Teoria da
História
em Debate
Modernidade,
Narrativa,
Interdisciplinaridade
Fernando Gomes Garcia
Breno Mendes
Andrea Vieira
(orgs.)
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©2014 Fernando Gomes Garcia; Breno Mendes; Andréa Vieira (Orgs.)
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G1651 Garcia, Fernando Gomes; Mendes, Breno; Vieira, Andréa (Orgs.).
Teoria da História em Debate: Modernidade, Narrativa, Interdisciplinaridade/Fernando Gomes Garcia; Breno Mendes; Andréa Vieira (Orgs.). Jundiaí,
Paco Editorial: 2014.
224 p. Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8148-430-3
1. História 2. Historiografia 3. Teoria da História 4. Narrativa
I. Garcia, Fernando Gomes; Mendes, Breno; Vieira, Andréa (Orgs.).
CDD: 900
Índices para catálogo sistemático:
Teoria da Ciência
Filosofia
Linguística
501
100
410
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Foi feito Depósito Legal
Sumário
Prefácio......................................................................................7
capítulo I
Augusto Leite
Hegel e a Razão moderna radicalizada no Espírito....................33
1. A retomada da Razão antiga como Razão purificada na
modernidade.....................................................................33
2. A História como Espírito racional e salvador...................36
3. O Espírito e a Liberdade...................................................40
Referências..............................................................................43
Capítulo II
Davidson de Oliveira Diniz
Contenções contemporâneas em torno do cronótopo da
modernidade..........................................................................47
Introdução..............................................................................47
1. Modernidade | Temporalização........................................49
2. Pós-Modernidade | Destemporalização.............................50
Considerações finais...................................................................55
Referências..............................................................................57
Capítulo III
Breno Mendes
Paul Ricoeur e a narrativa historiográfica: para além do debate
epistemológico, a dimensão ética................................................59
Introdução.............................................................................59
I) A narrativa na historiografia contemporânea e o impacto de
Tempo e Narrativa......................................................................60
II) As implicações éticas da narrativa..........................................68
III) Narrativa e vida prática: aprender lições com a
historiografia?............................................................................72
Referências...............................................................................76
Capítulo IV
Fernanando Gomes Garcia
O poder da palavra: há limites sobre o que a História pode
narrar?.....................................................................................79
I..............................................................................................82
II.............................................................................................95
III..........................................................................................99
IV...........................................................................................107
V.........................................................................................108
Referências.............................................................................109
Capítulo V
Daniela Ferreira Felix
Liberdade de expressão? A negação da história do genocídio de
judeus durante a Segunda Guerra Mundial.........................113
1. O caso de Pedro Varela...............................................116
2. A questão da liberdade de expressão............................118
3. Pedro Varela e a busca por legitimidade......................121
Referências ..........................................................................124
capítulo VI
Andréa Vieira
Diálogos possíveis entre a Historiografia e a Historiografia da
Ciência................................................................................127
Introdução...........................................................................127
1. Distanciamento entre a História e História da
Ciência........................................................................129
2. Debates Acerca do Conceito de Historiografia.........136
3. Possíveis Aproximações Entre História e História da
Ciência..........................................................................137
4. Possíveis Interfaces Entre o Pensamento de Kuhn e
Febvre............................................................................140
Referências...........................................................................148
Capítulo VII
Marcelle D. C. Braga
Pensando a Literatura: o romance e suas possibilidades de
análise..................................................................................153
Introdução.........................................................................153
1. Algumas propostas da historiografia para a abordagem da
literatura........................................................................153
2. O romance: Contribuições das ciências humanas ao
