FLÁVIO CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA NETO (FL. 6.949-7.048) Primeiramente, o denunciado alega que a peça de defesa tem a pretensão de demonstrar a incongruência e a inépcia da exordial acusatória. Afirma que a nulidade impera em todas as supostas evidências colhidas nos autos contra o ora acusado e que o MPF, sem qualquer fundamento válido, imputa ao denunciado a prática dos crimes tipificados nos arts. 312, caput, 312, § 1º e 319 do Código Penal. Feitas essas considerações, o denunciado suscita as seguintes preliminares: 1) INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL - RELATORIA X PARTICIPAÇÃO EM ATOS DO INQUÉRITO O acusado alega que, em razão desta relatora ter colhido o depoimento dos indiciados presos no curso do Inquérito, ficou impedida, nos termos do art. 252 do Código de Processo Penal, de atuar no feito. Afirma que a participação do Relator no Inquérito em que se apura crime cometido por detentor de foro privilegiado deve se resumir à função de garante e não a de atuar na colheita de prova. Cita o HC n. 82.507-SE, julgado pelo STF, com o fim de demonstrar que a competência penal originária não autoriza ao respectivo Tribunal que realize funções de polícia judiciária. Requer, ao final, a averbação de impedimento desta relatora e a consequente redistribuição do feito. 2) INÉPCIA DA DENÚNCIA O acusado alega a inépcia da exordial acusatória, porque a denúncia não descreve, de forma clara e objetiva, os fatos ilícitos supostamente cometidos pelo investigado. 106 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Afirma que “a precipitação do Ministério Público, ante uma investigação ‘furada’, do ponto de vista técnico, gerou como consequência a elaboração de uma denúncia totalmente inepta, por não preencher os requisitos mínimos de sustentabilidade, na ótica de exposição de fatos, detalhamento de condutas e manejo de elementos supostamente probatórios”. Aduz que o “direito a uma acusação certa, determinada, que relate o fato e diga: ‘o acusado cometeu esse ilícito e são essas as provas’, é algo tão importante que consta do artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem das Nações Unidas”. Ao final, pugna pela rejeição da denúncia afirmando inexistir especificação da participação criminosa atribuída ao denunciado. 3) FATOS NÃO DESCRITOS X IMPOSSIBILIDADE DE DEFESA O denunciado afirma que a leitura da denúncia indica claramente não haver na exordial acusatória, uma descrição detalhada das condutas antijurídicas imputadas aos denunciados, pois a denúncia não é explícita quanto à data de início da suposta atividade criminosa do acusado, se ocorrida desde a fase da licitação do Contrato de n. 110/01 ou tão-somente na fase de execução. Afirma não ter a denúncia indicado a forma pela qual o acusado teria ajudado João Alves Filho e Zuleido Veras no seguinte tópico: Além de João Alves Neto, O ex-Governador contou com o auxílio de Flávio de Conceição de Oliveira Neto, à época Secretário da casa Civil; de Max José Vasconcelos de Andrade, Secretário de Fazenda nos anos de 2003 e 2004; de Gilmar de Melo Mendes, Secretário de Fazenda nos anos de 2005 e 2006; e, de Victor Fonseca Mandarino, Presidente da Deso nos anos de 2003 a 2006. (fl. 6.966). O denunciado segue questionando: “Como Flávio Conceição ajudou João Alves Filho na suposta ilicitude? Flávio realizou quais atos ilícitos, quais condutas para favorecer Zuleido Veras? Ou será que foi para atender João Alves Filho? Onde se situa Flávio Conceição nesta relação? Atuava para Zuleido junto a João Alves Filho ou atuava para João Alves Filho junto a Zuleido?” Com o fim de demonstrar o que alega, cita o acusado o seguinte trecho da peça inicial elaborada pelo MPF: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 107 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Como o contrato firmado entre a Gautama e a Deso era de R$ 126.097.452,67, o ex-Governador empenhou-se para conseguir o restante dos recursos. Assim, buscou o referido financiamento junto à Caixa Econômica Federal e outros empréstimos bancários, além de ter firmado novo convênio com o Ministério da Integração Nacional, o de n. 006/05, do qual só foram liberados R$ 6.800.001,00. Tais condutas poderiam ser consideradas como decorrentes da legítima atividade governamental, pois a obra contratada era de inegável interesse público, não tivesse o ex-Governador, através do seu próprio filho, João Alves Neto, negociado com Zuleido Veras vantagens indevidas em troca de conseguir as verbas e autorizar as liberações dos recursos para que a Deso efetuasse os pagamentos das medições fraudulentas pretendidas pela Gautama a partir de janeiro de 2003. E conclui: “se a suposta negociação se deu entre João Alves Filho e Zuleido Veras e foi feita ‘através do seu próprio filho, João Alves Neto’, como foi a participação de Flávio Conceição no evento? Recebeu dinheiro de Zuleido? Para que recebeu dinheiro? Por qual motivo Zuleido pagaria a suposta propina a Flávio Conceição se o suposto acerto era com João Alves Filho através do filho João Alves Neto? De que Flávio Conceição precisa se defender? De ter supostamente recebido propina para si ou para outrem? Flávio é o agente corrompido ou o partícipe do crime de corrupção passiva que recebe e repassa o valor da propina? É o agente que pratica o peculato ou o partícipe do delito? (fl. 6.967-6.968). Segundo a defesa a denúncia relata, de forma equivocada, os aditivos realizados no contrato como sendo ilegais e revela-se imprecisa quanto á narração dos fatos e cronologia das ações e as prorrogações de prazo do contrato visaram, na verdade, viabilizar a execução dos serviços diversos daqueles inicialmente licitados e com as mesmas bases de preços superfaturados, incidindo, ainda, os alts índices de correção do valor do contrato original”. (fl. 6.969). Alega, contudo, não haver menção a esses aditivos com a interveniência do acusado. Tanto que a denúncia não descreveu nenhuma conduta antijurídica capaz de ensejar a prática de delito de peculato por parte do denunciado ou se no período das interceptações telefônicas, realizadas (abril a setembro de 2006), houve pagamento de valores ilegais à Gautama, ou se o denunciado interferiu para aprovação das medições irregulares. Ao final, requer o acolhimento da preliminar de inépcia da exordial acusatória, aduzindo que a falta de descrição dos eventos com precisão necessária implica em cerceamento de defesa. 108 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 4) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL Após tecer considerações doutrinárias sobre o instituto da justa causa, diz o denunciado que, para ajuizamento da ação criminal, deve a petição inicial conter elementos capazes de formar um processo idôneo, coerente e embasado em provas de materialidade e indícios de autoria. 4. “a”) MATERIALIDADE E PROVAS NÃO IDÔNEAS - JUSTA CAUSA? Neste ponto, segundo alega, nenhum dos 03 (três) elementos de prova carreados aos autos servem de subsídio para o recebimento da denúncia. 4. “b”) DA ILEGAL MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO Para a defesa, “as investigações foram processadas de forma totalmente inaceitável do ponto de vista processual, com a omissão de fatos apurados, visando manter o processo perante determinada autoridade judicial”. Traça um breve histórico das investigações, com a finalidade de demonstrar que as interceptações telefônicas produzidas foram determinadas por autoridade judicial incompetente. E explicita que o Inq. n. 544-BA (que deu origem à presente APn n. 536-BA) foi instaurado com a finalidade de apurar o vazamento de informações constantes dos autos das Medidas Cautelares de n. 2004.33.00.022013-0 e n. 2006.33.00.002647-3, procedimentos em curso perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado da Bahia e versando sobre interceptações telefônicas decretadas com o fim de apurar supostas ilegalidades perpetradas por empresários baianos do segmento de Prestação de Serviços e Terceirização de Mão-de-obra. Nas medidas cautelares indicadas, embora importantes para o exame em torno da licitude do conjunto probatório produzido nestes autos, foi determinada a juntada à APn n. 510-BA. Para o denunciado o Juiz Federal, no apenso de n. 76 da APn n. 510-BA, demonstrou que os Delegados de Polícia Federal, encarregados das investigações, se utilizaram de procedimentos escusos e ilegais. Desde o mês de abril de 2006 (data em que foi deferida a primeira interceptação telefônica em relação ao denunciado Zuleido Veras) a Policia RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 109 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Federal tinha conhecimento de um suposto envolvimento de autoridades com foro privilegiado. Em decisão proferida nos autos da MC n. 2006.33.00.002647-3, há explícita menção ao envolvimento de um deputado e um Secretário do Estado de Sergipe, ambos com prerrogativa de foro privilegiado, os quais terminaram envolvidos na investigação. Aliás, a Delegada Andréa Tsuruta sabia, desde o início das investigações, que autoridades com foro privilegiado estariam supostamente envolvidas, mas as provas colhidas contra o ex-deputado Ivan Paixão foram produzidas quando este gozava de prerrogativa de foro, como ficará demonstrado no Evento Ivan Paixão. Alega que as provas carreadas aos autos contra o ex-Governador do Maranhão José Reinaldo Tavares foram produzidas no ano de 2006, período em que este ocupava o cargo de Governador do Estado do Maranhão. 4. “b”.”i”) DEPUTADOS FEDERAIS, GOVERNADORES E O STJ, STF OU O JUIZ SINGULAR? O denunciado, neste ponto, explica que separará os argumentos de defesa em eventos, tal como feito pelo parquet. EVENTO GOVERNADOR JOSÉ REINALDO TAVARES Em interceptações telefônicas realizadas no período de 23.5.2006 a 6.6.2006, a Polícia Federal obteve elementos de prova da suposta participação do ex-Governador José Reinaldo Tavares. A constatação pode ser feita por meio do exame do Relatório Circunstanciado n. 007/Navalha, apresentado ao Juiz Federal Durval Carneiro Neto. A suposta participação de detentor de foro privilegiado é reafirmada no Relatório Circunstanciado n. 009/Navalha apresentado ao referido magistrado federal. Com efeito, segundo a defesa, as provas colhidas contra o ex-Governador demonstram a incompetência do magistrado de 1º Grau para deferir as medidas cautelares de quebra de sigilo telefônico dos investigados. EVENTO P RO CURAD OR GERAL D O ESTAD O D O MARANHÃO 110 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O denunciado afirma ter a Polícia Federal elementos de prova da participação de Ulisses Cesar Martins de Souza, então Procurador Geral do Estado do Maranhão (autoridade com foro privilegiado), segundo as interceptações telefônicas no período de 28.6.2006 a 14.6.2006 (Relatório n. 09/Navalha). EVENTO GOVERNADOR JOÃO ALVES FILHO O acusado alega que os únicos elementos de prova colhidos durante a investigação contra João Alves Filho remontam ao período de 28.6.2006 a 14.7.2006, quando ocupava o cargo de Governador do Estado de Sergipe (cita o Relatório n. 09, Anexo 04/Navalha). Todas as interceptações telefônicas incriminando o ex-Governador (autoridade com foro privilegiado) foram realizadas por ordem do Juiz Federal da Seção Judiciária da Bahia. EVENTO DEPUTADOS FEDERAIS Para a defesa, a análise detalhada do caso demonstra que, no curso das investigações, vários deputados federais foram citados e identificados como suspeitos da prática de atos ilícitos em conluio com os integrantes da Construtora Gautama, todos com foro privilegiado perante o STF, como constatado pela Delegada Federal no Relatório Parcial de Inteligência I. EVENTO EX-DEPUTADO FEDERAL IVAN PAIXÃO A primeira menção à suposta participação do ex-Deputado Federal no evento criminoso remonta a 4.7.2006, data de realização de interceptação telefônica autorizada pelo Juízo de 1º Grau, perante o qual foram colhidos todos os indícios referentes a este denunciado. EVENTO DEPUTADO FEDERAL PAULO MAGALHÃES O mesmo se diga em relação ao Deputado Federal Paulo Magalhães quando foram colhidos indícios de autoria, em interceptações que remontam ao período de 28.8.2006 a 4.4.2007. No HD da Operação Navalha o Deputado Federal Paulo Magalhães teria, no período de 15.8.2006 a 26.9.2006, solicitado a Zuleido Soares Veras RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 111 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vantagem indevida consistente na quantia de R$ 300.000,00. Para a defesa houve manipulação do sistema judiciário com o fim de manter o processo nesta Corte, sob o argumento de que consta do Apenso n. 05 do Relatório de Inteligência Policial n. 06 (p. 23-36) - documento produzido antes de deflagrada a Operação Navalha, quando ainda não tinha esta Corte competência para decretar a busca e apreensão e a prisão dos investigados. DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL OLAVO CALHEIROS Para a defesa, a Polícia Federal confeccionou Relatório (com base nas informações do HD da Operação Navalha) apontando o envolvimento do Deputado Federal Olavo Calheiros no esquema ilegal investigado, com base em elementos probatórios colhidos em meados de junho e julho de 2006, por decisões do Juiz de 1º grau de jurisdição. DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL MAURÍCIO QUINTELA O denunciado alega que os elementos reunidos em face do Deputado Federal Maurício Quintela foram colhidos no período de novembro de 2005 e setembro de 2006 (relatório emitido pela Polícia Federal), oriundos de decisões ilegais. DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL LUIZ PIAUYLINO Neste evento, os elementos produzidos contra o Deputado Federal Luiz Piauylino foram colhidos pela Polícia Federal em meados de junho e julho de 2006 (relatório emitido pela Polícia Federal), oriundos de decisões, tidas pelo acusado, como ilegais por vício de competência da autoridade de piso. DO EVENTO MINISTRO SILAS RONDEAU O evento mais importante para a demonstração da manipulação do sistema judiciário brasileiro, segundo a defesa, para manter a competência funcional num determinado órgão, foi o envolvimento do ex-Ministro Silas Rondeau. O nome do ministro foi omitido até a deflagração da operação policial em sua fase ostensiva, ficando tudo escondido pelo Ministério Público Federal para evitar o deslocamento de competência. O acusado alega que os eventos trazidos à tona com a denúncia ofertada pelo MPF mostram que a Polícia Federal já considerava, desde meados de 2006, 112 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL o então Ministro Silas envolvido na suposta organização criminosa montada ao redor da empresa Gautama (cita a página 121 da exordial acusatória). Mas a PF e o MPF, com o fim de evitar o deslocamento da competência para o STF, não apresentaram os dados concretos acerca do envolvimento do Ministro no suposto “esquema” ilegal investigado. 4. “c” - QUANTO A PF SOUBE? REFLEXOS DA MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO - NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS Apesar da Polícia Federal e o MPF terem informações da participação de investigados detentores de foro privilegiado, o inquérito continuou sendo processado perante o Juízo de 1º Grau, sendo por ele autorizadas as seguintes diligências: DATA EVENTO JURISDIÇÃO JURISDIÇÃO CORRETA 19.4.2006 Primeira autorização para interceptação do telefone de Zuleido Veras. Não consta esta informação nos autos, é deduzida dos documentos juntados pelo Juiz Durval Carneiro Neto, no apenso n. 76. 2ª Vara Federal de Salvador 2ª Vara Federal de Salvador 5.5.2006 Primeira interceptação em que aparece uma autoridade com foro privilegiado, no caso o denunciado Flávio Conceição de Oliveira Neto, Secretário de Estado com foro privilegiado do TRF. 2ª Vara Federal de Salvador 2ª Vara Federal de Salvador Dias antes de 19.5.2006 Um relatório da Polícia Federal deveria apresentar ao Juiz Durval Carneiro Neto os resultados desta fase de interceptações, tal relatório não consta dos autos da ação penal. 2ª Vara Federal de Salvador 2ª Vara Federal de Salvador RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 113 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 19.5.2006 Decisão de prorrogação da 2ª Vara Federal TRF interceptação telefônica de de Salvador Zuleido Veras, na decisão o juiz já cita “Além disso, foram detectados indícios de novas fraudes cometidas por Zuleido e Rodolpho junto á Prefeitura de Camaçari e ao TCU, onde, segundo consta, há 26 procedimentos instaurados contra a empresa Gautama”, também já havia indícios de participação de Secretário de Estado de Sergipe. 22 e 23.5.2006 A Polícia Federal identifica a 2ª Vara Federal TRF suposta participação do Secretário de Salvador de Infraestrutura do maranhão, Ney Bello e do Procurador Geral do Estado, Ulisses César, as interceptações saio usadas para delimitar a data de participação, vide denúncia p. 16 “A análise dos diálogos monitorados no curso das investigações, notadamente no período de maio a julho de 2006” (denúncia, 4º parágrafo, p. 16) 114 1º.6.2006 A Polícia Federal intercepta 2ª Vara Federal TRF conversa entre Zuleido e Vicente de Salvador onde este relata a evolução da conversa com o Procurador Geral, vide relatório policial constante do HD e intitulado Evento Pontes Maranhão. 15.6.2006 A Polícia Federal identifica 2ª Vara Federal STJ diálogo que sugere o pagamento de Salvador de propina ao então Governador José Reinaldo Tavares, o díálogo é usado transcrito na denúncia, p. 19 15.6.2006 A Polícia Federal identifica 2ª Vara Federal STF suposta participação do Deputado de Salvador Federal Maurício Quintela, cita o evento no relatório intitulado Evento Maurício Quintela. Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 16.6.2006 A Polícia Federal identifica 2ª Vara Federal STJ viagem de Zuleiro a Aracaju de Salvador para conversas com, segundo a denúncia, o inetrmediário de João Alves Filçho, o seu filho João Alves Neto e com outro Secretário de Estado, o Sr. Gilmar de Melo Mendes. 4.7.2006 A Polícia Federal identifica conversa entre Zuleiro Veras e o então Deputado Federal Ivan Paixão, o diálogo é usado transcrito na denúncia. A Polícia Federal identifica diálogos que sugerem, segundo a própria polícia, ilicitudes envolvendo os deputados federais Olavo Calheiros, Luiz Piauylino e Marcelo Quintela. Junho e julho 2ª Vara Federal STF de Salvador 2ª Vara Federal STF de Salvador 14 de setembro A Polícia Federal requer, com 2ª Vara Federal STF de 2006 o aval do MPF, ao Juiz Durval de Salvador Carneiro Neto que decline da competência em favor do STJ, no despacho judicial de declinação de competência, o Juiz cita especificamente a suposta participação do então deputado federal Ivan Paixão, que é nominado erradamente como deputado Estadual, apesar de não existirem diálogos com os ex-Governadores José Reinaldo Tavares e João Alves Filho e existirem diálogos com alguns deputados federais, a PF e o MPF não os citam especificamente para que o processo não tenha como destino o STF. Novembro 2006 de A ministra Eliana Calmon STJ defere algumas interceptações telefônicas, não constam nos autos tais documentos. STF RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 115 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 7 de maio de A polícia federal cita, STJ 2007 especificamente no relatório de inteligência policial (Parcial n. 06 – STJ) o suposto recebimento de R$ 20.000,00 pelo Deputado Federal Paulo Magalhães, a citação não é feita pelo MPF no pedido de deflagração da fase ostensiva da Operação. STF 17 de maio de Atendendo pedido do MPF que STJ 2007 não cita uma única autoridade com foro privilegiado do STF, nem mesmo o ex-ministro Silas Rondeau. STF E conclui que o juiz incompetente para o feito principal não tem competência para deferir a quebra do sigilo telefônico dos investigados. Cita o HC n. 10.243-RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.4.2001, sendo portanto nulos os atos decisórios que se seguem após o dia 5.5.2006, data em que o denunciado Flávio Conceição, então Secretário de Estado, passa a figurar como investigado pela Polícia Federal, autoridade que, nos termos do art. 91 da Constituição do Estado de Sergipe. Conclui pela necessidade de serem expurgadas as escutas telefônicas realizadas a partir de 19.5.2006, por ordem do Juiz da 2ª Vara Federal de Salvador. Pede sejam desentranhados os documentos recolhidos em razão da ordem de busca e apreensão determinada pela relatora. E conclui: no momento em que sejam desentranhados os documentos e as interceptações telefônicas, a denúncia oferecida pelo MPF contra o ora acusado deve ser rejeitada, pois a materialidade dos delitos praticados pelo ora Conselheiro estariam, segundo a ótica do MPF, comprovadas na “agenda do Gil”e nas ligações telefônicas interceptadas. 4. “d”. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE DAS GRAVAÇÕES O denunciado tece considerações sobre a regra do sigilo constitucional das telecomunicações e sustenta que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. 4. “d”.”i”. PEÇAS PROCESSUAIS – AUSÊNCIA 116 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O denunciado alega que instituiu-se na Corte Especial do STJ uma série de procedimentos para facilitar o manuseio dos autos, tais como registro magnético de vários elementos processuais e o registro informatizado de documentos. Tais registros foram fornecidos pela Polícia Federal e disponibilizados pela Corte Especial por meio da gravação de um HD. Entretanto, muitos dos arquivos gravados no HD não foram entregues aos acusados, como sói acontecer com os Eventos referentes aos Deputados Federais Olavo Calheiros, Maurício Quintella, Luiz Piauylino e Paulo Magalhães, como não foram juntados aos autos as Medidas Cautelares de n. 2004.33.00.022013-0 e n. 2006.33.00.002647-3. O acusado elenca, de forma objetiva, os seguintes documentos que estariam ausentes nos autos: “a) pedidos de interceptação de todo o período; b) decisões judiciais de deferimento das interceptações telefônicas; c) relatórios das diligências de interceptações; e d) protocolos dos ofícios que foram entregues às operadoras, informando a data em que estas tiveram conhecimento da ordem judicial, imprescindível para a verificação da licitude das gravações. E ainda, os documentos efetivamente apreendidos por ordem judicial, que não está nos autos, como a exemplo da ‘agendo do Gil’ referência à Agenda do diretor da Gautama Gil Jacó.” Requer, ao final, a rejeição da denúncia, sob o argumento de ausência dos elementos que comprometem a materialidade probatória capaz de ensejar a justa causa para o início da ação penal. 4. “d”.“ii” - PRESENÇA DOS REQUISITOS ACAUTELADORES E 15 + 15 PRORROGAÇÃO O denunciado alega não estar demonstrada nos autos a presença dos requisitos autorizadores para a decretação da interceptação telefônica dos investigados tampouco motivo hábil a autorizar a prorrogação da medida, razão pela qual requer a decretação de nulidade da prova colhida. Afirma que o Juízo de 1º Grau, no Apenso n. 76, autorizou o afastamento do sigilo sem indicar os indícios de autoria e materialidade da prática do delito investigado. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 117 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por fim, alega que o limite temporal estabelecido na Lei n. 9.296/1996 não restou observado. 4. “e” - O RELATO DA CGU E A PROVA DA MATERIALIDADE DO PECULATO Neste ponto, o denunciado insurge-se contra a acusação do MPF quanto ao desvio de R$ 178.708.458,81 no Contrato de n. 110/01, por falta de lógica técnica da CGU, órgão que realizou um esforço hercúleo no relatório para tentar encontrar irregularidades não existentes. ASPECTOS RELEVANTES DO RELATÓRIO DA CGU Afirma a defesa ser o relatório da CGU resultado de pressão exercida após a deflagração da Operação “Navalha” e não levando em conta a avaliação sistemática feita pelo TCU na obra decorrente do Contrato n. 110/01. Para a defesa o delito de peculato necessita, para seu embasamento da demonstração cabal do quantum de recursos públicos foi desviado. Rejeita a defesa o alegado desvio de R$ 76.180.447,31 da obra questionada, como consta da denúncia, como também nega a afirmação quanto ao superfaturamento dos pagamentos de tubos e serviços, negando ainda pagamentos por serviços não realizados. Segundo entende, foi equivocado o relatório da CGU, o qual partiu de premissas inverídicas para justificar a alegação de superfaturamento nos pagamentos feitos pela Deso à Gautama nos itens tubos e serviços. Insurge-e contra a alegação de que seria mais econômico para a Administração se a obra tivesse sido feita em 02 etapas, uma referente somente à compra de materais e outra para a execução dos serviços. E afirma: a “justificativa para a tese é hilária e chega ás raias da insanidade. Como é sabido a construção de um adutora, como todas do segmento de construção civil, não é uma obra com especif icações exatas, não se admite que a Administração possa prever milimetricamente a quantidade deste ou daquele material a ser aplicado, por este motivo se faz a contratação por preço unitário, ou seja, a cada item aplicado ou realizado na obra se paga o valor orçado na proposta do licitante vencedor. (...) Se admitida a tese, o Poder Público teria que arcar com a compra total e imediata de todos os materiais, portanto, teria que ter disponibilidade financeira para tanto, o que se mostrou Impossível no caso em tela, pois os recursos advieram à Deso no decorrer 118 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de vários anos. Teria Que arcar ainda com custos de armazenagem, transporte, carga e descarga, tudo não previsto no Relatório da CGU ao fazer as contas com o fracionamento da licitação.” (p. 7.016). Assevera ter o relatório da CGU calculado o valor pago a título de BDI (bônus e despesas indiretas) excluindo a quase totalidade das despesas indiretas, tais como Seguros, Equipamentos de proteção Individual, etc., despesas cujos valores não seriam menores em nenhuma hipótese, mesmo se fracionada a licitação, pois então teríamos despesas de administração nas duas situações, gerando um BDI percentualmente maior. (p. 7.018). Aduz que do ponto de vista financeiro a tese sustentada peo relatório da CGU não encontra pertinência, tanto que a questão teve total avaliação do TCU ao concluir pela legalidade do processo licitatório e, via de consequência, da composição do BDI. TUBOS Neste ponto, o denunciado afirma: “No que tange aos preços das tubulações deve-se ter em consideração que a Gautama realizou com a Deso um contrato para recebimento de acordo com o fluxo de caixa de valores que a Deso recebesse de convênio e de recursos próprios. Mesmo formatando um contrato condicionado a existência de verbas, a Gautama negociou com os fornecedores de tubulação um contrato Fixo, ou seja, acordou e contratou o fornecimento de tubulação arcando com preJuízos decorrentes da paralisação do contrato ou de atrasos de pagamento. Na expressão jurídica, assumiu o ônus da atividade econômica. Com este procedimento conseguiu preços bem mais competitivos. (...) O TCU foi instado a se pronunciar sobre os preços das tubulações, exigiu uma justificativa da DE50 que elaborou um relatório com todos os comparativos de preços do contrato, inclusive com avaliações acerca do mercado internacional e apresentou ao TCU que a aprovou tais preços. Todos os elementos que demonstram a licitude destes preços, inclUSive orçamento dos fabricantes encontram-se no Anexo XV que acompanha a denúncia. Apesar de todas estas evidências o Relatóno da CGU desprezou estes fatos e partiu para um raciocínio bizarro que será demonstrado abaixo.” (p. 7.020) RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 119 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O denunciado transcreve trechos de acórdão proferido pelo TCU no qual restaram examinados, segundo o acusado, todos os elementos de fato que foram utilizados para a verificação dos preços colhidos para a tubulação. Afirma ser “evidente que não se trata de discutir aqui o mérito da Instrução mas, mostrar que apesar dos dados colhidos pela Deso e das análises feitas pelo TCU, o Relatório da CGU não citou nada sobre isso, optou por um caminho tortuoso e inaceitável para cumprir a ‘encomenda’ que recebera, qual seja, elaborar um relatório contendo ilegalidades contra a Gautama. No Relatório a CGU optou em fazer um comparativo entre os preços de aquisição dos tubos pela Gautama e os preços que a De50 pagou pelos mesmos tubos â construtora. O raciocínio matemático utilizado não se sustenta. Para apuração do valor de compra dos tubos, a CGU ateu-se unicamente às notas fiscais apresentadas, com estas notas fiscais fez uma tabela de deflação e apurou o valor dos tubos na data do contrato. A premissa esta equivocada, pois o custo pago pela Construtora Gautama pelos tubos não ê somente os que constam das notas fiscais, Incidem ainda, despesas de transporte, armazenagem, carga e descarga e outros custos que a CGU expurgou do cálculo de seu boi ajustado. Para deflacionar o valor dos tubos, tentando achar o montante pago em valores de setembro de 2000, data da proposta da Gautama, a CGU utilizou o expurgo da variação da coluna 32 da revista Conjuntura Econômica da FGV, no entanto, esqueceu de observar que o contrato previa reajuste anual, portanto, durante um ano inteiro o valor do contrato não sofria alteração. A estapafúrdia tabela de deflação não considerou a existência deste detalhe de suma importância o que impacta no valor final calculado. Cabe registrar, que as notas Fiscais levantadas pela auditoria da CGU não estão completas; ela inclusive admite a possibilidade da diferença ser referente a estoque, como pode ser constatado nas Tabelas 21/22 e 23 do Relatório da CGU, onde temos: (...) Isso permite concluir que o MPF é quem lança, de modo indevido a idéia que os tubos foram medidos e não entregues. O próprio relatório da CGU afirma no item 2.7 que “Os pontos visitados foram fotografados e suas coordenadas foram registradas por meio de equipamento GPS Posteriormente foram confirmadas as suas localizações com as existentes no projeto”. 120 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Ora, se a verificação em campo confirma que a obra foi executada conforme o projeto, também mostra que sua extensão está confirmada. Isso é uma Imposição lógica, dado ser impossível realizar a obra sem os tubos. Com estes dados pode-se concluir que o relatório da CGU parte de premissas totalmente ilegais para concluir que os preços dos tubos seriam superfaturados.” (p. 7.022-7.025). QUANTIDADE DE TUBAÇÃO - ASPECTO IMPORTANTE PARA VALORAÇÃO DO PREÇO Neste tópico, o denunciado acusa o relatório da CGU de ser impreciso no tocante ao cálculo dos preços dos tubos. Após transcrever trechos do relatório destaca: “Não se pode deixar de registrar, face ao teor denúncia, a completa incompatibilidade dos números apresentados pela CGU e pelo próprio texto da Denúncia. Mas, o mais importante é que o texto da Denúncia registra a metragem iniciai de adutoras do Contrato o 110/01, igual a 42.585 m. Registra, também, o 60 Termo de Rerratificação firmado em 6.6.2006, que complementa a o Trecho GraVidade LI, acrescendo ao Contrato o 110/01, a execução de mais 9.730 m de adutoras. Se em maio de 2005, como diz o texto da Denúncia, já haviam sido executados 99,99% da obra originalmente contratada, e em 6 de Junho de 2005 foi celebrado o 60 Termo de Rerratificação, é claro que, a partir daí, estariam sendo emitidas as medições referentes à execução desses 9.730 m de adutoras acrescidos ao contrato pelo 6º Termo de Rerratificação, e não medições fraudulentas como equivocadamente afirma. (...) A errônea conclusão a que chegou o Ministério Público originou-se do fato de a CGU, em seu Relatório de Ação de Controle, tentar retratar a realidade da obra através da soma das Quantidades constantes das Notas Fiscais que lhe foram disponibilizadas, sem atentar para a possibilidade de que não detinha em seu poder a totalidade das Notas Fiscais de fornecimento de tubos pela Construtora Gautama. Mormente quando já havia confirmado as coordenadas de projeto das extremidades dos trechos de adutoras executados, conforme item 2.7 do Relatório de Ação de Controle. Todos estes dados fazem demonstrar que não havia sobrepreço algum e que o Relatório da CGU neste tópico é totalmente inaceitável.” (p. 7.025-7.028). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 121 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBREPREÇO EM SERVIÇOS Insurge-se o denunciado contra a acusação formulada pelo parquet quanto ao sobrepreço dos serviços executados com base no Contrato n. 110/01 e alega: “as análises realizadas pelo TCU não se limitaram à avaliação dos preços de serviços, onde constam, inclusive, determinações para renegociação de valores (caso das escavações de material de 2ª categoria), mas abordam questões diretamente relacionadas à economicidade das obras, cujas reduções de custos foram ressaltadas no próprio Relatório do Ministro Relator. Em termos objetivos, da atuação do TCU e em atendimento às determinações emanadas da Decisão TCU n. 1.270/2002 - Plenário, a Deso firmou o 2º Termo de Rerratificação ao Contrato n. 110/01, alterando o preço global de R$ 107.455.567,5S para R$ R$ 103.064.249,67. (...) Por tudo o que se demonstra está evidenciado que a simples comparação entre preços da planilha da proposta e os preços Sinap não é um fato que demonstre qualquer tipo de sobrepreço dadas as peculiaridades existentes no caso e que não foram objeto de avaliação pela CGU no seu Relatório de Ação de Controle. A tabela 28 do Relatório de Ação de Controle constante de sua página 76 existente no apenso 97, demonstra que para os tais sobrepreços os cálculos somariam R$ 38.736.979.47, isto fazendo o exercício matemático de mudar a composição do BDI, o que se mostrou inaceitável, considerar superfaturamento nos tubos e em serviços, o que colide com a lógica, pois as premissas utilizadas foram equivocadas e colide ainda com as análises e justificativas das decisões do TCU, Acórdão n. 1.270/2002 do Plenário e Acórdão n. 25.712.004.” (p. 7.031-7.032). REAJUSTE E SERVIÇOS NÃO EXECUTADOS Neste ponto, o denunciado alega que “Para compor a tabela 28 do Relatório de Ação de Controle que demonstra o valor dos recursos supostamente desviados a CGU apresenta a tese de que há R$ 37.057.815,15 de valores desviados decorrentes do reajustes supostamente indevidos pois pagos sobre valores supostamente superfaturados. Quais são estes valores supostamente superfaturados? 122 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Exatamente, aqueles constante do item A da tabela 28, ou seja, a CGU entendeu que houve superfaturamento no Boi, no preço de tubos e de serviços e, considerando ilegal estes supostos superfaturamento, seria, por lógica ilegal os reajustes pagos sobre estes preços. Na esteira do cordão da lógica, havendo demonstração de que o BDI estava correto e aprovado pelo TeU, os preços dos tubos compativeis com o mercado e correto na visão do TeU e os preços dos serviços compatíveis com o mercado segundo decisão do TCU, tem-se que não há superfaturamento e o valor do reajuste pago era efetivamente devido. Mas ainda resta a tese de que houve desvio de R$ 385.653,69 referentes a serviços não realizados, mas pagos pela Deso. Como chegou a esta conclusão do famigerado Relatório da CGU? Partiu da comparação entre um Relatório de Sondagem do trecho onde la passar a Adutora, feito quando da elaboração do Projeto Básico e as medições realizadas e pagas pela Deso. A questão merece detalhamento. A sondagem é uma amostragem da composição do solo no trecho onde vai ser realizada a obra, esta amostragem serve para a elaboração de um orçamento, um planejamento. Como toda amostragem não é a realidade da obra é uma mera avaliação superficial. Já as medições são realizadas após a execução dos serviços e representa a real situação ocorrida em campo. Assim, comparar relatório de sondagem com medição é inaceitável, pois não se pode comparar uma série de amostragens feitas muito tempo antes da obra com a realidade Que se verificou no curso da obra. A avaliação do Relatório de Sondagem inserido no Quadro 11, p. 84 do Relatório de Ação de Controle da CGU, inserido no apenso 97, mostra uma variação do tipo de solo nas amostras realizadas, no entanto a interpretação da CGU foi equivocada, pois considerou Que não havia alteração do solo até que houve mudança na ocorrência da tabela. Explico melhor: Na coluna 01 há a numeração da Estaca que é a marcação física da obra, ou seja, uma identificação do trecho de onde passará a adutora. Na ultima coluna a Ocorrência da sondagem. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 123 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Para se chegar a conclusão de que entre as 152 e 307, a CGU considerou que enquanto não houve uma ocorrência diagnostica se utiliza a última ocorrência com a realidade do terreno naquela estaca. A premissa está equivocada e é típica de quem sequer sabe avaliar um relatório de Sondagem. As ocorrência são amostras, as estacas distância entre estacas varia mas a sondagem ê feita praticamente de 100 em 100 metros. Não há como se precisar a ocorrência de uma rocha num determinado trecho se não for realizada a escavação completa da vala onde sera enterrado o tubo. Por este motivo tem-se a total Impropriedade da interpretação utilizada pela CGU para considerar Irregular as medições realizadas.” (fl. 7.032-7.035). CONCLUSÕES SOBRE O RELATÓRIO CGU Em conclusão afirma o acusado: “A Ação de Controle de n. 00190.02334/2007-94, elaborado pela CGU - Controladoria Geral da União é a prova que o MPF trouxe aos autos acerca da Materialidade do delito de peculato. É a prova dos desvios de recursos públicos pela suposta organização criminosa junto à Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso. O relatório é denso, cheio de raciocínios, planilhas e especulações. Mas o ponto chave é a tabela 28, página 76 do apenso 97, nessa tabela é que está descrito com precisão o valor do suposto desvio e onde se localiza no famigerado relatório a descrição de como se chegou a cada um dos valores. O restante do relatório pode apresentar diversas irregularidades administrativas, mas a composição do valor supostamente desviado só se observa na Tabela 28, pagina 76 do apenso 97. É exatamente na avaliação desta tabela que se centrou a defesa de Flávio Conceição de Oliveira Neto, mostrando que, a forma de cálculo feita pelo MPF despreza a lógica a coerência e o pior, esconde a informação mais Importante a de que o TCU analisou cada um dos itens a que se refere a CGU como Irregular. A míngua de uma prova sólida de que houve público, falece à Acusação a prova de Materialidade do delito Indicando que não há justa causa para o início da Ação Penal.” (p. 7.034-7.035). 124 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 4. “f ”. - AS PROVAS DO RECEBIMENTO DE SUBORNO/ PROPINA – MATERIALIDADE Para a defesa, três das provas da materialidade utilizadas pelo MPF para embasar o oferecimento de denúncia contra o ora acusado já foram combatidas, sendo demonstrada a nulidade das interceptações telefônicas, da denominada “agenda do Gil” e o relatório elaborado pela CGU. A “agenda do Gil”, utilizada pelo parquet para fundamentar a acusação de prática do crime de corrupção passiva por parte do denunciado, revela-se prova imprestável porque: a) o suposto volume de dinheiro entregue ao denunciado nunca foi rastreado pelo MPF; b) a quebra dos sigilos fiscais e bancários não revelou qualquer indício de prática criminosa por parte do denunciado. 5. TIPIFICAÇÃO DOS DELITOS PECULATO E CORRUPÇÃO PASSIVA X COMPETÊNCIA FUNCIONAL Defende que a caracterização dos delitos de peculato e corrupção passiva exige a demonstração de nexo causal entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência. Cita a AP n. 307-3, rel. Min. Ilmar Galvão. Afirma não haver possibilidade do denunciado responder pelo delito de corrupção passiva, por falta do liame subjetivo entre sua conduta e a tipificação do crime. Considera como necessária a realização de um ato administrativo, mas este se encontra fora da esfera de competência do denunciado que, no cargo de Secretário-Chefe da Casa Civil, não detinha ingerência sobre o contrato assinado com a Gautama, diretamente ligado à Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso, empresa estatal em que o Estado de Sergipe é acionista majoritário. A denúncia, segundo a defesa, não especificou a forma como se deu a participação do denunciado na liberação de medições fraudulentas em favor da empresa Gautama. Sustenta que restou demonstrado o nexo de causalidade entre a função exercida pelo acusado e o modus operandi do delito, sem outras explicações, razão pela qual pugna pela rejeição da exordial oferecida. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 125 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PECULATO E A APROVAÇÃO DO TCU - CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA ACUSAÇÃO O denunciado alega que “Muito tem se discutido sobre a possibilidade de abertura de processo criminal contra Servidor Público sem que antes seja apreciado pelo órgão de Controle as prestações de contas da Administração Pública.” (...) Não que se pretenda aguarda a posição do Tribunal de Contas da União para que exista a condição de procedibilidade da ação, isso porque já existem várias decisões do TCU em apreciação do Contrato n. 110/01 que é o elo de ligação entre a Construtora Gautama e a Deso. Em todas as decisões se observa a aprovação do TCU pela legalidade dos atos administrativos referentes ao Contrato n. 110/01. Assim, Já há um elemento de ordem técnica, emanado de órgão de controle que aprova os atos jurídicos que envolvem a relação jurídico-administrativa em contestação aqui neste processo. Motivo pelo qual está ausente o elemento objetivo do tipo penal que é o dano material efetivamente comprovado.” (p. 7.043-7.044). PREVARICAÇÃO O denunciado refuta a acusação de prática do delito de prevaricação. Para tanto invoca entendimento do Tribunal de Contas Estadual sobre o contrato em apreciação, quando a sessão plenária proclamou desnecessário o Estado gastar recursos para a realização de um auditoria no Contrato n. 110/01, se o órgão de controle era o próprio TCE. Naquele instante, disse a defesa, o TCE não foi instado a se pronunciar sobre qualquer contrato de interesse da Gautama. 6. UMA CONDUTA, UM FATO, VÁRIAS PENAS O denunciado alega que o MPF, a partir de uma única conduta, imputa ao acusado a prática de 02 (dois) delitos, quais sejam, corrupção passiva e peculato, incorrendo, portanto, na prática de bis in idem, medida vedada pela legislação penal. Afirma que “o fundamento da proibição do bis in idem reside na necessidade de segurança jurídica, como uma limitação ao poder punitivo estatal, considerando 126 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL o caráter repressivo do Direito Penal, assim como na idéia de que a cada indivíduo será aplicada a sanção correspondente e suficiente para os seus atos (princípio da proporcionalidade). No caso em tela, a partir da mesma descrição fática (causa de pedir), pretende o Ministério Publico a condenação do Acusado em dois tipos diversos, peculato e corrupção ativa, sem esclarecer que atos tipificariam um ou outro crime. Nem se venha dizer que, no caso em tela, ocorra concurso entre tais delitos. Isto porque o concurso dos crimes imputados ao acusado é absolutamente impossível. No crime de peculato o funcionário público beneficia a si ou a terceiro, com a inversão da posse ou do desvio de bem de que tem posse em razão do exercício de sua função, o recebimento de valores decorrentes deste ato não caracteriza o delito de corrupção passiva. Trata-se, na verdade, de uma questão de adequação tipica. Em outras palavras, ou através da conduta descrita na denúncia o Acusado teria participado do desvio de recursos públicos, praticando o crime de peculato, ou teria oferecido ou prometido vantagem indevida à funcionário público para que o fizesse, praticando corrupção ativa, jamais as duas, seja em concurso material ou formal.” (p. 7.046). 7. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO O denunciado defende a aplicação do princípio da consunção, sob o argumento de que a “hipótese elencada no item 6. desta peça demonstra que, em verdade, se estar diante de uma única conduta, partindo da tese de que efetivamente, houve ilicitude. A própria denúncia demonstra que o suposto objetivo da suposta Orgamzação Criminosa seria o de Peculato, ou seja, realizar o desvio de recursos públicos, através do Contrato n. 110/01 celebrado entre a Gautama e a Deso. Nesta linha, o crime-fim sena o peculato. A existência de uma ou mais infrações penais que servem de meios necessários, ou seja, normais fases preparatórias ou de execução, para a prática de uma outra, mais grave que aquelas, implica num tratamento diferenciado da Norma Penal. Assim, quando uma ou mais infrações penais figuram unicamente como meios ou fases necessárias para a consecução do crime-fim, ou quando simplesmente se resumem RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 127 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a condutas, anteriores (antefactum) ou posteriores (postfactum), do crime-fim, estando, porém, insitamente interligados a este, sem qualquer autonomia portanto (pois o contrária daria margem ao concurso real de crimes), ou quando ocorre a chamada progressão criminosa (mudança de finalidade ilícita pelo agente), o agente só teria incorrido no tipo penal mais grave.” (p. 7.047). CONCLUSÃO DA DEFESA Ao final, requer, preliminarmente, a averbação do impedimento da relatora e, no mérito pede o expurgo das provas obtidas ilegalmente (interceptações telefônicas e aquelas decorrentes de busca e apreensão deferidas por magistrado incompetente) com a consequente rejeição da exordial acusatória. II) ZULEIDO SOARES VERAS (FL. 6.336-6.757) Neste relatório faço o resumo das alegações formuladas por este denunciado e que guardam relação com as provas colhidas neste Inq. n. 544-BA e com os delitos imputados ao acusado no denominado “Evento Sergipe”. II – PRELIMINARES II.1. NULIDADE DO PROCESSO - ILICITUDE DA PROVA O denunciado alega a nulidade das interceptações telefônicas realizadas e, consequentemente, de todas as demais provas produzidas no inquérito, ao argumento de ter sido o sigilo telefônico quebrado por ordem contrária ao disposto na Lei n. 9.296/1996. II.1.1. DA AUSÊNCIA DE DEGRAVAÇÃO Segundo o acusado a transcrição dos diálogos não foi inicialmente trazida aos autos, sendo juntada somente após o oferecimento da denúncia, sendo degravados apenas os diálogos reputados importantes para a acusação. Neste ponto, cita alguns diálogos mencionados na denúncia, mas não degravados ou examinados por peritoexordial acusatória, não teriam sido degravados tampouco examinados por perito, regra prevista no art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996. Para ele a ausência da degravação das interceptações viola o princípio do contraditório e induz à nulidade do processo. 128 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Em um segundo ataque às interceptações diz ser esta a única prova produzida nos autos, sem a oitiva de uma única testemunha ao longo dos 150 volumes do feito. Assevera, ainda, que as interpretações de diálogos realizadas pela Polícia Federal ao longo da Operação Navalha não são confiáveis, pois em processo administrativo instaurado perante a Polícia Federal, alguns diálogos interceptados tiveram seus conteúdos distorcidos pelo agente que realizou a interceptação. Neste ponto, cita depoimentos prestados por policiais no curso do procedimento administrativo instaurado na Polícia Federal, constatando-se ainda a existência de interpretações divergentes utilizadas de má-fé. Assim, enquanto no Relatório de Inteligência Policial n. 03 (datado de 26.3.2007) consta ser o diálogo interceptado às 16:44h de Luiz Caetano, então Prefeito do Município de Camaçari-BA, o mesmo diálogo é posteriormente incluído na representação de prisão formulada pelo MPF às fl. 290, desta vez constando que a conversa teria sido mantida por Antonio Calmon, então Prefeito do Município de São Francisco do Conde-BA. Também afirma ter a Polícia Federal constado como conversa fez constar que, na conversa de Luiz Caetano, a menção a uma viagem realizada entre os dias 20 e 23 de março de 2007. Mas a Polícia Federal utilizou-se do mesmo diálogo para dizer que a viagem fora realizada pelo Prefeito Antonio Calmon, entre os dias 27 a 29 de março de 2007. E conclui: a distorção é gravíssima pois o Evento Camaçari foi “exatamente o que deu origem às demais investigações contra a Construtora Gautama. O Prefeito daquela cidade foi incriminado e preso na Operação navalha, sob a acusação de haver recebido uma passagem aérea como pagamento da propina! Na verdade, como será amplamente demonstrado em tópico próprio, a passagem se destinava ao Sr. Antonio Calmon, e não era pagamento de propina alguma! As equivocadas ilações, conclusões, inferências, interpretações da Polícia Federal acabaram por causar um mal maior. Não há dúvida de que a Justiça foi enganada e a opinião pública levada a crer em fatos absolutamente mentirosos! Como se vê, a auséncia de degravação dos diálogos não apenas viola o disposto na Lei n. 9.296/1996, como, no caso concreto, coloca sob suspeição toda a prova, eivando de nulidade o presente processo.” (fl. 6.348-6.349). II.1.2. DA AUSÊNCIA DE ÁUDIO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 129 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Detendo-se ainda na prova de interceptações, refere-se a defesa a diálogos mencionados na denúncia e não localizados pela defesa, impedindo o exame da autenticidade da prova. II.1.3. DA AUSÊNCIA DE OUTROS DIÁLOGOS QUE NÃO INTERESSAVAM AO PROPÓSITO DELIBERAR DE ACUSAR Mais uma vez em ataque às interceptações diz terem sido gravados diálogos mantidos pelo acusado com familiares e engenheiros da Gautama (conversa em que restou debatido o risco da empresa sofrer prejuízo na execução do Programa Luz para Todos no Estado do Piauí), mas esses diálogos não foram disponibilizados não foram disponibilizados à defesa, sendo inadmissível escolha a acusação os diálogos que servem a seu intento, descartando as demais em contrariedade ao art. 9º da Lei n. 9.296/1996. II.1.4. DO NECESSÁRIO APENSAMENTO DO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AOS AUTOS DO INQUÉRITO - CONTRADITÓRIO DIFERIDO IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DA LEGALIDADE DA PROVA O denunciado afirma não constar dos autos o procedimento das interceptações telefônicas, em infringência ao contraditório. E assevera: “o que se tem quanto à 1ª fase da operação, quando esta era dirigida pelo Juiz Durval Carneiro Neto na Bahia, são alguns de seus despachos, por ele próprio anexados ao processo, com o objetivo de informar a Sra. Ministra relatora quanto às acusações contra ele formuladas, não tendo sido juntada sequer a primeira ordem de interceptação. Estes despachos formaram o apenso 76 dos autos. No entanto, como se pode observar, além de o apenso não trazer todos os despachos, também não traz os documentos que os embasaram, condição que torna nulo todo o processo.” (fl. 6.354). II.1.5. DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS BÁSICOS DA MEDIDA CAUTELAR Além dos vícios formais a interceptação foi concedida sem preencher os requisitos substanciais: perigo na demora e fumaça do bom direito. Segundo alega, o seu sigilo telefônico foi autorizado antes de instaurada investigação prévia. À época, investigava-se envolvimento de policiais federais com grupo de empresários baianos do ramo de fornecimento de mão-de-obra, 130 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL conhecido como G-8, do qual o acusado não fez parte, sendo o Juiz Federal, responsável à época pela condução do inquérito, induzido a erro por uma série de equívocos da Polícia Federal. Tanto que uma das decisões autorizando a interceptação telefônica do acusado teve como fundamento a realização de pagamentos feitos pelo denunciado a Francisco Catelino e Joel Almeida Lima, quando não mais integravam eles os quadros da Polícia Federal, sendo contratados pela Gautama com o fim de representar judicialmente a empresa. II.1.5.a.1. ABRA-SE UM PARÊNTESE: O EVENTO CAMAÇARI Afirma que as interceptações telefônicas do denunciado tiveram início no denominado “Evento Camaçari”, momento a partir do qual a Polícia Federal levou o Juiz de 1º Grau a acreditar que estaria havendo a prática do crime de fraude à licitação. Dentre todos os eventos investigados, para o denunciado é emblemática a confusão realizada pela autoridade policial no que diz respeito ao Município de Camaçari-BA. Primeiro porque os fundamentos invocados pelo MPF para subsidiar o pedido de prisão encaminhado à relatora não procedem, despida de justa causa a acusação contra o arquiteto Flávio Candelot, apontado como corruptor de servidores do Município de Camaçari-BA, para direcionar recursos federais para a empresa Gautama. Segundo afirma, o engenheiro Flávio Candelot é arquiteto, com excelente curriculo onde figura sua passagem por diversos cargos públicos de destaque na Administração, dentre eles o de Diretor de Habitação da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano no governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, deixando o serviço público por problemas de saúde, quando então passou a integrar os quadros da Gautama, para agilizar, com a sua experiência, a obtenção de recursos para obras já contratadas pela empresa. Assevera que o citado arquiteto tinha a função de “descobrir recursos que pudessem se encaixar em obras que estavam sendo realizadas pela construtora a fim de que estes pudessem ser legitimamente obtidos pelos órgãos públicos respectivos e a obra pudesse ser executada. O objetivo da Gautama, portanto, era auxiliar os entes públicos a descobrir e obter verbas para a realização de contratos já licitados, mas que, muitas vezes, não eram executados por falta de recursos. A assessoria prestada por Flavio Candelot, por sua vez, era absolutamente legítima, não havendo qualquer irregularidade na sua contratação. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 131 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No caso do Município de Camaçari, o primeiro grande equívoco cometido pela Polícia Federal foi admitir, sem realizar qualquer investigação, que a Gautama não tivesse contrato com o Município e que, portanto, os diálogos captados entre Zuleido e Flávio Candelot teriam como mote obter verbas para que fosse realizada e fraudada licitação”. (p. 6.363). O denunciado rejeita a acusação de que mantinha conversas sobre desvio de verbas com Flávio Candelot. Aduz que os diálogos mantidos com este arquiteto tinham por escopo detectar recursos federais passíveis de direcionamento para o Contrato n. 405/99 firmado entre o Município de Camaçari e a empresa Gautama. O denunciado cita o diálogo interceptado no dia 28.4.2006 (17:35h) como exemplo de equívoco de interpretação por parte da Polícia Federal. No diálogo Flávo Candelot informa a Rodolpho que o recurso para pagamento do contrato estava empenhado pela Surep, informação técnica sobre o andamento do processo de liberação de recursos, legitimamente obtida junto ao órgão competente. Neste diálogo, diz o denunciado: “Como será visto adiante, Rodolpho acaba por interpretar equivocadamente o diálogo, na medida que entende ter sido liberado quatro milhões, quando Flávio Candelot queria dizer que havia sido liberado o correspondente a quatro municípios. Logo em seguida Rodolpho telefona para Everald, sub-secretário de obras do Município de Camaçari, transmitindo a notícia repassada por Flávio Candelot (28.4.2006 17:49:09). (...) Mais uma vez nenhuma ilegalidade se pode extrair do diálogo em que Rodolpho apenas retransmite a informação recebida de Flávio Candelot da forma como a havia compreendido. Cerca de 15 dias depois, em 3 de maio de 2006, Rodolpho volta a falar com Flávio Candelot sobre o assunto: (...) Observe-se que Flávio Candelot procura orientar, por meio de seus conhecimentos tecnicos, que deveria ser respeitada a formalidade legal do processo, sem qualquer ilegalidade. Pelo diálogo transcrito a seguir, não resta dúvida que o recurso ainda não estava efetivamente liberado para repasse, visto que ainda era necessária a apresentação d Plano de Trabalho, Projeto e toda documentação exigida pela CEF. (...) 132 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Percebe-se mais uma vez que Rodolpho apenas pergunta a Flávio Candelot sobre o andamento do processo. Flávio Candelot, mais uma vez, responde tecnicamente, dizendo que o recurso pode ser encaminhado para a CEF regional (ficar lá) ou pode ser que o recurso fique na CEF (em Brasília) e vai sendo encaminhado para a CEF regional conforme medição.” (p. 6.364-6.366). Em suma, o denunciado cita diversos diálogos que, na sua ótica, foram utilizados pela Polícia Federal para demonstrar a prática de crimes por Flávio Candelot. Para ele a Polícia Federal deturpou a interpretação de diversos diálogos ocorridos no “Evento Camaçari”, pois não houve repasse algum de verba indevida à Gautama, neste episódio. II.1.5.b. AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA - DO ENCONTRO FORTUITO DE OUTROS FATOS E SUA UTILIZAÇÃO COMO NOTITIA CRIMINIS O denunciado sustenta a ilicitude das interceptações telefônicas, considerando não hábil para subsidiar a imputação o encontro fortuito de provas, feita pelo MPF. Aduz que os crimes imputados ao denunciado são absolutamente diversos dos objeto da investigação, quando do deferimento da interceptação telefônica, o que caracteriza novação do objeto da interceptação, fato que, na ótica do acusado, deslegitima a prova. Afirma que não existe conexão, tampouco continência, entre o fato inicialmente investigado e os delitos imputados ao acusado e demais funcionários da empresa Gautama. Aduz que “A Operação Navalha iniciou-se através de investigação desenvolvida pela Força Tarefa Previdenciária no Estado da Bahia, em operação rotulada de ‘Octopus’. Esta operação - Octopus - investigava a suposta prática de fraudes previdenciárias, sonegação fiscal e liberação indevida de CND´s, além de crimes contra a administração pública, praticados pelos sócios de 08 (oito) empresas do ramo de prestação de serviços com fornecimento de mão-de-obra na Bahia, daí o nome de ‘Octopus’, em alusão aos 08 (oito) tentáculos de um polvo. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 133 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No curso dessa operação, passou-se a investigar o envolvimento de delegados e agentes da própria Polícia Federal com membros da suposta organização criminosa, o que gerou a nova operação denominada de ‘Navalha’, numa clara alusão de que a PF pretendia cortar na própria carne”. (fl. 6.392). O denunciado, então, discorre sobre o trâmite da investigação e o desvio de foco da Operação Navalha que passou a investigar a conduta do denunciado e dos funcionários da empresa Gautama. II.1.6 - DA IMPOSSIBILIDADE DO USO DE INTERCEPTAÇÃO PARA CRIMES PUNIDOS COM PENA DE DETENÇÃO O denunciado defende a nulidade das provas colhidas por meio do afastamento do sigilo telefônico, sob o argumento de que as primeiras interceptações foram deferidas pelo Juízo Federal de 1º Grau em razão de suposta prática de crime de fraude à licitação, delito sujeito a pena de detenção, contrariando o disposto no art. 2º, III, da Lei n. 9.296/1996. II.1.7. DA POSSIBILIDADE DE INVESTIGAR UTILIZANDO OUTROS MECANISMOS DISPONÍVEIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO O denunciado sustenta que as medidas tomadas pelo Juízo Federal de 1º Grau contrariaram o art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996, pois a investigação acerca da prática de crimes de fraude à licitação poderia ser levada a termo por meios menos invasivos que a interceptação telefônica. II.1.8. DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NO DESPACHO INICIAL DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PELO STJ Entende a defesa ser deficiente a fundamentação apresentada pela relatora para justificar a medida restritiva de liberdade, concedida porque houve irregularidade na emissão de de CND´s e Certidões Positivas com efeito de Negativas, em favor de empresas investigadas pela Polícia Federal, pois tudo se dirigia às investigações do grupo denominado G8, atuante no Estado da Bahia, nada havendo contra a Gautama. II.1.9. DA AUSÊNCIA DE F UNDAMENTAÇÃO PARA A PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS 134 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Reportando-se às 06 (seis) decisões de prorrogação das interceptações telefônicas, (fl. 133, 147, 171, 210, 238 e 255), com inclusão de novos terminais, afirma serem decisões violadoras do o art. 5° da Lei n. 9.296/1996, por falta de fundamentação. II.1.10. DO PRAZO MÁXIMO PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA Afirma ter o monitoramento telefônico dos investigados perdurado por mais de 01 ano e meio, afrontando o art. 5º da Lei n. 9.296/1996. Neste ponto, alega que a legalidade e a fundamentação da prorrogação das interceptações não podem ser verificadas, sob o argumento de que o procedimento de quebra de sigilo telefônico não foi juntado aos autos. II.1.12. DA ILICITUDE DA PROVA FACE À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Alegando serem nulas as provas colhidas no inquérito, no período compreendido entre os meses de maio e novembro de 2006, porque obtidas com base em decisão do Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, argumenta ser a autoridade de piso incompetente para conduzir inquérito no qual constavam investigados com foro privilegiado. Basta verificar que na primeira instância foram investigados o então Governador do Estado do Maranhão ( José Reinaldo Tavares), seus Secretários Ney Bello e Ulisses César e o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (Flávio Conceição). II.2. DA NULIDADE DA PROVA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E DE TODAS AS PROVAS DELA DECORRENTES Defende a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, aduzindo, para tanto, que as provas derivadas das colhidas por meio de ilegais interceptações telefônicas devem ser desentranhadas dos autos. II.3. DOS RELATÓRIOS POLICIAIS APÓCRIFOS O denunciado defende a exclusão dos autos dos seguintes relatórios: a) Informação Policial n. 5/2007 (fl. 67 do apenso 02); RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 135 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA b) Informação Policial n. 10/2007 (fl. 83 do apenso 03); c) Informação Policial n. 17/2007 (fl. 97 do apenso 03); d) Informação Policial n. 25/2007 (fl. 77 do apenso 04); e) Informação Policial n. 27/2007 (fl. 89 do apenso 04); f ) Informação Policial n. 31/2007 (fl. 96 do apenso 04); g) Informação Policial n. 32/2007 (fl. 102 do apenso 04); h) Informação Policial n. 33/2007 (fl. 111 do apenso 04); i) Informação Policial n. 35/2007 (fl. 113 do apenso 04); j) Informação Policial n. 36/2007 (fl. 118 do apenso 04); k) Informação Policial n. 29/2007 (fl. 83 do apenso 05); l) Informação Policial n. 40/2007 (fl. 86 do apenso 05); m) Informação Policial n. 41/2007 (fl. 88 do apenso 05); n) Informação Policial n. 42/2007 (fl. 92 do apenso 05). II.4. DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA LEI N. 9.034/1995 NO CASO CONCRETO Para a defesa a decisão de fl. 104-106, ao determinar a investigação pelo método da ação controlada, contra o denunciado, acabou pior provocar uma nulidade, por ser inaplicável á espécie a determinou que a investigação conduzida nestes autos em face do denunciado fosse desempenhada por meio do método denominado de ação controlada. Defende a inaplicabilidade da Lei n. 9.034/1995 em relação ao acusado, porque autorizado a partir de elementos estranhos àqueles que lhe foram imputados. II.4.1. DA NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N. 9.034/1995 Também entende inaplicável a Lei n. 9.034/1995 por ser ela manifestamente inconstitucional (por não descrever o significado de organização criminosa), inexistindo os requisitos necessários para a qualificação de organização criminosa, como consta da doutrina. 136 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL II.4.2. DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL Defende a inaplicabilidade da Lei n. 9.034/1995, sob o argumento de que a organização criminosa não encontra conceituação na legislação penal, fato que viola o princípio da reserva legal. II.4.3. DA DISTINÇÃO ENTRE A CONDUTA TÍPICA DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO E O CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Para a defesa os conceitos de quadrilha e organização criminosa são distintos, fato que torna inaplicável a Lei n. 9.034/1995. Sustenta que a organização criminosa é ordenada nos moldes de um empresa voltada para o crime, contando com divisão de funções, hierarquia, diversidade de atividades ilícitas, violência, promiscuidade com o Estado e controle territorial, características não apontadas na exordial acusatória, sendo a organização criminosa um plus em relação à quadrilha ou bando. II.5. DO CERCEAMENTO DE DEFESA O acusado afirma que “Desde a deflagração do ato de prisão dos envolvidos e a busca e apreensão de documentos, o presente processo vem sendo marcado pelo cerceamento de defesa. Com efeito, já naquele primeiro momento os advogados foram impedidos de ter acesso a seus clientes, necessitando da intervenção da OAB nesse sentido. (...) Por ocasião da realização da presente resposta, a defesa voltou a encontrar inúmeras dificuldades que representam, sem dúvida, cerceamento de defesa. Uma delas foi a não apresentação impressa dos diálogos constantes de CD identificado com anexo XXIII da denúncia. Cópia deste CD foi disponibilizada à defesa e verif ica-se que esta traz degravações de diálogos interceptados. O mencionado CD, todavia, não permite que o seu conteúdo seja impresso! Pior do que isso, não permite nem ao menos que seja copiado para outro arquivo, ou mesmo que seja pesquisada uma palavra nele lançada. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 137 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Além disso, os diálogos que são apresentados em 1.223 páginas não estão organizados por ordem cronológica, mas sim de acordo com a conveniência da própria acusação com os seguintes marcadores: (...) A forma de apresentação dos diálogos obriga a defesa a ser obrigada a ler todas as 1.223 folhas do anexo para localizar um diálogo. Pior do que isso, não permite que a defesa realize qualquer anotação ou sequer grifo em material próprio, exigindo que o advogado copie manualmente os trechos de depoimentos que lhe interessarem para depois digitá-los para sua petição. Um absurdo!” (p. 6.443-6.444). II.6. DA AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE II.6.1. RELATÓRIOS DA CGU - AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS QUE O EMBASAM O denunciado alega que, à exceção do denominado Evento Maranhão, o único documento utilizado pelo MPF para subsidiar a acusação apresentada contra o acusado nos Eventos Sergipe, Alagoas e Luz para Todos foi o Relatório de Ação de Controle n. 00190.034133/2007-74, elaborado pela CGU, material só trazido com a denúncia. Sustenta que a acusação lançada contra o denunciado carece de materialidade, pois só juntados aos autos os documentos utilizados pela CGU para respaldar as conclusões apontadas no mencionado Relatório, fato que dificultou o trabalho da defesa. II.6.2. DA AUSÊNCIA DE JUNTADA DOS DOCUMENTOS APREENDIDOS PELA POLÍCIA FEDERAL O denunciado afirma que os documentos obtidos pela Polícia Federal em razão do cumprimento de ordem de busca e apreensão não foram juntados aos autos. Assevera que a única menção à existência deles encontra-se no “Auto de Apreensão Complementar e Análise de Dados”, elaborado pela Polícia Federal. Tais documentos, elaborados e examinados pela Polícia Federal, não foram juntados aos autos, o que leva à falta de materialidade da acusação lançada pelo parquet. 138 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL III.2. DO EVENTO SERGIPE Para o denunciado é a denúncia inepta e temerária, porque a acusação formulada pelo MPF, afirmando ter sido fraudada a licitação da Adutora do São Francisco, com o fim de beneficiar a construtora Gautama, está lastreada em Relatório da CGU que, como já mencionado, veio aos autos desprovido de demonstração probatória do seu raciocínio. A ausência dos elementos que embasaram a elaboração do relatório implica em falta de justa causa para a acusação. E arremata a defesa, reiterando argumentos em torno da invalidade dos elementos obtidos por meio da interceptação telefônica, medida que, segundo o denunciado, é ilegal por não ter sido deferida por Juiz competente. III. 3.1. OS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA, PECULATO E CORRUPÇÃO O acusado rejeita também a acusação de peculato, argumentando não ter procedente a alegação do MPF de ter o acusado apresentado planilhas de preços com muita semelhança às planilhas apresentadas pela Enpro. Argumenta que a Enpro não apresentou planilhas de preços para a fase de licitação da obra, realizou apenas o projeto executivo. No que diz respeito à afirmação de conter a licitação cláusulas que restringiram o caráter competitivo do certame, lembra o denunciado ter o TCU examinado a licitação por diversas análises, sem detectar qualquer irregularidade. Cita o processo TC n. 005.054/2001-2. Nega a procedência da acusação de que, em razão de aditamentos e alterações de planilhas, houve o desvio de R$ 178.000.000,00 em favor da Construtora Gautama, muito embora o TCU tenha examinado o caso, sem apontar irregularidade (p. 6.663). Também neca o denunciado ter se associado a agentes públicos e terceiros com o fim de viabilizar o desvio de dinheiro da obra contratada e que a empresa Poloeste - Inspeção Assessoria e Serviços Técnicos Ltda. foi contratada com o objetivo de realizar a fiscalização e medição da obra. Rejeita a acusação de que teria mantido diálogos com João Alves Filho, João Alves Neto e Flávio Conceição com o fim de propiciar o desvio de verba pública. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 139 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Afirma que jamais manteve contato pessoal com Max Andrade e que os contatos com Gilmar Mendes, Vitor Mandarino, Kleber Curvelo, Renato Garcia e Sérgio Leite foram levados a termo com o fim de receber o valor pelos serviços prestados pela Gautama. Alega que manteve contato com Ivan Paixão com o único propósito de viabilizar que a obra da adutora do rio São Francisco não ficasse paralisada por inércia do Poder Público Federal. Aduz, ainda, que, à época do suposto repasse de vantagem indevida (setembro de 2006), Ivan Paixão não ocupava nenhum cargo público. O denunciado alega que é amigo íntimo de Flávio Conceição há muitos anos e este Conselheiro do Tribunal de Contas não possui atribuições relacionadas ao procedimento corrente na Deso e jamais efetuou pagamento a terceiros em nome da Gautama. III. 5. DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS AO ACUSADO III. 5.1. DA ACUSAÇÃO DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA O denunciado afirma que o o MPF não descreveu qualquer conduta hábil a enquadra-lo como integrante de quadrilha, delito que exige para configuração configuração existência de dolo como elemento subjetivo, fato que não ocorre no caso dos autos. Assevera que o relacionamento existente entre o denunciado e os demais diretores da Gautama é de natureza estritamente profissional, não havendo qualquer conotação criminosa. III. 5.2. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM O denunciado sustenta que o delito de peculato é crime próprio, razão pela qual só pode ser cometido por funcionário público. Como o denunciado não é funcionário público, não pode ser a ele imputado por meio de concurso de pessoas, fato não mencionado na denúncia. Defende a rejeição peça ministerial, no que tange ao delito de corrupção passiva, aduzindo, para tanto, que não há na denúncia qualquer indicativo de que o denunciado teria oferecido ou prometido vantagem a quem quer que seja. 140 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Afirma que o MPF, a partir da mesma descrição fática (causa de pedir), imputa ao denunciado a prática de 02 delitos diversos, fato não autorizado pela legislação penal, por ofender o princípio do non bis in idem. IV - DO PEDIDO Ao final, requer, preliminarmente, seja reconhecida a inépcia da denúncia e a ilicitude das provas apresentadas e no mérito requer a rejeição da exordial acusatória, nos termos do art. 43, I, do CPP e do art. 6º da Lei n. 8.038/1990. III) RENATO CONDE GARCIA (FL. 4.161-4.180) O denunciado sustenta serem corriqueiros os pedidos de prorrogação de prazo para conclusão de obra pública, durante a execução, principalmente provocado por fatos aleatórios, não previsiveis, levando ao atraso a execução do serviço. Os termos de rerratificação, mencionados pelo MPF na peça exordial, com alterações contratuais de competência exclusiva da administração superior da Deso, não escapam da alçada do fiscal da obra e que, portanto, não podem ser atribuídos ao acusado. Passa o denunciado, então, a examinar cada termo de Rerratificação e Aditivo do Contrato, objetivando demonstrar a falta de justa causa da ação penal proposta pelo MPF. 1º TERMO DE RETIFICAÇÃO Disse a defesa que o termo do contrato e do aditamento foi assinado em razão da determinação do TCU, não havendo participação do acusado nesses atos. 2º TERMO DE RETIFICAÇÃO Afirma ter participado das análises pertinentes às modificações implementadas por meio da rerratificação assinada em 27.7.2003, alterações levadas a termo com o fim de proporcionar expressiva economia à Deso. 3º TEMO DE RERRATIFICAÇÃO RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 141 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em 3.5.2004 foi assinado novo Termo de Rerratificação, pela necessidade de revisão da planilha de quantitativos apresentada pela Enpro, mas o valor global do contrato permaneceu inalterado em R4 103.-64.249,67. 4º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO Assevera não ter participado da elaboração do 4º Termo de Rerratificação, assinado em 31.5.2004, em cumprimento às exigências emanadas do acórdão do TCU n. 257/2004. 5º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO Com referência a este Termo, disse a defesa ter sido elaborado para permitir o funcionamento do 6º conjunto elevatório, com a introdução de motorizarão nas válvulas de bloqueio de tubulação duplicada de captação, até então não prevista no projeto. Conclui pela necessidade de se fazer alterações pontuais em qualquer projeto de engenharia, com a também alteração do valor global do contrato que de R$ 103.064.249,67 passou para R$ 105.136.916,44. 1º TERMO ADITIVO Em 8.4.2005 foi firmado um termo aditivo, acrescendo o prazo contratual em 03 meses, adiamento que se deu pela demora da Deso em retirar invasores da faixa de domínio. 6º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO Mais um Termo de de Rerratificação é assinado em 6.6.2005, tendo por base relatório circunstanciado do Diretor Técnico à época, com a decisão de ser feito um acréscimo no qual se decidiu pela feitura de um acréscimo de quantidade, mais 9.730 metros de tubulações, o que implicou na prorrogação do contrato de 03 para 15 meses. Afirma não ter participado da elaboração desse termo, o qual se deu por decisão exclusiva da Deso, diante de diversos vazamentos provocados por corrosão extraordinária dos tubos de antiga adutora. 2º TERMO ADITIVO 142 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Coube a este denunciado, Ricardo Conde Garcia, opinar favoravelmente à prorrogação do contrato por mais 90 (noventa) dias, por ter havido paralização da obra por 60 (sessenta) dias, em cumprimento a decisão do TCU. 3º TERMO ADITIVO Na qualidade de fiscal, cumpriu este denunciado sua obrigação ao concordar com o 3º Termo Aditivo, para salvaguardar os interesses da Deso no sentido de serem feitos todos os testes de monitoramento, sem deslize algum ou vantagem indevida concedida pelo denunciado à empresa contratada. Refuta as acusações lançadas na exordial acusatória, aduzindo que o relatório da CGU é desfigurado de base técnica, como por exemplo o item 10 da denúncia demonstra os repetidos equívocos da CGU, ao denominar de “medições fraudulentas” aquelas atestadas após o assentamento dos 42.585 metros, ssem levar em conta o 6º Termo de Rerratificação, quando foram acrescentados mais 9.730 metros de montagem e assentamento de tubulações. O denunciado apresenta defesa em relação aos itens de n. 1, n. 2, n. 3 e n. 10 da denúncia, afirmando terem os analistas da Controladoria visitado a obra, em companhia do denunciado, com completo acesso às plantas do Projeto Técnico, no qual estão marcados os estoqueamentos de 20 em 20 metros e as referências de campo. Tais pontos também estão nas plantas do Projeto de Ampliação da Adutora do São Francisco - 2ª Fase da 2ª Etapa (anexo 6) identificando as posições do início e fim dos trechos duplicados, a saber: 1) Trecho de Recalque - em tubulação de aço de 1.000mm, se inicia na estaca 0 localizada na estação elevatória, na margem do rio São Francisco bem próximo a uma torre de aço de 20 metros de altura denominada tecnicamente de TAU n. 01. 2) Trecho de Gravidade I - em tubulação de aço de 1.200mm, que se inicia na área da caixa de passagem, estaca 0 e vai até a interligação com a adutora antiga. 3) Trecho de Gravidade II - em tubulação de aço de 1.200 mm, que se inicia na área da caixa de Quebra-Carga e vai até a estaca localizada na interligação com o trecho já duplicado na 1ª etapa. E conclui que, somados os trechos indicados, chega-se a um total de 52.311,34 metros de tubulações assentadas e em plena execução. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 143 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Segundo a Controladoria foram pagos 52.867,50 metros de tubulações, diferença resultante das declividades, perdas nos cortes de tubos para emendas, etc., perfazendo uma diferença menor que 1%, inteiramente compatível com as normas do projeto. Informa que a CGU só recentemente esteve auditando o contrato e o fez uma única vez, desconsiderando todas as auditorias realizadas na obra pelo TCU, em número de 07, desde a celebração do contrato (fl. 4.169). O denunciado rejeita a acusação formulada pelo parquet (item 4) quanto a preços superfaturados dos tubos, pagos antes da aquisição pela Gautama e afirma não ter atestado medições por serviços e/ou fornecimentos não realizados. Assevera que o TCU - órgão encarregado de acompanhar e fiscalizar a execução da obra - não cogitou da realização de pagamento antecipado. Assevera que os engenheiros da CEF liberaram mais de R$ 94.000.000,00 a título de empréstimo tomado pelo Governo do Estado de Sergipe e em nenhum momento fizeram qualquer reparo ao pagamento antecipado. Quanto à acusação formulada no item 11 da exordial (de que o cálculo das medições relativas aos serviços de escavações são incompatíveis com os dados das sondagens realizadas ao longo do eixo da adutora), o denunciado afirma que a projeção da planilha de preços do relatório foi reduzida de R$ 128.432.160,59 para R$ 126.907.452,67. Assevera que as planilhas dos projetos constituem apenas projeções dos serviços a serem executados no campo, podendo haver diferenças ou até mesmo equivocos nos levantamentos das quantidades dessas projeções. No que tange à acusação formulada no item 12 (de que não teria sido designada equipe de campo para o acompanhamento dos serviços e verificação dos quantitativos efetivamente executados), o denunciado rejeita a acusação de falta de fiscalização das obras. Assevera que, por diversas vezes, solicitou apoio aos Diretores da Deso, sendo então contratada empresa especializada em controle de qualidade, a Poloteste - Inspeções Assessoria e Serviços Técnicos Ltda. Alega que o TCU, a CEF e técnicos do Ministério da Integração Nacional atuaram como verdadeiras equipes de fiscalização de campo, levando a uma obra de qualidade, atendendo às especificações exigidas. 2º PARÁGRAFO 144 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O denunciado refuta a acusação lançada pelo MPF na folha 2.694 da denúncia, aduzindo que o parecer técnico apresentado pelo acusado com vistas a substituir a utilização de ferro fundido por aço carbonado no trecho Gravidade II foi elaborado por determinação do TCU (Processo n. 005.054/2001-2, anexo 3, item d). Assevera que foi a determinação do TCU deu ensejo à elaboração do 2º Termo de Rerratificação apenas, mas os estudos realizados pelo acusado resultaram em uma economia de R$ 2.466.365,86 (6,48%) do valor original contratado. 3º PARÁGRAFO Refuta o denunciado as acusações lançadas no último parágrafo da folha 2.694 da exordial, aduzindo que o engenheiro fiscal da obra não tinha condições de detectar as condições das tubulações antigas, pois elas estavam enterradas e em pleno uso. Sustenta, ainda, qualquer participação na feitura do 6º Termo de Rerratificação, documento elaborado pela Diretoria Técnica e acatado pelo Diretor Presidente da Deso, Termo apresentado ao TCU que o considerou como sendo documento válido, nos termos do Acórdão n. 2.293/2005 - Plenário (anexo 12). CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final, alega este denunciado ter o TCU acompanhado toda a execução da obra, em constantes auditorias, constatando, conforme consta das informações apresentadas pelo Diretor Presidente da Deso, terem sido plenamente executadas, estando em plena execução as obras previstas no Projeto Executivo da Adutora do São Francisco, razão pela qual defende a impropriedade do relatório da CGU. DO DIREITO Requer seja reconhecida a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a deflagração da ação penal, porque o denunciado apenas cumpriu o seu dever, como lhe exigia a função de fiscal da obras. Nega de forma peremptória desconformidade entre “a imputação assacada e os elementos probatórios, porque desconectados da realidade dos fatos. Tanto é verdadeira a alegação, assegura, que ao afirmar o MPF haver medições RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 145 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA fraudulentas, desconsiderou os 42.585 metros de tubos colocados a posteriori, omitindo os 9.735 metros constante no 6° Termo de rerratificação e arremata: “Não pode ser instruída aquela denúncia cuja documentação entra em contradição com ela própria e apresenta de manifesto a ausência de caracterização do delito. A acusação, portanto, resulta de dados inconsistentes, imprecisos e até contraditórios, conforme comprovado.” (fl. 4.175). Defende a rejeição da denúncia quanto ao delito de peculato, carente de substância e clareza, pois não explica o motivo da capitulação, além de deixar de individualizar de forma clara e precisa a participação de cada denunciado, dificultando o exercício da defesa. IV) KLEBER CURVELO FONTES (FL. 4.183-4.233) Afirma este acusado que o MPF não foi capaz de indicar prova para dar sustentação à acusação no sentido de ter o denunciado concorrido para o desvio de R$ 178.708.458,81 em prol da empresa Gautama. Também contesta a alegação quanto ao suposto desvio de 80% do valor da obra, mesmo porque, se assim fosse, o restante (cerca de R$ 45.912.331,78), não seria suficiente para cobrir o gasto com a execução do contrato. Afirma que o MPF pautou a denúncia em documento da CGU, elaborado de modo estático e com base na simples análise da licitação. Após tecer considerações sobre a missão constitucional da CGU e do TCU, o denunciado afirma terem ambos os órgãos atuado em intensidade e cronologia distintas. A CGU iniciou os trabalhos de auditoria pelo Contrato n. 110/01 em 2007, ocasião em que as obras já se encontravam concluídas e em plena execução, sem levar em consideração a atuação do TCU que, de forma dinâmica, acompanhou toda a execução do contrato desde a fase de licitação, realizando inspeções durante todo o transcorrer das obras, gerando 07 processos, 02 decisões e 08 acórdãos, abrangendo análises profundas relativas aos preços unitários de serviços e materiais, conforme tabela mencionada na fl. 4.189, cumprindo a Deso, rigorosamente, o determinado pelo TCU. No entender do acusado, a omissão no relatório da CGU ao trabalho do Tribunal de Contas, desqualifica aquele documento, por falta de substância” (fl. 4.189). Assevera que ficou estabelecido pelo TCU (Relatório Técnico AEP-01/01/ DT de julho de 2001) que a Deso, durante a elaboração do projeto executivo, faria os estudos necessários para consolidar a substituição do tipo de material 146 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (ferro fundido por aço soldável) na adutora - trecho Gravidade II e para a alteração do tipo de travessia do quilômetro 2,65 do trecho de recalque, sendo certo que o valor proposto pela Gautama foi reduzido de R$ 115.514.882,07 para R$ 107.458.567,58. Informa ter o TCU participado da fase pré-homologatória do processo licitatório e dos primeiros instantes da execução da obra, não sendo possível desconsiderar tal trabalho só elaborado após a conclusão total das obras licitadas e da entrada do sistema em operação normal. Em relação ao que consta contra ele na denúncia, disse que na condição de Diretor Técnico da Deso, repudia veementemente a alegação de que teria autorizado prorrogações de prazo do contrato e alterações contratuais para favoreceram à Gautama, como também majorou o contrato em mais de R$ 20.000.000,00, pelo 6º Termo de Rerratificação, anuindo ainda com os pagamentos superfaturados e com medições irregulares, ciente de que não existiam diários de obra tampouco equipe para a verificação dos quantitativos efetivamente executados. Defende-se dizendo que só assumiu o cargo de Diretor Técnico da Companhia de Saneamento de Sergipe em 6.1.2003, quando já ocorrida a licitação, firmado o contrato e efetuado o primeiro aditamento, não sendo demais transcrever a sua argumentação: “Quanto aos aditamentos contratuais firmados na gestão do denunciado e imputados pela acusação como lesivos ao erário público, estes se deram da seguinte maneira” (fl. 4.194): 2º Termo de Rerratificação: O acusado afirma que a 2ª alteração do contrato foi assinada em 25.9.2003 e deu-se em virtude da conclusão do Projeto Executivo previsto no Contrato Original n. 110/01, na qual a construtora Gautama contratou os serviços da Enpro - Engenharia de Projetos Ltda. Em face do longo lapso temporal decorrido entre o projeto básico e o projeto executivo e a determinação de intervenção do TCU, foi necessário formular uma nova planilha de quantitativos e introdução de modificações significativas na planilha original (fl. 4.194-4.195). 3º Termo de Rerratificação Sustentando ter havido fiscalização da obra por parte do TCU, dando-se as alterações do contrato por ordem da Corte de Contas, por questões técnicas RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 147 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e por interferência da própria equipe da Deso, sem contudo haver alteração do valor global da obra. 4º Termo de Rerratificação O denunciado afirma que o citado Termo foi assinado em cumprimento ao contido no Acórdão n. 257/2004 do TCU. 5º Termo de Rerratificação Este termo foi assinado em 8.5.2005 a fim de implementar a adequação final das variações de quantidades, ocorridas durante a execução dos serviços e a introdução de itens indispensáveis ao funcionamento do objeto do contrato. Todas as modificações foram levadas a termo com base na determinação constante do Acórdão n. 257/2004 do TCU, segundo o denunciado, tendo o Acórdão n. 1.710/2005 do TCU resultado na alteração do valor do contrato, majorando-o de R$ 103.064.249,67 para R$ 105.136.916,64. 6º Termo de Rerratificação Para o denunciado este termo, assinado em 6.6.2005, tornou-se imprescindível em decorrência de Relatório Técnico expondo a gravidade do problema de corrosão nas tubulações da 1ª etapa do trecho de gravidade II, com proposta de solução emergencial apensada ao 6º Termo de Rerratificação. A solução dada foi chancelada pelo TCU, no Acórdão n. 2.293/2005, considerando válido tal proceder, o que não pode ser desmerecido pelo relatório da CGU, sob o argumento de que os auditores desse órgão inverteram a verdade fática para prejudicar os denunciados. 1º Termo de Aditivo O denunciado afirma que este aditivo foi assinado por solicitação da construtora Gautama, pleiteando a empresa a prorrogação de prazo da obra por mais 90 (noventa) dias, em razão de chuvas, descontinuidade dos recursos financeiros e demora dar parte da Deso na retirada dos invasores da faixa de domínio. 2º Termo Aditivo 148 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Mais uma vez, a pedido da Construtora Gautama, é prorrogado o contrato por noventa dias, sendo assinado este 2º Aditivo. 3º Termo Aditivo Este 3º aditivo, ainda segundo o denunciado, veio a partir de solicitação da construtora Gautama. Defendendo-se as acusações que lhe foram imputadas pelo MPF, diz rejeita-las porque embasadas, unicamente, no relatório da CGU, órgão de controle interno que, no entender do acusado, extrapolou suas atribuições constitucionais ao enviar o relatório para o MPF e não para o TCU. O denunciado afirma que o TCU sempre esteve presente de forma continuada no acompanhamento e fiscalização do empreendimento, fato ignorado pelos auditores da CGU. Nega este acusado a afirmação do MPF de que estava previsto no projeto básico tubos de ferro fundido com o único propósito de inabilitar outras concorrentes e favorecer a construtora Gautama, sendo substituídos no curso da execução do contrato por aqueles de aço carbonado. Segundo este acusado o tubo de ferro fundido foi alterado por intervenção direta do TCU, órgão que concluiu serem os tubos de aço carbonado mais baratos que os de ferro fundido. Como outros acusados enaltece este denunciado a atuação do TCU no acompanhamento da obra, chegando a um total de 06 (seis) auditorias, gerando 10 (dez) pronunciamentos. Também afirma ter sido a obra auditada pela CEF, em razão de um empréstimo. O acusado alega que o Governo do Estado de Sergipe firmou convênio com a CEF, contraindo empréstimo da ordem de R$ 94.000.000,00 para a concretização da obra, oportunidade em que foram os contratos e projetos examinados e avaliados pelos técnicos da instituição financeira. Assevera que, durante os 12 meses de vigência do contrato, houve constante fiscalização e acompanhamento dos engenheiros da CEF, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar todas as etapas da obra bem como emitir parecer e aprovar os boletins de medições, elaborados pelos engenheiros da obra e o engenheiro fiscal e técnico da CEF, com o encaminhamento ao TCU de dois em dois meses. Esses boletins, segundo o denunciado, não foram considerados pela CGU. E conclui: ao fazer uma simples análise estática do processo licitatório, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 149 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA os técnicos da CGU cometeram grave equívoco, induzindo o autor da ação penal a erro e causando grave prejuízo ao denunciado pois assenta-se em falsas e inconsistentes premissas, contendo “inconcebível interligação temporal necessária para atrelar os responsáveis pela licitação ocorrida em 2000 com todo o andamento do contrato até o final de 2006” (fl. 4.215). Afirma ter obedecido aos exatos termos da lei, atendo-se ao pronto atendimento às determinações do TCU, regularizando as imperfeições apontadas na proposta da contratada e na própria execução da obra e serviços. MÉRITO - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA Feitas essas considerações acerca do andamento do contrato, o denunciado sustenta ser a exordial acusatória genérica, sem apontar o MPF em que se baseou para alegar irregular conduta do denunciado, tipificada como peculato. Cita o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; HC n. 88.359-1, rel. Min. Cezar Peluso como precedentes. Também afirma estar a inicial sem atender aos requisitos do art. 41 do CPP, carecendo a ação penal de justa causa, pois o MPF deixou de apontar, de forma pormenorizada, os elementos em que se baseou para incluir o denunciado no polo passivo da demanda. Cita o HC n. 1.268, rel. Min. Edson Vidigal. Para ele as peças informativas não trazem qualquer indício autoria, porque não há prova alguma de ter o acusado assinado contrato ou se relacionado com os dirigentes ou empregados da empresa Gautama. Por fim, afirma que o MPF não fez menção à existência de dolo específico na conduta do denunciado. V) JOÃO ALVES FILHO (FL. 4.236-4.310) Inicialmente o denunciado relata, de forma sucinta, as acusações lançadas na exordial acusatória pelo parquet, para depois fazer considerações sobre os seguintes tópicos: III - LIMITES OBJETIVOS DESTA OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PROCESSUAL Invocando o disposto no art. 6°, caput, da Lei n. 8.038/1990, diz o denunciado que, nesta oportunidade, cabe à defesa demonstrar a improcedência 150 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL da acusação, o que fará, ingressando no mérito da acusação de forma tangencial, o que lhe permitirá abortar a pretensão do Ministério Público Federal (fl. 4.253). IV - OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE O QUE NÃO ESTÁ NOS AUTOS, MAS QUE SERVE DE BASE PARA A ANÁLISE DESTA CORTE Inicia a defesa a exposição dos fatos afirmando que, por ter feito oposição ao Governo Federal (como no caso da transposição do rio São Francisco), passou a ser perseguido pelos órgãos da União, a ponto de ter o ex-Presidente da República admitido publicamente a jornalistas a vontade de destruir o denunciado (fl. 4.257), não sendo estranho, diante disso, o interesse da Polícia Federal em investigar uma obra auditada mais de dez vezes pelo TCU, sem encontrar o órgão técnico qualquer indício de superfaturamento ou desvio. Em continuação diz o denunciado ter chamado atenção o fato de a Controladoria-Geral da União, órgão do Executivo Federal, produzido um relatório desafiando todas as conclusões do c. TCU, sem referência a qualquer das análises feitas pela Corte de Contas. Na verdade, o que se expõe com clareza em tal quadro é que ela, CGU, serviu como justificadora técnica para respaldar a tese falaciosa da PF, segundo a qual teria havido um astronômico - e impossível - desvio de 80% do valor da obra citada. (...) Assim, é preciso relativizar o que consta dos autos, pois, infelizmente, e sem desdouro das pessoas sérias que a compõem, a PF não merece a confiança que nela se costuma depositar”. (fl. 4.257-4.258). V - A ILICITUDE DA PROVA Negando haver mantido contato telefônico com qualquer dos investigados, desqualifica a prova ao argumento de terem as interceptações telefônicas, apresentadas pelo MPF, contrariado o art. 8º da Lei n. 9.296/1996. Afinal não foram juntados aos autos o inteiro teor das interceptações, nem das decisões autorizadoras. Para ele a primeira decisão relativa à quebra de sigilo telefônico constante dos autos refere-se a uma prorrogação de interceptação de conversa de Zuleido RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 151 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Veras, datada de 19 de maio de 2006 (fls. 83). Se era prorrogação, deveriam os autos trazer, para controle da defesa, a quebra precedente. A prorrogação seguinte, constante dos autos, é datada de 21 de junho (fl. 89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho passaram-se mais de 15 dias, sendo a prorrogação fora do tempo, além dos quinze dias fixado em lei (art. 5° da Lei n. 9.296/1996). Conclui ter havido solução de continuidade entre uma autorização de interceptação e outra, apta a responsabilizar quem a procedeu a responder pelo crime do art. 10 da Lei n. 9.296/1996 (interceptações sem autorização judicial, dado que a existente expirara). Depois, às fl. 94, enxerga-se ordem datada de 10 de agosto, em que não se ordena a reiteração da quebra do sigilo de Zuleido Veras e às fl. 99 há ordem de reiteração de 18 de agosto para a quebra do sigilo do mesmo acusado. No ato de 2 de agosto de 2006, avistável às fl. 112, é determinada a prorrogação da quebra do sigilo do mesmo Zuleido Veras, mas no dia 10 de agosto de 2006 (fl. 117), seu nome não é referido para tal finalidade.” (fl. 4.2634.264), em demonstração inequívoca de um quadro lacunoso, autorizando a se concluir terem sido as interceptações telefônicas, deferidas pelo Juízo de 1º Grau, em contrariedade ao princípio do devido processo legal procedimental e ao art. 5° da Lei n. 9.296/1996, extrapolando o prazo de 15 (quinze) dias previsto no citado diploma. VI - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MATERIAL PROBATÓRIO COLETADO 5.1. AUSÊNCIA DE DIÁLOGOS DO MANIFESTANTE O denunciado afirma que toda a acusação é lastreada em áudios de diálogos de terceiros, como por exemplo o diálogo do seu filho ( João Alves Neto), agendando reunião com Zuleido Veras para tratar de assuntos relacionados ao empreendimento imobiliário construído no município de Salvador-BA por Rodolpho Veras (filho de Zuleido). Informa existir sociedade, entre João Alves Neto e Rodolpho Veras, constituída com propósito específico (SPE), com personalidade jurídica própria, modalidade contratual destinado à proteção de consumidores de imóveis residenciais, negócio de perfil especial e aberto à participação de qualquer investidor. 