estudo da literatura.........................................................156
Conclusão............................................................................162
Referências ..........................................................................163
Capítulo VIII
Thamara de Oliveira Rodrigues
Crise e Independência na Historiografia Portuguesa: A História
do Brasil de Francisco Solano Constancio............................165
Referências..........................................................................179
Capítulo IX
Silvia Cáceres
De súdito a consumidor: os intelectuais, os Estudos Culturais e o
latino-americanismo num momento de globalização dos
saberes................................................................................183
1. Intelectuais e poder: o dilema do intelectual latino-americano
a partir do latino-americanismo......................................188
2. Os Estudos Culturais no Cone Sul latino-americano:
reorganização intelectual e reinscrição da genealogia latinoamericanista...................................................................194
Referências...........................................................................210
Posfácio...............................................................................213
Sobre os Autores................................................................219
Prefácio
Fernando Gomes Garcia
Breno Mendes
Vindo a público com o nome de Teoria da História em debate, cabe aos organizadores explicar, além do título, o motivo da
publicação deste livro. Em nosso caso, a resolução de um problema exige a solução de outro. Os textos aqui coligidos são originários de um Simpósio Temático – História da Historiografia e
Teoria da História –, coordenados por Fernando Garcia e Breno
Mendes durante o I EPHIS (2012) – Encontro de Pesquisa em
História, evento criado por iniciativa dos discentes de Pós-Graduação em História da UFMG. Cabe, portanto, situar o leitor a
respeito do evento como um todo e, mais especificamente, sobre
o Simpósio Temático que proporcionou a produção e a apresentação dos textos ora publicados. Apesar de alguns desses textos
permanecerem tal qual foram apresentados, a grande maioria deles passaram por grandes ou pequenas reformulações, de modo
que seu resultado, apesar de manter fidelidade ao tema, não são
idênticos aos anteriormente produzidos para exposição oral, sem
a pretensão de alcançar mais público. Isto, por si, já é suficiente
para demonstrar que há uma diferença radical entre o livro e o
evento, a que se soma o óbvio; como nem todos os trabalhos
debatidos no simpósio encontram-se nesta coletânea, o contexto
das mesas em que foram apresentados foi desfeito, dando lugar
a uma nova organização, a divisão em capítulos, que merece ser
justificada. Assim, este prefácio se reveste de diversas missões,
que esperamos que se cumpram para a melhor apreciação do livro pelos leitores que ora o têm em mãos.
Sendo um dos frutos do I EPHIS, exige-se a remissão à ocorrência do evento, aos bastidores da organização do simpósio, à
experiência que foi coordená-lo, às mesas onde originalmente
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Fernando Gomes Garcia | Breno Mendes | Andréa Vieira (Orgs.)
surgiram estes trabalhos, aos debates acontecidos e, finalmente,
ao critério de seleção dos trabalhos para comporem a coletânea.
Também é necessário explicar, mesmo que superficialmente, a
diferença entre a concepção primeira do livro e seu formato final,
bastante reduzido em textos e com uma organização diferente
dos temas. Reconhecendo que, apesar de ser um fruto de um
Simpósio Temático, o resultado do livro é uma ocorrência substancialmente diferente do evento, além das satisfações sobre os
critérios de seleção dos textos, para que não se tenha a errônea
impressão de que vieram parar aqui por fruto do acaso, como
viajantes que ocorrem hospedar-se numa mesma pensão e, por
isto, obrigado à convivência com o outro – com esse reconhecimento e para impedir uma impressão assim, é necessário ressaltar
as afinidades entre um texto e outro. É necessário dizer por que
um texto segue-se ao outro, e não o inverso; é preciso ressaltar e
fazer ver o que cada um tem de semelhante, não obstante as diferenças, e demonstrar que, mais do que apenas conhecidos tendo
em comum apenas o lugar onde estão de passagem, possuem
uma origem e destino comuns, como se aparentados fossem. Este
prefácio tem como tarefa, finalmente, justificar porque os textos
que aqui se encontram sentam-se à mesma mesa; há, por certo,
um fio condutor que leva de um texto ao outro, que permite um
diálogo e debate vivo entre cada um; que são partes do mesmo
todo, e que este todo se faz relação com suas partes – que esta
coletânea é um livro uno e sólido, não apenas um apanhado de
textos dispersos.
Para cumprir essa tarefa, primeiramente daremos a conhecer
o que é/foi o I EPHIS e como se deu o simpósio que nós, organizadores do livro, coordenamos, dentro do evento, assinalando
o que dele permanece neste livro e em que este é diferente e
acrescenta ao primeiro – porque faz sentido reunir os trabalhos lá
apresentados, aqui. Em seguida passaremos a explicar a sequência
dos capítulos ao indicar os diálogos possíveis entre eles, esperando que procedendo assim, a experiência do leitor seja mais rica.