152 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Considera o denunciado sem prova a denúncia, porque a Polícia Federal não conseguiu colher nenhum elemento direto da prática de crime por parte do acusado. E conclui: eventuais referências feitas por terceiros a seu nome não podem ser tomadas como indiciárias da prática de qualquer delinquência, “se fulano ou beltrano citam o nome do manifestante, cumpria às autoridades investigantes produzir a prova de que os atos citados nos diálogos eram verdadeiros e não assumir a veracidade deles a priori.” (fl. 4.269). VII - QUANTO AO ALEGADO PECULATO - INOCORRÊNCIAAUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE O denunciado refuta a acusação de ter ele buscado financiamento junto à CEF com o propósito de desviar os recursos em proveito dos integrantes da organização criminosa, como também nega a existência de obra superfaturada. E a prova maior do que afirma está na liberação do financiamento da CEF, precedida de verificações in loco do cumprimento das etapas das obras e da constatação de sua economicidade e na atuação do TCU, intesmente atuante na fiscalização em nada menos de dez oportunidades, sem jamais questionar sobre os valores. Informa ter sido a obra paralisada por determinação do TCU, logo depois liberada por ordem do colegiado da Corte de Contas. O acusado insurge-se contra o relatório da CGU, por ignorar o órgão os estudos feitos pelo TCU para concluir pela não existência de superfaturamento na ordem de 80% do valor da empreitada. E arremata: se é verdade o que consta do relatório da CGU, dever-se-ia incluir no polo passivo da demanda os Ministros do TCU e os analistas e diretores da CEF que autorizaram a liberação de receitas. VIII- QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA - CRIAÇÃO MENTAL MINISTERIAL - INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO 8.1. ANÁLISE MINUDENCIADA DE CADA UMA DAS REFERÊNCIAS DA ACUSAÇÃO O denunciado rejeita a acusação de ter negociado com Zuleido Veras, por intermédio de João Alves Neto, o recebimento de vantagem indevida em contrapartida à liberação de recursos para que a Deso efetuasse pagamentos de medições fraudulentas pretendidas pela construtora Gautama. Rejeita também a acusação de prática de corrupção passiva, porque a premissa utilizada pelo MPF RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 153 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA para subsidiar a acusação de corrupção passiva é inteiramente inverossímil: financiamento de sua campanha eleitoral, com recursos arrecadados por João Alves Neto. Negando a acusação de ter João Alves Neto recebido de Zuleido Veras a quantia de R$ 50.000,00 no dia 8.6.2006, para viabilizar a liberação do pagamento de R$ 700.000,00 feito à Gautama no dia 14.6.2006, reporta-se à anotação Jneto, feita no doc. de fl. 57 do apenso 45 para dizer ser ela um nada jurídico, pois pode se referir a qualquer pessoa. Para ele a acusação foi levada a termo com base em equivocadas interpretações dos termos utilizados em diálogo interceptado e captados no dia 8.8.2006. Nesse diálogo, segundo o MPF, Zuleido Veras se dirigiu a Aracaju para acertar com João Alves Neto o direcionamento dos recursos da Deso para a Gautama. Há ainda a alegação de um acerto posteriormente, datado de 19.6.2006, referente a um pagamento de exatos R$ 7.141.658,00 à Gautama, mediante, sedimentado por Flávio Conceição e intermediado por João Alves Neto. Com veemência nega a acusação lançada pelo MPF quanto ao seu próprio envolvimento, recebendo R$ 650.000,00 em contrapartida à liberação de R$ 8.641.658,00 em favor da empresa Gautama. Tal fato não consta sequer de diálogos interceptados, sendo mera alegação do MPF. Enfim, não aceita como verdadeiras as afirmações feitas com embasamento em diálogos interceptados tais como: a) diálogo interceptado entre Flávio Conceição e Zuleido Veras no dia 31.8.2006, envolvendo a intermediação de João Alves Neto; b) diálogo interceptado nos dias 1º.9.2006 e 5.9.2006), referente ao o repasse de R$ 1.500.000,00 à construtora Gautama, por intermédio de João Alves Neto; c) solicitação sua, por intermédio de seu filho, João Alves Neto, de vantagem indevida a Zuleido Veras, como está registrado na interceptação do dia 8.9.2006; d) recebimento por seu filho do valor de R$ 50.000,00 no dia 7.9.2006 e mais R$ 50.000,00 no dia 12.9.2006, conforme consta das fl. 71 e 74 do apenso 45. E arremata dizendo que todas as referências à Habitacional são relacionadas ao empreendimento comum entre a empreiteira da família do denunciado e a do filho de Zuleido Veras. 8.2. A INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO AP TO A AUTORIZAR A IMPUTAÇÃO O denunciado alega que o delito de corrupção passiva não se encontra configurado, porque o MPF não apontou qualquer ato de ofício típico de 154 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Governador de Estado praticado pelo acusado, ao tempo em que considera imprescindíveis no polo passivo desta ação penal, os anteriores e os atuais gestores do Estado de Sergipe, pois o contrato firmado com a construtora Gautama foi iniciado no governo anterior ao do denunciado, estendendo-se ao governo atual do Estado de Sergipe. Argumentando doutrinariamente diz que, em não havendo ato próprio do Governador do Estado, a responsabilidade imputada pelo parquet é objetiva, providência vedada pela jurisprudência pátria. Cita o HC n. 80.549-SP, rel. Min. Nelson Jobim; HC n. 73.590-SP, rel. Min. Celso de Mello. IX- O CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Refuta a capitulação dada na denúncia quanto a autoria de dois crimes a ele atribuídos, cujo concurso é inadmissível, Alega que a denúncia imputa ao acusado, a partir da mesma premissa fática, a prática de 02 (dois) delitos incompatíveis entre si, cujo concurso é inadmissível, quais sejam, corrupção passiva e peculato. X – REQUERIMENTO Pugna, ao final, pela anulação das provas dos autos e pela rejeição da exordial acusatória. VI) ROBERTO LEITE (FL. 4.057-4.111) Este denunciado rejeita a acusação formulada pelo MPF de ter contribuído para ser a Construtora Gautama vencedora na licitação realizada pela Deso, com vista à duplicação da adutora do Rio São Francisco. Para ele a denúncia foi oferecida com respaldo em relatório elaborado pela CGU, órgão que iniciou os trabalhos de auditoria na obra no ano de 2007, vindo a apresentar um relatório “encomendado” desconsiderando todo o trabalho de fiscalização realizado pelo TCU, desde o ano de 2001, embasado em 07 (sete) processos, 02 (duas) decisões e 08 (oito) acórdãos, seguindo a Deso, rigorosamente, todas as determinações da Corte de Contas, fato inteiramente ignorado no relatório da CGU. Com o fim de demonstrar o cuidado da Deso na formalização do contrato, o denunciado alega que, antes da homologação da concorrência, foram feitas RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 155 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA gestões entre a Deso e o TCU para apreciação antecipada da licitação, preços e condições a serem estabelecidas no contrato. Aliás este trabalho levou a reduzir o valor da proposta inicial da Gautama, passando de Afirma que, em cumprimento a determinação do TCU, a proposta apresentada pela Gautama no valor de R$ 115.514.882,07 para R$ 107.458.567,58. Informando ter ocupado o cargo de Diretor de Operações da Deso no período de 17.12.1993 até 1º.9.2000 e depois o cargo de Diretor Técnico, de 2.9.2000 a 6.1.2003, afirma ter sido celebrado em 9.10.2002 o 1º Termo de Rerratificação do Contrato n. 110/01-Deso, porque se fez necessária a atualização de planilha, com remanejamento de quantitativos de serviços e introdução de outros itens, por determinação do TCU, conforme Decisão n. 913/2002. Para tanto foi o denunciado, ainda Diretor Técnico da Deso, ouvido em audiência no dia 28.5.2003, sendo acolhidas as suas razões pelo Acórdão n. 275/2004, sendo determinada pela Corte de Contas o prosseguimento do contrato. Informa o denunciado que o contrato chegou a ser suspenso por determinação do TCU, pela Decisão n. 913/02, por considerar necessários alguns ajustes quanto à adequação técnica e financeira da obra. As medidas indicadas foram adotadas imediatamente Afirma que, tomadas as medidas determinadas pelo TCU, as obras tiveram prosseguimento, conforme Acórdão n. 1.270/2002. ANÁLISE DAS PROVAS CONSTANTES DA DENÚNCIA Fazendo críticas veementes às provas trazidas na denúncia, nega este denunciado as alegações de direcionamento do contrato, a partir da licitação, para a Construtora Gautama, partindo de premissas subjetivas e genéricas, pautadas no relatório da CGU, subscrito por profissionais sem um mínimo de. FORNECIMENTO DE MATERIAIS EM CONJUNTO COM A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS E BDI (35%) O acusado alega que falta aos profissionais subscritores do relatório da CGU o mínimo de conhecimento da logística a ser empreendida quanto ao armazenamento do material necessário a uma obra do porte da contratada pela Deso (orçada em R$ 110.000.000,00). 156 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Defende a forma como se deu a licitação da obra contratada pela Deso (com inclusão de materiais junto com a contratação dos serviços), argumentando ter o certamente atendido ao princípio da economicidade, permitindo a realização dos serviços sem solução de continuidade. Aduz que o andamento da obra estava atrelado ao volume de recursos descontingenciados pela União, estando a liberação dos valores atrelada à aprovação do respectivo plano de trabalho. E argumenta: caso a licitação dos materiais tivesse sido feita em apartado da contratação dos serviços, corria-se o risco de chegarem os recursos para a execução da obra, mas não os valores para a compra dos materiais. Ainda se insurgindo contra o relatório da CGU, questiona o denunciado a ciência dos seus auditores, quando da elaboração do relatório, das dimensões das tubulações que seriam utilizadas na obra e das normas de armazenamento para evitar o abaulamento das extremidades de cada tubo, fatores determinantes para a majoração do custo da obra. FALTA DE DETALHAMENTO DE ITENS NAS PLANILHAS, AUSÊNCIA DE PESQUISAS DE PREÇOS OU FONTES DE REFERÊNCIA DIFICULTANDO A APROPRIAÇÃO REAL DOS CUSTOS DE EXECUÇÃO Com relação à falta de detalhamento de itens constantes da planilha, o denunciado refuta a acusação, argumentando ter a contratante prestado, às empresas concorrentes à licitação, todos os esclarecimentos sobre os diversos pontos do edital. Aliás os preços constantes do orçamento da Deso são os mesmos do sistema de orçamentos desenvolvidos pela Companhia Estadual de Obras Públicas. CLÁUSULAS RESTRITIVAS E PREÇO DO EDITAL O denunciado rejeita a acusação de que o preço do edital (R$ 2.000,00) teria tolhido o caráter competitivo do certame, sob o argumento de ter a empresa habilitada para um empreendimento de R$ 110.000.000,00, condições de arcar com o custo do edital. Rejeita ainda a afirmação do MPF de conter o edital cláusulas restritivas, aduzindo, para tanto, existirem no pais diversas empresas que preenchem os requisitos mínimos estabelecidos. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 157 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AUSÊNCIA DE ASSINATURAS, PUBLICAÇÕES, PARECER JURÍDICO, MINUTA DE CONTRATO ETC Rejeitando a afirmação do MPF de que a obra não foi fiscalizada, proclama o denunciado a ativa fiscalização do TCU, cujos técnicos constataram a ausência de alguns itens, corrigidos à tempo e modo pela Deso. LICITAÇÃO INDUVIDOSAMENTE DIRECIONADA PARA FAVORECER A GAUTAMA Como o anterior, este denunciado refuta a alegação de licitação dirigida à Gautama, firmando-se posteriormente o contrato em bases desfavoráveis ao Estado. Atribui as alegações constantes do relatório da CGU, em relação a tais itens, ao despreparo técnico dos auditores, desconhecendo eles a legislação específica (art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993), onde está previsto ser a data base, para efeito de cálculo de reajuste, a data do orçamento, na hipótese setembro de 2000. ASSOCIAÇÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA DESVIAR RECURSOS PÚBLICOS A FAVOR DA GAUTAMA MEDIANTE RECEBIMENTO DE VANTAGENS INDEVIDAS Continuando a sua defesa, diz o denunciado Roberto Leite que, ao deixar o cargo de Diretor Técnico da Deso, janeiro de 2003, não teve mais qualquer ingerência no andamento do contrato, fato que retira a possibilidade de ter integrado a suposta organização criminosa de forma estável e permanente. Rejeita a acusação de não ter zelado pela regularidade do processo de licitação, porque na fase de licitação, encaminhou ao TCU as instruções fundamentais do processo licitatório, encaminhando, na fase de execução, à mesma Corte, todas as medições realizadas. MÉRITO - INÉPCIA DA DENÚNCIA Atacando a denúncia de genérica e sem a narrativa dos fatos praticados por cada um dos denunciados, principalmente quanto ao crime de peculato, entende ter sido incluído na denúncia pelo só fato de figurar como Diretor Técnico da Deso quando da licitação e no início da execução das obras. Invoca em seu favor, 158 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL em precedentes, o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; o HC n. 88.3591, rel. Min. Cezar Peluso; RHC n. 1.025, rel. Min. Vicente Cernicchiaro. Ao final, requer a rejeição da exordial acusatória. VII) FLORÊNCIO BRITO VIEIRA (FL. 4.590-4.623) I - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA Qualificando como inapta a denúncia, por não estar nela descrito o suposto fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, considera de suma importância tal requisito, em nome do exercício do direito de defesa. Em relação à sua participação assegura inexistir na peça inicial a indicação do momento da associação do denunciado à quadrilha, sendo insuficiente para a caracterização deste delito o só ato de sacar e transportar dinheiro da firma em que trabalhava para pagamento de propina. Este fato, além de desprovido de base probatória, não tipifica, por si só, o delito de formação de quadrilha. Assevera que o MPF mostra-se contumaz em oferecer denúncia por formação de quadrilha, sem a mínima configuração, confundindo quadrilha com concurso de agentes. Sem mencionar, em nenhum momento ter o acusado ciência da finalidade do o numerário sacado e transportado por ordem de seu patrão, a denúncia prejudica o exercício do direito de defesa, como já decidiu o STF (HC n. 73.590-SP, rel. Min. Celso de Mello). Limitou-se o MPF a fazer a imputação, sem a descrição da conduta, em verdadeira adoção à tese da responsabilidade penal objetiva, vedada pelo ordenamento jurídico. II- DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO ACUSADO - AUSÊNCIA DE DOLO EM SUA CONDUTA O acusado alega que é gerente administrativo da filial da empresa Gautama em Salvador-BA e apesar do pomposo título de gerente, atua como auxiliar administrativo financeiro da filial onde serve, estando subordinado às ordens de Gil Jacó, conforme relatado em interrogatório colhido às fl. 1.377 (vol. 6 dos autos). Em razão de exercer função meramente administrativa e burocrática, não conhecia os negócios da empresa, tampouco a destinação do numerário por ele sacado ou transportado. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 159 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA III - DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS AO ACUSADO III. 1. DO CRIME DE PECULATO Sustenta a impossibilidade de ter praticado o delito de peculato por não ser funcionário público ou a ele equiparado, na forma da lei, além de não deter a posse do bem supostamente desviado em proveito próprio ou de terceiro, pois jamais teve a posse dos recursos transportados, nem deles se apropriou ou desviou, em proveito próprio ou de terceiras pessoas. III. 2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA Defende a atipicidade do delito de corrupção ativa, porque jamais prometeu ou ofereceu vantagem indevida a quem quer que seja, fato admitido pelo MPF que, na denúncia, consignou restringir-se a que a conduta do acusado a efetuar “saques em dinheiro para o pagamento de propina e transportar numerários para localidades em que seriam efetuados os pagamentos” (fl. 4.614). O denunciado afirma que jamais tomou conhecimento da prática de ato ilícito por parte dos integrantes da construtora Gautama, não sendo possível imputar-se ao autor prática de corrupção, por não deter sequer o domínio do fato. III. 3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Para este acusado o MPF, a partir de uma só descrição fática, imputa ao acusado a prática de 02 (dois) delitos cujo concurso não é admitido, em violação ao princípio do non bis in idem. III. 4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Este denunciado, ao refutar a acusação de integrar uma quadrilha, diz ter o MPF, ao invés de descrever os elementos típicos do delito, se limitado a afirmar que o acusado tinha por atribuição efetuar “saques em dinheiro para o pagamento de propina e transportar numerários para localidades em que seriam efetuados os pagamentos”. Ao refutar a acusação de integrar uma quadrilha, diz este acusado ter o MPF, ao invés de descrever os elementos típicos do delito, se limitado a 160 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL afirmar ter ele por atribuição efetuar “saques em dinheiro para o pagamento de propina e transportar numerários para localidades em que seriam efetuados os pagamentos”. O denunciado rejeita a imputação da prática do crime de quadrilha, sob o argumento de ser esta uma infração penal a exigir, para sua configuração, a existência de dolo como elemento subjetivo e liame subjetivo entre os agentes, fatos não demonstrados pelo MPF. Afirma que o relacionamento existente entre o acusado e os demais funcionários da construtora Gautama era de natureza profissional. Informa ser a Construtora Gautama empresa em funcionamento há 13 (treze) anos, devidamente registrada e que, até a deflagração da Operação Navalha, atendia regularmente as suas obrigações fiscais, tributárias e trabalhistas. Nos 13 anos de existência, a Construtora Gautama executou 42 obras, detendo certificação no programa de gestão de qualidade, não sendo razoável imputar aos funcionários da empresa o delito de formação de quadrilha. V - DO PEDIDO Ao final, pede o denunciado a rejeição da denúncia. VIII) JOÃO ALVES NETO (FL. 4.314-4.558) I - ILICITUDE DA PROVA Após identificar-se como filho do ex-Governador João Alves Filho, qualificando-se como empresário, adverte que neste momento processual fará uma análise sobre o mérito da acusação de maneira tangencial. E da mesma forma e com os mesmos argumentos usados pela defesa do seu pai, aqui denunciado, passa a argumentar. Nega ter mantido contato telefônico com os investigados, apontados como integrantes de uma quadrilha. Classifica de ilegal a prova, porque não foram juntados aos autos o inteiro teor das interceptações telefônicas, tampouco as decisões autorizadoras, em contrariedade ao art. 8º da Lei n. 9.296/1996, fato suficiente para inutiliza-la. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 161 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sobre as interceptações telefônicas diz o denunciado que “a primeira decisão que nos autos se enxerga, relativa à quebra de sigilo telefônico de Zuleido Veras é datada de 19 de maio de 2006, em que se refere à prorrogação da referida quebra” (fls. 83). Ora, se era prorrogação, deveriam os autos trazer, para controle da defesa, a quebra precedente (se é que ela houve). (...) A prorrogação seguinte, que dos autos consta, é datada de 21 de junho (fl. 89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho há mais de 15 dias, donde a prorrogação veio a destempo, pois o prazo quinzenal, além de fixado em lei (art. 5º da Lei n. 9.296/1996), é estabelecido na própria decisão de 19 de maio. Houve, assim, solução de continuidade entre uma autorização de interceptação e outra, apta a responsabilizar quem a procedeu a responder pelo crime do art. 10 da Lei n. 9.296/1996 (interceptações sem autorização judicial, dado que a existente expirara). Às fl. 94, enxerga-se ordem datada de 10 de agosto, em que não se ordena a reiteração da quebra do sigilo de Zuleido Veras. Depois, às fl. 99, em ato datado de 18 de agosto, ordena-se que seja reiterada a quebra do sigilo daquele acusado. No ato de 2 de agosto de 2006, avistável às fl. 112, é determinada a prorrogação da quebra do sigilo do mesmo Zuleido Veras. Já no dia 10 de agosto de 2006, de fl. 117, seu nome não é referido para tal finalidade.” (fl. 4.333-4.335) Para o acusado o quadro lacunoso autoriza concluir que as interceptações telefônicas foram deferidas pelo Juízo de 1º Grau, em contrariedade ao princípio do devido processo legal procedimental e ao art. 5º da Lei n. 9.296/1996, extrapolando o prazo de 15 (quinze) dias previsto no citado diploma. II - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MATERIAL PROBATÓRIO COLETADO 2.1. A INEXISTÊNCIA DE DIÁLOGOS DO MANIFESTANTE QUE SIRVAM DE ESTEIO À PROVA ACUSATORIAL O denunciado afirma que toda a acusação é lastreada em áudios de diálogos travados entre terceiros. 162 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Assevera que a quebra do sigilo telefônico do denunciado revelou apenas que este teria agendado reunião com Zuleido Veras para tratar de assuntos relacionados com o empreendimento imobiliário construído no município de Salvador-BA por Rodolpho Veras e o ora acusado. 2.2. SOBRE O EMPREENDIMENTO EM SALVADOR O denunciado afirma que constituiu, juntamente com Rodolpho Veras, sociedade de propósito específico (SPE), com personalidade jurídica própria, modalidade contratual destinado à proteção de consumidores de imóveis residenciais. Sem haver entre eles nada de especial e permanente a não ser um negócio de perfil especial e aberto à participação de qualquer investidor. 2.3. REFERÊNCIAS FEITAS POR TERCEIROS O denunciado sustenta que, apesar da Policia Federal ter tido à disposição todos os meios que a legislação oferece para o combate ao crime organizado, não foi colhido nenhum elemento direto da prática de crime de que é acusado e eventuais referências feitas por terceiros a seu nome não podem ser tomadas como indiciárias da prática de qualquer delinquência. Arremata: “se fulano ou beltrano citam o nome do manifestante, cumpria às autoridades investigantes produzir a prova de que os atos citados nos diálogos eram verdadeiros e não assumir a veracidade deles a priori.” (fl. 4.340). III - QUANTO AO ALEGADO PECULATO - INOCORRÊNCIA AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE O denunciado refuta a acusação de ter o ex-Governador João Alves Filho buscado financiamento junto à CEF com o propósito de desviar os recursos em proveito dos integrantes da organização criminosa. Nega a existência de superfaturamento na obra, concluindo que, se admitido tal fato a CEF, por seus técnicos e executivos, teria liberado fraudulentamente os recursos, pois estas medidas eram precedidas de verificações in loco do cumprimento das etapas das obras e da constatação de sua economicidade. O acusado afirma que, se tivesse havido superfaturamento, todos os Ministros do TCU deveria ter sido arrolados como réus, sob o argumento de que a obra apontada na denuncia foi objeto de intensa fiscalização por parte do RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 163 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA TCU que, em 10 (dez) oportunidades, decidiu, por unanimidade, o tema a ela concernente, sem jamais imputar a pecha de superfaturamento. Assevera que a obra chegou a ser suspensa 01 (uma) vez por determinação do TCU, mas o Plenário da Casa decidiu por liberar a execução do contrato por não ter encontrado nenhum vício. O acusado insurge-se contra o relatório da CGU, aduzindo ter ignorado por completo os estudos feitos pelo TCU. Cita a APN n. 323-CE, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 13.2.2006. O denunciado sustenta que, concluindo-se pela existência de superfaturamento de ordem de 80% do valor da empreitada, dever-se-ia incluir no polo passivo da demanda os Ministros do TCU e os analistas e diretores da CEF que autorizaram a liberação de receitas. IV - QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA - CRIAÇÃO MENTAL MINISTERIAL - INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO O denunciado afirma nada haver nos autos para respaldar a conclusão de ter o ex-Governador João Alves Filho por intermédio do denunciado, negociado o repasse de vantagem indevida com o fim de propiciar a liberação de verba para a construtora Gautama. O acusado afirma que a premissa utilizada pelo MPF para atribuir a prática do delito de peculato ao denunciado João Alves Filho é errônea, aduzindo, para tanto, que dinheiro para campanha todo candidato precisa. Para ele o MPF não tem nenhuma prova para subsidiar a acusação de que o denunciado participara intensamente das negociações de empréstimos junto às instituições financeiras O denunciado rejeita a acusação de ter recebido de Zuleido Veras a quantia de R$ 50.000,00 no dia 8.6.2006 para viabilizar a liberação do pagamento de R$ 700.000,00 feito à Gautama no dia 14.6.2006. Afirma que a anotação Jneto, feita no doc. de fl. 57 do apenso 45, pode referir-se a qualquer pessoa. Alega, ainda, que o valor consignado no documento pode ter relação com o empreendimento construído pelo denunciado e Rodolpho Veras em Salvador-BA. O denunciado insurge-se contra a acusação lançada pelo MPF de que no dia 19.6.2006 Flávio Conceição teria voltado a tratar com Zuleido Veras sobre os ajustes com o ora acusado. 164 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O acusado afirma ter sido a acusação lançada na exordial acusatória levada a termo, com base em equivocadas interpretações acerca dos termos utilizados no mencionado diálogo. Para ele não há, no diálogo captado no dia 8.8.2006, qualquer elemento autorizando a conclusão de que Zuleido Veras se dirigiu a Aracaju para acertar com o denunciado o direcionamento dos recursos da Deso para a Gautama. O encontro, segundo alega, está relacionado ao empreendimento localizado em Salvador-BA. O denunciado alega não haver no diálogo interceptado entre Zuleido Veras e Ricardo Magalhães, qualquer menção ao nome do acusado. Assevera não existirem elementos para subsidiar a acusação de ter o denunciado intermediado o pagamento de R$ 7.141.658,00 à empresa Gautama. Afirma não haver como inferir-se do diálogo interceptado nos dias 8.8.2006 e 10.8.2006 qualquer elemento capaz para subsidiar a acusação de ter João Alves Neto recebido R$ 330.000,00 para intermediar o repasse R$ 3.297.733,56 à construtora Gautama. O denunciado rejeita a acusação de ter recebido, no dia 14.8.2006, R$ 100.000,00 para a liberação do pagamento de R$ 3.843.924,44 à empresa Gautama e mais R$ 650.000,00 para propiciar a liberação de R$ 8.641.658,00 à Gautama entre os dias 2 e 15.8.2006. Afirma, ainda, que o denunciado nada teve a ver com a liberação de R$ 1.500.000,00 à Gautama no dia 5.9.2006. Assevera que em nenhum ponto dos diálogos interceptados no dia 8.9.2006 houve qualquer menção ao tema da propina sugerida pelo MPF. Insurge-se contra a imputação de ter recebido R$ 50.000,00 no dia 7.9.2006 e mais R$ 50.000,00 no dia 12.9.2006, aduzindo que não há nenhum elemento que corrobore tal assertiva. 4.2. A INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO AP TO A AUTORIZAR A IMPUTAÇÃO O denunciado alega que a imputação da prática do crime de corrupção passiva por parte do acusado João Alves Filho não encontra fundamento, sob o argumento de que o MPF não indicou a prática de nenhum ato típico de Governador de Estado neste ponto. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 165 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA IX - O CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao princípio do non bis in idem. V – REQUERIMENTO Por fim, requer a rejeição da exordial acusatória. IX) GILMAR DE MELO MENDES (FL. 4.627-4.685) O denunciado ressaltou ter ocupado o cargo de Diretor Presidente da Deso no período de 14.1.1999 a 6.1.2003 e que o relatório apresentado pela CGU desconsiderou a fiscalização realizada na obra pelo TCU, órgão de controle externo que efetuou trabalho mais abrangente e minucioso. O denunciado rejeita a acusação formulada pelo MPF, fundada no relatório da CGU, de que 80% do valor do contrato teriam sido desviados, sob o argumento de que o valor de R$ 45.912.331,78 (equivalente a 20% do montante do contrato) não seria suficiente para custear obra de tão grande vulto. O acusado afirma que “os cuidados da Diretoria da Deso com a lisura da licitação e a fiscalização dos técnicos do TCU, levaram à prorrogação da assinatura do contrato com a Construtora Gautama Ltda., fato somente concretizado em 27.8.2001. portanto, sete meses após a finalização da concorrência é que o Contrato n. 110/01-Deso veio a ser formalizado e assim devidamente firmado pelas partes” (fl. 4.632). Afirma que o TCU esteve presente na fiscalização do Contrato n. 110/01 antes mesmo de sua homologação (diferente da CGU, que compareceu apenas ao final da execução do contrato), quando da análise da documentação do processo licitatório e quando realizou inspeções durante todo o transcorrer das obras, gerando 07 processos, 02 decisões e 08 acórdãos. Assevera que todas as determinações do TCU foram cumpridas pela Deso e que transcorreram 07 (sete) meses entre a abertura da proposta e a contratação pela Deso, ocorrida em 27.8.2001. 166 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Sustenta a impropriedade do relatório da CGU, sob o argumento de que este órgão cometeu grave equívoco ao induzir a erro o MPF. Afirma que até mesmo determinações do TCU (consistente na substituição de tubos de ferro fundido por aço de carbono) foram apontadas como conduta adotada para fraudar a licitação. ILEGALIDADES DA CONCORRÊNCIA E DIRECIONAMENTO DO CONTRATO PARA A EMPRESA GAUTAMA O denunciado alega que a acusação de direcionamento do contrato é infundada e parte de premissas subjetivas genéricas. FORNECIMENTO DE MATERIAIS EM CONJUNTO COM A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS E BDI (35%) O acusado alega faltar aos profissionais subscritores do relatório da CGU o mínimo de conhecimento da logística a ser empreendida para se armazenar todo o material necessário a uma obra do porte da contratada pela Deso (orçada em R$ 110.000.000,00). Defende a forma como se deu a licitação pela Deso (com inclusão de materiais junto com a contratação dos serviços), sob o argumento de ter o certame atendido ao princípio da economicidade, permitindo fossem os serviços executados sem solução de continuidade. Aduz que o andamento da obra estava atrelado ao volume de recursos descontingenciados pela União e que a liberação está sempre atrelada à aprovação do respectivo plano de trabalho. Alega que o risco (caso a licitação dos materiais tivesse sido feita em apartado àquela realizada para a contratação dos serviços) era chegassem os recursos para a execução da obra, mas não chegassem os recursos necessários para a compra dos materiais. O denunciado questiona se os auditores da CGU, quando da elaboração do relatório, tinham conhecimento das dimensões das tubulações que seriam utilizadas na obra e das normas de armazenamento para evitar o abaulamento das extremidades de cada tubo, fatos que incrementam, de forma representativa, o custo da obra. FALTA DE DETALHAMENTO DE ITENS NAS PLANILHAS, AUSÊNCIA DE PESQUISAS DE PREÇOS OU FONTES DE REFERÊNCIA DIFICULTANDO A APROPRIAÇÃO REAL DOS CUSTOS DE EXECUÇÃO RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 167 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O denunciado refuta tal acusação, sob o argumento de ter a contratante prestado às empresas concorrentes à licitação, todos os esclarecimentos sobre os diversos pontos do edital e que os preços que balizaram o orçamento da Deso são os constantes do sistema de orçamentos desenvolvidos pela Companhia Estadual de Obras Públicas. CLÁUSULAS RESTRITIVAS E PREÇO DO EDITAL O denunciado rejeita a acusação de que o preço do edital (R$ 2.000,00) teria tolhido o caráter competitivo do certame, sob o argumento de ter a empresa habilitada para assumir um empreendimento de R$ 110.000.000,00 condições para arcar com o custo do edital. O acusado rejeita a afirmação do MPF de que o edital conteria cláusulas restritivas, aduzindo, para tanto, existirem no pais diversas empresas que preenchem os requisitos mínimos estabelecidos. AUSÊNCIA DE ASSINATURAS, PUBLICAÇÕES, PARECER JURÍDICO, MINUTA DE CONTRATO ETC Para este denunciado a afirmação formulada neste ponto pelo MPF, não pode ser aceita, aduzindo que a obra foi fiscalizada de perto pelo TCU e que a ausência de algum dos itens mencionados na exordial teriam sido constatada pelos técnicos do referido Tribunal. LICITAÇÃO INDUVIDOSAMENTE DIRECIONADA PARA FAVORECER A GAUTAMA O denunciado rejeita a afirmação de que a licitação foi realizada com o fim de favorecer a construtora Gautama e de o contrato ter sido firmado em bases desfavoráveis para a Deso. Aduz faltar aos auditores da CGU conhecimento técnico sobre a legislação específica (art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993), argumentando que a lei dispõe claramente que a data base para efeito de cálculo de reajuste é o do orçamento, que, in casu, foi setembro de 2000. ASSOCIAÇÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA DESVIAR RECURSOS PÚBLICOS A FAVOR DA GAUTAMA MEDIANTE RECEBIMENTO DE VANTAGENS INDEVIDAS Informa que, ao deixar o cargo de Diretor Presidente da Deso, em janeiro de 2003, não teve mais qualquer ingerência no andamento do contrato, fato que 168 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL retira a possibilidade de o acusado integrar a suposta organização criminosa de forma estável e permanente. Rejeita a acusação de não ter zelado pela regularidade do processo de licitação, aduzindo que, na fase de licitação, encaminhou ao TCU as instruções que fundamentaram o processo licitatório e, na fase de execução do contrato, encaminhou àquela Corte todas as medições realizadas. O denunciado rejeita a acusação de que a Enpro teria sido contratada para elaborar o orçamento e o projeto básico que embasou a concorrência pública objeto da presente exordial acusatória. CONCLUSÃO DESTE TÓPICO Conclui o denunciado que, enquanto Diretor Presidente da Deso, encaminhou para o TCU todas as instruções que fundamentaram o processo licitatório objeto do Contrato n. 110/01. E durante todo o período em que figurou como responsável pela execução do contrato (agosto de 2001 a janeiro de 2003), encaminhou todas as medições à Secretaria de Controle Externo do TCU no Estado de Sergipe, local em que os eventuais questionamentos eram discutidos in loco. B) COM RELAÇÃO AOS FATOS IMPUTADOS QUANDO O PETICIONANTE ESTEVE À FRENTE DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA O denunciado alega que, enquanto Secretário da Fazenda, somente repassou recursos quando autorizado pelo Governador do Estado, sendo tais verbas destinadas à implementação de projetos definidos pelo Governador, o Secretário de Infra-Estrutura e o Presidente da Deso. Afirmou não deter autonomia para repassar recursos diretamente para qualquer órgão sem a autorização prévia do Governador do Estado e do Crafi. Passa, a partir daí, a discorrer sobre a forma como se deu o repasse de R$ 94.000.000,00, verba vinculada à obra da adutora do Rio São Francisco, liberada após assinatura do convênio assinado entre o Governo do Estado e a CEF. Afirma que “a operação de empréstimo da Deso e a aplicação de recursos dela advindo são de estrita competência da empresa e sua governança, ou seja, o sócio majoritário no caso o governo do Estado...(...) RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 169 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Neste contexto, cabia - por determinação do governador - ao Secretário da Fazenda e ao Crafi acompanharem todas as captações de recursos para investimento e seus respectivos cronogramas de desembolso.(...) Isto posto, está claro que os repasses para Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso eram realizados por autorização governamental, seguindo aprovação do Crafi, com aplicações em diversas obras cuja especificidade de aplicação era definida pelo Governador, Secretário de Infra-Estrutura e Presidente da Deso” (fl. 4.664). NO MÉRITO DA INÉPCIA DA DENÚNCIA O denunciado alega que em nenhum momento a acusação se dignou a narrar quais os atos especificamente praticados pelo peticionante que indicassem haver o mesmo praticado crime de peculato, muito menos, os valores por ele auferidos ou desviados. Assevera que a imputação criminal é manifestamente genérica, sob o argumento de que se concentra no único fato de ter o acusado sido o Diretor Presidente da Deso quando do lançamento do certame licitatório e em parte da execução do contrato, além de Secretário da Fazenda no final do ano de 2004 a 2006. Cita o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; HC n. 88.359-1, rel. Min. Cezar Peluso. O denunciado sustenta que a acusação carece de justa causa para impor uma imputação de responsabilidade objetiva, não contendo a denúncia descrição pormenorizada dos fatos imputados ao acusado, fato que prejudica o exercício da ampla defesa. Cita o HC n. 1.268, rel. Min. Edson Vidigal; RHC n. 1.025, rel. Min. Vicente Cernicchiaro. DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA O denunciado alega que, além de não descrever a conduta do acusado, a exordial acusatória está calcada em falsas premissas, todas originadas no malsinado relatório da CGU, especialmente por esta peça não fazer menção ao fato de que todas as irregularidades apontadas foram corrigidas pela pronta atuação do TCU. 170 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Assevera que o “Dr. Sérgio da Silva Mendes, então Diretor da Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União no Estado de Sergipe (Secex-SE), emitiu relatório nos autos do Processo TC n. 006.081/2002-2, em que detalha minuciosamente toda a fiscalização empreendida na execução da obra e informa as atitudes tomadas pela Deso para a correção das falhas ali apontadas. Tal relatório recebeu a aprovação da Dr. Maria Salete Fraga Silva de Palma, então titular da Secex-SE, que o ratifica e encaminha ao Exmo. Ministro Relator Benjamin Zymler, como prova documento anexo” (fl. 4.681). O acusado afirma que o TCU auditou todos os passos da obra, desde a própria concorrência até a execução do contrato, efetuando diversas intervenções, todas prontamente cumpridas pela Deso. O denunciado reitera o argumento de que as peças informativas não trazem qualquer indicio de prova de ter o acusado mantido conluio com os prepostos da empresa Gautama. Aduz, ainda, que não restou demonstrado dolo específico na conduta que supostamente ensejou a imputação da prática do delito de peculato ao denunciado. Ao final, requer a rejeição da denúncia. X) GIL JACÓ DE CARVALHO SANTOS (FL. 5.180-5.285) I - DAS CONDIÇÕES DO ACUSADO O denunciado afirma que, ao contrário do afirmado na exordial, não é diretor da construtora Gautama, e sim gerente administrativo e financeiro da empresa, responsável pela tesouraria, controlando o recebimento de recursos, pagamentos de fornecedores, folha de salários e remessa de recursos para as demais filiais da Gautama. Assevera que apenas executava ordens emitidas pelo denunciado Zuleido Veras, único responsável pela movimentação da conta-corrente da matriz. Nega qualquer participação em reunião com empresários ou políticos, mantendo contato apenas com pessoas ligadas à Gautama. Informa que se reunia com Zuleido nas sextas ou segundas-feiras, a fim de lhe repassar as informação financeira da semana e as conversas por telefone ratificavam as orientações recebidas de Zuleido nas reuniões. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 171 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA III - DA ACUSAÇÃO DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Argui a inépcia da exordial, sob o argumento de que a denúncia neste ponto não descreve circunstanciadamente os elementos típicos do delito. Afirma que a exordial não indica qualquer conduta associativa por parte do denunciado, tampouco a existência de dolo. Assevera que o MPF mostrase contumaz em imputar crime de quadrilha sempre que se depara com um concurso de pessoas. Assevera ser estritamente profissional o relacionamento entre o denunciado e os demais diretores da empresa, não havendo qualquer conotação criminosa. IV - DOS CRIMES DE PECULATO E CORRUPÇÃO ATIVA IV. 2. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA Para este acusado a denúncia é inepta em relação aos delitos de peculato e corrupção passiva., porque não promoveu o MPF a adequada descrição das condutas supostamente típicas. Assevera não ter a denúncia, em momento algum, afirmado ter o acusado conhecimento de serem os valores, por ele remetidos, pagamento de vantagem indevida. IV. 4. DO EVENTO SERGIPE Afirma que a menção feita pela denúncia às fl. 85 nada tem a ver com o acusado, pois o termo “PS Final Aditivo Gil”, na verdade diz respeito ao aditivo Gii e não a Gil. Assevera que o MPF, para embasar a acusação formulada contra o denunciado, transcreve diálogos em que o ora acusado aparece cumprindo ordens de Zuleido, no sentido de providenciar a remessa de dinheiro para as filiais da empresa, atribuição que, de fato, pertencia ao denunciado, mas sem nenhuma ilegalidade. Diz ter havido manipulação dos diálogos por parte do MPF, como por exemplo, no item 126 da defesa foi transcrito o seguinte diálogo pelo parquet: Gil: “(...) e fiz 100 pra aí. Eu tô mandando 100. Zuleido: “(...) tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui (Aracaju). Aqui tem que (...) pra pegar a OB (...)” 172 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Gil: “400 não 300 né?” (8.8.2006, às 14h56min46s) O denunciado afirma que, na verdade, o diálogo foi travado da seguinte forma: Gil: alô! Zuleido: oi Gil, diga aí. Gil: tudo bem doutor? Zuleido: tudo bem, to chegando em Aracaju agora tá? Gil: tá certo, eu consegui fazer o aporte lá, pra Ecosama, tá certo? R$ 250.000,00. Eu falei com Dagmar que eu só tinha 250. Zuleido: certo. Gil: aí era 383, ele falou com Dagoberto lá, aí Dagoberto falou, tal. Aí ele fez lá. Zuleido: certo. Gil: então fizemos o aporte e (...) 383, certo? Zuleido: certo. Gil: e fiz 100 praí (Aracaju). Eu to mandando 100. Zuleido: tá bom, ok. Gil: e mais nada pra ninguém também (...) mas amanhã eu faço (...) Zuleido: tá bom, ok. Gil: foi o melhor que eu pude fazer aqui foi isso. Zuleido: tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui. Aí tem que (ininteligível) Fátima fez a OB? Gil: 400 não, 300 né? Zuleido: 300. A OB saiu? Gil: a OB não. Até agora não. Eu falei com Átila que Marcos Vinícius tava lá em Fortaleza, ele que tá acompanhando lá. Tá dentro da Seinfra lá. O pessoal tá lá pra fazer as OB agora a tarde. Zuleido: tá bom, ok. Gil: E e falei com Costa Lima. Até o final da tarde ele diz o valor da medição e emite as notas fiscais. Zuleido: tá bom. Gil: tava em reunião ainda com o pessoal sabe? Zuleido: tá bom. Gil: tá bom Doutor. tchau. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 173 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Segundo o acusado ali ele está apenas informando a Zuleido o cumprimento de ordens do setor financeiros da empresa. Em determinado trecho da conversa Zuleido muda de assunto e questiona se Maria de Fátima teria conseguido fazer a OB da obra da adutora de Pratagy em Alagoas. Na seqüência o acusado menciona o nome de Átila (ex-engenheiro da empresa) e de Marcos Vinícius (exgerente de contrato da obra de Pratagy), ambos tendo trabalhado em Alagoas. O denunciado insurge-se contra a acusação formulada na denúncia, com base na Informação Policial n. 028/2006, aduzindo ter apenas providenciado dinheiro para ser remetido à filial da Gautama em Sergipe, sua atribuição, sendo este também o sentido do diálogo mantido com Humberto no dia 14.8.2008. Com o fim de justificar a necessidade do transporte do dinheiro em espécie, afirma que, em razão da atividade desempenhada pela empresa e do local em que esta se desenvolve, é necessária a realização de saques para pagamento em dinheiro de boa parte dos compromissos. Assevera que a maior parte das obras está localizada em local de difícil acesso, sem acesso aos serviços de atendimento bancário. Afirma que, em pesquisa encomendada pelo Banco Central, intitulada “O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, restou constatado que 55% da população recebe seu salário em dinheiro, percentual que sobre para 70% quando se considera apenas o nordeste do país. V- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS AO ACUSADO V.1. DO CRIME DE PECULATO O denunciado sustenta, preliminarmente, não poder ser enquadrado como sujeito ativo do delito em questão, por não ser funcionário público e sim gerente administrativo da construtora Gautama. Afirma, ainda, que não pode figurar em concurso de pessoas com funcionário público, aduzindo, para tanto, que a exordial acusatória não menciona o art. 30 do Código Penal e não descreve o meio pelo qual o acusado teria concorrido para a apropriação ou desvio do bem móvel de que funcionário público tivesse posse. V.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA 174 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Segundo afirma Gil Jacó, não há nos autos prova de ter ele oferecido ou prometido vantagem a quem que fosse. Mesmo porque na empresa Gautama tinha como atribuição única controlar a movimentação financeira da conta da matriz, pois só Zuleido Veras tinha poderes para movimenta-la, determinando os saques, efetuando as ordens de pagamento e ordenando as remessas de recursos para as filiais da empresa. V.3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Para o denunciado é inviável conjugar-se a imputação do crime de corrupção passiva e peculato, porque esses delitos foram cometidos a partir da mesma base fática, o que levaria à violação do princípio do non bis in idem. VI - DO CRIME CONTINUADO O denunciado requer, na hipótese de recebimento da denúncia, a aplicação do instituto do crime continuado em relação ao delito de corrupção ativa. porque encontram-se preenchidos os requisitos necessários à sua caracterização, tais como, pluralidade de ações ou omissões, pluralidade de delitos, condições de empo e lugar e forma de execução. Afinal todos os delitos foram cometidos entre 2006 e 2007. Defende a aplicação do instituto, ao argumento de ter o MPF imputado ao acusado a prática do crime de corrupção ativa 102 (cento e duas vezes). VII- DO PEDIDO Requer a rejeição da petição inicial. XI) HUMBERTO RIOS DE OLIVEIRA (FL. 4.999-5.041) II.1. - INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Segundo a denúncia este acusado teria “sacado e transportado dinheiro para pagamento de propina. Entretanto a alegação é desprovida de qualquer base probatória, além de faltar a tipificação do delito de formação de quadrilha. Percebe-se que a afirmação do MPF em relação ao acusado, não descreve nem indica qual a conduta associativa por parte dos integrantes.” (fl. 5.001). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 175 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II. 3. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO EVENTO SERGIPE O denunciado afirma que o MPF não indicou nenhum elemento que demonstrasse ter o acusado ciência de que o dinheiro transportado tinha natureza de “propina”. Limitou-se a imputar ao acusado o suposto transporte e entrega de dinheiro, sem descrever o elemento subjetivo do tipo que só se perfaz mediante conduta dolosa. Sendo mero auxiliar administrativo financeiro da construtora Gautama, profissão popularmente conhecida como office-boy, não é lícito supor soubesse do que se passava na empresa. Atacando a peça ministerial diz que a as afirmações genéricas impede o exercício de uma adequada defesa. Em homenagem ao princípio constitucional do due processual of law e ao direito à ampla defesa, bem como em atendimento ao prescrito no artigo 41 do CPP, deveriam estar descritas, na inaugural, ainda que sucintamente, as ações criminosas praticadas pelo acusado”. (fl. 5.015). III - DA FUNÇÃO DO ACUSADO DENTRO DA CONSTRUTORA GAUTAMA Responsável pelo serviço bancário, tais como pagamentos, depósitos e saques, assim como transporte de documentos ou mesmo de numerário, Situase na base da pirâmide da empresa, ignorando as transações ordenadas pelos diretores. V - DO EVENTO SERGIPE O denunciado argui a inépcia da inicial acusatória alegando ter o MPF deixado de descrever a conduta criminosa, limitando-se a dizer que o acusado apenas providenciou a entrega de um montante de dinheiro a mando do seu empregador, Zuleido Veras, atribuição que estava a seu cargo. Para o denunciado, mesmo tendo o dinheiro por ele entregue finalidade ilícita, não se poderia a ele imputar a prática de crime, por não ter ele ciência da destinação do numerário. Se assim não fosse, também seria autor de delito o caixa do banco que entregou o dinheiro ao denunciado. 176 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Reportando-se aos fatos diz ter entregue R$ 650.000,00 na sede da Gautama no Município de Aracaju e não a Max. Após deixar o dinheiro na empresa, o acusado procurou Max para lhe entregar documentos, como se pode perceber pelo diálogo abaixo transcrito: Gil: Diga bicho. Humberto: já foi? Gil: Hein? Humberto: já entreguei aqueles documentos do sacana. Gil: já entregou já? Humberto: É.. Aí amanhã de manhã ele autentica, viu? (Frase suprimida na denúncia) (fl. 5.025). Justifica o denunciado a entrega do dinheiro em espécie, em razão da atividade desempenhada pela empresa e do local onde atua, onde há dificuldade de saques bancários. Assevera que a maior parte das obras está localizada em local de difícil acesso que sequer conta com atendimento bancário. Informa que, em pesquisa encomendada pelo Banco Central, intitulada “O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, restou constatado que 55% da população recebe o salário em dinheiro, percentual que sobre para 70% quando se considera apenas o nordeste do país. Refuta a acusação de ter levado o dinheiro para Aracaju para entrega-lo a Flávio Conceição no dia 27.2.2007, pois a ele só foram entregues documentos, como deixou registrado: “a prova disso é que, enquanto a denúncia narra que o suposto dinheiro para pagamento de propina teria sido entregue ao acusado no dia 27 de fevereiro de 2007, trazendo diálogo interceptado naquela data para suportar tal afirmação, a Informação Policial n. 005/2007, também citada, afirma que o suposto pagamento de propina teria se dado no dia anterior, 26 de fevereiro de 2007. Na realidade, no dia 26 de fevereiro de 2007, o acusado entregou à Flávio Conceição documentos. (...) Como se percebe, em que pese a Polícia Federal relatar não ter sido possível sequer identificar se o objeto entregue pelo acusado era um pacote ou uma mala, a acsuação RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 177 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA supõe seu conteúdo, com base em diálogo interceptado em data posterior ao fato. Mais um absurdo!” (fl. 5.028-5.029). VI- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS AO ACUSADO VI.1. DO CRIME DE PECULATO O denunciado sustenta, preliminarmente, a não tipicidade do crime de peculado pelo fato de não ser ele funcionário público, nem assemelhado, sendo um mero gerente administrativo da construtora Gautama. Afirma, ainda, não ser possível figurar em concurso de pessoas com funcionário público, aduzindo, para tanto, que a denúncia não menciona o art. 30 do Código Penal e nem descreve o meio pelo qual o acusado teria concorrido para a apropriação ou desvio do bem móvel de que tivesse posse. VI.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA O denunciado afirma que não há prova de ter ele oferecido ou prometido vantagem a quem quer que fosse. Reforça a alegação de ter na empresa Gautama a atribuição de controlar a movimentação financeira da conta da matriz pois apenas Zuleido Veras tinha poderes para movimentá-la, determinando os saques para pagamentos e remessas às filiais. VI. 3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de corrupção passiva com o de peculato, porque tais delitos foram cometidos a partir da mesma base fática, o que implica em violação ao princípio do non bis in idem. VI. 4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Este denunciado, como outros, argui a inépcia da inicial, por falta de descrição circunstanciada dos elementos típicos do delito, inexistindo na descrição do MPF a indicação de conduta associativa por parte do denunciado, 178 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL como também da existência de dolo. Assevera que o MPF mostra-se contumaz em imputar crime de quadrilha sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso de pessoas, sendo meramente profissional o relacionamento entre o acusado e os demais diretores da empresa. VI - DO PEDIDO Por fim, requer a rejeição da denúncia. XII) RICARDO MAGALHÃES DA SILVA (FL. 5.068-5.113) 2.2. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Este é mais um dos denunciados a alegar ser a denúncia inepta, por não haver a descrição circunstanciada dos elementos típicos do delito. Sem a indicação da conduta associativa indispensável pela imputação do crime de quadrilha, também ignora a peça acusatória a existência d elemento subjetivo. Assevera que o MPF mostra-se contumaz em imputar crime de quadrilha sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso de pessoas. 2.4. DO EVENTO SERGIPE 2.4.1. DA APRESENTAÇÃO DAS MEDIÇÕES. DO PAPEL DO ACUSADO NA EMPRESA Este denunciado é servidor da Construtora Gautama desde o ano de 1995, sendo o engenheiro responsável pelas obras contratadas, detendo conduta compatível com seus rendimentos e os de sua esposa. Afirma o MPF que as medições da obra da adutora do São Francisco eram apresentadas ao contratante (Deso) e não à Secretaria de Infra-Estrutura do Estado. Trabalhou o denunciado na 2ª fase da 2ª etapa do sistema da adutora do rio São Francisco, desde o início até a conclusão em dezembro de 2006. Em janeiro de 2007, foi transferido para outra obra em Porto de Galinhas-PE. 2.4.2. DA OBRA DA ADUTORA. DA INEXISTÊNCIA DE MEIOS DE DEFESA QUANDO DA CONFECÇÃO DO RELATÓRIO DA CGU RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 179 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O denunciado sustenta ter sido o relatório da CGU elaborado sem franquear às partes envolvidas o direito de esclarecer os pontos questionados, tomando-se como verdade absoluta a análise dos técnicos da CGU. A partir daí descreve os principais pontos que estão a merecer destaque: a) inconsistências do relatório da AGU quanto a obra da adutora; b) inconsistências do relatório da CGU; c) análise feita pelo TCU, ignoradas inteiramente nas investigações. 2.4.6. DA OBRA DA ADUTORA. DESCRIÇÃO. JUSTIFICATIVA. A CGU apresentou três versões diferentes para valores extraídos do mesmo banco de dados, ignorando o fato de a obra ter sido fiscalizada pelo TCU. Alega, ainda, que a construção da 2ª fase da 2ª etapa do sistema da adutora do São Francisco, obra de inegável interesse público para o Estado de Sergipe, está em pleno funcionamento. Assevera que a adutora do rio São Francisco foi construída na década de 1970, com extensão de 90 km, tornando-se insuficiente com o aumento populacional. Daí as obras de duplicação da adutora, fato que ensejou a contratação da construtora Gautama para a realização da 1ª e 2ª fases da obra. 2.4.7. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. PRORROGAÇÕES. O denunciado afirma que o relatório da CGU foi elaborado sem levar em conta os problemas de execução causados, dentre outros, por achados no campo de obra ou fatores de ordem financeira, como por exemplo a substituição de todas as válvulas do trecho recalque somente autorizada pela Deso no mês de agosto de 2006, demandando tempo para a realização dos testes. 2.4.8. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. CORREÇÕES. O denunciado alega não haver questionamento com relação ao cálculo dos reajustes periódicos para correção dos preços corroídos pelo processo inflacionário, estando expressamente previsto na cláusula sétima do contrato a data base e os índices a serem utilizados. Nega, assim, a alegação de 180 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL superfaturamento, justificando os reajustes considerados indevidos pela CGU, como valores calculados sobre os preços. 2.4.9. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. ALTERAÇÕES E VINCULAÇÃO AO QUE LICITADO. Segundo a defesa o 1º Termo de Rerratificação foi motivado por deliberação do TCU, pela Decisão n. 1.270/2002 - Plenário e o 2º Termo teve como motivação a adequação da planilha, em função das novas estimativas para as quantidades definidas pelo Projeto Executivo, no qual ficou ficou definida a mudança das travessias subaquáticas para travessias aéreas, com a introdução de nova metodologia construtiva, justificada no relatório de fiscalização anexo ao 2º Termo de Rerratificação. O 3º, por seu turno, decorreu da necessidade de adequação da planilha do projeto executivo, pela discrepância observada nas quantidades levantadas e as reais quantidades do projeto, enquanto o 4º Termo visou atender à determinação do TCU (Acórdão n. 257/2004), todos devidamente analisados pela Corte de Contas. Portanto, conclui a defesa, o MPF põe em cheque as conclusões do TCU e não a atuação do acusado. 2.4.10. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. TUBOS. No que diz respeito à medição dos tubos de aço, onde foram encontradas divergências nas notas fiscais fornecidos diverge das notas fiscais apresentadas pelo MPF, chama atenção para o fato de a própria CGU admitir não estarem completas as notas fiscais levantadas. Para a defesa a obra foi executada conforme o projeto, bem como a sua extensão. 2.4.11. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. ESCAVAÇÕES. Refutando a acusação de incompatibilidade das medições dos serviços de escavações, por serem incompatíveis com os dados das sondagens realizadas ao RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 181 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA longo do eixo da adutora, afirma que “as sondagens apresentadas no relatório foram feitas com um espaçamento de 100m uma da outra; elas são pontuais e servem apenas como referência no levantamento de quantitativos do Projeto Executivo.” (...), sendo óbvio que o nível de precisão de um intervalo de 20m - ou menos ainda - é superior ao de 100m”. (fl. 5.092-5.093). 2.4.12 DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. FISCALIZAÇÃO PELO TCU. As medições referentes aos meses de maio e junho de 2006 já estavam executadas por ocasião da fiscalização do TCU (período 30.6 a 31.7.2006), mas o pagamento, conforme consta das faturas emitidas em maio e junho de 2006, só foi feito em agosto/2006, contrariando o alegado pelo MPF. 2.4.12. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. O ACOMPANHAMENTO DA OBRA. Afirma que a obra foi auditada pela BVQI, empresa de consultoria em certificação de qualidade com atuação globalizada, que conferiu à construtora Gautama certificado de qualidade dos serviços prestados. 2.4.13. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E CORREÇÕES INDEVIDAS. SUPERFATURAMENTO E MEDIÇÕES FRAUDULENTAS. Diz a defesa: “Em seu relatório, a CGU não questiona a qualidade dos serviços e lastreia a tese de superfaturamento, basicamente, na diferença de preço dos tubos e de alguns serviços que compara com a Tabela Sinapi, e no percentual referente ao BDI aplicado sobre o fornecimento de materiais. Tal análise, contudo, é desprovida de qualquer valor, dado que os mesmos temas foram objeto do controle do TCU, sendo certo que, como visto, foram reputados regulares todos os preços praticados na obra”. (fl. 5.096). Afirma ter sido omisso o relatório da CGU por não mencionar o fato de ter sido a obra auditada pelo TCU. 182 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 2.4.14. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE 28.6.2006 Com base no diálogo interceptado no dia 28.6.2006 (travado entre Zuleido e Ricardo Magalhães), pretende o MPF fundamentar a acusação de terem sido elaborados os aditivos pelo acusado Sérgio Leite, empregado da Construtora Gautama. Entretanto após o diálogo mencionado, nenhum outro termo aditivo ao Contrato n. 110/01 foi firmado, havendo apenas uma prorrogação de 60 dias, chamando a atenção para o fato de serem os termos aditivos e de rerratificação elaborados pela assessoria jurídica da Deso. Na oportunidade diz que Sérgio Leite trabalhava na Gautama para elaborar o projeto executivo da obra, não sendo funcionário público. 2.4.15. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE 13.7.2006. 11h e 39 m. O denunciado afirma que, no diálogo interceptado no dia 13.7.2006, foi dito precisar o governo inaugurar obras para obter votos para campanha. Comentou-se na conversa que diversas empreiteiras, prestadoras de serviço ao Estado, estavam credoras de suas faturas, estando o Estado desprovido de meios para pagar esses compromissos. No diálogo há ainda o comentário de que, acaso o empréstimo negociado não ocorresse, o Estado teria de fazer um aporte para pagar os credores, sob pena das empresas, dentre elas a Gautama, interromper a prestação dos serviços. E continua a defesa: este diálogo não foi considerando, preferindo a a acusação escolher o que convinha, dando a impressão de estar a sefalar de algo indevido. 2.4.16. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE 13.7.2006. 12h e 18m. Negando tenha ocorrido faturamento no mês de julho de 20006, o que só ocorreu em 9.8.2006, quando foram pagos os serviços realizados ate aquela data, no valor de R$ 6.162.875,06, ocorrendo outros faturamentos em 14.9.2006, 17.10.2006 e 20.12.2006, com tempo suficiente para a execução dos serviços e posterior medição. 2.4.17. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE 8.8.2006. 15h e 40m. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 183 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O acusado assevera que no dia 9.8.2006 foi faturado o valor de R$ 6.162.875,06, correspondente aos serviços realizados até aquela data. Aduz que apenas afirmou no mencionado diálogo que teria que faturar todo o valor já executado, mesmo que recebesse parte, sob o argumento de que somente é possível emitir uma fatura por mês para cada ordem de serviço. III- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS AO ACUSADO 3.1. DO CRIME DE PECULATO O denunciado alega que jamais teve a posse dos recursos supostamente desviados, não sendo possível aplicar a regra do art. 30 do Código Penal, mesmo porque não foi o dispositivo invocado pelo MPF. 3.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA Quanto ao crime de corrupção ativa, diz a defesa não haver prova alguma ou descrição de conduta no sentido oferta ou promessa de vantagem a quem quer que seja. e conclui: nenhuma das condutas atribuídas ao acusado é típico, antijurídico e culpável. 3.3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao princípio do non bis in idem. 3.4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Argui a inépcia da exordial porque deixou o MPF de descrever circunstanciadamente os elementos típicos do delito, como também não indica qualquer conduta associativa por parte do denunciado, nem tampouco a existência de dolo, mostrando-se o MPF contumaz em imputar o crime de quadrilha sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso de pessoas. 184 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Assevera que o relacionamento existente entre o denunciado e os demais diretores da empresa era de natureza profissional, não havendo qualquer conotação criminosa. V - DO PEDIDO Por fim, requer a rejeição da denúncia. XIII) JOSÉ IVAN DE CARVALHO PAIXÃO (FL. 4.861-4.953) 1.2. DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA A defesa deste denunciado diz ignorar a existência de qualquer associação criminosa voltada à consecução de crimes contra administração relacionados à obra da adutora do São Francisco, tendo se encontrado com Zuleido Veras, ocasionalmente, em duas ou três oportunidades, quando exercia o acusado mandato deo deputado federal. Dele ouviu o comentário de que a obra da adutora do São Francisco era essencial para o abastecimento do Município de Aracaju. Informa que foi Secretário de Administração do denunciado João Alves, sendo uma das suas funções a obtenção de transferências voluntárias e contratos de financiamento. Refuta a tese de existência de se ter formado uma quadrilha, existindo apenas especulação do MPF a respeito. 2. DA LIBERAÇÃO DE VERBAS CONVENIAIS 2.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA O denunciado afirma que em momento algum solicitou ou recebeu dinheiro de Zuleido Veras. Apenas, na condição de deputado federal, esforçou-se para conseguir a liberação de certidões para o Estado de Sergipe, ato desempenhado corriqueiramente por todos os deputados federais. Afirma que “é deveras estranho que a Polícia Federal ouvindo tais diálogos e entendendo que estava por ocorrer a entrega de propina a alguém - um ex-parlamentar federal - não tenha filmado, fotografado, monitorado ou, de qualquer modo, flagrado os supostos envolvidos.” (fl. 4.868). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 185 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Entende que é ônus do MPF fazer a prova de ter o acusado recebido R$ 50.000,00, já que alegou, sendo inadmissível a inversão do ônus da prova para fazer a defesa prova impossível, ou seja, prova negativa. E arremata: não faz o menor sentido que, por um suposto serviço ilícito praticado em 2005, fosse o denunciado remunerado no ano de 2006. II - A ILICITUDE DA PROVA O denunciado argui a ilicitude das interceptações telefônicas, sob o argumento de que não constam dos autos os apensos relacionados às autorizações judiciais respectivas, procedimento que afronta a Lei n. 9.296/1996. Defende a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, sob o argumento de que a ilegalidade das interceptações contamina todas as demais diligências efetuadas. IV - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA Coube ao Ministério da Integração Nacional destinar ao Estado de Sergipe o montante de R$ 6.800.001,00, sem qualquer intermediação do denunciado. Assevera ainda que, quando da publicação do Extrato de Convênio n. 0006/2005MI, não existia empreiteira contratada para a realização da obra, o que, segundo o acusado, derruba a afirmativa da Polícia Federal de que o manifestante liberava recursos para a Gautama. Após a chegada dos recursos para a Secretaria de Estado da Infra-Estrutura do Governo de Sergipe, continua a defesa, todas as decisões tomadas pelo Poder Executivo Estadual não contaram com qualquer participação do manifestante. Afirma que, por decisão do então Governador João Alves Filho, o denunciado assumiu como suplente a cadeira de Deputado Federal com o objetivo de acompanhar o CAUC (Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias), pois os recursos destinados para o Estado de Sergipe estavam retidos em Brasília em razão das anotações de inadimplências que surgiam frequentemente. O denunciado afirma que o trabalho do acusado abrangia todos os convênios e liberações de recursos para o Estado de Sergipe, sem que houvesse preferências por nenhum destes. Assevera que o trabalho do denunciado ocorreu principalmente e de forma honesta no Ministério da Integração Nacional, acompanhando os processos e solucionando pendências do CAUC. 186 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Assevera que o acusado jamais atuou diretamente para a liberação de recursos, aduzindo que nenhum dos convênios assinados e nenhum dos recursos liberados teve origem em emenda parlamentar ao orçamento da União de sua autoria. Afirma que no período das gravações o acusado não ocupava nenhum cargo público e que não detinha poderes para interferir em nenhuma tomada de decisão nos órgãos públicos do Estado de Sergipe. Afirma que como Presidente Estadual do PPS e candidato a deputado federal nas eleições de 2006, o acusado manteve vários contatos com Flávio Conceição, então Secretário de Estado da Casa Civil, autoridade que mantinha canal de interlocução política do Governo de Sergipe com os partidos aliados, sendo precipitadas e impertinentes as conclusões da Polícia Federal, sem sequer a preocupação de investigar o nome do responsável por incluir no orçamento da União os recursos para a obra da adutora do São Francisco. Quando os recursos do Convênios n. 0006/2005MI foram depositados na conta da Secretaria de Estado de Infra-Estrutura, não existia sequer empreiteira selecionada para a execução do objeto do convênio, destaca. No relatório de 14.10.2006, a autoridade policial afirma não se enquadrar o denunciado nas reiteradas condutas criminosas praticadas pela suposta organização criminosa, podendo os fatos serem apurados após a deflagração da Operação. Mas o MPF não teve o cuidado de pesquisar a execução do orçamento da União em 2005, apuração que levaria à conclusão de que os recursos para a obra são provenientes do Convênio n. 0006/2005MI, de iniciativa exclusiva do Ministério da Integração Nacional. 4.2. QUANTO AO PECULATO Reportando-se à sua condição profissional da época dos fatos, informa que era deputado federal, e como tal não tinha a posse da receita transferida pela União ao Estado de Sergipe, razão pela qual mostra-se descabida a imputação da prática do crime de peculato. Cita o REsp n. 830.671-SP; APn n. 335-ES. rel. Min. Carlos Alberto Direito. 4.3. QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA O denunciado rejeita a acusação, sob o argumento de que a suposta propina teria sido paga ao acusado em 2006, um ano após a liberação de recursos ocorrida em 2005. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 187 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Aduz, ainda, que, apesar do suposto ato de ofício ter sido praticado em uma única oportunidade, o MPF imputou ao denunciado a prática de peculato por 02 (duas) vezes. 4.4. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUS O denunciado suscita a preliminar de falta de justa causa, porque a denuncia traz em seu texto apenas conjecturas incapazes de subsidiar a acusação formulada. Cita o HC n. 84.409, rel. Min. Cesol de Mello; APn n. 395-AM, rel. Min. Luiz Fux. V – REQUERIMENTO Pede a rejeição da peça acusatória. XIV) SÉRGIO DUARTE LEITE (FL. 4.794-4.820) 1.2. DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA 1.2.1. SOBRE O ORÇAMENTO Q UE EMBASO U A CONCORRÊNCIA PÚBLICA DAS OBRAS O Relatório da CGU registra que a Enpro fora contratada para elaborar o orçamento e o projeto básico da Concorrência Pública n. 005/2000, na qual saiu vencedora a construtora Gautama. Esta informação é refutada pelo denunciado, porque os trabalhos indicados foram realizados pela empresa Tecnosolo, segundo ofício Deso n. 315/2008-PR. A Enpro, empresa especializada em projetos de serviços de infra-estrutura urbana, notadamente os de saneamento básico, com 22 anos de existência ja elaborou mais de 600 estudos e projetos para entidades públicas e privadas no Estado de Sergipe. Esta empresa passou a relacionar-se com a Gautama por força de contratos firmados, dentro da mais absoluta regularidade. 1.2.2. DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO PROJETO EXECUTIVO Segundo afirma este denunciado, todas as alterações de metodologia construtiva, quantidades e especificações técnicas promovidas pelo projeto executivo elaborado pela Enpro atenderam expressamente às orientações da 188 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Deso e foram levadas a termo por determinação do TCU (junta a decisão do TCU n. 1.270/2002). As alterações de quantitativos no projeto executivo elaborado pela Deso são justificadas em razão das incompatibilidades existentes entre o projeto básico licitado (elaborado pela Tecnosolo) e a realidade da obra. Mas a alteração acabou por reduziu o valor original do contrato de R$ 107.458.567,58 para R$ 103.064.249,67, fato que vem a ser explorado pelo MPF na tentativa de induzir a Justiça a erro, proclamando ter havido redução do valor do contrato. 2. DAS OPERAÇÕES RELATIVAS A EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS 2.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA O denunciado aponta diversos projetos de esgotamento sanitário e abastecimento d´água, enquadrados no programa estadual intitulado “Água em Toda Casa” (fl. 4.804), os quais, em 2006, somavam um montante de R$ 6.781.987,56. E informa que, no início de julho de 2006 as faturas emitidas pela Enpro, por conta desses contratos, já somavam R$ 1.457.213,31, dos quais R$ 632.782,46 de faturas com mais de 30 (trinta) dias de atraso no pagamento. Assevera que, em função do grande volume de recursos necessários ao pagamento das obras e projetos desenvolvidos no programa Água para Todos, corria, à época, a notícia entre as empresas contratadas pela Deso que esta tomaria empréstimos bancários para honrar os compromissos assumidos com seus credores. A Deso, efetivamente, contraiu 04 (quatro) empréstimos bancários no valor de R$ 34.500.000,00, iniciado o pagamento aos credores em 11.8.2006. Afirma que a preocupação do acusado centrava-se no recebimento das faturas da Enpro pelos serviços prestados à Deso, aduzindo que, caso houvesse a postergação dos pagamentos, os altos valores envolvidos colocariam em risco a própria sobrevivência da Enpro. Assim, em defesa dos interesses da Enpro, procurou, de forma legítima, o Secretário de Estado da Fazenda Gilmar de Melo Mendes para conseguir informações mais precisas sobre o assunto e manteve contato com Zuleido Veras partilhando com ele as informações que possuía, sem qualquer diálogo com o denunciado Flávio Conceição, jamais consultado, diferentemente do que consta da denúncia. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 189 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. DOS ADITIVOS AO CONTRATO DA GAUTAMA 3.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA Nega a acusação constante da denúncia, no sentido de ser o acusado o responsável pela preparação dos aditivos da construtora Gautama e pelas alterações das planilhas de preços. Considera ter surgido a acusação em razão de diálogo mantido entre Zuleido Veras e Ricardo Magalhães, interceptado no dia 28.6.2006, 01 (um) ano após o último instrumento de alteração dos preços do contrato firmado entre a Deso e a Gautama. Assevera que, apesar de não haver nenhum impedimento (já que era sócio-proprietário de empresa de consultoria em projetos de engenharia, sem qualquer vinculação empregatícia com a Deso), não foi isso que aconteceu, pois as alterações do preço global do contrato de obras ocorreram em razão do 2º, 5º e 6º Termo de Rerratificação, pactos nos quais não houve qualquer intervenção do denunciado. 4. A INÉPCIA DA DENÚNCIA O denunciado argui a inépcia do pedido inicial do MPF, firmada em meras conjecturas. E arremata a alegação da seguinte forma: “tudo quanto se acusou sobre a elaboração do orçamento do edital de licitação da obra, confecção do projeto básico e as modificações que alteraram substancialmente as planilhas de preços originalmente formuladas foi esclarecido por documentos. Ficou transparente que a elaboração orçamentária não foi feita pelo acusado, que a confecção do projeto básico que deu origem à obra idem, e que as alterações de quantitativos e de metodologias construtivas ou decorreram de ordem da Deso ou do TCU, de sorte a afastar qualquer responsabilidade do ora defendente. Também quanto às chamadas operações relativas a empréstimos bancários, ficou certo que o acusado não teve qualquer papel nelas (...) e os seus diálogos com Zuleido Veras, na ocasião, limitaram-se a troca de informações públicas, feitas entre pessoas que mantinham relacionamento empresarial amistoso.” (fl. 4.812). Cita o HC n. 84.409-SP, rel. Min. Celso de Mello; APn n. 479-RJ, rel. Min. Felix Fischer. Ao final, requer a rejeição da denúncia. 190 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL XV ) MAX JOSÉ VASCONCELOS DE ANDRADE (FL. 3.7633.799); (FL. 5.327-5.514) 1 - DA IMPUTAÇÃO DO DELITO DE PECULATO O denunciado rejeita a acusação de prática de peculato, aduzindo, para tanto, que o MPF não apontou a modalidade praticada, nem tampouco a existência de dolo na conduta do agente. No período em que exerceu o cargo de Secretário de Estado da Fazenda cumpriu a Lei Orçamentária e promoveu a sua execução conforme exigido na LC n. 101/2000, negando peremptoriamente ter promovido qualquer repasse ilegal de verba à Deso. E argumenta: caso o denunciado houvesse aplicado os recursos em outro segmento do Governo do Estado de Sergipe, desviando os valores dos repasses previstos no mencionado diploma, terminaria por incorrer na prática do delito previsto no art. 315 do Código Penal. Assevera que a acusação da prática do delito de peculato é extremamente grave, principalmente porque o MPF não indicou elementos suficientes para embasar a denúncia. 2 - DA IMPUTAÇÃO DO DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA Também refuta o cometimento do crime de corrupção passiva, por falta de descrição individualizada e discriminada da conduta do acusado, deixado de apontar a espécie de corrupção ativa praticada pelo acusado (se própria ou imprópria), qual a vantagem indevida solicitada pelo acusado, o momento da prática e da consumação do delito (se ocorreu quando do exercício do cargo de Secretário da Fazenda ou Secretário de Turismo), o ato de ofício que deixou de ser praticado pelo denunciado e em que momento essa omissão se configurou. Assevera que as transcrições das conversas feitas na exordial não dão suporte à atribuição da prática de qualquer delito ao acusado. Afirma que tais diálogos não foram mantidos pelo denunciado e que a autoridade policial não realizou o indiciamento do acusado. Sem adentrar no mérito da acusação, o denunciado alega que o MPF não se desincumbiu do ônus a que estava obrigado por lei, fato que dificulta a defesa de cumprir seu mister. Cita o HC n. 27.587, rel. Min. Hamilton Carvalhido. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 191 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3 - DA I NST RUMENTALI DADE D O P RO CESSO NECESSIDADE DA DENÚNCIA TER EM SEU RELATO A EXPOSIÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS; SUAS CIRCUNSTÂNCIAS; E, A CLASSIFICAÇÃO DO CRIME - INEXISTÊNCIA - INÉPCIA DA PREAMBULAR ACUSATÓRIA - REJEIÇÃO. Reitera a alegação de inépcia da denúncia, por falta de clara exposição dos fatos que, em tese, podem configurar crime. Cita como precedentes o HC n. 55.476-PA, rel. Min. Gilson Dipp e o HC n. 84.409-SP, rel. Min. Joaquim Barbosa. Ao final, requer a rejeição da exordial acusatória, nos termos dos arts. 395 e 397 do Código de Processo Penal. XVI) MARIA DE FÁTIMA CÉSAR PALMEIRA (FL. 5.629-5.762) II - BREVE HISTÓRICO PROFISSIONAL DA ACUSADA Engenheira civil trabalhando na construtora Gautama desde 1º.7.1997, exercendo a função de gerente comercial da empresa no Estado de Alagoas, permaneceu neste cargo até 2005, quando foi remanejada para atuar no Distrito Federal. Como gerente comercial mantinha contatos telefônicos com Zuleido Veras, não possuindo ingerência em nenhum outro departamento da empresa. Reportando-se à denúncia diz Maria de Fátima ter o MPF partido da equivocada premissa de trabalhar a Gautama na liberação de recursos para posterior direcionado da licitação. Segundo ela os diálogos interceptados dizem respeito à liberação de verbas para obras já contratadas, não havendo qualquer ilicitude nessa conduta. A inicial desta ação, continua a defesa, não apontou elementos para fundamentar a acusação de haver uma quadrilha com vínculo de permanência e estabilidade, sendo o MPF contumaz em imputar o crime de quadrilha sempre que se trate de situação que, sob sua ótica, caracterize concurso de agentes envolvendo mais de 03 (três) pessoas. Afirma que a relação da denunciada com os demais integrantes da empresa é de natureza profissional e que a Gautama tem 13 (treze) anos de existência executando obras tanto para o setor público quanto para o privado. 192 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL II - DO EVENTO SERGIPE Diz Maria de Fátima ser inepta a denúncia porque o MPF, equivocadamente extraiu de um diálogo, interceptado no dia 13.7.2006, o entendimento de estar a denunciada praticando um crime, pelo simples fato de haver no diálogo uma uma ordem de Zuleido para que a denunciada providenciasse a remessa de dinheiro (fato que, segundo a acusada, não constitui crime). Segundo entende, não há nada no diálogo a demonstrar ser o Sérgio, ali nominado, o Sérgio Duarte Leite, acusado no Evento Sergipe, tudo levando a crer que se tratasse de Sérgio Hala. VIII - DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS À ACUSADA VIII. 2. DO CRIME DE PECULATO E DE CORRUPÇÃO ATIVA A denunciada refuta a acusação de autoria do crime de peculato, porque nunca teve a posse dos recursos público para desvia-los. E continua a defesa, combatendo a acusação, ao afirmar não haver nos autos descrição perfeita ou alguma prova de ter a acusada oferecido ou prometido vantagem a quem quer que seja. Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao princípio do non bis in idem. Ao final pede a rejeição da denúncia. XVII) VICTOR FONSECA MANDARINO (FL. 5.795-5.818) O denunciado afirma que somente foi nomeado para exercer o cargo de Presidente da Deso em janeiro de 2003, restando claro que os fatos ocorridos antes de sua nomeação, bem como os deles decorrentes, quais como, a Concorrência Pública n. 005/2000, a formalização do contrato dela decorrente, a expedição da ordem de serviço e o 1º termo de rerratificação, não podem ser imputados ao acusado. Durante sua gestão foram formalizadas as seguintes alterações no Contrato n. 110/01: 2º ao 6º Termo de Rerratificação e 1 ao 3° Termo aditivo, todos RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 193 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA instrumentos pactuados visando atender determinações oriundas do TCU para adequações técnicas das planilha licitada. Assevera que o 2º Termo de rerratificação foi elaborado em razão da conclusão do projeto executivo e de determinação do TCU, o que terminou por reduzir o valor contratualem exatos R$ 4.394.317,91, enquanto o 3º Termo de Rerratificação decorreu da necessidade de remanejamento de outros serviços, enquanto o 4º Termo, onde foi inserida cláusula contratual dispondo que os futuros aditamentos, acaso necessários, sejam realizados nos moldes da recomendação exarada pelo TCU. decorreu de determinação constante do Acórdão n. 257/2004 da Corte de Contas. O 5º Termo de rerratificação foi precedida de análise técnica detalhada e a majoração encetada representou apenas 2,01% do valor originário, afigurando-se de pequena monta, se considerado o valor global do ajuste. Por último, o 6º Termo de rerratificação foi motivado pelo relatório técnico apresentado pelo engenheiro da Deso, apontando problemas de corrosão nas tubulações da 1ª etapa do trecho gravidade II e a necessidade de providências urgentes e emergenciais, sob pena de estrangulamento no abastecimento de água. Assim sendo, foram repactuados os preços para o fornecimento de tubos de aço carbono soldável, passando o valor global do contrato de R$ 102.139.432,44 para R$ 128.432.169,59, alteração que visou dar maior qualidade à obra e conseqüente confiabilidade operacional ao sistema. Este 6º Termo, questionado pelo TCU, após oferecidas a Tribunal as justificativas técnicas da Deso, convenceu-se da pertinência e decidiu revogar a medida cautelar concedida em 1º.8.2005, para cancelar a alteração, conforme Acórdão n. 2.293/2005. A acusação lançada na exordial acusatória está embasada no relatório da CGU, órgão que desconsiderou a atuação do TCU na fiscalização da obra e ignorou o fato de ter sido feita a substituição dos tubos de ferro de aço fundido por sua intervenção, estando presente antes mesmo da homologação do processo licitatório, até a resolução do contrato. INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA O denunciado argui a inépcia da exordial, aduzindo que essa peça não preenche os requisitos do art. 41 do CPP, deixando de descrever os fatos tidos por delituosos cometidos pelo acusado, como por exemplo, não descreveu a forma e o tempo em que teria ocorrido o desvio de dinheiro público, nem tampouco indicou a existência de dolo na conduta do agente. 194 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Destaca o fato de não haver nas manifestações do TCU, qualquer constatação de superfaturamento de preços ou inexistência de serviços. Assevera ter adotado todas as medidas necessárias à verificação das despesas, sendo todos os pagamentos antecedido de aval da equipe técnica da Deso. Para este acusado a alegada falha, ilegalidade ou irregularidade praticada por assessores técnicos da Deso não pode ser transferida automaticamente ao denunciado. Afirma que o termo a quo para incidência dos reajustes encontra previsão no art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993, sendo utilizados os índices da FGV para os cálculos dos reajustes, os quais retratam a variação do preço do ferro, aço e derivados. Assevera que os insumos utilizados na execução da obra sofreram grande majoração ao longo dos primeiros 05 (cinco) anos de execução contratual, fato que justifica os reajustes encetados por conta da expressa disposição contratual e legal. Informa que apenas 31% dos recursos provenientes de empréstimos contraídos junto a instituições financeiras foram destinados à construtora Gautama, fato que demonstra a ausência de privilégio da empresa junto à Deso. Por fim, assevera que os diálogos interceptados nos dias 13.6.2006, 20.6.2006, 8.8.2006, 31.8.2006 e 4.9.2006 demonstram as dificuldades impostas pelo acusado ao repasse de verbas à Gautama. Pede, finalmente, a rejeição da denúncia e subsidiariamente pugna pela desclassificação do delito, aplicando-se a suspensão condicional do processo. Às fl. 9.021-9.022, determinei a intimação do MPF, nos termos do art. 221 do RISTJ. O MPF às fl. 9.028-9.029, opinou que apenas as defesas dos denunciados no “Evento Sergipe” fossem mantidas nos autos, pedido atendido pela decisão de fl. 9.046-9.047. PROSSEGUIMENTO DA INSTRUÇÃO Às fl. 9.078, foi juntada certidão da Corte Especial atestando que, por equívoco, não foi juntado aos autos da presente ação penal o Processo n. 2006.33.00026473 (medida cautelar de interceptação telefônica), que tramitou RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 195 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA perante a Seção Judiciária do Estado da Bahia, o que me levou a proferir decisão no sentido de ordenar o processo e determinar a juntada dos autos de interceptação, com a notificação de todos os denunciados para, querendo, apresentarem resposta no prazo de 15 (quinze) dias ( fl. 9.080-9.081). Determinei, ainda, extração de cópias do mesmo Processo n. 2006.33.00026473 e a remessa às Seções Judiciárias do Distrito Federal e dos Estados do Maranhão e de Alagoas. Às fl. 9.097-9.099, o denunciado Zuleido Soares Veras pediu fosse dilatado o prazo de resposta para 60 (sessenta) dias, pedido indeferido às fl. 9.1908-9.109. Seguiram-se os aditamentos dos denunciados Zuleido Soares Veras, Vicente Vasconcelos Coni, Tereza Freire Lima, Rodolpho de Albuquerque Soares de Veras, Ricardo Magalhães da Silva, Jorge Eduardo Santos Barreto, João Manoel Soares Barros, Humberto Rios de Oliveira, Henrique Garcia de Araújo, Gil Jacó de Carvalho Santos, Florêncio Brito Vieira, Dimas Soares de Veras, Bolívar Ribeiro Saback e Abelardo Sampaio Lopes Filho, nos quais alegam, em preliminar: I - CERCEAMENTO DE DEFESA - PRAZO HÁBIL PARA A ANÁLISE DO MATERIAL ANEXADO AO PROCESSO Asseveram que o prazo de 15 (quinze) dias é insuficiente para exame de um processo de 2.770 folhas, em que constam as interceptações telefônicas deferidas pelo Juízo Federal do Estado da Bahia. Afirmam que a acusação tinha a obrigação de juntar o referido processo imediatamente antes do relatório da autoridade policial, ainda em sede de inquérito, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.296/1995. II - DA AUSÊNCIA DOS REQUERIMENTOS E DAS ORDENS QUE DEFERIRAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS QUE REDUNDARAM NO PRESENTE FEITO Alegam ausência dos requerimentos e das ordens que deferiram as interceptações telefônicas que redundaram no presente feito, com a juntada tardia, o que impediu o amplo contraditório. Ademais, dizem ser parcial o processo, faltando os pedidos e deferimentos das primeiras interceptações, justamente as que sustentaram todas as demais. Juntam relatório parcial da Polícia Federal de 7.2.2006 (documento que inaugura o Processo n. 2006.33.00026473) e afirmam que, àquela época, já existiam interceptações telefônicas em curso. 196 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Alegam que os investigados João Batista Paiva Santana e Rubens de Carvalho Patury já estavam sob monitoramento telefônico e que de tal monitoramento surgiram pedidos de interceptação contra Francisco de Assis Borges Catelino e Joel Almeida de Lima, sendo que o pedido de interceptação contra o denunciado Zuleido Veras surgiu em razão do monitoramento de Francisco Catelino e Joel de Lima. Aduzem que o vínculo entre a interceptação ocorrida contra Rubens Patury na “Operação Octopus” e a interceptação ocorrida contra Zuleido Veras é incontestável, retirando da defesa a possibilidade de analisar a licitude da prova na medida que não lhe é fornecida a prova inicial da qual todas as demais dependem. Transcrevem trecho do mencionado relatório da Polícia Federal, no qual a autoridade policial menciona que o monitoramento em questão não deve ser utilizado para investigação de fatos que não digam respeito àqueles apresentados ao Poder Judiciário. Defendem a ilegalidade da prova colhida por interceptação telefônica, ao argumento de que o monitoramento telefônico realizado na “Operação Octopus” foi utilizado para dar início ao presente feito. III - EXCESSO DE PRAZO - OFENSA AO MANDAMENTO DA RAZOABILIDADE ANTE AFRONTA DIRETA AO COMANDO CONSTITUCIONAL - LEADING CASE - HC N. 76.686 Afirmam que o primeiro pedido de interceptação telefônica que veio aos autos do Processo n. 2006.33.00026473 data de 7.2.2006 e faz menção expressa a interceptações anteriores da “Operação Octopus”. Afirmam que a primeira interceptação existente nos autos data de 16.2.2006, tendo sido sucessivamente prorrogada até o dia 19.4.2006, quando, pela primeira vez, é deferida interceptação telefônica contra funcionários da empresa Gautama. Após tal deferimento, a autoridade policial requereu prorrogações sucessivas das interceptações contra Zuleido, Rodolpho e Florêncio, assim como contra Maria de Fátima, César e Gil Jacó, sendo deferidas até a data de 18.8.2006. Entendem que, por meio da análise dos autos, chega-se ao prazo de 06 (seis) meses de interceptação deferidos pelo Juiz Federal de SalvadorBA que, somado ao prazo de interceptação deferida por esta relatora, indica RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 197 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA desproporcionalidade na medida e violação à Lei n. 9.296/1996. Cita o HC n. 76.686, rel. Min. Nilson Naves, DJ 10.11.2008. Afirmam ter sido o Juiz Federal de Salvador-BA levado a erro pelos agentes da Polícia Federal que pretendiam mudar o foco das investigações rotuladas como “Operação Octopus”. IV - DA AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS Em apreciação geral dizem os acusados que a Operação Navalha iniciouse por investigação desenvolvida pela força tarefa previdenciária no Estado da Bahia, investigando suposta prática de fraudes previdenciárias, sonegação fiscal e liberação indevida de CND´s, além de crimes contra a administração pública praticados por sócios de 08 (oito) empresas do ramos de prestação de serviços com fornecimento de mão-de-obra no Estado da Bahia, daí o nome Octopus, em alusão aos 08 tentáculos de um polvo. No curso da operação, passou-se a investigar o envolvimento de delegados e agentes da Polícia Federal com membros da suposta organização criminosa, o que gerou a nova operação denominada “Navalha”, em clara referência de que a PF pretendia cortar na própria carne. Durante meses a investigação esteve voltada apenas para a contra-inteligência da Polícia Federal, que investigava seus próprios agentes e delegados. Por motivos não esclarecidos, a Polícia Federal resolveu mudar o foco das investigações exatamente quando “problemas técnicos” passaram a ser noticiados quanto à interceptação telefônica de delegados investigados, momento em que o foco da apuração deixou de se ocupar dos delegados federais e passou a centrar nas operações da empresa Gautama, fato que, segundo os denunciados, foi admitido pela Polícia Federal (Relatório Circunstanciado n. 11) e citação de decisão do Juiz Federal Durval Carneiro Neto (fl. 03-19 do apenso 76), o qual confundiu-se com a alteração do foco das investigações, sendo levado a erro. Para os denunciados, os inúmeros óbices ocorridos durante as investigações policiais acabou por retirar das interceptação telefônica, a fumaça do bom direito, supostamente existente. V - DA PRIMEIRA INTERCEPTAÇÃO DE ZULEIDO VERAS Afirmam que a primeira interceptação do denunciado Zuleido Veras foi realizada como forma de desviar o foco das investigações que recaiam sobre 198 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL policiais federais e foram autorizadas com base em falsas premissas decorrentes de interpretações tendenciosas realizadas por agentes da Polícia Federal. Asseveram que Francisco de Assis Catelino e Joel Almeida de Lima (Delegado de Polícia Federal aposentado) foram contratados na condição de advogados pela empresa Gautama para prestarem serviços advocatícios no acompanhamento em Inquérito com curso perante a Polícia Civil do Distrito Federal, em razão da morte de empregado da empresa, ocorrida durante a construção do prédio do Instituto Nacional de Criminalística. Cita diversos trechos de diálogos monitorados e afirma que não existe nenhuma interceptação telefônica de diálogo entre Zuleido e o denunciado Patury. Assevera que o depósito de R$ 7.000,00 efetuado na conta bancária da esposa de Patury (Magna Soraya) foi realizado a pedido de Catelino, como pagamento de honorários advocatícios. Segundo soube o acusado Zuleido, posteriormente, Joel e Catelino eram amigos de Patury há vários anos e teriam se oferecido para emprestar dinheiro para a realização da festa de posse de Patury como Delegado Superintendente do Estado de Sergipe. Como Joel e Catelino tinham honorários advocatícios a receber, pediram efetuasse a Gautama o depósito correspondente em uma conta por eles informada”. (fl. 9.163). Este fato, segundo a defesa, é interpretado, pelos diálogos interceptados, de maneira completamente equivocada, sendo incrível que um Delegado de Polícia Federal e um advogado combinassem pagamento de vantagem indevida por meio de ligação telefônica. Alegam que o depósito realizado pela Gautama na conta de Soraya foi feito a título de pagamento de honorários a Catelino. Afirmam que o referido empréstimo foi pago mediante depósito na conta de Catelino em 02 (duas) parcelas de R$ 3.500,00 realizados nos dias 21.12.2005 e 9.1.2006, muito antes de se ter conhecimento da investigação. Afirmam que Patury já se encontrava, è época, aposentado da Polícia Federal, tendo sido nomeado para cargo em comissão da Superintendência do Estado de Sergipe. VI - DA PRIMEIRA PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO DO TELEFONE DE ZULEIDO VERAS Defendem que a primeira prorrogação da interceptação telefônica do terminal utilizado pelo acusado Zuleido Veras é fruto da criação mental dos RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 199 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA agentes da Polícia Federal. Cita trecho do diálogo interceptado e alega que o crime de fraude à licitação é punido com pena de detenção, razão pela qual não pode ser utilizada a prova indicada para incriminar o denunciado, nos termos da Lei n. 9.296/1996. VII - DA SEGUNDA PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS A segunda prorrogação da interceptação telefônica, segundo os denunciados, partiu de premissa totalmente equivocada, qual seja, imputação de prática de crime a Prefeito do Município de Camaçari-BA, conduta que, ao final da investigação, não restou amoldada a qualquer tipo penal. O fato de não ter se observado a prática de crime em relação ao “Evento Camaçari” retira da interceptação a fumaça do bom direito, fazendo cair por terra todas as demais medidas de restrição do direito ao sigilo das comunicações. VIII - DAS DEMAIS INTERCEPTAÇÕES Ao final, aduzem que, estando as primeiras interceptações eivadas de ausência de fumus boni iuris, todas as demais, dela decorrentes, encontram-se igualmente viciadas. Notificado, o acusado Max José Vasconcelos de Andrade reitera defesa apresentada (fl. 9.264-9.303). Vencido o prazo de manifestação foram os autos conclusos com 31 (trinta e um) volumes, 232 (duzentos e trinta e dois) apensos e 9.394 páginas. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): I – PRELIMINARES SUSCITADAS PELOS DENUNCIADOS 1) PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO FLÁVIO CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA NETO 1.1) INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL 200 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Rejeito a alegação do acusado de que esta relatora não teria competência para atuar no feito, em razão de ter colhido depoimento de investigados no curso do Inquérito (Inq. n. 544-BA) que deu suporte ao oferecimento da denúncia que ora se examina. Nesse sentido, confira-se o entendimento da Corte Especial sobre o tema: Agravo regimental. Indícios de crime, em tese, cometido por desembargador de Tribunal de Justiça. Declínio de competência para esta Corte. Observância. Desmembramento do feito. Artigo 80, CPP. Fase inquisitorial. Possibilidade. Preservação e viabilização das investigações contra os investigados sem foro por prerrogativa de função, sob pena de prejuízo para as investigações. Verificação. Ratificação do que se produziu na origem, nesse interregno. Agravo regimental improvido. (...) VII - Assinala-se competir ao Ministro Relator, integrante da Corte Especial, presidir e ordenar a tramitação do inquérito de competência originária deste Superior Tribunal de Justiça, adotando as providências necessárias ao êxito das investigações e as que se revelarem urgentes, submetendo-as, ad referendum do colegiado, inclusive, por meio, da presente insurgência recursal, o que não enseja qualquer ofensa ao Princípio do Juiz Natural; VIII - Agravo regimental improvido. (AgRg no Inq n. 743-MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Corte Especial, julgado em 17.8.2011, DJe 10.11.2011). Penal e Processo Penal. Conexão (art. 76, II, do CPP). Prisão de deputado estadual (art. 53, § 2º, da CF/1988). Separação facultativa dos processos (art. 80 do CPP). Foro especial, ação penal de competência originária (Lei n. 8.038/1990). Processamento. Poderes do relator. II. Operação dominó. Organização criminosa (Leis n. 9.034/1995 e n. 10.217/2001 – art. 288 do CP e Decreto n. 231/2003. Convenção de Palermo). Concurso material: advocacia administrativa. Corrupção ativa e passiva e prevaricação. 1. Quando várias pessoas unidas entre si por um único propósito praticam diversas infrações em prol do mesmo desiderato, tem-se concurso subjetivo e objetivo, ensejando a conexão subjetiva e instrumental, o que leva à unidade de processo. 2. A CF/1988 dispensa tratamento diferenciado aos Deputados Federais, prerrogativa que é repetida, por simetria, nas Constituições Estaduais para os Deputados Estaduais, só permitindo a prisão em flagrante com a apresentação do parlamentar preso à Assembléia Legislativa. Impossibilidade de cumprir-se o mandamento constitucional porque dos 24 (vinte e quatro) deputados, 23 (vinte RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 201 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e três) estão envolvidos em delitos conexos com os praticados pelo Deputado Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, aqui denunciado. 3. Foro Especial do STJ para 2 (dois) dos denunciados (Desembargador e Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado), o que atrai a competência para o processo e julgamento dos demais, nos termos do art. 78, III, do CPP. 4. Desmembramento dos feitos conexos diante da complexidade dos fatos para apuração, como facultado pelo art. 80 do CPP. 5. Identificação de uma Organização Criminosa, nos moldes do art. 1º da Lei n. 9.034/1995, com a redação dada pela Lei n. 10.217/2001, com a tipificação do art. 288 CP e Decreto Legislativo n. 231/2003, que ratificou a Convenção de Palermo. 6. Nos termos da Lei n. 8.038/1990 (art. 1º, § 1º) e do Regimento Interno desta Corte (art. 217, §§ 1º e 2º), cabe ao relator, como juiz da instrução, ordenar diligências complementares, da mesma forma como atua o juiz de 1º grau na fase pré-processual das investigações (precedentes do STF e do STJ). 7. A oitiva dos investigados na fase pré-processual pelo relator não viola os princípios do devido processo legal e da imparcialidade. Ao contrário, permite que o relator forme seu convencimento para fins de recebimento da denúncia. Precedentes do STJ e do STF (RHC n. 84.903-RN). 8. Havendo suficientes indícios da materialidade dos delitos de corrupção ativa e passiva, advocacia administrativa e prevaricação, em concurso material, e da imputação da autoria aos denunciados, é de ser recebida a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, com afastamento dos cargos dos agentes políticos (Desembargador, Juiz e Conselheiro do TCE). (Apn n. 460-RO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 6.6.2007, DJ 25.6.2007, p. 209). Neste ponto, transcrevo comentário de Eugênio Pacelli de Oliveira sobre a Lei n. 8.038/1990: A fase investigatória e, sobretudo, o inquérito policial devem ter tramitação perante o próprio órgão de jurisdição, competente para o processo e julgamento da futura ação penal. (Curso de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 777). Cito, ainda, o seguinte precedente do STF sobre a questão: Habeas corpus. Inquérito judicial. Superior Tribunal de Justiça. Investigado com prerrogativa de foro naquela Corte. Interpretação do art. 33, parágrafo único, da Loman. Trancamento. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes. 202 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 1. A remessa dos autos do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça deu-se por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição Federal (art. 105, inc. I, alínea a), em virtude da suposta participação do paciente, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos fatos investigados, não sendo necessária a deliberação prévia da Corte Especial daquele Superior Tribunal, cabendo ao Relator dirigir o inquérito. 2. Não há intromissão indevida do Ministério Público Federal, porque como titular da ação penal (art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal) a investigação dos fatos tidos como delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe participar das investigações. Com base nos indícios de autoria, e se comprovada a materialidade dos crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao órgão julgador. Por essa razão, também não há falar em sigilo das investigações relativamente ao autor de eventual ação penal. 3. Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afirmar que o inquérito transformou-se em procedimento da Polícia Federal, porquanto esta apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário. Os autos demonstram tratar-se de inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob o comando de Ministro daquela Corte Superior de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações. 4. Habeas corpus denegado. (HC n. 94.278-SP, Rel. Ministro Menezes Direito, Pleno, DJ 25.9.2008). 1.2) INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia porque a peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, na medida em que houve a exposição do fato considerado criminoso, as suas circunstâncias, a qualificação dos denunciados e a classificação dos crimes imputados, elementos essenciais e estruturais da denúncia. Conforme se depreende dos julgados abaixo colacionados, eventual inépcia somente pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência, impedindo a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do representado, o que não se vislumbra no presente caso. Este é o sentido da jurisprudência do STJ, como demonstram os arestos seguintes: Criminal. Recurso ordinário em habeas corpus. Atos infracionais análogos aos crimes de estupro e ameaça. Estatuto da Criança e dos Adolescente. Representação que narra ano em que o ato infracional teria ocorrido. Trancamento RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 203 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA da ação penal. Inépcia. Inexistência. Constrangimento ilegal não evidenciado. Recurso desprovido. I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade. II. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, na medida em que houve a exposição do fato considerado criminoso, com suas circunstâncias, assim como se deu a devida qualificação do representado, a classificação do crime, além do oferecimento do rol de testemunhas. III. Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do representado, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP - o que não se vislumbra no caso dos autos. IV. Na hipótese, a denúncia abarcou todas as circunstâncias do ato infracional, especificando, pelo menos, o ano do ocorrido, não havendo se falar em prejuízo ao representado, que poderá defender-se amplamente dos fatos alegados, inclusive, quanto à eventual ocorrência de prescrição. V. Recurso desprovido. (RHC n. 29.573-MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 2.8.2011, DJe 17.8.2011). Recurso ordinário em habeas corpus. Formação de quadrilha, corrupção passiva e corrupção passiva majorada em continuidade delitiva (art. 288, 317, caput e 317, § 1º c.c. o art. 71, todos do CPB). Pretensão de trancamento da ação penal por inépcia da denúncia. Inadmissibilidade. Inicial acusatória que descreve de forma pormenorizada a ação delituosa, identificando os autores e as vítimas, e explicitando como se deram os fatos, com a menção a todas as circunstâncias indispensáveis ao pleno exercício do direito de defesa. Parecer do MPF pelo desprovimento do recurso. Recurso desprovido. 1. O trancamento da Ação Penal por meio de Habeas Corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 2. O reconhecimento da inépcia da denúncia, por sua vez, pressupõe falta total de exposição do fato criminoso, de forma a macular o exercício do direito da ampla defesa. 3. É certo que a peça denunciatória tem de trazer no seu próprio contexto os elementos que demonstram a certeza da acusação e a seriedade da imputação, não se admitindo expressões genéricas, abstratas ou meramente opinativas, o que induz a 204 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL sua peremptória inaceitabilidade; porém, neste caso, ao contrário do que se afirma, a denúncia atende aos requisitos elencados no art. 41 do CPP, pois, ainda que limitada pela natural circunstância da multiplicidade de agentes, o fato é que, na hipótese, não se constata qualquer mácula na peça acusatória, que contém a exposição clara dos fatos tidos como delituosos, a qualificação dos acusados com a indicação de suas condutas, a classificação dos crimes e o nexo de causalidade, de maneira a permitir a mais ampla articulação defensiva. 4. Recurso desprovido, em consonância com o parecer ministerial. (RHC n. 22.922-RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 31.5.2011, DJe 27.6.2011). Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Apropriação indébita previdenciária e sonegação previdenciária. Pagamento integral do débito. Efeitos penais regidos pelo art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003. Extinção da punibilidade. Inépcia da denúncia. Pacientes gestores e administradores da empresa. Ordem parcialmente concedida. (...). 3. Não se pode ter por inepta a denúncia que descreve fatos penalmente típicos e aponta, mesmo que de forma geral, as condutas dos pacientes, o resultado, a subsunção, o nexo causal (teorias causalista e finalista) e o nexo de imputação (teorias funcionalista e constitucionalista), oferecendo condições para o pleno exercício do direito de defesa, máxime se tratando de crime societário onde a jurisprudência tem abrandado a exigência de uma descrição pormenorizada das condutas. 4. Ordem parcialmente concedida para determinar o trancamento da ação penal, exclusivamente, em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária. (HC n. 84.798-GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 3.11.2009). Na hipótese em julgamento o MPF expôs de forma minuciosa o crime imputado ao denunciado, tendo indicado os elementos indiciários utilizados para embasar a acusação formulada contra o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e narrando a conduta a ele imputada de forma a permitir o exercício da ampla defesa (fato que será novamente analisado quando do capítulo deste voto que trata da conduta do acusado). Rejeito, pois, a preliminar suscitada. 1.3.) DA ILEGAL MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO O acusado afirma em sua resposta que desde o mês de abril de 2006 (data do deferimento da primeira interceptação telefônica em relação ao RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 205 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA denunciado Zuleido Veras), a Policia Federal tinha conhecimento de um suposto envolvimento de autoridades com foro privilegiado, tendo se utilizado de meios escusos para manter o inquérito no Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado da Bahia. Assevera que o Juiz Federal da 2ª Vara da Bahia, no apenso de n. 76 da APn n. 510-BA, demonstra que os Delegados de Polícia Federal encarregados das investigações utilizaram procedimentos escusos e ilegais para conduzir o foco da apuração. Assim, a Polícia Federal obteve, em interceptações telefônicas realizadas no período de 23.5.2006 a 6.6.2006, elementos de prova de suposta participação do ex-Governador José Reinaldo Tavares na prática de delitos investigados no Inq. n. 544-BA, constatação registrada no Relatório Circunstanciado n. 007 Navalha, apresentado ao Juiz Federal Durval Carneiro Neto. Aduz que a suposta participação daquela autoridade, detentor de foro privilegiado é reafirmada em outro Relatório n. 009 - Navalha, apresentado ao magistrado. Para este acusado, os únicos elementos de prova colhidos na investigação contra João Alves Filho remontam ao período de 28.6.2006 a 14.7.2006, período em que esse investigado ocupava o cargo de Governador do Estado de Sergipe (cita o Relatório n. 09, Anexo 04/Navalha). Assim, todas as interceptações telefônicas que pudessem incriminar o ex-Governador (autoridade com foro privilegiado) teriam sido realizadas por ordem do Juiz Federal da Seção Judiciária da Bahia. Do mesmo modo, continua a defesa, as transcrições de conversas telefônicas que supostamente envolvem o Deputado Federal Paulo Magalhães remontam ao período de 28.8.2006 a 4.4.2007, estando registrado no HD da Operação Navalha que o Deputado Federal Paulo Magalhães teria, no período de 15.8.2006 a 26.9.2006, solicitado de Zuleido Soares de Veras o repasse de vantagem indevida consistente na quantia de R$ 300.000,00. Afirma que os elementos reunidos contra o Deputado Federal Maurício Quintela foram colhidos entre novembro de 2005 e setembro de 2006 (relatório emitido pela Polícia Federal), sendo ilegais todas as decisões a ele pertinentes. Sendo também ilegais, do mesmo modo, os elementos produzidos contra o Deputado Federal Luiz Piauylino em meados de junho e julho de 2006 (relatório emitido pela Polícia Federal). 206 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O acusado alega, ainda, que os eventos trazidos à tona com a denúncia ofertada pelo MPF mostram que a Polícia Federal já considerava, desde meados de 2006, o então Ministro Silas Rondeau envolvido na suposta organização criminosa montada ao redor da empresa Gautama (cita a página 121 da exordial acusatória). Ao final, conclui que, se o Juiz era incompetente para o feito principal, não tinha competência para deferir a quebra do sigilo telefônico dos investigados. Cita o HC n. 10.243-RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.4.2001. Considera o denunciado totalmente nulos os atos decisórios que se seguem após o dia 5.5.2006, data em que ele, então Secretário de Estado, passa a figurar como investigado pela Polícia Federal, autoridade que, nos termos do art. 91 da Constituição do Estado de Sergipe, tem foro privilegiado. Continuando, defende a tese da nulidade do processo pela participação de Deputado Federal no feito. Pugna pelo expurgo de todas as escutas telefônicas realizadas a partir de 19.5.2006, por ordem decretada do Juiz da 2ª Vara Federal de Salvador, como também o desentranhamento dos documentos recolhidos em razão da ordem de busca e apreensão decretadas pela relatora. Expostos os argumentos da defesa do denunciado Flávio Conceição, passo a demonstrar as razões pelas quais rejeito a preliminar de nulidade dos elementos de prova colhidos no curso das interceptações telefônicas. Da leitura do Relatório n. 7 – apontado pelo acusado (p. 901 do Apenso n. 225 às fl. 1.034 do Apenso n. 226), temos que a Polícia Federal, a partir da interceptação dos telefones de Zuleido Veras no período de 23.5.2006 a 26.6.2006, colheu informação de que funcionários da empresa Gautama atuavam junto a servidores públicos do Estado do Maranhão, com o fim de convencê-los a favorecer interesses da empresa naquele Estado. Não foram indicados, neste ponto da apuração preliminar, indícios de prática de conduta delituosa de agente detentor de foro privilegiado, razão pela qual não havia fundamento para declínio de competência por parte do Juiz Federal de 1º Grau naquele momento. Situação idêntica ocorre no Relatório n. 9 da Polícia Federal – também citado pelo denunciado em sua resposta (fl. 1.163-1.409 do Apenso n. 227), elaborado com base em dados colhidos no período de 28.6.2006 a 14.7.2006. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 207 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Naquele momento da investigação, a Polícia Federal, a partir da interceptação de terminais pertencentes a indivíduos que não detinham foro privilegiado, reuniu indícios de prática de crimes por parte de funcionários da empresa Gautama, destacados para atuar junto ao Governo do Estado do Maranhão, não se apontando, neste momento das apurações, qualquer conversa do Governador ou mesmo elemento de prova capaz de alterar a competência do Juízo Federal de 1º Grau. Feitas essas considerações, tem-se que eventuais indícios concretos da prática de crime por autoridade que detém foro privilegiado somente surgiram no curso da investigação preliminar (após elaboração pela Polícia Federal de relatório parcial da “Operação Navalha” – fl. 1.988-1.997 do Apenso n. 230), documento no qual a própria Delegada Federal encarregada do caso representou, no dia 8.9.2006, pela remessa dos autos ao STJ, nos termos do art. 105, I, a, da CF/1988, em razão da presença de elementos indiciários de prática de crime por parte dos Governadores dos Estados de Sergipe, Alagoas e Maranhão. Ouvido, o MPF cocordou com a referida representação (fl. 2.110-2.114), consignando que somente naquele momento da investigação é que se pôde formar um juízo de delibação positivo da existência de indícios de prática criminosa por parte de agentes detentores de foro privilegiado. Às fl. 2.118-2.120 do Apenso n. 230, o Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária da Bahia determinou a remessa dos autos ao STJ no dia 14.9.2006, frisando que, no curso das investigações, surgiram elementos de prova indicando funcionários da empresa Gautama atuando, por meio de repasse de vantagem indevida, tentando cooptar agentes públicos com o fim de favorecer os interesses da citada empresa na contratação e pagamento de verbas decorrentes de obras públicas. O Juiz Federal frisou, ainda, que os indícios mais relevantes de prática de crime que pesavam contra os agentes detentores de foro privilegiado (Governadores dos Estados do Maranhão ( José Reinaldo Tavares) e de Sergipe ( João Alves Filho), Deputado Estadual de Sergipe (Ivan Paixão, com foro no TRF da 5ª Região) e Procurador-Geral do Estado do Maranhão (Ulisses César Martins de Sousa, com foro no TRF da 5ª Região) somente surgiram naquele momento da investigação. Constata-se, portanto, que as medidas constritivas de direito levadas a termo nos autos do inquérito foram determinadas por autoridade competente à época; somente quando se teve notícia da suposta prática de delito por autoridade 208 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL com foro privilegiado é que se tornou necessária a remessa dos autos a esta Corte, nos termos do art. 78, III, do Código de Processo Penal (jurisdição de maior graduação). Consigno que o envio dos autos ao STJ não invalida qualquer prova colhida ou medida determinada pela autoridade que era então competente para conduzir o inquérito. Acresço a esse fundamento um outro (mais incisivo) que se mostraria também suf iciente para rejeitar a pretensão do denunciado: interceptações telefônicas eventualmente determinadas por autoridade absolutamente incompetente permanecem válidas e podem ser plenamente ratificadas, conforme demonstra o precedente desta Casa, abaixo colacionado, em que a Quinta Turma, acompanhando o voto proferido pelo relator Min. Gilson Dipp, concluiu pela viabilidade de ratificação pelo Juízo Federal até mesmo de prisão decretada por Juízo Estadual: Criminal. HC. Roubo qualificado. Incompetência do Juízo Estadual e remessa dos autos ao Juízo Federal. Nulidade que só alcança os atos decisórios. Possibilidade de ratificação dos demais atos do processo pelo juízo competente e da denúncia pelo Ministério Público Federal. Persistência da custódia dos réus. Decisão fundamentada. Ausência de constrangimento ilegal. Excesso de prazo. Não-ocorrência. Instrução encerrada. Atraso provocado pela defesa. Princípio da razoabilidade. Ordem denegada. Hipótese em que, ao receber os autos do Juízo Estadual, o Juízo federal ratificou todos os atos processuais praticados, mantendo a prisão cautelar do paciente e de seus co-réus de forma fundamentada, determinando-se, todavia, que novas alegações finais fossem oferecidas pelo Ministério Público Federal, que também ratificou os termos da denúncia. O reconhecimento de nulidade em feito criminal só anula atos decisórios. Os demais podem ser aproveitados pelo Juízo competente, nos termos do art. 567 do CPP. Precedentes do STF e desta Corte. (...) Ordem denegada. (HC n. 45.991-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17.11.2005, DJ 12.12.2005 p. 407). No mesmo sentido, confira-se outro precedente desta Corte: Criminal. HC. Crimes de responsabilidade e contra a Lei de Licitações. Exprefeito. Incompetência do Tribunal Estadual declarada. Remessa do feito ao juízo monocrático. Anulação das decisões proferidas. Desnecessidade. Possibilidade RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 209 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de ratificação. Recebimento da denúncia legitimado pelo juízo competente. Validação implícita. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (...) V. A validação dos atos praticados pelo Juízo incompetente não precisa ocorrer por meio de decisão fundamentada, podendo ser implícita, por meio da prática de atos que impliquem na conclusão de que o Magistrado ratifica os referidos atos. VI. Ordem denegada. (HC n. 54.032-PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 21.3.2006, DJ 10.4.2006 p. 262). O Min. Castro Meira, nos autos do AgRg na APn n. 626-DF (Corte Especial, DJ 6.10.2010) examinou e refutou questionamento semelhante. Confirase o entendimento adotado pelo STJ naquela oportunidade: Ainda que o Desembargador relator do inquérito houvesse decretado alguma medida constritiva de direito após o surgimento de indícios de prática de crime por autoridade com foro privilegiado perante esta Corte, fato que admito somente a título de argumentação, tais decisões seriam, quando muito, nulas (e possíveis de ser convalidadas segundo o atual entendimento do STF) e não inexistentes. Como se sabe, por pressupostos de existência, ou seja, para que seja constituído o processo, é suficiente que haja um órgão investido de jurisdição e demanda (ato de pedir). A competência é considerada requisito de validade do processo. Sobre o tema, confira-se lição de Eugenio Pacelli de Oliveira: Deve-se observar, primeiro, que a função jurisdicional é una, prestandose a repartição de competências unicamente à adequada operacionalidade da jurisdição, consoante os critérios da especialização, ora por matéria, ora em atenção à pessoa do acusado (ratione personae). Por essa razão, quando é provocada a jurisdição, cível ou penal, é o Estado quem atua nos autos - por meio de órgãos investidos dela -, fazendo-o no campo e no espaço que lhe são próprios: o processo. Negar existência à atividade estatal desenvolvida, ainda que por juiz incompetente, é recusar a existência da própria jurisdição enquanto Poder Público. (ob. cit., p. 109). (...) Entendo, portanto, que interceptações telefônicas e medidas de busca e apreensão eventualmente determinadas por autoridade absolutamente incompetente permanecem válidas e podem ser plenamente ratificadas (...) (grifo nosso). 210 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Dos julgados abaixo colacionados, constata-se que esta tem sido também a orientação do STF: Habeas corpus. Tráfico de drogas. Confisco de bem. Interceptação telefônica. Competência. Fundamentação. Prorrogações. 1. O habeas corpus, garantia de liberdade de locomoção, não se presta para discutir confisco criminal de bem. 2. Durante a fase de investigação, quando os crimes em apuração não estão perfeitamente delineados, cumpre ao juiz do processo apreciar os requerimentos sujeitos à reserva judicial levando em consideração as expectativas probatórias da investigação. Se, posteriormente, for constatado que os crimes descobertos e provados são da competência de outro Juízo, não se confirmando a inicial expectativa probatória, o processo deve ser declinado, cabendo ao novo juiz ratificar os atos já praticados. Validade das provas ratificadas. Precedentes (HC n. 81.260-ES – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Pleno – por maioria – j. em 14.11.2001 – DJU de 19.4.2002). 3. A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada, circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes habituais, permanentes ou continuados. A interceptação telefônica pode, portanto, ser prorrogada para além de trinta dias para a investigação de crimes cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou profissional. Precedentes (Decisão de recebimento da denúncia no Inquérito n. 2.424-RJ – Rel. Min. Cezar Peluso – j. em 26.11.2008, DJE de 26.3.2010). (HC n. 99.619-RJ, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Rosa Weber, Julgamento: 14.2.2012, Primeira Turma). Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual Penal. Incompetência absoluta. Atos decisórios. Possibilidade de ratificação. 1. Este Tribunal fixara anteriormente entendimento no sentido de que, nos casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível a ratificação dos atos sem caráter decisório. Posteriormente, passou a admitir a possibilidade de ratificação inclusive dos atos decisórios. Precedentes. Agravo regimental a que se nega seguimento. (RE n. 464.894-PI, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 24.6.2008). Habeas corpus. (...) RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 211 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5. Em princípio, a jurisprudência desta Corte entendia que, para os casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados. Sendo possível, portanto, a ratificação de atos não-decisórios. Precedentes citados: HC n. 71.278-PR, Rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, julgado em 31.10.1994, DJ de 27.9.1996 e RHC n. 72.962-GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, julgado em 12.9.1995, DJ de 20.10.1995. 6. Posteriormente, a partir do julgamento do HC n. 83.006-SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.8.2003, a jurisprudência do Tribunal evoluiu para admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente inclusive quanto aos atos decisórios. (...) 9. Ordem indeferida. (HC n. 88.262-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 18.12.2006). Rejeito, portanto, a arguição de nulidade das interceptações telefônicas por 02 (dois) fundamentos: primeiro porque as decisões foram proferidas pela autoridade competente à época dos fatos; e segundo porque todas as decisões do Juízo de 1º Grau restaram, ainda que implicitamente, ratificadas pela relatora, ao dar continuidade à apuração dos fatos tidos por criminosos nos autos do Inq. n. 544-BA. 1.4.) AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE DAS GRAVAÇÕES O acusado alega que não foram juntadas aos autos as Medidas Cautelares de n. 2004.33.00.022013-0 e n. 2006.33.00.002647-3 (contendo interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo de 1º Grau) e documentos apreendidos tais como a “agenda do Gil”, referência à agenda do Diretor da Gautama Gil Jacó. Importante fazer um breve resumo de como se deu o desenrolar da apuração que levou ao desencadeamento da Operação Navalha, investigada nos autos do Inq. n. 544-BA e que deu azo ao oferecimento da presente denúncia. Em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela Superintendência da Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República na Bahia deu início a uma investigação criminal denominada “Operação Octopus”, destinada a apurar uma série de delitos contra a Administração Federal que estariam sendo praticados por um grupo de oito empresários denominado “G-8”. O aprofundamento das investigações revelou a existência de indícios de que delitos de natureza diversa estavam sendo praticados por suposta 212 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL quadrilha formada com o fim de obter lucros ilícitos por meio da realização de obras públicas nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí e Distrito Federal, razão pela qual, no ano de 2006, deu-se início a uma outra investigação, denominada “Operação Navalha”, apurando a suposta prática de crime de formação de quadrilha e de delitos contra a Administração Pública. No ano de 2006 ambas as investigações foram remetidas a esta Corte pelo Juízo de 1º Grau, em razão da presença de indícios de crimes praticados por agentes detentores de foro privilegiado perante o STJ. O Processo n. 2004.33.00.022013-0 diz respeito às interceptações telefônicas decretadas pelo Juízo de 1º Grau para apurar a prática de crimes na denominada “Operação Octopus” e o Processo n. 2006.33.00.002647-3 se refere às interceptações relacionadas com os fatos apurados na “Operação Navalha”, ora sob exame. Determinei, então, em decisão datada de 10.5.2007 (fl. 231 do vol. 01), a permanência nestes autos apenas das informações referentes à “Operação Navalha”, tendo o Processo n. 2004.33.00.022013-0 sido juntado aos apensos de n. 12/26 do Inq. n. 561-BA, procedimento instaurado para apurar os fatos relacionados com a “Operação Octopus”. Observa-se, portanto, que o Processo n. 2004.33.00.022013-0 não traz qualquer elemento de prova contra os denunciados nesta ação penal, razão pela qual ficou apensado ao Inq. n. 561. À luz de certidão da Corte Especial (fl. 9.078), atestando que o Processo n. 2006.33.00.002647-3 não havia sido juntado aos presentes autos por equívoco, determinei, em decisão datada de 14.12.2011 (fl. 9.080-9.081), a juntada aos autos do referido processo que continha as medidas de interceptação telefônica autorizadas pelo Juízo de 1º Grau e abri prazo para aditamento à resposta pelos acusados, justamente com a finalidade de evitar qualquer arguição de cerceamento de defesa. Verifica-se, portanto, que todos os documentos, pedidos de interceptação telefônica e decisões judiciais de 1º Grau que excepcionaram direitos fundamentais dos ora denunciados estão juntados aos presentes autos, não havendo que se falar em violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 1.5) PRESENÇA DOS REQUISITOS ACAUTELADORES E 15 + 15 PRORROGAÇÃO O denunciado argui a nulidade das interceptações telefônicas, aduzindo que a medida extrapolou o prazo renovável de 15 (quinze) dias, previsto no art. 5° da Lei n. 9.296/1996. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 213 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Afirma, ainda, que não havia necessidade de prorrogação da interceptação telefônica. Neste ponto, friso que, na esteira do entendimento do STJ, abaixo demonstrado em precedentes, o prazo previsto no dispositivo pode ser prorrogado, desde que demonstrada fundada necessidade: Habeas corpus. Organização criminosa. Contrabando de agrotóxicos e de produtos de informática. Alegação de que as decisões judiciais que autorizaram as interceptações telefônicas, e suas respectivas prorrogações, são destituídas de fundamentação. Demonstração da imprescindibilidade das medidas. Penúltima prorrogação que teria sido determinada por prazo superior ao que permite a Lei n. 9.269/1996. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. 1. Não é destituída de fundamentação a decisão do Juízo singular que, ao deferir a primeira interceptação telefônica, indica concretamente a necessidade da diligência, esclarecendo que não há outra forma de se realizar as investigações, sob pena, ainda, de prejuízo à apuração, que ocorria em segredo de justiça. 2. “Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação.” (STF, RHC n. 85.575-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 16.3.2007). 3. É válida a prorrogação da interceptação telefônica que, iniciada dentro do prazo de 15 dias - como no caso -, é deferida em prazo maior que este, de até 30 dias, desde que demonstrada a imprescindibilidade da medida. Considerações doutrinárias. Precedentes. 4. Habeas corpus denegado. (HC n. 149.866-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 21.6.2012, DJe 28.6.2012). Habeas corpus. Corrupção ativa. Nulidade das interceptações telefônicas. Descabimento. Medida demonstrada necessária e eficaz. Prorrogações devidamente motivadas. Fundamentação per relationem. Prolongamento da medida necessário diante da complexidade do crime e do grande número de envolvidos. Imprescindibilidade para continuidade das investigações. 1. Inexiste ilegalidade na decisão que permite a quebra de sigilo telefônico, quando preenchidos os requisitos do art. 2º da Lei n. 9.296/1996. 2. Na hipótese, além de verificados fortes indícios de autoria, demonstrou-se que a prova, em toda sua extensão, não poderia ter sido obtida, de maneira eficaz, por outros meios, mas tão somente pelo monitoramento telefônico. 214 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 3. As decisões que deferiram a prorrogação possuem devida fundamentação, apesar de não apresentarem motivação exaustiva, pois se relacionam com a que autorizou o monitoramento das comunicações, passando a integrá-la - chamada fundamentação per relationem (HC n. 92.020-DF, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJe de 8.11.2010). 4. A ocorrência de sucessivas prorrogações, durante, aproximadamente, sete meses, encontra justificativa na complexidade do crime e no grande número de envolvidos - 28 denunciados, bem como na demonstrada imprescindibilidade da medida para continuidade da investigação e elucidação do caso. 5. Ordem denegada. (HC n. 128.211-PA, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 12.6.2012, DJe 29.8.2012). Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Nulidade da ação penal. Ilicitude da prova obtida por escuta telefônica deferida por juiz de plantão. Não configuração. Interceptação telefônica. Deferimento da medida e prorrogações devidamente fundamentadas. Legalidade. Indispensabilidade da medida demonstrada. Ordem denegada. Autorização de escuta deferida por Juiz de plantão no final do expediente normal. Providência tolerada por interpretação razoável com vista à efetividade e urgência da medida. Voto vencido do Relator que, nessa parte, concedia a ordem afirmando a incompetência do plantonista. II. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas, porquanto calcadas na manifesta necessidade para a continuidade das investigações em curso voltadas para a apuração da prática de fatos com características de criminalidade organizada, envolvendo tráfico de entorpecentes e formação de bando ou quadrilha. III. Desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá ser renovada por indefinidos prazos de quinze dias. Precedentes. IV. A averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação probatória que se faria necessária. V. Ordem denegada. (HC n. 182.168-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 3.5.2012, DJe 29.8.2012). Habeas corpus. Corrupção ativa, quadrilha e concorrência desleal (artigos 333 e 288, ambos do Código Penal, e artigo 195, inciso III, da Lei n. 9.279/1996). Interceptações telefônicas. Decisões judiciais fundamentadas. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 215 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada (artigo 93, inciso IX, da Carta Magna). 2. O artigo 5º da Lei n. 9.296/1996, ao tratar da manifestação judicial sobre o pedido de interceptação telefônica, preceitua que “a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. 3. Do teor das decisões judiciais anexadas aos autos, percebe-se, com clareza, que a interceptação telefônica foi inicialmente autorizada ante as dificuldades encontradas para apurar os ilícitos que estariam sendo praticados, notadamente pela hesitação da Polícia Federal de Marília em proceder às investigações necessárias, tendo sido prolongada no tempo em face do conteúdo das conversas monitoradas, que indicariam a existência de complexa quadrilha que estaria cometendo diversos ilícitos. 4. Não procede a alegação de que as decisões judiciais na espécie constituiriam meras reproduções umas das outras, uma vez que a autoridade judicial sempre fundamentou as interceptações nos elementos de informação colhidos em investigações ou monitoramentos prévios, demonstrando, efetivamente, a indispensabilidade da medida para a correta identificação de todos os agentes envolvidos, mormente em razão da perpetuação no tempo das atividades supostamente criminosas, conforme externado em detalhes nos relatórios da autoridade policial. 5. Ainda que o Juízo Federal tenha se reportado a provimentos judiciais anteriores para motivar algumas das prorrogações das escutas, o certo é que subsistindo as razões para a autorização das interceptações, como ocorreu no caso - tendo em vista a própria natureza e modus operandi dos delitos investigados -, inexistem óbices a que o magistrado remeta os seus fundamentos a prévias manifestações proferidas no feito. Interceptações telefônicas. Prorrogações sucessivas. Diligências que ultrapassam o limite de 30 (trinta) dias previsto no artigo 5º da Lei n. 9.296/1996. Possibilidade de várias renovações. Existência de decisões fundamentadas. Ilicitude não caracterizada. Denegação da ordem. 1. Apesar de no artigo 5º da Lei n. 9.296/1996 se prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do período. Doutrina. Precedentes. 2. Na hipótese em apreço, consoante os pronunciamentos judiciais referentes à quebra de sigilo das comunicações telefônicas constantes dos autos, vê-se que a prorrogação das interceptações sempre foi devidamente fundamentada, 216 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL justificando-se, essencialmente, nas informações coletadas pela autoridade policial em monitoramentos anteriores, não havendo que se falar, assim, em ausência de motivação concreta a embasar a extensão da medida, tampouco em ofensa ao princípio da proporcionalidade. 3. Ordem denegada. (HC n. 134.015-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 16.6.2011, DJe 13.3.2012). No mesmo sentido, o entendimento pacífico da Suprema Corte: Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei n. 9.296/1996, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC n. 83.515-RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4.3.2005). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei n. 9.296/1996, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (HC n. 106.129, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 6.3.2012). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 217 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Habeas corpus. Tráfico de drogas. Confisco de bem. Interceptação telefônica. Competência. Fundamentação. Prorrogações. (...) 3. A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada, circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes habituais, permanentes ou continuados. A interceptação telefônica pode, portanto, ser prorrogada para além de trinta dias para a investigação de crimes cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou profissional. Precedentes (Decisão de recebimento da denúncia no Inquérito n. 2.424-RJ – Rel. Min. Cezar Peluso – j. em 26.11.2008, DJE de 26.3.2010). 4. Habeas corpus (HC n. 99.619-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Rosa Weber, Julgamento: 14.2.2012, Primeira Turma). Processual Penal. Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico. Lavagem de capitais. Arts. 33, caput, 35, caput e parágrafo único, 36 e 40, I e IV, da Lei n. 11.343/2006. Art. 1º, I e § 1º, II e § 4º, da Lei n. 9.613/1998. Acautelamento do meio social. Gravidade concreta da conduta. Apreensão de grande quantidade de drogas (quase 400 kg de cocaína). Garantia da ordem pública, como forma de impedir a reiteração delitiva. Fuga do réu. Providência imposta visando assegurar eventual aplicação da lei penal. Interceptação telefônica. Prorrogação. Possibilidade. (...) 4. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão motivada do Juízo competente, como ocorrido no caso sub judice. Precedentes: RHC n. 85.575-SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 16.3.2007; RHC n. 88.371-SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ de 2.2.2007; HC n. 83.515, rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ de 4.3.2005; Inq n. 2.424, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJ de 26.3.2010. 5. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 6. Ordem denegada. (HC n. 104.934, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20.9.2011). I. Competência. Criminal. Originária. Inquérito pendente no STF. Desmembramento. Não ocorrência. Mera remessa de cópia, a requerimento do MP, a juízo competente para apuração de fatos diversos, respeitantes a pessoas sem prerrogativa de foro especial. Inexistência de ações penais em curso e de conseqüente conexão. Questão de ordem resolvida nesse sentido. 218 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Preliminar repelida. Agravo regimental improvido. Voto vencido. Não se caracteriza desmembramento ilegal de ação penal, a mera remessa de cópia de inquérito, a requerimento do representante do Ministério Público, a outro juízo, competente para apurar fatos diversos, respeitantes a pessoas sujeitas a seu foro. 2. Competência. Criminal. Ação penal. Magistrado de Tribunal Federal Regional. Condição de co-réu. Conexão da acusação com fatos imputados a Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Pretensão de ser julgado perante este. Inadmissibilidade. Prerrogativa de foro. Irrenunciabilidade. Ofensa às garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Inexistência. Feito da competência do Supremo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Aplicação da Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados, a qual é irrenunciável. 3. Competência. Criminal. Inquéritos. Reunião perante o Supremo Tribunal Federal. Avocação. Inadmissibilidade. Conexão inexistente. Medida, ademais, facultativa. Número excessivo de acusados. Ausência de prejuízo à defesa. Preliminar repelida. Precedentes. Inteligência dos arts. 69, 76, 77 e 80 do CPP. Não quadra avocar inquérito policial, quando não haja conexão entre os fatos, nem conveniência de reunião de procedimentos ante o número excessivo de suspeitos ou investigados. 4. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada nas sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada. Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, § 2º, e 5º, da Lei n. 9.296/1996. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei n. 9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. 6. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica. (...) (Inq n. 2.424-RJ, rel. Min. Cezar Peluso, Julgamento 26.11.2008, Pleno). Da leitura do Processo n. 2006.33.00.002647-3 (apensos de n. 222/232 da presente ação penal), temos que o Juízo Federal de 1º Grau fundamentou, de forma RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 219 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adequada e minuciosa, as decisões que determinaram as interceptações telefônicas dos investigados, tendo observado o disposto na Lei n. 9.296/1996. Ademais, friso que a medida excepcional se fazia necessária à luz da natureza dos delitos sob apuração, quais sejam, crimes contra a Administração Pública, infrações cujo iter criminis não é feito às escâncaras, mas, sim, de forma velada. 2) PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO ZULEIDO SOARES VERAS 2.1) NULIDADE DO PROCESSO - ILICITUDE DA PROVA O denunciado argui a nulidade do processo e da prova colhida por meio de interceptação telefônica, aduzindo que o afastamento do sigilo telefônico foi levado a termo em contrariedade à Lei n. 9.296/1996 porque: a) apenas os diálogos reputados importantes para a acusação foram degravados e que a ausência da degravação das interceptações viola o princípio do contraditório e induz a nulidade do processo; b) as interpretações de diálogos realizadas pela Polícia Federal ao longo da Operação Navalha não são confiáveis e enquanto no Relatório de Inteligência Policial n. 03 (datado de 26.3.2007) consta que o diálogo interceptado às 16:44h teria sido mantido por Luiz Caetano, então Prefeito do Município de Camaçari-BA, o mesmo diálogo é posteriormente incluído na representação de prisão formulada pelo MPF às fl. 290, desta vez constando que a conversa teria sido mantida por Antonio Calmon, então Prefeito do Município de São Francisco do Conde-BA; c) a Polícia Federal fez constar, na conversa supostamente mantida por Luiz Caetano, uma realizada entre os dias 20 e 23 de março de 2007. O mesmo diálogo foi usado pela Polícia Federal referindo-se a uma viagem realizada pelo Prefeito Antonio Calmon entre os dias 27 a 29 de março de 2007. Rejeito a arguição de que teria havido manipulação nos diálogos por parte da Polícia Federal. O diálogo interceptado às 16:44h do dia 19.3.2007 (transcrito às fl. 5758 do apenso n. 03) guardava relação com suposta vantagem indevida a ser repassada ao então Prefeito do Município de Camaçari-BA, investigado no Inq. n. 544-BA. 220 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Ocorre que o MPF (e não a Polícia Federal) cometeu um lapso ao fazer menção ao referido diálogo no pedido de prisão preventiva de fl. 239-306. Neste ponto, o MPF (fl. 290 - item 167), para fundamentar o pedido de prisão do então Prefeito do Município de Camaçari-BA, fez menção aos 02 (dois) diálogos que constavam do relatório policial de fl. 57-58 e que demonstravam a suposta ligação do Prefeito com a quadrilha formada pelos ora denunciados. Ocorre que, após narrar a conduta supostamente criminosa do então Prefeito de Camaçari-BA, transcreveu diálogo envolvendo Antonio Calmon, Prefeito do Município de São Francisco do Conde, também investigado, mas contra o qual não houve pedido de prisão. Verifica-se, portanto, que o lapso apontado pelo acusado foi cometido pelo MPF e não pela Polícia Federal e não tem o condão de macular a prova colhida. Superado esse ponto, depreende-se que, conforme já frisado linhas acima, a interceptação telefônica (tanto a decretada pelo Juízo de 1º Grau quanto por este Tribunal) observou os ditames da Lei n. 9.296/1996, sendo decretada pela presença do fumus comissi delicti e em razão do descabimento de produção da prova por outro meio, como sói acontecer nos casos que envolvem prática de crimes tais como os investigados nos presentes autos, formação de quadrilha com o fim específico de espoliar a Administração Pública. Afasto, ainda, a arguição de nulidade da prova em razão da ausência de degravação de todos os diálogos interceptados, por ter ocasionado cerceamento à defesa. Segundo a orientação jurisprudencial do STF, quando há degravação dos diálogos em que se apoia a denúncia e desde que tenha sido conferido acesso ao áudio, é possível a só transcrição do que interessa. Vejamos: Habeas corpus. Direito Processual Penal. Interceptação telefônica. Único meio de prova viável. Prévia investigação. Desnecessidade. Indícios de participação no crime surgidos durante o período de monitoramento. Prescindibilidade de degravação de todas as conversas. Inocorrência de ilegalidade. Ordem denegada. 1. Na espécie, a interceptação telefônica era o único meio viável à investigação dos crimes levados ao conhecimento da Polícia Federal, mormente se se levar em conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas pelo investigado se davam eminentemente por telefone. 2. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. Precedentes. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 221 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. O monitoramento do terminal telefônico da paciente se deu no contexto de gravações telefônicas autorizadas judicialmente, em que houve menção de pagamento de determinada porcentagem a ela, o que consiste em indício de sua participação na empreitada criminosa. 4. O Estado não deve quedar-se inerte ao ter conhecimento da prática de outros delitos no curso de interceptação telefônica legalmente autorizada. 5. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora Pacientes, pois basta que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal. Precedentes. 6. Writ denegado. (HC n. 105.527, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 29.3.2011). 9. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos terminais durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2 (dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade material e inutilidade prática de reprodução gráfica. Suficiência da transcrição literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo. Cerceamento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996. Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei Federal n. 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice. Inq n. 2.424-RJ - Rio de Janeiro, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento: 26.11.2008, Tribunal Pleno). Nesse sentido, confira-se o entendimento desta Corte sobre o tema: Habeas corpus. Quadrilha e corrupção passiva. Investigação iniciada a partir de escrito anônimo ou apócrifo (carta). Possibilidade, desde que ulterior diligência pelas autoridades para verificação concreta dos fatos alegados na peça sem assinatura tenham ocorrido. Pretensão de se aplicar irrestritamente a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). Impossibilidade. Documentação dos autos que não permite a conclusão de que não existe prova autônoma que legitimamente embasou o procedimento penal instaurado contra o ora paciente. Impossibilidade de se proceder a ampla e irrestrita análise fáticoprobatória na via eleita. Alegação de que as decisões judiciais que autorizaram 222 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL as interceptações telefônicas, e suas respectivas prorrogações, são destituídas de fundamentação e se prolongaram demasiadamente no tempo. Demonstração da imprescindibilidade das medidas. Transcrição de todas as conversas interceptadas. Desnecessidade. Alegação de nulidade por falta de perícia nas conversas interceptadas. Pretensão que se mostra, na verdade, preclusa, por não ter sido formulada no momento oportuno. Habeas corpus denegado. (...) 11. “O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei Federal n. 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.” (STF, Inq n. 2.424-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 25.3.2010). Ou seja: é completamente despicienda a degravação de todas as conversas interceptadas, especialmente as que nada se referem aos fatos. (...) 14. Habeas corpus denegado. (HC n. 221.739-PE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17.4.2012, DJe 27.4.2012). Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado. Interceptação telefônica. 1. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Juntada antes da apresentação das alegações finais. Prejuízo não apontado. 2. Transcrição integral das escutas. Prescindibilidade. Ordem denegada. 1. Não há nulidade a ser reconhecida na juntada tardia das transcrições das interceptações telefônicas, visto que foram incorporadas aos autos antes da abertura de prazo para as alegações finais, possibilitando à defesa o amplo acesso, a fim de refutá-las antes da prolação da sentença de pronúncia, o que garantiu o pleno exercício da defesa e do contraditório. Assim, não há falar em cerceamento de defesa se o patrono do paciente teve acesso às transcrições e lhe foi facultado rechaçá-las antes mesmo do Juízo ter proferido a sentença de pronúncia, notadamente se não apontado nenhum prejuízo efetivo. 2. É prescindível a transcrição integral das interceptações telefônicas, sendo imperioso, tão somente, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a degravação dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória. Precedentes do STF. 3. Habeas corpus denegado. (HC n. 204.775-ES, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 12.4.2012, DJe 4.5.2012). Habeas corpus. Possibilidade. Juiz. Determinação. Diligências. Processo Penal. Art. 156-CPP. Princípio da verdade real. Desnecessidade. Juntada. Autos. Conteúdo integral. Degravações. Interceptações telefônicas. Trancamento da ação penal. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 223 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Excesso de prazo. Formação da culpa. Superveniência. Sentenças condenatória e absolutória. Prejuízo. Apreciação. Ordem conhecida em parte e, na extensão, denegada. 1. Pode o magistrado ordenar, de ofício, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, diligências necessárias afim de dirimir dúvidas sobre pontos relevantes em relação ao deslinde da causa, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, em observância ao princípio da verdade real. 2. O e. Supremo Tribunal Federal e esta Corte já cristalizaram entendimento no sentido da desnecessidade de juntada do conteúdo integral das degravações das interceptações telefônicas, bastando que sejam transcritos os excertos indispensáveis ao embasamento da peça acusatória, não havendo falar em ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes. (...) 5. Ordem conhecida em parte e, nessa extensão, denegada. (HC n. 95.553-SP, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), Quinta Turma, julgado em 13.12.2011, DJe 6.2.2012). Neste tópico, friso que o precedente citado na sustentação oral feita pelo advogado do denunciado Zuleido Veras na sessão do dia 14.3.2013 não tem o condão de alterar o posicionamento do STJ e do STF sobre a matéria. O referido causídico alegou que o STF, nos autos do AgRg na AP n. 508, rel. Min. Marco Aurélio (julgado em 7.2.2013, acórdão pendente de publicação), decidiu que a degravação das interceptações telefônicas deve ser integral. Reputo, contudo, infundada a alegação do denunciado. Do exame do referido julgado, tem-se que os Ministros do STF, que acompanharam o Relator, disseram que não estava em discussão, naquele caso, se o réu tinha ou não o direito subjetivo de exigir a degravação. O que se discutia é se o Ministério Público poderia, sem alegar algum prejuízo concreto, impugnar decisão do Juiz instrutor do processo, para quem a degravação integral seria útil. O cerne da discussão naquele caso não foi o direito subjetivo do réu, mas sim a amplitude dos poderes do Juiz instrutor de deferir provas, razão pela qual mostra-se descabida a alegação do acusado. 2.3) DO NECESSÁRIO APENSAMENTO DO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AOS AUTOS DO INQUÉRITO - CONTRADITÓRIO DIFERIDO - IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DA LEGALIDADE DA PROVA 224 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL A questão já foi enfrentada no item 1.4 deste voto, oportunidade em que frisei que, à luz de certidão da Corte Especial (fl. 9.078), atestando que a não juntada do Processo n. 2006.33.00.002647-3 foi um equívoco, corrigido quando determinei, em decisão datada de 14.12.2011 (fl. 9.080-9.081), a juntada aos autos do processo contendo as medidas de interceptação telefônica autorizadas pelo Juízo de 1º Grau e abri prazo para para nova manifestação dos acusados, justamente com a finalidade de evitar qualquer arguição de cerceamento de defesa. Assim, todos os documentos, pedidos de interceptação telefônica e decisões judiciais de 1º Grau estão juntados aos autos, não havendo de se falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 2.4) DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS BÁSICOS DA MEDIDA CAUTELAR Assevera que o afastamento do sigilo telefônico do denunciado foi autorizado antes de instaurada investigação prévia contra ele, pois à época, investigava-se envolvimento de policiais federais com um grupo de empresários baianos do ramo de fornecimento de mão-de-obra, conhecido como G-8, do qual o acusado não fez parte, sendo o Juiz Federal, responsável à época pela condução do inquérito, induzido a erro por uma série de equívocos da Polícia Federal. Sustenta, ainda, a ilicitude das interceptações telefônicas, sob o argumento de que o encontro fortuito de provas não se mostra hábil para subsidiar a imputação da prática de crimes feita pelo MPF ao acusado, inexistindo conexão ou continência entre o fato inicialmente investigado e os delitos imputados ao acusado e demais funcionários da empresa Gautama, situação que, uma vez caracterizada, retira o requisito do fumus boni iuris da medida de interceptação. Defende a nulidade das provas colhidas por meio do afastamento do sigilo telefônico, porque as primeiras interceptações foram deferidas pelo Juízo Federal de 1º Grau em razão de suposta prática de crime de fraude à licitação, delito sujeito a pena de detenção, contrariando o disposto no art. 2°, III, da Lei n. 9.296/1996. Esta argumentação foi enfrentada no item 1.4 deste voto, quando ficou consignado que em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela Superintendência da Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República na Bahia deu início a uma investigação criminal denominada “Operação Octopus”, destinada a apurar uma série de delitos contra a Administração RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 225 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Federal que estariam sendo praticados por um grupo de oito empresários denominado “G-8”. O aprofundamento das investigações revelou a existência de indícios de que outros delitos de natureza diversa estariam sendo praticados por quadrilha formada com o fim de obter lucros ilícitos com a realização de obras públicas nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí e Distrito Federal, razão pela qual, no ano de 2006, iniciou-se uma outra investigação, denominada “Operação Navalha”. Assim, diante da presença de elementos de prática de delito por agentes não integrantes do grupo investigado na “Operação Octopus” (Inq. n. 561-BA), deu-se início a uma nova investigação (Inq. n. 544-BA), na qual foram colhidos os elementos de prova contra os ora denunciados. Ver os apensos de n. 222/232, no qual há registro de que a Polícia Federal, por meio de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, obteve elementos indiciários de prática de conduta delituosa do denunciado. Ali estão as diversas decisões em que o Juiz Federal de 1º Grau autorizou a quebra de sigilo pleiteada pela Polícia e pelo MPF e as decisões por mim proferidas quando chegaram os autos a esta Corte (fl. 104-106; 171; 225). O denunciado, objetivando desviar o foco dos indícios de prática delituosa contra si reunidos no Inq. n. 544-BA (e que serão oportunamente expostos neste voto), alega que a Polícia Federal, de forma deliberada, alterou o rumo das investigações com o fim de salvaguardar integrantes do referido órgão, incriminando funcionários da empresa Gautama por crimes contra a Administração Pública. Conforme será oportunamente exposto quando examinado o mérito, foram reunidos elementos indiciários de prática de conduta delituosa que, num juízo perfunctório de admissibilidade da exordial acusatória, autorizam seja recebida a denúncia contra o acusado Zuleido Veras, não lhe socorrendo vazia alegação de mudança no foco das apurações. Afinal, não há óbice para o Estado de, tomando ciência nos autos de Inquérito, da prática de crime diversos daqueles inicialmente investigados, iniciar nova investigação para esclarecer a autoria e materialidade do crime praticado, ainda que tal delito seja punido com pena de detenção. Confira-se o entendimento do STF e do STJ sobre a matéria: Agravo regimental em agravo de instrumento. Interceptação telefônica licitamente conduzida. Encontro fortuito de prova da prática de crime punido com detenção. Legitimidade do uso como justa causa para oferecimento de denúncia. Agravo regimental desprovido. 226 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI n. 626.214 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 21.9.2010). Penal e Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Art. 288 do Código Penal. Inépcia da denúncia oferecida em desfavor dos pacientes baseada em material colhido durante a realização de interceptação telefônica para apurar a prática de crime diverso. Encontro fortuito. Necessidade de demonstração da conexão entre o crime inicialmente investigado e aquele fortuitamente descoberto. I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei n. 9.296/1996 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. (...) Habeas corpus denegado. (HC n. 69.552-PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6.2.2007, DJ 14.5.2007, p. 347). Sobre o tema, confira-se lição de Eugenio Pacelli de Oliveira: Assim, por exemplo, quando, no curso de determinada investigação criminal, é autorizada judicialmente a interceptação telefônica em certo local, com a consequente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não vemos por que recursar a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida. (...) Ora, não é a conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez franqueada a violação dos direitos à privacidade e à intimidade dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 227 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material relativo à prova de crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei. (Curso de Processo Penal. 16. Ed. p. 357-358). 2.5. CERCEAMENTO DE DEFESA - PRAZO HÁBIL PARA A ANÁLISE DO MATERIAL ANEXADO AO PROCESSO O denunciado alega que o prazo de 15 (quinze) dias concedido pela decisão de fl. 9.080-9.081 (na qual determinei a juntada aos autos do Processo n. 2006.33.00.002647-3) é insuficiente para exame do processo de 2.770 folhas em que consta a interceptação telefônica deferida pelo Juízo Federal do Estado da Bahia, pois tinha a acusação a obrigação de juntar o referido processo imediatamente antes do relatório da autoridade policial (na fase de inquérito, nos termos do art. 8°, parágrafo único, da Lei n. 9.296/1995). Estas questões foram examinadas em decisão por mim proferida em 9.2.2012, oportunidade em que decidi ser descabida a alegação em torno do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.296/1996 porque o apenso da interceptação telefônica já estava juntado ao inquérito (Inq. n. 561-BA, em que se investigaram os fatos relacionados à “Operação Octopus”), não havendo, portanto, de se falar em extemporaneidade. A juntada do Processo n. 2006.33.00.002647-3 aos autos deste feito foi determinada estritamente com o escopo de atender aos princípios do contraditório e da ampla defesa, sem nulidade alguma. Superado esse ponto, rejeitei a argumentação em torno da exiguidade do prazo concedido para o aditamento à resposta por 02 (dois) fundamentos: primeiro porque os denunciados tinham e continuam tendo livre acesso aos autos do Inq. n. 561-BA (procedimento no qual se encontram os autos da medida cautelar de interceptação telefônica, juntada a este feito nos termos da decisão de fl. 9.080-9.081), não havendo de se falar em óbice judicial ao pleno exercício da ampla defesa; segundo porque a pretendida dilação do prazo, previsto no art. 4º, caput, da Lei n. 8.038/1990, não encontra fundamento legal, mostrando-se desarrazoada a pretensão. 2.6) DA AUSÊNCIA DOS REQUERIMENTOS E DAS ORDENS QUE DEFERIRAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS QUE REDUNDARAM NO PRESENTE FEITO 228 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Afirma que o Processo n. 2006.33.00.002647-3 mostra-se insuficiente para exame em torno da legalidade das interceptações telefônicas, sob o argumento de que o monitoramento do denunciado deu-se em razão de diálogos travados por Francisco de Assis Borges Catelino, constantes do Processo n. 2004.33.00.022013-0, apensado aos autos do Inq. n. 561-BA. Alega que os investigados João Batista Paiva Santana e Rubens de Carvalho Patury já estavam sob monitoramento telefônico e que de tal monitoramento surgiram pedidos de interceptação contra Francisco de Assis Borges Catelino e Joel Almeida de Lima, sendo que o pedido de interceptação contra o denunciado Zuleido Veras surgiu em razão do monitoramento de Francisco Catelino e Joel de Lima. Aduzem que o vínculo entre a interceptação ocorrida contra Rubens Patury na “Operação Octopus” e a interceptação ocorrida contra Zuleido Veras é incontestável, retirando da defesa a possibilidade de analisar a licitude da prova. Rejeito a alegação. Conforme já exposto linhas acima (item 1.4), quando ficou explicada a ocorrência de um segundo grupo que atuava ilegalmente fraudando licitações de obras, quando se investigava fraude a serviços. Neste ponto surgiram os primeiros dados de prática de conduta delituosa por parte do acusado Zuleido Veras, como registra o relatório policial de fl. 03-19 do apenso n. 222 (documento referente ao Processo n. 2004.33.00.022013-0, que foi juntado a estes autos), quando a autoridade policial menciona que o denunciado Zuleido Veras (proprietário da empresa Gautama) teria, por meio do advogado Francisco Catelino, depositado numerário na conta do Delegado Federal Rubem de Carvalho Patury, com o fim de obter condução privilegiada de inquérito em trâmite na Superintendência da Polícia Federal no Estado de Sergipe. Tais indícios foram obtidos por meio da interceptação telefônica do advogado Francisco Catelino, medida deferida pelo Juízo Federal de SalvadorBA, sendo então informado ao julgador da atuação de agentes diversos daqueles inicialmente investigados na “Operação Octopus”, sendo pleiteada a continuidade das interceptações telefônicas. Não houve, neste momento (7.2.2006), pedido de interceptação do terminal de Zuleido Veras, o que só ocorreu posteriormente (19.4.2006 – fl. 591-597 do apenso n. 224), quando constatada a presença de fumus comissi delicti, sendo então determinada a interceptação telefônica do acusado. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 229 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O monitoramento telefônico que deu causa à quebra do sigilo do acusado Zuleido Veras encontra-se juntado aos presentes autos, tendo os acusados livre acesso aos autos do Inq. n. 561-BA, feito no qual se encontra juntado o Processo n. 2004.33.00.022013-0 (procedimento no qual encontram-se as interceptações telefônicas deferidas na “Operação Octopus”). 2.7. EXCESSO DE PRAZO - OFENSA AO MANDAMENTO DA RAZOABILIDADE ANTE AFRONTA DIRETA AO COMANDO CONSTITUCIONAL - LEADING CASE - HC N. 76.686 Esta preliminar, suscitada no aditamento à resposta, já foi devidamente examinada no item 1.5 deste voto. 2.8. EVENTO CAMAÇARI O denunciado argumenta que o monitoramento dos terminais telefônicos de seu uso tiveram início no denominado “Evento Camaçari”, momento a partir do qual a Polícia Federal levou o Juiz de 1º Grau a acreditar que estava sendo praticada fraude à licitação. O acusado afirma que, dentre todos os eventos mencionados pela Polícia Federal no presente inquérito, é emblemática a confusão da autoridade policial no Município de Camaçari-BA, havendo deturpação dos diálogos para afirmar ilicitude no repasse de verba à Gautama neste episódio. Rejeito a alegação do acusado por 02 (dois) fundamentos: primeiro porque não cabe à autoridade judicial fazer elucubrações futuras sobre os fatos sob apuração. No momento em que o Juiz de 1º Grau deferiu as interceptações telefônicas pleiteadas pela Polícia Federal, decidiu amparado em indícios de prática de crimes por parte do acusado (inclusive formação de quadrilha, punido com pena de reclusão), sem perquirir se tais indícios realmente se confirmariam futuramente; segundo porque as ordens judiciais de interceptação, conforme já frisado por diversas vezes neste voto, foram proferidas por autoridade competente e à luz dos elementos indiciários colhidos nos autos do inquérito. 2.9) DA ILICITUDE DA PROVA FACE À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Esta preliminar foi devidamente examinada no item 1.1 deste voto. 230 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 3) DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA LEI N. 9.034/1995 NO CASO CONCRETO O denunciado sustenta que a decisão de fl. 104-106, determinando fosse a investigação conduzida contra ele desenvolvida por meio do método denominado de ação controlada é ilegal porque decidida a partir de elementos àqueles imputados a este denunciado. Considera a defesa ser a Lei n. 9.034/1995 inconstitucional (por não descrever o significado de organização criminosa), sendo distintos os conceitos de quadrilha e organização criminosa, fato que torna inaplicável a Lei n. 9.034/1995. Para ela, a defesa, a organização criminosa é ordenada nos moldes de um empresa voltada para o crime, contando com divisão de funções, hierarquia, diversidade de atividades ilícitas, violência, promiscuidade com o Estado e controle territorial, características não apontadas na exordial acusatória. E arremata: na organização criminosa há um plus em relação à quadrilha ou bando. No que tange à aplicação da Lei n. 9.034/1995, pela leitura da decisão de fl. 104-105, verifica-se não haver mácula prova obtida posteriormente. Primeiro porque a denúncia oferecida contra os acusados está lastreada estritamente em indícios coletados por meio de prova documental e interceptações telefônicas colhidas por meio de decisões proferidas com base na Lei n. 9.296/1996; segundo porque apesar de fazer menção à ação controlada (instituto previsto no art. 2º, II, da Lei n. 9.034/1995), não houve, com a prolação da decisão de fl. 104105, o implemento das medidas mencionadas nos incisos II (retardo na interdição policial) e V (inf iltração de agentes) tampouco o afastamento de qualquer direito constitucional de patamar diverso daquele que já não houvesse sido excepcionado pelas anteriores decisões de quebra de sigilo telefônico proferidas nos estritos limites da Lei n. 9.296/1996. Na hipótese, o MPF ofereceu denúncia imputando aos acusados a prática, dentre outros delitos, do crime de formação de quadrilha (art. 288 do Código Penal). Vê-se, portanto, que a eventual falta de definição do conceito de organização criminosa não impede que os institutos previstos no art. 2° da Lei n. 9.034/1995 sejam utilizados no presente feito, nos termos do art. 1° do referido diploma legal. Nesse sentido, colho as palavras de Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Estado da Bahia: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 231 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Com efeito, e à guisa de conclusão, resta-nos uma pergunta: após a decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, poderíamos ainda aplicar os dispositivos da Lei n. 9.034/1995? Para nós a resposta é positiva, tratandose apenas de ações praticadas por quadrilha ou bando (art. 288, Código Penal) ou associações criminosas voltadas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e parágrafo primeiro, e 34 da Lei de Drogas – Lei n. 11.343/2006, por força do seu art. 35). (MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Supremo Tribunal Federal decidiu que no Brasil não há organização criminosa: e agora?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3.271, 15 jun. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22025>. Acesso em: 17 set. 3.912). Confira-se, ainda, comentário de Guilherme de Souza Nucci ao art. 1º da Lei n. 9.034/1995: A Lei n. 9.034/1995 não fez diferença, ao contrário, deixou bem clara a sua aplicabilidade não somente às organizações criminosas e associações criminosas – que não definiu – como também às infrações penais decorrentes de ações praticadas por qualquer quadrilha ou bando. (L eis Penais e Processuais Penais comentadas. 4. Ed. P. 280). 3.1) SUPOSTAS NULIDADES DAS INTERCEPTAÇÕES EM RAZÃO DE DECISÕES PROFERIDAS POR ESTA CORTE O advogado do denunciado, durante sustentação oral na sessão do dia 14.3.2013, defendeu a nulidade das interceptações deferidas nesta Corte, sob o argumento de que as decisões encontravam-se sem a devida fundamentação. Rejeito tal arguição. As decisões de quebra de sigilo telefônico (e respectivas prorrogações) deferidas quando da chegada dos autos a esta Corte (tais como as proferidas em 29.11.2006, em 2.2.2007, em 14.3.2007), encontram-se devidamente fundamentadas, reportando-se, inclusive, ao teor dos requerimentos formulados pelo MPF e pela Polícia Federal. Sobre o tema, confira-se precedentes desta Corte admitindo a denominada fundamentação “per relationem” (consistente naquela feita com remissão a outras manifestações ou peças processuais constantes dos autos e cujos fundamentos integram o ato decisório proferido): 232 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Habeas corpus. Processual Penal. Interceptação telefônica. Deferimento. Prorrogação por mais de uma vez. Possibilidade. Decisões fundamentadas. 1. Segundo jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 2. O Juízo de primeiro grau, ao deferir o pleito, fundamentou o cabimento da medida em elementos colhidos pela autoridade policial, bem como no fato de que um dos investigados já havia sido preso em outra operação policial, na qual também era apurada a existência de rede de tráfico destinada a distribuir entorpecentes em festas destinadas a jovens de classe média. 3. A quebra do sigilo telefônico não foi a primeira medida efetivada pela autoridade policial. Pelo contrário, tal providência teve suporte em elementos já colhidos e que demonstravam que as investigações em curso levantaram indícios da prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional, segundo o disposto no art. 2º da Lei n. 9.296/1996. 4. Ordem denegada. (HC n. 132.788-RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 19.11.2012, DJe 27.11.2012). Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional. Medida imprescindível à sua otimização. Efetiva proteção ao direito de ir, vir e ficar. 2. Alteração jurisprudencial posterior à impetração do presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o devido processo legal. 3. Homicídio qualificado. Quebra de sigilo bancário e telefônico. Interceptações. Imprescindibilidade da medida. 4. Decisões devidamente motivadas. Fundamentação per relationem. Possibilidade. 5. Prorrogação da medida. Ausência de nova motivação. Manutenção dos mesmos fundamentos já declinados. Constrangimento ilegal. Inexistência. 6. Habeas corpus não conhecido. (...) 3. Encontram-se devidamente motivadas as quebras de sigilo bancário e telefônico, bem como as interceptações telefônicas deferidas, porquanto imprescindíveis às investigações. 4. É admitida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores a utilização de motivação per relationem, passando a fazer parte da fundamentação as peças referidas como suporte argumentativo. 5. A prorrogação de interceptação sem nova fundamentação indica a persistência das circunstâncias que ensejaram a primeira medida, não havendo se falar em constrangimento ilegal. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 233 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 201.889-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 25.9.2012, DJe 2.10.2012). Refuto, portanto, tal arguição de nulidade. RESPOSTA APRESENTADA PELO DENUNCIADO JOÃO ALVES FILHO 4.1) A ILICITUDE DA PROVA O denunciado alega que não manteve contato telefônico com nenhum dos investigados pela suposta formação de quadrilha. Defende a ilegalidade da prova, pela não juntada do inteiro teor das interceptações telefônicas e das decisões autorizando a colheita de provas, fato que contraria o art. 8º da Lei n. 9.296/1996 e impede o exame em torno da higidez da prova. A questão em torno da juntada do processo das interceptações telefônicas foi examinada no item 1.4 deste voto. Afirma que “a primeira decisão que nos autos se enxerga, relativa à quebra de sigilo telefônico de Zuleido Veras é datada de 19 de maio de 2006, referindose à prorrogação da referida quebra (fls. 83). Ora, se era prorrogação, deveriam os autos trazer, para controle da defesa, a quebra precedente (se é que ela houve). (...)” Neste ponto, ressalto que, conforme já consignado linhas atrás, a primeira interceptação de terminal telefônico pertencente ao denunciado Zuleido Veras ocorreu em 19.4.2006 – fl. 591-597 do apenso n. 224. O acusado afirma que a prorrogação seguinte, que dos autos consta, é datada de 21 de junho (fl. 89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho há mais de 15 dias, donde a prorrogação veio a destempo, dado que o prazo quinzenal, além de fixado em lei (art. 5° da Lei n. 9.296/1996), é estabelecido na própria decisão de 19 de maio. Rejeito a argumentação do acusado, já que consta dos autos (fl. 1.065-1.066 do apenso n. 226) decisão do Juiz de 1º Grau prorrogando, no dia 9.6.2006, a interceptação do terminal pertencente a Zuleido Veras. 234 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Da análise dos autos, vê-se que não há solução de continuidade nas ordens judiciais que determinaram as interceptações telefônicas, tendo sido estritamente cumprido o prazo previsto no art. 5° da Lei n. 9.296/1996. 5) RESPOSTA APRESENTADA POR JOÃO ALVES NETO Considerando que as preliminares de ilegalidade da prova arguidas pelo ora denunciado constituem repetição daquelas suscitadas pelo acusado João Alves Filho e devidamente examinadas no item 4.1 deste voto, faço a elas menção e as rejeito de plano. II - MÉRITO DA ACUSAÇÃO Antes de adentrar no mérito da acusação formulada pelo MPF, teço algumas considerações sobre o desenrolar das investigações que culminaram com o oferecimento da exordial acusatória ora em exame, pois somente com a inserção dos fatos constantes da denúncia ao contexto maior é que se pode entender o sentido da chamada “Operação Navalha”. Em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela Superintendência da Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República na Bahia deu início a uma investigação criminal denominada “Operação Octopus”, destinada a apurar uma série de delitos contra a Administração Federal que estariam sendo praticados no Estado por um grupo de oito empresários denominado “G-8”. O aprofundamento das investigações revelou a existência de delitos de natureza diversa praticados por suposta quadrilha formada com o fim de obter lucros ilícitos em obras públicas nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí e Distrito Federal. No ano de 2006, deu-se início a uma outra investigação, denominada “Operação Navalha”, apurando a suposta prática de crime de formação de quadrilha e de delitos contra a Administração Pública. Ainda no ano de de 2006 as 02 (duas) investigações foram remetidas a esta Corte pelo Juízo Federal de 1º Grau, em razão da presença de agentes detentores de foro privilegiado perante o STJ. Ambos os autos foram a mim distribuídos, oportunidade em que receberam a seguinte numeração: a) Inq. n. 544-BA, “Operação Navalha”, reautauado para APn n. 536-BA após o oferecimento da denúncia; b) Inq. n. 561-BA, “Operação Octopus”. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 235 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA As investigações tiveram início na cidade de Salvador-BA, quando a Justiça Federal - Seção Judiciária da Bahia autorizou as primeiras interceptações telefônicas, mas quando as diligências apontaram para o envolvimento do então Governador do Estado do Maranhão (Jackson Kepler Lago) e do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio Conceição de Oliveira Neto, foi necessário levar os fatos ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, a, da Constituição Federal de 1988). Com o monitoramento telefônico legalmente realizado nos autos, chegou-se ao nome do sócio-diretor da construtora Gautama, Zuleido Soares Veras, o qual, em juízo de delibação dos dados constantes do Inq. n. 544-BA, aparece, em diversas oportunidades, oferecendo vantagens indevidas a servidores públicos, com o fim de obter o recebimento de vultosos valores em pagamento à execução de contratos de obras públicas. Das interceptações dos terminais telefônicos usados por Zuleido Veras e funcionários da construtora Gautama surgiram diálogos comprometedores com agentes públicos, revelando, em juízo perfunctório dos autos, um esquema de desvio de recursos públicos, protagonizado pelo denunciado Zuleido Veras, com a participação de alguns de seus empregados e o envolvimento de empresários, servidores públicos e agentes políticos. O MPF, então, ofereceu denúncia contra 61 (sessenta e um) acusados, imputando-lhes a prática de crime de formação de quadrilha e de delitos contra a Administração Pública (peculato - art. 312, caput, do Estatuto Repressivo pátrio; corrupção passiva - art. 317, § 1°, do Código Penal; prevaricação - art. 319 do referido diploma; e corrupção ativa - 333 do Código Penal). Considerando que as Assembléias Legislativas dos Estado do Maranhão e de Alagoas não autorizaram que esta Corte examinasse a denúncia oferecida contra os respectivos Governadores de Estado, concluiu a Corte Especial do STJ (fl. 8.666-8.685), em questão de ordem, pelo desmembramento do feito, mantendo sua competência para processar e julgar os denunciados abaixo mencionados, quanto aos supostos delitos praticados no denominado “Evento Sergipe” (tópico da exordial acusatória em que o MPF formula acusação contra o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe - único acusado detentor de foro privilegiado perante este Tribunal que se encontrava em condições de ser julgado): 1) Flávio Conceição de Oliveira Neto, Secretário da Casa Civil do Governo do Estado de Sergipe è época dos fatos, nomeado no ano de 2007 para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas da referida unidade federativa; 236 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 2) Zuleido Soares de Veras, sócio-diretor da construtora Gautama; 3) Florêncio Brito Vieira, funcionário da construtora Gautama, responsável, segundo o MPF, pelos saques em dinheiro e transporte de numerário que seria repassado aos agentes públicos a titulo de vantagem indevida; 4) Gil Jacó Carvalho Santos, diretor financeiro da construtora Gautama que disponibilizava, segundo o parquet, o numerário necessário para o repasse de vantagem indevida; 5) Gilmar de Melo Mendes, ex-Presidente da Deso - Companhia de Saneamento do Estado de Sergipe; 6) Humberto Rios de Oliveira, funcionário da construtora Gautama que, segundo o MPF, dividia com Florêncio Brito a incumbência de sacar o dinheiro e transportar o numerário; 7) João Alves Filho, Governador do Estado de Sergipe à época dos fatos; 8) João Alves Neto, filho do ex-Governador João Alves Filho; 9) José Ivan de Carvalho Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário de Administração do Estado de Sergipe; 10) Kleber Curvelo Fontes, então Diretor Técnico da Deso; 11) Maria de Fátima César Palmeira, Diretora Comercial da construtora Gautama: 12) Max José Vasconcelos de Andrade, ex-Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe; 13) Renato Conde Garcia, engenheiro fiscal da obra realizada pela construtora Gautama no Estado de Sergipe; 14) Ricardo Magalhães da Silva, engenheiro civil, representante da Gautama no Estado de Sergipe e que, segundo o MPF, era responsável pelos pedidos de prorrogação indevida dos contratos e mantinha tratativas com os agentes públicos citados na denúncia com fim de viabilizar o repasse de vantagens indevidas e a liberação de verbas públicas para a Gautama; 15) Roberto Leite, então Diretor Técnico da Deso: 16) Sérgio Duarte Leite, sócio administrador da Enpro; e 17) Victor Fonseca Mandarino, ex-Presidente da Deso. Segundo a denúncia, a análise das condutas dos investigados demonstra a existência de uma sofisticada quadrilha comandada pelo acusado Zuleido Soares RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 237 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Veras e integrado por empregados da construtora Gautama e agentes públicos do Estado de Sergipe, que se aliaram de forma permanente e estável para a perpetração de práticas delituosas visando a liberação de pagamentos de obras superfaturadas por meio do repasse de vantagem indevida a servidores. Conforme apontado pela acusação, o conjunto probatório produzido no âmbito do Inquérito aponta que o grupo liderado pelo denunciado Zuleido Veras constituía o núcleo central de toda a atividade delituosa, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes de peculato e corrupção ativa. O MPF alega, ainda, que restou apurado que nos Estados em que a Gautama tinha interesse em executar obras públicas formaram-se outras quadrilhas, integradas por servidores públicos e agentes políticos, que se organizaram de forma estável e permanente para atender aos propósitos ilícitos do grupo comandado pelo denunciado Zuleido Veras. Levando em conta o desmembramento do processo, compete a esta Corte, no presente momento, fazer o juízo de admissibilidade da peça acusatória em relação aos seguintes tópicos: A) prática de delitos contra a Administração Pública (peculato, corrupção ativa, corrupção passiva e prevaricação) imputados aos denunciados no “Evento Sergipe”; B) prática do crime de formação de quadrilha por parte dos denunciados que figuram estritamente no denominado “Evento Sergipe”. A) DOS DELITOS IMPUTADOS AOS DENUNCIADOS NO “EVENTO SERGIPE” Conforme consignado no relatório, o parquet dividiu da seguinte forma a imputação dos delitos cometidos no denominado “Evento Sergipe”: a) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva, Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte, Sergio Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão prática do crime de peculato, tipificado no art. 312, caput, do Código Penal; b) Zuleido Veras (46 vezes), Gil Jacó (46 vezes), Ricardo Magalhães, Maria de Fátima Palmeira, Florêncio Vieira (3 vezes) e Humberto Rios (3 vezes) - prática do crime de corrupção ativa, previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal; 238 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL c) João Alves Filho (14 vezes), João Alves Neto (12 vezes), Flávio Conceição de Oliveira Neto (26 vezes), Max José Vasconcelos de Andrade (6 vezes) e Ivan Paixão (2 vezes) - prática do crime de corrupção passiva, tipificado no art. 317, § 1º, do Código Penal; d) Flávio Conceição de Oliveira Neto - prática do crime de prevaricação previsto no art. 319 do Código Penal. e) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva, Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte, Sergio Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão prática do crime de formação de quadrilha previsto no art. 288, caput, do Código Penal. A . 1 ) DA CO N T E X T UA LI Z AÇ ÃO D O S FAT O S CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO N. 110/01 FIRMADO ENTRE A DESO (COMPANHIA DE SANEAMENTO DO ESTADO DE SERGIPE) E A GAUTAMA Conforme apontado na denúncia, a Deso (Companhia de Saneamento do Estado de Sergipe - sociedade de economia mista na qual o Estado detém a maior parte do capital social) firmou, em 27.8.2001, o Contrato n. 110/01 com a Construtora Gautama para a execução das obras e serviços de construção civil e montagens da 2ª fase da 2ª etapa do sistema de adutora do rio São Francisco, no valor total, com aditivos, de R$ 128.432.160,59. Nos termos do relatório da CGU (apenso n. 97), os recursos financeiros envolvidos no contrato tiveram origem no Cônvenio n. 200/99, celebrado com o Ministério da Integração Nacional em 30.12.1999, no valor de R$ 22.550.000,00, sendo R$ 20.500.000,00, da União e R$ 2.050.000,00 de contrapartida estadual; no Convênio n. 006/05 MI, de 25.10.2005; no Contrato de Financiamento e Repasse n. 156453-64/03 de 29.10.2003, firmado com a CEF, no valor de R$ 94.000.000,00; e em verbas do próprio Estado de Sergipe. Em decorrência da execução do referido contrato foram pagos à Gautama R$ 224.620.790,59, sendo R$ 26.661.060,32 com base no Convênio n. 200/99; R$ 7.665.844,52 com base no Convênio n. 006/05, mediante financiamento da CEF; e R$ 76.466.375,78 com recursos do Estado de Sergipe (fl. 09 do apenso n. 97). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 239 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Conforme apontado pelo MPF, o relatório de ação de controle da CGU (apenso n. 97) aponta diversas irregularidades da Concorrência Pública n. 005/2000, supostamente praticadas com o f im de direcionar o Contrato n. 110/01 para a construtora Gautama. A questão em torno das irregularidades constatadas pela CGU na fase de contratação da Gautama será exposta de forma sumária, com o fim de contextualizar os fatos e os delitos apontados na denúncia, praticados durante a execução do contrato. A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno (órgão central do sistema de controle interno do Governo Federal), apontou, no relatório, direcionamento do processo licitatório para a empresa Gautama, facilitado por um processo repleto de irregularidades e falhas formais (fl. 140 do apenso n. 97). Esclareço que a CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno, tem competência para f iscalizar e avaliar a execução de programas de governo, inclusive ações descentralizadas com recursos dos orçamentos da União, realizar auditorias e avaliar os resultados da gestão dos administradores públicos, apurar denúncias e executar atividades de apoio ao controle externo (informação disponível no endereço http://www.cgu.gov.br/CGU/Competencias/index.asp). A CGU apontou, após analisar as exigências do edital de Concorrência n. 005/2000 (tais como preço de aquisição exorbitante, exigência de índices econômico-financeiros do edital, exigência de garantia de participação no certame, exigências abusivas para habilitação técnica das licitantes, exigências técnicas do edital) direcionamento da licitação à empresa Gautama (fl. 14-24 do apenso n. 97), sendo o contrato assinado em 27.8.2001. A CGU indicou, ainda, ausência de documentos, a não autuação processual e o fato da maioria dos documentos serem apócrifos ou mesmo pela inexistência de seus originais somaram fatores que propiciaram a criação de um ambiente processual favorável à inclusão de cláusulas restritivas ao caráter competitivo e que criaram dificuldades para a identificação dos responsáveis pelas irregularidades e ilegalidades constatadas (fl. 140 do apenso n. 97). Demonstradas as irregularidades cometidas na fase de celebração do Contrato n. 110/01, passo a indicar os elementos indiciários presentes nos autos do Inquérito que conduzem à conclusão, em juízo sumário, de que houve prática de crimes contra a Administração Pública no denominado “Evento Sergipe”. 240 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL A. 2) DEMONSTRAÇÃO DA PRESENÇA DE INDÍCIOS DE QUE HOUVE SUPERFATURAMENTO E IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DO CONTRATO N. 110/01 - ADITIVOS INCLUÍDOS COM O PROPÓSITO DE DESVIAR RECURSOS PÚBLICOS EM PROL DA EMPRESA GAUTAMA No momento em que o denunciado João Alves Filho assumiu o cargo de Governador do Estado de Sergipe (mandato de 2003 a 2006), as obras do Contrato n. 110/01 estavam em andamento e havendo repasse de R$ 20.550.000,00 em razão do Convênio n. 200/99. No período em que o denunciado João Alves Filho exerceu o cargo de Governador foram celebrados 05 (cinco) Termos de Rerratificações e 03 (três) aditivos ao contrato, sendo que o 5º e 6º Termos acarretaram a majoração do valor contrato. O denunciado João Alves Filho firmou, com o Ministério da Integração Nacional, o Convênio n. 006/05, no qual foi repassado ao Estado de Sergipe o valor de R$ 7.665.844,52 (assinado em 24.10.2005 - fl. 577-584 do apenso n. 99) e celebrou contrato de empréstimo com a CEF (Caixa Econômica Federal) para ser repassado ao Estado o valor de R$ 76.466.375,78 (contrato assinado em 29.12.2003). O Convênio n. 006/2005 tinha validade de 120 dias, tendo sido posteriormente prorrogado (por meio de 03 termos aditivos) até 17.6.2007, ensejando a liberação em favor da Secretaria de Infra-estrutura do Estado de Sergipe de R$ 6.800.001,00 (fl. 83). Para a CGU houve antieconomicidade na realização dos serviços prestados em razão do Convênio n. 006/2005 e inconsistências nas informações, indicando o denunciado Renato Conde Garcia como responsável por atestar as supostas medições fraudulentas (medições essas que seriam, conforme demonstrado posteriormente neste voto, utilizadas como parâmetro para cálculo do pagamento de vantagens indevidas aos agentes públicos) - fl. 86 do apenso n. 97. A Secretaria de Controle Interno da CGU aponta atuação def iciente da f iscalização da Deso no Contrato n. 110/01, não sendo preservados elementos suficientes para dirimir dúvidas destacadas em relação à pertinência dos pagamentos realizados à Gautama (fl. 90 do apenso n. 97), constatando, ainda, transferência de recursos da conta específica para conta estranha ao Convênio, o que contraria os objetivos do controle, impedindo fosse fiscalizada a regular aplicação dos recursos do convênio (fl. 91-92 do apenso n. 97). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 241 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A CGU indica que não constam da prestação de contas do Convênio n. 006/2005 os extratos bancários da aplicação financeira, bem como da sua conta corrente. Com relação ao contrato firmado entre o Estado de Sergipe e a CEF, a CGU aponta repasses à Deso (Companhia de Saneamento de Sergipe, sociedade de economia mista na qual o Estado de Sergipe figura com 99% do capital social) o valor de R$ 94.000.000,00, integralmente aplicados no Contrato n. 110/01. E de um total de recursos repassados pela CEF, R$ 17.301.173,58 representam prejuízo, que se amplia com mais R$ 20.017.912,98 decorrentes dos reajustes correspondentes ao sobrepreço no fornecimento, totalizando um prejuízo de R$ 37.319.086,56 aos cofres públicos (fl. 93-94 do Apenso n. 97). A CGU conclui que a execução do contrato firmado com a Deso (no qual foram utilizados recursos obtidos pelo Estado de Sergipe junto à CEF e à União) foi repleta de irregularidades, como antecipações de pagamentos, alterações no objeto do contrato. Indica a presença de indícios de que os valores auferidos pela Gautama com os prejuízos encontrados foram desviados para finalidades distintas das contratadas e que a análise de todos os recursos utilizados para pagamentos do contrato demonstrou que a maioria dos prejuízos foi paga com recursos do Estado de Sergipe, oriundos de contrato oneroso firmado com a CEF. Caso não tivesse havido desvio, informa a CGU, minimizada a necessidade de recursos federais no empreendimento, sendo suficiente a capacidade de financiamento local da obra (fl. 141 do apenso n. 97). A CGU constatou, ainda, a existência de diversas irregularidades no 6º Termo de Rerratificação do Contrato n. 110/01, firmado no dia 6.6.2005 com a finalidade de propiciar a liberação de verba para realização da 2ª fase da 2ª etapa do Sistema de Adutora do rio São Francisco (fl. 488-489 do apenso n. 99). Com este Termo, o valor do contrato passou de R$ 105.136.916,44 para R$ 128.432.160,59. A Secretaria de Controle Interno da CGU indica que em janeiro de 2005 já existia a previsão de R$ 26.077.521,00 no Orçamento da União para o pagamento da execução da 2ª fase da 2ª etapa da obra contratada. Ocorre que, conforme apontado pela CGU, o Governo do Estado de Sergipe encaminhou ao Ministério da Integração Nacional plano de trabalho para execução da 2ª fase da 2ª etapa de duplicação da adutora do rio São Francisco, no valor de R$ 28.685.273,10. Neste ponto, a CGU alerta que os recursos para o pagamento da mencionada fase da obra já se encontravam garantidos no orçamento da União, razão pela qual ficou caracterizado que o plano de trabalho não era para a execução da 2ª fase, mas, sim, para uma nova fase de duplicação, ainda não contratada. 