8
Teoria da História em Debate
*.*
O I EPHIS começou a ser desenhado em 2011, por iniciativa
de alguns alunos do Programa de Pós-Graduação em História
da UFMG, que detectaram certa falta de espaço para os pós-graduandos, mais especificamente em História, de discutir seus
trabalhos em eventos de grande porte. Ao mesmo tempo em que,
de nós, é cobrada a produção e participação em eventos, nossas
intervenções, paralelas às de pesquisadores com maior bagagem,
nem sempre resultavam em experiência proveitosa para nossas
pesquisas, em que pudéssemos discutir com maior profundidade trabalhos muitas vezes em estágios iniciais. Dessa percepção
surgiu a iniciativa que contou, em sua Comissão Organizadora,
com os mestrandos Warley Gomes, Mariana Bracarense, Mariana Silveira, Ana Marília Carneiro e Fabrício Vinhas; além dos
doutorandos Francisco de Mendonça Júnior, Gabriel da Costa
Ávila e Raul de Oliveira Lanari. Mesmo já com a pretensão de
realizar novas edições do evento, a proposta inicial era modesta,
com o intuito de não ter mais do que cinco simpósios temáticos
simultâneos, temerosos de que com mais do que isso o evento ficasse por demais fragmentado, com discussões muito específicas
e isoladas, concentrando poucos comunicantes esparsos cá e lá.
Dentro da perspectiva de que seriam possíveis apenas poucos simpósios temáticos, Fernando Garcia e Breno Mendes, nós,
dois dos organizadores deste livro, decidimos enviar uma proposta que contemplasse a Teoria da História, campo de pesquisa
em franca expansão no Brasil e que necessita de constantes esforços para se consolidar como legítimo e importante também
para os historiadores que não desenvolvem pesquisas na área. No
caso da UFMG, instituição referência no ensino superior brasileiro, os estudos em Teoria da História encontram-se, em alguma
medida, marginalizados – mesmo que seja crescente o número
de pesquisadores que se dedicam aos mais diversos problemas
epistemológicos, éticos e políticos do fazer historiográfico. Dada
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Fernando Gomes Garcia | Breno Mendes | Andréa Vieira (Orgs.)
a importância desses temas, não poderia faltar um simpósio temático voltado para estas mais diversas discussões. Neste esforço,
elaboramos uma proposta ampla, que acolhesse os mais variados trabalhos, sem que isso constituísse empecilho para o diálogo entre eles, que não violentasse a especificidade de cada um e
não comprometesse a qualidade das discussões. É por achar que
fomos bem sucedidos nessa tarefa, que os trabalhos foram excelentes e que as discussões foram proveitosas, que decidimos dar
continuidade ao debate, publicando o resultado deste evento em
formato de livro.
O I EPHIS superou as expectativas de seus organizadores,
recebendo 16 propostas de simpósios, que resultaram em 10
diferentes fóruns de debate, específicos para cada tema. Todos
eles bem avaliados pelos organizadores e demais participantes. O
nosso foi muito bem acolhido pela Comissão Organizadora, que
apesar de, em função da proposta inicial de abarcar apenas cinco
simpósios, ter sugerido uma fusão com outra proposta, optou
por manter a estrutura originalmente apresentada. E não foi um
erro: de um máximo de 40 comunicações por simpósio, o nosso
aprovou 31 trabalhos divididos em 10 mesas. Dos apresentadores inscritos, 16 eram da própria UFMG, enquanto os demais
15 mantinham vínculo com outras universidades de Minas e do
Brasil – sendo, inclusive, alto o número de participantes oriundos de outros estados, como Rio de Janeiro e Goiás, os mais
significativos, quantitativamente, dentre todos. A titulação dos
participantes variou entre graduados (2), mestrandos e mestres
(18) e doutorandos e doutores (11).