242 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Segundo a CGU, apesar das gestões junto ao Ministério da Integração Nacional para garantia do repasse de recursos para a nova fase, não foi tomada, por parte da Deso, nenhuma providência para a realização do respectivo procedimento licitatório (fl. 69-70 do apenso n. 97), levando a Deso, em junho de 2005, sob o pretexto de urgência, firmar com a Gautama o 6º Termo de Rerratificação ao Contrato n. 110/01. A CGU consigna que, caso já houvesse sido realizada a licitação da 3ª fase da 2ª etapa da adutora, não haveria necessidade de se acrescer o aporte de recursos ao Contrato n. 110/01 e aponta, nesse ponto, terem os denunciados Victor Fonseca Mandarino (então Diretor Presidente da Deso) e Kleber Curvelo Fontes (Diretor Técnico da Deso) contribuído para o suposto desvio de recursos públicos em favor da Gautama. O primeiro não realizou o procedimento licitatório e o segundo acusado opinou favoravelmente, em parecer técnico, para a consolidação do aditivo contratual. Os referidos denunciados (citados em interceptações telefônicas posteriormente transcritas neste voto), decidiram favoravelmente à realização do 6º Termo de Rerratificação, sem adotar as medidas necessárias para verificação de sua pertinência, consignando não haver diário de obra (fato que torna inviável o exame sobre a regularidade das medições da execução da obra), nem equipe de campo para o acompanhamento das obras (fl. 65-68 do apenso n. 97). A CGU analisou a planilha eletrônica apreendida pela Polícia Federal na sede da empresa Gautama com o título “PS Final Aditivo Gil”, composta por várias “fichas” e que contém o resumo da contabilidade da construtora para a obra do Contrato n. 110/01. Segundo frisa a CGU, a planilha de custos se divide em “custos diretos” (representando os gatos com materiais, totalizando 41% do valor da obra) e “custos indiretos” que somam 59% do valor da obra. Dentro do item “custos indiretos” (responsável pelo elevador valor de 59% da obra), chama atenção o valor do subitem “despesas extras” de R$ 62.183.241,00, representando 37% dos gatos totais da Gautama. Constatou-se, ainda, que o custo das “despesas extras” vêm da “ficha” “Diversos” da planilha, apresentando uma divisão em 02 (dois) tipos de gastos: parceiros, com percentuais que variam de 10,4% a 12% sobre o faturamento do contrato; e “TDO”, representando gastos que variam de 20,78% e 22,7% do total faturado pela Gautama com o Contrato n. 110/01. O denunciado Gil Jacó de Carvalho Santos, em depoimento prestado a esta relatora (fl. 1.395-1.396), declarou: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 243 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que o pagamento aos fornecedores são feitos por conta, mas há pagamento em dinheiro para as obras, que algumas vezes sai a ordem de pagamento para a obra e de lá fazem o saque e pagam em dinheiro; que algumas vezes o pagamento é feito em espécie e aí se diz que houve uma TDO (Transferência de dinheiro para a obra); A Secretaria de Controle Interno da CGU, após detido exame da planilha eletrônica apreendida, constatou que o percentual de prejuízo causado aos cofres públicos na execução do Contrato n. 110/01 (40,39%) se aproxima muito do valor correspondente ao item “despesas extras” da Gautama, fato que, na ótica do referido órgão de controle interno, permite concluir que a “TDO” era calculada sobre o montante das medições recebidas, demonstrando que as “despesas extras” constituíam, na verdade, os valores das vantagens indevidas repassadas aos agentes públicos do Estado de Sergipe, acusados que terão suas condutas analisadas no decorrer deste voto (fl. 72-80 do apenso n. 97). Ao final do Relatório da Ação de Controle, a CGU indica um prejuízo total atualizado do contrato no valor de R$ 178.708.458,81. A exposição feita neste capítulo do voto refuta, peremptoriamente, os argumentos lançados pelo denunciado Zuleido Veras na Petição n. 67.661, juntada ao processo no dia 13.3.2013. Não há falar em ilegalidade do relatório elaborado pela Chefe da Controladoria-Regional da União no Estado de Sergipe. Chego a essa conclusão pelos seguintes fundamentos: 1) o relatório da CGU, ao contrário do sustentado pelo acusado, examinou pontos da execução do Contrato n. 110/01 que em nada guardam pertinência com a formação do profissional da engenharia; 2) a Controladoria Geral da União, em minucioso relatório de 167 páginas (assinado por Analista de Finanças e Controle, servidora com formação específica na área de ciências econômicas) constatou fundados indícios de irregularidades na execução f inanceira do referido pacto (tais como antieconomicidade na realização dos serviços prestados; transferência de recursos da conta específica para conta estranha ao Convênio n. 06/2005 (dificultando o controle); e desnecessidade de realização do 6° Termo de Rerratificação ao Contrato n. 110/01, em razão da suficiência da verba encaminhada pela União); 3) nos termos da Lei n. 8.112, de 11.12.1990 (DOU de 12.12.1990), do Decreto-Lei n. 2.346, de 23 de julho de 1987 (DOU 24.7.1987), da Lei n. 244 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 10.180, de 6.2.2001 (DOU de 7.2.2001), da Medida Provisória n. 2.229-43, de 6.9.2001 (DOU de 10.9.2001), da Lei n. 10.769, de 19.11.2003, (DOU de 20.11.2003), da Lei n. 11.094, de 13.1.2005 (DOU de 17.1.2005),da Lei n. 11.890, de 24.12.2008 (DOU de 26.12.2008), do Decreto n. 4.321, de 5.8.2002 (DOU de 6.8.2002), do Decreto n. 6.944, de 21.8.2009 (DOU de 24.8.2009), o cargo de Analista de Finanças e Controle (ocupado pela servidora que subscreveu o relatório da CGU) tem por atribuições a supervisão, coordenação, direção e execução de trabalhos especializados sobre gestão orçamentária, financeira e patrimonial, análise contábil, auditoria contábil e de programas; assessoramento especializado em todos os níveis funcionais do Sistema de Controle Interno; orientação e supervisão de auxiliares; análise, pesquisa e perícia dos atos e fatos da administração orçamentária, financeira e patrimonial; interpretação da legislação econômico-fiscal, financeira, de pessoal e trabalhista; supervisão, coordenação e execução dos trabalhos referentes à programação financeira anual e plurianual da União e de acompanhamento e avaliação dos recursos alcançados pelos gestores públicos; modernização e informatização da administração financeira do Governo Federal; atuar no aprimoramento e fortalecimento das ações correicionais no Poder Executivo Federal; acompanhar o andamento dos processos administrativos disciplinares em órgãos ou entidades da Administração Pública Federal; zelar pela integral f iscalização do patrimônio público; e proceder ao andamento das representações e denúncias recebidas pela Controladoria-Geral da União, com objetivo de combater condutas e práticas referentes à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público; 4) a servidora que subscreveu o citado relatório observou estritamente as atribuições do seu cargo e a competência da Secretaria Federal de Controle Interno da CGU de fiscalizar e avaliar a execução de programas de governo, inclusive ações descentralizadas com recursos dos orçamentos da União, realizar auditorias e avaliar os resultados da gestão dos administradores públicos, apurar denúncias e executar atividades de apoio ao controle externo. Feitas essas considerações, passo ao exame do argumento da defesa de que, nos termos do art. 159 do Código de Processo Penal, o relatório da CGU não serve como prova da materialidade do delito de peculato. Confira-se a letra da lei: Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 245 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. O denunciado Zuleido Veras afirma que a prova material do referido delito deveria ter sido atestada por perito oficial do Instituto de Criminalística da Polícia Judiciária. Eugenio Pacelli de Oliveira, em comentários ao tema, preceitua que: Assim, os peritos oficiais, isto é, aqueles integrantes do quadros dos poderes públicos (em geral, da polícia judiciária) devem ter formação superior em determinadas e específicas áreas do conhecimento. (Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. p. 326). Entendo, na linha da doutrina, que não assiste razão ao denunciado. A alegação de que a materialidade de todo e qualquer delito deve ser, obrigatoriamente, comprovada por meio de exame pericial feito pela Polícia Judiciária não resiste a uma interpretação teleológica do dispositivo. Certos delitos tais como homicídio, lesão corporal dentre outros semelhantes, exigem materialidade demonstrada por perícia do Instituto de Criminalística da Polícia, órgão estatal incumbido da persecução penal e dotado de aparato necessário para realização dos respectivos laudos. Contudo, entendo que a materialidade de delitos de natureza diversa, tais como aqueles praticados contra a Administração (em que ocorre suposto desvio de dinheiro público), pode ser demonstrada por perícia realizada pelos órgãos estatais de controle (tais como o TCU e a CGU), incumbidos pela legislação vigente do exercício específico de tal mister. Nesse sentido, confira-se pronunciamento do STF quando do exame do recebimento de denúncia nos autos do Inq. n. 2.245-4-MG (“Mensalão” - DJ 28.8.2007). Naquela oportunidade, a Suprema Corte concluiu pela presença de indícios de autoria e materialidade do delito de peculato com fundamento em relatório elaborado por Auditores do TCU, profissionais que têm atribuições semelhantes àquelas dos Analistas de Controle e Finanças da CGU. Eis a ementa: Capítulo III da denúncia. Subitens III. 1, a.3 e b.2. Peculato. Desvio de recursos públicos. Presença de justa causa. Denúncia recebida, excluído o 8° denunciado. (...) 246 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 3. Constatação, pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União, da subcontratação quase total do objeto do Contrato n. 2003/204.0 (o que era expressamente vedado), como também a subcontratação de empresas para realização de serviços alheios ao objeto contratado. Não é desprovida de substrato fático a imputação do Ministério Público Federal segundo a qual o então presidente da Câmara dos Deputados, em concurso com os 5°, 6° e 7° denunciados, concorreram para desviar parte do dinheiro público destinado ao Contrato n. 2003/204.0. 4. Os indícios apontam no sentido de que a empresa dirigida pelos 5°, 6° e 7° denunciados teria recebido tais recursos sem que houvesse contrapartida concreta sob a forma de prestação de serviços. Por fim, colho lição de Eugênio Pacelli de Oliveira aplicável mutatis mutandis ao caso concreto e que no meu entender reforça o argumento em torno da validade de laudo elaborado por Analista da CGU, profissional com formação específica na matéria e plenamente capaz de atestar a suposta prática do delito de peculato imputado pelo MPF. No julgamento do HC n. 71.563-RJ (Sexta Turma, maioria, DJ 10.9.2007), o STJ, a partir de interpretação literal do art. 159 do CPP, anulou sentença proferida com base em laudo elaborado por papiloscopista e determinou o encaminhamento dos autos à perícia oficial. Eugênio Pacelli de Oliveira, discorrendo sobre a questão enfrentada no precedente, posicionou-se ao lado dos votos vencidos proferidos pelos Ministros Hamilton Carvalhido e Napoleão Maia, afirmando que “em matéria de prova pericial, o que vale é a especialidade do conhecimento e não a do cargo” de perito: Perito oficial e papiloscopista: o exame de papiloscopia refere-se à apreensão de vestígios reelativos à impressão digital, para fins de identificação da pessoa e sua presença em determinado local. Há normas regulamentando o exercício dessas funções no âmbito das polícias, de que é exemplo, apenas, a guisa de exemplo, a Instrução Normativa 14-DG/DPF, 30/-05-05 no âmbito da Polícia Federal. O que nos importa, aqui, é esclarecer eventuais consequências do aludido exame em matéria de prova pericial. Como vimos, determinados fatos e circunstâncias podem ser reconstruídos a partir da análise dos vestígios deixados por ocasião de sua ocorrência. A prova pericial, então, exige conhecimentos técnicos específicos, exigidos com base na formação profissional dos peritos, como sem tem, por exemplo, no requisito da formação superior. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 247 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (...) O que não se pode recursar é que o papiloscopista, isto é, a pessoa com formação superior, detentora de conhecimentos técnicos específicos de tais exames, se encontra em situação de superioridade em relação ao perito (oficial) - ocupante de cargo com essa denominação - que não tenha realizado o aludido curso e formação profissional. Não será, portanto, o fato de ocupar o perito o respectivo cargo - de perito - que lhe confere autoridade sobre a matéria atinente à papiloscopia. Por isso, absolutamente sem razão a decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC n. 71.563-RJ - Sexta Turma - relatado pelo Min. Nilson Naves, na qual se anulou um processo, com todas as graves consequências que de tal anulação resultam, unicamente em razão de ter a sentença se baseado em laudo elaborado por papiloscopistas e não por peritos oficiais. A decisão inegavelmente privilegia a forma sobre o conteúdo. Ao determinar o retorno dos autos à perícia oficial para a elaboração do laudo, o Tribunal conferiu aos peritos oficiais o grau de conhecimento de que, na prática, não eram portadores: ou teriam eles a formação em papiloscopia? Ora, não tendo eles formação na área, que laudo técnico poderia esperar? Corretos, então, os votos vencidos dos Ministros Hamilton Carvalhido e Napoleão Maia, que colocaram a questão em seu devido lugar: em matéria de prova pericial , o que vale é a especialidade do conhecimento e não a do cargo. (ob. cit. P. 328). Rejeito, portanto, os argumentos do denunciado Zuleido Veras, ressaltando que não apenas a CGU, mas também o Tribunal de Contas da União constatou irregularidades na execução do Contrato n. 110/01, conforme adiante demonstrado. A. 3) DA TESE DE DEFESA DOS DENUNCIADOS - ACÓRDÃOS DO TCU Em sua defesa, os denunciados, com o objetivo de afastar a acusação de irregularidades na execução do Contrato n. 110/01, afirmam que o TCU teve a oportunidade de analisar a questão, concluindo pela regularidade da obra realizada pela construtora Gautama, fato que desconstituiria, por si só, as constatações da CGU. Pondero que o STJ, no presente momento, realiza juízo de admissibilidade da acusação, bastando para o recebimento da denúncia a presença de indícios de autoria e materialidade dos delitos imputados pelo MPF. Feitas essas considerações, entendo necessário expor os fatos constatados pelo TCU quando da análise do Contrato n. 110/01 que, somados aos graves indícios de 248 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL irregularidade constatados pela CGU e aos dados obtidos na fase inquisitorial (e que serão detalhadamente examinados neste voto) autorizam o início da ação penal. Conforme já exposto, a obra decorrente do Contrato n. 110/01 foi financiada por recursos federais e estaduais, tendo o Tribunal de Contas da União, nos limites de sua esfera de atribuição, atentado-se, prioritariamente, para a fiscalizado da aplicação dos recursos federais. Conforme se depreende da Decisão n. 913/2002 - Plenário (fl. 31-32 do apenso n. 150), o TCU, em sessão 24.7.2002, constatou irregularidades nas obras da adutora do rio São Francisco, tais como incompatibilidade entre a planilha licitada e os critérios de medição, ocorrências de superfaturamento, falhas na administração do contrato, sendo determinado a suspensão cautelar de envio de recursos federais decorrentes do Convênio n. 200/99, até que fossem sanadas as irregularidades. Apesar do TCU ter, em data posterior, autorizado o prosseguimento da obra (fl. 47-48 do referido apenso), houve a constatação preliminar de irregularidades na aplicação de recursos federais no contrato. Em nova oportunidade, o TCU constatou a presença de irregularidades na execução do mesmo contrato (Acórdão n. 584/2003 - fl. 50-57 do apenso n. 150), determinando a intimação do denunciado Gilmar de Melo Mendes (ex-Presidente da Deso) para prestar informações sobre os indícios de prática de sobrepreço praticado na compra de tubos, abertura da ordem de serviço com valor inferior àquele obtido na aplicação financeira de recursos do Convênio n. 200/99. No Acórdão n. 1.710/2005 (fl. 85-87 do apenso n. 150), o TCU, apesar de reconhecer a falta de competência para fiscalizar a aplicação de recursos estaduais, constatou indícios de irregularidades na aplicação de verbas do Governo do Estado, determinando examinasse o TCE a planilha de preços do 5º Termo de Rerratificação, pagamento de tubos à Gautama por preço bem superior ao praticado pelo mercado. Por fim, tem-se que o TCU, no Acórdão n. 2.293/2005 (fl. 132-168 do citado apenso) alertou à Deso de que a liberação de recursos federais para a realização da 3ª fase da 2ª etapa da adutora do rio São Francisco estaria condicionada à realização de licitação, consignando que a aplicação de recursos com fundamento em novas emergências não seriam admitidas pela Corte, irregularidade também constatada no Relatório da CGU, já exposto em tópico anterior deste voto. Portanto, o TCU constatou a presença de indícios de irregularidades na execução do Contrato n. 110/01, fato que, somado aos demais elementos de prova presentes nos RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 249 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA autos, autorizam seja dado início à instrução criminal, momento em que as partes terão a oportunidade de produzir provas com o fim de demonstrar a subsistência dos seus argumentos. Advirto que, ainda que o TCU considerasse a obra regular, tal fato, por si só, não teria o condão de ilidir a justa causa da ação penal proposta pelo Ministério Público Federal, pois são independentes as instâncias penal e administrativa. Nesse sentido é pacífica a jurisprudência, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: Ementa: I. Denúncia: cabimento, com base em elementos de informação colhidos em auditoria do Tribunal de Contas, sem que a estes - como também sucede com os colhidos em inquérito policial - caiba opor, para esse fim, a inobservância da garantia ao contraditório. II. Aprovação de contas e responsabilidade penal: a aprovação pela Câmara Municipal de contas de Prefeito não elide a responsabilidade deste por atos de gestão. III. Recurso especial: art. 105, III, c: a ementa do acórdão paradigma pode servir de demonstração da divergência, quando nela se expresse inequivocamente a dissonância acerca da questão federal objeto do recurso. (Inq n. 1.070-TO, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Pleno, julgado em 24.11.2004, DJ 1º.7.2005, P. 6). Ementa: - “Habeas corpus”. Recurso ordinário. - Improcedência das alegações de inépcia da denuncia e da falta de justa causa. - Não e o “habeas corpus” o meio processual idôneo ao exame aprofundado de prova. - A aprovação de contas pelo Tribunal de Contas da União não impede que o Ministério Público apresente denúncia, se entender que há, em tese, crime em ato que integra a prestação de contas aquele órgão de natureza administrativa. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RHC n. 71.670-PE, Rel. Ministro Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 11.10.1994, DJ 20.10.1995, P. 35.263). Habeas corpus. Denúncia recebida contra prefeito, por suposta dispensa irregular de licitação. Art. 89, caput da Lei n. 8.666/1993. Independência das instâncias administrativa e penal. Precedentes do STJ. Situação peculiar do caso em exame: aprovação das contas do município pelo TCE-RS, com análise específica da operação realizada de compra de combustíveis, afastando eventual irregularidade no procedimento. Ordem concedida para trancamento da ação penal. 1. Conforme entendimento há muito firmado nesta Corte Superior, o fato de o Tribunal de Contas eventualmente aprovar as contas a ele submetidas, não obsta, em princípio, diante da alegada independência entre as instâncias administrativa 250 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL e penal, a persecução criminal promovida pelo Ministério Público, bem como a correspondente responsabilização dos agentes envolvidos em delitos de malversação de dinheiros públicos. Precedentes do STJ. (...) 4. Opina o MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal. (HC n. 88.370-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 7.10.2008, DJe 28.10.2008). Recurso especial. Prefeito. Condenação. Art. 1º, incisos I, VI, VII, e XI, do DecretoLei n. 201. Considerações. 1. Dissídio jurisprudencial indemonstrado. 2. Argüida a inconstitucionalidade do referido decreto, bem como a necessidade de pronunciamento da Câmara dos Vereadores para processar Prefeito. Questões já superadas nas Cortes Superiores, além de já terem sido objeto de apreciação em habeas corpus anteriormente impetrado e denegado. Argüição prejudicada. 3. A aprovação de contas municipais pelo Tribunal de Contas do Estado é irrelevante para a persecução penal. Questão já analisada em habeas corpus anteriormente impetrado e denegado. Argüição prejudicada. (...) 15. Recurso Especial julgado parcialmente prejudicado, nos termos acima referidos; no mais, parcialmente conhecido e, nessa parte, dando-lhe provimento para cassar o acórdão proferido em sede de embargos de declaração tão-somente na parte em que procedeu ao indevido agravamento da pena corporal infligida ao réu, restaurando-se, pois, a condenação estabelecida no primeiro julgamento; de ofício, declarada a extinção da punibilidade quanto os crimes dos incisos VI, VII e XI do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967, imputados ao Recorrente, em face da prescrição retroativa, permanecendo, portanto, a condenação pelo inciso I do mesmo Diploma Legal; Outrossim, julgada prejudicada a Medida Cautelar n. 8.401, a qual pretendia emprestar efeito suspensivo ao presente recurso especial, restando, pois, também prejudicado o agravo regimental nela interposto. (REsp n. 651.030-PI, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 14.9.2004, DJ 11.10.004, p. 379). Constitucional e Processual Penal. “Habeas corpus”. Peculato. Princípio do promotor natural. Garantia constitucional inexistente (art. 127, paragrafo 1., a contrario sensu). Matéria fática insusceptível de ser examinada na via estreita do “habeas corpus”. Ausência de constrangimento ilegal. Recurso ordinário conhecido e improvido. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 251 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - A Constituição, diferentemente do que faz com os juízes, tudo em prol dos jurisdicionados, não garante o “princípio do promotor natural”. Ao contrário, consagra no parágrafo 1º do art. 127 os princípios da “unidade” e da “indivisibilidade” do Ministério Público, dando maior mobilidade à instituição, permitindo avocação e substituição do órgão acusador, tudo, evidentemente, nos termos da Lei Orgânica. No caso concreto, ademais, o promotor natural se deu por impedido. Daí a designação de outro, o denunciante. II - Pelo simples fato de haver o Tribunal de Contas do Estado aprovado contas, não impede o Ministério Público de fazer denúncia. A matéria levantada pelo recorrente, ademais, é fática. Assim, temerário seria o trancamento da ação penal. Não se pode falar, então, em constrangimento ilegal. III - Recurso ordinário conhecido e improvido. (RHC n. 3.061-MT, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Sexta Turma, julgado em 8.2.1993, DJ 28.2.1994 p. 2.916). A. 4) DA FORMA COMO SE DEU A OPERACIONALIZAÇÃO DA SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE PECULATO-DESVIO, CORRUPÇÃO PASSIVA E CORRUPÇÃO ATIVA (ARTS. 312, CAPUT, 317, § 1° E 333, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS, DO CÓDIGO PENAL) Demonstradas as supostas irregularidades cometidas durante a execução do Contrato n. 110/01, com a constatação (por meio de laudo emitido pelo órgão competente) de que há indícios de desvio de recursos públicos em favor da empresa Gautama e de repasse de vantagem indevida em prol de agentes públicos do Estado de Sergipe, passo a expor os demais dados coletados no Inquérito que, somados ao relatório da CGU, autorizam, em juízo sumário de cognição, o recebimento da exordial acusatória contra os seguintes denunciados: 1) Flávio Conceição de Oliveira Neto, Secretário da Casa Civil do Governo do Estado de Sergipe è época dos fatos, nomeado no ano de 2007 para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas da referida unidade federativa; 2) Zuleido Soares de Veras, sócio-diretor da construtora Gautama; 3) Gilmar de Melo Mendes, ex-Presidente da Deso - Companhia de Saneamento do Estado de Sergipe; 4) João Alves Filho, Governador do Estado de Sergipe à época dos fatos; 5) João Alves Neto, filho do ex-Governador João Alves Filho; 6) José Ivan de Carvalho Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário de Administração do Estado de Sergipe; 252 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 7) Kleber Curvelo Fontes, então Diretor Técnico da Deso; 8) Max José Vasconcelos de Andrade, ex-Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe e Coordenador da campanha de reeleição do acusado João Alves Filho; 9) Renato Conde Garcia, engenheiro fiscal da obra realizada pela construtora Gautama no Estado de Sergipe; 10) Ricardo Magalhães da Silva, engenheiro civil, representante da Gautama no Estado de Sergipe e que, segundo o MPF, era responsável pelos pedidos de prorrogação indevida dos contratos e mantinha tratativas com os agentes públicos citados na denúncia com fim de viabilizar o repasse de vantagens indevidas e a liberação de verbas públicas para a Gautama; 11) Sérgio Duarte Leite, sócio administrador da Enpro; e 12) Victor Fonseca Mandarino, ex-Presidente da Deso. Na relação dos denunciados cuja conduta, como será analisada, autoriza o recebimento a denúncia foram poupados os seguintes denunciados: 1) Florêncio Brito Vieira; 2) Humberto Rios de Oliveira, empregados subalternos da Gautama, percebendo salário e sujeitos às ordens do Diretor-Presidente da empresa, Zuleido Veras, sem nenhum poder de decisão ou de veto às determinações. Esses denunciados (pelo menos não há notícia nos autos) nada percebiam pelos saques ou entregas de dinheiro que realizavam, limitando-se à percepção dos seus salários; 3) Roberto Leite (por ausência de justa causa); 4) Gil Jacó Carvalho Santos; e 5) Maria de Fátima César Palmeira. Gil Jacó Carvalho Santos, nominado de Diretor Financeiro, era na verdade um fazedor de contas, avisando ao patrão (Zuleido Veras) do fluxo do caixa. Em nenhum momento do “Evento Sergipe” (friso que a conclusão ora adotada se aplica estritamente aos fatos apurados neste tópico da denúncia, razão pela qual nada impede que a Justiça de 1º Grau adote conclusão diversa em relação a esses denunciados no exame dos demais “Eventos” da exordial acusatória) há nas interceptações ou nos documentos carreados aos autos elementos que possam subsidiar a conclusão de que Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima César Palmeira participaram, de forma livre e consciente, na prática de ilícitos. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 253 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Considero uma demasia atribuir a esses 05 (cinco) denunciados a posição de réus, razão pela qual entendo que devem ser eles excluídos da denúncia. Tive dúvidas quanto à atuação do denunciado José Ivan de Carvalho Paixão (ex- Secretário de Administração do Estado de Sergipe no Governo de João Alves Filho), mas nesta fase de delibação, como foi ele o encarregado de providenciar as liberações de verbas federais, pelo conhecimento que tinha da máquina administrativa seria impossível ignorar as irregularidades constantes do contrato. Friso que, em razão da complexidade dos fatos apurados no presente Inquérito, deixarei para examinar a conduta individualizada de cada denunciado em capítulo distinto deste voto, pois entendo ser necessário primeiro expor a forma como se operacionalizou o suposto funcionamento da quadrilha apontada pelo MPF, montada no Estado de Sergipe com o fim deliberado de praticar crimes contra a Administração Pública. Existem nos autos indícios de que determinados agentes públicos do Estado de Sergipe (incluindo-se aqui aqueles que, mesmo não sendo servidores públicos, atuaram com eles em concurso, nos termos do art. 30 do CP) solicitaram e receberam, por diversas vezes e em razão da função que desempenhavam no Governo Estadual, vantagens indevidas de funcionários da empresa Gautama, praticando, em juízo perfunctório, o crime de corrupção passiva previsto no art. 317, § 1º, do Código Penal. Conforme será devidamente exposto neste voto, restaram reunidos, ainda, elementos indiciários de que determinados funcionários da empresa Gautama, unidos por liame subjetivo e atuando de forma estável e permanente, praticaram delitos com a finalidade de beneficiar os interesses da construtora, viabilizando a oferta e o repasse de vantagens indevidas a agentes públicos, tudo com vistas a propiciar a liberação de recursos no Contrato n. 110/01 e garantir que os pagamentos à empresa Gautama fossem priorizados pelo Governo do Estado. Passo, então, a demonstrar os dados coletados na fase inquisitorial que subsidiam a acusação de prática de crimes contra a Administração Pública durante a execução do Contrato n. 110/01. Nos termos do que foi apontado pelo parquet, constatou-se a presença de indícios de que o acusado Zuleido Veras teria oferecido e repassado vantagem indevida ao denunciado Ivan Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário de Administração do Estado de Sergipe (agente que, apesar de não exercer 254 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL cargo público à época, mantinha estreita ligação com Secretários de Estado, conforme demonstram interceptações abaixo transcritas), com o f im de propiciar a liberação de verba para pagamento do Contrato n. 110/01. Conforme se extrai do diálogo interceptado no dia 7.7.2006 (10h27m25s), exsurgem indícios de que o denunciado Zuleido Veras prometeu vantagem indevida a Ivan Paixão: Zuleido: “(...) estou em falta com o senhor, mas é porque o pessoal está em falta comigo hoje (...)” Ivan: “tá ótimo” Na agenda da empresa Gautama, apreendida pela Polícia Federal durante a deflagração da “Operação Navalha” (determinada judicialmente em decisão por mim proferida), consta ter Ivan Paixão recebido R$ 240.000,00 no dia 2.8.2006 (fl. 60 do apenso n. 45). A sequência dos diálogos dos dias 2, 5, 6 e 8 de setembro de 2006 demonstra a presença de indícios de que do montante das “propinas” enviadas para Aracaju-SE, R$ 50.000,00 foram entregues ao denunciado Ivan Paixão no dia 6.9.2006. Do monitoramento telefônico abaixo transcrito, verifica-se que a articulação para o pagamento da vantagem indevida teria sido feita pelos acusados Zuleido Veras e Flávio Conceição. Observa-se que o denunciado Zuleido Veras determinou ao acusado Gil Jacó que providenciasse o dinheiro e o entregasse ao acusado Humberto Rios, encarregado do transporte do numerário, tendo o montante sido entregue a “Petu”, motorista do denunciado Flávio Conceição (fato confirmado em depoimento de fl. 1.356): Zuleido: segunda-feira eu vou de qualquer jeito porque eu tenho que falar com aquele menino, o Paixão (...) eu tenho que levar alguma coisa pro Paixão na segunda-feira.. Flávio: o rapaz já me ligou direto.. (2.9.2006 às 08:02h). Gil Jacó: os 150 falhou doutor (...) Zuleido: tá, você fale com Ricardo e com Flávio porque ali é 50 para aquele menino. Gil: 100 pra Ricardo e 50 pra Flávio.. (5.9.2006 às 16:32h). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 255 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gil: você sabe quanto é que você vai entregar lá? Humberto Rios: ele falou que era 150.. Gil: leve 150. Você vai dar 100 pra Ricardo e e 50 pra Petu.. (6.9.2006 às 12:44h). Flávio: pronto.. e aquele parlamentar não houve possibilidade ainda? Zuleido: por que? Flávio: Meu rapaz diz que não chegou, o Ivan Paixão.. Zuleido: ah! com certeza.. foi entregue 50 a Petu..foi na quarta-feira.. Flávio: vou ligar pra ele agora.. (8.9.2006 às 09:33h). Flávio: está tudo ok. É porque chegou depois que eu viajei. Zuleido: tá bom. valeu o susto.. (8.9.2006 às 09:41h). Dos diálogos, já se constata a interligação que havia entre os funcionários da Gautama e os agentes públicos, relação firmada com o suposto fim de propiciar a consecução dos escusos objetivos trilhados pelos denunciados. O denunciado Ivan Paixão afirmou, em interrogatório prestado nesta Corte (vol. 06 - fl. 1.492), que: todas as vezes que conseguia resolver pendências para viabilizar desta forma as verbas já destinadas a Sergipe, colocava como sendo um feito pessoal no site www,ivanpaixao.com.br. Restou apurado, ainda, nos autos do Inquérito, que o denunciado Flávio Conceição atuou como elo de ligação entre Zuleido Veras e o governo do Estado de Sergipe. Em depoimento prestado a esta relatora nos autos do Inquérito, o acusado Flávio Conceição declarou que: costumava recepcionar Zuleido quando este ia a Aracaju, inclusive indo recebê-lo no aeroporto; (...) que a sua função era apontar para o Governador, pelas prioridades, por ele traçadas, as verbas que deveriam ser endereçadas a cada obra. 256 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (...) que o nome do seu motorista é José Carlos França Petu; que o depoente é amigo pessoal do ex-Governador João Alves Filho; que tem conhecimento que o filho do ex-Governador tem uma obra imobiliária, em Salvador, em parceria com a Gautama, pois ele é empresário do ramo de construção; (vol. 06 - fl. 1.355-1.356). Conforme será demonstrado neste voto, entendo que restaram reunidos elementos indiciários apontando o denunciado Flávio Conceição como agente de destacada atuação no desvio de recursos públicos levado a termo no Estado de Sergipe e, sempre que contactado por Zuleido Veras, buscava remover os empecilhos existentes à liberação das verbas para pagamento do Contrato n. 110/01. Observa-se que Flávio Conceição era homem de confiança do então Governador João Alves Filho (amigo pessoal deste, conforme admitido no depoimento suso referido), que o nomeou Secretário da Casa Civil e, no final do governo, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Pelas interceptações telefônicas verifica-se que o denunciado Flávio Conceição atuou intensamente no ano eleitoral de 2006, objetivando a liberação de altas somas para a Gautama, tendo, em contrapartida, solicitado e recebido vantagens indevidas para si e para os demais agentes públicos envolvidos no suposto “esquema”. Conforme se depreende da exposição que será feita ao longo deste voto, a liberação de todos os recursos públicos pretendidos pela empresa Gautama só se mostrou possível pela atuação conjunta dos denunciados citados neste capítulo. Neste ponto, ressalto que a liberação da verba constituía apenas o resultado de todo um processo. Primeiro, conforme já exposto em capítulo precedente, houve a majoração (considerada pela CGU) indevida do valor do Contrato n. 110/01, com a celebração de convênio firmado pelo acusado João Alves Filho e Termo de Rerratificação pactuado em razão da conduta dos denunciados Victor Fonseca Mandarino (então Diretor Presidente da Deso) e Kleber Curvelo Fontes (Diretor Técnico da Deso). Num segundo momento houve, segundo a CGU, fraude no pagamento de medições à empresa Gautama, levadas a termo pela atuação do denunciado Renato Conde Garcia (engenheiro fiscal da obra), sendo importante ressaltar a apreensão RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 257 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de planilha eletrônica demonstrando que os cálculos das vantagens indevidas eram feitos com base nas medições fraudulentas por ele efetuadas. Só em um terceiro momento é que os demais agentes públicos entravam em cena, justamente com o fim de, mediante recebimento de vantagem indevida, garantir a liberação de verbas à Gautama e a prioridade de tratamento a essa empresa. Verifica-se que, nos termos do que será devidamente exposto neste voto, um único agente público, de forma isolada, não seria capaz de viabilizar a liberação de verbas à Gautama, sendo necessária e imprescindível que todos atuassem unidos, em liame subjetivo, com essa finalidade. Da mesma forma, o denunciado Zuleido Veras, isoladamente, não conseguiria se aproximar de tantos agentes públicos (desde um engenheiro da obra até o Governador do Estado) e cooptá-los a atender os interesses da Gautama. Tampouco conseguir se deslocar de forma tão intensa quanto foi verificada nestes autos, a fim de viabilizar o repasse das vantagens indevidas. Feitas essas considerações, prossigo no exame dos dados coletados no presente Inquérito. Da leitura do diálogo abaixo transcrito, observa-se existirem indícios de ser o denunciado Sérgio Leite o responsável pela alteração das planilhas de preços do Contrato n. 110/01 (e pelos termos aditivos que tanto majoraram o valor da execução da obra), mantendo o acusado Ricardo Magalhães sempre informado sobre o trabalho desempenhado: Zuleido: E cadê o aditivo? Ricardo: o aditivo, Sergio está trabalhando nos preços. Ontem à tarde teve mais alguns preços que a gente ajustou. (28.6.2006 às 13:34h). O denunciado Sérgio Leite, sócio administrador da Enpro (empresa que prestou consultoria à Deso) atuou na elaboração do orçamento da obra que embasou a concorrência pública e, posteriormente, confeccionou o projeto que alterou significativamente as planilhas originais. Consta dos autos ter o denunciado Sérgio Leite feito tratativas com os acusados Zuleido Veras e Ricardo Magalhães (engenheiro civil contratado pela Gautama para atuar no Estado de Sergipe), atuando na elaboração de aditivos e rerratificações do Contrato n. 110/01, fato que resultou na majoração do valor pago à citada empresa e no desvio de recursos públicos. 258 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Conforme será posteriormente demonstrado, o denunciado Sérgio Leite recebeu vantagem indevida da Gautama em contrapartida ao serviço prestado. Por sua vez, o denunciado Ricardo Magalhães, como engenheiro civil e funcionário da empresa Gautama no Estado de Sergipe, destacado pela construtora para acompanhar a execução da obra e agente que subscreveu os pedidos de prorrogações do contrato tendo a ciência de todo o funcionamento do suposto “esquema” desenvolvido no Estado com o fim de propiciar o desvio de recursos públicos em prol da referida empresa. Conforme apontado pela CGU (fl. 164 do apenso n. 97), a Deso pagou à Gautama, nos dias 19 e 22.8.2005, o valor de R$ 4.998.672,25. Da leitura da agenda da empresa Gautama, apreendida pela Polícia Federal em Salvador-BA, constata-se a presença de indícios de que o denunciado Flávio Conceição teria recebido a importância de R$ 100.000,00 no dia 30.9.2005, em razão da intermediação para a liberação do referido montante. Segundo a CGU nos dias 11, 19 e 21.10.2005 foram pagos à Gautama R$ 5.000.000,00 pela execução do Contrato n. 110/01 (fl. 164-165 do apenso n. 97). Lendo-se a agenda, tem-se o registro de que o denunciado João Alves Neto teria recebido de Zuleido Veras a importância de R$ 100.000,00 no dia 14.10.2005 e R$ 100.000,00 no dia 20.10.2005. Este acusado alega que as somas foram pagas pela Gautama em favor da empresa Habitacional, construtora a ele pertencente e que mantinha parceria com a Gautama na construção de um prédio em Salvador-BA. Ocorre que, em razão da proximidade das datas do recebimento do dinheiro era recebido pelo denunciado e da liberação de recursos públicos em favor da Gautama, somado às interceptações que serão oportunamente demonstradas neste voto, entendo, em juízo de delibação da peça acusatória, presentes indícios de prática dos crimes apontados na exordial acusatória. Conforme consta do anexo II do Relatório da CGU (fl. 160-166 do apenso n. 97), a Gautama recebeu da Deso, nos dias 15 e 26.12.2005, a importância de R$ 7.995.167,70 e, nos dias 1° e 15.2.2006, o valor de R$ 4.156.599,50. Segundo registra a agenda apreendida na sede da Gautama, no mês de fevereiro de 2006 foram encaminhados ao Município de Aracaju-SE o valor de R$ 300.000,00, supostamente remetidos para Sergipe em pagamento de “propina”, solicitada pelos agentes públicos pela liberação de valores do Contrato n. 110/01 (fl. 46 do apenso n. 45). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 259 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No dia 8.2.2006, foram supostamente pagos R$ 250.000,00 ao denunciado Flávio Conceição (fl. 47 do apenso n. 45), mais R$ 250.000,00 no dia 13.2.2006, além de R$ 50.000,00 ao pessoal da Deso no dia 13.2.2006 e mais R$ 50.000,00 ao pessoal da Deso no dia 14.2.2006 (fl. 48 do apenso n. 45). Pelos elementos reunidos nos autos, o pagamento desses valores pela Gautama constitui vantagem indevida repassada aos agentes públicos que contribuíram para a prorrogação do contrato e para o desvio dos recursos públicos em prol da referida empresa. Nos termos do Anexo II do citado Relatório, observa-se que nos dias 2, 13, 14 e 27.3.2006, a Deso pagou à Gautama o valor R$ 4.696.280,50 e nos dias 7, 11 e 26.4.2006 pagou mais R$ 3.498.916,83. Do exame da agenda pertencente à Gautama, percebe-se que o denunciado Zuleido Veras teria pago, no dia 8.3.2006, R$ 200.000,00 a Flávio Conceição, mais R$ 200.000,00 no dia 10.3.2006, R$ 77.000,00 no dia 10.4.2004, R$ 276.000,00 no dia 2.5.2006, além de ter remetido aos representantes da Deso o valor de R$ 100.000,00 no dia 10.4.2006, em decorrência dos aditivos e rerratificações acrescentados ao Contrato n. 110/01 (fl. 50, 51 e 53 do apenso n. 97). No dia 10.5.2006, a Deso pagou à Gautama os valores de R$ 494.880,25 e R$ 334.835,98 e, no dia 25.5.2006, o valor de R$ 1.000.000,00 (fl. 165 do anexo II do Relatório da CGU). Nos termos da interceptação telefônica abaixo transcrita, a liberação do pagamento de tais verbas foi negociada entre os denunciados Zuleido Veras e Flávio Conceição, oportunidade em que restou ajustada a vantagem indevida que seria repassada ao então Secretário da Casa Civil: Zuleido: agora, venha cá, aquele seu material, só vai segunda e terça tá? (...) Flávio: e o 3ª feira (9.5) ta combinado de chegar tá entendendo? Tanto que o Victor já está avisado que é prioridade máxima tão logo chegue tá entendendo? Zuleido: sei, agora (...) Victor não autorizou aquele negócio do.. Flávio: cinco? Zuleido: sim.. Flávio: eu ligo agora..ele vai agora. Deixa eu lhe perguntar só uma coisa: é o que chega..chega em torno de 60 mais 300 não é isso? Zuleido: é isso aí. 260 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Flávio: fechado, deixa eu ver como é que eu administro aqui amanhã, amanhã eu falo com o filho. (5.5.2006 às 17:28h). (...) Zuleido: eu não liguei pra você ontem porque eu não tinha posição ainda. Não tenho ainda, só vou ter mais tarde. Flávio: perfeito, então porque eu tô rapaz..a situação tá braba.. Zuleido: eu tô resolvendo.certo. Alagoas pra poder passar pra você tá? (17.5.2006 às 12:09h). No referido diálogo, o acusado Flávio Conceição faz referência a alguém conhecido por “filho”, agente que, em razão do contexto em que ocorreu o diálogo, pode ser identificado como João Alves Filho ou João Alves Neto, filho daquele, fato que deve ser esclarecido durante eventual instrução criminal. Da agenda da Gautama, consta que o denunciado Zuleido pagou a Flávio Conceição R$ 100.000,00 no dia 29.5.2006 e R$ 50.000,00 no dia 2.6.2006 (fl. 55-56 do apenso n. 97). Prosseguindo, tem-se que os diálogos a seguir transcritos são bastante elucidativos como se dava a operacionalização do esquema montado pela empresa Gautama no Estado de Sergipe e reflete o livre trâmite de Zuleido Veras com agentes políticos (Secretários de Estado) ligados diretamente ao então Governador João Alves Filho. Zuleido Veras chegou a admitir, em determinado ponto do diálogo, que João Alves Filho tinha interesse na liberação da verba pública em favor da empresa Gautama, sob pena de ficar sem o repasse da vantagem indevida que seria utilizada na campanha eleitoral de reeleição para o Governo do Estado. Verifica-se, ainda, a existência de fortes indícios de que os denunciados Flávio Conceição (então Secretário da Casa Civil), João Alves Neto, Gilmar de Melo Mendes (agente que exercia, no ano de 2006, o cargo de Secretário da Fazenda estadual), Sérgio Leite e Victor Mandarino (ex-Presidente da Deso) tiveram destacada atuação na tarefa de viabilizar a liberação de recursos públicos à empresa Gautama: Zuleido: e eles tem dinheiro Flávio? Flavio: quem? Zuleido: o Governo, que possa pagar a gente em cinco milhões? Flávio: tem não. Acho que não tem não. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 261 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Zuleido: então eles não estão com necessidade. Se tiver necessidade arrumam. Flávio: eles vão focar isso tá entendendo.. (16.6.2006 às 10:58h). Flávio: Não acontece antes do dia 26. Ele (Sérgio Leite) acha que não acontece esse mês. Só acontece na 1ª quinzena de julho, mas quem conhece melhor isso, que está fazendo a operação é Gilmar, de R$ 30.000.000,00.. Zuleido: fechado Flavinho.. (16.6.2006 às 12:33h). Zuleido: e aí meu amigo? Eu estava querendo uma posição da operação, mas já falei com Gilmar mais cedo. João Neto: tá certo, um abraço. (20.6.2006 às 13:46h). Zuleido: ele está confiante que sai o empréstimo? Flávio: quem? o Governador? Zuleido: sim Flávio: ele acha que o empréstimo é fato consumado.. (27.6.2006 às 14:55h). Zuleido: é, eu queria saber como foi a reunião hoje, se aquele negócio daquela operação, se está saindo, não tá, como é que tá. João Neto: a gente conversa depois viu? (4.7.2006 às 16:24h). Neste ponto, o denunciado Zuleido Veras conversa com Ricardo Magalhães e faz referência ao diálogo que manteve com João Neto no dia 4.7.2006 e explicita a forma como Gilmar de Melo, Victor Mandarino e Sérgio Leite atuariam com o fim de favorecer a empresa Gautama, desviando recursos públicos em prol da empresa Gautama. Os interlocutores mencionam, inclusive, que a vantagem indevida repassada pela Gautama seria utilizada na campanha de reeleição do denunciado João Alves Filho: Ricardo Magalhães: o senhor teve notícia sobre a reunião, sobre recurso? Zuleido: olhe, me disseram.. e Sérgio vai onze e meia ter uma reunião com Gilmar.. que seria essa operação.. que estaria concluída na 6ª feira certo? 262 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Zuleido: E Victor sabe? Vitor é quem tem nos orientado né? Zuleido: e ontem eu fiquei certo que eu botava a mão nesse dinheiro na sextafeira, entendeu? inclusive eu tô indo para a reunião com Flávio e João Neto na 6ª feira tratando desse dinheiro.. (5.7.2006 às 09:34h). Zuleido: não.. até 3ª feira a operação, dinheiro em caixa.. Ricardo: é.. exato, eles estão na frente, mas durante a campanha tem que sustentar isso né? Zuleido: é, mas não sustenta sem grana não viu meu amigo? Ricardo: exatamente.. Zuleido: eles vão ter que dar a solução deles. Ricardo: é .. tem que sustentar durante a campanha. Para isso precisa de recurso. Zuleido: e para isso precisa pagar também, senão não tem.. (13.7.2006 às 11:39h). Zuleido: Olha eu tô aqui em Sergipe tá? Por aquela operação tá? Tá prometido pra terça-feira.. Fátima: terça-feira né? Zuleido: é, então pra você tomar conhecimento. Agora, eu disse a Ricardo o seguinte. Olhe que Ricardo normalmente recebe quatro. Eu disse que não, porque a guerra em cima desse dinheiro vai ser grande, então tem que tá com todos os catorze e cem faturados entendeu Fátima? (13.7.2006 às 12:18h). Da leitura dos áudios transcritos e dos documentos juntados, tem-se a presença de fundados indícios de que os agentes públicos do Estado de Sergipe citados neste voto praticaram o delito de peculato-desvio, propiciando a majoração indevida do valor do Contrato n. 110/01 e a liberação de valores em favor da Gautama. Vê-se que para tratar do empréstimo e da consequente liberação dos pagamentos à Gautama, Zuleido reuniu-se em Aracaju-SE com o acusado João Alves Neto nos dias 16.6.2006 e 7.7.2006, conforme diálogo abaixo transcrito e Informação Policial n. 27/2006: Zuleido: E aí Doutor João Neto? João Neto: tô chegando. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 263 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Zuleido: pronto, eu tô aqui embaixo. João Neto: tá bom (16.6.2006 às 07:56h). No mesmo período em que os denunciados se mobilizavam para conseguir o almejado empréstimo, os pagamentos à Gautama não foram interrompidos. Segundo o anexo II do Relatório da CGU, no dia 14.6.2006 foram pagos à Gautama R$ 700.413,90. E segundo a agenda pertencente à Gautama, tem-se indícios de que João Alves Neto recebeu R$ 50.000,00 para viabilizar a liberação do pagamento (fl. 57 do apenso n. 45). Flávio Conceição (então Secretário Estadual) voltou a tratar com Zuleido Veras sobre os “ajustes” feitos com os acusados João Alves Filho e João Alves Neto com a finalidade de dar continuidade aos pagamentos feitos à Gautama (oportunidade em que o então Secretário da Casa Civil cita, inclusive, que atuaria na campanha de reeleição de João Alves Filho), revelando que se tratava de esquema de pagamento mensal de “propinas”: Flávio: eu tive que dizer ao filho. Eu acertei com o pai que eu fico nesta situação até outubro, quando vou embora, mas fico na campanha. Eu já disse ao filho que só tinha seu o de final de abril. Eu preservei o de final de maio, então não botei, mas agora já disse, disse hoje, como se eu não lhe tivesse pago tá? Mais do que nunca eu preciso ajustar com ele, eu precisaria amanhã.. Zuleido: amanhã eu ajusto o seu. Flávio: o que pode ficar atrasado um pouquinho, que não tem problema é o 127, pois já consagrou. Agora o resto não, pois aí maltrata completamente a mim tá entendendo? Zuleido: tá bom. Pode deixar. Flávio: pois eu desviei e fiquei a ver navios. Zuleido: amanhã eu faço isso. Flávio: ele fez apelo e não tem jeito. E o recurso parece que é 5ª feira. Foi pago 6ª feira duzentos e poucos mil reais e parece que é 5ª feira. (19.6.2006 às 10:30h). De fato, conforme registra o anexo II do Relatório da CGU (apenso n. 97), a Gautama recebeu, no dia 22.6.2006, mais R$ 600.000,00, conforme negociação feita na véspera com Flávio Conceição: Zuleido: Meu amigo, eu estou querendo fazer um apelo a você. Vê se consegue, qualquer coisa esse final de..até sexta-feira rapaz. 264 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Flávio: rapaz, deixa eu ver amanhã de manhã. (21.6.2006 às 18:31h). Flávio: então eu caio em campo e estou tentando entre amanhã e sexta pelo menos lhe conseguir 600. Zuleido: tá bom, ok. (21.6.2006 às 18:45h). No dia 11.7.2006, o denunciado Flávio Conceição cobrou novamente de Zuleido Veras a vantagem indevida que lhe fora prometida em razão dos R$ 600.000,00 destinados à Gautama: Zuleido: Flavinho, aquele seu material só amanhã.. Flávio: se puder me ajudar me ajude ali, que o negócio tá brabo. (11.7.2006 às 11:22h). Consta da agenda da empresa Gautama (fl. 58 do apenso n. 45) ter Flávio Conceição recebido R$ 50.000,00 no dia 14.7.2006. Trecho da interceptação telefônica, abaixo transcrito, registra ter Zuleido Veras prometido a Sérgio Leite vantagem indevida no valor de R$ 50.000,00, oferta supostamente aceita, tanto que Zuleido determinou à acusada Maria de Fátima (funcionária da Gautama) que providenciasse a remessa dessa quantia, paga no dia 30.5.2006 - fl. 56 do apenso n. 45: Zuleido: eu prometi , amanhã pra Sergio, cinco zero (50) tá?.. pra aquele camarada.. Fátima: certo. (13.7.2006 às 12:18h). Flávio Conceição continuou interferindo para possibilitar os pagamentos a Zuleido Veras, viabilizando a liberação de R$ 419.427,71 no dia 20.7.2006, quantia que, segundo informação obtida por Zuleido, estava dependendo do aval do Governador João Alves Filho: Zuleido: o decreto de orçamento para liberar aqueles 420 tá na mesa Flávio: pronto, eu vou falar com Luíz Durval agora. (13.7.2006 às 09:41h). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 265 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em contrapartida, Flávio Conceição recebeu de Zuleido R$ 50.000,00 no dia 28.7.2006 (fl. 59 do apenso n. 45). Registra o anexo II do Relatório da CGU, ter a Gautama recebido R$ 1.500.000,00 no dia 2.8.2006, ordenando Zuleido a Gil Jacó (funcionário da Gautama) que providenciasse a remessa de pelo menos R$ 100.000,00 a AracajuSE e, no dia seguinte, mais R$ 300.000,00, visando a liberação de outra ordem bancária: Zuleido: faça pelo menos 100 para Aracaju hoje Gil Gil Jacó: tá bom então. (8.8.2006 às 11:12h). Gil: e fiz 100 pra aí.. Zuleido: ..tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui (Aracaju). aqui tem que ..pra pegar a OB.. Gil: 400 não 300 né? (8.8.2006 às 14:56h). A sequência de diálogos abaixo transcritas demonstra a interrelação que havia entre Victor Mandarino (denunciado que exerceu o cargo de Presidente da Deso), Ricardo Magalhães (engenheiro da Gautama destacado para acompanhar a obra em Sergipe e que mantinha frequentes contatos com a Deso para tomar ciência das ordens de liberação de dinheiro; agente que assinou os pedidos de prorrogação do contrato considerados irregulares pela CGU), João Alves Neto e Zuleido Veras, todos unidos com o propósito de viabilizar a liberação de valores pela Deso e pelo Estado de Sergipe, destinados à Gautama: Ricardo: ..é..estive com Vitor né? Ele disse que tá chegando e que me avisa pra eu poder dar entrada com as faturas. Já chegou tá? Zuleido: eu tô indo agora, tô chegando aí agora e tô indo falar com João Neto porque a ideia de Vitor não é pagar tudo a gente. É pagar parte aos outros. (8.8.2006 às 13:47h). Zuleido: Avisa a João Neto que eu tô chegando aí em 20 minutos. Tereza: ok. Chegando lá na empresa dele? Zuleido: Sim. (8.8.2006 às 14:55h). 266 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Nos termos do anexo II do Relatório da CGU (apenso n. 97), as tratativas permitiram a liberação de R$ 7.141.658,00, pagos à Gautama nos dias 11 e 15.8.2006. Diálogo mantido entre Zuleido e Ricardo Magalhães demonstra que os pagamentos foram feitos com a intermediação de João Alves Neto (filho do então Governador João Alves Filho) e que tais valores independiam da quantidade do serviço prestado. Comprova, ainda, em juízo sumário de cognição, que os valores repassados por Zuleido nada tinham a ver com o suposto empreendimento imobiliário apontado na defesa do denunciado João Alves Neto (pretensamente realizado em Salvador-BA em sociedade com Rodolpho Veras - filho do acusado Zuleido Veras): Zuleido: tá bom, eles liberaram os sete tá? Ricardo: hum, certo, mas eu vou fazer uma fatura completa tá? Zuleido: tá, mande bala. Ricardo: porque aí eu fico com os 3 guardados lá. Zuleido: eles queriam pagar o resto até o final do mês tá? Ricardo: então pronto, eu vou fazer com os 10 mesmo.. Zuleido: é pra amanhã tá? pra amanhã dar entrada.. (8.8.2006 às 15:40h). Existem fortes indícios de que alguns dos funcionários da Gautama, envolvidos nas negociatas realizadas pela construtora no Estado de Sergipe (citados neste voto), tinham plena ciência dos indevidos repasses efetuados a agentes públicos e se uniram, de forma estável, a Zuleido, no propósito de viabilizar a operacionalização do esquema de desvio de recursos públicos e corrupção dos servidores. A negociação de João Alves Neto com Zuleido Veras foi supostamente feita mediante a promessa de pagamento de vantagem indevida, no valor de R$ 330.000,00, cobrado por João Neto no dia 10.8.2007, véspera da liberação dos R$ 3.297.733,56 (anexo II do relatório da CGU) mencionado por Ricardo no diálogo seguinte: Zuleido: ..eu vou precisar que você mande pra Sergipe, além daqueles 300 mil ..a gente vai ver como a gente vai fazer tá? além daqueles 300 mil, mandar 30. Gil: eu estou fazendo das tripas coração por causa dos 300 mil. (8.8.2006 às 17:38h). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 267 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA João Neto: como está as coisas? Zuleido: rapaz, não está andando aí não João Neto: meu amigo, está sim.. Zuleido: é, eu não estou sabendo não. João Neto: agora, veja aí viu? Zuleido: não..amanhã com certeza. (10.8.2006 às 17:24h). Gil: é importante ligar pra aquele nosso amigo lá. Zuleido: é, eu falei agora com o João Neto, mas é bom você ligar dizendo que está indo amanhã tá? Gil: eu vou falar com ele lá.. (10.8.2006 às 17:52h). Da análise da agenda pertencente à Gautama (fl. 61 do apenso n. 45), o denunciado Zuleido Veras, para receber R$ 3.843.924,44 no dia 15.8.2006, teria pago vantagem indevida aos denunciados Flávio Conceição e João Neto. Flávio Conceição teria recebido R$ 50.000,00 no dia 11.8.2006 e João Neto teria recebido de Zuleido Veras a quantia de R$ 100.000,00 no dia 14.8.2006. Da Informação Policial n. 028/2006 (fl. 132 do apenso n. 96), há registro de ter Zuleido Veras chegado a Aracaju-SE no dia 14.8.2006 às 16:50h em avião fretado, encontrou-se com Flávio Conceição para a suposta entrega da vantagem indevida, providenciada por Gil Jacó e Humberto Rios, conforme se depreende dos diálogos abaixo transcritos: Zuleido: sim..eu estou indo e tô levando aquele seu material tá? Flávio: ..a gente se encontra. Quando você sair dele eu me encontro com você nem que seja no aeroporto. (14.8.2006 às 11:50h). Gil: tá graúdo? Humberto: tá, não tá ruim não.. Gil: manda ele separar logo cem aí e deixar um pacotinho de cem fechadinho. (...) Gil: cem de bola fechadinho. (14.8.2006 às 15:05h). 268 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Zuleido: e aí meu amigo? João Neto: tá vindo não? Zuleido: tô chegando. (14.8.2006 às 17:01h). Flávio Conceição, no mesmo dia, solicitou, mais uma vez, vantagem indevida a Zuleido Veras: Flávio: agora, você nessa semana me adiantaria mais alguma coisa? Zuleido: com certeza, não termina essa semana não.. (14.8.2006 às 11:50h). Os diálogos abaixo transcritos revelam, mais uma vez, a existência de fundados indícios de que alguns dos funcionários da Gautama, citados neste voto, tinham plena consciência da corrupção dos agentes políticos do Estado de Sergipe, sendo dependentes de uma atuação conjunta dos envolvidos para a funcionalidade do esquema. Dos diálogos abaixo transcritos, exsurgem indícios de que a Gautama, para receber o valor de R$ 8.641.658,00 entre os dias 2 e 15.8.2006, teria repassado R$ 650.000,00 ao denunciado João Alves Filho, por intermédio de Max Andrade (ex-Secretário de Fazenda e Coordenador da campanha de reeleição do citado acusado), no dia 30.8.2006. A análise da agenda de Zuleido (fl. 69 do apenso n. 45) permite inferir que o repasse do valor a Max Andrade estava programado para acontecer nos dias 22 (terça-feira) e 23.8.2006 (quarta-feira), o que se confirma pelos diálogos abaixo transcritos, mantidos pelos denunciados Florêncio e Gil Jacó (funcionário da Gautama): Florêncio: ficou de eu fazer uma programação na segunda pra terça viu? Max: terça-feira? Florêncio: é (18.8.2006 às 16:41h). Florêncio: falei com Max. Gil: pra terça e quarta. (18.8.2006 às 16:47h). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 269 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Logo em seguida Florêncio avisa a Flávio Conceição que a “programação só pra semana que vem viu?” (apenso n. 232). Como o pagamento não foi realizado até o dia 30.8.2006, Flávio Conceição conversou com Zuleido sobre a ansiedade do denunciado João Alves Neto: Flávio: ..o filho é um apavorado..disse que era um assunto hoje, quer que eu mande até Salvador. Zuleido: que é o assunto de que? Flávio: assunto de que.. deixa eu ver..do retorno. Zuleido: tá Gil, está fazendo isso, Flávio, nem se preocupe. Flávio: deixa eu ver fazer uma colocação: alguma posição hoje ou não? Zuleido: você tem amanhã tá? hoje tá tudo sendo produzido pra aí tá? (30.8.2006 às 11:28h). No dia 30.8.2006, Gil Jacó providenciou a importância de R$ 650.000,00, transportada de Salvador para Aracaju-SE pelo denunciado Humberto Rios em carro da empresa “Localiza”, que, aliás, foi interceptado no percurso pela Polícia Rodoviária Federal, tendo sido liberado após contato telefônico dos policiais com o denunciado Florêncio (apenso n. 232). Ao chegar em Aracaju-SE, Humberto dirigiu-se ao hotel Jatobá, local onde se encontrou com o acusado Max Andrade, entregando-lhe o dinheiro, conforme registro nas interceptações: Max: oi meu filho, tá por onde? Florêncio: pronto. É, eu tô com o menino que já chegou, tá lá no local. (30.8.2006 às 22:18h). Florêncio: Humberto, ele já tá chegando viu? Humberto: já né? Florêncio: você tá mesmo no local né? Humberto: tô, é no Jatobá. Humberto: já entreguei aqueles documentos do sacana. Gil: já entregou já? (30.8.2006 às 22:22h). 270 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL No dia seguinte, registram os diálogos ter Zuleido Veras voltado a negociar com Flávio Conceição sobre a continuidade do repasse das supostas vantagens indevidas, citando, inclusive, os nomes dos denunciados João Alves Neto, Victor Mandarino e Max Andrade (Coordenador de campanha de João Alves Filho): Flavio: o Vitor ainda continua dizendo que ainda não está autorizado. então eu falei: O João é importante. Zuleido: dos dois tenho adiantado 84.. Flávio: não eu to falando o filho.. Flávio: então não se tem nada a dar? Zuleido: não.. Zuleido: Max é quem controla essas coisas Flávio: eu vou falar com Max. (31.8.2006 às 15:42h). No dia 5.9.2006, conforme atesta o anexo II do Relatório da CGU, foram pagos à Gautama R$ 1.500.000,00, verba que, segundo apontam indícios, foi liberada pelo Governador João Alves Filho, por intermédio de João Alves Neto e Flávio Conceição: Flávio: ele disse que autorizou, que conversou com você um e meio não foi isso? e complementa semana que vem. Zuleido: não foi isso não.. Flávio: foi o que ele me disse, um e meio, então foi com Vitor. E semana que vem complementa por cinco e seiscentos. Zuleido: ele já liberou pra Vitor? Flávio: já. Diz que já liberou pra Vitor. (1º.9.2006 às 12:40h). Flávio: ele está soltando hoje, que foi ele que trancou. E eu deixei ele lá com Vitor. Ele está pagando hoje um e meio. Ele tinha trancado nas minhas costas, mas tudo bem. E até o dia 15 já está tudo sacramentado, ou seja, 4.100..porque ele disse que não tinha, ma até o dia 15 ele precisa fechar, porque agora quem precisa é ele.. Zuleido: então ele não paga 3 hoje, mas apenas um meio.. (5.9.2006 às 11:19h). De fato, conforme atesta o anexo II do Relatório da CGU, a Gautama recebeu da Deso, entre os dias 11 e 28.9.2006, mais R$ 4.252.924,60, RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 271 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA totalizando R$ 5.752.924,60. Em contrapartida tem-se a presença de indícios de que o denunciado Zuleido Veras enviou para Flávio Conceição R$ 216.000,00 no dia 8.9.2006 (anotação na agenda da Gautama - fl. 63 do apenso n. 45). Observa-se dos diálogos abaixo transcritos, ter sido a vantagem indevida, juntamente com a que teria sido solicitada pelo acusado João Alves Filho, entregue ao denunciado Max Andrade, por meio de “Petu” (também conhecido como “anjo negro”), motorista do denunciado Flávio Conceição: Flávio: reuni agora com o filho.. pediu pra ver se sexta-feira. Zuleido: faz Flávio: eu disse a João.. tive que dizer, que ele checasse os dados porque tinha aquele 84. Já disse a ele hoje: cheque, porque tem a mais nisso aí. Zuleido: tá bom, eu faço sexta-feira, e boto esses 84 junto, porque você resolve sua parte aí, seu problema. (6.9.2006 ás 11:42h). Flávio: agora o senhor fecha posição. Zuleido: não fecha. Fecha 216 tá? fica faltando os 84 que a gente deve fazer segunda ou terça.. aí você faz a porção dele, porque isso é..estou tirando o adiantamento. (8.9.2006 às 13:18h). Zuleido: Gil, aquele é 216. Hoje é? Gil: é hoje é. Zuleido: Mande pro anjo negro tá? o Max está viajando e isto seria pra ele. (8.9.2006 às 13:21h). Da análise da agenda pertencente a Zuleido Veras, colhe-se a presença de indícios de que Flávio Conceição teria recebido os R$ 84.000,00 no dia 12.9.2006 (fl. 63 do apenso n. 45) e mais R$ 86.000,00 no mesmo dia (fl. 74) e R$ 50.000,00 no dia 19.9.2006 (fl. 75 do apenso n. 45). Verifica-se, ainda, dos diálogos interceptados e do contexto fático exposto neste voto, a existência de indícios de que os valores de R$ 50.000,00 e R$ 50.000,00, pagos pela Gautama à Construtora Habitacional (pertencente a João Alves Neto) nos dias 7 e 12.9.2006 (agenda de fl. 71 e 74 do apenso n. 45) tenham sido repassados a esse denunciado, a título de vantagem indevida. 272 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Constata-se, ainda, indícios de que Max Andrade, Coordenador da campanha de reeleição do denunciado João Alves Filho, tenha recebido, em nome deste, os valores de R$ 163.000,00 e R$ 300.000,00, pagos pela Gautama, a título de vantagem indevida nos dias 7 e 12.9.2006 (fl. 71 e 74 do apenso n. 45). A Deso pagou à Gautama R$ 465.307,70 no dia 27.10.2006, R$ 154.292,41 no dia 24.11.2006 e R$ 400.000,00 no dia 19.12.2006. Constata-se do exame da agenda apreendida nos autos do Inquérito, que, ao final do mandato do denunciado João Alves Filho, foi realizado um ajuste de contas com os agentes públicos do Estado de Sergipe ligados à Gautama, sendo repassado a Flávio Conceição R$ 115.800,00 no dia 2.10.2006, R$ 250.000,00 no dia 23.10.2006 e R$ 30.000.00 no dia 25.12.2006 9fl. 89 e 112 do apenso n. 45); ao denunciado João Alves Neto foi repassada a quantia de R$ 150.000,00 no dia 19.10.2006 e R$ 80.000,00 no dia 25.12.2006 (fl. 79 e 89 do apenso n. 45); e Max Andrade, R$ 20.000,00 no dia 25.12.2006 (f. 89 do apenso n. 45). Em janeiro de 2007, o denunciado Flávio Conceição assumiu o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e continuou a manter contatos com Zuleido Veras e com os funcionários da empresa Gautama. Mesmo encerrado o mandato de João Alves Filho, a Gautama ainda tinha um saldo a receber do Contrato n. 110/01, no valor de R$ 585.426,75, exsurgindo dos autos indícios de que Flávio Conceição continuava a interceder em favor da empresa junto à nova administração estadual, solicitando, em contrapartida, vantagem indevida, como sugere o diálogo seguinte: Florêncio: ..eu tô com uma documentação, tô com um problema aqui..estou aguardando..e Gil pediu que se tivesse algum problema desse um alô. Ele combinou para hoje com você, mas eu estou com dificuldade no processo tá? Flávio: fechado. (22.2.2007 às 18:17h). Considerando o contexto dos autos e os diálogos interceptados, há indícios de ter Florêncio entregue a Humberto Rios a vantagem indevida solicitada por Flávio Conceição, por ele transportada até o Município de Aracaju-SE: Florêncio: já agilizou aí? Humberto: rapaz, saí daqui agora. Flávio me ligou e eu disse que já estava a caminho. (27.2.2007 às 13:38h). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 273 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O diálogo a seguir exposto, confirma, em juízo sumário de cognição, o recebimento da vantagem indevida por parte do Conselheiro do TCE: Zuleido: aquele material chegou né Flávio? Flávio: tranquilo, lhe agradeço muito.. (28.2.2007 às 13:03h). Com o auxílio de Flávio Conceição, obteve Zuleido Veras, no dia 10.5.2007, o pagamento do saldo remanescente do contrato (anexo II do Relatório da CGU) da Deso. Com a participação de Flávio Conceição, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe reuniu-se no dia 29.3.2007 e decidiu suspender a licitação promovida pela Deso com o fim de contratar auditoria externa para verificação dos contratos de engenharia, inclusive o celebrado com a Gautama. Para tanto, atuou intensamente o Conselheiro Flávio Conceição, sendo Zuleido Veras informado por ele acerca dos fatos: Zuleido: venha cá Flávio, alguma novidade? Flávio: por enquanto não, ontem tentaram machucar um pouquinho, mas nós no Tribunal matamos logo tudo, mas eu vou vou estar na segunda-feira aqui.. rapaz, teve um Conselheiro nosso que Deda pediu a ele e ele que tava com a gente se virou contra, mas então perdeu de 5x1.. (...) Zuleido: e quem disse isso foi Deda? Flávio: rapaz, Belivaldo tinha me dito que Deda não tinha pedido, mas deda pediu ao Conselheiro e o Conselheiro veio falar comigo. Eu falei: olha, isso é atitude de canalha. Eu fico contra e ainda denuncio aqui. Se Deda quer ver, ele vai passar a me conhecer agora. Aí agora eu já estou atuando. É um jogo perdido. Agora eu tô atuando, vou dar uns trocos bons, na jugular.. (30.3.2007 às 11:59h). Em juízo perfunctório, as informações trocadas pelos denunciados nos diálogos transcritos neste voto encontram confirmação com o que foi apurados nos autos do Inquérito, tudo levando a crer que os agentes públicos do Estado de Sergipe, em liame subjetivo, uniram-se a funcionários da empresa Gautama com o propósito de, mediante recebimento de vantagem indevida (corrupção passiva), propiciar o desvio de recursos públicos para a referida empresa (peculatodesvio) e garantir que a mencionada construtora tivesse prioridade no recebimento das verbas repassadas pelo Estado. 274 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL A.5) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE PECULATODESVIO (ART. 312, CAPUT (2ª FIGURA), DO CÓDIGO PENAL) Assim analisada a prova, entendo, em juízo sumário de cognição que os denunciados João Alves Filho (então Governador do Estado de Sergipe), Flávio Conceição de Oliveira Neto (então Secretário da Casa Civil) e Max José Vasconcelos de Andrade (então Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe) concorreram, na modalidade de autoria, para a prática do crime de peculato-desvio, tipificado no art. 312, caput (2ª figura) do Código Penal, dispositivo abaixo transcrito: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. É preciso ressaltar que neste ponto se examina a adequação típica da conduta dos denunciados que propiciaram à Gautama o recebimento de valor a maior do que lhe era devido pela execução das obras do Contrato n. 110/01. Conforme exposto, a majoração (considerada indevida pela CGU) e o consequente desvio do valor do contrato em favor da Gautama somente foram possíveis em razão da atuação conjunta dos denunciados junto aos agentes políticos com tinham ingerência sobre os recursos públicos do Estado. Várias etapas foram percorridas pelos agentes públicos, com o fim de propiciar o desvio de recursos dos cofres públicos em prol da empresa Gautama. Como já exposto, já foi demonstrado em capítulo anterior do voto, Flávio Conceição de Oliveira Neto (então Secretário da Casa Civil - agente que teve diversos diálogos interceptados no curso do Inquérito, que revelaram a presença de fortes indícios de que atuou no Estado de Sergipe como elo de ligação entre a Gautama e o então Governador João Alves Filho), Max José Vasconcelos de Andrade (Secretário da Fazenda e Coordenador da campanha de reeleição de João Alves Filho, responsável pela liberação de parte dos recursos desviados em prol da empresa Gautama, flagrado negociando supostos repasses de vantagens indevidas) e João Alves Filho (então Governador do Estado de Sergipe, candidato à reeleição no ano de 2006, que firmou Convênio e Contrato com o fim de viabilizar aplicação de recursos no Contrato n. 110/01. Segundo consta de monitoramento telefônico, tinha ele interesse em desviar recursos públicos em prol da empresa Gautama recebendo, em contrapartida, dinheiro RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 275 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA para campanha). Todos atuaram unidos no propósito de desvio de recursos para a empresa Gautama. Para que o desvio pudesse ser efetivado mostrava-se necessária a união de propósitos entre os denunciados que, tendo ingerência sobre os recursos públicos do Estado de Sergipe, atuaram unidos por liame subjetivo. Sobre o crime de peculato-desvio, Cezar Bitencourt preceitua: Nesta figura não há o propósito de apropriar-se, que é identificado como o animus rem sibi habendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato. (...) Nessa modalidade, o crime consuma-se com a efetivação do desvio, independentemente da real obtenção de proveito para si ou para outrem. (Tratado de Direito Penal. 2. ed. P. 13-14). Luiz Regis Prado, em comentário ao tipo ora examinado, afirma: Quanto ao peculato-desvio, exige-se, além do dolo, representado pela consciência e vontade de empregar a coisa para fim diverso daquele determinado, o elemento subjetivo do injusto, consistente no especial fim de agir, que é a obtenção do proveito para si ou para outrem..(...) No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente, traindo a confiança que lhe fora depositada, dá à coisa destinação diversa daquela determinada pela Administração Pública, visando beneficiar a si próprio ou a terceiro. Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando para a consumação que ocorra o desvio. (Curso de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. Vol. 3 P. 430-431). Chamo atenção para o fato de que os acusados não seriam capazes de, isoladamente, propiciar o desvio de verba pública para a empresa Gautama. Entendo, neste momento de juízo de admissibilidade da exordial acusatória, que a consumação do crime de peculato-desvio somente foi possível em razão da atuação precedente de outros denunciados que, agindo mediante união de propósitos, viabilizaram a majoração da verba pública com o fim de desviá-la para a Gautama. Sendo assim, observo que os denunciados Zuleido Soares Veras (sóciodiretor da Gautama), Renato Conde Garcia (engenheiro fiscal da obra), Ricardo Magalhães da Silva (funcionário da Gautama que subscreveu os pedidos de 276 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL prorrogação do Contrato n. 110/01), Sérgio Duarte Leite (sócio-administrador da Enpro, que, segundo indícios, foi o responsável pela apresentação das planilhas de preços da obra), Victor Fonseca Mandarino (ex-Presidente da Deso), Gilmar de Melo Mendes (então Presidente da Deso), Kleber Curvelo Fontes (então Diretor Técnico da Deso) e José Ivan de Carvalho Paixão (ex-Deputado Federal e exSecretário de Administração do Estado de Sergipe) concorreram, nos termos do art. 29, caput, do Código Penal, para a prática do crime previsto no art. 312, caput (2ª figura), do referido diploma legal. A partir dos indícios coletados na fase inquisitorial (já demonstrados neste voto), verifico, em juízo perfunctório, que o denunciado Zuleido Soares Veras (justamente por ser o proprietário da Gautama) esteve à frente de todas as negociatas necessárias para viabilizar a majoração do valor do Contrato n. 110/01. A majoração do valor do contrato somente foi possível por ter havido medições fraudulentas por parte do acusado Renato Conde Garcia (medições essas que, segundo a CGU, foram utilizadas como parâmetro para o cálculo das vantagens indevidas), falta de fiscalização da Deso sobre a obra (sociedade de economia mista que tinha à sua frente os denunciados Gilmar de Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes e Victor Fonseca Mandarino - agentes citados nas interceptações telefônicas retro transcritas), apresentação de planilhas de preços com valores majorados por parte do denunciado Sérgio Duarte Leite (agente mencionado em interceptação telefônica e que teria recebido valores da Gautama, conforme agenda apreendida), pedidos de prorrogação de contrato e apresentação de medições consideradas irregulares pela CGU por parte do denunciado Ricardo Magalhães (agente flagrado em interceptações telefônicas negociando supostos repasses de vantagens indevidas) e ingerências junto à União e ao Governo do Estado por parte do acusado José Ivan de Carvalho Paixão (agente que, apesar de não exercer cargo político no ano de 2006, já havia sido Deputado Federal e Secretário de Estado e atuou com o fim de obter aumento de verbas para o contrato). Sobre a comunicabilidade da condição de funcionário público, Cezar Bitencourt prescreve que “A qualidade de funcionário público do agente se estende também aos co-autores ou partícipes do delito (art. 30 do CP)”. (ob. cit. P. 18). A.6) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317, § 1°, DO CÓDIGO PENAL) Entendo demonstrado, em juízo sumário de cognição, que os denunciados João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, José Ivan RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 277 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de Carvalho Paixão e Max José Vasconcelos de Andrade praticaram o delito de corrupção passiva previsto no art. 317, § 1°, do Código Penal, dispositivo abaixo transcrito: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. Conforme foi exaustivamente demonstrado neste voto pautado nas interceptações telefônicas transcritas, na agenda apreendida pela Polícia Federal e do relatório da CGU, que, em juízo perfunctório dos autos, os denunciados acima apontados solicitaram e receberam, em razão da função, vantagem indevida com o fim de propiciar o desvio de recursos públicos em prol da Gautama e de conferir a essa empresa tratamento diferenciado no recebimento de verbas públicas decorrentes do Contrato n. 110/01. No que tange ao denunciado José Ivan Paixão (que não exercia cargo público nos termos do art. 327 do Código Penal), advirto que tal fato não impede o seu enquadramento penal quanto à prática do crime de corrupção passiva, em concurso de pessoas, conforme doutrina de de Julio F. Mirabete: “Sujeito ativo do crime de corrupção passiva é o funcionário público, em sua acepção de direito penal. (...) Responde em concurso de agentes o particular que colabora na prática da conduta típica.” (Código Penal Interpretado. 6. ed. P. 2.407). Esta é a orientação da jurisprudência da Corte, como demonstra o precedente trazido à colação: Recurso ordinário de “habeas corpus”. Trancamento de ação penal. Participação de particular em corrupção passiva. Comunicabilidade da circunstância elementar do tipo. Lei n. 9.099/1995. Consideração da causa de aumento para a avaliação do requisito objetivo. Recurso improvido. I. É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva, face a comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime. (...) III. Recurso ao qual se nega provimento. (RHC n. 7.717-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17.9.1998, DJ 19.10.1998, p. 115). 278 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL A. 7) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA (ART. 333, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) Nos termos do que já foi exposto ao longo deste voto, alguns dos funcionários da empresa Gautama citados neste voto tinham, em juízo perfunctório dos autos, conhecimento das ilegais tratativas realizadas com os acusados ligados ao Governo do Estado de Sergipe, com vistas a propiciar o desvio de verbas públicas em prol da construtora e conferir tratamento diferenciado no recebimento dos pagamentos decorrentes da obra prevista no Contrato n. 110/01. Conforme já foi exposto, a atuação isolada de cada um não seria capaz de viabilizar a consecução dos objetivos pretendidos, razão pela qual, com apoio na prova produzida na fase inquisitorial, concluo que os denunciados Zuleido Soares Veras e Ricardo Magalhães praticaram, na modalidade de autoria, o crime de corrupção ativa previsto no art. 333, caput, do Código Penal: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. B) DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA (ART. 288, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) Dos elementos colhidos nos autos e exaustivamente demonstrados neste voto, entendo, em juízo sumário de cognição que os denunciados João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, José Ivan de Carvalho Paixão, Max José Vasconcelos de Andrade, Renato Conde Garcia, Gilmar de Melo Mendes, Sérgio Duarte Leite, Victor Fonseca Mandarino, Kleber Curvelo Fontes, Zuleido Soares Veras e Ricardo Magalhães associaram-se, de forma estável e permanente, com o fim específico de cometer crimes contra a Administração Pública, estando, portanto, incursos nas penas do art. 288, caput, do Código Penal: Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Deixam ver as provas aqui coletadas a íntima relação entre os denunciados, com frequentes contatos, tudo com vista a propiciar a prática dos mencionados delitos. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 279 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Os denunciados ligados ao Governo do Estado de Sergipe conheciam os acusados funcionários da Gautama e havia entre todos eles o vínculo associativo necessário para a configuração do crime de quadrilha. Consta, em juízo de admissibilidade da exordial, que os denunciados tinham ciência do funcionamento de todo o esquema montado no Estado de Sergipe com vistas a, mediante repasse de vantagem indevida a funcionários públicos, desviar dinheiro do Estado em prol da Gautama e garantir verba para o financiamento da campanha de reeleição do denunciado João Alves Filho. Entre eles havia uma divisão de tarefas entre os agentes integrantes da quadrilha. Alguns tinham a incumbência de se aproximar dos agentes públicos com o fim de negociar os valores das vantagens indevidas e outros estavam voltados para o gerenciamento do caixa de onde saía o dinheiro que financiava todo o suposto esquema. Luiz Regis Prado tece as seguintes considerações sobre o crime tipificado no art. 288 do Código Penal: Entende-se, então, por quadrilha ou bando “a reunião estável ou permanente para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes”. (...) Os seus membros não precisam se conhecer, tampouco viver em um mesmo local. Mas devem saber sobre a existência dos demais. Com efeito, “não é preciso, no entanto, que essa associação se forme pelo ajuste pessoal e direto dos associados. Basta que o sujeito esteja consciente em formar parte de uma associação cuja existência e finalidades lhe sejam conhecidas. (ob. cit. P. 220). Confira-se o entendimento do STJ sobre os requisitos necessários para a configuração do crime de quadrilha: Penal e Processo Penal. Agravo regimental no recurso especial. Ofensa ao art. 381, III e IV, do CP. Insuficiência probatória. Impossibilidade de reexame. Violação ao art. 59 do CP. Dosimetria. Análise fática e probatória. Inviabilidade. Súmula n. 7-STJ. Afronta ao art. 288 do CP. Inocorrência. Crime continuado. Ficção jurídica x realidade fática. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. Cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar a existência de provas suficientes a embasar o decreto condenatório, bem como a adequada dosimetria da pena. Inteligência do Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte. 280 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 2. Para a configuração do delito do artigo 288 do Código Penal não se faz necessária a efetiva prática de outros crimes a que a quadrilha se destinava, basta a convergência de vontades relacionadas ao cometimento, em tese, de crimes, independentemente do resultado. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.011.795-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17.3.2011, DJe 4.4.2011). Questão de ordem questão de ordem. Corte Especial. Denúncia contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e ex-governador. Ação penal avocada do juízo de primeiro grau na qual mais oito co-autores restaram denunciados por diversos delitos que não só os descritos na presente ação penal. Delito de formação de quadrilha rejeitado pela Corte Especial quanto ao acusado detentor do foro privilegiado. Atual posicionamento da Corte Especial. Possibilidade, necessidade e utilidade de desmembramento do feito. Aplicação do art. 80 do Código de Processo Penal. Medida que busca garantir a celeridade e razoável duração do processo, além de tornar exequível a própria instrução criminal de modo a viabilizar a persecutio criminis in iudicio. Risco de prescrição da pretensão punitiva em relação a alguns delitos. Estágios processuais diversos entre as ações penais. Observância da ampla defesa e do princípio do juiz natural. Diversos precedentes da Suprema Corte. Inconveniência da regra do simultaneous processus. (...) IX - A conduta típica prevista no art. 288 do Código Penal consiste em associarem-se, unirem-se, agruparem-se, mais de três pessoas (mesmo que na associação existam inimputáveis, mesmo que nem todos os seus componentes sejam identificados ou ainda, que algum deles não seja punível em razão de alguma causa pessoal de isenção de pena), em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 3”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, página, 606). A estrutura central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizaremse em bando ou quadrilha com a finalidade de cometer crimes. Trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso necessário, inconfundível com o simples concurso eventual de pessoas. “Não basta, como na co-participação criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime: é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura atuação em comum, no sentido da prática de crimes não precisamente individuados.” (Nelson Hungria in “Comentários ao Código Penal - Volume IX, ed. Forense, 2ª edição, 1959, página 178). Pouco importa que os seus componentes não se conheçam reciprocamente, que haja um chefe ou líder, que todos participem de cada ação delituosa, o que importa, verdadeiramente, é a vontade livre e consciente de estar participando ou contribuindo de forma estável e permanente para as ações do grupo (Rogério RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 281 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Greco in “Código Penal Comentado”, Ed. Impetus, 2ª edição, 2009, página 682). A associação delitiva não precisa estar formalizada, é suficiente a associação fática ou rudimentar (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 3”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, página, 607). X - “Crime de quadrilha Elementos de sua configuração típica. - O crime de quadrilha constitui modalidade delituosa que ofende a paz pública. A configuração típica do delito de quadrilha ou bando deriva da conjugação dos seguintes elementos caracterizadores: (a) concurso necessário de pelo menos quatro (4) pessoas (RT 582/348 - RT 565/406), (b) finalidade específica dos agentes voltada ao cometimento de delitos (RTJ 102/614 - RT 600/383) e (c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa (RT 580/328 - RT 588/323 - RT 615/272). - A existência de motivação política subjacente ao comportamento delituoso dos agentes não descaracteriza o elemento subjetivo do tipo consubstanciado no art. 288 do CP, eis que, para a configuração do delito de quadrilha, basta a vontade de associação criminosa - manifestada por mais de três pessoas -, dirigida à prática de delitos indeterminados, sejam estes, ou não, da mesma espécie. - O crime de quadrilha é juridicamente independente daqueles que venham a ser praticados pelos agentes reunidos na societas delinquentium (RTJ 88/468). O delito de quadrilha subsiste autonomamente, ainda que os crimes para os quais foi organizado o bando sequer venham a ser cometidos. (...) (HC n. 72.992-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello DJ 14.11.1996). (...) (Denun na APn n. 549-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 21.10.2009, DJe 18.11.2009). (...) (QO na APn n. 514-PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 28.10.2010, DJe 7.12.2010). Habeas corpus. Direito Penal e Direito Processual Penal. Insuficiência dos elementos de prova. Inicial insuficientemente instruída. Não conhecimento. Delito de quadrilha. Roubo em concurso de agentes. Bis in idem. Inocorrência. Roubo. Efetiva inversão da posse. Consumação. 1. O reexame de provas, à moda de segunda apelação em que se pretende discutir a justiça da condenação, não se ajusta ao âmbito angusto do habeas corpus. 2. Inviável o conhecimento de habeas corpus, na parte em que se ressente de elementos bastantes ao deslinde da questão. 3. O delito tipificado no artigo 288 do Código Penal e aqueloutros que a quadrilha venha a praticar são autônomos, até porque aquele se aperfeiçoa e é punível independentemente da prática de crimes subseqüentes da quadrilha, pelos quais respondem especialmente os seus agentes e, não, o bando todo. 4. Em havendo efetiva inversão da posse da res furtiva, tem-se como aperfeiçoada a consumação do crime de roubo. 5. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 282 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (HC n. 31.687-MS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 17.2.2005, DJ 25.4.2005, p. 365). No julgamento da AP n. 470-MG (julgamento conhecido como “Mensalão”, acórdão pendente de publicação - Informativo n. 685), o STF teve a oportunidade de examinar os requisitos necessários à configuração do crime de formação de quadrilha, oportunidade em que o Min. Ceslo de Mello, acompanhando o voto do Min. Relator Joaquim Barbosa, concluiu pela configuração do delito imputado pelo MPF e definiu que “na quadrilha, a configuração típica resultaria da conjugação de 3 elementos: a) concurso necessário de pelo menos 4 pessoas; b) finalidade específica dos agentes, voltada ao cometimento de número indeterminado de delitos; e, c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa”, elementos presentes nestes autos. Entendo, portanto, que restaram reunidos elementos suficientes para concluir-se pela prática do crime de formação de quadrilha por parte dos denunciados citados neste capítulo do voto. C) DO CRIME DE PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CÓDIGO PENAL) O MPF atribui ao denunciado Flávio Conceição a prática do crime de prevaricação tipificado no art. 319 do Código Penal, sob o argumento de que esse acusado, no exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, participou e atuou, em sessão realizada pelo referido Tribunal no dia 29.3.2007, com o fim de obstar a realização de auditoria na obra executada pela empresa Gautama. Entendo, contudo, que a persecução penal em relação ao delito de prevaricação encontra-se obstada pelo instituto da prescrição. Entre a data da suposta prática do crime de prevaricação (29.3.2007) e o dia de hoje em que se delibera pelo recebimento da denúncia transcorreu prazo superior ao previsto no art. 109, V, do Código Penal, razão pela qual jugo extinta a punibilidade do acusado Flávio Conceição de Oliveira Neto, em relação ao delito previsto no art. 319 do diploma legal, nos termos do art. 107, IV, do Estatuto Repressivo pátrio. D) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA Com relação aos denunciados Florêncio Brito Vieira e Humberto Rios de Oliveira, modestíssimos empregados da Gautama, sem nenhuma expressão ou RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 283 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA poder de decisão, vinculados ao Diretor-Presidente da empresa Zuleido Veras por vínculo empregatício (trabalho subordinado e salário contra-prestação), entendo pertinente não receber a denúncia, devendo ser rejeitado o pleito ministerial em relação a eles. Com relação aos acusados Gil Jacó Carvalho Santos, Maria de Fátima César Palmeira e Roberto Leite, entendo não haver lastro probatório mínimo ao recebimento da denúncia. No tocante ao denunciado João Alves Neto, resta demonstrada a ausência de justa causa em relação à suposta prática do crime de peculato-desvio, tipificado no art. 312, caput, do Código Penal. E) CONCLUSÃO Assim vistos e examinados os autos e devidamente analisadas as provas colhidas na fase de Inquérito, concluo da seguinte forma: 1) CRIME DE PECULATO-DESVIO Recebo a denúncia quanto ao delito de peculato-desvio, tipificado no art. 312, caput, do Código Penal, em relação aos acusados João Alves Filho, Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Zuleido Soares Veras, Renato Conde Garcia, Ricardo Magalhães da Silva, Sérgio Duarte Leite, Victor Fonseca Mandarino, Gilmar de Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes e José Ivan de Carvalho Paixão, nos termos do art. 29 do referido diploma legal. 2) CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA Recebo a denúncia quanto ao delito de corrupção passiva, tipificado no art. 317, § 1°, do Código Penal, em relação aos acusados João Alves Filho (por 04 vezes), João Alves Neto (por 09 vezes), Flávio Conceição de Oliveira Neto (por 21 vezes), José Ivan de Carvalho Paixão (por 02 vezes), Max José Vasconcelos de Andrade (por 03 vezes). 3) CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA Recebo a denúncia quanto ao delito de corrupção ativa, tipificado no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, em relação aos acusados Zuleido Soares Veras (por 36 vezes) e Ricardo Magalhães da Silva (por 02 vezes), nos termos do art. 29 do referido diploma legal. 284 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 4) CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA Recebo a denúncia quanto ao delito tipificado no art. 288, caput, do Código Penal, em relação aos acusados João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, José Ivan de Carvalho Paixão, Max José Vasconcelos de Andrade, Renato Conde Garcia, Sérgio Duarte Leite, Victor Fonseca Mandarino, Gilmar de Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes, Zuleido Soares Veras e Ricardo Magalhães da Silva. 5) CRIME DE PREVARICAÇÃO Julgo extinta a punibilidade do denunciado Flávio Conceição de Oliveira Neto, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. 6) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA Rejeito a denúncia em relação aos denunciados Roberto Leite, Humberto Rios de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima César Palmeira, por ausência de justa causa, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal; Rejeito a denúncia em relação ao denunciado João Alves Neto, no que tange à prática do delito de peculato-desvio. Considerando a gravidade das supostas infrações imputadas ao Conselheiro Flávio Conceição de Oliveira Neto, proponho, em nome da moralidade pública e em aplicação analógica ao que tem decidido reiteradamente esta Corte Especial, o afastamento do denunciado do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, nos termos do art. 29 da LC n. 35/1979 (Loman), durante o curso da instrução criminal. Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes da Corte Especial do STJ: Penal e Processual Penal. Ação penal originária contra desembargador. Competência do STJ: art. 105, I, a, CF/1988. Gravação ambiental: legalidade. Denúncia anônima: legalidade. Orientação do STF. Inépcia da inicial acusatória: inexistência. Corrupção ativa e passiva (art. 333, parágrafo único e art. 317, § 1°, do Código Penal). Delito de corrupção ativa (do Código Penal). Indícios suficientes de autoria e materialidade. Afastamento do cargo. Possibilidade. Precedentes. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 285 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é prova lícita segundo orientação do STF. Precedentes. 2. Somente inequívoca deficiência, impedindo a compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa leva à eventual inépcia da denúncia. 3. Robusta prova indiciária que dá sustentação à acusação, permitindo concluir pela materialidade e autoria, neste primeiro juízo de delibação. 4. Os denunciados negociaram vantagem indevida com o fim de retardar o andamento de ação penal em trâmite no Tribunal de Justiça da Bahia, praticando, em tese, corrupção passiva (no art. 317, § 1º, do Código Penal). 5. Beneficiado com o atraso no andamento do feito, conforme prova indiciária, foi repassada vantagem indevida ao relator do processo, por intermédio de seu filho, praticando ambos corrupção ativa. 6. Pela gravidade do delito de que é acusado, praticado no exercício da judicatura, impõe-se, nos termos do art. 29 da Loman (LC n. 35/1979), o afastamento do magistrado das funções de Desembargador do TJ-BA, durante o curso da instrução. 7. Denúncia recebida, com o afastamento do magistrado das suas funções. (APn n. 644-BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 30.11.2011, DJe 15.2.2012). Penal e Processual Penal. Recebimento da denúncia. Peculato. Quadrilha. Prescrição. Inquérito. Competência do STJ. Foro por prerrogativa de função. Término do mandato. Art. 84 do CPP. Inconstitucional. Inquérito. Contraditório. Inexigibilidade. Ação penal pública. Princípio da indivisibilidade. Inaplicável. Denúncia recebida em parte. 1. É de 08 (oito) anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao crime de quadrilha, prazo esse que, no caso, já transcorreu. 2. Cessado o exercício da função pública correspondente, encerra-se a competência de foro por prerrogativa de função. O STF, no julgamento da ADI n. 2.797-DF, declarou inconstitucional a Lei n. 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do CPP Precedentes. 3. Pela sua natureza inquisitorial, a fase do inquérito não está sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 4. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública, podendo o Ministério Público, como “dominus litis”, aditar a denúncia, até a sentença final, para inclusão de novos réus, ou ainda oferecer nova denúncia, a qualquer tempo (STF, HC n. 71.538-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15.3.1996). 5. Relativamente aos fatos descritos como crime de peculato, a denúncia expõe o fato criminoso, com suas circunstâncias, e a imputação específica aos 286 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL denunciados. Preenchidos, portanto, os requisitos do art. 41 do CPP, havendo suporte probatório de autoria e materialidade suficiente para o juízo de recebimento da denúncia. 6. Denúncia recebida em parte. (APn n. 382-RR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 21.9.2011, DJe 5.10.2011). É o voto. VOTO A Sra. Ministra Laurita Vaz: Senhor Presidente, apesar do adiantar da hora, gostaria de fazer algumas breves considerações sobre determinadas preliminares. Por se tratar de um processo complexo, precisávamos firmar algumas posições. A primeira delas é sobre a suposta incompetência e alegado comprometimento da isenção, em razão de a Relatora ter colhido depoimentos durante a tramitação do inquérito. Não procede a insurgência. Esta Corte Especial, como bem anotado no voto da Relatora, possui entendimento assente no sentido de que compete ao ministro Relator do Inquérito presidi-lo, determinando a realização das diligências e adotando as medidas necessárias à investigação. A condução do inquérito induz à distribuição da respectiva ação penal, sem nenhum malferimento ao princípio do juiz natural, tampouco à isenção do julgador. Com relação à suposta inépcia da denúncia, igualmente, não procede. A peça inicial acusatória deve ser concisa, mas clara, acerca dos fatos criminosos e seus respectivos agentes. Ações complexas, que envolvem vários agentes e condutas diversas, sugerem uma narrativa mais abrangente, sem olvidar dos requisitos essenciais à delimitação da participação de cada um, o que não quer dizer necessidade de descrever pormenores. Como bem observado pela Relatora, com arrimo na jurisprudência mansa e pacífica desta Corte, a acusação deve permitir a compreensão dos fatos e suas circunstâncias, de modo a possibilitar ao Réu o livre exercício da ampla defesa e do contraditório, o que entendo ter ocorrido no presente caso, pelo menos, com relação à maioria dos denunciados. Não há na denúncia em tela nenhuma das falhas elencadas no art. 43 do CPP, ao revés, está em consonância com os requisitos do art. 41 do mesmo RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 287 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Diploma Processual, salvo quanto aos denunciados Roberto Leite, Humberto Rios de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima César Palmeira, precisamente apontados pela própria Relatora, em que a denúncia peca por não descrever a conduta delituosa, razão pela qual deve ser rejeitada com relação a estes. Quanto à suposta nulidade da interceptação telefônica determinada pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Salvador-BA, tido por incompetente, porque já havia suspeita sobre a participação do Governador e de Secretário de Estado, ambos com prerrogativa de foro, entendo que há a alegada nulidade. Mais uma vez, rebateu a Relatora, com precisão, a improcedência da arguição de nulidade. Com efeito, a interceptação telefônica autorizada pelo Juízo Federal envolveu pessoas que não detêm prerrogativa de foro. Os elementos indiciários que foram sendo amealhados, a partir do momento em que se mostrou fundada a suspeita sobre agentes com prerrogativa de foro, foram objeto de análise e relatório da Polícia Federal, pugnando pela remessa dos autos da investigação a este Superior Tribunal de Justiça, como que concordou o membro do Ministério Público Federal oficiante no feito. Como se vê, inexiste a reclamada nulidade. As medidas constritivas (quebra do sigilo das comunicações telefônicas e buscas e apreensões) foram, assim, determinadas por juiz absolutamente competente para tanto, sendo que, tão logo se verificou a existência de fundados elementos de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro, foi declinada a competência. É evidente que não é uma singela referência ou mera desconfiança, sem nenhum lastro mais convincente, que induz a prerrogativa de foro. Há de se obter elementos mínimos que sustentem a suspeita, para, então, remeter os autos à autoridade competente. Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência das Cortes Superiores, na esteira dos precedentes mencionados pela Relatora. A eminente Relatora esclareceu, de forma cabal, o processamento, desde a origem, da investigação em tela, incluindo seu desmembramento. Acompanho in totum suas razões, valendo ressaltar o que enfatizou a Relatora, nesse particular, que “todos os documentos, pedidos de interceptação telefônica e decisões judiciais de 1º grau que excepcionaram direitos fundamentais dos ora denunciados estão juntados aos presentes autos, não havendo que se falar em violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.” Também acompanho a Relatora, que rejeitou a suposta ilegalidade das sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas. A questão é recorrente 288 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL e já foi, em diversas ocasiões, exaustivamente analisada, tendo esta Corte, com consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assentado o entendimento de que não há nenhuma ilegalidade em se determinar sucessivas prorrogações de na interceptação, desde que subsistam os fundamentos. A Suposta nulidade em razão da transcrição parcial das conversas telefônicas, pretensamente manipuladas pela Polícia Federal, não prospera. Nenhuma pertinência há na alegação. É claro que não se transcreve, integralmente, todas as conversas travadas pelos interlocutores interceptados, por razões óbvias, quais sejam, primeiro, nem tudo interessa à investigação; segundo, o que se transcreve são justamente as declarações que possam subsidiar a ocorrência do crime investigado e respectivo autor. Não obstante, é livre a Defesa para buscar, por si, levantar outras versões que interesse na sua versão dos fatos, estando à disposição dos defensores o inteiro teor das conversas interceptadas. A propósito, não é a fase do recebimento da denúncia o momento apropriado para se examinar profundamente versões defensivas sobre os fatos narrados na inicial acusatória. Alega-se ainda suposto cerceamento de defesa por ausência de prazo hábil para a análise do material anexado ao processo. Esclareceu a Relatora ser desarrazoada a alegação, pois os autos do inquérito esteve, por muito tempo, à disposição da defesa, sendo que a juntada dos autos da Ação Penal n. 2006.33.00.002647-3 foi feita de modo oportuno, sem nenhuma mácula ao exercício do plano direito de defesa. Quanto ao mérito, ouvi atentamente a brilhante defesa dos acusados, que se esforçaram em demonstrar, primordialmente, defeitos da denúncia e a inocência de seus representados, com assertivas acerca da fragilidade da prova. Não obstante, é importante ressaltar que o que se está examinando nesta oportunidade é a viabilidade da acusação. Se ela descreve a conduta criminosa, com suas circunstâncias, identificando os respectivos agentes. E se tudo está devidamente arrimado em elementos de prova que subsidiem a acusação. Anoto que, neste momento processual, não há de se perquirir acerca da melhor prova, se da acusação ou da defesa. É durante a instrução criminal, quando será garantida a ampla defesa e o contraditório, observado o devido processo legal, que se fará o juízo aprofundado sobre as provas coligidas, reservada a esta Corte Especial, ao final, o juízo meritório acerca da eventual culpabilidade dos acusados. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 289 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Os fatos trazidos nesta denúncia, mormente com relação ao intitulado “Evento Sergipe”, envolvem dezessete acusados e várias condutas tidas como delituosas, as quais configurariam, segundo o Ministério Público Federal, os crimes de quadrilha, peculato, corrupção ativa e passiva, e prevaricação. Não se olvida da mácula que o processo penal impinge à qualquer pessoal acusada do cometimento de crime. Contudo, é dever do Estado a persecução criminal, quando presente a justa causa, hipótese dos autos. As considerações da Defesa acerca da lisura dos empresários supostamente envolvidos nos esquemas de fraudes em licitações e pagamento de propinas a autoridades e agentes públicos, bem como na ausência de prova desses crimes não podem, não podem, desde já, impedir o Estado de aprofundar a investigação, em busca da verdade real. Por mais que alguns argumentos defensivos tenham-me causado forte impressão, não foram capazes de ilidir a fundada suspeita retratada na inicial acusatória, que, insisto, deve ser processada para elucidação dos fatos supostamente criminosos. Concluindo, Senhor Presidente, na esteira do voto da eminente Relatora, entendo que a denúncia deve ser recebida, com a exceção dos cinco acusados acima referidos. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.729-RS (2013/0056412-9) Relator: Ministro Presidente do STJ Agravante: Estado do Rio Grande do Sul Agravante: Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem - Daer Procuradores: Guilherme Valle Brum e outro(s) Paulo Cesar Velloso Quaglia Filho e outro(s) Agravado: Coviplan Concessionária Rodoviária do Planalto S/A Advogado: Massami Uyeda Junior e outro(s) Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região 290 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL EMENTA Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave lesão à ordem e economia públicas. Inexistência. Indevida utilização do incidente como sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido. Agravo regimental desprovido. I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste eg. Superior Tribunal de Justiça e do col. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida em ação movida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. II - In casu, não ficou cabalmente demonstrada a grave lesão aos bens tutelados pelo sistema integrado de contracautela, porquanto o dano evidenciado não se revelou grave o suficiente para o deferimento do pedido. III - A discussão a respeito do termo final do contrato de concessão possui caráter eminentemente jurídico, revelando-se a utilização do presente pedido de suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado na via eleita. Precedentes do eg. STJ e do col. STF. IV - A teor da jurisprudência desta eg. Corte, para se evidenciar a grave lesão à economia pública é imprescindível, além da sua efetiva comprovação, que a decisão objeto do pedido de suspensão possa causar transtornos de elevada monta, capaz de comprometer, de maneira irreversível e inexorável, as finanças do ente público, o que não ocorreu na espécie. V - A caracterização do efeito multiplicador exige a comprovação cabal de que seja iminente a ocorrência de proliferação de decisões de mesma natureza, o que não ficou evidenciado, especialmente em razão das peculiaridades do caso. Precedente da col. Corte Especial. Agravo regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 291 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedida a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Francisco Falcão e Nancy Andrighi. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler. Brasília (DF), 17 de abril de 2013 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministro Felix Fischer, Relator DJe 24.4.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem - Daer, em face de r. decisum emanado desta Presidência às fls. 833845. Em suas razões (fls. 902-925), os recorrentes reiteram a necessidade de suspensão da r. decisão liminar atacada, destacando que a sua manutenção causará grave lesão à ordem e à economia públicas. Sustentam que, havendo dúvida quanto ao mérito da liminar, não se poderia “levar em conta, para fins de análise da grave lesão à ordem e/ou economia pública, apenas a hipótese de estar correto o prazo alegado pela empresa concessionária, mas também e, sobretudo a hipótese de estar correto o prazo defendido pelo Poder Concedente” (fl. 906). Aduzem que a lesão à ordem pública decorreria da “indevida interferência do Poder Judiciário no devido exercício das funções da Administração, pelas autoridades legitimamente constituídas, importando na substituição da Administração Pública pelo Poder Judiciário, em ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/1988), quanto ao pleno exercício das 292 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL competências legais e contratuais daquela” (fl. 909). Assim, salientam que o r. decisum que pretendem suspender teria desrespeitado o poder discricionário do Administrador “de optar pela não-prorrogação do contrato e pela alteração de modelo de administração dos pedágios” (fl. 909). Os requerentes destacam que o Pólo de Carazinho é composto por 6 trechos rodoviários, dos quais 5 são federais e 1 é estadual, e que as praças de pedágio estão localizadas somente nas rodovias federais. Acrescentam que “as cancelas nas rodovias federais serão abertas a partir da devolução das estradas federais à União, sendo que a conservação destas será feita pelo ente federal, enquanto a da rodovia estadual voltará a ser feita pelo Estado” (fl. 912). Segundo os requerentes, “nas rodovias estaduais em que forem mantidas as praças de pedágio, a administração será feita pela EGR - Empresa Gaúcha de Rodovias”, que recentemente passou a administrar as Praças de Pedágio de Portão, Campo Bom e Coxilha, “e está em plenas condições de, assim que findos os contratos de concessão, assumir as praças de pedágio das rodovias antes concedidas” (fl. 912). Sendo assim, sustentam que a retomada imediata do serviço pelo Poder Público não acarretaria qualquer descontinuidade na sua prestação. Por outro lado, alegam que a manutenção da r. decisão que se pretende suspender acarretará grave lesão à economia pública. Isso porque os consumidores/usuários “deverão pagar por mais tempo, tarifas, e ainda por cima por serviços que não atendem aos padrões de qualidade esperados, tornando absolutamente irreversível - ou de muito difícil reversibilidade - o dano causado, pois eventual reforma da decisão de mérito não terá o condão de ressarcir os gastos dos usuários no cumprimento da ordem judicial” (fl. 913). Segundo os recorrentes, “a lesão à economia pública também se revela no consequente aumento de custos de diversos outros bens e serviços, cujo fornecimento e prestação depende do tráfego nas rodovias pedagiadas, sendo repassados tais custos, assim, evidentemente, a toda a sociedade” (fl. 913). Mantida a r. decisão liminar, “os usuários/consumidores pagarão por mais tempo, de modo indevido, e pior: por um serviço concedido que, além de tudo, não está sendo bem prestado” (fl. 914). Sustentam que o pedágio não possui natureza exclusivamente contraprestacional, pois haveria “uma margem de lucro na cobrança” (fl. 915). Por essa razão, seria indevido autorizar a continuidade de sua exigência sem respaldo contratual. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 293 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No que se refere ao risco de efeito multiplicador, os requerentes sustentam que a manutenção do r. decisum que se pretende suspender poderá promover um “estímulo à concessão de liminares semelhantes, nas quais seja possibilitado, no âmbito da concessões rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, a prorrogação contratual até a data sustentada pelas concessionárias” (fl. 917). Aduzem haver 18 ações ajuizadas pelas concessionárias relativas aos 7 Pólos Rodoviários concedidos pelo Estado. Com efeito, haveria, no entender dos requerentes, risco concreto de efeito multiplicador, pois o r. decisum que se pretende suspender é emanado do eg. TRF da 4ª Região, onde correm ações de 6 Pólos Rodoviários. Alegam que, sob o critério da proporcionalidade, deve-se dar primazia aos princípios da supremacia do interesse público e da presunção de legitimidade dos atos administrativos em detrimento do interesse privado. Ao final, pugnam para que seja dado provimento ao presente recurso. Por manter a r. decisão objurgada, submeto o feito à col. Corte Especial. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): O recurso não merece prosperar, porquanto os agravantes não trouxeram argumentos novos aptos a infirmar as premissas que balizaram a r. decisão recorrida. Transcrevo, oportunamente, o teor da r. decisão reprochada, in verbis: Em conformidade com o entendimento jurisprudencial dessa Corte, assim como do e. Supremo Tribunal Federal, na decisão que examina o pedido de suspensão de provimentos jurisdicionais infunde-se um mínimo juízo de delibação do mérito contido na ação originária. Isso porque, na medida de contracautela suspensiva, como em qualquer pretensão provisória (§ 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992), urge a verificação da plausibilidade do direito alegado, já que, na visão instrumental do processo, perder-se-ia sentido proteger o improvável. Nesse sentido, transcrevo, oportunamente, o seguinte excerto do voto proferido pelo em. Min. Carlos Velloso, contido na SS n. 846 AgR-DF, da relatoria do em. Min. Sepúlveda Pertence: Esse mínimo de delibação do mérito, não importa dizer que a decisão deferitória da contracautela se firme menos nas razões políticas do art. 4º da 294 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Lei n. 4.248/1964 e mais nos aspectos de mau direito do impetrante ou na não existência do periculum in mora. Não é isto. A delibação do mérito, na decisão que suspende os efeitos da liminar, visa a verificar a plausibilidade ou não do pedido, a firmar-se como roteiro na interpretação das razões referidas no art. 4º da citada Lei n. 4.348/1964 e que foram trazidas, pelo órgão público, ao exame do Presidente do Tribunal. Conforme relatado, a ação originária foi ajuizada pela ora interessada visando a obstar o encerramento do Contrato de Concessão até que o Poder Concedente quitasse suposta justa e prévia indenização por eventos de desequilíbrio econômico-financeiro incidentes sobre o contrato. Apesar de o d. Juízo de primeira instância ter fundamentado seu raciocínio de evidente risco de dano irreparável ou de difícil reparação no termo final do contrato de concessão contido em Resolução Decisória RED n. 40/2012, editada pela AGERGS (Agência Reguladora local), entendeu por bem deferir a antecipação de tutela até 28.12.2013, a fim de evitar prejuízos irreparáveis à concessionária e impedir a descontinuação da prestação do serviço público, resguardando, portanto, o interesse coletivo dos usuários das rodovias. Diante de tal fundamentação, o Estado do Rio Grande do Sul, além de discutir sobre o correto termo final da concessão em questão, embasa a argumentação de mérito da causa principal na impossibilidade legal e jurisprudencial de se prorrogar contratos administrativos com base em pendência de investimentos não-amortizados por parte das concessionárias, uma vez que tal desiderato teria momento e lugar específico para ser deduzido, ou seja, nas vias ordinárias. Tal entendimento, entretanto, não foi objeto de discussão no julgamento do agravo de instrumento, em que, da leitura dos votos vencedores (Notas Taquigráficas), os eminentes Desembargadores não se comprometeram com a mencionada questão de fundo naquele momento processual. Tenho para mim, portanto, que apesar de a quaestio iuris se resumir em dois aspectos (fl. 6), prepondera preliminarmente a questão de se saber qual o correto termo final da concessão em questão. Para os ora requerentes o correto termo final para a retomada do serviço rodoviário concedido seria 6.3.2013, conforme o disposto em nota técnica proferida pela Procuradoria-Geral do Estado, assim como na Resolução DecisóriaRED n. 40/2012 da AGERGS. Já, conforme as razões de decidir contidas no voto divergente da em. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, “os documentos trazidos aos autos apontam para a validade do contrato até dezembro/2013, conforme se observa do Termo Aditivo n. 4 (TA4) do contrato” (fl. 789). Pois bem. Dessa análise meramente delibatória acerca da ação principal, extraise o grau de incerteza a respeito de seu mérito. Em outras palavras, não há como se afirmar, inequivocamente, sem a devida instrução probatória, a ser cumprida RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 295 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA nos autos principais, que o termo final do contrato de concessão se daria em 6.3.2013 ou em 28.12.2013, como decidiu a colenda 3ª Turma do e. Tribunal a quo. A existência de relevante dúvida de caráter probandi acerca do termo final da concessão administrativa do Pólo Rodoviário de Carazinho, in casu, impedem uma conclusão irrefutável sobre a existência de qualquer lesão aos bens tutelados pela legislação de regência. E nesse contexto, não vislumbro a hipótese de o juízo provisório de primeira instância ter indevidamente adentrado na função estatal administrativa, de modo a gerar a grave lesão à ordem pública alegada. Dessa forma, pode-se perceber que o presente pedido de suspensão se confunde com o próprio mérito da ação principal, quanto à definição do prazo de vigência do contrato de concessão, denotando, assim, caráter recursal, o que não se mostra viável diante dos excepcionais contornos que revestem o pedido de suspensão. Na presente senda não se mostra viável o exame do acerto ou desacerto do decisum objurgado, não podendo o incidente ser utilizado como sucedâneo recursal para se discutir o próprio mérito da ação principal. O presente instrumento judicial, a bem da verdade, não deve substituir os recursos processuais adequados, até porque, consoante a sedimentada jurisprudência dessa Corte, não há que se analisar, no pedido extremo de suspensão, em regra, a legalidade ou ilegalidade das decisões proferidas. Nesse sentido: Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Concurso de promoção. Procuradores da Fazenda. Estágio probatório não concluído. Interpretação do edital e de resoluções da AGU. – As questões relacionadas à legalidade da decisão de segundo grau constituem temas jurídicos de mérito, os quais ultrapassam os limites traçados para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais adequados. – A decisão impugnada na suspensão, diante do quadro fático dos autos, acarreta grave lesão à economia pública, sobretudo em decorrência da concreta possibilidade de efeito multiplicador. Agravo regimental improvido. (AgRg na SLS n. 1.457-DF, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.9.2010). Agravo regimental. Suspensão de segurança. Município. Contrato administrativo. Onerosidade contratual. Matéria de mérito. Impossível o exame na via eleita. Lesão à ordem e economia públicas. Demonstração. Ausente. 296 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL - Suspensão de liminar só é oportuna quando houver perigo de lesão a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964. - (...). - Não se admite, em suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia. (AgRg na SLS n. 846-SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 7.8.2008). Ademais, não visualizo a iminência de grave lesão à economia pública alegada pelos requerentes. Isso porque, admitido que o termo contratual dar-se-á, conforme entendido pelas instâncias ordinárias, apenas em 28.12.2013, todas as obrigações contratuais relacionadas à prestação dos serviços de concessão estarão vigentes e deverão ser cumpridas pela concessionária. Em caso de descumprimento, o Poder Público possui os instrumentos necessários para a aplicação de sanções, a teor do disposto no contrato e na legislação de regência. Nítido, portanto, o caráter contraprestacional do pedágio, o que impossibilita, em princípio, qualquer ocorrência de grave lesão à economia pública. Por derradeiro, sustentam os requerentes que a r. decisão guerreada também poderá gerar graves danos à ordem e economia públicas devido ao seu potencial efeito multiplicador. No seu entendimento, o risco de efeito multiplicador “reside no estímulo à concessão de liminares semelhantes, nas quais seja possibilitado, no âmbito das concessões rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, a prorrogação contratual até a data sustentada pelas concessionárias” (fl. 28). Destacam, ademais, que existem 18 ações ajuizadas pelas concessionárias, referentes aos 7 Pólos Rodoviários concedidos pelo Estado e que os pedidos de concessão de liminar têm crescido, muito embora a maior parte tenha sido indeferida. Salientam, contudo, que “a partir desta decisão de 2º grau mantendo o deferimento da liminar nos termos pleiteados pela concessionária (Anexos 1 e 2 e 67), certamente a proliferação de liminares semelhantes ocorrerá e o deferimento será muito provável” (fl. 29). Os requerentes salientam, outrossim, que, em 27.2.2013, mesma data em que prolatado o v. acórdão que entendeu ser o dia 28.12.2013 o termo final do contrato de concessão em comento, a c. 21ª Câmara Cível do e. TJRS “proferiu 2 decisões em sentido inverso, ou seja: reconhecendo a data apontada pelo Poder Concedente e pela Agência Reguladora como correta e negando o pedido de prorrogação contratual da concessionária até o prazo por ela defendido” (fl. 30). Ainda no que concerne ao efeito multiplicador, aduzem os requerentes que “há também o risco, in casu, sob um aspecto indireto ou inverso, a eventualmente forçar o ingresso em juízo, para ressarcimento, de milhares de usuários/ consumidores das rodovias, caso as liminares em favor das concessionárias, ao final, não sejam confirmadas” (fl. 30). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 297 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Consoante a jurisprudência dessa Corte Superior em sede de pedidos excepcionais de suspensão, para se caracterizar o efeito multiplicador da decisão que se busca suspender, deve ser demonstrado, cabalmente, sua concreta possibilidade. A propósito, colaciono os seguintes precedentes: Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. ITBI. Base de cálculo. Mérito da demanda principal. Efeito multiplicador e lesão à ordem pública não caracterizados. – Indeferido o pedido de suspensão pelo Supremo Tribunal Federal, descabe ao Superior Tribunal de Justiça reapreciar os requisitos previstos em lei com o propósito de reformar decisão da Corte Constitucional. – Na linha da orientação firme desta Corte, não cabe enfrentar, na via estreita da suspensão de liminar e de sentença ou de segurança, questão de mérito objeto do processo principal. – A adequação judicial da base de cálculo à luz da discussão sobre a existência de edificação em determinado período, por si, não tem o potencial de causar grave lesão à economia do município agravante ou ao exercício de sua função arrecadadora, tratando-se de situação específica, com circunstâncias peculiares. – O chamado efeito multiplicador deve ser demonstrado de forma cabal, o que não ocorreu no presente caso. Agravo regimental improvido. (AgRg na SS n. 1.857-CE, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 17.12.2009). Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Lesão ao interesse e economia públicas não demonstrado. Efeito multiplicador não comprovado. - Suspensão de liminar só é oportuna quando a decisão seja potencialmente lesiva a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964. - O chamado efeito multiplicador deve ser cabalmente demonstrado. (AgRg na SLS n. 747-PE, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 7.8.2008). Desse modo, para se sustentar o pedido de suspensão no possível efeito multiplicador que a decisão atacada poderá gerar, não deve o pleito se ancorar em conjecturas ou hipóteses, mas sim em fatos concretos já ocorridos ou na iminência de se verificarem. Para se justificar o deferimento do pedido de suspensão fundado no possível efeito multiplicador, o grau de probabilidade de que a decisão será norteadora 298 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL para demais casos semelhantes deve ser elevado, não bastando, assim, a mera expectativa de proliferação. Por essa razão, não me parece, ao menos nesse momento, que a manutenção da r. decisão reprochada terá o condão de provocar o efeito multiplicador salientado pelos requerentes. Conforme destacado pelo Estado do Rio Grande do Sul, a e. 21ª Câmara Cível do c. TJRS acompanhou o entendimento propugnado pelo Poder Concedente, não seguindo a linha sustentada pela c. 3ª Turma do e. TRF da 4ª Região, o que enfraquece a tese do efeito multiplicador. Com relação ao risco indireto mencionado pelos requerentes, na hipótese de a liminar deferida em favor da concessionária não ser confirmada no julgamento do mérito, o que poderá ensejar o ajuizamento de demandas de ressarcimento pelos usuários/consumidores das rodovias, não vislumbro a grave lesão aos bens tutelados pelo art. 4º da Lei n. 8.437/1992. A teor do referido artigo, apenas será cabível o pedido de suspensão na hipótese em que a manutenção da decisão atacada puder gerar grave dano à ordem, saúde, segurança e economia públicas. Não havendo, de modo claro e evidente, o elevado grau de probabilidade de se evidenciar a grave lesão, ainda mais se levado em consideração o caráter contraprestacional do pedágio, não deve prosperar o pedido formulado. A propósito, cito os seguintes precedentes: Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave lesão à economia pública. Inexistência. Discussão de mérito da ação principal. Impossibilidade. Pedido de suspensão indeferido. Agravo regimental desprovido. I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente é cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. II - In casu, os agravantes não demonstraram, de modo preciso e cabal, a grave lesão à economia pública, sendo insuficiente a mera alegação de que a manutenção do decisum atacado teria o condão de provocar prejuízos ao Poder Público. Precedentes do STJ e do STF. III - Ademais, deve-se frisar que a questão referente à competência para o licenciamento ambiental de empreendimento florestal é matéria de mérito da ação originária. Assim sendo, sua discussão transcende os estreitos limites do pedido de suspensão, cujo juízo político tem cabimento apenas para se evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 299 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo regimental desprovido. (AgRg na SLS n. 1.660-MA, Corte Especial, de minha relatoria, DJe de 4.12.2012). Agravo regimental. Suspensão de segurança. ICMS. Não incidência sobre a “reserva de demanda de energia elétrica contratada”. – Os temas diretamente relacionados com o mérito da demanda principal não podem ser examinados na presente via, que não substitui o recurso próprio. A suspensão de liminar, de sentença e de segurança, como cediço, limita-se a averiguar a possibilidade de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economia públicas. – Ausência de efetiva demonstração de grave lesão aos bens juridicamente tutelados pela lei de regência. Agravo regimental improvido. (AgRg na SS n. 2.367-RN, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 14.9.2010). Estas são as razões pelas quais entendo que o provimento judicial que agora se pretende a suspensão não gera lesão à ordem e economia públicas, como pretendem ver reconhecidas os requerentes. Ante o exposto, indefiro a pretensão suspensiva. P. e I. (Fls. 838-845). Como ficou demonstrado na r. decisão que agora se pretende a reforma, a discussão sobre a qual se apresenta o pedido de suspensão formulado pelos requerentes perpassa, necessariamente, a definição do termo final do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a requerida. A col. 3ª Turma do eg. TRF da 4ª Região, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 5001851-83.2013.404.0000-RS, por maioria, entendeu, analisando os documentos acostados aos autos, que a vigência do contrato de concessão celebrado entre as partes se estenderia até dezembro de 2013, conforme a ementa a seguir transcrita: Agravo de instrumento. Liminar. Concessão de rodovia. Prazo final do contrato. Os documentos trazidos aos autos apontam para a validade do contrato até dezembro/2013, conforme se observa do Termo IV do contrato. Presentes os requisitos para concessão e manutenção da liminar em sede de análise perfunctória do pedido principal. (Fl. 893). 300 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Sendo assim, sob o argumento de grave lesão à ordem pública, em razão de suposta ingerência indevida do Poder Judiciário na esfera administrativa, pretendem os requerentes a revisão nesta eg. Corte Superior do termo final do contrato de concessão celebrado entre as partes. Sustentam os agravantes que houve possivelmente um equívoco da Administração ao emitir, em 29.12.1998, o documento intitulado “Ordem de Início de Operação”, que, conjugado com a Cláusula 3.2 do Contrato de Concessão PJ/CD/050/98, resultaria no término da concessão apenas em dezembro de 2013. Como consignado na r. decisão agravada, o presente pedido de suspensão se confunde com o próprio mérito da ação principal, especialmente no que se refere à definição do prazo de vigência do contrato de concessão. Denota-se, in casu, o caráter recursal atribuído ao pedido excepcional de suspensão, o que não se coaduna com a jurisprudência remansosa da col. Corte Especial a respeito do sistema integrado de contracautelas. Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes: Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave lesão à ordem e economia públicas. Inexistência. Indevida utilização do incidente como sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido. Agravos regimentais desprovidos. I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. II - In casu, não ficou cabalmente demonstrada a grave lesão aos interesses tutelados pela legislação de regência, porquanto o dano evidenciado não revelouse grave o suficiente para o deferimento do pedido, prevalecendo, ademais, na hipótese, a defesa da saúde pública e do meio ambiente. III - Além disso, a discussão possui caráter eminentemente jurídico, revelando-se o presente pedido de suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado na via eleita. Agravos regimentais desprovidos. (AgRg na SLS n. 1.648-SP, Corte Especial, de minha relatoria, DJe de 10.12.2012). Agravo regimental. Suspensão de segurança. Concurso público. Soldado da polícia militar. Repetição da prova de aptidão física. Lesão sofrida anteriormente pelo impetrante do mandado de segurança. Efeito multiplicador e lesão à ordem pública não caracterizados. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 301 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – A liminar deferida pelo Relator do mandado de segurança, por cuidar de caso muito específico, não revela a possibilidade de surgimento de um número excessivo de demandas com idêntico fundamento. – O fato isolado verificado nestes autos, que beneficiou um único impetrante, não é suficiente para causar lesão à ordem pública. – Na linha da jurisprudência firme desta Corte, o pedido de suspensão de segurança, por não ser sucedâneo do recurso processual cabível, não constitui via adequada para enfrentar o mérito da questão jurídica discutida nos autos principais. Agravo regimental improvido. (AgRg na SS n. 1.873-PI, Corte Especial, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJe de 10.8.2009). A jurisprudência do eg. Supremo Tribunal Federal também está sedimentada no mesmo caminho (v.g. STA n. 152 AgR-PE, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJe de 11.4.2008 e SS n. 4.394 AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min Cezar Peluso, DJe de 13.10.2011). Sendo assim, não verifico a ocorrência de grave lesão à ordem pública, em sua esfera administrativa, como aduzido pelos agravantes, razão pela qual mantenho, no ponto, o r. decisum recorrido. Quanto à ocorrência iminente de grave lesão à economia pública, tampouco verifico a gravidade alegada. Isso porque, conforme destacado na r. decisão agravada, a remuneração da concessionária para a prestação dos serviços objeto do contrato decorre do pedágio previsto no instrumento contratual e não de valores desembolsados pelo Poder Público. O pedágio, no presente caso, é pago pelos consumidores como contraprestação pelos serviços disponibilizados pela concessionária. Possui, desse modo, natureza jurídica de preço público e decorre diretamente da prestação dos serviços. Não identifico, assim, como a continuidade da prestação de serviço pactuada no contrato poderá causar grave lesão à economia pública. Conforme já enfrentado por esta col. Corte Especial, para se evidenciar a grave lesão à economia pública é imprescindível, além da comprovação cabal, que a decisão objeto do pedido de suspensão possa causar transtornos de elevada monta, capaz de comprometer, de maneira irreversível e inexorável, as finanças do ente público. A propósito, dentro do sistema integrado de contracautela, cito trecho do voto proferido pelo em. Min. Cesar Asfor Rocha no AgRg na SS n. 2.367-RN 302 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (Corte Especial, DJe de 14.9.2010), em que se denota a imprescindibilidade de comprovação cabal de que a decisão objeto do pedido de suspensão causará sério transtorno à economia pública: Esclareço que o simples prejuízo econômico não justifica a concessão da suspensão de liminar, de sentença e de segurança, sendo imprescindível a efetiva comprovação de dano à economia pública, com intensidade suficiente para causar sérios transtornos ao equilíbrio das contas públicas ou ao regular andamento dos serviços da administração, o que não ocorreu. No mesmo sentido, o seguinte precedente da col. Corte Especial: Agravo regimental em pedido de suspensão. Reajuste de tarifa pelo INPC. Gás canalizado. Lesão ao interesse público não-configurada. Lei n. 8.437/1992, art. 4º. 1. No exame do pedido de suspensão, a regra é ater-se o Presidente do Tribunal às razões inscritas na Lei n. 8.437/1992, art. 4º. Somente quando a magnitude da decisão atacada implica grave lesão aos valores ali tutelados (ordem, saúde, segurança e economia públicas) caberá a medida pleiteada. 2. Não ofende o interesse público o reajuste do pagamento de gás canalizado pelo INPC a um único usuário, enquanto se discute cláusulas contratuais. 3. Não demonstração de efeito multiplicador do julgado, nem prova inequívoca do prejuízo alegado, capaz de causar impacto nas finanças públicas. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg na SLS n. 59-SC, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 19.9.2005). Sequer é cabível alegar, nessa senda, que a concessionária não estaria prestando a contento serviço delegado. Isso porque o Poder Concedente possui, seja pelo contrato, seja pela lei, os instrumentos capazes para fazer com que a concessionária preste, de modo adequado e eficiente, o serviço contratualmente acordado, não servindo o pedido de suspensão como alternativa para a correção de serviço prestado de modo insatisfatório. O Poder Público possui o dever de aplicar as sanções cabíveis em caso de descumprimento contratual, obedecidos, obviamente, os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Por essa razão, não merece prosperar, nesse ponto, o recurso dos requerentes. Por fim, os agravantes reiteram que a r. decisão objeto do pedido de suspensão poderá gerar indesejado efeito multiplicador, pois “existem 18 ações ajuizadas até o momento pelas concessionárias, relativas aos 7 Polos Rodoviários concedidos pelo Estado” (fl. 917). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 303 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A meu ver, não houve modificação do status quo que evidencie, de maneira iminente, a ocorrência do efeito multiplicador salientado pelos requerentes. Conforme destacado na r. decisão agravada, o deferimento do pedido de suspensão, com fundamento no efeito multiplicador, deve se pautar em fatos concretos já ocorridos ou em sua iminência. É imprescindível, portanto, que fique caracterizado o elevado grau de probabilidade de que novas decisões, de mesmo teor, sejam proferidas pelo Poder Judiciário. Apenas a expectativa de que pedidos com o mesmo conteúdo sejam deferidos pelo juízo a quo e mantidos pelo eg. TRF da 4ª Região não são suficientes para embasar a tese do efeito multiplicador. Cito, nesse sentido, a jurisprudência desta eg. Corte Superior: Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Lesão ao interesse e economia públicas não demonstrado. Efeito multiplicador não comprovado. - Suspensão de liminar só é oportuna quando a decisão seja potencialmente lesiva a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964. - O chamado efeito multiplicador deve ser cabalmente demonstrado. (AgRg na SLS n. 747-PE, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 7.8.2008). Processual Civil. Suspensão de tutela antecipada. Duas servidoras. Reenquadramento de grau relativo ao tempo de serviço. Lesão à ordem e economia públicas. Não ocorrência. Lei n. 8.437/1992, art. 4º. Efeito multiplicador não demonstrado. 1. Para a concessão de suspensão de segurança é imprescindível a constatação de efetivo risco de grave lesão a pelo menos um dos bens tutelados pela norma de regência: ordem, segurança, saúde e economia públicas. 2. Na hipótese, não há como se cogitar que o reenquadramento de duas servidoras, apenas no tocante ao grau relativo ao tempo de serviço, possa configurar grave dano aos cofres do Estado de Pernambuco. 3. Eventual efeito multiplicador da decisão liminar reclamada deve ser fundamentado na exposição de dados concretos, e não em meras conjecturas. 4. Agravo a que se nega provimento. (AgRg na SLS n. 22-PE, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 9.2.2005). Ademais, ao que tudo indica, as peculiaridades do caso, diante dos documentos acostados aos autos principais, no que se refere à definição do 304 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL termo final do contrato de concessão, é que nortearam a r. decisão proferida pelo d. juízo a quo e o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de origem. Não me parece, nesse juízo excepcional, que essas peculiaridades possam ser aplicadas a todas as concessões de serviço público dos demais pólos rodoviários. Essa conclusão também inviabiliza o pleito recursal fundamentado no efeito multiplicador aduzido pelos recorrentes (no mesmo sentido, v.g. AgRg no AgRg na SLS n. 1.373-CE, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe de 14.10.2011). Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.631-SP (2012/0251596-2) Relator: Ministro Presidente do STJ Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo Agravado: Rubem Ferraz de Oliveira Advogado: Walter Antônio Dias Duarte Requerido: Desembargador Relator do Mandado de Segurança n. 0029838-71.2012.8.26.0000 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo-SP EMENTA Agravo regimental na suspensão de segurança. Grave lesão à ordem pública. Inexistência. Indevida utilização do incidente como sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido. Agravo regimental desprovido. I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 305 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. II - In casu, não ficou evidenciada a grave lesão a quaisquer dos interesses tutelados pela legislação de regência, porquanto o simples trancamento de inquérito civil instaurado pelo Parquet Estadual, por ausência de justa causa, na espécie, não possuiu o condão de malferir a autonomia institucional do Ministério Público. III - Além disso, a discussão possui caráter eminentemente jurídico, revelando-se o presente pedido de suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado na via eleita, pois não se vale o incidente para verificação do acerto ou desacerto de decisões judiciais. Agravo regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Eliana Calmon, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gilson Dipp. Brasília (DF), 17 de abril de 2013 (data do julgamento). Ministro Gilson Dipp, Presidente Ministro Felix Fischer, Relator DJe 24.4.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público de São Paulo, em face de decisão proferida por esta Presidência 306 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL às fls. 148-151, na qual foi indeferido o pedido de suspensão anteriormente formulado. Nas razões de seu recurso, pretende o recorrente a reforma do decisum, afirmando, em síntese, que, “com a devida vênia, tal decisão nos parece equivocada, e desconforme posição anterior já adotada, anteriormente, por essa Colenda Corte Especial, no sentido de que a imposição de obstáculos à atividade institucional do Ministério Público ameaça a ordem administrativa e, via desta, a ordem pública [...]” (fl. 162). Sustenta, para tanto, em mais um oportunidade, que “O Acórdão, ao acolher o mandado de segurança e conceder a ordem, significou, na prática, violação à autonomia institucional do Ministério Público e da independência funcional do Procurador-Geral de Justiça que preside a investigação [...]” (fl. 169). Ressalta, ademais, que “há risco de grave lesão à ordem, pública, na medida em que a decisão proferida no Mandado de Segurança, [...] ao determinar o trancamento da investigação, revela-se nitidamente ilegal” (fl. 169). Alega, ainda, que não se pode desconsiderar o efeito multiplicador com relação a inúmeras investigações em andamento, sob a presidência do Ministério Público (172). Por manter a decisão agravada, submeto o feito à c. Corte Especial. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Colaciono-a, oportunamente, a seguir: Consoante dispõe a legislação de regência, o deferimento da suspensão de liminar e de sentença ou de segurança está condicionado a que esteja plenamente caracterizada a ocorrência de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde ou à economia públicas, tendo em vista o caráter de excepcionalidade da medida (Artigos 15 da Lei n. 12.016/2009 e 4º da Lei n. 8.437/1992). Ainda, ressalte-se que mais que a mera alegação da ocorrência de cada uma dessas situações, é necessária a efetiva comprovação do dano apontado (v.g. AgRg na SLS n. 1.100-PR, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 4.3.2010). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 307 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA In casu, o que se busca com o presente pedido é a suspensão dos efeitos do v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal a quo que determinou o trancamento de inquérito civil instaurado pelo d. Ministério Público do Estado de São Paulo, por ausência de justa causa. Contudo, o presente pedido não comporta deferimento. Em primeiro lugar, porque pode-se observar que os argumentos veiculados pelo requerente, a título de justificar a suspensão da liminar, revestem-se, em verdade, de caráter eminentemente jurídico, notadamente acerca do art. 1º, parágrafo único, e art. 3º, caput, da Lei n. 8.625, de 1993 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, e art. 127, §§1º e 2º da CR/1988. Sem embargo, não se vale o pedido de suspensão como instrumento para se verificar o acerto ou o desacerto de decisões judiciais. Nesse sentido, a jurisprudência dessa e. Corte Superior: Agravo regimental. Suspensão liminar. Indeferimento. Ausência de lesão aos bens jurídicos tutelados pela norma de regência. 1. O pedido de suspensão de liminar não tem natureza de recurso. É instrumento processual de cunho eminentemente cautelar e de natureza excepcional, no qual não se examina o mérito da causa principal nem eventual erro de julgamento ou de procedimento. 2. A lesão à ordem jurídica há de ser examinada nas vias recursais ordinárias. [...] 4. O pedido de suspensão não pode ser utilizado como via de atalho para modificar decisão desfavorável ao ente público. Agravo não provido. (AgRg na SL n. 116-MG, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 6.12.2004). De outro lado, no que tange à alegada lesão à ordem pública, penso que melhor sorte não socorre o requerente, já que, dada a natureza excepcional do instituto da suspensão de liminar, a lesão ao bem jurídico tutelado deve ser grave, devendo o requerente da medida demonstrar, de modo cabal e preciso, com o devido lastro probatório, que a manutenção do v. acórdão reprochado traria desastrosa conseqüência à autonomia institucional do Ministério Público, o que não ocorreu na espécie. Deve-se frisar que, como consignado pelo eg. Tribunal a quo, os atos eventualmente praticados e investigados pelo d. Ministério Público não possuiriam contornos de improbidade, mas sim criminais, sendo inclusive objeto de ação penal ajuizada na origem em desfavor do impetrante. 308 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Ademais, no presente caso, não se pode olvidar que o trancamento do inquérito civil gera embaraço às investigações realizadas pelo Parquet. Tampouco se desconhece a possibilidade de investigação criminal realizada pelo Ministério Público, à luz dos artigos 5º, incisos LIV e LV, 129 e 144, todos da Constituição Federal, controvérsia que inclusive já possui repercussão geral reconhecida pelo c. Pretório Excelso (RE n. 593.727-RG-MG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 25.9.2009). Entretanto, tenho que o v. acórdão objurgado não possui o condão de causar grave lesão à ordem pública, apta a justificar o deferimento do presente pedido, o qual, repito, só se justifica em situações excepcionais. A meu ver, a discussão apresentada neste pedido de suspensão diz respeito apenas à ausência de justa causa para instauração do inquérito civil, e não à uma eventual ilegitimidade de instauração do procedimento pelo Parquet. Ante o exposto, por não vislumbrar qualquer lesão aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, indefiro o presente pedido de suspensão. P. e I. Como ficou demonstrado na decisão que agora se pretende a reforma, não se admite a utilização do pedido de suspensão no intuito de reformar a decisão atacada, de modo a caracterizá-lo como um sucedâneo recursal, olvidando-se de demonstrar, cabalmente, o grave dano que ela poderia causar à saúde, segurança, economia e ordem públicas. Neste sentido, cumpre ressaltar que os argumentos veiculados pelo recorrente, a título de justificar a suspensão da segurança concedida pelo eg. Tribunal a quo, revestem-se, em verdade, de caráter eminentemente jurídico, porquanto focalizam, especialmente, a necessidade de observância do art. 1º, parágrafo único, e art. 3º, caput, da Lei n. 8.625, de 1993 - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, e art. 127, §§ 1º e 2º da CR/1988. O presente instrumento judicial, portanto, não deve substituir os recursos processuais adequados, até porque, consoante a uníssona jurisprudência desta Corte, não há que se analisar, no pedido extremo de suspensão, a legalidade ou ilegalidade das decisões proferidas. Neste sentido: Agravo regimental. Suspensão de segurança. Município. Contrato administrativo. Onerosidade contratual. Matéria de mérito. Impossível o exame na via eleita. Lesão à ordem e economia públicas. Demonstração. Ausente. - Suspensão de liminar só é oportuna quando houver perigo de lesão a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964. - A lei outorga ao Poder Público a possibilidade, pelo meio adequado, de rever as cláusulas que onerem o interesse público de forma desequilibrada. A suspensão de segurança não se presta a este mister. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 309 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Não se admite, em suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia (AgRg na SLS n. 846-SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 7.8.2008). Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença acolhida apenas parcialmente. Energia elétrica. Índice de reajuste de tarifa. Devolução de importâncias pela agravante já afastada na decisão agravada. Exame de questões jurídicas de mérito. Impossibilidade. – As questões relacionadas à legalidade das decisões de segundo grau constituem temas jurídicos de mérito, os quais ultrapassam os limites traçados para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais adequados. Agravo regimental improvido (AgRg na SLS n. 1.255-SP, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.9.2010). A jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal também está sedimentada no mesmo caminho (v.g. STA n. 152 AgR-PE, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJe de 11.4.2008 e SS n. 4.394 AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min Cezar Peluso, DJe de 13.10.2011). De outro lado, em relação à existência de precedente desta c. Corte Especial no sentido de que a imposição de obstáculos à atividade institucional do Ministério Público ameaça a ordem administrativa e, via desta, a ordem pública (AgRg na SS n. 1.045-RJ, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 30.8.2004), entendo que a hipótese tratada naquele caso diferia da situação trazida no presente incidente. É que, naquele, ficou demonstrado que o inquérito civil foi instaurado “para investigar o respeito ao patrimônio público e a observância dos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública dos fatos noticiados a esta Procuradoria da República atribuídos ao juiz José Maria de Mello Porto, durante o exercício da presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região e outras questões relacionadas a estes”, enquanto que na hipótese dos autos o inquérito foi instaurado para investigar conduta que, a toda evidência, não possuiria contornos de improbidade, mas sim criminais, sendo inclusive objeto de ação penal ajuizada na origem em desfavor do impetrante do mandado de segurança. Frise-se, por último, que o d. Ministério Público Federal, intimado da decisão proferida às fls. 148-151, não manifestou interesse em recorrer, pois 310 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL entendeu o Parquet Federal que “o v. acórdão objurgado não possui o condão de causar grave lesão a ordem pública” (fl. 175). Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto. INTERVENÇÃO FEDERAL N. 100-PR (2005/0129140-6) Relator: Ministro Humberto Martins Reqste: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná UF: Estado do Paraná Procurador: Cesar Augusto Binder e outro(s) Interessado: Antônio Joaquim de Paula Cordeiro - espólio Interessado: João de Paula Cordeiro - espólio Interessado: Clotilde Ribas de Paula - espólio Interessado: Francisco de Paula Cordeiro - espólio Interessado: Hermancia Nascimento Cordeiro - espólio Interessado: César de Paula Cordeiro - espólio Representado por: Henrique Cechet - inventariante Advogado: Eloi Tambosi EMENTA Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de ordem judicial. Força policial para cumprir reintegração de posse de imóvel urbano caracterizada. Art. 34, VI, da Constituição Federal. Precedentes. 1. Cuida-se de pedido de intervenção federal oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em razão da omissão em ofertar força policial para garantir o cumprimento de ordem judicial de reintegração de posse, já transitada em julgado, com fulcro no art. 34, VI, da Constituição Federal. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 311 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. Na fase judicial do pedido de intervenção federal deve ser sindicada a existência dos requisitos autorizadores de sua procedência; no caso concreto, resta demonstrada a inação ausente de motivos e de justificativas do Poder Executivo local, que - na linha de precedentes desta Corte Especial - autoriza o deferimento do pleito. Precedentes: IF n. 109-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7.11.2012, pendente de publicação; IF n. 106-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 12.5.2010; IF n. 103-PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, Corte Especial, DJe 21.8.2008; IF n. 87-PR, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 27.11.2008; IF n. 94-PR, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, DJ 8.10.2007, p. 187; e IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, DJ 18.12.2006, p. 274. Intervenção federal procedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente o pedido de intervenção federal, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Raul Araújo Filho, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Laurita Vaz, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho. Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro Jorge Mussi. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo Filho. Brasília (DF), 20 de fevereiro de 2013 (data do julgamento). Ministro Felix Fischer, Presidente Ministro Humberto Martins, Relator DJe 4.3.2013 312 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL RELATÓRIO O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de requerimento de intervenção federal apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, formulado pelo espólio de Antônio Joaquim de Paula Cordeiro, João de Paula Cordeiro, Clotilde Ribas de Paula, Francisco de Paula Cordeiro, Hermancia Nascimento Cordeiro e César de Paula Cordeiro, todos representados pelo inventariante Henrique Cechet, com fulcro no art. 34, incisos IV e VI da Constituição Federal. Na sua petição inicial (fls. 2-4), os requerentes alegam que deram entrada em ação de reintegração de posse de imóvel urbano, tendo obtido ordem judicial transitada em julgado neste sentido. Expõem que houve diversas tentativas das autoridades judiciais em requerer força policial para o cumprimento, sempre infrutíferas, por inação do Poder Executivo local. Por fim, postulam que deve ser decretada a intervenção federal na unidade federativa, em razão do descumprimento das suas competências constitucionais. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, acolheu o pedido em acórdão cuja ementa transcrevo (fl. 736): Pedido de intervenção federal no Estado. Não cumprimento à ordem judicial. Ocupação de área urbana. Determinação de reforço policial para execução de ordem de reintegração de posse. Decisão judicial não cumprida. Omissão estatal. Violação ao princípio da obrigatoriedade do cumprimento da ordem judicial. Deferimento do pedido. - Tratando-se de decisão judicial não cumprida e não caracterizado o atraso circunstancial, constitui-se em flagrante ofensa ao princípio constitucional do cumprimento de decisão judicial, o não atendimento à requisição judicial de força policial para a efetivação de reintegração na posse dos legítimos herdeiros dos imóveis ocupados, deferindo-se o pleito de intervenção federal, nos termos do artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal. Os autos foram remetidos ao STJ. O Parquet Federal opinou no sentido da procedência do pedido, em parecer cuja ementa é a seguinte (fl. 770): Intervenção federal. Descumprimento injustificado pelo Executivo Estadual de decisão do Tribunal de Justiça do Estado. Requisição de auxílio policial. Mandado de reintegração de posse. Procedência do pedido. - Os documentos juntados às fls. 07-658 são capazes de comprovar que, de fato, o acórdão de fls. 366-378 (TJPR), transitado em julgado (fl. 379) no ano de 2000, vem tendo o seu cumprimento (mandado de reintegração de posse) obstado pela unidade federativa requerida RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 313 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Paraná), por negativa de auxílio de reforço policial, sem qualquer argumento plausível, ou mesmo demonstração de providências administrativas concretas para a solução da situação (fls. 679-684), o que sem dúvida constitui atraso injustificado (5 anos), capaz de autorizar a procedência da presente intervenção federal. O Estado do Paraná juntou informações da Secretaria de Estado de Segurança Pública (fls. 775-786). Os autos foram distribuídos ao Min. Aldir Passarinho Júnior, que os remeteu ao MPF para que opinasse acerca das informações juntadas (fl. 794). O Subprocurador-Geral da República exarou longo parecer no qual reconsiderou sua manifestação anterior, e opina pela improcedência do pedido (fls. 796-808). Juntou acórdão do TRF da 4ª Região (fls. 809-829). Juntou cópias de consultas processuais referentes ao TJ do Paraná (fls. 830-832). O Relator determinou que os requerentes se manifestassem sobre o interesse em prosseguir com o feito (fl. 834). Houve a manifestação dos requerentes quanto ao prosseguimento do feito (fl. 841). O Estado do Paraná manifestou-se no sentido da perda do objeto do presente feito, devido os requerentes terem ajuizado duas ações de indenização em razão do que alegam ser uma desapropriação indireta pelo poder público. Alega que os dois pleitos são incompatíveis (fls. 860-861). Os requerentes alegam que as duas ações mencionadas n. 667/2000 n. 303/2002) dizem respeito a terrenos que não estariam abrangidos na decisão judicial transitada em julgado e, assim, não haveria qualquer incompatibilidade (fls. 879-880). O Subprocurador-Geral da República novamente reconsidera sua opinião, aduzindo que o Estado do Paraná não comprovou suas alegações no sentido de que haveria perda do objeto da presente intervenção federal. Em razão disto, opina pelo deferimento do pedido de intervenção federal (fls. 882-889). É, no essencial, o relatório. VOTO O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Deve ser julgado procedente o pedido de intervenção federal, na linha dos precedentes que têm sido acordados na Corte Especial do STJ. 314 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL DOS FATOS QUE ENSEJARAM O PEDIDO Denota-se dos autos que há a ausência de cumprimento de uma ordem judicial derivada de acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (fls. 366-378), cuja ementa transcrevo: Apelação cível. Reintegração de posse improcedida “a quo”. Invasão de área urbana por diversas famílias, com rompimento de cercas demarcatórias. Esbulho configurado e comprovação possessória por recorrentes através de laudo pericial bastante aos requisitos do art. 927, CPC. Precedentes jurisprudenciais. Recurso acolhido. Inversão sucumbencial. Todavia, logo depois, compareceu aos autos a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab-CT), com petição na qual alega serem três os lotes de propriedade do município; que outros são de propriedade da Caixa Econômica Federal e, ainda, outros registrados em nome de particulares. Pediu a suspensão da execução para buscar uma solução pacífica (fls. 390-392). Os requerentes replicaram que estava - desde início - evidente o imbróglio com a CEF. Ainda, que a relação entre os espólios e a empresa pública federal era condominial. Também, frisaram que a CEF foi chamada à ação de reintegração de posse, porém pediu sua exclusão da lide. Logo, não haveria razão ao petitório (fls. 483-484). Cabe notar que a execução não foi suspensa, e que o Oficial de Justiça intimou diversos moradores, no dia 3.6.2000, para que desocupassem a área em 15 (quinze) dias (fls. 415-417). As Intimações são múltiplas e volumosas (fls. 419-482). O juízo de primeira instância determinou e permitiu que fossem opostos embargos de terceiros pela Cohab-CT, ou pela CEF, ou, ainda, por quaisquer outros interessados. Todavia, não houve manifestação (fl. 554). O processo judicial - em relação ao juízo de primeira instância - foi considerado findo, já que o tema estava transitado em julgado. O que restava era somente o cumprimento da ordem judicial. Logo, foi postulada ao Comandante da Polícia Militar a oferta de força policial para o cumprimento do mandado de reintegração de posse (fl. 557). Houve negativa (fl. 560). Novo ofício e ausência de resposta (fl. 565). RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 315 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A Secretaria Estadual de Segurança Pública abriu processo administrativo para realizar os estudos e planos sem, todavia, executá-los. O magistrado estadual do Juízo da 11ª Vara Cível, novamente, remeteu ofício ao Secretário de Segurança Pública, exigindo explicações pelo não cumprimento da ordem judicial (fl. 634). Ausente de resposta, houve reiteração (fl. 638). Após as negativas do Secretário, o Juiz da 11ª Vara Cível oficiou ao Governador de Estado, Roberto Requião, determinando (fl. 643): Senhor Governador, Pelo presente, expedido nos autos de Reintegração de Posse, n. 33.489/1985, no qual figuram como requerentes espólio de Antonio Joaquim de Paula Cordeiro e outra e requeridos Anderson Monteiro e outros, solicito a Vossa Excelência os bons préstimos, para que no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, em medida de urgência, desloque força policial para acompanhar o Sr. Oficial de Justiça desta Vara, Cláudio Leites Junior, telefone 9977-2395, e desta forma viabilizar o cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse, expedido em favor dos requeridos, relativamente à área territorial compreendida entre as Ruas Dalila Roulin Vargas e Herculano de Araújo e córregos que delimitam a área do Potreiro Grande, Neste Capital. Informando, ainda, que sendo necessário, foi deferida ordem de arrombamento. Solicito ainda que seja informado a este Juízo o motivo do não cumprimento da ordem judicial transitada em julgado. Da ausência de resposta, o Juízo da 11ª Vara Cível concluiu que não haveria a possibilidade de que o Estado do Paraná ofertasse a força policial, e despachou (fl. 653): Autos n. 33.489/85 Recebi hoje. O descumprimento da ordem judicial pelas autoridades públicas estaduais é fato que enseja a decretação de intervenção no ente federativo, providência esta que deve ser decretada diretamente pelo Tribunal de Justiça, nos termos da legislação vigente. Posto isso, nada há para ser deferido nesta instância, incumbindo aos autores promoverem, perante o Juízo competente, as medidas necessárias à defesa de seus interesses. Intimem-se. Curitiba, 25.11.2003. Inicialmente, cabe anotar que a intervenção federal é um procedimento complexo, que envolve uma fase judicial e demais providências adstritas ao 316 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo da República Federativa. Assim, para sua efetivação, é necessária a conjugação de competências e de ações. Segundo o magistério de Francisco Bilac Pinto Filho: A intervenção é mecanismo constitucional de intromissão do governo central em assuntos dos Estados-membros para que se evite, principalmente, conturbações à ordem instaurada. Ela é a supressão, ainda que temporária, da autonomia estadual, para se alcançar em “bem superior”, que é a indissolubilidade da Federação. (Comentários aos artigos 34 a 36. In: Jorge Miranda, Paulo Bonavides, Walber de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 654.) No mesmo sentido, leciona José Afonso da Silva: Intervenção é antítese da autonomia. Por ela afasta-se momentaneamente a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha sofrido Uma vez que a Constituição assegura a essas entidades a autonomia como princípio básico da forma de Estado adotada, decorre daí que a intervenção é medida excepcional, e só há de ocorrer nos casos nela taxativamente estabelecidos e indicados como exceção ao princípio da não intervenção, conforme o artigo 34 (...) e o art. 35. (In: Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 485.) A atuação da Corte Especial do STJ é apenas uma das fases de um longo processamento que envolveu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e, em caso de haver procedência, deve ensejar a correspondente atuação do Poder Executivo Federal para que se concretize. Bem se vê que a medida excepcionalíssima da intervenção federal só pode ser autorizada pelo Poder Judiciário em face de situação fática que se amolde nas hipóteses jurídicas estritamente previstas pela Constituição Federal. No caso em comento, a hipótese trazida diz respeito à negativa reiterada de fornecer força policial para garantir o cumprimento de ordem judicial. É o inciso VI do art. 34 da Carta Política que abarca tal situação. Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 317 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Como bem indica Francisco Bilac Pinto Filho, essa situação, em princípio, não requer que a ordem judicial esteja transitada em julgado. A ofensa dirigida à autoridade do Poder Judiciário, em si, já constituiria uma hipótese: Outro relevante ponto no que toca a ordens de decisões judiciais é sobre a definitividade das mesmas. Desde a Constituição de 1891, que falava em sentenças federais, a doutrina já adotava entendimento realista. Não se concebia que, apenas uma sentença transitada em julgado, pudesse ser objeto de apreciação da Suprema Corte para os fins de requisição de intervenção. Assim, desde a primeira Constituição Republicana já se adotou a compreensão que poder-se-ia tratar-se de mera ordem ou decisão judicial, desde que fosse federal. (...) Como dissemos, a partir da Constituição de 1946, todas as demais Constituições não repetiram a exigência da federalidade da decisão, e as constituições de 1934, 1946, 1967 (Emenda n. 1 de 1969) e 1988 não falaram em sentenças e sim ordens ou decisões judiciais. Desse modo, toda e qualquer ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, independente de seu trânsito em julgado, uma vez desrespeitada, reclama uma possível intervenção federal. Manifestamente, tanto os órgãos superiores dos Tribunais Estaduais e Tribunais Federais farão a devida apreciação dos pedidos de intervenção, utilizando-se da percuciência característica dos órgãos colegiados, para atingir-se o entendimento de que esta ou aquela decisão, ainda que sejam sejam definitivas, pela sua gravidade, pode e devem ensejar a medida extrema. (Comentários aos artigos 34 a 36. In: Jorge Miranda, Paulo Bonavides, Walber de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 669.) Bem equacionada e descrita a ação típica em comento e as normas jurídicas envolvidas, passo à apreciação detida do caso concreto. DO CASO CONCRETO No caso concreto, tem-se que há uma ordem judicial emanada pelo Poder Judiciário Estadual que determinou a reintegração de posse de um imóvel urbano ocupado. O Tribunal de origem assim relatou a controvérsia (fl. 737) Os espólios de Antonio Joaquim de Paula Cordeiro, de João de Paula Cordeiro e sua mulher Clotilde Ribas de Paula, de Francisco Paula Cordeiro e sua mulher, Hermancia Nascimento Cordeiro e de César de Paula Cordeiro, todos representados pelo inventariante, Henrique Chechet, formularam pedido de intervenção federal no Estado do Paraná ao argumento de que este não deu cumprimento à ordem judicial de reintegração de posse, expedido pelo douto 318 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL juízo de Direito da Décima Primeira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, nos autos de Ação de Reintegração de Posse, autuada sob o n. 33.489/95. E, para tanto, em breve escorço, alegam que, em 18 mar. 82, ingressaram com a Ação de Reintegração de Posse perante a Vara Cível da Justiça Federal de Curitiba, autuada sob o n. 5.308/82, em decorrência da invasão ocorrida numa área de aproxidamente 38.000 m2 do imóvel urbano de sua propriedade, localizado no Distrito do Portão, desta capital. O Tribunal de Justiça Estadual analisou a documentação acostada aos autos e considerou que os requisitos para autorização da intervenção federal estavam presentes, nos seguintes termos (fls. 743-744): Não obstante a situação social envolvida nas questões relativas a ocupações de imóveis urbanos ou rurais, por posseiros e suas famílias, não se pode admitir tal circunstância como justificativa para desatendimento de decisão judicial, sob pena de subversão da própria ordem constitucional. Muito embora tenha o requerido revelado sua intenção de equacionar administrativamente o conflito, verifica-se que nenhuma providência foi efetivada, ou qualquer proposta concreta foi efetuada nesse sentido, impondo-se, pois, o acolhimento da presente representação. Lamentavelmente, esgotaram-se todos os meios legais tendentes ao cumprimento da decisão judicial, só restando o deferimento da presente representação, para o fim de requisitar a intervenção federal no Estado do Paraná, conforme o disposto no artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal e artigo 101, inciso VI, da Carta Estadual. Assim, os autos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, para que, nos termos do art. 36, inciso II, da Constituição Federal, esta Corte Superior pronunciasse sobre tema: Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (...) II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; O processamento interno do requerimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é apenas mais um dos momentos judiciários da autorização para intervenção federal. Se for julgado procedente, será o acórdão comunicado à Presidência República, a quem caberá praticar as providências ulteriores: RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 319 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Art. 312. A requisição de intervenção federal, prevista nos artigos 34, VI e 36, II e IV, da Constituição, será promovida: I - de ofício, ou mediante pedido do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, ou do Presidente de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão judicial, com ressalva, conforme a matéria, da competência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral (Constituição, art. 34, VI, e art. 36, II); (...) Art. 315. Julgado procedente o pedido, o Presidente do Tribunal comunicará imediatamente a decisão aos órgãos interessados do Poder Público e requisitará a intervenção ao Presidente da República. A Corte Especial do STJ tem julgado procedentes os diversos pedidos de intervenção federal oriundos do Estado do Paraná. Usualmente, tais pedidos estão cingidos a imóveis rurais, nos quais há um claro desrespeito à autoridade do Poder Judiciário local em suas determinações judiciais para reintegrar a posse de imóvel ocupado. A propósito, os precedentes: Recusa de cumprimento a decisão judicial. Reintegração na posse. Invasão de propriedade rural pelo movimento de trabalhadores sem-terra. Política pública do Estado do Paraná no sentido de só promover desocupações pacíficas. Promessa, pelo Incra, de indicação de área para alocar os trabalhadores. Medida que vem sendo adiada há mais de cinco anos. Argumentação de que a terra controvertida é da União e de que o fato será demonstrado em ação anulatória de título de propriedade. Irrelevância, no momento. Descumprimento caracterizado. Intervenção deferida. 1. O deferimento de uma ordem liminar deve ser combatido em juízo, mediante a interposição dos recursos cabíveis. A partir do trânsito em julgado formal de uma determinação judicial, compete ao Estado disponibilizar meios para garantir seu cabal cumprimento. 2. Caracterizada nos autos a existência de uma política pública, no âmbito do Estado do Paraná, de apenas dar cumprimento a ordens de reintegração de posse em fazendas por via pacífica, gerando a existência de mais de 400 processos em que tais determinações não foram cumpridas, uma providência urgente deve ser tomada. A situação torna-se especialmente grave pelas informações contidas nos autos, de que multas diárias vêm sendo aplicadas a agentes públicas a quem não incumbe, ao menos de maneira direta, a formulação dessa política pública, inclusive com penhora de bens para alienação judicial. 320 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 3. A reiterada promessa, por parte do Incra, de indicar áreas para as quais os invasores deverão ser transferidos, não pode mais adiar a solução da controvérsia, que se arrasta por mais de cinco anos. 4. A conclusão do Incra de que a terra comprometida pertence à União, e as ponderações no sentido da propositura de uma ação de anulação dos títulos dominiais, também não modificam a necessidade de providências urgentes. Se tal ação deverá ser proposta, compete aos órgãos responsáveis agir de pronto, requisitando, se for o caso, uma medida liminar que autorize a permanência dos trabalhadores sem terra na área. O que não se pode fazer é negar, simplesmente, cumprimento a uma decisão judicial válida. 5. Pedido de intervenção deferido. (IF n. 109-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 7.11.2012, acórdão pendente de publicação.) Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Ação de reintegração de posse. 1. A intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva da autonomia do ente federativo. Daí as hipóteses de cabimento serem taxativamente previstas na Constituição da República, em seu artigo 34. 2. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se impõe nas hipóteses em que o Executivo Estadual deixa de fornecer força policial para o cumprimento de ordem judicial. 3. Intervenção federal julgada procedente. (IF n. 106-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 12.4.2010, DJe 12.5.2010.) Intervenção federal. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Ação de reintegração de posse. Embora seja medida de natureza especialíssima e grave, a intervenção federal é de rigor quando o Executivo Estadual deixa de fornecer força policial para o cumprimento de ordem judicial. (IF n. 87-PR, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 5.11.2008, DJe 27.11.2008.) Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Reforço policial. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Perda de objeto. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência desta Corte, impõe-se a procedência do pedido de intervenção federal nas hipóteses em que o Poder Executivo não fornece o reforço policial necessário para o fim de efetivar o cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado, de reintegração de posse de imóvel rural invadido por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 321 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. O fato de existir proposta de venda do imóvel não torna sem efeito a decisão judicial que julgou procedente o pedido de reintegração de posse, nem tampouco retira o direito da requisitante de reaver seu bem, não se mostrando razoável reconhecer que houve perda de objeto do pedido de intervenção federal. 3. Pedido de intervenção federal julgado procedente. (IF n. 103-PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, Corte Especial, julgado em 4.6.2008, DJe 21.8.2008.) Constitucional. Intervenção federal. Estado do Paraná. Imóvel rural invadido pelo MST. Reintegração de posse concedida. Descumprimento de decisão judicial. Atraso injustificável. Contumácia. Vastidão de precedentes. 1. Pedido de Intervenção Federal requerido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em face de descumprimento de ordem judicial (medida liminar) oriunda daquela Corte que determinou reintegração na posse dos titulares de imóvel rural invadido por grupo denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. 2. A via da intervenção federal, de natureza especialíssima e grave, só deve ser aberta quando em situações extremas e se apresentar manifesta a intenção do Poder Executivo, pela sua autoridade maior, de conduta inequívoca de descumprimento de decisão judicial, como se insere na presente lide. 3. Em diversos casos semelhantes ao presente, a distinta Corte Especial deste Sodalício decidiu que, ante a recalcitrância do Estado do Paraná em descumprir decisões judiciais de reintegração de posse – mesmo que de natureza provisória – quando o esbulho é perpetrado por ditos movimentos sociais sem que houvesse qualquer justificativa plausível ou mesmo atos concretos nesse sentido, é de se deferir o pedido de intervenção federal. 4. O indeferimento do pedido implicaria despir de eficácia e autoridade as decisões judiciais, importando num indesejável e crescente enfraquecimento do Poder Judiciário, transmudando a coercibilidade e o comando inerentes aos provimentos judiciais em simples aconselhamento destituído de eficácia, ainda mais quando caracterizada a contumácia no descumprimento. 5. “É irrelevante o fato de não ser definitiva a decisão exeqüenda. Dizer que somente o desrespeito à decisão definitiva justifica a intervenção é reduzir as decisões cautelares à simples inutilidade.” (IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.12.2006). 6. Vastidão de precedentes: IF n. 91-RO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.2.2006; IF n. 22-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 6.6.2005; IF n. 70-PR, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 2.5.2005; IF n. 86-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.6.2004; IF n. 76-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.10.2003, dentre outros. 7. Pedido de intervenção deferido. 322 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (IF n. 94-PR, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, julgado em 19.9.2007, DJ 8.10.2007, p. 187.) Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Invasão Movimento dos Sem Terra - MST. Decisão liminar não cumprida. Retardo por dois anos. - Evidenciada a manifesta inércia do Poder Executivo Estadual quanto ao cumprimento da decisão judicial, decorridos dois anos da concessão da liminar reintegratória de posse, justifica-se a intervenção federal. - É irrelevante o fato de não ser definitiva a decisão exeqüenda Precedentes. - Dizer que somente o desrespeito à decisão definitiva justifica a intervenção é reduzir as decisões cautelares à simples inutilidade. (IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 6.12.2006, DJ 18.12.2006, p. 274.) Ante o exposto, julgo procedente o pedido de intervenção federal. É como penso. É como voto. RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 323 Primeira Seção EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.235.844-MG (2011/0115144-6) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques Relator para o acórdão: Ministro Arnaldo Esteves Lima Embargante: Douglas Marçal de Lourdes Advogado: Antônio José B Bresci e outro(s) Embargado: Município de Albertina Advogados: Tarso Duarte de Tassis e outro(s) Bernardo Romanizio de Carvalho e outro(s) Ana Luisa Bueno Domingues e outro(s) EMENTA Administrativo. Processo Civil. Embargos de divergência no recurso especial. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Prorrogação do certame. Ausência de motivação. Direito subjetivo à nomeação. Reconhecimento. Embargos acolhidos. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se firmando no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação. E, durante o prazo de validade do concurso, possui a Administração discricionariedade para convocar os aprovados. 2. A Constituição Federal, no inciso III do art. 37, dispõe que “o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período”. Embora não esteja expressamente disposto no texto constitucional, para que haja razoabilidade na ação administrativa, todos os atos da Administração devem ser motivados. 3. Dentro do prazo de dois anos originariamente estabelecido no edital, a Administração escolherá a data que entender adequada para a nomeação dos candidatos aprovados. No entanto, havendo prorrogação, esta deve ser motivada com as razões do não preenchimento dos cargos disponibilizados em respeito aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da motivação. 4. Embargos de divergência acolhidos. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator, Benedito Gonçalves e Diva Malerbi (Desembargadora Federal convocada TRF 3ª Região), conhecer dos embargos e dar-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima os Srs. Ministros Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Humbertos Martins (voto-desempate). Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Ari Pargendler, Teori Albino Zavascki e Castro Meira. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins. Brasília (DF), 14 de novembro de 2012 (data do julgamento). Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator DJe 28.2.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de embargos de divergência interpostos por Douglas Marçal de Lourdes contra acórdão da Primeira Turma desta Corte Superior, relator Ministro Hamilton Carvalhido, ementado nos seguintes termos: Agravo regimental em recurso especial. Direito Administrativo. Concurso público. Direito à nomeação. Inexistência. Ausência do transcurso do prazo de validade. 1. Possui expectativa de direito à nomeação o aprovado dentro do número de vagas enquanto não expirado o prazo de validade do concurso, período dentro do qual possui a Administração Pública discricionariedade em relação ao momento da nomeação. 2. “(...) como o certame ainda está dentro de seu prazo de validade, as efetivas nomeação e posse devem guardar observância aos critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública.” (RMS n. 32.660-RN, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, in DJe 12.11.2010). 3. Agravo regimental improvido. 328 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO O recorrente sustenta que a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo a nomeação e, não, expectativa de direito. Aduz dissídio com o AgRg no RMS n. 32.891-RO, o RMS n. 31.611-SP e o AgRg no Ag n. 1.331.833-BA, todos de relatoria do Ministro Humberto Martins. Requer que sejam recebidos e providos os presentes embargos de divergência, a fim de que prevaleça a orientação adotada pelos acórdãos paradigmas. Instada a se manifestar, o embargado apresentou impugnação. É o relatório. VOTO Ementa: Embargos de divergência. Administrativo. Concurso público. Candidato classificado dentro do número de vagas previstas no edital. Direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso. 1. Trata-se os autos de embargos de divergência em que o embargante suscita suposto dissídio jurisprudencial entre as Primeira e Segunda Turmas no que tange a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital conferir ao candidato direito subjetivo a nomeação e, não, expectativa de direito. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo a nomeação e posse dentro do período de validade do certame. Este entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10.8.2011, repercussão geral, mérito DJ 3.10.2011. 3. O ora embargante foi aprovado em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital. Ocorre que, conforme informações prestadas na impugnação apresentada pelo Município de Albertina (fls. 363), o prazo de validade do concurso foi prorrogado, expirando apenas em agosto de 2013. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 329 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4. Como o concurso ainda não expirou, não se pode deferir de imediato a nomeação, pois apesar do recorrente ter sido aprovado no concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital, deve-se respeitar a discricionariedade da Administração Pública para determinar a nomeação dos candidatos aprovados, a qual deve ser limitada à conveniência e oportunidade da convocação dos aprovados dentro do período de validade do certame. 5. Embargos de divergência não providos. O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se os autos de embargos de divergência em que o embargante suscita suposto dissídio jurisprudencial entre as Primeira e Segunda Turmas no que tange a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital conferir ao candidato direito subjetivo a nomeação e, não, expectativa de direito. Preceituam os arts. 546 do CPC e 266 do RISTJ que o cabimento dos embargos de divergência restringe-se às hipóteses em que configurada a diversidade de tratamento jurídico aplicado a situações idênticas por esta Corte Superior na apreciação e julgamento de recursos especiais pelas Turmas, Seções ou Corte Especial. Ponderadas as hipótese de cabimento do recurso em questão, entendo que, apesar dos presentes embargos de divergência merecerem conhecimento, eles não podem ser providos. Vejamos. Esta Corte Superior adota entendimento segundo o qual a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo a nomeação e posse dentro do período de validade do certame. Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes: Agravo regimental. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Candidato classificado dentro do número de vagas previstas no edital. Direito líquido e certo à nomeação. Ocorrência. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte e do Supremo, têm direito à nomeação os candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecidas no edital de concurso. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS n. 28.671-MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10.4.2012, DJe 25.4.2012). 330 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Agravo regimental no recurso em mandado de segurança. Administrativo. Concurso público. Candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital. Direito subjetivo à nomeação. 1 - O candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso. Precedentes do STJ e do STF. 2 - Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS n. 29.680-RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 13.3.2012, DJe 29.3.2012). Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Necessidade do preenchimento de vagas previstas no edital caracterizada por ato inequívoco da Administração. Direito subjetivo à nomeação. 1. Na origem, cuida-se de mandado de segurança em que se busca a nomeação da impetrante para o cargo de Oficial de Justiça da Comarca de Ilhéus, tendo em vista a sua aprovação dentro do número de vagas previsto no edital e o período de validade deste ainda não expirado. 2. Esta Corte já concluiu que a desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não-preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas. Precedentes. 3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (RMS n. 34.990-BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7.2.2012, DJe 14.2.2012). Administrativo. Concurso público. Decadência do mandamus. Ausência. Marco inicial. Término da validade do concurso. Candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital. Direito à nomeação. 1. O marco inicial para a contagem do prazo decadencial do Mandado de Segurança contra a ausência de nomeação de aprovados em concurso público é a data do término do prazo de validade deste. 2. O atual entendimento dos Tribunais Superiores é de que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação e à posse no cargo almejado, e não mera expectativa de direito. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 57.493-BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 2.2.2012, DJe 24.2.2012) Este entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10.8.2011, Repercussão Geral, Mérito DJ 3.10.2011, in verbis: RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 331 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Concurso público. Previsão de vagas em edital. Direito à nomeação dos candidatos aprovados. I. Direito à nomeação. Candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. Administração Pública. Princípio da segurança jurídica. Boa-fé. Proteção à confiança. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. Situações excepcionais. Necessidade de motivação. Controle pelo Poder Judiciário. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo 332 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. Força normativa do princípio do concurso público. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. Negado provimento ao recurso extraordinário. O ora embargante foi aprovado em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital. Ocorre que, conforme informações prestadas na impugnação apresentada pelo Município de Albertina (fls. 363), o prazo de validade do concurso foi prorrogado, expirando apenas em agosto de 2013. Assim, como o concurso ainda não expirou, não se pode deferir de imediato a nomeação, pois apesar do recorrente ter sido aprovado no concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital, devese respeitar a discricionariedade da Administração Pública para determinar a nomeação dos candidatos aprovados, a qual deve ser limitada à conveniência e oportunidade da convocação dos aprovados dentro do período de validade do certame. Pelas razões expostas, nego provimento aos embargos de divergência. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 333 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO VENCEDOR O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de embargos de divergência interpostos por Douglas Marçal de Lourdes contra acórdão da Primeira Turma assim ementado (fl. 268e): Agravo regimental em recurso especial. Direito Administrativo. Concurso público. Direito à nomeação. Inexistência. Ausência do transcurso do prazo de validade. 1. Possui expectativa de direito à nomeação o aprovado dentro do número de vagas enquanto não expirado o prazo de validade do concurso, período dentro do qual possui a Administração Pública discricionariedade em relação ao momento da nomeação. 2. “(...) como o certame ainda está dentro de seu prazo de validade, as efetivas nomeação e posse devem guardar observância aos critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública.” (RMS n. 32.660-RN, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, in DJe 12.11.2010). 3. Agravo regimental improvido. Em suas razões, sustenta o embargante dissídio jurisprudencial com julgados da Segunda Turma, proferidos no AgRg no RMS n. 32.891-RN e AgRg no Ag n. 1.331.833-BA, ambos da Rel. Min. Humberto Martins, segundo os quais “o candidato aprovado no número de vagas fixadas no Edital possui o direito subjetivo à nomeação, não havendo mera expectativa de direito” (fl. 311e). É o relatório. O eminente Relator conheceu do recurso, porém lhe negou provimento por consignar que, apesar de o candidato, ora recorrente, ter sido aprovado no concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital, o certame ainda não expirou. Dessa forma, não se pode deferir de imediato a nomeação, em respeito à discricionariedade da Administração Pública para determinar a nomeação dos candidatos aprovados, a qual se deve limitar aos critérios da conveniência e da oportunidade. Pedindo vênia ao Ministro Relator, entendo que o recurso merece ser provido. A jurisprudência, desde há muito, vem se firmando no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação. E, durante o prazo de validade do concurso, possui a Administração discricionariedade para convocar os aprovados. 334 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO No entanto, aqui há um aspecto peculiar. É que a validade do concurso em tela, originariamente, é por dois anos. E ele foi prorrogado – e a Constituição assim prevê – por mais dois. Porém, entendo que essa prorrogação deveria ser justificada, porque fica muito ao alvedrio do Administrador prorrogar. Quer dizer, uma pessoa faz um concurso e vai ficar quatro anos aguardando para ser nomeado. A Constituição prevê a possibilidade de prorrogação, mas, por outro lado, temos que levar em conta que não é razoável que essa prorrogação se dê, pura e simplesmente, pela vontade do Administrador. Dois anos são mais do que suficientes para esse planejamento e para nomear ou justificar as razões da não nomeação. Então, sobre essa prorrogação, dentro do prazo de dois anos, a meu ver, com a devida vênia do Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho nesse ponto, a Administração tem o direito de escolher a data que for mais oportuna para nomear, ou seja, verificar se tem condição, verba precisa, podendo escolher dentro dos dois primeiros anos. Contudo, em respeito aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da motivação, a prorrogação deveria ser justificada, motivada, porque, caso contrário, ficaria um prazo relativamente grande de espera para os candidatos aprovados em um concurso para o qual se ofereceu um determinado número de vagas, pressupondo-se, portanto, que havia necessidade daquelas vagas. Dentro dos dois anos, a Administração estaria exercendo, corretamente, sua discricionariedade. Passados os dois primeiros anos e havendo a prorrogação, entendo que realmente haveria um certo abuso administrativo em não justificar porque se está prorrogando. Embora a Constituição Federal não exija que seja justificada a prorrogação, no inciso III do art. 37, ela dispõe que “o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável um vez por igual período”. Não impõe a necessidade de motivar, mas, aqui, está implícito, porque os atos da Administração devem ser motivados, e não é razoável, também – diante do princípio da razoabilidade –, que se prorrogue sem apresentar os motivos, enquanto os candidatos ficam aguardando indefinidamente. Para que haja razoabilidade na ação administrativa, o Administrador deve dar a motivação. Segundo narram os autos, a Administração municipal ofertou três vagas para o cargo de Técnico Administrativo, convocando, tão somente, os dois primeiros classificados, como consta da correspondência assinada pelo RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 335 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA responsável pela seção de pessoal da Prefeitura de Albertina (fls. 28e). Nas informações, a autoridade impetrada consignou que a não nomeação se deu em face da ausência de “necessidade premente”, verbis (fl. 56e): 17. Assim, em conformidade com o que expressa a Prefeita Municipal, no âmbito de sua representação e atuação legais, não há necessidade (premente) de o Município de Albertina prover mais um cargo de Técnico Administrativo, se fazendo suficiente, até o presente momento, a nomeação das duas primeiras colocadas para o cargo em foco, através do concurso prestado igualmente pelo impetrante, o qual, ao que tudo indica, fora bem sucedido em sua empreitada, tendo sido aprovado em terceiro lugar (grifos nossos). E continuou a impetrada a justificar sua atuação na circunstância de que o concurso fora prorrogado, in verbis (fl. 57e): 23. De se destacar que o Concurso n. 001/2009 do Município de Albertina, em referência, foi homologado em 10.8.2009 - conforme indica, inclusive o impetrante à fl. 5 da exordial do mandamus - tendo por validade o prazo de 2 (dois) anos, prorrogável por mais 2 (dois) anos, segundo denota o item 9.3 do edital. 24. Nessa linha, e tendo em vista robusto entendimento jurisprudencial a respeito do tema, o ente municipal possui como prazo para a nomeação do impetrante a data de 10.8.2013, senão vejamos [...]. Não obstante seja corrente o aludido entendimento de que, até expirar o certame, o Estado tem o poder-dever de convocar os candidatos aprovados no limite de vagas que veiculou o edital, refletindo melhor sobre a questão, tomo a posição de que, dentro do prazo de dois anos originariamente estabelecido, a Administração escolherá a data que entender adequada para a nomeação. No entanto, havendo prorrogação, esta deve ser motivada com as razões do não preenchimento das cargos disponibilizados. No caso, a prorrogação ocorreu sem motivação alguma, fazendo surgir aí o direito de o servidor ser nomeado. Os dois anos originários se passaram, e ele não foi nomeado, e a Administração prorroga sem nenhuma motivação? Quer dizer, o servidor fica totalmente sem ação, em uma hipótese concreta dessa, podendo ficar até quatro anos, para, eventualmente, até nem ser nomeado, e precisar ir a juízo depois de vencido o último dia do quarto ano. Isso contraria outros princípios da Constituição, quais sejam, os princípios da razoabilidade, da legalidade e da motivação. 336 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Ante o exposto, pedindo vênia ao eminente Relator, acolho os embargos de divergência para dar provimento ao recurso especial e determinar a convocação do recorrente a fim de que, atendidas as exigências legais, seja nomeado para o cargo de Técnico Administrativo da Prefeitura de Albertina. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.060.210-SC (2008/0110109-8) Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Recorrente: Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil Advogados: Marcelo Tesheiner Cavassani e outro(s) Adriana Serrano Cavassani e outro(s) Recorrido: Município de Tubarão Advogados: Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s) Cláudio Roberto Nunes Golgo e outro(s) Interessado: Município de Braço do Norte Advogado: Jean Marcel Roussenq e outro(s) Interessado: Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais - ABRASF - “Amicus Curiae” Advogado: Ricardo Almeida Ribeiro da Silva Interessado: Abel - Associação Brasileira das Empresas de Leasing “Amicus Curiae” Advogado: Hamilton Dias de Souza e outro(s) Interessado: Associação dos Municípios do Paraná - AMP - “Amicus Curiae” Advogados: Cláudio Bonato Fruet e outro(s) Joao Carlos Blum Interessado: Município de Dois Córregos - “Amicus Curiae” Advogado: Emerson Vieira Reis e outro(s) Interessado: Município de Brusque - “Amicus Curiae” Procurador: Sonia Knihs Crespi e outro(s) RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 337 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA Recurso especial. Tributário. Embargos à execução fiscal. Incidência de ISS sobre arrendamento mercantil financeiro. Questão pacificada pelo STF por ocasião do julgamento do RE n. 592.905-SC, Rel. Min. Eros Grau, DJe 5.3.2010. Sujeito ativo da relação tributária na vigência do DL n. 406/1968: Município da sede do estabelecimento prestador. Após a Lei n. 116/2003: lugar da prestação do serviço. Leasing. Contrato complexo. A concessão do financiamento é o núcleo do serviço na operação de leasing financeiro, à luz do entendimento do STF. O serviço ocorre no local onde se toma a decisão acerca da aprovação do financiamento, onde se concentra o poder decisório, onde se situa a direção geral da instituição. O fato gerador não se confunde com a venda do bem objeto do leasing financeiro, já que o núcleo do serviço prestado é o financiamento. Irrelevante o local da celebração do contrato, da entrega do bem ou de outras atividades preparatórias e auxiliares à perfectibilização da relação jurídica, a qual só ocorre efetivamente com a aprovação da proposta pela instituição financeira. Base de cálculo. Prejudicada a análise da alegada violação do art. 148 do CTN e 9 do DL n. 406/1968. Recurso especial de Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil parcialmente provido para julgar procedentes os embargos à execução e reconhecer a ilegitimidade ativa do Município de Tubarão-SC para exigir o imposto. Inversão dos ônus de sucumbência. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ. 1. O colendo STF já afirmou (RE n. 592.905-SC) que ocorre o fato gerador da cobrança do ISS em contrato de arrendamento mercantil. O eminente Ministro Eros Grau, relator daquele recurso, deixou claro que o fato gerador não se confunde com a venda do bem objeto do leasing financeiro, já que o núcleo do serviço prestado é o financiamento. 2. No contrato de arrendamento mercantil financeiro (Lei n. 6.099/1974 e Resolução n. 2.309/1996 do Bacen), uma empresa especialmente dedicada a essa atividade adquire um bem, segundo especificações do usuário/consumidor, que passa a ter a sua utilização imediata, com o pagamento de contraprestações previamente acertadas, e opção de, ao final, adquiri-lo por um valor residual também contratualmente estipulado. Essa modalidade de negócio 338 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO dinamiza a fruição de bens e não implica em imobilização contábil do capital por parte do arrendatário: os bens assim adquiridos entram na contabilidade como custo operacional (art. 11 e 13 da Lei n. 6.099/1974). Trata-se de contrato complexo, de modo que o enfrentamento da matéria obriga a identificação do local onde se perfectibiliza o financiamento, núcleo da prestação do serviços nas operações de leasing financeiro, à luz do entendimento que restou sedimentado no Supremo Tribunal Federal. 3. O art. 12 do DL n. 406/1968, com eficácia reconhecida de lei complementar, posteriormente revogado pela LC n. 116/2003, estipulou que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador. 4. A opção legislativa representa um potente duto de esvaziamento das finanças dos Municípios periféricos do sistema bancário, ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo altamente perverso de sua descapitalização em favor dos grandes centros financeiros do País. 5. A interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que traduziria verdadeira quebra do princípio da legalidade tributária. 6. Após a vigência da LC n. 116/2003 é que se pode afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo. 7. O contrato de leasing financeiro é um contrato complexo no qual predomina o aspecto financeiro, tal qual assentado pelo STF quando do julgamento do RE n. 592.905-SC, Assim, há se concluir que, tanto na vigência do DL n. 406/1968 quanto na vigência da LC n. 116/203, o núcleo da operação de arrendamento mercantil, o serviço em si, que completa a relação jurídica, é a decisão sobre a concessão, a efetiva aprovação do financiamento. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 339 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 8. As grandes empresas de crédito do País estão sediadas ordinariamente em grandes centros financeiros de notável dinamismo, onde centralizam os poderes decisórios e estipulam as cláusulas contratuais e operacionais para todas suas agências e dependências. Fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além de providenciarem a aprovação do financiamento e a consequente liberação do valor financeiro para a aquisição do objeto arrendado, núcleo da operação. Pode-se afirmar que é no local onde se toma essa decisão que se realiza, se completa, que se perfectibiliza o negócio. Após a vigência da LC n. 116/2003, assim, é neste local que ocorre a efetiva prestação do serviço para fins de delimitação do sujeito ativo apto a exigir ISS sobre operações de arrendamento mercantil. 9. O tomador do serviço ao dirigir-se à concessionária de veículos não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora o bem a ser adquirido e posteriormente a ele disponibilizado. Assim, a entrega de documentos, a formalização da proposta e mesmo a entrega do bem são procedimentos acessórios, preliminares, auxiliares ou consectários do serviço cujo núcleo - fato gerador do tributo - é a decisão sobre a concessão, aprovação e liberação do financiamento. 10. Ficam prejudicadas as alegações de afronta ao art. 148 do CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que fundamente a sua tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo. 11. No caso dos autos, o fato gerador originário da ação executiva refere-se a período em que vigente a DL n. 406/1968. A própria sentença afirmou que a ora recorrente possui sede na cidade de OsascoSP e não se discutiu a existência de qualquer fraude relacionada a esse estabelecimento; assim, o Município de Tubarão não é competente para a cobrança do ISS incidente sobre as operações realizadas pela empresa Potenza Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, devendo ser dado provimento aos Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais. 12. Recurso Especial parcialmente provido para definir que: (a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL n. 406/1968, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC n. 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente 340 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a análsie da alegada violação ao art. 148 do CTN; (e) no caso concreto, julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão-SC para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento a Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região) e o Sr. Ministro Ari Pargendler. Ausente, justificadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília (DF), 28 de novembro de 2012 (data do julgamento). Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator DJe 5.3.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Recurso Especial interposto por Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil com fulcro nas alíneas a e c do art. 105, III da CF contra acórdão proferido pelo TJSC, assim ementado: RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 341 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tributário. Embargos à execução fiscal. Arrendamento mercantil. ISS. Incidência. Exegese do Decreto-Lei n. 406/1968 e alterações (item 79 da lista anexa). Aplicação da Súmula n. 138 do STJ. Competência para imposição da exação. Local da efetiva prestação do serviço. Precedentes. Base de cálculo definida por arbitramento a partir dos valores constantes nas notas fiscais. Legalidade. Recurso desprovido (fls. 311). 2. O Apelo Raro foi precedido de Embargos Declaratórios, que foram rejeitados (fls. 346). 3. Alega a empresa recorrente, em síntese, ofensa aos arts. 110 e 148 do CTN, 8º e 12, a do DL n. 406/1968, além de divergência jurisprudencial. 4. Afirma, inicialmente, não incidir o ISS em operações de arrendamento mercantil, argumentando que delineado o conceito de prestação de serviço no âmbito do direito privado não pode o mesmo ser arbitrariamente alterado pela legislação tributária para nele incluir atividades que não envolvam uma prestação de fazer; com efeito, a norma tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos conceitos e formas de direito privado (fls. 355-356). 5. Sustenta que o Tribunal a quo, ao considerar como local da prestação do serviço o Município de Tubarão malferiu o art. 12 do DL n. 406/1968, que adotou, como regra geral para a incidência do ISS, o local do estabelecimento do prestador. No caso dos autos, complementa, o estabelecimento da recorrente está localizado no Município de Osasco, São Paulo, sendo esta a municipalidade, de acordo com a referida legislação o sujeito ativo de eventual ISS devido pelas operações de arrendamento mercantil praticadas pela recorrente. 6. Acrescenta que mesmo analisando a questão sob a ótica daqueles que entendem existir prestação de serviços, e atendo-se, exclusivamente, à análise de crédito, ao controle do pagamento dos mesmos e ao gerenciamento dos contratos (que englobam uma série de atividades a cargo da arrendadora), induvidoso que tal atividade (serviço) não se presta em Tubarão, mas na própria sede da empresa em Osasco, onde são aprovados, processados e arquivados os contratos de arrendamento mercantil (fls. 367). 7. Requer o reconhecimento da ilegalidade da consideração do valor total do contrato acrescido de encargos financeiros como base de cálculo para fins de arbitramento do ISS, defendendo que esta, por imposição legal (art. 9º do DEL n. 406/1968), só pode ser o preço efetivo da prestação do serviço de arrendamento mercantil. 342 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 8. No ponto, assevera, ainda, irregularidades no procedimento de arbitramento, que não teria sido precedido de processo administrativo em que garantida a ouvida do contribuinte, questionando a própria aplicação do instituto do arbitramento no caso concreto. 9. Quanto à divergência jurisprudencial, pretende a recorrente a aplicação ao caso destes autos do entendimento firmado pelo STF no tocante à não incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. Cita outros julgados que afastaram a cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil. 10. Com contrarrazões (fls. 467-486), o recurso foi inadmitido (fls. 573575), subindo os autos a esta Corte por força de provimento de Agravo de Instrumento. 11. O então Relator, o ilustre Ministro Luiz Fux, determinou o sobrestamento do Recurso Especial na forma do art. 543, § 2º do CPC, remetendo os autos ao STF para a apreciação do Recurso Extraordinário para solução da questão de índole constitucional prejudicial à apreciação das demais teses do recurso, qual seja, de incidência ou não do ISS nas operações de arrendamento mercantil. 12. Posteriormente, submeteu a presente controvérsia ao procedimento do art. 543-C do CPC, afetando-o à Primeira Seção, identificando-a como: a) a definição da base de cálculo do tributo; e b) o sujeito ativo da presente relação jurídico-tributária (fls. 645). 13. Foram admitidos como amicus curie o Município de Braço do NorteSC, o Município de Brusque-SC e de Dois Córregos-SP, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras - ABRASF, a Associação dos Municípios do Paraná (AMP) e a Associação Brasileira de Empresas de Leasing - ABEL. 14. Foi deferido pedido da ABEL de suspensão da prática de atos judiciais potencialmente lesivos às partes e a prolatação de decisões, nas instâncias ordinárias, em todos os processos em que discutida as questões versadas no presente Recurso Especial, para assegurar a eficácia integral desse provimento jurisdicional (fls. 1.106-1.1.07). 15. O MPF, em parecer subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República Denise Vinci Tulio, manifestou-se pelo não provimento do Recurso Especial, pelos seguintes fundamentos, assim sumariados: RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 343 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ementa: Tributário. Arrendamento mercantil. ISS. Sujeito ativo. Base de cálculo. 1. Controvérsia jurídica de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C): o Município competente para a cobrança do ISS incidente sobre o arrendamento mercantil é aquele em que efetivamente foi prestado o serviço, onde se concretiza o fato gerador, e a base de cálculo é o valor integral da operação realizada, definida por arbitramento a partir dos valores constantes das notas fiscais correspondentes. Precedentes. 2. Parecer pela aplicação do preceito aos casos repetitivos e não provimento do presente Recurso Especial. (fls. 649). 16. É o breve relatório. VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Informam os autos que a empresa recorrente ajuizou Embargos à Execução Fiscal proposta pelo Município de Tubarão-SC para cobrança de débito de ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil, trazendo a debate 3 questões fundamentais: (a) a incidência ou não do ISSQN em operações dessa natureza; (b) o Município competente para a sua cobrança; (c) a base de cálculo do imposto. 2. A ação de embargos do devedor foi julgada improcedente pelo MM. Juiz de Primeiro Grau (fls. 189-202), fixada a sucumbência em 10 salários mínimos a favor do Município de Tubarão-SC, sentença posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. 3. Faço uma observação preliminar sobre a ocorrência do fato gerador da cobrança de ISS em contrato de arrendamento mercantil, para indicar que, ao meu sentir, realmente esse fenômeno da prestação de serviço, nessa modalidade de contrato, inexiste, embora ocorra, sem dúvida, nas atividades que lhes são preparatórias, tais como a coleta de informações cadastrais do candidato ao financiamento e a elaboração de documentos que o instrumentam; contudo, o colendo STF já afirmou, no RE n. 592.905-SC, tese diversa, daí porque a minha observação tem significado apenasmente doutrinário, quando muito. 4. Assim, quanto ao questionamento inicial, qual seja, de incidência ou não do ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil, o debate encontra-se superado ante a decisão proferida pelo STF, com repercussão geral reconhecida, com acórdão assim sumariado: Ementa: Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil. Operação de arrendamento mercantil financeiro. Artigo 156, III, da Constituição 344 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO do Brasil. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o arrendamento mercantil operacional, [ii] o arrendamento mercantil financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (arrendamento mercantil financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do arrendamento mercantil financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE n. 592.905-SC, Rel. Min. Eros Grau, DJe 5.3.2010). 5. Nesse julgamento, enfatizou-se, quanto ao caráter jurídico do contrato de arrendamento mercantil, a sua autonomia em relação à figura da locação, caracterizando-o como um negócio jurídico complexo, em que predomina o aspecto do financiamento. 6. Finda essa discussão, compete a esta Corte apreciar as duas questões remanescentes, estas sim, objeto do presente julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC. 7. O art. 1º da Lei n. 6.099/1974, em seu parágrafo único, assim conceitua o o contrato de arrendamento mercantil Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para efeitos dessa Lei, o negocio jurídico realizado entre a pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta. 8. As instituições financeiras estão autorizadas, nos termos do art. 9º da citada lei, a operarem as contratações de arrendamento mercantil: Art. 9º - As operações de arrendamento mercantil contratadas com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele vinculadas, mediante quaisquer das relações previstas no art. 2º desta Lei, poderão também ser realizadas por instituições financeiras expressamente autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional, que estabelecerá as condições para a realização das operações previstas neste artigo. 9. Por meio do referido contrato uma empresa especialmente dedicada a essa atividade adquire um bem, segundo especificações do usuário/consumidor, que RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 345 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA passa a ter a sua utilização imediata mediante o pagamento de contraprestações previamente acertadas, com opção de, ao final, adquiri-los por um preço residual também contratualmente estipulado. Essa modalidade de contrato é muitas vezes preferida porque não implica em imobilização contábil do capital por parte do arrendatário. Os bens assim adquiridos entram na contabilidade como custo operacional (art. 11 e 13 da Lei n. 6.099/1974). 10. O ilustre Ministro Cláudio Santos, que tanto abrilhantou esta Corte Superior de Justiça, assinalou, quanto a esse aspecto que tem a espécie contratual, para o arrendatário-empresa, duas grandes vantagens: uma de ordem financeira, de modo a liberar capital de giro ou de suprir a falta de capital para uma imobilização e, ainda, permitir-se apresentar um balanço com melhor índice de liquidez do que se adquirisse o bem, lançando-o contabilmente em seu ativo imobilizado; outra, de ordem tributária, pois a paga mensal do arrendamento é, em princípio, despesa operacional, dedutível da receita tributária, para fins de apuração do lucro tributável pelo imposto de renda. (Arrendamento mercantil: questões controvertidas, Revista da Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, Brasília/DF, n. 1, jan/abr 1996, p. 77-98). 11. É a Resolução n. 2.309/1996 do Bacen que disciplina o arrendamento mercantil financeiro (arrendamento mercantil), estipulando as suas condições: Art. 5º - Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que: I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado. (...). Art. 7º - Os contratos de arrendamento mercantil devem ser formalizados por instrumento público ou particular, devendo conter, no mínimo, as especificações abaixo relacionadas: I - a descrição dos bens que constituem o objeto do contrato, com todas as características que permitam sua perfeita identificação; II - o prazo de arrendamento; 346 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO III - o valor das contraprestações ou a fórmula de cálculo das contraprestações, bem como o critério para seu reajuste; IV - a forma de pagamento das contraprestações por períodos determinados, não superiores a 1 (um) semestre, salvo no caso de operações que beneficiem atividades rurais, quando o pagamento pode ser fixado por períodos não superiores a 1 (um) ano; V - as condições para o exercício por parte da arrendatária do direito de optar pela renovação do contrato, pela devolução dos bens ou pela aquisição dos bens arrendados; VI - a concessão à arrendatária de opção de compra dos bens arrendados, devendo ser estabelecido o preço para seu exercício ou critério utilizável na sua fixação; VII - as despesas e os encargos adicionais, inclusive despesas de assistência técnica, manutenção e serviços inerentes à operacionalidade dos bens arrendados, admitindo-se, ainda, para o arrendamento mercantil financeiro: a) a previsão de a arrendatária pagar valor residual garantido em qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando o pagamento do valor residual garantido o exercício da opção de compra; b) o reajuste do preço estabelecido para a opção de compra e o valor residual garantido; VIII - as condições para eventual substituição dos bens arrendados, inclusive na ocorrência de sinistro, por outros da mesma natureza, que melhor atendam às conveniências da arrendatária, devendo a substituição ser formalizada por intermédio de aditivo contratual; IX - as demais responsabilidades que vierem a ser convencionadas, em decorrência de: a) uso indevido ou impróprio dos bens arrendados; b) seguro previsto para cobertura de risco dos bens arrendados; c) danos causados a terceiros pelo uso dos bens; d) ônus advindos de vícios dos bens arrendados; X - a faculdade de a arrendadora vistoriar os bens objeto de arrendamento e de exigir da arrendatária a adoção de providências indispensáveis à preservação da integridade dos referidos bens; XI - as obrigações da arrendatária, nas hipóteses de inadimplemento, destruição, perecimento ou desaparecimento dos bens arrendados; XII - a faculdade de a arrendatária transferir a terceiros no País, desde que haja anuência expressa da entidade arrendadora, os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato, com ou sem co-responsabilidade solidária. Art. 8º - Os contratos devem estabelecer os seguintes prazos mínimos de arrendamento: I - para o arrendamento mercantil financeiro: a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens à arrendatária, consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimento da última RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 347 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual ou inferior a 5 (cinco) anos; b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens; II - para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noventa) dias. 12. Fixados esses conceitos, volta-se a primeira questão nuclear do presente recurso, qual seja, a do lugar em que ocorre a prestação desse tipo de serviço. Essa questão é fundamental uma vez que determina o local do fato gerador do tributo e o Município competente para a arrecadação do ISS. 13. No concernente à competência para a cobrança do ISSQN, sustenta a recorrente que deve ser respeitado o art. 12, a do DL n. 406/1968, vigente à época do fato gerador, com a seguinte redação: Art. 12. - Considera-se local da prestação de serviço: a) o do estabelecimento prestador, ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação; c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa (exploração de rodovia mediante cobrança de preço dos usuários) o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. 14. Assinala a empresa que é no Município onde tem a sua sede que se pratica o serviço de arrendamento mercantil, compreendendo-o restritivamente como a contabilidade, a análise do cadastro, o deferimento e o controle do financiamento, aspectos que, segundo sustenta, definiriam o que seria a prestação do serviço de arrendamento mercantil. 15. O art. 12 do DL n. 406/1968, com eficácia de lei complementar, posteriormente revogado pela LC n. 116/2003, estipulou muito claramente que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento prestador. 16. Para solucionar conflitos de competência tributária entre os Municípios optou-se pelo critério da localização do estabelecimento do prestador dos serviços, tendo sido especificadas pontualmente as exceções. 17. Todavia, tem sido historicamente entendido por esta Corte, mesmo na vigência do DL n. 406/1968, como local de cobrança da exação, o lugar onde o serviço é efetivamente prestado, isto é, onde as partes assumem a obrigação recíproca e estabelecem a relação contratual, exteriorizando a riqueza, exsurgindo, a partir 348 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO desse evento jurídico, o fato gerador da obrigação tributária subjacente; dessa forma, o Município onde concretizada a operação seria o competente para fazer a sua cobrança. Nesse sentido: Processual Civil e Tributário. Agravo regimental. Decisão agravada. Fundamento inatacado. Súmula n. 182-STJ. Súmula n. 138-STJ. Ausência de interesse. ISS. Arrendamento mercantil. Município competente para cobrança. Local da prestação do serviço. (...). 5. Segundo reiterados precedentes desta Corte, mesmo na vigência do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, revogado pela Lei Complementar n. 116/2003, a Municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local da prestação dos serviços, onde efetivamente ocorre o fato gerador do imposto. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público: REsp n. 1.059.919-SC, Relator Min. Castro Meira, DJe 6.10.2008; AgREsp n. 1.062.657-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 6.10.2008; AgRg no Ag n. 763.269-MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.9.2006; AgRg no REsp n. 845.711-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 29.5.2008; REsp n. 695.500-MT, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31.5.2006; AgRg no Ag n. 516.637-MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 1º.3.2004; REsp n. 431.564-MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004; AgRg no REsp n. 334.188-RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 23.6.2003; EREsp n. 130.792-CE, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 12.6.2000; REsp n. 115.279-RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 1º.7.1999; AgREsp n. 845.711-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 29.5.2008. 6. Agravo regimental conhecido em parte e não provido. (AgRg no REsp n. 1.067.171-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 2.12.2008) Agravo em agravo de instrumento. Tributário. ISS. Arrendamento mercantil. Cobrança. Local da prestação do serviço. Segundo a jurisprudência pacífica desta Corte, o município competente para a cobrança do ISS é aquele onde efetivamente ocorreu o fato gerador, ou seja, o local da prestação do serviço. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag n. 1.365.195-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 29.4.2011) Processual Civil. Tributário. Arrendamento mercantil (arrendamento mercantil). Incidência de ISS. Ofensa aos arts. 165, 458, II e 535, do CPC. Não ocorrência. Competência tributária. Local da prestação do serviço. Precedentes. Divergência jurisprudencial. Acórdão paradigma fundamentado em matéria de índole eminentemente constitucional. Competência do Supremo Tribunal Federal. (...). 2. Hipótese em que o Tribunal de origem aplicou jurisprudência pacífica do STJ, no sentido de que a competência para exigir o ISS é do município onde se presta efetivamente o serviço. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 349 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. Inviável o conhecimento, pelo STJ, de divergência jurisprudencial quando o acórdão apontado como paradigma fundamenta-se em matéria de índole eminentemente constitucional, sob pena de malferimento à competência do Pretório Excelso. 4. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 956.513-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 9.3.2009) 18. Para a corrente até aqui dominante, permitir que o só fato de uma empresa manter sede em Município único, em que alega concentrar alguns procedimentos acessórios relativos à operação de arrendamento mercantil, firmando negócios jurídicos por todo o Brasil, seria o mesmo que conferir extraterritorialidade à Lei Municipal, razão pela qual afastava-se a interpretação literal do art. 12 do DL n. 406/1968. 19. Ouso divergir desse posicionamento. As grandes empresas de crédito do País e os Bancos estão sediados em grandes centros financeiros, de notável dinamismo, onde concentram os poderes decisórios e estipulam as cláusulas contratuais, fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além de providenciarem a liberação do valor do objeto arrendado, circunstâncias que, aliadas à dicção legal, não podem atrair outra conclusão senão a de que o Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a arrecadação do ISS sobre operações de arrendamento mercantil. 20. É certo que a opção legislativa representa, ao que percebo, um potente duto de esvaziamento das finanças das localidades periféricas do sistema bancário nacional, ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo altamente perverso de descapitalização dos Municípios de pequeno porte, local onde se faz a captação da proposta de contrato bancário, drenando-se, posteriormente, para os grandes centros financeiros do País, os recursos assim recolhidos, fato criador de um mecanismo de forte impacto sobre o ideal federalista descentralizador. 21. No entanto, a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade. 22. São relevantes, nesse sentido, as observações do jurista HUMBERTO ÁVILA sobre o tema, encartadas em parecer onde se consignou, o seguinte: 350 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 2.2.1.4. Não é o momento para avaliar criticamente essa posição do Superior Tribunal de Justiça, pois ela é irrelevante para o caso em pauta, como será demonstrado. Dois breves comentários são, porém, necessários. Um: o Poder Judiciário não pode interpretar as leis além do seu sentido literal possível. As hipóteses de extensão teleológica (a hipótese da norma é considerada muito restrita em relação a sua finalidade) e de restrição teleológica (a hipótese da norma é considerada muito ampla em relação a sua finalidade) são condicionadas a um rigoroso processo de justificação, fundamentação e comprovação. Além disso, elas não podem implicar o abandono da hipótese da regra. Ao contrário, elas interpretam-na com base na finalidade e respeitando os princípios fundamentais do setor ao qual pertence a regra objeto de interpretação. Interpretação teleológica de regra que abandona a sua hipótese transforma a regra num princípio. Assim procedendo, o intérprete toma o lugar do legislador. (...). Ele simplesmente superou uma regra legal geral com base em suposições individuais. Mais ainda: superou a regra sem recorrer ao seu fundamento, já que a finalidade da regra definidora do local do estabelecimento prestador é a garantia da segurança para o sujeito passivo e, não, o combate às fraudes que só a fiscalização pode guerrear. Dois: problemas concernentes à aplicação individual das regras legais não podem levar à generalização do seu sentido geral, especialmente quando o descumprimento das leis obedece a procedimentos administrativos específicos. Não foi, porém, isso que fez o Tribunal. Ele simplesmente modificou a regra para todos em razão de simulações eventualmente feitas por alguns. Se há simulações de sede, que sejam elas desconsideradas conforme o procedimento legalmente estabelecido. O que não se pode é desconsiderar todas as sedes reais porque algumas são irreais. E tudo por interpretação, sem procedimento administrativo algum. (...). 2.2.1.6. As razões fáticas dizem respeito à verificação de que tanto qualitativa quanto quantitativamente se serviço houvesse, seria ele prestado no local do estabelecimento prestador. 2.2.1.7. Qualitativamente, porque os atos principais, assim entendidos aqueles que viabilizam o arrendamento mercantil, são praticados na sede: a formação do fundo, a análise do crédito, a elaboração do contrato e a liberação do veículo são feitos na sede. É na sede que é concretizado o arrendamento mercantil. Os atos, praticados fora do local da sede, são meros atos de conclusão de algo concebido no local da sede da arrendadora: preenchimento da ficha cadastral pelo interessado, envio de documentos e assinatura e remessa do instrumento contratual. Todos esses atos, embora praticados fora do local da sede da arrendadora, são atos de mera confirmação da atividade desenvolvida pelo estabelecimento prestador. Cada um deles consubstancia uma atividade-meio para a concretização do arrendamento mercantil, sem autonomia própria, não podendo, como já RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 351 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA analisado, sofrer a tributação municipal, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, quando deliberou que as atividades bancárias de custódia de títulos e elaboração de cadastro, sem autonomia frente às operações financeiras não suscitam o imposto municipal sobre serviços. 2.2.1.8. Quantitativamente, porque das quatorze etapas mencionadas, apenas três (a segunda, a sétima e a nona) são realizadas fora do local da sede da arrendadora. Todas as demais são realizadas na sede da arrendadora. A captação de recursos financeiros, o exame e a aprovação da ficha cadastral, a análise do crédito, a proposta das condições contratuais, a aprovação do crédito, a formalização do contrato, a conferência e o cadastro dos documentos, a remessa e a devolução do instrumento contratual, a guarda e o arquivamento dos documentos, o pagamento do veículo, a emissão do carnê de pagamento e a autorização de liberação do veículo são realizados na sede da arrendadora. 2.2.2. O local da assinatura é irrelevante. 2.2.2.1. Mesmo que se atribua alguma relevância aos atos praticados fora do local do estabelecimento prestador, ainda assim eles não podem ser qualificados como serviços tributáveis pelo imposto sobre serviços: o preenchimento de ficha cadastral, a assinatura e o envio de documentos não são fatos geradores do imposto. Na lista de serviços não consta nenhuma dessas atividades como atividades tributáveis. O local da assinatura do contrato ou da localização do usuário são irrelevantes. O fato de o contrato ter sido assinado num local não impede que os supostos serviços sejam prestados noutra localidade. O mesmo ocorre com o usuário: o fato de ele estar num Município não quer dizer que as obrigações de fazer não sejam realizadas noutro. Enfim, uma coisa não tem nada a ver com a outra. 2.2.2.2. As considerações precedentes levam ao entendimento de que, mesmo que se considere o arrendamento mercantil como um serviço, ainda assim esse serviço só poderia ser considerado efetivamente prestado no local da sede da empresa arrendadora, pois seria nesse em que seriam realizados e concluídos os atos materiais à prestação do serviço. (Imposto sobre a prestação de serviços de qualquer natureza - ISS, in Revista Dialética de Direito Tributário, 122, p. 126-127). 23. Confira-se, ainda, a opinião de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES, que, comentando sobre aspectos relevantes do ISS, observaram o seguinte: A clareza do dispositivo na norma legal, contido no art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, com as alterações da Lei Complementar n. 100/1999, agora revogado, não deixava margem a dúvidas quanto á interpretação, no sentido de considerar o Município, ser o Município do local do estabelecimento prestador ou do domicílio do prestador dos serviços. 352 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Tratando-se de normas gerais de Direito Tributário, a matéria somente poderia ser regulada por lei complementar, por força do art. 146, III da CF. (...). Verifica-se do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, que o legislador complementar, em consonância com o art. 146, I da CF/1988, adotada como regra para a solução de conflitos de competência tributária entre os Municípios o critério da localização do estabelecimento prestador dos serviços. Tanto é assim que, quando pretendeu o legislador complementar que se adotasse critério diverso desta regra, o fez de forma expressa, nas alíneas b e c do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968. Desta forma, com exceção feita apenas aos serviços de construção civil e exploração e manutenção de rodovias (em que prevalecia o local da prestação de serviços), nos demais casos o ISS era devido onde estivesse localizado o estabelecimento prestador; não importando onde viesse a ser prestado o serviço ou onde tivesse sido iniciado ou concluído o serviço. De tal forma, poderia o legislador complementar fixar, como critério para a solução de conflitos de competência, que o ISS seria devido ao Município em que desse a efetiva prestação de serviços (onde ocorre o fato gerador), mas não o fez, preferindo adotar critério diverso, fazendo exceção apenas aos casos de construção civil e de manutenção e exploração de rodovias. Ocorre que, na vigência do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, o Superior Tribunal de Justiça, em diversas decisões, como, por exemplo, nos Embargos de Divergência n. 130.792-CE, entendeu que a incidência do ISS deveria ocorrer no Município onde o serviço fosse prestado (onde ocorreu o fato gerador) e não no local do estabelecimento prestador. (...). Com todo o respeito que merece o STJ, essa decisão feriu - em entendimento do titular deste escritório - o princípio da legalidade, ou seja, dispositivo literal de lei, no caso de lei com eficácia de complementar (DL n. 406/1968), de normas gerais de Direito Tributário. A decisão do STJ, todavia, terminou prevalecendo. Por esse entendimento, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 conformaria uma úncia hipótese: o ISS incide onde ocorre o fato gerador; incorporando as três hipóteses em uma única. (...). A interpretação que o STJ atribuiu ao art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, além de violar o princípio da legalidade, fez que empresas prestadoras de serviços tivessem que recolher o ISS em cada um dos mais de 5.500 Municípios brasileiros, subordinando-se a suas legislações muitas vezes conflitantes, com obrigações de emitir Notas de Serviços, em locais onde não possuem estabelecimento, além de correrem o risco de lhes ser exigido ISS, também, no Município onde possuem os RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 353 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA seus estabelecimentos, ficando as empresas sujeitas à chamada guerra fiscal entre os diversos Municípios, que certamente não foi o que pretendeu o legislador constituinte, nem o legislador complementar, para efeito de exigência do ISS. De observar que o STJ não deixou de aceitar como vigente o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, em sua orientação, prevalecendo assim intenso conflito de competência entre os Municípios, ficando o contribuinte no meio dessas disputas. O STF não chegou a examinar a inconstitucionalidade do art. 12 do DL n. 406/1968 (Aspectos Relevantes do ISS, Revista Dialética de Direito Tributário, 182, nov/2010, p. 162-163). 24. Observe-se que nem mesmo a LC n. 116/2003, que sucedeu o DL n. 406/1968, prestigiou em sua integralidade o entendimento externado pelo STJ, de modo que não reputa como competente para a arrecadação do tributo, em todos os casos, o Município em que efetivamente prestado o serviço. 25. A LC n. 116/2003 adotou um sistema misto, considerando o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, no local do domicílio do prestador e, para outras hipóteses definidas o local da prestação do serviço, do estabelecimento do tomador ou do intermediário (art. 3º). 26. Ao definir estabelecimento prestador emprestou-lhe alcance bastante amplo, quando assinalou, em seu art. 4º que: considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. 27. Assim, após a vigência da LC n. 116/2003, em alguns casos, é que se poderá afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço no Município onde a prestação do serviço é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo. Nos dizeres dos ilustres professores IVES GANDRA e MARILENE TALARICO acima citados: A Lei Complementar n. 116/2003 procurou, assim, definir estabelecimento, para efeitos de incidência do ISS com alcance bastante amplo, considerando estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolver a atividade de prestar serviços, podendo ser de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser 354 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO utilizadas, desde que configure unidade econômica ou profissional, a exemplo do conceito de estabelecimento para efeitos de incidência do ICMS. O conceito de estabelecimento, para efeitos de ICMS, é determinado pelo art. 11, parágrafo 3º da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, nos seguintes termos: Art. 11. - O local da operação ou da prestação, para efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável é: (...). § 3º - Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiros, onde as pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como se encontram armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considerase como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação; II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado; IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular. Desta forma, há uma maior abrangência para efeitos do ISS, considerando estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, que configure unidade econômica ou profissional (Aspectos Relevantes do ISS, Revista Dialética de Direito Tributário, 182, nov/2010, p. 165166). 28. O contrato de leasinf financeiro é um contrato complexo no qual predomina o aspecto financeiro, tal qual assentado pelo STF quando do julgamento do RE n. 592.905-SC, Assim, há se concluir que, tanto na vigência do DL n. 406/1968 quanto na vigência da LC n. 116/203, o núcleo da operação de arrendamento mercantil, o serviço em si, que completa a relação jurídica, é a decisão sobre a concessão, a efetiva aprovação do financiamento. 29. Concluindo este tópico, tem-se que o Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, até porque é nele que se desenvolve a atividade sobre a qual incide o imposto, qual seja, de financiamento, de empréstimo de capital, circunstância que caracteriza o citado contrato, conforme definido pelo STF. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 355 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 30. No mais, a Primeira Seção assentou que a questão da base de cálculo do tributo está prejudicada com o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão. 31. Alguns Municípios dos Estados do Norte e Nordeste (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pará) questionaram a decisão do ilustre Ministro Luiz Fux determinadora da paralisação de atos expropriatórios nas execuções fiscais ou outros processos judiciais em que discutida a incidência do ISS sobre operações de arrendamento mercantil (fls. 1.106-1.107) sob a ótica das questões objeto deste repetitivo (competência e base de cálculo). 32. Aduziram que eventual decisão a ser proferida neste processo não alcançaria essas Municipalidades, uma vez que nelas a cobrança é efetuada por meio de lançamento por homologação, onde não há discussão sobre a base de cálculo e a eventual competência territorial do sujeito ativo. 33. Com efeito, o caso dos autos diz respeito a cobrança oriunda de arbitramento realizado pelo Fisco Municipal, na forma do art. 148 do CTN, e, embora, em tese, as diretrizes ora traçadas também possam se ajustar aos casos de lançamento por homologação, entendo que o tema não está abarcado pela decisão que decidiu submeter a presente controvérsia ao rito do art. 543-C do CPC; consequentemente, seguindo a diretriz desta Corte, que tem prezado pela delimitação clara do objeto do recurso representativo de controvérsia, esclareço que a tese deverá ser enfrentada em outra oportunidade, se for o caso. 34. Aplicando o direito à espécie, no caso dos autos, o fato gerador originário da ação executiva refere-se a período em que vigente a DL n. 406/1968. A própria sentença afirmou que a ora recorrente possui sede na cidade de Osasco-SP (fls. 189) e não se discutiu a existência de qualquer fraude relacionada a esse estabelecimento; assim, o Município de Tubarão-SC não é competente para a cobrança do ISS incidente sobre as operações realizadas pela empresa Potenza Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, devendo ser dado provimento aos Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais. 35. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial para definir que: (a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL n. 406/1968, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC n. 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes 356 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a análsie da alegada violação ao art. 148 do CTN; (e) no caso concreto, julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão-SC para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ. 36. É o voto. VOTO-VISTA Ementa: Processual Civil. Recurso especial. Tributário. ISS. Arrendamento mercantil - leasing financeiro. Incidência. Inexistência de ofensa ao art. 110 do CTN. Competência para se efetuar a cobrança do tributo. Interpretação do art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968 (revogado pela LC n. 116/2003). Alteração da orientação da Primeira Seção-STJ. Local do estabelecimento prestador considerado como local da prestação do serviço. Afastamento da competência do município recorrido que implica sejam julgados procedentes os embargos do devedor e extinta a execução fiscal. Questão relativa à definição da base de cálculo do ISS prejudicada. 1. À exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (alínea a). Contudo, há muito a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção-STJ firmou-se no sentido de que “a cobrança do ISS norteiase pelo princípio da territorialidade, nos termos encartados pelo art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, sendo determinante a localidade aonde foi efetivamente prestado o serviço e não aonde se encontra a sede da empresa” (AgRg no Ag n. 1.173.805-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 2.6.2010; AgRg no Ag n. 964.198-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 17.12.2008). No mesmo sentido, há inúmeros precedentes da Primeira e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. Examinando-se a jurisprudência desta Corte, pode-se afirmar que esse entendimento baseia-se em antigos precedentes deste Tribunal, os quais adotam RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 357 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a tese no sentido de que o município pode efetuar a cobrança de imposto sobre serviços apenas em relação a fatos geradores ocorridos nos limites do respectivo território, não podendo alcançar fato gerador ocorrido em outro município (REsp n. 41.867-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25.4.1994). 2. Malgrado os precedentes dos quais fui Relator e adotei a tese então prevalente no âmbito da Primeira Seção-STJ, sem olvidar da repercussão da alteração dessa jurisprudência, entendo que, no ponto, assiste razão ao Ministro Relator. 3. Isso porque, conforme pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Decreto-Lei n. 406/1968 “foi recebido como lei complementar, a lei complementar do ICMS e do ISS” (RE n. 236.604-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.8.1999). A necessidade de lei complementar federal, no que se refere aos aspectos estruturais do ISS, decorre de própria exigência da Constituição Federal (arts. 146, III, e 156, § 3º). Ressalte-se que “a Constituição preferiu não definir, dentre os diversos Municípios que poderiam ser considerados competentes, a competência para exigência do ISS sobre determinada prestação de serviços, ou seja: qual seria o Município titular da competência para efetivamente exigir o tributo - o do local em que ocorresse a prestação do serviço, aquele em que estivesse estabelecido o prestador do serviço ou aquele em que estivesse estabelecido o tomador do serviço”, deixando “esta definição para a lei complementar, a teor do art. 146 da Constituição Federal”, conforme destacam Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues. 4. Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de definir como local da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968), não é possível que a interpretação atribuída ao dispositivo em comento altere a própria definição estabelecida pelo legislador complementar, pois não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao princípio da legalidade tributária. 358 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 5. No caso dos autos, afastada a competência do Município recorrido (Município de Tubarão-SC) para efetuar a cobrança do ISS, impõe-se sejam julgados procedentes os embargos à execução apresentados pela ora recorrente, com a consequente extinção da execução fiscal. Por consequência lógica, ficam prejudicadas as demais questões aduzidas no recurso especial, sobretudo a suposta afronta ao art. 148 do CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que fundamenta a tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo. 6. Considerando que o presente recurso é submetido ao regime do art. 543-C do CPC, cumpre destacar as seguintes teses vinculativas: 1) é legítima a incidência do ISS nas operações de leasing financeiro; 2) à exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador. 7. Recurso especial parcialmente provido, acompanhando o Ministro Relator (com fundamentos, em parte, diversos). Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c.c. a Resolução n. 8/2008 - Presidência-STJ. O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Nada a acrescentar ao minucioso relatório do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. O pedido de vista justifica-se, basicamente, em razão dos seguintes fatores: 1) dúvida acerca do regime aplicável ao caso dos autos, ou seja, se é submetido apenas ao regime do Decreto-Lei n. 406/1968 ou se há créditos submetidos ao regime da LC n. 116/2003; 2) o voto do Ministro Relator propõe a modificação da orientação da Primeira Seção-STJ, no que se refere à competência para a cobrança do ISS; 3) as consequências do presente julgamento, porquanto se trata de recurso especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC. Passo então ao exame do caso, especialmente das questões destacadas. Depreende-se dos autos que o recurso especial origina-se de embargos do devedor apresentados em face de execução fiscal na qual se cobram créditos de ISS relativos ao período anterior à vigência da LC n. 116/2003. Assim, o caso concreto é regido apenas pelo regime do Decreto-Lei n. 406/1968. No que se refere à alegada afronta ao art. 110 do CTN, a tese no sentido de que o ISS não incide nas operações de leasing restou definitivamente superada RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 359 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em razão do acórdão proferido no RE n. 592.905-SC (Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 5.3.2010), no qual foi reconhecida a existência de repercussão geral. O referido acórdão foi assim ementado: Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil. Operação de leasing financeiro. Artigo 156, III, da Constituição do Brasil. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Desse modo, no que se refere ao leaging financeiro - caso dos autos -, por se tratar de serviço, é legítima a incidência do ISS, razão pela qual não há falar em ofensa ao art. 110 do CTN. Por outro lado, em relação à competência para se efetuar a cobrança do tributo, ressalto que no julgamento do REsp n. 1.117.121-SP (1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 29.10.2009 - recurso submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC) consignou-se que: “A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL n. 406/1968 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC n. 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).” Não obstante a diferenciação feita no referido precedente, é oportuno registrar que o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 (revogado pela LC n. 116/2003) possuía a seguinte redação: Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço: a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação. c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. (Incluída pela Lei Complementar n. 100, de 1999). 360 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Como se verifica, à exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (alínea a). Contudo, há muito a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção-STJ firmou-se no sentido de que “a cobrança do ISS norteia-se pelo princípio da territorialidade, nos termos encartados pelo art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, sendo determinante a localidade aonde foi efetivamente prestado o serviço e não aonde se encontra a sede da empresa” (AgRg no Ag n. 1.173.805MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 2.6.2010; AgRg no Ag n. 964.198-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 17.12.2008). No mesmo sentido, há inúmeros precedentes da Primeira e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. Examinando-se a jurisprudência desta Corte, pode-se afirmar que esse entendimento baseia-se em antigos precedentes deste Tribunal, os quais adotam a tese no sentido de que o município pode efetuar a cobrança de imposto sobre serviços apenas em relação a fatos geradores ocorridos nos limites do respectivo território, não podendo alcançar fato gerador ocorrido em outro município. Sobre o tema, destaco o seguinte excerto extraído do acórdão proferido no REsp n. 41.867-RS (1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25.4.1994): Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968), ela pretende que o ISS pertença ao município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o principio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. Em seu voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho propõe a mudança desse entendimento com base na seguinte fundamentação: Ouso divergir desse posicionamento. As grandes empresas de crédito do País e os Bancos estão sediados em grandes centros financeiros, de notável dinamismo, onde concentram-se os poderes decisórios e estipulam-se as cláusulas contratuais, fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além de providenciarem a liberação do valor do objeto arrendado, circunstâncias que, aliadas à dicção legal, não podem atrair outra conclusão senão a de que o RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 361 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil. É certo que a opção legislativa representa, ao que percebo, um potente duto de esvaziamento das finanças das localidades periféricas do sistema bancário nacional, ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo altamente perverso de descapitalização dos Municípios de pequeno porte, onde se faz a captação da proposta de contrato bancário, para depois drenar para os grandes centros financeiros do País os recursos assim recolhidos, teria esse mecanismo um forte impacto sobre o ideal federalista descentralizador. No entanto, a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade. Acrescente-se que tal fundamentação ampara-se em sólido entendimento doutrinário acerca do tema em discussão. É oportuno registrar que a alteração da jurisprudência da Primeira SeçãoSTJ atinge não apenas os feitos nos quais se discute a incidência do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, mas todos os casos em que a competência para a cobrança do ISS é definida pelo revogado art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968. Malgrado os precedentes dos quais fui Relator e adotei a tese então prevalente no âmbito da Primeira Seção-STJ, sem olvidar da repercussão da alteração dessa jurisprudência, entendo que, no ponto, assiste razão ao Ministro Relator. Isso porque, conforme pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Decreto-Lei n. 406/1968 “foi recebido como lei complementar, a lei complementar do ICMS e do ISS” (RE n. 236.604-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.8.1999). A necessidade de lei complementar federal, no que se refere aos aspectos estruturais do ISS, decorre de própria exigência da Constituição Federal (arts. 146, III, e 156, § 3º). Ressalte-se que “a Constituição preferiu não definir, dentre os diversos Municípios que poderiam ser considerados competentes, a competência para exigência do ISS sobre determinada prestação de serviços, ou seja: qual seria o Município titular da competência para efetivamente exigir o tributo - o do local em que ocorresse a prestação do serviço, aquele em que estivesse estabelecido 362 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO o prestador do serviço ou aquele em que estivesse estabelecido o tomador do serviço”, deixando “esta definição para a lei complementar, a teor do art. 146 da Constituição Federal”, conforme destacam Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues (Aspectos Relevantes do ISS, Revista Dialética de Direito Tributário n. 182, novembro/2010, p. 161). Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de definir como local da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968), não é possível que a interpretação atribuída ao dispositivo em comento altere a própria definição estabelecida pelo legislador complementar, pois não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao princípio da legalidade tributária. Assim, no regime do Decreto-Lei n. 406/1968, “com exceção feita apenas aos serviços de construção civil e exploração e manutenção de rodovias (em que prevalecia o local da prestação de serviços), nos demais casos, o ISS era devido onde estivesse localizado o estabelecimento prestador, não importando onde viesse a ser prestado o serviço, ou onde tivesse sido iniciado ou concluído o serviço” (ob. cit., p. 162-163). Como observa José Eduardo Soares de Melo, “a jurisprudência firmado pelo STJ incorre em antinomia constitucional, porque, se de um lado prestigia o princípio da territorialidade da tributação, harmonizado com o princípio da autonomia municipal (competência para exigibilidade de seus próprios impostos); de outro, ofende o princípio da legalidade, uma vez que se choca com a clareza do preceito do Decreto-Lei n. 406/1968” (ISS - Aspectos teóricos e práticos. 5ª ed., São Paulo: Dialética, 2008, p. 192). Nas palavras de Hugo de Brito Machado, o Superior Tribunal de Justiça, “a pretexto de interpretar o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, vinha declarando implicitamente sua inconstitucionalidade” (Curso de Direito Tributário. 30ª ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 403). No mesmo sentido é o entendimento de Kiyoshi Harada, in verbis: Como já foi salientado, o STJ, na vigência do diploma legal anterior, que continha idêntico dispositivo, firmou entendimento de que o local da prestação RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 363 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA define o município tributante não só em razão do princípio da territorialidade, como também, para evitar a fraude consistente na manutenção apenas formal do estabelecimento no território do município circunvizinho com menor carga tributária. De fato, na região metropolitana de São Paulo, inúmeros estabelecimentos de prestadores de serviços, notadamente, empresas de leasing, fugiram do município da Capital para os municípios circunvizinhos, sendo que algumas delas mantêm estabelecimentos praticamente virtuais fora de São Paulo, onde a alíquota é mais elevada, ou seja, de 5%. Mas isso é problema de fiscalização e não da justiça, que deve aplicar a lei vigente. Não é possível, a pretexto de interpretar a lei, inverter os seus expressos termos. (ISS: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2008, p. 51). No caso dos autos, afastada a competência do Município recorrido (Município de Tubarão-SC) para efetuar a cobrança do ISS, impõe-se sejam julgados procedentes os embargos à execução apresentados pela ora recorrente, com a consequente extinção da execução fiscal. Por consequência lógica, ficam prejudicadas as demais questões aduzidas no recurso especial, sobretudo a suposta afronta ao art. 148 do CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que fundamenta a tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo. Diante do exposto, acompanho, o Ministro Relator para dar parcial provimento ao recurso especial (com fundamentos parcialmente diversos), para que sejam julgados procedentes os embargos do devedor apresentados pela ora recorrente e extinta a execução fiscal, com a consequente inversão dos ônus sucumbenciais, firmando orientação (vinculativa) no sentido de que: 1) é legítima a incidência do ISS nas operações de leasing financeiro; 2) à exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador. Julgo prejudicada a questão relativa à definição da base de cálculo do ISS. Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c.c. a Resolução n. 8/2008 Presidência-STJ. É o voto. VOTO-VISTA Ementa: Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia. ISS. DL n. 406/1968. Arrendamento mercantil. 364 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Incidência. RE n. 592.905-SC. estabelecimento prestador. Sujeição ativa. Local do 1. Incide ISS sobre as operações de arrendamento mercantil (RE n. 592.905-SC). 2. O imposto gerado na vigência do DL n. 406/1968 deve ser recolhido para o município onde situado o estabelecimento prestador ou, na falta deste, o domicílio do prestador (art. 12, alínea a). 3. Prejudicada a análise relativa à base de cálculo da exação. 4. Recurso especial parcialmente provido. Voto-vista acompanhando o voto do eminente relator. O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Cuida o presente recurso especial representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC) da tributação pelo Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre os contratos de arrendamento mercantil (leasing). O eminente relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, inicialmente, deu parcial provimento ao recurso especial da instituição financeira para definir que: “(a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o Município competente para a sua cobrança, na vigência do DL n. 406/1968 é o da sede do estabelecimento prestador (art. 12), e a partir da LC n. 116/2003, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil no Município onde essa prestação é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo; (c) a base de cálculo do tributo, no presente caso, abrange o valor total da operação contratada, por corresponder ao preço do serviço, (d) essas diretrizes servem também para os casos de lançamento por homologação, hipóteses em que caberá ao Fisco Municipal, ao conferir a apuração e o pagamento já realizado pelo contribuinte, verificar os parâmetros aqui indicados quanto à base de cálculo do tributo, para o fim de homologar ou não o procedimento e cobrar valores que entenda ainda devidos ou mesmo restituir em caso de imposto pago a maior; (e) no caso concreto julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ainda a incompetência do Município de Tubarão-SC para a cobrança do ISS”. O eminente Ministro Mauro Campbell Marques, por sua vez, apresentou voto-vista pelo qual, por outros fundamentos, acompanhou o relator quanto à incompetência do Município de Tubarão para exigir o tributo em questão. Entretanto, em face do acolhimento dessa preliminar, julgou prejudicada a RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 365 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA discussão relativa à base de cálculo do tributo (arts. 9º do DL n. 406/1968 e 148 do CTN). Na sessão de 27.6.2012, o Ministro relator e o Ministro Cesar Asfor Rocha declararam a retificação de seus votos para o fim de excluir da análise do recurso especial as considerações acerca da base de cálculo do tributo. Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos. No presente apelo especial (fls. 351-378), a instituição financeira recorrente se insurge contra o entendimento adotado pelo acórdão recorrido acerca das seguintes questões: a) a incidência do ISS sobre as operações de leasing; b) a legitimidade ativa do município exequente para a cobrança do imposto; e c) a base de cálculo da exação utilizada no lançamento realizado por meio de arbitramento. Reconhecida, pelo Supremo Tribunal Federal (RE n. 592.905SC), a constitucionalidade da incidência do imposto sobre as operações de arrendamento mercantil financeiro, resta dirimir por meio deste recurso especial as questões relativas ao sujeito ativo da obrigação tributária e à base de cálculo da exação. Quanto à sujeição ativa do tributo, acompanho o douto voto lançado pelo eminente relator. Ressalto, desde logo, que não desconheço a jurisprudência construída pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o DL n. 406/1968 teria privilegiado o princípio da territorialidade e, por isso, o ISS pertenceria ao município onde praticado o fato gerador e não onde se encontra a sede da empresa prestadora. Cito, a título ilustrativo, os seguintes precedentes: AgRg no REsp n. 1.233.258-PR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 26.4.2011; AgRg nos EDcl no REsp n. 982.956-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2009; AgRg no REsp n. 1.068.255RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.2.2009; AgRg no REsp n. 1.067.171-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 2.12.2008; AgRg no REsp n. 1.075.245-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 12.11.2008; AgRg no Ag n. 1.000.606-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2008; AgRg no REsp n. 845.711-RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 29.5.2008, AgRg no REsp n. 956.513-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9.3.2009; entre outros. 366 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Essa posição também foi reafirmada no julgamento do recurso especial repetitivo que decidiu acerca da tributação do ISS sobre os serviços de construção civil. Confira-se: Tributário. ISS. Prestação de serviço. Construção civil. Projeto, assessoramento na licitação e gerenciamento da obra contratada. Competência do município onde se realizou o serviço de construção. Contrato único sem divisão dos serviços prestados. 1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL n. 406/1968 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC n. 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º). 2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou depois da lei complementar, o imposto é devido no local da construção (art. 12, letra b do DL n. 406/1968 e art. 3º, da LC n. 116/2003). 3. Mesmo estabeleça o contrato diversas etapas da obra de construção, muitas das quais realizadas fora da obra e em município diverso, onde esteja a sede da prestadora, considera-se a obra como uma universalidade, sem divisão das etapas de execução para efeito de recolhimento do ISS. 4. Discussão de honorários advocatícios prejudicada em razão da inversão dos ônus da sucumbência. 5. Recurso Especial conhecido e provido. 6. Recurso especial decidido sob o rito do art. 543-C do CPC. Adoção das providências previstas no § 7º do art. 543-C do CPC e nos arts. 5º, II e 6º da Resolução STJ n. 8/2008 (REsp n. 1.117.121-SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 29.10.2009). Entretanto, entendo que esse entendimento não deve mais prevalecer. Com efeito, o art. 12, alínea a, do DL n. 406/1968 dispunha que o “local da prestação do serviço” é “o do estabelecimento prestador, ou na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”. Excetuam essa regra as atividades de construção civil (alínea b) e de exploração de rodovia (alínea c). A literariedade desse dispositivo legal, recepcionado como lei complementar, privilegia a municipalidade onde está situado o prestador de serviços, elegendo, em primeiro plano, seu estabelecimento, ou, na falta deste, seu domicílio. Tendo em vista que a matéria relativa à sujeição ativa do ISS, porquanto não disciplinada expressamente na Carta Política, está reservada à legislação complementar (art. 146, III, da CF), deve ser observado o critério escolhido RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 367 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pelo legislador, o qual buscou destinar a legitimidade de exigir essa tributação ao município em que sediado o prestador de serviço. Tenho, portanto, que eventual mudança dessa clara opção política, relativa ao pacto federativo por influenciar no volume de arrecadação do ISS pelos municípios, deve ser promovida diretamente junto ao Poder legiferante, cabendo ao magistrado, sobretudo por se tratar de matéria tributária, fazer cumprir, de maneira estrita, o comando legal preconizado. Conclui-se, portanto que, no presente caso, o município recorrido (Município de Tubarão-SC) não ostenta competência para exigir o tributo em comento, razão pela qual os embargos à execução devem ser julgados procedentes. Afastada, no caso concreto, a sujeição ativa do município exequente, resta prejudicada a análise do recurso especial quanto à base de cálculo da exação, não devendo ser fixada tese jurídica sobre essa tema nesse recurso especial repetitivo. Entretanto, se superada a tese prejudicial relativa à competência do município exequente, apresentarei voto específico relativo à base de cálculo do tributo. Com essas breves digressões, acompanho o eminente ministro relator para dar parcial provimento ao presente recurso especial, a fim de consolidar as seguintes teses: a) incide o ISS sobre o arrendamento mercantil, conforme decidido pelo STF (RE n. 592.905-SC); b) à luz do art. 12, a, do DL n. 406/1968, o imposto é devido ao município onde localizado o estabelecimento prestador ou, na falta deste, do domicílio do prestador. Julgo prejudicada a análise de questão relativa à base de cálculo da exação. Em consequência, no caso concreto, julgo procedentes os embargos à execução fiscal para o fim de extinguir a execução fiscal. Outrossim, inverto os ônus sucumbenciais. É o voto. VOTO-VISTA Ementa: Tributário e Processual Civil. Recurso especial. ISSQN. Leasing financeiro. Incidência (STF - RE n. 592.905-SC, DJe de 5.3.2010). Competência. Fato gerador ocorrido sob a égide do Decreto-Lei n. 406/1968. Local do estabelecimento prestador (art. 12, a, DL n. 406/1968). 368 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Recurso especial a que se dá parcial provimento, acompanhando o relator. O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: 1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que, em embargos à execução fiscal, decidiu que (a) incide o ISS nas operações de leasing, conforme dicção da Súmula n. 138-STJ, (b) a base de cálculo do tributo deve ser o somatório das prestações de leasing, acrescido de um percentual relativo aos encargos financeiros incidentes, e (c) a competência tributária “se firma pelo local da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja, onde os serviços foram efetivamente prestados” (fl. 318). Nas razões do recurso especial (fls. 351-378), a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos seguintes dispositivos: (a) arts. 110 do CTN e 8º do Decreto-Lei n. 406/1968, argumentando que não há incidência de ISSQN nas operações de leasing, pois estas não traduzem efetiva prestação de serviço; (b) art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968, asseverando que o “Decreto-Lei n. 406/1968, diploma aplicável na época da suposta ocorrência dos fatos geradores, adotou, por política legislativa, uma ficção legal: considerou como local da prestação de serviço o município onde está localizado o estabelecimento do prestador” (fl. 363); e (c) art. 148 do CTN e 9º, caput, do Decreto-Lei n. 406/1968, aduzindo a ilegalidade da base de cálculo, pois na sua fixação foram considerados “aspectos materiais que não configuram efetiva prestação de serviço, desdobrando-se dos limites previstos no art. 148 do Código Tributário Nacional” (fl. 370). Nas contra-razões (fls. 467-486), o recorrido invoca preliminares de nãoconhecimento e, no mérito, pede o desprovimento. O recurso especial, à fl. 645, foi submetido ao regime do art. 543-C do CPC. Em parecer (fls. 649-657), o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso. Foram admitidos como amicus curiae os Municípios de Braço do Norte-SC, Brusque-SC, e Dois Córregos-SP, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais - ABRASF, a Associação dos Municípios do Paraná - AMP, e a Associação Brasileira de Empresas de Leasing - ABEL. Às fls. 1.106-1.107, foi determinada a suspensão dos processos sobre idêntica matéria não apenas aos Tribunais de 2ª instância, mas a todos aqueles em que a controvérsia esteja estabelecida. Iniciado o julgamento, o relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, deu parcial provimento ao recurso especial, para os fins assim constantes da ementa desse primitivo voto: RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 369 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (...) 12. Recurso Especial parcialmente provido para definir que: (a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro; (b) o Município competente para a sua cobrança, na vigência do DL n. 406/1968 é o da sede do estabelecimento prestador (art. 12), e a partir da LC n. 116/2003, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil no Município onde essa prestação é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo; (c) a base de cálculo do tributo, no presente caso, abrange o valor total da operação contratada, por corresponder ao preço do serviço; (d) essas diretrizes servem também para os casos de lançamento por homologação; (e) no caso concreto, julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante a incompetência do Município de Tubarão-SC para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ. O Ministro Cesar Asfor Rocha, na sessão de julgamento de 23.5.2012, acompanhou essa orientação. Em voto-vista, o Ministro Mauro Campbell Marques, por fundamentos, em parte, diversos, acompanhou a orientação do Ministro Relator para dar parcial provimento ao recurso especial, afastando a competência do Município recorrido para efetuar a cobrança do ISSQN, de forma a julgar procedentes os embargos à execução, ficando, portanto, prejudicada a análise da base de cálculo do tributo. Na sessão de 27.6.2012, o Ministro Relator e o Ministro Cesar Asfor Rocha retificaram os votos anteriormente proferidos para excluir da análise do recurso especial as considerações acerca da base de cálculo do tributo. O Ministro Benedito Gonçalves, em voto-vista, acompanhou o Ministro Relator quanto à sujeição ativa do tributo, de forma a dar provimento aos embargos à execução, ficando, assim, prejudicada a análise do recurso especial quanto aos demais pontos, inclusive quanto à base de cálculo da exação. Pedi vista para melhor exame da natureza e das características dos “serviços” inerentes ao leasing financeiro, o que se mostra essencial para a definição do Município competente para a cobrança do tributo. 2. O exame da matéria aqui discutida deve ter como pressuposto o que ficou decidido pelo STF ao afirmar a incidência do ISSQN sobre o leasing financeiro. Eis a ementa do acórdão que apreciou esse tema: Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil. Operação de leasing financeiro. Artigo 156, III, da Constituição do Brasil. 370 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE n. 592.905-SC, Tribunal Pleno, Min. Eros Grau, DJe de 5.3.2010). Partindo desse pressuposto, cujo acerto ou não aqui já não cabe questionar, é de se entender que a essência de serviço de leasing financeiro sujeito à tributação é o ato de financiar (= o financiamento), sendo irrelevantes os demais atos de execução do contrato a cargo do prestador, inclusive o da aquisição e o da entrega do bem. Se a prestação de serviço é, na essência, a concessão do financiamento, o que se tem é um serviço de natureza instantânea (e não continuada) que o seu prestador (= financiador) cumpre e exaure no limiar da relação contratual. Se assim é, têm razão os votos já proferidos nesse julgamento, que, revisando os precedentes da 1ª Seção do STJ sobre o tema, são no sentido da aplicação da norma estabelecida no art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, segundo o qual “Considera-se local da prestação do serviço: (...) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”. As exceções a essa regra são apenas as hipóteses de construção civil e de exploração de rodovias (letras b e c do dispositivo). 3. No caso concreto, o fato gerador que deu ensejo à execução fiscal ocorreu na vigência do Decreto-Lei n. 406/1968, razão pela qual, à luz do entendimento agora reafirmado, é de se dar provimento aos embargos à execução e afastar a legitimidade do Município de Tubarão para a cobrança do tributo, ficando prejudicada a análise das demais questões, notadamente à da alegada violação aos arts. 148 do CTN e 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, relativas à definição da base de cálculo do tributo. 4. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, acompanhando o voto (retificado) do Ministro relator e dos que o acompanharam. É o voto. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 371 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO-VISTA Ementa: Tributário. ISS. Leasing. Sujeição ativa. Local da prestação do serviço. Interpretação infralegal conforme análise constitucional feita pelo egrégio STF. Estabelecimento prestador. Local onde a prestadora de serviço concentra atos atinentes ao financiamento (= núcleo do contrato de leasing, segundo o STF). 1. Discute-se a sujeição ativa relativa ao ISS incidente sobre serviços de leasing financeiro. 2. O eminente Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia, entendeu que: a) na vigência do DL n. 406/1968, o sujeito ativo do ISS é o Município onde “sediado o estabelecimento prestador”; b) no âmbito da LC n. 116/2003, refere-se ao estabelecimento prestador; e c) nesse último caso (enquanto vigente a LC n. 116/2003) “competirá, obviamente, às instâncias ordinárias, verificarem onde situa-se o estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil”. 3. Os Ministros que o acompanharam no resultado citaram em seus votos escritos apenas o DL n. 406/1968 e o estabelecimento prestador, e não a sede. Nos debates da sessão do dia 10.10.2012, houve manifestações em relação à sede ou matriz da prestadora como relevante. 4. A falta de clareza no que concerne aos fundamentos adotados pelo acórdão pode, com a devida vênia, minar, senão inviabilizar, a função essencial dos recursos repetitivos, que é fixar entendimentos e reduzir o afluxo de processos à instância especial. No caso dos autos, afirmar que o Município de Tubarão não é sujeito ativo do ISS porque lá não se localiza a sede da empresa de leasing é algo completamente diferente de declarar que sua pretensão é inviável porque não há estabelecimento prestador naquela localidade. 5. Sede é localidade escolhida pela pessoa jurídica como estabelecimento inicial, onde se concentra a administração, correspondendo, em regra, ao domicílio empresarial (art. 75, IV, do CC). Cada sociedade tem uma sede, mas pode possuir diversos estabelecimentos. 6. Estabelecimento sempre foi entendido, no Direito Brasileiro, em duas acepções: a) universalidade de bens utilizados pelo empresário 372 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO ou pela sociedade empresária, sinônimo de fundo de comércio, conforme o art. 1.142 do CC; e b) local determinado geograficamente onde a empresa se apresenta ao mercado, produzindo, vendendo, prestando serviços, acepção adotada nos arts. 11, § 3º, da LC n. 87/1996; 969 do CC; 49 do CDC; 3º da Lei de Falências; 2º, § 1º, da Lei Antitruste, entre outros. 7. O art. 4º da LC n. 116/2003, ao definir o estabelecimento prestador, não inova, apenas traz expressamente, à normatização do ISS, essa segunda acepção de estabelecimento (= local onde o empresário realiza o objeto empresarial). 8. A interpretação a ser dada ao DL n. 406/1968 não pode ser distinta daquela atinente à LC n. 116/2003, pois não houve alteração da regra relativa ao aspecto espacial da hipótese de incidência. 9. Tanto na vigência do DL n. 406/1968 como na da LC n. 116/2003, o legislador reconheceu que o ISS é devido no local do fato gerador. Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível identificar esse local sem critérios normativos objetivos, determinouse a ficção legal de que ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do serviço, como regra. 10. Segundo o art. 12, caput, a, do DL n. 406/1968: “Considerase local da prestação do serviço (...) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”. Da mesma forma, nos termos do art. 3º da LC n. 116/2003, “O serviço considerase prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”. 11. A única distinção entre as duas normas refere-se às exceções. O art. 12 do DL n. 406/1968 trazia apenas duas, em suas alíneas a e b. Já o art. 3º da LC n. 116/2003 apresenta 22 exceções, enumeradas em seus incisos. 12. Por muitos anos o STJ tem mantido o entendimento, especificamente quanto aos serviços de leasing, afirmando genericamente que o ISS é devido no local do fato gerador. 13. A rigor, a jurisprudência histórica do STJ acaba decidindo acerca da sujeição ativa do ISS sobre o leasing de duas formas: a) negativamente, afastando a ficção legal de que o local da prestação RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 373 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (= local do fato gerador) é o do estabelecimento prestador; e b) implicitamente, acolhendo a tese de que o serviço é prestado no domicílio do tomador ou no do estabelecimento em que o bem, objeto do contrato, é vendido (normalmente o local onde está estabelecida a concessionária de veículo). 14. Esse posicionamento não pode prevalecer, não apenas por desconsiderar o disposto expressamente no art. 12 do DL n. 406/1968 e no art. 3º, caput, da LC n. 116/2003 (que indicam o estabelecimento do prestador), mas também por distanciar-se das premissas fixadas pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 547.245-SC e o RE n. 592.905-SC. 15. O eminente Ministro Eros Grau, Relator daqueles recursos, deixou claro que o fato gerador não se confunde com a venda do bem objeto do leasing financeiro, já que o núcleo do serviço prestado é o financiamento. 16. A identificação do local de ocorrência do fato gerador, à luz do art. 12 do DL n. 406/1968 e do art. 3º, caput, da LC n. 116/2003, deve necessariamente avaliar a complexidade do negócio jurídico que tem, em seu cerne, o financiamento, e não a compra do bem pela instituição financeira ou sua disponibilização ao tomador do serviço. 17. O tomador do serviço, ao dirigir-se à concessionária de veículos, por exemplo, não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora qual bem deve ser por ela adquirido, para lhe ser posteriormente disponibilizado. Muito comum que o próprio vendedor do bem ofereça ao interessado opções de financiamento, inclusive o leasing. Observo que, além de vender o bem para a instituição financeira, a concessionária de veículo, nesse exemplo, presta serviço de intermediação do contrato de arrendamento mercantil (item 10.04 da lista anexa da LC n. 116/2003), que não se confunde, em absoluto, com o próprio serviço de leasing financeiro, que está em julgamento (item 15.09 da mesma lista). 18. Quando o interessado decide-se pelo arrendamento mercantil, a concessionária, em regra, envia a documentação para a instituição financeira, que analisa as credenciais econômicas do interessado e suas próprias disponibilidades e, sendo o caso, firma o contrato de leasing financeiro. A prestadora do serviço adquire então o bem, 374 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO disponibilizando-o ao tomador. Durante o período em que o veículo está à disposição do arrendatário, a instituição financeira acompanha os pagamentos. Havendo inadimplência, a prestadora do serviço toma as providências para a cobrança e, em último caso, para a retomada do veículo. Finalmente, aliena o bem ao arrendatário, na hipótese de opção e quitação do valor residual. 19. Apenas uma pequena e inicial parte desse complexo negócio jurídico ocorre no local do domicílio do tomador ou do estabelecimento vendedor do bem. Sendo o financiamento o cerne desse negócio jurídico, premissa fixada pelo egrégio STF, parece evidente que o estabelecimento prestador é o da instituição financeira onde se concentram essas atividades essenciais (aprovação do crédito, acompanhamento dos pagamentos, cobrança e, eventualmente, retomada do bem). 20. Importante que o STJ fixe em repetitivo a interpretação da legislação federal de modo objetivo e específico, in casu a exata identificação do aspecto espacial na hipótese de incidência do ISS. Não parece suficiente afirmar, de modo genérico, que o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, sem definir, exatamente, como ele deve ser identificado. 21. Isso (definição genérica) levaria, certamente, a acórdãos paradoxais, em que o TJ-SC, por exemplo, reconhece que há estabelecimento prestador em determinada cidade daquele Estado, pois a concessionária lá localizada é agente da instituição financeira, enquanto o TJ-SP entende que o estabelecimento prestador, em relação ao mesmo contrato de leasing, está em algum município paulista, porque lá é que se aprova o financiamento. Nesse caso, o STJ não teria cumprido plenamente sua função uniformizadora da interpretação federal, essencial para o equilíbrio federativo. 22. Partindo da premissa inafastável de que o legislador adotou como aspecto espacial da hipótese de incidência o local do estabelecimento prestador, este somente pode ser o da instituição financeira onde se concentram a análise do crédito, a autorização do financiamento e de aquisição do bem com subsequente disponibilização ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos, a determinação de cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do veículo. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 375 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 23. No caso dos autos, incontroverso que esse estabelecimento prestador está localizado em Osasco. 24. Recurso Especial parcialmente provido, acompanhando o Relator quanto ao resultado, mas discordando a respeito do fundamento, no ponto em que Sua Excelência se refere à sede da prestadora do serviço e à distinção entre os critérios atinentes ao DL n. 406/1968 e à LC n. 116/2003. O Sr. Ministro Herman Benjamin: Discute-se a sujeição ativa relativa ao ISS incidente sobre serviços de leasing financeiro. O debate acerca da base de cálculo foi refutado pelos eminentes Ministros que me precederam, por ser matéria prejudicada pelo afastamento da pretensão do Município recorrido. Para total clareza, separarei meu voto em tópicos. 1. Votos precedentes 1.1. Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia (Relator) O eminente Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia, entendeu que: a) na vigência do DL n. 406/1968, o sujeito ativo do ISS é o Município onde “sediado o estabelecimento prestador”; b) na vigência da LC n. 116/2003, “existindo estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil, assim entendido como unidade econômica ou profissional estabelecida de forma permanente ou temporária, qualquer que seja a sua denominação, no Município onde a prestação do serviço é perfectibilizada e ocorre o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo”; e c) nesse último caso (vigência da LC n. 116/2003) “competirá, obviamente, às instâncias ordinárias, verificarem onde situa-se o estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil”. Em um primeiro momento, Sua Excelência manifestou-se acerca da base de cálculo, tendo sido integralmente acompanhado pelo eminente Ministro Cesar Asfor Rocha (sessão do dia 23.5.2012). 376 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Após o voto-vista do Min. Mauro Campbell, entretanto, ambos (Relator e Min. Cesar Asfor Rocha) retificaram seus votos para excluir essa análise (sessão do dia 27.6.2012). Nesse ponto, indico, preliminarmente, questão que não ficou clara pela leitura dos votos precedentes e das transcrições do debate: manutenção da manifestação, no voto do eminente Relator, quanto à interpretação da LC n. 116/2003, distinta daquela feita em relação ao DL n. 406/1968. O esclarecimento é essencial, em se tratando de repetitivo. 1.2. Voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques O eminente Ministro Mauro Campbell Marques acompanhou o resultado proposto pelo eminente Relator, de parcial provimento ao Recurso Especial da empresa, mas examinou apenas o DL n. 406/1968, excluindo a apreciação da LC n. 116/2003 e da base de cálculo. Como já adiantado, o afastamento da análise quanto à base de cálculo foi acompanhado expressamente pelo Relator. Quanto à fundamentação, o Ministro Mauro Campbell Marques não menciona a sede da empresa de leasing como relevante para fixação da sujeição passiva, referindo-se apenas ao estabelecimento prestador: 2) à exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador. Adianto que esse me parece o entendimento correto, já que legislação não versa sobre a sede, conceito absolutamente distinto do estabelecimento, como veremos mais adiante. 1.3. Voto-vista do Ministro Benedito Gonçalves O eminente Ministro Benedito Gonçalves também acompanhou o resultado proposto pelo Relator (parcial provimento do Recurso Especial), mas a fundamentação aproxima-se daquela adotada pelo eminente Ministro Mauro Campbell. De fato, diferentemente do que fez o eminente Ministro Napoleão Nunes Maia, o Ministro Benedito Gonçalves refere-se apenas ao estabelecimento RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 377 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA prestador (e não à sede) ou, em sua falta, ao domicílio do prestador, conforme a literalidade do art. 12, a, do DL n. 406/1968. 1.4. Voto-vista do Ministro Teori Zavascki e debates na sessão do dia 10.10.2012 O Ministro Teori Zavascki não faz alusão, em seu voto escrito, à sede da prestadora do serviço, mas apenas ao estabelecimento prestador ou, em sua falta, ao domicílio do prestador. Entretanto, nos debates na sessão do dia 10.10.2012 afirma expressamente que “A lei fala na sede”, ao responder indagação formulada pelo eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima. O Ministro Castro Meira complementa, afirmando que “seria a sede o local onde se efetua o financiamento”. Esclarecendo seu ponto de vista, o Ministro Napoleão Nunes Maia referese às “matrizes das empresas, onde estão os controles, inclusive dos valores disponíveis”, conforme as transcrições dos debates na sessão do dia 10.10.2012: O elemento diferencial, se me permite, Sr. Presidente, o estabelecimento prestador. Quem presta o financiamento ou quem empresta o capital é a unidade descentralizada em Limoeiro, por exemplo, Boqueirão do Cesário ou em Catolé do Rocha, claro que não é. Isso é centralizado nas matrizes das empresas, onde estão os controles, inclusive dos valores disponíveis, para esse tipo de aplicação. Foi essa dúvida quanto ao critério de fixação da sujeição passiva que me levou a pedir vista dos autos. 2. Importância da fundamentação nos Recursos Especiais representativos de controvérsia A dúvida quanto à fundamentação dos votos precedentes seria menos relevante em caso de Recurso Especial comum. É certo que a fundamentação não faz coisa julgada, sendo usual acórdãos unânimes com votos muitas vezes inconciliáveis em suas fundamentações. Isso porque o resultado final do julgado é dado pela concordância quanto ao dispositivo do acórdão, apenas. Cito, como exemplo, julgados em que alguns Ministros entendem pela não incidência do IR sobre juros e outros pela incidência, como regra, mas 378 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO isenção no tema em análise. Apesar de serem entendimentos aparentemente inconciliáveis, o resultado é a concordância quanto à inviabilidade de cobrança da exação, no caso concreto. Ocorre que essa falta de clareza em relação aos fundamentos adotados pelo acórdão pode minar, senão inviabilizar, a função essencial dos recursos repetitivos, que é fixar posicionamentos e reduzir o afluxo de processos à instância especial. In casu, afirmar que o Município de Tubarão não é sujeito ativo do ISS porque lá não se localiza a sede da empresa de leasing é algo completamente diferente de declarar que sua pretensão é inviável porque não há estabelecimento prestador naquela localidade. Essa distinção é irrelevante para o caso dos autos, pois ambos os entendimentos redundam no provimento parcial do Recurso Especial, já que é incontroverso que não há estabelecimento da empresa de leasing em Tubarão. É por isso, ousamos dizer, que o Ministro Mauro Campbell acompanhou o Relator, embora o fundamento seja distinto. Mas haverá inúmeros casos em que a instituição financeira tem sede em Barueri-SP e o juiz de origem afere que há estabelecimento prestador em Blumenau-SC, por exemplo. Ao aplicar o presente repetitivo, nesse exemplo fictício, o Tribunal de origem, caso leia apenas o voto do Relator, afastará a pretensão do Município de Blumenau. Entretanto, sempre nesse exemplo fictício, se o Tribunal fizer a leitura do voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques, poderá acolher o pleito de Blumenau, já que há estabelecimento empresarial da instituição financeira naquela localidade. É preciso esclarecer, portanto, o fundamento pelo qual a pretensão de Tubarão, no caso em análise, está sendo refutada, sob pena, repito, de se esvaziar a sistemática do art. 543-C do CPC. 3. Distinção entre sede (ou matriz) e estabelecimento empresarial - a legislação do ISS não se refere à sede, e a LC n. 116/2003 não inova ao definir estabelecimento RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 379 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sede é localidade escolhida pela pessoa jurídica como estabelecimento inicial, onde se concentra a administração, correspondendo, em regra, ao domicílio empresarial (art. 75, IV, do CC). Embora a sede corresponda necessariamente a um estabelecimento da sociedade, nada impede, evidentemente, que haja outros. São conceitos distintos. Estabelecimento sempre foi entendido, no Direito Brasileiro, em duas acepções: a) universalidade de bens utilizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, sinônimo de fundo de comércio, conforme o art. 1.142 do CC; e b) local determinado geograficamente onde a empresa se apresenta ao mercado, produzindo, vendendo, prestando serviços, acepção adotada nos arts. 11, § 3º, da LC n. 87/1996; 969 do CC; 49 do CDC; 3º da Lei de Falências; 2º, § 1º, da Lei Antitruste, entre outros. O art. 4º da LC n. 116/2003, ao definir o estabelecimento prestador, não inova em relação ao conceito amplamente acolhido no âmbito empresarial, falimentar, concorrencial, cível e consumerista. Apenas traz expressamente à normatização do ISS essa segunda acepção de estabelecimento (= local onde o empresário realiza o objeto empresarial). Basta comparar esse dispositivo com aqueles das leis antes citadas para verificar que a Lei Nacional do ISS não inova (grifei): LC n. 116/2003, art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. LC n. 87/1996, art. 11, § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: (...) Código Civil, Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária. 380 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede. CDC, art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Lei de Falências, art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Lei Antitruste, art. 2º, § 1º Reputa-se domiciliada no território nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante. Por tudo isso, podemos concluir tranquilamente que: a) sede não se confunde com estabelecimento; e b) o art. 4º da LC n. 116/2003 não inova ao definir o que seja estabelecimento, pois apenas registra expressamente a acepção sempre aceita do estabelecimento como local determinado geograficamente onde a empresa se apresenta ao mercado, produzindo, vendendo, prestando serviços. Assim, não há como fixar entendimento em repetitivo sem esclarecer exatamente qual o critério para identificação do aspecto espacial da hipótese de incidência (local da sede ou do estabelecimento prestador). Veremos, a seguir, que a legislação nacional do ISS sempre se referiu ao estabelecimento, jamais à sede da contribuinte. Ademais, mesmo decidindo-se pelo estabelecimento como critério definidor do aspecto espacial da hipótese de incidência, é essencial que o STJ defina, em caso de multiplicidade de estabelecimentos, qual deles indica o Município que exigirá o tributo. 4. Identidade no DL n. 406/1968 e na LC n. 116/2003 quanto ao aspecto espacial da hipótese de aplicação do ISS - a regra sempre foi a do estabelecimento como indicador do local do fato gerador (ficção legal), o que mudou foram as exceções RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 381 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Retorno ao voto do eminente Relator para lembrar que Sua Excelência fixou duas regras para definição do sujeito ativo do ISS: a) na vigência do DL n. 406/1968, sujeito ativo do ISS é o Município onde “sediado o estabelecimento prestador”; b) na vigência da LC n. 116/2003, “existindo estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil, assim entendido como unidade econômica ou profissional estabelecida de forma permanente ou temporária, qualquer que seja a sua denominação, no Município onde a prestação do serviço é perfectibilizada e ocorre o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo”. Ademais, nesse último caso (vigência da LC n. 116/2003), segundo o Ministro Napoleão Nunes Maia, “competirá, obviamente, às instâncias ordinárias, verificarem onde situa-se o estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil”. Mais adiante, durante os debates na sessão do dia 10.10.2012, o Relator refere-se indistintamente à matriz das empresas como relevante para definição do sujeito ativo, afirmando que o serviço “é centralizado nas matrizes das empresas, onde estão os controles, inclusive dos valores disponíveis”. Considerando que matriz é termo utilizado como sinônimo de sede, entendo que Sua Excelência tratou exclusivamente da vigência do DL n. 406/1968, ou haveria incongruência com o teor do voto escrito no que se refere à LC n. 116/2003 (com relação a essa lei, o Relator menciona o estabelecimento, apenas). Como disse inicialmente, não me ficou claro, pela leitura dos votos precedentes e pelos debates orais, se a retificação do voto do Relator afastou o debate sobre a LC n. 116/2003. De qualquer forma, manifesto-me a respeito, pois novel legislação não alterou a regra relativa ao aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS. Não me parece que a interpretação a ser dada ao DL n. 406/1968 possa ser distinta daquela atinente à LC n. 116/2003. É preciso ter claro que o legislador, tanto na vigência do DL n. 406/1968 quanto na da LC n. 116/2003, sempre reconheceu que o ISS é devido, evidentemente, no local do fato gerador. 382 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível identificar esse local sem critérios normativos objetivos, determinou-se a ficção legal de que ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do serviço, como regra. Compare-se o art. 12 do DL n. 406/1968 (redação pela LC n. 100/1999) com o art. 3º, caput, da LC n. 116/2003: DL n. 406/1968, art. 12. Considera-se local da prestação do serviço: (Revogado pela Lei Complementar n. 116, de 2003) a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação. c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. LC n. 116/2003, art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: Note-se que ambos os dispositivos aplicam a mesma ficção legal: considera-se como local da prestação do serviço (= local do fato gerador) o do estabelecimento prestador. Na falta de estabelecimento prestador, adota-se o domicílio do prestador. A única distinção entre as duas normas é concernente às exceções. O art. 12 do DL n. 406/1968 trazia apenas duas exceções à regra do estabelecimento prestador, em suas alíneas a e b: construção civil e exploração de rodovia. Já o art. 3º da LC n. 116/2003 apresenta 22 exceções, enumeradas em seus incisos. Nesse ponto, é interessante destacar que o legislador da LC n. 116/2003 aprimorou a norma anterior, indicando nos incisos do art. 3º os serviços em que o local da efetiva prestação do serviço é facilmente reconhecível (construção, limpeza, transportes, vigilância etc.). É claro que o ideal teria sido identificar cada um dos locais em que se dá a prestação do serviço e, com isso, abandonar completamente a ficção legal do estabelecimento prestador. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 383 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ocorre que, nos demais casos (não indicados nos incisos do art. 3º da LC n. 116/2003), é muito difícil, senão impossível, saber exatamente onde o serviço é efetivamente prestado. É essa a dificuldade em relação ao leasing financeiro. É comum que o tomador do serviço de arrendamento mercantil seja domiciliado em um município, o local da venda do veículo seja em outra cidade e a análise, aprovação, liberação dos valores e acompanhamento do contrato pela instituição financeira sejam realizados a partir de uma terceira localidade. Foi por essa razão que, para esse serviço (a exemplo de outros como consultorias, produção de software, cessão de direitos etc.), manteve-se a ficção legal do estabelecimento prestador, como forma de dirimir Conflitos de Competência, função essencial da lei complementar federal, conforme o art. 146, I, da CF. A jurisprudência do STJ, ao determinar singelamente que o ISS sobre leasing é devido no local do fato gerador, simplesmente adota um dos critérios possíveis para essa definição, defendido pelos Municípios que não contam com estabelecimentos prestadores do serviço, afastando a ficção legal. Analisarei o tema no tópico seguinte. Antes disso, reitero que, por entender inexistir inovação na LC n. 116/2003, a solução dada ao presente caso (atinente ao DL n. 406/1968) é a mesma aplicável aos serviços prestados sob a atual legislação. 5. Jurisprudência clássica do STJ. Insuficiência na determinação genérica de que o ISS é devido no local do fato gerador. Adoção tácita do critério do domicílio do tomador do serviço ou do local da venda do bem financiado Por muitos anos o STJ tem mantido o entendimento, especificamente quanto aos serviços de leasing, de que o ISS é devido no local do fato gerador. Os colegas que me precederam citaram diversos exemplos dentre os inúmeros julgados nesse sentido. Ocorre que isso não resolve satisfatoriamente a questão, pois não se define onde, exatamente, ocorre o fato gerador. Dito de outra forma, indiscutível que o ISS é devido ao Município onde ocorre o fato gerador. O debate é quanto à identificação dessa localidade (se é o domicílio do tomador do serviço, da venda do bem, do estabelecimento ou mesmo da sede da instituição financeira). 384 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO A rigor, a jurisprudência histórica do STJ acaba decidindo acerca da sujeição ativa do ISS sobre o leasing de duas formas: a) negativamente, afastando a ficção legal de que o local da prestação (= local do fato gerador) é o do estabelecimento prestador; e b) implicitamente, acolhendo a tese defendida pelos Municípios que não possuem empresas de leasing estabelecidas em seu território, no sentido de que o serviço é prestado no domicílio do tomador do serviço ou no do estabelecimento em que o bem, objeto do contrato, é vendido (normalmente o local onde se encontra a concessionária de veículo). Para que fique claro, ao afirmar genericamente que o ISS é devido no local do fato gerador, o STJ simplesmente ratifica o entendimento de que o imposto deve ser recolhido ao Município onde domiciliado o tomador do serviço ou onde se realiza a venda do bem objeto do leasing. Ocorre que esse posicionamento não pode prevalecer, não apenas por desconsiderar o disposto expressamente no art. 12 do DL n. 406/1968 e no art. 3º, caput, da LC n. 116/2003 (que indicam o estabelecimento do prestador), como visto no tópico anterior e reconhecido pelos votos precedentes, mas também por distanciar-se das premissas fixadas pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 547.245-SC e o RE n. 592.905-SC. Analisarei a jurisprudência do STF no próximo tópico. 6. Jurisprudência do STF - o fato gerador do ISS não ocorre especificamente no local da venda do bem financiado O egrégio STF ratificou a incidência do ISS sobre serviços de leasing financeiro ao julgar em repercussão geral o RE n. 547.245-SC e o RE n. 592.905-SC. Farei referência ao primeiro deles, pois é o único em que consta voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa (no segundo houve impedimento de Sua Excelência – no mais, são idênticos os acórdãos). O eminente Relator, Ministro Eros Grau, deixou bastante claro que o fato gerador em análise não se confunde com a venda do bem objeto do leasing financeiro, já que o núcleo do serviço prestado é o financiamento. Transcrevo trecho essencial do voto condutor: No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é contrato misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 385 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. No mesmo sentido, a manifestação do Ministro Carlos Britto: Entendo que disponibilizar crédito para obtenção de um bem destinado a uso não é senão um ato de intermediar, ou seja, fazer uma intermediação, obrigação de fazer, portanto. É preciso anotar que o Ministro Joaquim Barbosa entendeu inviável afirmar que o núcleo do contrato de leasing seja o financiamento, “já que o negócio jurídico é uno”, mas é certo que reconheceu ser impossível confundir o contrato de arrendamento com a aquisição do bem ou com sua disponibilização ao arrendatário. Confirma que a “arrendadora atua como intermediária na criação de uma vantagem produtiva e na aproximação de interesses convergentes”. O eminente Ministro Teori Zavascki, no voto precedente, foi bastante feliz ao reconhecer a preponderância do financiamento na interpretação dada pelo egrégio STF. Transcrevo trecho do voto-preliminar de Sua Excelência: Partindo desse pressuposto, cujo acerto ou não aqui já não cabe questionar, é de se entender que a essência do serviço de leasing financeiro sujeito à tributação é o ato de financiar (= o financiamento), sendo irrelevantes os demais atos de execução do contrato a cargo do prestador, inclusive o da aquisição e o da entrega do bem. O STJ, ao analisar a legislação infraconstitucional, não pode se afastar das premissas jurídicas fixadas pela Suprema Corte, sob pena de inaceitável desarmonia interpretativa. A identificação do local de ocorrência do fato gerador, à luz do art. 12 do DL n. 406/1968 e do art. 3º, caput, da LC n. 116/2003, deve necessariamente avaliar a complexidade do negócio jurídico que tem, em seu cerne, o financiamento, e não a compra do bem pela instituição financeira ou sua disponibilização ao tomador do serviço. Veremos que, por esse cotejo, não se pode endossar a jurisprudência histórica do STJ, no sentido de que o ISS é devido no local do domicílio do tomador ou da venda do bem financiado. 7. O financiamento, cerne do contrato de leasing, não ocorre especificamente no domicílio do tomador do serviço ou da venda do bem financiado, mas sim no estabelecimento da instituição financeira 386 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO O tomador do serviço, ao dirigir-se à concessionária de veículos, por exemplo, não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora qual bem deve ser por ela adquirido, para lhe ser posteriormente disponibilizado. Muito comum que o próprio vendedor do bem ofereça ao interessado opções de financiamento, inclusive o leasing. Observo que, além de vender o bem para a instituição financeira, a concessionária de veículo, nesse exemplo, presta serviço de intermediação do contrato de arrendamento mercantil (item 10.04 da lista anexa da LC n. 116/2003), que não se confunde, em absoluto, com o próprio serviço de leasing financeiro, que está em julgamento (item 15.09 da mesma lista). Para que fique claro, é incontroverso que eventual serviço de intermediação do contrato de leasing (item 10.04 da lista), realizado na concessionária, seria devido ao Município em que a loja está localizada (seria Tubarão, no caso dos autos). Mas não é isso que está em julgamento! Quando o interessado decide-se pelo arrendamento mercantil, a concessionária, em regra, envia a documentação para a instituição financeira que analisa as credenciais econômicas do interessado e suas próprias disponibilidades e, sendo o caso, firma o contrato de leasing financeiro. A prestadora do serviço adquire então o bem, disponibilizando-o ao tomador. Durante o período em que o veículo está à disposição do arrendatário, a instituição financeira acompanha os pagamentos. Se se constatar inadimplência, a prestadora do serviço toma as providências para a cobrança e, em último caso, para a retomada do veículo. Finalmente, aliena o bem ao arrendatário, se houver opção e quitação do valor residual. Perceba-se que apenas uma pequena e inicial parte desse complexo negócio jurídico ocorreu no local do domicílio do tomador ou do estabelecimento vendedor do bem. Sendo o financiamento o cerne desse negócio jurídico, premissa fixada pelo egrégio STF, parece evidente que o estabelecimento prestador é o da instituição financeira onde se concentram essas atividades essenciais (aprovação do crédito, acompanhamento dos pagamentos, cobrança e, eventualmente, retomada do bem). Eis, portanto, a interpretação inafastável: o ISS é devido no estabelecimento em que ocorre o financiamento, considerado como tal o local onde se concentram a análise do crédito, a autorização do financiamento e de aquisição do bem com RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 387 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA subsequente disponibilização ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos, a determinação de cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do veículo. 8. Conclusão Reitero a importância de o STJ fixar em repetitivo a interpretação da legislação federal de modo objetivo e específico, in casu a exata identificação do aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS. Não parece suficiente afirmar, de modo genérico, que o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, sem definir, exatamente, como ele deve ser identificado. Isso levaria, certamente, a acórdãos paradoxais, em que o TJ-SC, por exemplo, reconhece que há estabelecimento prestador em determinada cidade daquele Estado, pois a concessionária lá localizada é agente da instituição financeira, enquanto o TJ-SP entende que o estabelecimento prestador, em relação ao mesmo contrato de leasing, está localizado em algum município paulista, porque lá é que se aprova o financiamento. Nessa hipótese, o STJ não teria cumprido plenamente sua função uniformizadora da interpretação federal, essencial para o equilíbrio federativo. Compreensíveis as razões dos Municípios que exigem o ISS no local do domicílio do tomador ou da venda do bem financiado. Afinal, é nessa localidade que ocorre a parcela mais visível da operação e que, de certa forma, indica a capacidade econômica do contribuinte de fato. Como visto, o STF afirmou que o contrato de leasing não se confunde com a venda do bem ou com sua disponibilização ao tomador, tendo como cerne o financiamento realizado pela instituição financeira. O que acontece no local de venda do bem financiado é apenas o início do negócio jurídico complexo, cujo cerne é, repito, o financiamento realizado pela prestadora do serviço. Partindo da premissa inafastável de que o legislador adotou como aspecto espacial na hipótese de incidência o local do estabelecimento prestador, este somente pode ser o da instituição financeira onde se concentram a análise do crédito, a autorização do financiamento e de aquisição do bem com subsequente disponibilização ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos, 388 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO a determinação de cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do veículo. No caso dos autos, incontroverso que esse estabelecimento prestador está localizado em Osasco. Diante do exposto, discordo do fundamento adotado pelo Relator, quando se refere à sede da prestadora do serviço e à distinção entre os critérios atinentes ao DL n. 406/1968 e à LC n. 116/2003. Acompanho-o, entretanto, no resultado, após sua retificação, pelo parcial provimento do Recurso Especial, já que não há estabelecimento prestador da instituição financeira em Tubarão. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.322.945-DF (2012/0097408-8) Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Recorrente: Globex Utilidades S/A Advogado: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues Recorrido: Fazenda Nacional Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional EMENTA Recurso especial. Tributário. Contribuição previdenciária. Salário-maternidade e férias usufruídas. Ausência de efetiva prestação de serviço pelo empregado. Natureza jurídica da verba que não pode ser alterada por preceito normativo. Ausência de caráter retributivo. Ausência de incorporação ao salário do trabalhador. Não incidência de contribuição previdenciária. Parecer do MPF pelo parcial provimento do recurso. Recurso especial provido para afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas. 1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 389 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador. 2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei n. 8.213/1991), não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei n. 8.212/1991. 3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher. 4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido; assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida no art. 28, § 9º, a da Lei n. 8.212/1991. 5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI n. 727.958-MG, de relatoria do eminente Ministro Eros Grau, DJe 27.2.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada. 6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas. 390 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de benefício (ADI-MC n. 2.010, Rel. Min. Celso de Mello); dest’arte, não há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas. 8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o saláriomaternidade. 9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Compareceu à sessão, o Dr. Fabio da Costa Vilar, pela recorrente. Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2013 (data do julgamento). Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator DJe 8.3.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso Especial interposto por Globex Utilidades S/A, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a da Constituição da República em adversidade ao acórdão proferido pelo egrégio TRF da 1ª Região, assim ementado: RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 391 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tributário. Contribuição previdenciária. Prescrição. Salário-maternidade. Férias. Incidência. Primeiros quinze dias de afastamento por motivo de enfermidade. Terço constitucional de férias. Não incidência. Compensação. Possibilidade. Juros de mora. Correção monetária. Taxa Selic. 1. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o Superior Tribunal de Justiça assentou que o prazo prescricional da ação de repetição de indébito, ou que vise à compensação, como regra geral, ocorrerá após o transcurso de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (prazo decadencial), acrescido de mais cinco anos, contados da homologação tácita. 2. A Corte Especial deste Tribunal, em julgamento realizado em 2.10.2008, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da LC n. 118/2005, nos termos do voto da lavra do Desembargador Federal Leomar Amorim (AI na AC n. 2006.35.02.001515-0-GO). Assentado, também, que a aplicabilidade da LC n. 118/2005 se refere apenas a fatos geradores posteriores à sua vigência. 3. As verbas recebidas em virtude de salário-maternidade possuem natureza salarial, caracterizando renda, razão pela qual sobre ela incide a contribuição previdenciária. 4. Somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Os valores percebidos pelo empregado nos primeiros 15 dias de afastamento do trabalho por motivo de doença não possuem natureza salarial, uma vez que não há contraprestação ao trabalho realizado e possui efeitos transitórios, não devendo sobre ele incidir a contribuição previdenciária. 5. Quando o trabalhador não puder usufruir suas férias, fará jus à percepção do valor das férias a título de indenização, sobre o qual não incidirá a contribuição previdenciária. 6. Não incide contribuição previdenciária sobre o abono constitucional de terço de férias, porquanto tais valores não se incorporam aos proventos de aposentadoria. 7. Está autorizada a compensação dos valores pagos a título de contribuição sobre os quinze dias de afastamento do empregado por motivo de doença e terço constitucional de férias, com qualquer tributo arrecadado e administrado pela Secretaria da Receita Federal, ainda que o destino das arrecadações seja outro, nos termos do art. 74 da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n. 10.637/2002. 8. A correção monetária deverá incidir desde a data do pagamento indevido do tributo até a sua efetiva compensação, devendo ser utilizada a Taxa Selic. 9. Apelação da impetrante a que nega provimento. 10. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial a que se nega provimento (fls. 427-428). 392 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 2. Os Embargos de Declaração opostos por ambas as partes foram rejeitados, in verbis: Processual Civil. Embargos de declaração. Contribuição previdenciária. Prescrição. Salário-maternidade. Férias. Incidência. Primeiros quinze dias de afastamento por motivo de enfermidade. Terço constitucional de férias. Não incidência. Compensação. Possibilidade. Juros de mora. Correção monetária. Taxa Selic. Omissão. Contradição. Obscuridade. Inexistência. Rediscussão de matéria julgada. 1. Consignado no voto condutor do acórdão embargado que: somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Os valores recebidos pelo empregado nos primeiros 15 dias de afastamento do trabalho por motivo de doença não possuem natureza salarial, uma vez que não contraprestação ao trabalho realizado e possui efeitos transitórios, não devendo sobre ele incidir a contribuição previdenciária. 2. Incabíveis embargos de declaração utilizados indevidamente com a finalidade de reabrir discussão sobre tema jurídico já apreciado pelo julgador. O inconformismo da embargante se dirige ao próprio mérito do julgado, o que desafia recurso próprio. 3. Necessária a inequívoca ocorrência dos vícios enumerados no art. 535 do CPC, para conhecimento dos embargos de declaração, o que não ocorre com a simples finalidade de prequestionamento. 4. Embargos de declaração rejeitados (fls. 427). 3. No Recurso Especial, alega-se ofensa ao art. 22, I da Lei n. 8.212/1991, sob o argumento de que a hipótese de incidência da contribuição previdenciária é o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, seja pelos serviços prestados, seja pelo tempo em que o empregado ou trabalhador avulso permanece à disposição do empregador ou tomador de serviços (fls. 474). No salário-maternidade e nas férias não há retribuição ao trabalho efetivo ou potencial (fls. 476). Portanto, independentemente da natureza jurídica atribuída a eles, não podem ser considerados hipóteses de incidência da contribuição previdenciária. 4. Apresentadas as contrarrazões (fls. 608-619), o Recurso foi inadmitido na origem (fls. 621-622), subindo a esta Corte, por força do provimento de Agravo de Instrumento (fls. 674-683), momento em que, reconhecida a relevância da matéria, determinou-se a submissão do Recurso Especial a julgamento pela 1ª Seção. 5. O MPF, em parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, manifestou-se pelo parcial provimento do RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 393 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA recurso, apenas para afastar a incidência da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade (fls. 665-671). 6. É o que havia de relevante para relatar. VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Inicialmente, cumpre anotar que o reconhecimento de repercussão geral pelo STF não impede o julgamento dos recursos nesta Corte (AgRg no Ag n. 1.272.427-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 17.8.2010 e AgRg no REsp n. 1.272.945-PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 25.11.2011). 2. Cinge-se a controvérsia em saber se deve ou não incidir Contribuição Previdenciária sobre os valores pagos a título de salário-maternidade e de férias gozadas. 3. Conheço e reverencio a orientação desta Corte de que tanto o saláriomaternidade quanto as férias gozadas integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária (REsp n. 1.232.238-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16.3.2011; AgRg no Ag n. 1.330.045-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25.11.2010; REsp n. 1.149.071-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22.9.2010), todavia vejo a necessidade de abertura de nova discussão sobre o tema. 4. Quanto ao salário-maternidade, de fato, o art. 28, § 2º da Lei n. 8.212/1991 dispõe que o salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição. É certo, ainda, que o salário-de-contribuição é a base de cálculo da contribuição. 5. Ao meu sentir, todavia, antes de definir a incidência ou não de Contribuição Previdenciária sobre uma determinada verba é preciso analisar a sua natureza e se a mesma será computada para cálculo dos benefícios de aposentadoria, porquanto, conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador. 6. O art. 22 da Lei n. 8.212/1991 prevê como fato gerador da Contribuição Previdenciária o pagamento efetuado pelo empregador que se destina à retribuição de serviço prestado, senão vejamos: Art. 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 394 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa (grifo não original). 7. Assim, tem-se como remuneração a contraprestação paga ao Trabalhador em razão dos serviços prestados, enquanto que indenização tem o caráter de reparação ou compensação. 8. Pois bem, o salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei n. 8.213/1991). Como se vê, o salário-maternidade não é contraprestação paga em razão de serviço prestado e nem a segurada está à disposição do empregador, não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei n. 8.212/1991. 9. Por outro lado, a própria Lei n. 8.212/1991, em seu art. 28, § 9º, a, estabelece: Art. 28 - Entende-se por salário-de-contribuição: (...). § 9º - Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade; 10. Como se vê, a regra é de que os benefícios previdenciários não sofram a incidência de Contribuição Previdenciária e apenas uma situação relevantíssima poderia justificar a exclusão de um benefício de tal preceito. 11. Ora, o salário-maternidade deve ser visto dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido, assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção acima estabelecida. 12. Por oportuno, cumpre salientar que o salário-maternidade, inicialmente de responsabilidade do empregador, a partir da edição da Lei n. 6.136/1974 RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 395 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA passou a ser, direta ou indiretamente, um encargo exclusivo da Previdência Social, como forma de tolher a discriminação contra o trabalho feminino. 13. Nesse sentido, afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher. 14. Assim, não possuindo natureza salarial, não é devida a Contribuição Previdenciária sobre o pagamento do salário-maternidade. 15. Nesse particular, merece destaque o parecer do ilustre SubprocuradorGeral da República Washington Bolívar Júnior: Em se tratando de contribuições previdenciárias, a jurisprudência do Excelso STF se consolidou no sentido de que não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor (AI n. 712.880 AgRg, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26.5.2009, DJe-113 Divulg 18.6.2009 Public 19.6.2009 Republicação: DJe-171 Divulg 10.9.2009 Public 11.9.2009 Ement Vol-02373-04 PP-00753). No presente caso, o art. 28, § 2º da Lei n. 8.212/1991 é expresso ao prever que o salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição. Sabe-se que este salário-de-contribuição é a base de cálculo da contribuição, entre outros, do segurado empregado, cuja obrigação na arrecadação e recolhimento recai sobre o empregador, nos moldes do art. 30, I, b, da citada lei. Por outro lado, o salário-maternidade é um benefício a que tem direito o segurado, consoante a regra do art. 71 da Lei n. 8.213/1991 estipulando que o salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. O sujeito passivo dessa relação previdenciária, no caso de segurada empregada, como na espécie, é o INSS, mas o pagamento do benefício é feito diretamente pelo empregador, que tem direito à compensação (art. 72, § 1º da Lei n. 8.213/1991). Com efeito, deve-se afastar a incidência da contribuição previdenciária da empresa prevista no art. 22, I da Lei n. 8.212/1991 sobre o salário-maternidade, posto que inexiste qualquer remuneração paga pelo empregador visando uma retribuição pecuniária, menos ainda serviço prestado pelo segurado. Em suma, não há como se admitir a exigência de recolhimento de contribuição previdenciária da empresa sobre uma prestação devida pelo INSS ao empregadosegurado. 396 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Mutatis mutandis, interessante trazer à baila julgado proferido pelo e. STF em caso relativo ao salário-maternidade, em que se arguia a inconstitucionalidade do art. 14 da EC n. 20/1998, que fixou limite máximo da renda mensal do benefício, onerando-se injustamente o empregador em arcar com eventual diferença sobre o salário-de-contribuição, senão vejamos: Direito Constitucional, Previdenciário e Processual Civil. Licença-gestante. Salário. Limitação. Ação Direta de Inconstitucionalidade do art. 14 da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998. Alegação de violação ao disposto nos artigos 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, e 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. 1. O legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição de 5.10.1988, cujo art. 6º determina: a proteção à maternidade deve ser realizada “na forma desta Constituição”, ou seja, nos termos previstos em seu art. 7º, XVIII: “licença à gestante, sem prejuízo do empregado e do salário, com a duração de cento e vinte dias”. 2. Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na Emenda n. 20/1998, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a E.C. n. 20/1998 conteria referência expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada, revogadora do art. 7º, XVIII, a pura e simples aplicação do art. 14 da E.C. n. 20/1998, de modo a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado. 3. Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da C.F./1988), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. Estará, ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1.200,00, para não ter de responder pela diferença. Não é crível que o constituinte derivado, de 1998, tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da Previdência Social, desatento a tais conseqüências. Ao menos não é de se presumir que o tenha feito, sem o dizer expressamente, assumindo a grave responsabilidade. 4. A convicção firmada, por ocasião do deferimento da RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 397 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Medida Cautelar, com adesão de todos os demais Ministros, ficou agora, ao ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer da Procuradoria Geral da República. 5. Reiteradas as considerações feitas nos votos, então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao art. 14 da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licença gestante, a que se refere o art. 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal. 6. Plenário. Decisão unânime. (ADI n. 1.946, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 30.4.2003, DJ 16.5.2003 PP00090 Ement Vol-02110-01 PP-00123) (fls. 667-670). 16. Da mesma forma, o art. 148 da CLT, por sua vez, estabelece que a remuneração das férias, ainda quando devida após a cessão do contrato de trabalho, terá natureza salarial. 17. Ouso, no entanto, afirmar que o preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica da verba. Ora, tanto no salário-maternidade quanto nas férias gozadas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possui caráter retributivo. Consequentemente, entende-se também não ser devida a Contribuição Previdenciária sobre férias gozadas. 18. Interessante anotar que o Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI n. 727.958-MG, de relatoria do eminente Ministro Eros Grau, DJe 27.2.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. No mesmo sentido também já se manifestou esta Corte: Tributário e Previdenciário. Incidente de Uniformização de Jurisprudência das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais. Contribuição previdenciária. Terço constitucional de férias. Natureza jurídica. Não-incidência da contribuição. Adequação da jurisprudência do STJ ao entendimento firmado no Pretório Excelso. 1. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais firmou entendimento, com base em precedentes do Pretório Excelso, de que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. 2. A Primeira Seção do STJ considera legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. 3. Realinhamento da jurisprudência do STJ à posição sedimentada no Pretório Excelso de que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço 398 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO constitucional de férias, verba que detém natureza indenizatória e que não se incorpora à remuneração do servidor para fins de aposentadoria. 4. Incidente de uniformização acolhido, para manter o entendimento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, nos termos acima explicitados. (Pet n. 7.296-PE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 10.11.2009). 19. Pois bem, o terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e como se sabe a prestação de cunho acessório segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada. 20. Por fim, a Fazenda Nacional argumenta que os valores recebidos a título de salário-maternidade e férias usufruídas integram o cálculo de benefício e são considerados no cálculo da aposentadoria do Trabalhador. 21. Entretanto, não há que se falar em ofensa aos Princípios do Equilíbrio Atuarial e Financeiro de gestão do Regime Geral da Previdência Social, pois a própria solidariedade do sistema irá permitir, a partir da arrecadação de outras fontes, como os valores oriundos do lucro líquido das empresas e de concursos de prognósticos, que verbas em sua essência não retributivas, como por exemplo o salário-maternidade e as férias usufruídas, não sofram indevidamente a incidência de contribuição previdenciária. 22. Outrossim, o próprio STF, ao apreciar a constitucionalidade da Lei n. 9.783/1999 (ADI-MC n. 2.010, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 12.4.2002), concluiu pela necessária correlação entre custo e benefício, pois o regime contributivo, por sua natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo, qualificando-se como constitucionalmente ilegítima, porque despojada de causa eficiente, a instituição de contribuição sem o correspondente oferecimento de uma nova retribuição, um novo benefício ou um novo serviço. E acrescentou que a existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Ou seja, da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição em forma de benefício. 23. Esse foi um dos fundamentos pelos quais se entendeu inconstitucional a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre a gratificação pelo exercício de RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 399 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Função Comissionada. E, ao meu sentir, é mais uma razão para se concluir pela não incidência da Contribuição Previdenciária sobre as verbas ora em discussão, uma vez que não há a incorporação desses benefícios à aposentadoria. 24. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas. RECURSO ESPECIAL N. 1.334.488-SC (2012/0146387-1) Relator: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Waldir Ossemer Advogado: Carlos Berkenbrock e outro(s) Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF Recorrido: Os mesmos Interessado: Confederação Brasileira dos Aposentados Pensionistas e Idosos COBAP - “Amicus Curiae” Advogado: José Idemar Ribeiro EMENTA Recurso especial. Matéria repetitiva. Art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008. Recurso representativo de controvérsia. Desaposentação e reaposentação. Renúncia a aposentadoria. Concessão de novo e posterior jubilamento. Devolução de valores. Desnecessidade. 1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. 2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo 400 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. 4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp n. 1.298.391-RS; nos Agravos Regimentais nos REsps n. 1.321.667-PR, n. 1.305.351-RS, n. 1.321.667-PR, n. 1.323.464-RS, n. 1.324.193-PR, n. 1.324.603-RS, n. 1.325.300-SC, n. 1.305.738-RS; e no AgRg no AREsp n. 103.509PE. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial do INSS e deu provimento ao recurso especial do segurado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Ari Pargendler. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 401 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Brasília (DF), 8 de maio de 2013 (data do julgamento). Ministro Herman Benjamin, Relator DJe 14.5.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recursos Especiais interpostos contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Transcrevo relatório da decisão de fls. 326-328/STJ, que bem sintetiza a controvérsia: Trata-se, na origem, de Ação Ordinária de segurado objetiva a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço concedida pelo INSS em 1997 (a chamada “desaposentação”) e a concessão de posterior benefício da mesma natureza, mediante cômputo das contribuições realizadas após o primeiro jubilamento. A sentença de improcedência foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região conforme acórdão assim ementado (fls. 140-141/STJ): Previdenciário. Desaposentação para recebimento de nova aposentadoria. Possibilidade. Ausência de norma impeditiva. Necessidade de devolução do montante recebido na vigência do benefício anterior. Compensação com os proventos do novo benefício. Impossibilidade. Decadência. 1. O ato de renúncia à aposentadoria, por se tratar de direito patrimonial disponível, não se submete ao decurso de prazo decadencial para o seu exercício. Entendimento em sentido contrário configura, s.m.j., indevida ampliação das hipóteses de incidência da norma prevista no citado art. 103 da LBPS, já que a desaposentação, que tem como consequência o retorno do segurado ao status quo ante, equivale ao desfazimento e não à revisão do ato concessório de benefício. 2. Tratando-se a aposentadoria de um direito patrimonial, de caráter disponível, é passível de renúncia. 3. Pretendendo o segurado renunciar à aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os 402 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos. Precedente da Terceira Seção desta Corte. 4. O art. 181-B do Dec. n. 3.048/1999, acrescentado pelo Decreto n. 3.265/1999, que previu a irrenunciabilidade e a irreversibilidade das aposentadorias por idade, tempo de contribuição/serviço e especial, como norma regulamentadora que é, acabou por extrapolar os limites a que está sujeita, porquanto somente a lei pode criar, modificar ou restringir direitos (inciso II do art. 5º da CRFB). 5. Impossibilidade de compensação dos valores a serem devolvidos ao INSS com os proventos do novo benefício a ser concedido, sob pena de burla ao § 2º do art. 18, uma vez que as partes já não mais seriam transportadas ao status jurídico anterior à inativação (por força da necessidade de integral recomposição dos fundos previdenciários usufruídos pelo aposentado). O INSS opôs Embargos de Declaração (fls. 177-178/STJ), que foram rejeitados (fls. 183-190/STJ). O segurado interpôs Recurso Especial (fls. 233-255/STJ) com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal. Para configurar a divergência jurisprudencial, apontou várias decisões proferidas por esta Corte que entendem pela desnecessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que pretende renunciar. O INSS também interpôs Recurso Especial (fls. 214-230/STJ) com embasamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal. Sustenta violação do art. 535 do CPC e do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991. Aduz que o citado dispositivo da Lei de Benefícios veda a renúncia à aposentadoria concedida. O Tribunal de origem admitiu o Recurso Especial do segurado (fl. 293/STJ) e não admitiu o do INSS (fls. 294-297/STJ). A autarquia agravou dessa decisão (fls. 306-310/STJ). Os presentes recursos foram admitidos sob o regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008), conforme decisão de fls. 326-328/STJ, já mencionada. O Ministério Público opinou pelo não provimento do Recurso Especial (fls. 285-293/STJ). Apontou a “reiterada orientação desta Egrégia Corte Superior no sentido de que é possível a renúncia à aposentadoria, para que outra, com renda mensal maior, seja concedida, levando-se em conta a contagem de período de labor exercido após a outorga da inativação, não importando em devolução dos valores percebidos”. É o relatório. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 403 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 6.9.2012. Preenchidos os requisitos de admissibilidade dos Recursos Especiais, adentro o exame do mérito. 1. Possibilidade de desfazimento (renúncia) da aposentadoria. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008 Conforme decisão de fls. 326-328/STJ, o presente Recurso Especial foi submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que passo a fixar a orientação acerca da questão jurídica controvertida. O objetivo do segurado é desfazer o ato de aposentadoria. Alega que trabalhou após a concessão do benefício e pretende obter novo benefício em que sejam considerados os posteriores salários de contribuição, além dos computados na primeira aposentação. Há dois pontos jurídicos a serem enfrentados in casu: a possibilidade de o segurado renunciar à aposentadoria e, se admissível, a necessidade de devolução dos valores recebidos por força do benefício preterido. A aposentadoria, direito fundamental garantido no art. 7º, XXIV, da CF, é prestação previdenciária destinada a garantir renda mensal por incapacidade total e permanente para o trabalho ou pelo decurso predeterminado de tempo de contribuição e/ou de idade. Destes suportes fáticos resultam seus três tipos: por tempo de contribuição, por idade e por invalidez. Antes de adentrar o tema, introduzo breve análise da evolução legislativa. A redação original da Lei n. 8.213/1991 previa a possibilidade de o aposentado continuar trabalhando e contribuindo para o sistema. Estabelecia o direito a tal segurado de se ver ressarcido das contribuições previdenciárias vertidas após a aposentação. Determinava ainda que o aposentado tinha direito somente à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios (contribuições pós-aposentadoria), não fazendo jus a outras prestações. Seguem os dispositivos legais correspondentes: Art. 18. (...) 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à 404 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado, observado o disposto no art. 122 desta lei. (...) Art. 81. Serão devidos pecúlios: (...) II - ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar; (Revogado pela Lei n. 8.870, de 1994). (...) Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro. As contribuições previdenciárias pós-aposentadoria pertenciam ao segurado, portanto, e o recebimento de tal pecúlio estava sob a condição do afastamento da atividade que gerou o recolhimento. Com o advento das Leis n. 9.032/1995 e n. 9.527/1997, o direito ao pecúlio foi extinto, passando a ficar expresso que as precitadas contribuições passariam a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social, conforme o art. 11, § 3º, da Lei n. 8.213/1991 (grifei): Art. 11. (...) § 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei n. 9.032, de 1995). O art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, por sua vez, teve sua redação modificada para delimitar ao salário-família e à reabilitação profissional as prestações previdenciárias devidas ao aposentado que permanecer em atividade contributiva como empregado. Reproduzo o preceito legal: Art. 18. (...) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 405 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílioacidente, quando empregado. (Redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei n. 9.528, de 1997). Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria. Esta Corte sedimentou posição no sentido de que os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis: Agravo interno. Benefício previdenciário. Direito patrimonial disponível. Ilegitimidade do Ministério Público Federal. 1. Ilegítima a atuação do Ministério Público nos casos de concessão de benefícios previdenciários, por se tratar de direitos patrimoniais disponíveis. 2. Agravo ao qual se nega provimento (AgRg no REsp n. 1.030.065-PI, Rel. Ministro Celso Limongi, Desembargador convocado do TJ-SP, Sexta Turma, DJe 25.10.2010). Previdenciário. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso especial. Autora devidamente representada por advogado constituído nos autos. Ação que versa sobre benefício previdenciário. Direito individual disponível. Ilegitimidade da intervenção do Ministério Público. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Agravo regimental do Ministério Público Federal desprovido. (...) 2. As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte firmaram entendimento de que o Ministério Público não possui legitimidade para atuar em ações que versem sobre benefício previdenciário, por se tratar de direito individual disponível, suscetível, portanto, de renúncia pelo respectivo titular. (...) (AgRg no Ag n. 1.132.889-SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 17.5.2010). Não é diferente o entendimento da jurisprudência desta Corte Superior quanto à possibilidade de desaposentação: 406 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Agravo regimental no recurso especial. Previdenciário e Processual Civil. Matéria afetada ao rito dos recursos especiais repetitivos. Sobrestamento. Art. 543-C dirigido à segunda instância. Desaposentação. Possibilidade. Devolução das prestações previdenciárias já percebidas. Desnecessidade. Prazo decadencial do art. 103 da Lei n. 8.213/1991. Matéria nova não susceptível de conhecimento. 1. Os comandos insertos no art. 543-C do CPC, parágrafos 1º e 2º, in fine, dirigem-se aos Tribunais de segunda instância, não estando os relatores de recurso especial subordinados às decisões de sobrestamento no âmbito dos recursos especiais repetitivos. Precedentes. 2. É pacífico nesta eg. Corte Superior o entendimento segundo o qual o segurado pode renunciar à aposentadoria que aufere com o objetivo de obter uma outra, mais vantajosa, não estando obrigado, na consecução desse objetivo, a devolver as prestações previdenciárias já percebidas. Precedentes. 3. A questão não suscitada previamente nas razões de recurso especial constitui matéria nova, não susceptível de conhecimento em agravo regimental. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.270.606-RS, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-PE), Sexta Turma, DJe 12.4.2013). Previdenciário e Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Desaposentação. Possibilidade. Repercussão geral da matéria. Sobrestamento do feito no Superior Tribunal de Justiça. Inaplicabilidade. Dispositivos constitucionais. Análise. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que o segurado pode renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. 2. O fato de a questão federal debatida nos autos ser objeto de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal não determina o sobrestamento dos julgamentos dos recursos especiais, e sim dos recursos extraordinários eventualmente interpostos em face dos arestos prolatados por esta Corte, que tratem da matéria afetada. 3. Apresenta-se inviável a apreciação de ofensa a dispositivo constitucional, ainda que a título de prequestionamento, pois não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, examinar matéria cuja competência é reservada ao STF, nos termos do art. 102, inc. III, da Constituição Federal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.274.328-RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 7.3.2013). RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 407 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Previdenciário. Processual Civil. Repercussão geral. Sobrestamento. Não cabimento. Renúncia de aposentadoria. Possibilidade. Devolução dos valores recebidos. Desnecessidade. Análise de violação de dispositivos constitucionais. Impossibilidade. Competência do STF. 1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso especial. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores percebidos. 3. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos. 4. Não cabe ao STJ, mesmo com a finalidade de prequestionamento, analisar suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.321.325-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.8.2012). Processual Civil e Previdenciário. Matéria pendente de julgamento no STF. Sobrestamento do feito. Descabimento. Renúncia de aposentadoria. Devolução dos valores recebidos. Desnecessidade. 1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que tramitam no STJ. Precedentes. 2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.300.730-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21.5.2012). Assim, é possível ao segurado renunciar à aposentadoria. 2. Necessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria desfeita para posterior jubilamento. Exame da matéria sob o rito do art. 543C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008 408 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Quanto ao debate acerca da necessidade de devolução de valores, ressalvado meu entendimento conforme item abaixo, o STJ fixou a orientação de que não há necessidade de ressarcimento de aposentadoria a que se pretende renunciar como condição para novo jubilamento. Nesse sentido: Agravo regimental no recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço. Renúncia. Devolução de valores recebidos na vigência do benefício anterior. Efeitos ex nunc. Desnecessidade. Impossibilidade. Burlar a incidência do fator previdenciário. Inovação recursal. 1. A questão de que se cuida já foi objeto de ampla discussão nesta Corte Superior, estando hoje pacificada a compreensão segundo a qual a renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos proventos. 2. A tese trazida pelo agravante de ser o pedido de desaposentação, uma forma ardilosa de burlar a incidência do fator previdenciário, não foi tratada pelo Tribunal de origem, nem tampouco suscitada, nas contrarrazões ao recurso especial, caracterizando-se clara inovação recursal, que não pode ser conhecida neste momento processual. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.255.835-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 12.9.2012). Previdenciário. Processual Civil. Repercussão geral. Sobrestamento. Não cabimento. Renúncia de aposentadoria. Possibilidade. Devolução dos valores recebidos. Desnecessidade. Análise de violação de dispositivos constitucionais. Impossibilidade. Competência do STF. 1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso especial. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores percebidos. 3. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos. 4. Não cabe ao STJ, mesmo com a finalidade de prequestionamento, analisar suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação da competência do STF. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 409 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.321.325-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20.8.2012). Constitucional, Previdenciário e Processual Civil. Renúncia à aposentadoria. Possibilidade. Devolução de valores. Desnecessidade. Precedentes. Impossibilidade de inovação de fundamentos. Análise de dispositivos e princípios constitucionais. Impossibilidade. 1. Prevalece nesta Corte entendimento no sentido de se admitir a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado, não importando em devolução dos valores percebidos. 2. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento, porquanto matéria reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.323.628-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 8.8.2012). Agravo regimental no recurso especial. Processual Civil e Previdenciário. Pleito de sobrestamento, em razão de repercussão geral reconhecida pelo STF. Não cabimento. Ofensa à cláusula de reserva de plenário. Inexistência. Apreciação de dispositivos constitucionais. Inadequação da via eleita. Aposentadoria. Renúncia. Possibilidade. Devolução de valores. Desnecessidade. Precedentes. Agravo improvido. (AgRg no REsp n. 1.321.667-PR, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 24.8.2012). Processual Civil e Previdenciário. Matéria pendente de julgamento no STF. Sobrestamento do feito. Descabimento. Renúncia de aposentadoria. Devolução dos valores recebidos. Desnecessidade. 1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que tramitam no STJ. Precedentes. 2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.300.730-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21.5.2012). 410 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Previdenciário. Processual Civil. Desaposentação. Renúncia à aposentadoria. Devolução de valores. Desnecessidade. Reconhecimento de repercussão geral pelo STF. Sobrestamento do feito. Impossibilidade. Exame de matéria constitucional em sede de recurso especial. Descabimento. Honorários advocatícios. Juízo de equidade. Valor irrisório. Não demonstração. 1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam neste Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 2. Inviável o exame, na via do recurso especial, de suposta violação a dispositivos da Constituição Federal, porquanto o prequestionamento de matéria essencialmente constitucional, por este Tribunal, importaria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 3. Descabe falar em adoção do procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal nos casos em que esta Corte decide aplicar entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema, sem declarar inconstitucionalidade do texto legal invocado. 4. A fixação de honorários, nos termos do que determina o § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não está limitada aos percentuais estipulados no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil. 5. O percentual de 5% sobre o valor da condenação não se revela irrisório, mormente quando não são apresentados elementos aptos a demonstrar o caráter ínfimo da condenação. 6. Agravos regimentais improvidos. (AgRg no REsp n. 1.274.283-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 11.11.2011). No mesmo sentido as seguintes decisões monocráticas: REsp n. 1.345.439PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 25.9.2012; REsp n. 1.343.090-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 24.9.2012. É possível, portanto, ao segurado pleitear a desaposentação para posterior reaposentação, computando-se os salários de contribuição posteriores à renúncia, sem necessidade de devolução dos valores recebida da aposentadoria preterida. 3. Ressalva do entendimento pessoal sobre necessidade de devolução dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta Não obstante a adoção, no presente julgamento, da dominante jurisprudência acerca do ressarcimento de aposentadoria renunciada, ressalvo RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 411 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA meu entendimento exposto, em voto vencido, no REsp n. 1.298.391-RS; nos Agravos Regimentais nos REsps n. 1.321.667-PR, n. 1.305.351-RS, n. 1.321.667-PR, n. 1.323.464-RS, n. 1.324.193-PR, n. 1.324.603-RS, n. 1.325.300-SC, n. 1.305.738-RS; e no AgRg no AREsp n. 103.509-PE. Transcrevo a fundamentação que adotei naqueles julgamentos: Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo ser utilizadas para outros fins, salvo as prestações salário-família e reabilitação profissional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria. Nesse ponto é importante resgatar o tema sobre a possibilidade de renúncia à aposentadoria para afastar a alegada violação, invocada pelo INSS, do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991. Este dispositivo apenas veda a concessão de prestação previdenciária aos segurados que estejam em gozo de aposentadoria, não sendo o caso quando esta deixa de existir pelo seu completo desfazimento. Ou seja, se a aposentadoria deixa de existir juridicamente, não incide a vedação do indigitado dispositivo legal. Tal premissa denota o quanto a devolução dos valores recebidos pela aposentadoria objeto da renúncia está relacionada ao objetivo de obter nova e posterior aposentação. Primeiramente porque, se o aposentado que volta a trabalhar renuncia a tal benefício e não devolve os valores que recebeu, não ocorre o desfazimento completo do ato e, por conseguinte, caracteriza-se a utilização das contribuições para conceder prestação previdenciária não prevista (a nova aposentadoria) no já mencionado art. 18, § 2º. Além disso, ressalto relevante aspecto no sentido de que o retorno ao estado inicial das partes envolve também a preservação da harmonia entre o custeio e as coberturas do seguro social. É princípio básico de manutenção do RGPS o equilíbrio atuarial entre o que é arrecadado e o contexto legal das prestações previdenciárias. Não é diferente para o benefício de aposentadoria, pois, sob a visão do segurado, ele contribui por um determinado tempo para custear um salário de benefício proporcional ao valor da base de cálculo do período contributivo. Evidentemente que o RGPS é solidário e é provido por diversas fontes de custeio, mas a análise apartada da parte que cabe ao segurado pode caracterizar, por si só, desequilíbrio atuarial. Basta que ele deixe de contribuir conforme a legislação de custeio ou lhe seja concedido benefício que a base contributiva não preveja. 412 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Enfim, um período determinado de contribuições do segurado representa parte do custeio de uma aposentadoria a contar do momento de sua concessão. Se este mesmo benefício é desconstituído para conceder um novo, obviamente mais vantajoso, o período contributivo deste último (em parte anterior e em parte posterior à aposentadoria renunciada) serve para custear o valor maior a partir da nova data de concessão. Pois bem, se na mesma situação acima o segurado for desobrigado de devolver os valores recebidos do benefício renunciado, ocorrerá nítido desequilíbrio atuarial, pois o seu “fundo de contribuições” acaba sendo usado para custear duas aposentadorias distintas. Essa construção baseada no equilíbrio atuarial decorre de interpretação sistemática do regime previdenciário, notadamente quando é disciplinada a utilização de tempo de contribuição entre regimes distintos. Transcrevo dispositivo da Lei de Benefícios: Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: (...) III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro; Assim, se o pedido da presente ação fosse para se desaposentar no RGPS para utilizar o tempo de contribuição em regime próprio, a não devolução dos valores recebidos do benefício renunciado caracterizaria a vedação do art. 96, III, da Lei n. 8.213/1991, pois o citado tempo foi utilizado para conceder/pagar aposentadoria do regime de origem. Mutatis mutandis, não poderá ser utilizado tempo de contribuição já considerado para conceder um benefício (aposentadoria renunciada) para a concessão de nova e posterior prestação (aposentadoria mais vantajosa) no mesmo regime de previdência. Nessa situação incidem as vedações dos arts. 11, § 3º, e 18, § 2º, da LB. Isso porque, como já ressaltado, se a aposentadoria não deixa de existir completamente, as contribuições previdenciárias posteriores são destinadas ao custeio da Seguridade Social, somente sendo cabíveis as prestações salário-família e reabilitação profissional. Ressalto que, embora não haja cumulação temporal no pagamento das aposentadorias, há cumulação na utilização de tempos de contribuição, concernente à fração da mesma base de custeio. É que as contribuições anteriores à aposentadoria renunciada seriam utilizadas para pagar esta e o novo jubilamento. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 413 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Dentro desse contexto interpretativo, a não devolução de valores do benefício renunciado acarreta utilização de parte do mesmo período contributivo para pagamento de dois benefícios da mesma espécie, o que resulta em violação do princípio da precedência da fonte de custeio, segundo o qual “nenhum benefício pode ser criado, majorado ou estendido, sem a devida fonte de custeio” (art. 195, § 5º, da CF e art. 125 da Lei n. 8.213/1991). Sobre o mencionado princípio, cito julgado do Supremo Tribunal Federal: Contribuição social. Majoração percentual. Causa suficiente. Desaparecimento. Consequencia. Servidores publicos federais. O disposto no artigo 195, PAR. 5., da Constituição Federal, segundo o qual “nenhum beneficio ou serviço da seguridade social podera ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”, homenageia o equilibrio atuarial, revelando princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. (...) (ADI n. 790, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 23.4.1993 PP-06918 Ement Vol-01700-01 PP-00077 RTJ Vol-00147-03 PP-00921.) Os cálculos atuariais que embasam o regime de custeio tomam como base uma previsão determinada de contribuições para pagar aposentadoria em período estimado pela expectativa de vida média dos segurados. A parte que incumbe ao segurado é recolher os aportes por determinado tempo para cobrir o pagamento da aposentação a contar da concessão. Como já exaustivamente demonstrado, a não devolução dos valores da aposentadoria a que se pretende renunciar, com o intuito de utilização do período contributivo para novo jubilamento, quebra a lógica atuarial do sistema. Isso porque a primeira aposentadoria é concedida em valor menor do que se fosse requerida posteriormente, mas é paga por mais tempo (expectativa de vida). Já se o segurado optar por se aposentar mais tarde, o “fundo de contribuições” maior financiará uma aposentadoria de valor maior, mas por período menor de tempo. A renúncia à aposentadoria sem devolução de valores mescla essas duas possibilidades, impondo aos segurados uma aposentadoria o mais prematura possível, para que mensal ou anualmente (fator previdenciário e coeficiente de cálculo) seja majorada. Tais argumentos já seriam suficientes, por si sós, para estabelecer a devolução dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta, mas adentro ainda em projeções de aplicação do entendimento contrário que culminariam, data venia, em total insegurança jurídica, pois desestabilizariam e desvirtuariam o sistema previdenciário. Isso porque todos os segurados passariam a se aposentar com os requisitos mínimos e, a cada mês de trabalho e nova contribuição 414 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO previdenciária, poderiam pedir nova revisão, de forma que a aposentadoria fosse recalculada para considerar a nova contribuição. Exemplificando: o segurado se aposenta em abril/2012 e continua trabalhando e contribuindo. Em maio/2012 pediria a desaposentação de abril/2012 e nova aposentadoria para incluir o salário de contribuição de abril. Em junho/2012 pediria a desaposentação de maio/2012 e nova aposentadoria para incluir o salário de contribuição de maio e assim sucessivamente. A não devolução dos valores do benefício culminaria, pois, na generalização da aposentadoria proporcional. Nenhum segurado deixaria de requerer o benefício quando preenchidos os requisitos mínimos. A projeção do cenário jurídico é necessária, portanto, para ressaltar que autorizar o segurado a renunciar à aposentadoria e desobrigá-lo de devolver o benefício recebido resultaria em transversa revisão mensal de cálculo da aposentadoria já concedida. Considerando ainda que essa construção jurídica, desaposentação sem devolução de valores, consiste obliquamente em verdadeira revisão de cálculo da aposentadoria para considerar os salários de contribuição posteriores à concessão, novamente está caracterizada violação do art. 11, § 3º, e 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, pois este expressamente prevê que as contribuições previdenciárias de aposentado que permanece trabalhando são destinadas ao custeio da Seguridade Social e somente geram direito às prestações saláriofamília e reabilitação profissional. Indispensável, portanto, o retorno ao status quo ante para que a aposentadoria efetivamente deixe de existir e não incidam as vedações legais citadas. Assim, é bom frisar que a devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado pretende renunciar é condição para que as contribuições possam ser utilizadas para novo benefício da mesma espécie, inclusive de outro regime. Nada impede, por outro lado, que o segurado renuncie com efeito ex nunc, o que o desoneraria da devolução dos valores, mas não ensejaria o direito de utilizar as contribuições já computadas. 4. Resolução do caso concreto O Tribunal de origem, como já relatado, reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou a utilização do tempo e do salário de contribuição para futura aposentadoria à devolução do benefício recebido. Assim, o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a necessidade de ressarcimento dos valores da aposentadoria a que o segurado pretende renunciar. RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 415 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial do INSS e provejo o Recurso Especial de Waldir Ossemer para declarar a desnecessidade de devolução dos valores da aposentadoria renunciada, e condenar a autarquia à concessão de nova aposentadoria a contar do ajuizamento da ação, compensando-se o benefício em manutenção, e ao pagamento das diferenças acrescidas de juros de mora a contar da citação (Súmula n. 204-STJ) e dos honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão do Tribunal de origem (Súmula n. 111-STJ). É como voto. 416 Primeira Turma RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 29.686-RS (2009/0106475-2) Relator: Ministro Benedito Gonçalves Recorrente: Alberto Carvalho Advogado: Hermann Homem de Carvalho Roenick e outro(s) Recorrente: Miguel Oliveira Figueiró Advogado: Angelita Rizzi Figueiro Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul Procurador: Luiz Fernando Lemke Krieger e outro(s) EMENTA Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Serviços notariais e de registro. Atividade desenvolvida em caráter privado após a CF/1988. Vinculação de tabeliães a regime previdenciário próprio dos servidores públicos e percepção de vencimentos e vantagens pagas pelos cofres públicos. Hipótese sem que os recorrentes, em recursos distintos, insurgemse contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça, que determinou a imediata cassação do pagamento de vantagens pecuniárias, bem como a desvinculação junto ao regime previdenciário do Estado. Para tanto, alegam direito adquirido, fundamentado nos artigos 5º, XXXVI e LXXVII, § 2º, da CF/1988, art. 3º, da EC n. 20/1998 e art. 3º, § 2º, da EC n. 41/2003, além do art. 40, § único e 51, da Lei n. 8.935/1994. Recurso de Alberto Carvalho: 1. Consoante orientação firmada por esta Corte Superior de Justiça, é extemporâneo o recurso, aqui entendido na sua forma genérica, interposto, quer por uma, quer por outra parte, antes do julgamento dos embargos de declaração opostos, em que não haja posterior ratificação. 2. Não tendo havido a referida reiteração no caso dos autos, não há como afastar a incidência, por analogia, do Enunciado n. 418 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.” Precedentes: AgRg no RMS n. 32.391-SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 2.12.2010; EDcl no RMS n. 17.980-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009; EDcl no RMS RMS n. 27.697-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.9.2010. 3. Recurso ordinário não conhecido. Recurso de Miguel Oliveira Figueiró: 1. Em face da nova interpretação constitucional, de que a equiparação dos notários e registradores a servidores públicos somente ocorreu na vigência da redação original da Constituição Federal de 1988 (antes da EC n. 20/1998), e, ainda assim, apenas para fins de incidência da regra da aposentadoria compulsória, é de se entender que somente tem direito à manutenção do regime jurídico dos servidores públicos os notários/registradores cuja posse no cargo seja anterior à CF/1988 e que tenham implementado os requisitos à aposentadoria antes das modificações implementadas pela EC n. 20/1998. 2. Não obstante o preenchimento de tais exigências, o recorrente, instado pela Administração para se manifestar, optou pela manutenção do regime próprio de previdência, sem a submissão da aposentadoria compulsória. 3. O artigo 32 do ADCT não assegura cumulação de regimes jurídicos distintos. É inviável conceber-se a hipótese de que os notários e registradores possam auferir direitos exclusivos dos servidores públicos, e ao mesmo tempo, não se submeter às restrições constitucionais impostas a toda categoria (inativação compulsória aos 70 anos de idade). O acolhimento dessa pretensão consagraria um regime jurídico misto ou especial para os titulares dessas serventias, o qual não encontra respaldo na lei. Precedentes: RMS n. 30.378-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavscki, Primeira Turma, DJe 30.8.2011; AgRg no AREsp n. 30.030-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11.11.2011; RMS n. 28.650-RS, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5.8.2010; AgRg no Ag n. 1.409.250-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2012. 4. Recurso ordinário não provido. 420 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso ordinário em mandado de segurança de Alberto Carvalho e negar provimento ao de Miguel Oliveira Figueiró, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento). Ministro Benedito Gonçalves, Relator DJe 13.8.2012 RELATÓRIO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Tratam-se de recursos ordinários em mandado de segurança interpostos por Alberto Carvalho e Miguel Oliveira Figueiró contra acórdão proferido pelo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, por maioria, denegaram a ordem, nos seguintes termos do voto vencedor (fls. 289-290): Denego a segurança na linha de pronunciamentos anteriores a respeito da matéria. Não há que se falar em direito líquido e certo em face de regime jurídico especial, ao qual estão vinculados registradores e notários. Não se pode conviver, de forma simultânea, sob as benesses de um e outro sistema, sem que haja opção por um deles. Direito adquirido pressupõe a existência de direito subjetivo incorporado ao patrimônio do sujeito, que não subsiste em havendo expressa renúncia, como é o caso dos autos. Ou seja, os impetrantes pretendem continuar percebendo emolumentos, mas não abrem mão de seguirem percebendo vantagens dos cofres públicos. Data vênia, isso não é possível. Não é o curso do tempo que convalida o ilícito. Houve, em repetidas oportunidades, chance de opção aos impetrantes, que, de forma implícita ou explícita, seguiram no regime privatizado de custas. A renúncia não permite se cogitar de decadência administrativa, tampouco suscitar o princípio da segurança jurídica. Ainda, quanto ao regime previdenciário, a Lei n. 8.935/1998, assegurou-lhes a manutenção no sistema, desde que sujeitos a ele. Vale dizer, submetidos à aposentadoria compulsória e às demais regras específicas do regime jurídico dos servidores públicos. Não é o que pretendem os impetrantes, que buscam estar no RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 421 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA “melhor dos mundos”, com as vantagens de cada sistema, imune às restrições nele impostas. Com estas breves considerações, estou votando pela denegação da segurança. Desse desate, Miguel Oliveira Figueiró, na qualidade de litisconsorte ativo, opôs embargos de declaração, que restaram rejeitados, conforme acórdão de fls. 440-442. Na mesma data, Alberto Carvalho interpôs recurso ordinário em mandado de segurança, aduzindo que, na condição de Tabelião nomeado em data anterior à Constituição Federal, tem direito líquido e certo de continuar percebendo, na integralidade, as vantagens pecuniárias (gratificações e quinquênios) e de permanecer vinculado ao regime previdenciário próprio, do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, situação suprimida pelo ato manifestamente ilegal da autoridade coatora. Defende que o seu direito está amaparado pelo artigo 5º XXXVI, da CF, que protege situações adquiridas e incorporada ao patrimônio pessoal, e artigos 40, parágrafo único e 51 da Lei n. 8.935/1994, que garantem ao impetrante a estabilidade da situação vigente à época de sua publicação, tanto no que se refere à percepção das vantagens pecuniárias, como na continuidade da vinculação à previdência própria, podendo se aposentarem quando bem entender. Afirma que “não houve qualquer opção que significasse renúncia ao direito adquirido e incorporado de receber as vantagens pecuniárias e nem pedido de desvinculação do sistema previdenciário local” (fls. 375), bem como que “somente os admitidos após 20 de novembro de 1994 (véspera da publicação da Lei n. 8.935/1994) é que estariam vinculados à Previdência Social Federal, permanecendo os anteriores vinculados à legislação previdenciária que até então mantinham (Ipergs)” (fls. 376). Por fim, aduz que há de se reconhecer a decadência administrativa, visto que o STJ possui entendimento firmado no sentido de que o prazo decadencial de cinco anos para a Administração rever seus atos, nos termos do artigo 54 da Lei n. 9.784/1999, deve ser aplicado no âmbito estadual, quando ausentes normas específicas. Por sua vez, Miguel Oliveira Figueiró, após a rejeição dos embargos declaratórios, apresentou recurso ordinário alegando que é inegável o seu direito de permanência no regime próprio de previdência social do Estado, com todas as vantagens temporais incorporadas ao seu patrimônio jurídico, 422 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA posto que, quando do advento da EC n. 20/1998, já havia implementado todos os requisitos para a aposentadoria integral, consoante certidão de fls. 173, fornecida pelo Departamento Pessoal do TJRS, relativa ao tempo de serviço e contribuição previdenciária. Prossegue afirmando que fez repetidas opções pela permanência no regime próprio, tempestivamente protocoladas, tendo o seu direito amparado pelo artigo 5º, XXXVI e LXXVIII, § 2º e 3º, da EC n. 41/2003, assim como na jurisprudência do STF e STJ. O Estado do Rio Grande do Sul apresentou contrarrazões às fls. 464478, requerendo o improvimento do presente recurso, mediante os seguintes argumentos: i) “o impetrante, consoante a Constituição Federal em vigor, a legislação própria, a decisão preferida na ADI n. 2.602, e toda a fundamentação posta no Parecer da Assessoria Especial do TJRS, exercer atividade profissional que não o enquadra na definição de servidor público, tendo expressamente renunciado ao regime anterior”, de modo que “não há embasamento legal para a manutenção dos pagamentos das vantagens pelos cofres públicos, nem do vínculo como Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos” (fls. 475); ii) inexiste lei no Estado do Rio Grande do Sul fixando prazo para a Administração revisar seus atos nulos, aplicando-se, no caso, o disposto na Súmula n. 473-STF; iii) o STF há muito já vem afirmando que não há direto adquirido a regime jurídico; e iv) haverá compensação financeira entre os valores que foram pagos pelo autor ao Ipergs e o INSS. O Ministério Público Estadual proferiu parecer às fls. 480-480v, opinando pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, para manter, exclusivamente, a vinculação do recorrente com o Ipergs. O Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 484-489, opinou pelo desprovimento do recurso, nos termos da seguinte ementa: Recurso ordinário. Mandado de segurança. Notários. Regime de aposentadoria. Ausência de direito líquido e certo. 1 - “O direito invocado, para ser amparado, há que vir expresso em norma legal, e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. Ausentes estes, não se reconhece a ilegalidade reclamada”. Precedentes STJ. 2 - Parecer pelo desprovimento do recurso. É o relatório. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 423 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Como visto, os recorrente, em recursos distintos, insurgem-se contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça, que determinou a imediata cassação do pagamento de vantagens pecuniárias, bem como a desvinculação junto ao regime previdenciário do Estado, alegando direito líquido e certo, em razão da existência de direito adquirido, fundamentado nos artigos 5º, XXXVI e LXXVII, § 2º, da CF/1988, art. 3º, da EC n. 20/1998 e art. 3º, § 2º, da EC n. 41/2003, além do art. 40, § único e 51, da Lei n. 8.935/1994. 1. Em relação ao recorrente Alberto Carvalho, tenho que o recurso não merece ser conhecido, em face da sua intempestividade. É que, emerge dos autos que a o acórdão proferido pelo TJRS foi publicado em 23.1.2009 (fls. 344), sendo que, desse desate o recorrente Alberto Carvalho interpôs recurso ordinário (fls. 360-398), e, na mesma data, o litisconsorte ativo, Miguel Oliveira Figueiró, opôs embargos de declaração (fls. 347-354). Com a rejeição dos aclaratórios às fls. 440-442, cuja publicação ocorreu em 14.4.2009 (fls. 444), Miguel Figueiró apresentou recurso ordinário (fls. 447-454 - 22.4.2009), sendo que o recurso outrora interposto pelo recorrente Alberto Carvalho não foi reiterado após o julgamento e publicação do acórdão dos embargos de declaração. Com efeito, consoante orientação firmada por esta Corte Superior de Justiça, é extemporâneo o recurso, aqui entendido na sua forma genérica, interposto, quer por uma, quer por outra parte, antes do julgamento dos embargos de declaração opostos, em que não haja posterior ratificação. Assim, não tendo havido a referida reiteração no caso dos autos, não há como afastar a incidência, por analogia, do Enunciado n. 418 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.” Nesse sentido são os seguintes precedentes desta Corte: Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. Ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração. Obrigatoriedade. Agravo improvido. 1. “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.” (Súmula do STJ, Enunciado n. 418). 424 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 2. Agravo regimental improvido (AgRg no RMS n. 32.391-SC, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 2.12.2010). Embargos declaratórios. Reconhecimento de omissão do julgado embargado. Matéria de ordem pública. Requisito de admissibilidade do recurso. Concessão de efeitos infringentes. Apelo ordinário intempestivo e não conhecido. 1. Os embargos declaratórios constituem a via adequada para sanar omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais do decisório embargado, e nesse desiderato, mostra-se admissível a atribuição de efeitos infringentes quando a correção de tais vícios implicar na modificação do julgado. 2. A interposição de recurso antes do julgamento do acórdão que rejeitou os embargos de declaração e sem ratificação posterior inviabiliza o acesso à via recursal pela ausência de exaurimento da instância ordinária. 3. Embargos acolhidos, com efeitos infringentes, para não conhecer do recurso ordinário em mandado de segurança (EDcl no RMS n. 17.980-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009). Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança interposto antes da publicação do julgamento de embargos de declaração. Ausência de ratificação. Extemporaneidade. 1. É extemporâneo o recurso ordinário interposto na pendência de julgamento de embargos declaratórios, sem que tenha havido posterior ratificação de seus termos. Nesse sentido, a jurisprudência se solidificou na recente Súmula n. 418 desta Superior Corte, aplicável por analogia. 2. Recurso ordinário não conhecido (RMS n. 27.697-PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.9.2010). Ante o exposto, não conheço do recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Alberto Carvalho. 2. No que diz respeito ao recorrente Miguel Oliveira Figueiró, tenho que o recurso há de ser improvido. A questão posta a julgamento consiste em definir se o recorrente, titular de cartório, empossado antes da CF/1988, tem direito adquirido ao regime próprio de previdência social do Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista os muitos anos de contribuição efetiva e o fato de que, quando do advento da EC n. 20/1998, já havia implementado todos os requisitos para a apsosentadoria voluntária com proventos integrais. Para a solução da controvérsia, necessário se faz, primeiramente, traçar uma breve exposição acerca do histórico normativo atinente aos notários e registradores. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 425 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Com o advento da Constituição Federal de 1988, operou-se nova e profunda modificação no que tange ao regime jurídico dos notários e registradores, anteriormente denominados serventuários do foro extrajudicial ou servidores extrajudiciais, restando estabelecido que suas atividades passariam a ser exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme o disposto no art. 236 da CF, senão vejamos: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. Contudo, por meio da regra de transição disposta no art. 32 do ADCT, abaixo transcrita, o legislador constituinte preservou algumas situações, como a dos serviços notarias e de registro que já haviam sido oficializadas pelo poder público antes da promulgação da Constituição: Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores. Diante dessas novas disposições, a Administração Pública passou a oportunizar aos titulares dos serviços notariais e registrais, com ingresso anterior à CF de 1988, portanto, oficializados, a conversão para o exercício do serviço em caráter privado, sendo que, muitos deles, se silenciaram e continuaram na situação que estavam, recebendo, além das custas, vencimentos, vantagens, contagem de tempo de serviço em dobro, abono permanência, incorporação de graticação, etc. A regulamentação do referido dispositivo constitucional, que alterou o regime jurídico dos notariais e registrais, somente veio a ocorrer com a Lei n. 8.935, de 18.11.1994, que vinculou os notários e registradores à previdência social geral, de âmbito federal, e à aposentadoria facultativa, além de que, mais uma vez, resguardou as situações dos nomeados anteriormente à Constituição 426 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA pelo regime oficializado, que poderiam continuar a ser regidos pelas normas anteriores, salvo a possibilidade de opção pelo novo regime. Eis o teor dos artigos que ora interessam: Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei. Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por: (...) II - aposentadoria facultativa; (...) § 1º Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da legislação previdenciária federal. (...) Art. 40. Os notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca de tempo de serviço em sistemas diversos. Parágrafo único. Ficam assegurados, aos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da publicação desta lei. Art. 51. Aos atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão. § 1º O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em virtude da opção de que trata o art. 48. § 2º Os proventos de que trata este artigo serão os fixados pela legislação previdenciária aludida no caput. § 3º O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte, pelos notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares. Não obstante tais normas, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que os titulares de cartórios e registros notariais, por ocuparem cargo público criado por lei e provido mediante concurso, submetidos à fiscalização do Estado e diretamente remunerados por receita pública (custas e emolumentos RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 427 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA fixados por lei), classificavam-se como servidores públicos em sentido amplo e, como tais, sujeitavam-se à aposentadoria compulsória aos 70 anos (art. 40, II, da CF). Precedentes: AgRg na SS n. 1.822-1-PE, Tribunal Pleno, DJ de 12.3.2001; AgRg no RE n. 209.354-8-PR, 2ª T. Min. Carlos Velloso, DJ de 16.4.1999; AgRg na SS n. 1.817-5-PE, Tribunal Pleno, DJ de 12.3.2001; AgRg no RE n. 254.065-0-SP, 2ª T. Min. Carlos Velloso, DJ de 14.12.2001. A situação apenas se modificou com o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, que alterou o art. 40 da CF e vinculou a aposentadoria do regime próprio aos “servidores titulares de cargos efetivos”. A partir de então, a Suprema Corte passou a entender que os notários e registradores não são considerados servidores públicos, de modo que a eles não se aplica a regra da aposentadoria compulsória, o que foi consolidado na ADI n. 2.602-MG, nos termos da seguinte ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Provimento n. 055/2001 do CorregedorGeral de Justiça do Estado de Minas Gerais. Notários e registradores. Regime jurídico dos servidores públicos. Inaplicabilidade. Emenda Constitucional n. 20/1998. Exercício de atividade em caráter privado por delegação do poder público. Aposentadoria compulsória aos setenta anos. Inconstitucionalidade. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC n. 20/1998, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios - inclusive autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartórios e notarias são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público - serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/1988 - aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI n. 2.602-0MG, Tribunal Pleno, Relator para acórdão Min. Eros Grau, DJ de 5.12.2005). Sob esse contexto, esclareceu o STF que a aposentadoria compulsória há de ser aplicada aos tabeliães que completaram setenta anos de idade antes da entrada em vigor da EC n. 20/1998 (Precedentes: RE n. 284.321 AgR-ED-EDv-AgR-DF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe de 13.9.2007; Rcl n. 4.866 AgR-SP, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 1º.2.2008), bem como que a equiparação dos notários e registradores a servidores públicos somente ocorreu na 428 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA vigência da redação original da CF/1988 (antes da EC n. 20/1998) e, ainda assim, apenas para fins de incidência da regra da aposentadoria compulsória (Precedente: RE n. 512.064 AgR-PE, 2ª T. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 6.4.2011), sendo este o entendimento atual do STF. Em face dessa nova interpretação constitucional, de que tabeliães e registradores não foram considerados servidores públicos no regime constitucional de 1988, concluiu-se que somente teriam direito à manutenção do regime jurídico dos servidores públicos os notários/registradores cuja posse no cargo seja anterior à CF/1988 e que tenham implementado os requisitos à aposentadoria antes das modificações implementadas pela EC n. 20/1998. Ato contínuo, a Administração Publica passou, então, a notificar os titulares dos serviços notariais e registrais nessas condições, com ingresso anterior à CF de 1988 e implemento das condições de inatividade antes da EC n. 20/1998, para que optassem pela permanência do vínculo junto ao regime jurídico dos servidores públicos ou pela migração voluntária para o regime novo. Feitas tais considerações, passa-se a análise da situação específica do recorrente. O recorrente nasceu em 7.1.1941, contando, hoje, com 71 anos de idade. Exerce a atividade de Oficial do Registro de Imóveis do Ofício da 6ª Zona de Porto Alegre desde 15.2.1991, tendo sido originalmente nomeado pelo Goverandor de Estado para o caro de Oficial do Registro de Imóveis, na Comarca de Arroio do Meio, em 2.6.1965 (fls. 161). Percebe vantagens mensais diretamente do Poder Judiciário, além das custas e emolumentos da serventia e descontos relativos às contribuições ao IPE/Previdência (RPPS-RS) e ao IPE/Saúde. Em 16.12.1998, data da publicação da EC n. 20/1998, já havia completado, de acordo com a legislação então vigente, o tempo necessário para a obtenção de sua aposentadoria voluntária com proventos integrais (fls. 173). Devidamente instado pela Administração Pública, manifestou, em 8.6.2007, a sua opção pelo regime previdenciário próprio (Ipergs), para o qual vem contribuindo desde 1961, salientando, contudo, que não renuncia a outros direitos adquiridos ou incorporados ao seu patrimônio, dentre eles, a sua não aposentação compulsória (fls. 182 e 197). Diante dessa situação, entendeu por bem a Administração Pública, na pessoa do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, editar o ato ora atacado, consubstanciado na determinação da imediata cassação do pagamento de vantagens pecuniárias ao recorrente, bem como da sua desvinculação junto ao regime previdenciário do Estado. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 429 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O parecer que se baseou o referido ato, da Assessoria Especial da Presidência do TJRS, possui o seguinte teor (fls. 293): III. 3.1) - Os notários e registradores que ingressaram na atividade antes da Lei Federal n. 8.935/1994 e que até a data de vigência da Emenda Constitucional n. 20/1998 vieram a implementar todos os requisitos para a inativação segundo o regime próprio de previdência, por enfeixarem direito adquirido a esse regime, ao qual se vincula a percepção de vantagens pagas atualmente pelos cofres públicos, devem ter assegurada a oportunidade para manifestarem, formalmente, a opção de permanecerem a ele vinculados, o que lhes assegurará não só as vantagens pecuniárias correspondentes como o ônus de continuarem submetidos ao regime de jubilação compulsória por limite de idade – porque é exatamente esse o regime que decorre da aplicação das regras constitucionais em vigor até a promulgação da Emenda Constitucional n. 20. Como essa opção não pode ser presumida ou tácita, exige-se, necessariamente, que o notário e o registrador manifestem expressa, formal e incondicional adesão à manutenção àquele regime, que se integrou em seu patrimônio com direito de cunho patrimonial e, por isso, disponível. Para o próprio resguardo da Administração, apenas àqueles serventuários que, em prazo razoável, que se entende deva ser não superior a 10 dias, vierem a optar formalmente por permanecerem vinculados ao regime previdenciário próprio (desde que, obviamente, a tanto façam jus, como antes exposto) é que se entende viável a eventual continuidade dos pagamentos a título de vencimento e/ou vantagens remuneratórias. Para aqueles que, inobstante destinatários em tese do aludido regime previdenciário próprio, deixarem, instados a tal, de manifestar opção expressa pela manutenção desses direitos, deverão ser cessados, por decisão administrativa, os pagamentos de vantagens remuneratórias, inclusive abono de permanência, assim como restará inexorável sua desvinculação completa do sistema previdenciário próprio do Estado do Rio Grande do Sul, ficando inclusive imunes à jubilação compulsória (assim como a qualquer outra forma de cobertura previdenciária paga pelos cofres públicos), devendo estes, doravante, ser remunerados exclusivamente pela receita advinda da cobrança de emolumentos cobrados das partes, ressalvandose unicamente hipótese de eventual situação sub judice ou em relação a qual já exista decisão transitada em julgado, cabendo ao DRH efetuar essa verificação e, em caso de dúvida, consultar a Assessoria Especial da Presidência. Por sua vez, o Tribunal de origem, exaustivos fundamentos, denegou a segurança, por maioria, assentando que a opção exercida pelo recorrente implica na fruição de benesses inerentes a regime jurídicos diversos, o que não é admitido (fls. 296): A vinculação a regime jurídico é integral, descabendo cogita-se de subsunção parcial a determinados regime jurídico-previdenciário. Destarte, mostra-se 430 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA impossível mesclar institutos próprios de um e outro regime jurídico, até por que regime jurídico diz respeito ao conjunto de deveres, direitos e responsabilidades a que se submete o segurado. Nessa linha, assentou que caberia ao recorrente (fls. 305-306): (a) optar por manter-se na moldura fática do antigo regime oficializado, e, em consequencia, permanecer sob o regime remuneratório ao qual vinculado na condição de serventuário extrajudicial da Justiça, continuar filiado e contribuindo para o regime próprio de previdência social estadual (RPPS-RS), e submeter-se, inclusive, ainda que tardiamente, à regra da aposentadoria compulsória por idade no serviço público, ou então (b) optar por migrar voluntariamente para o regime novo do art. 236 da CRFB/1988, sob as formas e nas condições da delegação pública exercitável sob regime privado, segundo as regras específicas da Lei n. 8.935/1994, e, em conseqüência, passar a perceber somente emolumentos pelos seus serviços, começar a contribuir, como exercente de atividade autônoma, para o INSS, e vincular-se, mediante migração voluntária, ao regime de previdência social federal (RGPS), todavia ficando-lhe assegurada a contagem recíproca do seu tempo de serviço/contribuição em sistemas diversos (princípio constitucional da reciprocidade: art. 201, § 9º., CRFB). Observados esses aspectos, tenho que o ato impugnado no presente mandamus não se mostra ilegal, na medida em que a pretensão do recorrente, de proveito ao regime anterior, por ter preenchido as condições para incorporação do direito ao seu patrimônio individual, mas sem abrir mão da não submissão à aposentadoria compulsória, não é admitida no nosso ordenamento jurídico. Embora a Constituição proteja os direitos adquiridos e garanta a notários e registradores o direito à manutenção do regime anterior, nos termos do artigo 32 do ADCT, não assegura a sua cumulação com outro regime, até mesmo porque é inviável se conceber a hipótese de que os notários e registradores possam auferir direitos exclusivos dos servidores públicos, e ao mesmo tempo, não se submeter às restrições constitucionais impostas a toda categoria (inativação compulsória aos 70 anos de idade). O acolhimento dessa pretensão consagraria um regime jurídico misto ou especial para os titulares dessas serventias, o qual não encontra respaldo na lei. Ademais, ao que se tem, o recorrente completou setenta 70 em janeiro de 2011 e, tudo indica, permanece em atividade, o que evidencia, mais uma vez, a sua adesão ao novo sistema constitucional, rompendo-se, por espontânea vontade, o vínculo junto ao regime jurídico próprio dos servidores públicos. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 431 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por fim, cabe salientar que, no mesmo sentido do que foi aqui exposto, já se manifestou esta Corte, consoante se pode aferir das ementas relativas aos seguintes julgados: Constitucional e Administrativo. Registrador. Transição do regime jurídico estatal para o privado. Recebimento de vencimentos cumulados com emolumentos. Impossibilidade. Ausência de direito adquirido. 1. O entendimento que atualmente prevalece no Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a equiparação dos notários e registradores a servidores públicos somente ocorreu na vigência da redação original da Constituição Federal de 1988 (antes da EC n. 20/1998), e, ainda assim, somente para fins de incidência da regra da aposentadoria compulsória. 2. A Constituição garante a notários e registradores o direito à manutenção do regime anterior, mas não assegura a sua cumulação com outro regime. É o que decorre do art. 32 da ADCT. 3. Recurso Ordinário a que se nega provimento (RMS n. 30.378-RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 23.8.2011, DJe 30.8.2011). Administrativo. Serviços notariais e registrais. Ação de consignação em pagamento. Transposição do sistema previdenciário estadual para o federal. Vinculação ao regime geral de previdência. Pretensão de continuar a vinculação com o Ipergs. Acórdão de segundo grau assentado na mesma linha da orientação jurisprudencial desta Corte. Súmula n. 83-STJ. Ausência de prequestionamento dos arts. 40, parágrafo único, e 51 da Lei n. 8.935/1994. Súmulas n. 282 3 n. 356STF. Acórdão pautado sobre análise de matéria constitucional. 1. Se o Tribunal local se posiciona conforme orientação jurisprudencial deste STJ, tem incidência a Súmula n. 83-STJ a obstar o trânsito do apelo especial. Precedente: RMS n. 28.650-RS, Rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, Dje 5.8.2010. 2. Conforme consta da sentença, em resposta à consulta que foi formulada ao ora agravante, o mesmo optou “a qualquer tempo e de acordo com o interesse pessoal, pela aposentadoria facultativa e/ou invalidez” (fl. 258 e-STJ), tendo o magistrado consignado que a opção exercida implica paralelamente a assunção dos respectivos encargos, na mesma linha afirmada no precedente desta Corte (RMS n. 28.650-RS) de que “é vedada a fruição das benesses de um sistema sem a sujeição aos seus ônus”. 3. O acórdão recorrido não lançou a debate nem emitiu deliberação acerca dos arts. 40, parágrafo único, e 51 da Lei n. 8.935/1994, fazendo mera referência a essa norma ao citar precedente daquela própria Corte, o que atrai os Verbetes Sumulares n. 282 e n. 356-STF. Se o Tribunal de origem não se pronuncia sobre a incidência da norma à situação tratada nos autos de forma concreta, não há o 432 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA atendimento do requisito do prequestionamento, essencial ao exame do recurso especial. 4. Toda a fundamentação que conduziu a conclusão do julgamento de segundo grau pautou-se sobre a análise de dispositivos e princípios constitucionais (EC n. 20/1998, arts. 40, 235, 236 da CF/1988), o que não pode ser revisto nesta seara especial sob pena de usurpação de competência do Colendo Supremo Tribunal Federal. 5. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp n. 30.030-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11.11.2011). Administrativo e Constitucional. Servidor do poder judiciário que recebeu delegação de serventia extrajudicial. Transição do regime jurídico estatal para o privado. Manutenção do vínculo previdenciário com a unidade federada e recebimento de vencimentos cumulados com emolumentos. Incompatibilidade. Ausência de direito adquirido a regime jurídico anterior. 1. Caso em que servidor do Poder Judiciário recebe delegação de serviços cartorários em época de regime estatal. Com o advento da CF/1988, apesar da privatização da serventia extrajudicial, o delegatário não define expressamente se deseja continuar sendo servidor ou delegatário de função privada. Situação que perdurou por anos, até o Tribunal de origem, diante do silêncio do interessado após consulta e oportunização de escolha, passar a não mais pagar seus vencimentos e encerrar o liame previdenciário especial, ao entendimento de que houve opção tácita pelo regime privado. 2. É vedada a fruição das benesses de um sistema sem a sujeição aos seus ônus. Não há como manter o vínculo previdenciário ou conceder aposentadoria com proventos integrais, por contrariedade ao regime atual de previdência (art. 40 da Constituição) e falta de implementação de requisitos normativos (EC n. 20/1998). Ausência de direito adquirido a regime jurídico anterior. Precedentes do STF. 3. Inexiste previsão legal para o pagamento com recursos do Estado e a título de remuneração aos delegatários, pois já percebem diretamente as custas e os emolumentos referentes ao serviço cartorário. Os serviços notariais e registrais são, após o advento da Constituição de 1988, exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, não se considerando o delegatário como servidor stricto sensu. Precedentes do STF. 4. Deve o delegatário estar sujeito ao sistema geral de aposentadoria da Previdência Social, assegurando-se a contagem recíproca de tempo de serviço e resolvendo-se atuarialmente a compensação ou complementação dos recolhimentos já efetuados entre o INSS e o órgão gestor previdenciário da unidade federada. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 433 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não provido (RMS n. 28.650RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5.8.2010). Administrativo. Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Art. 51 da Lei n. 8.935/1994. Regra transitória. Ausência de prequestionamento. Agravo não provido. 1. A tese de existência de direito à aposentadoria em face da norma transitória do art. 51 da Lei n. 8.935/1994, cerne do recurso especial, não foi objeto de análise pelo acórdão recorrido, tampouco foram opostos embargos de declaração a fim de provocar o prequestionamento da matéria. Incide, na espécie, o óbice da Súmula n. 282-STF. 2. Ainda que se considerasse o prequestionamento implícito do tema, a controvérsia foi solvida nas instâncias ordinárias sob fundamento constitucional, sendo incabível de modificação na via do recurso especial, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 3. O acórdão do Tribunal de origem não destoou da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal segundo a qual “A Constituição garante a notários e registradores o direito à manutenção do regime anterior, mas não assegura a sua cumulação com outro regime” (RMS n. 30.378-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 30.8.2011). 4. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.409.250-RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2012). Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança apresentado por Miguel Oliveira Figueiró. É como voto. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.468-GO (2010/0023812-0) Relator: Ministro Ari Pargendler Recorrente: Mercantil Alimentos Comércio e Importação Ltda. Advogado: Adriano Diniz e outro(s) Recorrido: Estado de Goiás Procurador: Alessandra Baiocchi Vieira Nascimento e outro(s) 434 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA EMENTA Tributário. Substituição tributária. Migração para o regime comum. A migração do regime da substituição tributária para o regime comum - em que a sujeição passiva do tributo recai sobre o contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador (CTN, art. 121, parágrafo único, inciso I) - não pode ignorar as obrigações tributárias já consumadas na vigência da legislação anterior; o pagamento do tributo, à luz desta, pelo substituto legal tributário exaure a obrigação fiscal, nada mais podendo ser exigido a esse título. O expediente de considerar como crédito do contribuinte, no novo regime, o que foi pago pelo substituto legal tributário, no regime anterior, afronta uma situação definitivamente constituída, que suprimiu etapas posteriores do ciclo de comercialização. Recurso ordinário provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Relator DJe 7.2.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ari Pargendler: Mercantil Alimentos, Comércio e Importação Ltda. impetrou mandado de segurança preventivo contra ato do RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 435 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Governador do Estado de Goiás e do Secretário da Fazenda do Estado de Goiás, dando conta de que: “Até 31.9.2007, o Estado de Goiás tributava de forma definitiva as mercadorias que eram adquiridas por contribuintes goianos de comerciantes ou indústrias de outras Unidades da Federação, exigindo deles o pagamento antecipado do ICMS, que era calculado com base em pauta fiscal, nos termos do Anexo VIII do RCTE: ‘Art. 32. O regime de substituição tributária pela operação posterior - retenção na fonte - consiste na retenção, apuração e pagamento do imposto devido por operação interna subsequente, inclusive quanto ao diferencial de alíquotas, se for o caso (Lei n. 11.651/1991, art. 51). § 4º É exigido o pagamento antecipado do imposto devido pela futura operação interna, inclusive quanto à operação a ser realizada pelo próprio adquirente, na hipótese de entrada de mercadoria proveniente de outra unidade da Federação ou do exterior e sujeita a substituição tributária (Lei n. 11.651/1991, art. 51, § 3º). § 5º Para efeito de exigência do imposto devido por antecipação, devem ser observados os procedimentos previstos neste título’. ‘Art. 34. São substitutos tributários, assumindo a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pelas operações internas subsequentes, bem como pelo diferencial de alíquotas, se for o caso: Parágrafo único. Assume a condição de substituto tributário, inclusive quanto ao diferencial de alíquotas, se for o caso: I - em relação à mercadoria constante do Apêndice I: a) o contribuinte estabelecido neste Estado que adquirir mercadoria sujeita ao regime de substituição tributária: 1. Proveniente de outra unidade da Federação ou do exterior’. Uma vez que ficava como substituto tributário pelas mercadorias que adquiria de outra Unidade da Federação, e como nestes casos o Estado de Goiás tributava de forma definitiva estas operações, quando da entrada das mercadorias no território goiano, cobrando, naquela oportunidade, o imposto relativo a operação f inal da cadeia, tinha-se que as vendas efetuadas pelo varejista para os consumidores não eram tributadas novamente. Entretanto, por força do Decreto n. 6.663, de 29.8.2007, expedido pelo Exmo. Sr. Governador do Estado de Goiás (Doc. 3), e da Instrução Normativa n. 877/2007436 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA GSF, de 26.9.2007, extinguiu-se aquele regime de substituição tributária para as mercadorias relacionadas no Apêndice I, do Anexo VIII, do RTCE, que passaram a ser submetidas ao regime normal de apuração do imposto. Ressalte-se que, pelo sistema normal de apuração de ICMS, o contribuinte tem o direito, que decorre do princípio da não-cumulatividade, de descontar do total do débito do imposto decorrente das saídas, o valor do imposto pago na operação anterior. Logo, seria natural que o Decreto n. 6.663/2007 viesse a regular apenas a apuração do ICMS concernente aos fatos geradores que ocorressem após o início de sua vigência, até porque a apuração do saldo do imposto deveria levar em consideração o valor do crédito do imposto pago na operação anterior, que deveria vir destacada na nota. Não obstante, ao instituir o regime normal de apuração do imposto, para as mercadorias relacionadas no Apêndice I, do Anexo VIII, do RCTE, buscou o Sr. Governador do Estado de Goiás, através de um artifício, financiar o imenso déficit do Estado, às custas dos contribuintes de ICMS. (...) Em outras palavras, todas as mercadorias em estoque que estavam submetidas ao regime de substituição tributária e que ingressaram no estabelecimento da impetrante até 31.8.2007, e cujo imposto já havia sido pago, no momento da sua entrada no território goiano, passaram a ser tributadas novamente, no momento em que a impetrante realizava a saída destas mercadorias em vendas para os seus consumidores. Não obstante, ficou o contribuinte impedido de abater do valor do imposto apurado nestas saídas, o valor do imposto pago na operação anterior e o valor do imposto que foi por ele na qualidade de substituto, os quais devem ser creditados pelo contribuinte em sua contabilidade, para serem utilizados em 24 meses. Assim, por força dos atos administrativos impugnados, o contribuinte descobriu, ao apurar o imposto que deveria ser pago no mês de outubro, que o valor do imposto devido, concernente ao mês de setembro, seria aproximadamente 44,78% superior à média do que costuma pagar. Uma vez que é considerável o impacto financeiro das modificações da legislação, introduzidas pelos atos administrativos impugnados, a impetrante deixou de seguir a forma neles prescrita para a apuração do imposto que deveria ser pago em outubro, efetuando o pagamento do ICMS, apurado conforme o regime previsto no Anexo VIII, do RCTE. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 437 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No presente caso, foi apurado o valor de R$ 293.019,21, e recolhido o valor de R$ 203.764,74, conforme demonstram os comprovantes em anexo. Desta forma, está a impetrante sujeita ao lançamento da diferença entre o que o Estado entende que deveria ter sido recolhido e o que foi efetivamente pago. Faz-se necessário salientar, contudo, que a irresignação da impetrante não se fundamenta tão somente na discordância com o aumento da carga tributária sobre a sua atividade, mas também ao fato de que a modificação do regime jurídico de apuração do imposto, a fim de atingir fatos geradores pretéritos, viola frontalmente o disposto no artigo 105 do Código Tributário Nacional e o princípio da anterioridade, previsto no artigo 104 do Código Tributário e no artigo 150, inciso III, da Magna Carta” (fl. 03-07). Por isso, o pedido de medida liminar “para suspender a exigibilidade dos créditos tributários correspondentes às diferenças entre o valor do imposto que deveria ser recolhido, caso apurado pelo regime jurídico instituído pelos atos impugnados, e o valor que a impetrante tem recolhido, calculado conforme o regime anterior, com relação a todos os fatos geradores que ocorrerem até o início do próximo exercício f inanceiro”, ou, alternativamente, “para suspender a exigibilidade do crédito tributário correspondente à diferença entre o valor do imposto que seria devido, caso apurado pelo novo regime, e o valor do imposto que a impetrante recolheu no mês de outubro, correspondente ao exercício do mês de setembro, apurado conforme o regime antigo, sem sujeitar a nova tributação as mercadorias que haviam sido tributadas quando ingressaram no território goiano” (fl. 13) - e a final a concessão da segurança (fl. 13-14). A medida liminar foi indeferida (fl. 39-44). O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás denegou a segurança, nos termos do acórdão assim ementado: “Mandado de segurança. ICMS. Decreto n. 6.663/2007 e Instrução Normativa n. 877/2007. Ato normativo de efeito concreto. Lesão ao princípio da anterioridade. bitributação. Impossibilidade de abatimento de imposto já pago. Inocorrência. Tratando-se os atos inquinados de ilegais de normativos de efeitos concretos, passível seu questionamento pela presente via do mandamus. O Decreto que apenas modifica a forma de apurar e recolher o ICMS não está sujeito ao princípio da anterioridade previsto constitucionalmente, tendo em vista que não institui, nem tampouco, aumenta tributo. Prevendo o ato normativo impugnado forma de relacionar 438 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA o estoque existente no estabelecimento antes de sua vigência, justamente para evitar a bitributação, além de fixar a maneira de abater o imposto já pago, não há se falar em direito líquido e certo a ser protegido pelo writ. Ordem denegada” (fl. 281-282). Lê-se no voto condutor: “(...) no caso em exame, por não ter o ato normativo de efeito concreto instituído ou aumentado o imposto do ICMS devido pelos contribuintes por ele abrangidos, modificando apenas a forma de apurar e recolher o referido tributo, não há se falar em ato ilegal ou mesmo inconstitucional como afirmado pela impetrante. (...) Portanto, a substituição tributária constitui-se em regra de fixação do sujeito passivo responsável pelo pagamento do tributo, nada tendo a ver com sua instituição ou aumento. (...) Por último, a impetrante assevera que o Decreto e sua Instrução Normativa provocaram bitributação, impedindo que se fizesse o abatimento do valor do imposto apurado nas saídas das mercadorias, o montante pago na operação anterior e o valor do imposto que já teria sido por ela pago como substituta tributária. Assim, dispõem os arts. 2º e 3º do Decreto n. 6.663, de 29.8.2007, cujo teor foi reproduzido na Instrução Normativa n. 877/2007: ‘Art. 2º Os estabelecimentos atacadista, distribuidor e varejista goianos que opere com as mercadorias sujeitas ao regime da substituição tributária pelas operações posteriores referidas no art. 1º, cujo imposto tenha sido objeto de pagamento por substituição tributária, devem: I - relacionar as mercadorias, espécie por espécie, existentes no estabelecimento no dia 31 de agosto de 2007, valorando-as pelo valor da última aquisição efetuada anteriormente a 31 de julho de 1997 e escriturando suas quantidades e valores no livro Registro de Inventário; II - adicionar ao valor total de cada espécie de mercadoria o valor correspondente à aplicação do respectivo IVA previsto no Apêndice I do Anexo VIII do RCTE. Art. 3º Os estabelecimentos atacadista, distribuidor e varejista não optante do Simples Nacional, conforme previsto na Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, devem: I - aplicar sobre o resultado obtido de acordo com o inciso II do art. 2º: RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 439 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a) a alíquota vigente para as operações internas, de acordo com a espécie de mercadoria; b) no caso de empresa que se encontrava enquadrada no regime tributário diferenciado aplicável à microempresa ou à empresa de pequeno porte, no dia 30 de junho de 2007: 1. as alíquotas previstas no art. 6º da Lei n. 13.270/1998, para os estoques correspondentes às mercadorias cuja entrada no estabelecimento tenha ocorrido até 30 de junho de 2007; 2. a alíquota vigente para as operações internas, de acordo com a espécie de mercadoria para os estoques correspondentes às mercadorias cuja entrada no estabelecimento tenha ocorrido a partir de 1º de julho de 2007; II - registrar o valor apurado de acordo com o inciso I no quadro Observações do livro Registro de Apuração do ICMS, com a expressão: Crédito de ICMS correspondente ao estoque apurado nos termos do art. 2º e 3º do Decreto n. 6.663, de 29 de agosto de 2007; III - registrar o valor correspondente ao crédito do ICMS registrado de acordo com o inciso II no livro Registro de Apuração do ICMS no quadro Crédito o Imposto/007 - Outros Créditos, em 24 (vinte e quatro) parcelas mensais, iguais e consecutivas’. Portanto, infere-se da norma acima transcrita que, justamente para evitar a apontada bitributação, determinou-se que fosse relacionado o estoque existente um dia antes da vigência da nova regulamentação. Além disso, estabeleceu-se a compensação do crédito dos estoques com os débitos futuros, em 24 parcelas mensais, iguais e sucessivas. Diante disso, não há como acolher a alegação feita pela impetrante de bitributação e da impossibilidade de abatimento do imposto já anteriormente pago” (fl. 273-278). Mercantil Alimentos, Comércio e Importação Ltda., interpôs, então, o presente recurso ordinário, alegando que o acórdão recorrido divergiu do entendimento do Superior Tribunal de Justiça no RMS n. 29.702, GO, e violou os artigos 105 e 144 do Código Tributário Nacional (fl. 286-297). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento do recurso ordinário “para que seja assegurado à empresa recorrente a possibilidade de abatimento integral e imediato dos valores comprovadamente recolhidos a título de ICMS na sistemática da substituição tributária do montante a recolher - afastado 440 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA o parcelamento da devolução do tributo já anteriormente recolhido sobre a mesma mercadoria” (fl. 382). O relator originário, Ministro Hamilton Carvalhido, proferiu decisão, dando parcial provimento ao recurso, “para que se assegure à impetrante a possibilidade de abatimento integral dos valores comprovadamente recolhidos a título de ICMS, por meio da substituição tributária, com relação àquelas mercadorias elencadas no Decreto Estadual n. 6.663/2007, da diferença entre o valor do ICMS já recolhido e aquele a recolher” (fl. 388). Posteriormente, os autos foram atribuídos ao Ministro Francisco Falcão, que reconsiderou a decisão para submeter a decisão ao Colegiado (fl. 407-409). VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. O exato dimensionamento da lide passa pela compreensão do que seja a substituição tributária. “O sujeito passivo da relação jurídica tributária”, - escreveu Alfredo Augusto Becker - “normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto, frequentemente, colocar esta pessoa no polo negativo da relação jurídica tributária é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dif iculdades para o nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda a vez que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributário” (Teoria Geral do Direito Tributário, Edição Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1972, p. 504). “A crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador” (...) de escolher “para sujeito passivo da relação jurídico-tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sempre, aquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária é fato-signo presuntivo. Entretanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo o legislador a escolher um outro indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária. E este outro indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época atual, já é frequentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será a regra geral” (op. cit. 501-502). RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 441 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A expressão substituição tributária não é uma boa expressão para definir esse instituto. Juridicamente, o substituto tributário não substitui ninguém. “O fenômeno da substituição” - ainda nas palavras de Becker - “opera-se no momento político em que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição que ocorre neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo” (ibid., p. 505-506). Quando essa escolha do legislador se torna regra jurídica, e ela incide criando a obrigação tributária, essa obrigação tributária já nasce contra o substituto legal tributário. “Entre o Estado e o substituído não existe qualquer relação jurídica” (ibid, p. 507). A primeira dificuldade a vencer, em termos de direito positivo, é a de que o Código Tributário Nacional não refere a expressão substituto legal tributário, nem mesmo a expressão substituição tributária, que no âmbito federal só veio a ser utilizada pela Constituição Federal de 1988 (artigo 155, § 2º, XII, alínea b). O Código Tributário Nacional fala em responsável, mas com a impropriedade de empregar esse vocábulo com, pelo menos, duas conotações diferentes; o responsável do artigo 121, parágrafo único, inciso II, que é o substituto legal tributário; o responsável do artigo 128 e seguintes que é o responsável tributário no sentido próprio. O artigo 121 do Código Tributário Nacional trata da sujeição passiva originária ou direta, aquela que resulta da incidência da norma jurídica tributária; é a sujeição passiva descrita na regra legal. Se o legislador optar por imputá-la à pessoa “cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo”, estarse-á diante da figura do contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (artigo 121, parágrafo único, inciso I). Se a opção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato gerador, cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei, estar-se-á diante do substituto legal tributário (artigo 121, parágrafo único, inciso II). A obrigação tributária, portanto, nasce, por efeito da incidência da norma jurídica, originária e diretamente, contra o contribuinte ou contra o substituto legal tributário; a sujeição passiva é de um ou de outro, e, quando escolhido o substituto legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tributo. A sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de substituto legal tributário, pode não ser suficiente para o cumprimento da obrigação tributária principal, a de pagar o tributo (CTN, artigo 113, § 1º). 442 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Para garantir a efetividade da obrigação tributária, a lei criou a responsabilidade tributária, que é sempre derivada do inadimplemento da obrigação tributária originária (ou, como querem outros, sujeição passiva indireta, por oposição à sujeição passiva direta). Quer dizer, em linha de princípio, o contribuinte ou o substituto legal tributário estão obrigados a pagar o tributo, mas o inadimplemento da obrigação tributária originária ou direta dá causa à obrigação derivada ou indireta, positivamente prevista como responsabilidade tributária (CTN, artigo 128 e seguintes). A responsabilidade tributária é uma obrigação de segundo grau. Quando a norma jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o substituto legal tributário. Apenas se eles descumprirem essa obrigação tributária, é que entra em cena o responsável tributário. Nada mais é preciso dizer para acentuar a diferença ontológica existente entre o substituto legal tributário e o responsável tributário; aquele é a pessoa, não vinculada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo, se este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário, conforme o caso. É preciso que isso fique claro: na substituição legal tributária há só uma obrigação tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de suprimir obrigações tributárias que corresponderiam às etapas do ciclo de comercialização anteriores ou posteriores, conforme a substituição se processe “para trás” ou “para frente”; o que esse fato gerador tem de especial é a base de cálculo, a qual considera valores agregados em outras etapas do ciclo de comercialização. 2. Nessas condições, a migração do regime da substituição tributária para o regime comum - em que a sujeição passiva do tributo recai sobre o contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador (CTN, art. 121, parágrafo único, inciso I) - não pode ignorar as obrigações tributárias já consumadas na vigência da legislação anterior; o pagamento do tributo, à luz desta, pelo substituto legal tributário exaure a obrigação fiscal, nada mais podendo ser exigido a esse título. O expediente de considerar como crédito do contribuinte, no novo regime, o que foi pago pelo substituto legal tributário, no regime anterior, afronta uma situação definitivamente constituída, que suprimiu etapas posteriores do ciclo de comercialização. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 443 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Voto, por isso, no sentido de dar provimento ao recurso ordinário para exonerar a impetrante de se submeter ao regime do Decreto Estadual n. 6.663, de 29 de agosto de 2007, relativamente aos fatos geradores ocorridos na vigência da legislação anterior. VOTO-VISTA Ementa: Tributário. Recurso ordinário em mandado de segurança. ICMS. Migração de regime de tributação. 1. A migração para o regime comum não autoriza o Fisco a exigir nova exação de ICMS em relação às mesmas operações mercantis que já foram tributadas antecipadamente pelo regime de substituição. 2. Recurso ordinário provido. Voto-vista acompanhando o voto do eminente relator. O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Conforme já bem lançado pelo eminente relator, a controvérsia em debate gira em torno da tributação do ICMS sobre mercadorias em estoque adquiridas pela recorrente pelo regime da substituição tributária diante da nova regulamentação do Estado de Goiás (Decreto n. 6.663/2007), pela qual determinou a migração de tais operações para o regime comum, em que o contribuinte deve apurar e recolher o imposto por ocasião da saída da mercadoria. Para o fim de supostamente evitar dupla tributação, o aludido decreto dispôs que o valor recolhido antecipadamente para aquisição das mercadorias armazenadas seria devolvido, na forma de créditos escriturais, em 24 (vinte e quatro) parcelas iguais e consecutivas. Sobre esse tema, por ocasião do julgamento do RMS n. 29.702-GO, de que fui relator, manifestei-me no sentido de que é legal a mudança de sistema de tributação, porquanto não há direito adquirido a determinado regime jurídico, mas que não seria legítima a forma de devolução parcelada dos valores recolhidos antecipadamente, motivo pelo qual decidi dar parcial provimento àquele recurso ordinário para permitir “a possibilidade de abatimento integral dos valores comprovadamente recolhidos a título de ICMS, por meio de substituição tributária, com relação àquelas mercadorias elencadas no Decreto Estadual n. 6.663/2007, da diferença existente entre o valor do ICMS já recolhido e aquele a recolher”. 444 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA No julgamento deste recurso, todavia, o relator, eminente Ministro Ari Pargendler, apresentou voto em sentido mais favorável ao contribuinte, reconhecendo a extinção das obrigações tributárias referentes às mercadorias adquiridas pelo regime de substituição, o que motivou-me a pedir vista dos autos. Refletindo mais uma vez sobre a controvérsia em comento, tenho que está correta a fundamentação clara e precisa externada pelo douto relator. Justifico a mudança de meu entendimento pelas seguintes razões. Se é certo que o contribuinte não tem direito líquido e certo a determinado regime jurídico de tributação, também é certo afirmar que as operações realizadas sob a égide do regime anterior devam ser respeitadas, porquanto enquadram-se no conceito de ato jurídico perfeito, cujos efeitos são assegurados pela Carta Política. No regime de substituição tributária “para frente” o fato gerador ocorre de forma presumida por ocasião da venda da mercadoria ao contribuinte, ficando o substituto tributário responsável pelo pagamento da exação, nos termos do art. 121, parágrafo único, inciso II, do CTN. Por sua vez, o pagamento extingue o crédito tributário (art. 156, I, do CTN) e, por isso, nada mais pode ser cobrado do contribuinte substituído, ainda que ele venha a praticar preço superior à base de cálculo utilizada como parâmetro para o recolhimento antecipado (“pauta fiscal”). Frise-se que o regime de substituição tributária, o qual pressupõe a antecipação do fato gerador (presumido) e o respectivo pagamento da exação, constitui opção legislativa tendente a facilitar a arrecadação. Realizado o fato gerador presumido e pago o tributo pelo substituto tem-se por extinta a obrigação tributária relativa à correspondente operação mercantil, ficando desonerada de tributação as etapas seguintes. A troca do momento do fato gerador em relação a uma mesma operação configura evidente bis in idem. O ciclo de constituição, exigibilidade e extinção do crédito tributário tem por seu nascedouro uma ocorrência de um fato gerador para cada obrigação tributária. Extinta essa obrigação, não pode ser ela novamente restabelecida com o artifício de alterar o momento de seu fato gerador. Dessa forma, fica evidenciado que a migração de sistema de tributação levada a efeito pelo Estado de Goiás não pode alcançar as operações já tributadas RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 445 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pelo modelo anterior e, assim, nada mais pode ser exigido do contribuinte por ocasião da saída das mercadorias adquiridas pelo regime de substituição. Ante o exposto, acompanho o voto do eminente relator, para dar provimento ao recurso ordinário. É o voto. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.861-PE (2010/0060122-7) Relator: Ministro Sérgio Kukina Recorrente: Roseane Batista Leite Advogado: Nathalia Monteiro de Araújo e outro(s) Recorrido: Estado de Pernambuco Procurador: Inês Almeida Martins Canavello e outro(s) EMENTA Administrativo. Concurso público. Pessoa com deficiência. Prova da condição. Exclusão da lista de habilitados. Ilegalidade. Suficientemente provada pela impetrante, por meio dos documentos idôneos que juntou à impetração, sua condição de pessoa com deficiência física, impõe-se reconhecer-lhe tal status, por força de inafastável incidência do que dispõe o art. 4º, inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, ainda que o acórdão recorrido, com esteio em um só laudo pericial divergente, tenha decidido de modo diverso. Precedentes. Recurso ordinário provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento 446 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Napoleão Nunes Maia Filho (Presidente) e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília (DF), 23 de abril de 2013 (data do julgamento). Ministro Sérgio Kukina, Relator DJe 25.4.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por Roseane Batista Leite, sob benefício de assistência judicial gratuita, apontando como autoridade coatora o Procurador-Geral de Justiça de Pernambuco, a quem imputa, como ato coator, a exclusão da impetrante das vagas reservadas a pessoas com deficiência no concurso público para provimento de cargos de natureza administrativa para o quadro de pessoal de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado. O Tribunal de origem não acolheu as alegações da impetração e, entendendo pela regularidade da exclusão combatida, denegou a segurança, por unanimidade dos votos, em acórdão que guarda a seguinte ementa: Ementa: Mandado de segurança. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. Rejeitada. Preliminar de ausência de direito líquido e certo. Não conhecimento. Confusão com o mérito. Mérito. Concurso público. Vaga para portadores de deficiência. Observância obrigatória dos termos do Decreto n. 3.298/1999. Segurança denegada. Decisão unânime. 1 - não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, pois nada obsta que a candidata possa participar, se em conformidade com a legislação, da concorrência entre candidatos ao cargo de deficiente físico e do quadro geral do mesmo concurso público, uma vez que são situações distintas. 2 - preliminar de ausência de direito líquido e certo não conhecida, uma vez que com o mérito se confunde. 3 - a jurisprudência é assente no sentido de que só poderão concorrer a uma vaga reservada para portadores de deficiência física, aqueles que se enquadrarem aos parâmetros legais pré-estabelecidos no instrumento convocatório do certame, RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 447 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de modo a evitar-se que candidatos possuidores de suficiente capacitação física para o desempenho da função perseguida venham a ser privilegiados com o aludido benefício. 4 - Segurança denegada. 5 - Decisão unânime. (fls. 182 e 183). A recorrente, nas razões do recurso ordinário, insiste no direito de concorrer às vagas reservadas a pessoas com deficiência, embora tenha sido também aprovada na ampla concorrência, argumentando, em síntese, que “enquadra-se perfeitamente na definição legal, pois é portadora de sequela de pé torto congênito bilateral - Código Internacional de Doenças (CID) n. Q66, possuindo capacidade limitada para exercer algumas atividades, pois tal deficiência acarreta a rigidez articular, diminuição da amplitude de movimento do tornozelo e limitação de algumas atividades físicas” (fls. 206 e 207). Acrescenta que sua deficiência “não é somente estética, mas também produz dificuldades para o desempenho da função física, precisamente motora, pois sua doença compromete as estruturas ósseas e partes moles, acarretando limitação na mobilidade do tornozelo, bilateralmente, causando dores ao caminhar, [bem como] dificuldade para subir e descer escadas ou rampas” (fl. 207). O Estado de Pernambuco apresentou contrarrazões ao recurso (fls. 220 a 225), nas quais defende a legalidade da eliminação, aos argumentos de que (a) não se discute a deficiência da candidata, mas o enquadramento da hipótese fática aos comandos legais e (b) a prova coligida pela impetrante não é suficiente para demonstrar, de plano, o seu direito. O Ministério Público Federal, pelo parecer de fls. 250 a 254, entendeu não existir qualquer justificativa plausível para a exclusão efetuada e, assim, manifestou-se pela concessão da segurança. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Consta dos autos que Roseane Batista Leite, a impetrante, inscreveu-se em concurso público para o provimento de vagas no quadro de pessoal de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, tendo sido aprovada e classificada em primeiro lugar nas vagas reservadas a pessoas com deficiência e vigésimo nono, na concorrência ampla (fl. 43). 448 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Submetida à avaliação médica prevista no edital, foi “eliminada por não ser deficiente” (fl. 83) e mantida apenas na concorrência ampla. Irresignada, impetrou o presente Writ, alegando ter o direito líquido e certo de postular a vaga constitucionalmente reservada. O Tribunal de origem, para denegar a segurança, se assentou em três fundamentos, quais sejam: 1 - De acordo com o documento acostado às fls. 41, não houve o reconhecimento da condição de deficiente físico da impetrante pela comissão examinadora do concurso, por ter constatado a Junta Médica Pericial, que a requerente, conquanto realmente portadora da enfermidade indicada, não apresentava alteração completa ou parcial que pudesse permitir seu enquadramento na hipótese prevista no art. 4º, I, do Decreto Federal n. 3.298/1999. (fl. 187). 2 – (...) a jurisprudência é assente no sentido de que só poderão concorrer a uma vaga reservada para portadores de deficiência física, aqueles que se enquadrarem aos parâmetros legais pré-estabelecidos no instrumento convocatório do certame, de modo a evitar-se que candidatos possuidores de suficiente capacitação física para o desempenho da função perseguida venham a ser privilegiados com o aludido benefício, em flagrante ofensa ao princípio da isonomia. Desta feita, no caso em comento, devem prevalecer os regramentos contidos no Decreto Federal n. 3.298/1999. (fls. 187 e 188). 3 – (...) os documentos acostados às fls. 145-157 não são capazes de concluir pela liquidez e certeza do direito pleiteado pela impetrante, uma vez que há decisão em sentido contrário, necessitando de dilação probatória, o que é defeso nesta via escolhida. (fl. 191). A recorrente, nas razões do recurso ordinário, insurge-se contra essas conclusões, argumentando que há, na impetração, provas bastantes quanto à sua condição física, suficientes para demonstrar a liquidez e certeza do direito que ampara sua pretensão. Resta, então, verificar se essas provas coligidas nos autos, tanto pela impetrante quanto pelo Estado de Pernambuco, permitem manter o acórdão ora recorrido por seus próprios fundamentos ou, ao contrário, reclamam a sua reforma e, em decorrência, a concessão da segurança. Passa-se, pois, ao exame particularizado da questão posta. O laudo médico pericial, emitido pelo Núcleo de Perícias Médicas e Segurança do Trabalho do Instituto de Recursos Humanos do Estado de RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 449 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Pernambuco – IRH-PE, fls. 82 e 83, conquanto lacônico, é suficientemente claro em suas conclusões: “a periciada, Srtª Roseane Batista Leite não é deficiente física” (fl. 83). Por isso, foi eliminada do rol dos habilitados às vagas reservada para pessoas com deficiência. Ocorre que, tal como alega a recorrente, há nos autos provas documentais bastantes para autorizar conclusão diversa. Nesse sentido, confiram-se: 1 - O laudo à fl. 45, emitido em outubro de 2005, por médico ortopedista, afirma ser a paciente “portadora de sequela de pé torto congênito bilateral, tendo sido operada em 1977, e apresenta atrofia de perna irreversível, grau I, CID Q66.8”. 2 - O laudo seguinte, fl. 46, embora assinado por outro perito, também ortopedista, afirma, em essência, a mesma atrofia. 3 - Mais um laudo, fl. 47, este elaborado por médica do trabalho, que descreve, em minúcias, as limitações a que a impetrante está sujeita, embora a considere “apta a exercer atividades que possam ser realizadas na posição sentada”. 4 - Atestado médico, fl. 48, expedido por médico municipal, para fins de concessão de livre acesso aos meios locais de transporte, afirmando ser a “paciente portadora de sequela de pé torto congênito bilateral com atrofia irreversível grau I, que impedem a perambulação ativa e o equilíbrio”, documento que também a classifica taxativamente como pessoa com deficiência física, CID Q 66.8. 5 - Parecer, fl. 51, de lavra do responsável pela equipe médica do concurso para a Polícia Militar/Corpo de Bombeiro Militar do Estado de Pernambuco que apresenta a impetrante como “portadora de correção cirúrgica para pé torto congênito” e destaca “que esta enfermidade cursa com atrofia da perna, tornozelo e pé. Estas alterações, após todos esses anos são irreversíveis mesmo com a correção da causa primária (pé torto) e [é] incompatível com a atividade militar”. 6 - Resposta a recurso de perícia médica, fl. 114, em que a Universidade de Brasília, organização executora do concurso público para o provimento de cargos do Quadro permanente do TRE-MA, reconsiderou decisão anterior por entender que “a candidata apresenta membros inferiores com deformidade 450 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA congênita que, apesar de corrigida cirurgicamente, apresenta atrofia de seus músculos. [...] trata-se, portanto, de deficiência física compreendida na redação dada pelo Decreto n. 3.298 de 1999, alterado pelo Decreto n. 5.296 de 2004”. 7 - Sentença de procedência, fls. 150 a 154, proferida pela 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte que, acolhendo a manifestação do perito nomeado pelo juízo, reconheceu estar a autora, aqui impetrante, amparada pelas disposições do Decreto n. 3.298/1999. À luz desse contexto, inteiramente acertadas as seguintes considerações, extraídas do parecer ministerial, cujos argumentos também se adotam como razão de decidir: Entende-se. s.m.j., que as provas trazidas aos autos são suficientes para demonstrar que a recorrente é portadora de deficiência física, nos termos do art. 4o, inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, não havendo necessidade de qualquer dilação probatória. (fl. 252). [...] Não se mostra plausível que a recorrente seja considerada portadora de deficiência física para aprovação em concurso de determinado órgão e não seja assim considerada para outro, no qual a função a ser desenvolvida é praticamente a mesma (atividade técnico-administrativa). Ademais, é de se observar que o próprio laudo pericial que fundamentou a exclusão da recorrente no certame afirmou que ela é portadora do CID -10 Q.66.8. Grau I, ou seja, de deformidade congênita no pé, o que, de regra, amolda-se à parte final do inciso I do art. 4o do Decreto n. 3.298/1966. (fl. 253). [...] A análise das provas dos autos leva à conclusão de equívoco na decisão do Tribunal a quo, haja vista a violação do direito líquido e certo da impetrante, ora recorrente, de ser considerada portadora de deficiência, nos termos do art. 4o, inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, e de ser considerada aprovada na segunda etapa do Concurso Público de Provas e de Títulos para Provimento de vagas e formação de Cadastro reserva para ingresso na Carreira dos Servidores do Ministério Público do Estado de Pernambuco. (fls. 253 e 254). Ora, na conhecida lição de Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, São Paulo, Malheiros, 33ª ed., 2010, p. 39), “o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo a direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante” (destaquei). RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 451 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Segue-se, daí, que a correção na avaliação dos fatos na hipótese destes autos não só é possível, como também necessária e imperativa: suficientemente provada pela impetrante, por meio dos documentos idôneos que juntou à impetração, sua condição de pessoa com deficiência física, impõe-se reconhecerlhe tal status, por força de inafastável incidência do que dispõe o art. 4º, inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, ainda que o acórdão recorrido, com esteio em um só laudo pericial divergente, tenha decidido de modo diverso. A propósito, a solução aqui preconizada em nada inova, apresentandose em harmonia com precedentes que, em situação análoga, reformaram as conclusões dos Tribunais de origem. Confiram-se: Administrativo. Servidor público. Concurso público. Posse de deficiente auditivo unilateral. Possibilidade. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem, embora reconheça a surdez unilateral, julgou improcedente o mandamus, considerando que a impetrante não se enquadra no conceito de deficiente físico preconizado pelo art. 4º do Decreto n. 3.298/1999, com redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004 (vigente ao tempo do edital). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, no concurso público, é assegurada a reserva de vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais acometidos de perda auditiva, seja ela unilateral ou bilateral. 3. Reexaminando os documentos anexos à exordial, depreende-se que, segundo o laudo médico emitido, a candidata tem malformação congênita (deficiência física) na orelha e perda auditiva no ouvido direito, o que caracteriza a certeza e a liquidez do direito ora vindicado, na espécie. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no RMS n. 34.436-PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 22.5.2012). Recurso ordinário em mandado de segurança. Decadência. Não configuração. Deficiente visual. Visão monocular. Exclusão do benefício da reserva de vaga. Ilegalidade. I - O prazo para a impetração do mandamus começa a ser contado da ciência pelo interessado do ato que efetivamente lhe feriu o direito líquido e certo. II - A visão monocular constitui motivo suficiente para reconhecer ao recorrente o direito às vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Precedentes deste e. Tribunal, bem como do Pretório Excelso. Agravo regimental desprovido. 452 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA (AgRg no RMS n. 26.105-PE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 30.6.2008). Diante do que se expôs, e em harmonia com o parecer ministerial, dá-se provimento ao presente recurso ordinário para, cassando o acórdão recorrido, conceder-se a segurança, em ordem a restabelecer a habilitação da candidata Roseane Batista Leite, ora recorrente, na primeira colocação da lista reservada às pessoas com deficiência, no concurso para o provimento do cargo de Técnico Ministerial, área administrativa, opção Jaboatão dos Guararapes. É o voto. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 39.102-RO (2012/0195505-1) Relator: Ministro Ari Pargendler Recorrente: Simone de Melo Advogado: Roberto Franco da Silva e outro(s) Recorrido: Estado de Rondônia Procurador: Regina Coeli Soares de Maria Franco e outro(s) EMENTA Concurso público. Correção de prova. Anonimato. A atribuição de notas em concurso público constitui responsabilidade da respectiva comissão, e está fora do controle judicial; no entanto, o procedimento da comissão de concurso está sujeito ao crivo judicial sempre que contrarie as regras do edital. Espécie em que, prevista no edital a regra do anonimato para a correção da prova, a comissão de concurso julgou recurso administrativo, identificando aquele que o interpôs. Recurso ordinário provido. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 453 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. Vera Carla Nelson Cruz Silveira, pela recorrente Simone de Melo. Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Relator DJe 25.3.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ari Pargendler: Os autos dão conta de que Simone de Melo impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Comissão do XIX Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto da Carreira da Magistratura do Estado de Rondônia, forte na ilegalidade da correção da prova de sentença criminal da segunda fase do aludido processo seletivo (e-stj, fl. 4262). O relator deferiu a medida liminar para que a impetrante participasse das fases seguintes do concurso (e-stj, fl. 317-319). O Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia denegou a segurança, nos termos do acórdão assim ementado: “Mandado de segurança. Concurso público para magistratura. Prova de sentença. Recurso administrativo. Julgamento. Critérios de avaliação. Inexistência de ilegalidade. Ausência de direito líquido e certo. Ordem denegada. Em concurso público, a regra do julgamento de recurso em sessão pública não se aplica quando o recurso interposto não contiver previsão legal, notadamente justificadas as razões de sua análise em sessão fechada e ausente qualquer prejuízo ao candidato. Os critérios adotados pela banca na análise das respostas, principalmente em prova de sentença, de cunho eminentemente subjetivo, não podem ser revistos pelo 454 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Judiciário, simplesmente porque feriria o próprio princípio da isonomia, ao utilizar seus próprios critérios para atribuir uma nota a candidato, diferentemente dos critérios que foram utilizados aos demais. O princípio da isonomia não resta violado quando outros candidatos obtiveram a majoração de suas notas, por ocasião da revisão das provas, e não mero arredondamento, de todo incabível, ante a vedação dessa possibilidade no edital. Não se constatando qualquer ilegalidade nos critérios de avaliação da banca examinadora do certame, não cabe ao Poder Judiciário, a revisão do acerto ou desacerto das respostas dadas pela candidata. Ordem denegada, ante a inexistência de ofensa a direito líquido e certo” (e-stj, fl. 368-369). Simone de Melo interpôs, então, recurso ordinário em mandado de segurança (e-stj, fl. 364-405), a teor de cujas razões: “A recorrente é candidata inscrita no XIX Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto da Carreira da Magistratura do Estado de Rondônia, regulado pelo Edital n. 001/2010. Foi aprovada na primeira fase do certame com 63 pontos e, na primeira prova da segunda fase (nas questões subjetivas) com 6.21 pontos. Na segunda prova da segunda fase do concurso, obteve aprovação na sentença cível com nota 9.3. Na prova de sentença criminal a nota foi 4.5, decisão da qual apresentou recurso administrativo, que foi improvido, ao fundamento de que a prova em questão continha mais de 20 erros. Ao analisar as razões de não provimento do recurso administrativo, a recorrente verificou que, dos erros apontados, 17 (dezessete) não correspondiam de forma alguma à fundamentação apresentada em sua prova de sentença criminal. Diante da ausência de previsão no edital, de um novo recurso administrativo, a recorrente exerceu direito de petição para requerer, por meio de sessão pública, o decreto de nulidade da decisão do recurso e novo julgamento. A Comissão do concurso, na data de 10.4.2012, reuniu-se em sessão fechada e, após deliberar acerca do pedido da recorrente, publicou decisão informando que recebeu o requerimento como ‘embargos de declaração para correção de erros materiais’. Ainda, além do reconhecimento da existência de erros não pertencentes à candidata, reconheceu que houve equívoco na pontuação inicial (4.5) e promoveu nova correção da sentença criminal, à qual atribuiu nota final 5.8 (cinco ponto oito), ou seja, apenas 0.2 (dois décimos) abaixo da nota de aprovação (fls. 150-151). RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 455 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em razão da nulidade do julgamento realizado em sessão fechada e, ainda, das ilegalidades cometidas, as quais geraram a pontuação 5.8 à correção da prova de sentença criminal, a recorrente ajuizou ação mandamental para demonstrar violação de direito líquido e certo” (e-stj, fl. 365-366). A recorrente alega as seguintes nulidades: a) “O Edital n. 001/2010 prevê expressamente a forma para realização dos julgamentos dos recursos no certame: ‘Art. 84. A Comissão de Concurso, convocada especialmente para julgar os recursos, reunir-se-á em sessão pública e, por maioria de votos, decidirá pela manutenção ou pela reforma da decisão recorrida. Parágrafo único. Cada recurso será distribuído por sorteio e, alternadamente, a um dos membros da Comissão que funcionará como relator, vedado o julgamento monocrático’ (grifei). O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 75/2009, regulamento a questão, in verbis: ‘Art. 72. A Comissão convocada especialmente para julgar os recursos, reunirse-á em sessão pública e, por maioria de votos, decidirá pela manutenção ou pela reforma da decisão recorrida. Parágrafo único. Cada recurso será distribuído por sorte e, alternadamente, a um dos membros da Comissão que funcionará como relator, vedado o julgamento monocrático’ (grifei). (...) Ora, Nobre Ministro Relator, a candidata, diante de uma situação totalmente incomum, se deparou com flagrante ilegalidade no julgamento de seu recurso atribuição de 17 erros que não se referiam à sua prova - e, optou pelo exercício do direito de petição na forma prevista na CF, art. 5º, inciso XXXIV. Nesse contexto, o pedido foi recebido e, independentemente da nomenclatura que deveria ser utilizada para afastar a referida ilegalidade, a comissão tinha o dever legal e moral de sanar a nulidade. Contudo, apesar de acatar o pedido, o fez em solenidade fechada, na qual promoveu nova correção de prova de sentença criminal e deliberou como se fosse julgamento de recurso, razão pela qual deveria ter observado a publicidade do ato, independentemente do prejuízo que isso pudesse causar ao normal prosseguimento do certame” (e-stj, fl. 377-379); 456 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA b) “A primeira violação do princípio da isonomia está no fato que a recorrente foi a única candidata que teve seu recurso administrativo de sentença criminal avaliado de forma negligente pela entidade terceirizada, que atribuiu à sua prova 17 erros da prova de outro candidato” (e-stj, fl. 385); c) “A segunda violação se verifica na circunstância de que as provas de sentença criminal de todos os demais candidatos foram corrigidas pela entidade terceirizada PUCRR, com critérios totalmente diferenciados dos utilizados pela Comissão na correção da prova da recorrente. (...) É flagrante a violação da isonomia. Enquanto todos os candidatos foram avaliados, diga-se, sem identificação, em obediência ao § 2º do art. 32 do Edital n. 001/2010, de forma singela, e, ainda, por um único examinador da PUCPR, a recorrente, depois de identificada, teve sua sentença recorrigida por nove membros da Comissão neste Estado, ou seja, dois Desembargadores, seis juízes e um membro da OAB/RO” (e-stj, fl. 385-386). d) “A terceira violação do princípio da isonomia decorre do fato de que, tendo a Comissão promovido correção originária da prova da candidata, então, de corolário lógico, deve ter garantido a possibilidade de interpor recurso administrativo, na forma prevista no Edital n. 001/2010-PR, art. 82” (e-stj, fl. 387); e) “Ainda, a Comissão, apesar de realizar efetiva correção da prova de sentença criminal, proferiu decisão final como se tivesse julgando o recurso administrativo. Logo, promoveu com este ato a quarta violação do princípio da isonomia, pois, todos os demais candidatos recorrentes da sentença criminal, tiveram seus recursos julgados por meio de ‘parecer’ também emitido pela PUCPR, que foi apenas e tão somente acatado pela Comissão. Nesse sentido, os referidos ‘pareceres’, emitidos por examinador da PUCPR (fls. 155 e 200), evidenciam com clareza a violação da isonomia, pois, 11 (onze) provas que, do mesmo modo que a recorrente obtiveram a nota 4.5 na prova de sentença criminal, 1 (uma) prova de nota 4.75 e 1 (uma) prova com pontuação 3.5, tiveram provimento parcial dos seus recursos para majorar a nota para 6.0, nota mínima para aprovação” (e-stj, fl. 387). f ) “A quinta violação ao princípio da isonomia pode ser identificada pelas notas atribuídas aos demais candidatos, os quais, na mesma fase do concurso, em relação a mesma prova de sentença criminal, tiveram efetivo arredondamento de notas. (...) RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 457 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Cumpre registrar que não foi af irmado nos autos a inexistência de notas fracionadas dentro do certame, tanto é assim que a pontuação na sentença cível formulada pela recorrente foi 9.3, e, na avaliação subjetiva 6.21, e isso foi informado já na peça inicial. A tese de arredondamento de notas e a pretensão de sua aplicação também à recorrente, funda-se no fato de que, 13 (treze) candidatos do mesmo concurso, da mesma sentença criminal, da mesma fase recursal, tiveram revisão de nota, com singela fundamentação, para atingir exatamente a mesma pontuação, qual seja, a média 6.0 (seis), nota suficiente para aprovação para a próxima fase. De fato pode parecer estranho que 13 candidatos tivessem arredondamento de notas em 1.5 (um ponto e meio), 1.25 (um ponto e vinte e cinco décimos) e 2.5 (dois pontos e meio). Contudo, não há outro termo para ser utilizado na aplicação de nota efetivada pelo examinador da PUCPR, nas provas dos referidos 13 (treze) candidatos. A situação dos 13 (treze) candidatos citados evidencia que houve majoração de nota com efetivo arredondamento, pois, se tivessem seus recursos avaliados da mesma forma, pela mesma Comissão, com os mesmos critérios que a ora recorrente, por óbvio não atingiriam todos eles exatamente a mesma pontuação 6.0 (seis) e, este fato independe de prova, mas de simples raciocínio lógico” (e-stj, fl. 388-389); g) “A Comissão, quando da correção da prova da recorrente violou também o princípio da legalidade e da proporcionalidade, conforme restará demonstrado. (...) Ocorre que, in casu, não se busca averiguar o conteúdo do gabarito divulgado pela PUCPR em relação à prova de sentença criminal, mas a ausência de adequada aplicação do mesmo à prova da recorrente, fato que configurava elemento do ato administrativo e não foi observado” (e-stj, fl. 398). O Ministério Público Federal, na pessoa da Subprocuradora-Geral da República Dra. Darcy Santana Vitobello, opinou pelo provimento do recurso ordinário (e-stj, fl. 481-487). VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. Os autos dão conta de que o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia publicou edital de concurso público, visando o provimento de 15 (quinze) cargos vagos de juiz de direito substituto, 458 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA mais aqueles que surgissem durante o respectivo prazo de validade (e-stj, fl. 2547). A Pontifícia Universidade Católica do Paraná foi encarregada de elaborar as questões submetidas aos candidatos e de corrigir as respectivas provas; vejase, a esse propósito, o timbre dessa instituição na capa da prova de sentença cível (e-stj, fl. 89) e na capa da prova da sentença criminal (e-stj, fl. 108), bem como a peça em que a Comissão de Concurso se refere aos “critérios de correção divulgados pela instituição terceirizada” (e-stj, fl. 217). A nota atribuída à Recorrente na sentença criminal, qual seja, a de 4,5 (quatro e meio), foi inferior a de 6,00 (seis) que era a nota mínima exigida para a aprovação no aludido processo seletivo (e-stj, fl. 146-161). A Recorrente interpôs recurso administrativo dessa decisão, porque a correção da aludida prova, que deveria observar critérios prefixados, atinentes ao conteúdo e a qualidade da sentença (e-stj, fl. 162-169), deles havia alegadamente se desviado (e-stj, fl. 171-197). O recurso foi desprovido (e-stj, fl. 198-205), adotando-se integralmente o “parecer prévio enviado (...) pela PUC-PR” (e-stj, fl. 207), e a Recorrente interpôs outro, desta feita para enfatizar que os erros flagrados na prova corrigida não diziam respeito à prova realizada por ela (e-stj, fl. 206-214 e 215-216). A Comissão de Concurso reuniu-se, reservada e extraordinariamente, recebeu a petição como embargos de declaração “para correção de erros materiais” (e-stj, fl. 217) e majorou a nota da Recorrente na aludida prova para 5,8 (cinco vírgula oito), ainda insuficiente para a aprovação (e-stj, fl. 217). Lê-se na respectiva ata: “Inicialmente o presidente colocou à discussão o pedido da candidata para que novo julgamento de seu recurso fosse realizado mediante audiência pública, ponderando sua inconveniência diante da delonga que acarretaria com publicações, convocações e demais procedimentos, o que colocaria em risco a realização das próximas fases do certame (exames médicos e psicotécnicos, entrevistas, prova oral), já em data próxima, com toda a monumental estrutura movimentada. Propôs que sua peça fosse recebida como embargos de declaração para correção de erros materiais, no que foi acompanhado por todos os membros da Comissão” (e-stj, fl. 219). Seguiu-se a impetração do mandado de segurança (e-stj, fl. 02-22), denegado pelo Tribunal a quo, porque a comissão de concurso é soberana na “análise dos recursos interpostos” (e-stj, fl. 340), com a observação de que o RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 459 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA julgamento dos embargos de declaração não estava sujeito a sessão pública, a um, porque o aprazamento desta prejudicaria o cronograma do concurso público, e, a dois, porque não se tratava de recurso, mas de petição conhecida “por mera liberalidade” da Comissão de Concurso, “fora do contexto e da fase própria do recurso” (e-stj, fl. 331). 2. Daí se depreende que a instituição terceirizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia tomou a prova de outrem como se fosse a prova da Recorrente. O fato passou despercebido por ocasião do julgamento do recurso administrativo, mas a final foi reconhecido no âmbito de embargos de declaração, oportunidade em que a Comissão de Concurso corrigiu a prova de sentença criminal da Recorrente, cujo resultado final foi a nota de 5,8 (cinco vírgula oito). O julgamento dos embargos de declaração foi realizado a portas fechadas, e não em sessão pública como previsto no edital do concurso. A correção das provas não estava no âmbito de competência da Comissão de Concurso, porque disso fora incumbida a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a qual havia corrigido as provas dos demais candidatos. Ainda: a prova fora identificada pela Comissão de Concurso, quebrando regra do edital que a vedava. O voto vencido do Desembargador Gilberto Barbosa no Tribunal a quo evidenciou ainda outras circunstâncias que revelam o tratamento desigual sofrido pela Recorrente; depois de acentuar a ocorrência do erro material, evidenciado pela circunstância de que 17 (dezessete) dentre os 27 (vinte sete) erros originariamente identificados na prova não existiam, enfatizou que “(...) outros onze candidatos obtiveram a nota elevada de 4,5 para 6,0 - Bruno dos Anjos, Bruno Rua Baptista, Eugênia Amábilis Gregorius, Fabiano Lúcio Graças Costa, Fabrizio Amorim de Menezes, Fernando Augusto Chacha de Rezende, Kellen Barbosa da Costa, Luis Delfino César Júnior, Rafael Lopes Lorenzoni, Suara Lúcia Otto Barboza de Oliveira e Wesley Marques Branquinho. Não fosse o suficiente, outro candidato (Gleucival Zeed Estevão) saltou espetacularmente do conceito 3,5 para 6,0. Portanto, quase o dobro da nota que inicialmente lhe foi conferida pela mesma Comissão Examinadora. E mais, à exceção da impetrante, nenhum dos citados, absolutamente nenhum, teve a nota fracionada em décimo, todos saltaram para os seis pontos necessários para a aprovação nesta fase do certame. Essa postura, com penhoradas vênias, caracteriza marcado descompasso com a isonomia no critério utilizado para reavaliação da prova à luz dos recursos administrativos. 460 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Não posso olvidar, ainda, que a impetrante trouxe prova pré-constituída de que outros candidatos, após singela fundamentação e análise de seus recursos, obtiveram a nota mínima necessária, enquanto a Comissão, no seu caso, realizou minuciosa revisão da sentença para, após afastar 17 erros que lhes foram equivocadamente imputados, obstar sua aprovação por ínfimos dois décimos de ponto. Isto, convenha-se, macula, sobremaneira, o princípio da razoabilidade” (e-stj, fl. 343-344). Nesse contexto, a sentença deve ser reformada. Com efeito, aqui não está em causa o truísmo de que ao Judiciário é vedado substituir-se à comissão de concurso para revisar as notas dos candidatos. A questão é outra, e consiste em saber se o Judiciário pode, depois de comprovado o erro material na correção de uma prova (erro este resultante da troca de uma prova por outra), reparar o dano decorrente do tratamento desigual dado a um dos participantes do processo seletivo. A desigualdade do tratamento está documentada nos autos, e já foi relatada, a saber: * revisão da nota a portas fechadas (as notas dos demais candidatos foram alteradas em sessão pública); * mediante a identificação prévia da candidata (os demais candidatos tiveram a garantia do anonimato); * realizada pela Comissão de Concurso (as provas dos demais candidatos foram corrigidas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Com certeza, isso não resultou da falta de lisura da Comissão de Concurso. Ter-lhe-ia sido mais prático desconhecer a petição que recebeu como embargos de declaração, porque a isso não estava obrigada. O fato de que, já julgado o recurso administrativo, tenha reconhecido o erro material constitui uma prova de que estava afinada com o princípio da moralidade administrativa. Acossada pelos prazos do concurso, deixou de perceber que o procedimento seguido contrariava o edital. O Judiciário pode controlar a legalidade desse procedimento. Quid? Nesta altura, já não é possível restaurar o statu quo ante. O processo seletivo seguiu seus trâmites. A Recorrente foi bem sucedida no Curso de Formação. Seus colegas foram nomeados e exercem o cargo de juiz de direito substituto. O anonimato da Recorrente se desfez. Não há outra solução que a de conceder a ordem. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 461 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Voto, por isso, no sentido de dar provimento ao recurso ordinário para conceder o mandado de segurança, declarando que a Recorrente foi aprovada na prova de sentença criminal nos termos do item 2 do pedido. RECURSO ESPECIAL N. 1.183.210-RJ (2010/0039753-7) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente: Município do Rio de Janeiro Procurador: Gustavo da Gama Vital de Oliveira e outro(s) Recorrido: Monte Criação e Produção Ltda. e outro Advogado: Luciana Loureiro Terrinha e outro(s) EMENTA Tributário. Recurso especial. Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Cessão de direito autoral. Não incidência. Ausência de previsão legal. Recurso especial conhecido e não provido. 1. “O exame de qualquer texto de lei complementar em matéria tributária há de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais de competência. É o que ocorre com o Decreto-Lei n. 406/1968 (com a redação dada pela Lei Complementar n. 56/1987) e com a Lei Complementar n. 116/2003, do mesmo modo, com as legislações municipais, cujos termos só podem ser compreendidos se considerada a totalidade sistêmica de ordenamento, respeitando-se os limites impostos pela Constituição à disciplina do ISS” (Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 682-683). 2. O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN não incide sobre a cessão de direito autoral, porquanto não se trata de hipótese contemplada na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003. 3. A interpretação extensiva é admitida pela jurisprudência quando a lei complementar preconiza a hipótese de incidência do ISS 462 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA sobre serviços congêneres, correlatos, àqueles expressamente previstos na lista anexa, independentemente da denominação dada pelo contribuinte. Se o serviço prestado, não se encontra ali contemplado, não constitui fato gerador do tributo e, por conseguinte, não há falar em interpretação extensiva. É natureza do serviço prestado que determina a incidência do tributo. 4. O direito de uso, em sua acepção ampla, tem sua disciplina no Código Civil, regime jurídico absolutamente distinto. Não se confunde com o direito autoral, regulado por lei específica, qual seja, a Lei n. 9.610/1998. Inexiste correlação entre ambos. Nesse contexto, não há falar que a cessão de direito autoral é congênere à de direito de uso, hábil a constituir fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. 5. A tentativa de aproximar a cessão de direitos autorais da locação de bem móvel, a fim de viabilizar a tributação, além de incabível pelas mesmas razões expostas em relação ao direito de uso, é absolutamente despropositada, tendo em vista a não incidência do ISSQN na hipótese, nos termos do Enunciado da Súmula Vinculante n. 31-STF, que dispõe: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. 6. Recurso especial conhecido e não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 7 de fevereiro de 2013 (data do julgamento). Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator DJe 20.2.2013 RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 463 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial interposto pelo Município do Rio de Janeiro em desfavor de Monte Criação e Produção Ltda. e Monte Songs Edições Musicais Ltda., com fundamento no art. 105, inciso III, letra a, da Constituição Federal, em que se insurge contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro assim ementado (fl. 446e): Apelação. Mandado de segurança. Imposto Sobre Serviços (ISS). Cessão de direitos autorais. Não incidência. A Lei Complementar n. 116/1991 não estabelece como hipótese de incidência tributária a cessão de direitos autorais. O direito autoral diz respeito à obra de criação do artista e não a uma prestação de fazer, a um serviço. Tendo natureza de bem móvel, sua cessão também guarda a mesma natureza. A lei municipal não pode estabelecer hipótese de incidência tributária não prevista na Lei Complementar Federal. A definição da hipótese de incidência é matéria reservada ao legislador federal, obedecendo à repartição da competência tributária constitucional. O Imposto sobre o Serviço não incide sobre obrigação de dar, mas sobre a obrigação de fazer, razão pela qual se revela ilegal sua exigência em operação de cessão de direito autoral. Reforma da sentença. Conhecimento e provimento do recurso. Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 456-457e). O recorrente aponta violação ao art. 267, IV, do CPC, à asserção de que o presente mandado de segurança “não se dirige contra nenhum ato concreto da Impetrada de cobrança de ISS, relativa aos serviços prestados mediante cessão, mas apenas contra lei em tese” (fl. 463e), a atrair o óbice da Súmula n. 266-STF. Aduz que a rejeição dos embargos de declaração deu-se mediante ofensa ao art. 535 do CPC, por entender que não foram sanadas omissões relevantes. Sustenta, quanto ao mérito, que, “ao entender que não existia previsão legal para a cobrança do ISS sobre locação de bem móvel após o advento da Lei Complementar n. 116/2003, o v. acórdão acabou por violar o item 3 da lista, que prevê expressamente a incidência do ISS sobre os serviços prestados mediante locação” (fl. 464e). Alega, ainda, que “deve prevalecer o entendimento de que a Lista de Serviços constante da Lei Complementar n. 116/2003, e cada um de seus itens, pode ser interpretada de forma ampla, até mesmo em virtude do emprego de expressões como ‘congêneres’ ou ‘correlatos’” (fl. 465e). 464 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Apresentadas contrarrazões (fls. 515-528e), e inadmitido o especial na origem, subiram os autos a este Superior Tribunal, por força de decisão em agravo de instrumento (fls. 679-680e). Em parecer conclusivo (fls. 688-692e), o Ministério Público opinou pelo improvimento do recurso especial. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Inicialmente, quanto à alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC, esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que o órgão julgador, desde que tenha apresentado fundamentos suficientes para sua decisão, tal como ocorreu no presente caso, não está obrigado a responder um a um os argumentos formulados pelas partes (REsp n. 300.057-RJ, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJ 17.11.2003). Outrossim, no tocante à suscitada ofensa ao art. 267, IV, do CPC, impõese ressaltar que há longa data encontra-se superada a discussão a respeito do cabimento de mandado de segurança preventivo em discussões de natureza tributária, quando comprovada a subsunção da atividade da impetrante à incidência do tributo, hipótese em que não se discute lei em tese, a atrair o óbice da Súmula n. 266-STF. Nesse sentido: REsp n. 1.125.059-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 15.12.2009. Narram os autos que a cantora Marisa Monte celebrou contratos por meio dos quais restou pactuado que a artista cederá, a título gratuito e por tempo determinado, os direitos autorais das obras artísticas e literárias de sua titularidade às recorridas, que, por sua vez, os cedem, a título oneroso, a terceiros. Com a finalidade de não se sujeitar à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN incidente sobre a cessão onerosa de direitos autorais, as ora recorridas impetraram o presente mandado de segurança, de caráter preventivo. A sentença denegou a segurança. No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento à apelação, a fim de conceder à ordem, ao fundamento de que o ISSQN “não incide sobre obrigação de dar, mas sobre a obrigação de fazer, razão pela qual se revela ilegal sua exigência em operação de cessão de direito autoral” (fl. 446e). RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 465 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA De acordo com os arts. 146, III, a, e 156, III, da Constituição Federal, compete aos municípios e ao Distrito Federal instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, a qual, por sua vez, também cabe estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, bem como os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Desse modo, segundo o texto constitucional, cabe à lei complementar, entre outros, definir o fato gerador do ISSQN, quer dizer, os serviços submetidos à incidência do tributo, assim como sua base de cálculo. O binômio hipótese de incidência/base de cálculo agrega ao mesmo tempo o pressuposto do desenho puramente normativo e a necessária existência de grandeza mensurável, ou seja, o conteúdo econômico, indispensáveis à exigência de tributo. Com efeito, a descrição hipotética do denominado fato jurídico tributário é matéria reservada à lei complementar, de modo que as leis municipais e distritais que vieram a instituir o ISSQN, no âmbito de sua competência, não podem criar novo fato gerador, tampouco disciplinar de modo diverso sua base de cálculo, sob pena de extrapolar os estritos limites estabelecidos pelo texto constitucional. A propósito, transcrevo a lição de Paulo de Barros Carvalho (Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, pp. 682-683): O exame de qualquer texto de lei complementar em matéria tributária há de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais de competência. É o que ocorre com o Decreto-Lei n. 406/1968 (com a redação dada pela Lei Complementar n. 56/1987) e com a Lei Complementar n. 116/2003, do mesmo modo, com as legislações municipais, cujos termos só podem ser compreendidos se considerada a totalidade sistêmica de ordenamento, respeitando-se os limites impostos pela Constituição à disciplina do ISS. As normas aplicáveis ao ISSQN eram definidas pelo Decreto-Lei n. 406/1968. A Lei Complementar n. 116/2003 revogou alguns dispositivos do referido diploma legal, trazendo nova lista de prestações de serviços sujeitas à incidência do tributo. Como se sabe, o ISSQN recai, em regra, sobre a prestação de serviços de qualquer natureza, realizada de forma onerosa a terceiros. Dispõe a Lei Complementar n. 116/2003: 466 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses serviços não se constituam como atividade preponderante do prestador. (...) Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. Assim, em regra, somente serão considerados serviços para efeito de tributação do ISSQN aqueles expressamente definidos na lei complementar. Não se mostra aceitável, pela interpretação sistemática, que o tributo incida sobre outros fatos geradores, ainda que previstos em lei municipal ou distrital. É certo, outrossim, que a jurisprudência tem admitido uma interpretação extensiva da lista anexa em referência ao serviços congêneres, mormente em razão do fato de que a incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado, segundo expressamente prevê o § 4º do art. 1º da Lei Complementar n. 116/2003. Nesse sentido: Agravo regimental no recurso especial. Tributário. ISSQN. Serviços bancários. Entendimento do Tribunal a quo de que alguns dos serviços cobrados pelo município não estão contemplados na lista anexa ao DL n. 406/1968. Rol taxativo. Interpretação extensiva. Orientação que coincide com o pronunciamento desta Corte em julgado sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.111.234-PR, rel. Min. Eliana calmon, DJe 8.10.2009). Averiguação do enquadramento da atividade na referida lista que demandaria incursão em seara defesa a esta Corte, ante o óbice da Sumula n. 7-STJ. Agravo regimental do município de Santos desprovido. 1. Conforme a orientação desta egrégia Corte Superior, é taxativa a Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/1968, para efeito de incidência de ISS, admitindo-se, em ampliação aos já existentes, apresentados com outra nomenclatura, o emprego da interpretação extensiva para serviços congêneres (interpretação extensiva, observado, contudo, a natureza dos serviços). 2. O aresto recorrido explicitou que a tributação vergastada recaiu sobre as contas denominadas guarda de documentos (custódia) e outras rendas, não contempladas nos itens 95 e 96 da Lista anexa à Lei Complementar n. 56/1987 e sem qualquer indicação, ou prova, de que se referiam a serviços congêneres aos listados, ou da mesma natureza, apenas prestados sob diversa denominação. 3. Para se chegar à conclusão diversa da firmada pelas instâncias ordinárias seria necessário o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula n. 7 desta Corte, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 467 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4. Agravo Regimental do Município de Santos desprovido. (AgRg no REsp n. 1.260.079-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 7.5.2012). Tributário. ISSQN. Agravo regimental no agravo de instrumento. Serviço aéreo de pulverização. Lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Taxatividade. Interpretação extensiva dos itens previstos na lista anexa. Possibilidade. 1 - A jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a Lista de Serviços com a finalidade de incidência de ISS é taxativa, admitindo-se, no entanto, leitura extensiva de cada item, para que se enquadrarem serviços idênticos aos expressamente previstos. 2 - A Lei Complementar n. 116/2003 formalizou no item 7.13, a tributação dos serviços de pulverização de lavouras, não importando o modo pelo qual ele é efetivamente realizado, por via aérea ou terrestre. 3 - Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag n. 1.157.828-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 20.11.2009). Ocorre que a possibilidade de interpretação extensiva não pode determinar a sujeição ao ISSQN de serviços não albergados pela lei complementar, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Isso porque constituem fato gerador do ISSQN aqueles taxativamente previstos na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Se o serviço prestado não está contemplado pela lei em tela não pode ser oferecido à tributação. Por oportuno, a respeito do princípio da legalidade, cabe transcrever a lição de Luciano Amaro, para quem “não tem a autoridade administrativa o poder de decidir, no caso concreto, se o tributo é devido ou quanto é devido. A obrigação tributária é uma decorrência necessária da incidência da norma sobre o fato concreto, cuja existência é suficiente para o nascimento daquela obrigação (CTN, art. 114)” (Direito tributário brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 112). A interpretação extensiva é admitida pela jurisprudência quando a lei complementar preconiza a hipótese de incidência do ISSQN sobre serviços congêneres, correlatos, àqueles expressamente previstos na lista anexa, independentemente da denominação dada pelo contribuinte. Se o serviço prestado, não se encontra ali contemplado, não constitui fato gerador do tributo e, por conseguinte, não há falar em interpretação extensiva. É natureza do serviço prestado que determina a incidência do tributo. Nesse contexto, entendo que não merece reparos o voto condutor do acórdão recorrido, proferido pelo Desembargador Rogério de Oliveira Souza, ao assentar (fls. 447e): 468 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA A taxatividade do rol não impede que seja feita interpretação ampla e analógica, a fim de abranger serviços de mesma natureza, mas de nomenclatura diversa, atribuindo real efetividade máxima à norma tributária e evitar subterfúgios do contribuinte. Tal interpretação não poderá, no entanto, violar o direito do contribuinte de ter pré-definido o tributo em todas as suas características, especificamente, qual é a sua hipótese de incidência. É a aplicação prática do princípio e da garantia constitucional de que não há tributação sem lei prévia. A seu turno, lei municipal não poderá elencar serviço não previsto na lista que integra a Lei Complementar n. 116/1991 e criar nova hipótese de incidência tributária não definida e autorizada pelo Legislador Maior. Para fins de adequação de serviços sujeitos ao imposto municipal (ISS) é relevante a natureza jurídica do serviço e não a sua nomenclatura, pois é impossível ao legislador prever todas as hipóteses de forma específica e pormenorizada. No caso dos autos, a cessão de direito autoral não está prevista expressamente dentre as hipóteses de incidência do Imposto Sobre Serviço, descritas no anexo a Lei Complementar n. 116/2003, havendo, portanto, a necessidade de perquirir quanto à própria natureza da cessão de direito autoral, para eventualmente subsumi-la ao referido anexo. No caso, o Município do Rio de Janeiro defende que o item 3 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, que cuida dos “Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres” deve ser interpretado de forma extensiva, de modo a albergar a cessão de direitos autorais. Os direitos autorais são aqueles inerentes à proteção ao autor das obras intelectuais decorrentes, nos termos do art. 7º da Lei n. 9.610/1998, que disciplina a matéria, das “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”, tais como, entre outros expressamente previstos, os textos literários, científicos, artísticos, as obras coreográficas, audiovisuais, fotográficas e cinematográficas e as composições musicais, tenha ou não letra. Dispõe, ainda, a Lei n. 9.610/1998: Art. 3º. Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis. (...) RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 469 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: (...) Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. O desenho normativo específico dos direitos autorais impede que a ele seja extensível qualquer interpretação que compreenda a cessão do direito de uso em caráter geral. Na sua singularidade, há na lei proteção de natureza moral e patrimonial aos direitos autorais, segundo expressamente previsto no art. 22 da Lei n. 9.610/1998. Os direitos morais, de que cuidam os arts. 24 a 27, produzem efeitos ad aeternum, reconhecendo o vínculo permanente entre autor e obra, visando à preservação de sua imagem. Os direitos patrimoniais, por sua vez, disciplinados nos arts. 28 a 45, referem-se à possibilidade de exploração econômica da obra tanto pelo seu criador quanto por seus representantes legais, estendendo-se por mais 70 anos após a morte do autor. Ademais, a transmissão dos direitos do autor far-se-á sempre por escrito e será averbada à margem do registro próprio, de que cuida o art. 19 da Lei n. 9.610/1998. Não se encontrando a obra assim registrada, deverá ser lavrado o instrumento em Cartório de Títulos e Documentos, conforme o art. 50 do citado diploma legal. O direito de uso, em sua acepção ampla, por sua vez, tem sua disciplina no Código Civil, regime jurídico absolutamente distinto. Não se confunde com o direito autoral, regulado por lei específica. Inexiste correlação entre ambos. Nesse contexto, não há falar que a cessão de direito autoral é congênere à de direito de uso, hábil a constituir fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Por fim, a tentativa do recorrente de aproximar a cessão de direitos autorais da locação de bem móvel, a fim de viabilizar a tributação, além de incabível pelas mesmas razões expostas em relação ao direito de uso, é absolutamente despropositada, tendo em vista a não incidência do ISSQN na hipótese, nos termos do Enunciado da Súmula Vinculante n. 31-STF, que dispõe: “É 470 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.189.690-RJ (2010/0066739-3) Relator: Ministro Sérgio Kukina Recorrente: Rossi Cattapan Incorporadores Ltda. Advogado: Selma Cardoso Recorrido: Município do Rio de Janeiro Procurador: Antônio Dias Martins Neto e outro(s) EMENTA Processual Civil. Ação rescisória. Prazo decadencial. Matéria de ordem pública. Exame pela instância de origem, independentemente de provocação das partes. Questão suscitada em embargos de declaração. Não apreciação. Preclusão. Inaplicabilidade. Omissão configurada. Violação ao art. 535, II, do CPC. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para novo julgamento dos embargos declaratórios, com pronunciamento expresso a respeito da questão. 1. Caso em que a Corte de origem, no acórdão pelo qual foi julgada procedente a rescisória, não se pronunciou acerca do prazo decadencial para ajuizamento da ação, ensejando a oposição de embargos declaratórios, os quais foram rejeitados, ante a aplicação dos efeitos da preclusão. 2. Violação ao art. 535, II, do CPC caracterizada, pois cabia ao Tribunal a quo examinar, no julgamento da ação rescisória, independentemente de provocação das partes, a questão de ordem pública alusiva à decadência. Como não o fez, era de se esperar que RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 471 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA acolhesse os embargos de declaração opostos, a fim de que fosse sanada a omissão e fosse realizado, de maneira fundamentada, o controle da tempestividade da ação rescisória. Em outras palavras, a Corte de origem não poderia aplicar, quanto à decadência, os efeitos da preclusão. 3. Reconhecida a violação ao art. 535, II, do CPC, impõe-se a anulação do acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração, restando prejudicada a análise dos demais tópicos do apelo especial (REsp n. 1.185.288-RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 17.5.2010). 4. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, provido, para, assentando a nulidade do acórdão recorrido por violação ao art. 535, II, do CPC, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração, com manifestação expressa a respeito da tempestividade da ação rescisória. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento para, assentando a nulidade do acórdão recorrido por violação ao art. 535, II, do CPC, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração, com manifestação expressa a respeito da tempestividade da ação rescisória, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Assistiu ao julgamento o Dr. Rafael Ávila Cardoso, pela parte recorrente: Rossi Cattapan Incorporadores Ltda. Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento). Ministro Sérgio Kukina, Relator DJe 25.3.2013 472 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA RELATÓRIO O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de recurso especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: Rescisória. Coisa julgada. Afronta. Expurgos inflacionários. Cálculo anterior que não os contemplou. Cálculo novo. 1 - O ordenamento processual menciona a sentença de mérito transitada em julgado, cuja expressão apresenta-se em seu sentido amplo e como sinônimo de decisão de mérito, como um dos requisitos essenciais ao direito de ajuizamento da ação rescisória. 2 - Nesse âmbito e na medida em que aprecia o conteúdo da própria questão controvertida, a decisão sobre cálculos de liquidação soluciona o mérito dessa discussão e afigura-se impugnável por meio da ação rescisória. 3 - Nesse aspecto, afronta a coisa julgada o acórdão que admite novo cálculo de expurgos inflacionários anteriores à outras contas que não os incluíram, todas já homologadas por decisões de mérito trânsitas em julgado e pagos os respectivos precatórios. Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados, nos seguintes termos: Embargos de declaração. Efeito modificativo. Reexame da matéria. Inadmissibilidade. 1 - Admite-se efeito modificativo dos embargos de declaração apenas quando da obscuridade, contradição ou omissão do julgado resultar em sua alteração. 2 - Os embargos de declaração são sede imprópria para a manifestação de inconformismo com o julgado, eis que carece de caráter infringente e, salvo as hipóteses específicas, nele não se devolve o exame da matéria à Câmara. A parte recorrente afirma, preliminarmente, que a Corte de origem, ao não se pronunciar sobre a questão alusiva à decadência da ação rescisória, violou o art. 535, II, do CPC. No mérito, aduz que o TJRJ desconsiderou “o caráter de extinção da obrigação” e afastou “a incidência do artigo 320 do Código Civil/2002”, ao determinar “a rescisão do julgado, com a elaboração de novos cálculos sem o cômputo dos expurgos inflacionários” (fl. 957 e-STJ). Afirma que foi violado o art. 495 do CPC (pois já havia transcorrido o prazo decadencial de dois anos quando a ação rescisória foi ajuizada). Sustenta a existência de dissídio jurisprudencial quanto à inclusão dos expurgos inflacionários em precatório complementar. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 473 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Não foram apresentadas contrarrazões (conforme certidão de fl. 1.114 e-STJ). Em 19.2.2013, deferi medida liminar na MC n. 20.592-RJ, para suspender a execução do acórdão pelo qual foi julgada procedente a ação rescisória, até o trânsito em julgado da decisão a ser proferida no presente recurso especial. Em 1º.3.2013, o Município do Rio de Janeiro interpôs contra essa decisão agravo regimental, ainda pendente de julgamento. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do SubprocuradorGeral da República Geraldo Brindeiro, opinou pelo provimento do apelo especial. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Foram atendidos os pressupostos gerais de recorribilidade: os documentos de fls. 586 e 1.091-1.096 e-STJ revelam a regularidade da representação processual e do preparo e o recurso é tempestivo, pois a publicação do acórdão dos embargos de declaração se deu em 8.7.2008 e o ajuizamento do especial ocorreu em 23.7.2008. A Corte de origem, no acórdão pelo qual foi julgada procedente a rescisória, não se pronunciou acerca do prazo decadencial para ajuizamento da ação. Com o objetivo de ver sanada a omissão, a empresa ré (ora recorrente) opôs embargos declaratórios, sustentando, em síntese, que, quando do ajuizamento da ação rescisória, já se havia esgotado o prazo decadencial de 2 (dois) anos. O Tribunal fluminense, no entanto, negou provimento aos embargos, adotando a seguinte fundamentação: [...] As questões suscitadas pela embargante – início da fluência do prazo decadencial e inexistência de ressalva quando do depósito – não foram levantadas em contestação e, consequentemente, não foram apreciadas por este órgão. Portanto, inexiste omissão no acórdão embargado. Ressalte-se que este órgão julgador não é obrigado a fazer menção expressa aos dispositivos legais invocados pela embargante, sendo necessário apenas que aprecie e solucione as questões insertas nos artigos citados pelo recorrente. [...] 474 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Nesse contexto, foi violado o art. 535, II, do CPC. Isso porque a Corte de origem deveria ter examinado, no julgamento da ação rescisória, independentemente de provocação das partes, a questão de ordem pública alusiva à decadência. Como não o fez, era de se esperar que acolhesse os embargos de declaração opostos pela ora recorrente, a fim de que fosse sanada a omissão e fosse realizado, de maneira fundamentada, o controle da tempestividade da ação rescisória. Em outras palavras, a Corte de origem não poderia aplicar, quanto à decadência, os efeitos da preclusão. A propósito, vale destacar a lição de José Carlos Barbosa Moreira, para quem: “Em mais de um momento pode o órgão judicial controlar a tempestividade do ajuizamento da ação rescisória – o que sempre lhe é dado fazer ex officio (Código Civil, art. 210). Conforme resulta da conjugação do disposto no art. 490, n. I, com a norma do art. 295, n. IV, verificada primo ictu oculi a decadência, cabe ao próprio relator do feito indeferir a petição inicial. [...] Caso o relator não dê pela decadência e profira decisão de saneamento, nem assim, ao nosso ver, ocorrerá preclusão, pois ao órgão julgador da rescisória ainda não se terá aberto a oportunidade de pronunciar-se acerca da matéria, e não se lhe pode subtrair à cognição, no julgamento da causa, esse aspecto do mérito. Na sessão em que o feito lhe for submetido, tocará ao colegiado, como etapa preliminar do iudicium rescindens, examinar a questão, declarando a decadência, se for o caso – o que o dispensará de prosseguir na atividade cognitiva. (In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 16ª edição, 2012, Rio de Janeiro: Editora Forense, pp. 222-223). Nesse sentido é a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, como demonstram os seguintes precedentes: Processual Civil. Bem absolutamente impenhorável. Nulidade absoluta. Alegação a qualquer tempo. Possibilidade. Questão de ordem pública. Preclusão. Inexistência. Precedentes. 1. “Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse de ordem pública, podendo ser ela argüida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício” (REsp n. 192.133-MS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 4.5.1999, DJ 21.6.1999, p. 165). 2. Esta Corte tem pronunciando no sentido de que as matérias de ordem pública (e.g. prescrição, decadência, condições da ação, pressupostos processuais, RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 475 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA consectários legais, incompetência absoluta, impenhorabilidade, etc) não se sujeitam à preclusão, podendo ser apreciadas a qualquer momento nas instâncias ordinárias. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 223.196-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24.10.2012). Processual Civil. Recurso especial. [...] Arguição de nulidade da citação. Preclusão. Inocorrência. [...] 2. Os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, assim como as condições da ação - matérias de ordem pública -, não se submetem à preclusão nas instâncias ordinárias. 3. A nulidade da citação constitui matéria passível de ser examinada em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação da parte; em regra, pode, também, ser objeto de ação específica ou, ainda, suscitada como matéria de defesa em face de processo executivo. Trata-se de vício transrescisório. Precedente. 4. O defeito ou a ausência de citação somente podem ser convalidados nas hipóteses em que não sejam identificados prejuízos à defesa do réu. 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.138.281-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 22.10.2012). [...] Alegação de ilegitimidade passiva ad causam do executado (antigo proprietário do imóvel objeto da tributação). Matéria de ordem pública suscitável em sede de exceção de pré-executividade. Preclusão na instância ordinária. Inocorrência. [...] 1. As condições da ação e os pressupostos processuais, matérias de ordem pública, não se submetem à preclusão para as instâncias ordinárias, podendo ser examinadas a qualquer tempo, mesmo de ofício pelo Juiz, enquanto estiver em curso a causa, ex vi do disposto no artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil. [...] (REsp n. 818.453-MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.10.2008). [...] II - Recurso especial da União - Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Omissão de julgado. Inocorrência. Condições da ação. Matéria de ordem pública. Preclusão. Inocorrência. [...] 3. A jurisprudência do STJ firmou orientação no sentido de que, “nas instâncias ordinárias, não há preclusão em matéria de condições da ação e pressupostos 476 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA processuais enquanto a causa estiver em curso, ainda que haja expressa decisão a respeito, podendo o Judiciário apreciá-la mesmo de ofício (arts. 267, § 3º e 301, § 4º, CPC)” (REsp n. 285.402-RS, 4ª T., Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 7.5.2001). [...] (REsp n. 638.481-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 15.10.2007). Ora, reconhecida a violação ao art. 535, II, do CPC, impõe-se a anulação do acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração, restando prejudicada a análise dos demais tópicos do apelo especial (REsp n. 1.185.288RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 17.5.2010). Ante o exposto, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, a ele dou provimento, para, assentando a nulidade do acórdão recorrido por violação ao art. 535, II, do CPC, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração, com manifestação expressa a respeito da tempestividade da ação rescisória. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.268.210-PR (2011/0173203-2) Relator: Ministro Benedito Gonçalves Recorrente: Banco GMAC S/A Advogado: Fabio Vacelkovski Kondrat e outro(s) Recorrido: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional EMENTA Administrativo. Recurso especial. Veículo objeto de contrato de leasing. Transporte irregular. Descaminho. Perdimento de bem. Possibilidade. Proporcionalidade da sanção. Habitualidade. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 477 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. A pena de perdimento de veículo por transporte de mercadorias objeto de descaminho ou contrabando pode atingir os veículos sujeitos a contrato de arrendamento mercantil que possuam cláusula de aquisição ao seu término, pois ainda que, nessas hipóteses, o veículo seja de propriedade da instituição bancária arrendadora, é o arrendatário o possuidor direto do bem e, portanto, o responsável por sua guarda, conservação e utilização regular. 2. Como já preconizado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.153.767-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26.8.2010, “admitir que veículo objeto de leasing não possa ser alvo da pena de perdimento seria verdadeiro salvo-conduto para a prática de ilícitos fiscais”, com veículos sujeitos a tal regime contratual. 3. “A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a reiteração da conduta ilícita dá ensejo à pena de perdimento, ainda que não haja proporcionalidade entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo” (AgRg no REsp n. 1.302.615-GO, Rel. Ministro Teori Zavascki, Primeira Turma, DJe 30.3.2012). 4. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento). Ministro Benedito Gonçalves, Relator DJe 11.3.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto por Banco Gmac S/A, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, 478 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA contra acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim ementado (fl. 211): Tributário. Veículo utilizado como instrumento de ilícito. Descaminho. Aplicação da pena de perdimento. Contrato de alienação fiduciária. Possibilidade. O contrato de alienação fiduciária não impede, por si só, a aplicação da pena de perdimento devida a veículo transportador de mercadoria descaminhada, haja vista a primazia do interesse público sobre o particular. Precedentes desta Corte. Os embargos de declaração foram rejeitados, conforme ementa de fl. 223. No apelo especial, a parte recorrente alega, preliminarmente, violação do art. 535, I e II, do CPC, ao argumento de que a Corte local não se manifestou sobre pontos importantes para o deslinde da controvérsia. Mais especificamente, afirma que o acórdão recorrido deixou de definir qual o comportamento ilícito da instituição financeira proprietária do veículo. Quanto ao juízo de reforma, aduz ofensa aos artigos 96 e 104, V, do Decreto-Lei n. 37/1996 e n. 603 do Regulamento Aduaneiro (Decreto n. 4.543/2003). Para tanto, argumenta que é desproporcional a aplicação da pena de perdimento do veículo, em face do reduzido valor da mercadoria nele apreendida, o que caracteriza contrariedade ao Princípio da Razoabilidade e, portanto, a ilegalidade do ato impugnado. Acrescenta que o entendimento segundo o qual não se aplica pena de perdimento aos veículos apreendidos com mercadorias irregulares cujo valor seja irrelevante em face do valor do bem sujeito à sanção é pacificado nos Tribunais pátrios. Assevera, ainda, que não houve participação do proprietário do veículo no ilícito, o que também afasta a pena de perdimento, mormente porque, ao contrário do que decidiu a Corte de origem, é imprescindível a demonstração, em procedimento regular, da colaboração do proprietário no ilícito, ou seja, sua má-fé, para que se legitime a aplicação da referida pena. Por fim, aduz a ocorrência de dissídio jurisprudencial com relação a acórdãos proferidos por esta Corte e pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, os quais consignaram a necessidade de demonstração da participação do proprietário do veículo objeto de alienação fiduciária no ilícito, para que sejam atingidos pela pena de perdimento. RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 479 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Contrarrazões às fls. 276-284, nas quais a recorrida alega ser pacífico na jurisprudência o entendimento segundo o qual o direito do credor fiduciário de reaver o bem apreendido não prevalece sobre os atos administrativos. Acrescenta que a aplicação da pena, no caso concreto, está plenamente respaldada na legislação vigente