A proposta de nosso simpósio, para além de prosseguir em
uma seara aberta, no Brasil, por notórios historiadores como José
Honório de Rodrigues, Manoel Salgado Guimarães e Francisco
Iglésias, era abrir-se para pesquisas que, como Droysen, se perguntassem “o que significa pensar historicamente”, investigando
os fundamentos da história como ciência, sua pretensão à racionalidade, sua especificidade entre os campos de conhecimento,
10
Teoria da História em Debate
trazendo à tona os fundamentos que dão forma à pesquisa histórica. De igual modo, estávamos abertos às investigações em
História da Historiografia que examinassem os lugares sociais de
produção do discurso histórico, historicizando o processo de escrita da história sem deixar de se apoiar nas reflexões teóricas que
se preocupam com as condições de possibilidade deste conhecimento. Abríamo-nos também para quem quisesse discutir temas
caros à História da Ciência, desde que voltados a uma perspectiva interdisciplinar e trouxessem reflexões de cunho epistemológico e fizessem questionamentos sobre a História da Historiografia
das Ciências.
Tudo transcorreu sem nenhum problema, com participação
de pessoas de diversas universidades, cidades e graus de titulação,
salas sempre com um quórum satisfatório, e mesmo surpreendente, e discussões prolíficas que ultrapassavam, inevitavelmente, o limite de 1h30min durante os debates na sala e inclusive,
quando findadas, nos corredores e arredores. Com mesas sobre
assuntos diversificados, mesmo na falta de algum comunicante, a
força dos trabalhos, suas qualidades e o potencial despertado para
realização de um debate qualificado e rico também são evidências
de sucesso. Conversando com os apresentadores e com o público
presente, o sentimento foi de que o simpósio temático foi muito
caro a todos que dele participaram, a experiência foi aprovada
em geral. Creio que a proposta do I EPHIS foi alcançada e, em
especial, os interesses do simpósio temático que propomos, mais
do que alcançados, creio que foram ultrapassados.
Realizamos as discussões em mesas intituladas “Paul Ricoeur
e a Historiografia Contemporânea”; “Historiografia luso-brasileira: encontros e desencontros”; “História da Historiografia
Brasileira”; “Experiências do tempo e modernidade”; “História
das Idéias, Historiografia da Ciência e História da Filosofia”;
“A fundamentação do conhecimento histórico na Historiografia Alemã”; “Múltiplos objetos de História da Historiografia”;
“Historiografia Francesa Contemporânea”; “História, Literatura
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Fernando Gomes Garcia | Breno Mendes | Andréa Vieira (Orgs.)
e Ficção”; e, por fim, “Teoria da História: a narrativa na escrita da
História e seus limites”. Em um ambiente essencialmente francófilo, dominado por admiradores da dita Escola dos Annales e
seus sucessores, hasteamos a bandeira alemã e discutimos autores
como Hegel, Dilthey, Gadamer, Rüsen, sem que para isto fosse
necessário queimar a bandeira francesa, representada, especialmente, por Paul Ricoeur e Foucault; num espírito cosmopolita,
discutimos também autores ingleses; e, como não poderia deixar
de ser, tremulou com as demais flâmulas o verde e amarelo introduzido pelas excelentes exposições relacionadas à História da
Historiografia Brasileira. Todas as mesas tiveram intenso debate,
inevitavelmente extrapolando o tempo previsto para as discussões
e causando encurtamento dos intervalos – para o qual, muitas
vezes, também, prosseguiram as discussões; não seria desmerecer
as demais, portanto, se destacássemos o vigor, a riqueza e o melhor espírito de polêmica que pôde ser observado, especialmente, nas mesas “Historiografia Francesa Contemporânea”, com
apresentações de Lorena Lopes, Rodrigo Cracco e Daniel Barbo,
com acaloradas discussões sobre os marcos entre modernidade e
pós-modernidade. A mesa mais frequentada e que mais originou
debate, por sua vez, foi “A fundamentação do conhecimento histórico na Historiografia Alemã”, na qual apresentaram Augusto
Leite, Edmar da Silva, Gustavo Batista e Ana Paula Hilgert, ficando no centro do debate o pensamento gadameriano, diltheyano e hegeliano. Outra mesa que também chamou atenção pela
extensão e discussão foi “Teoria da História: a narrativa na escrita
da História e seus limites” que a despeito de ser a última, contou
com um grande público. Nesta mesa apresentaram trabalhos Leonardo de Jesus da Silva, Daniela Félix e Fernando Garcia. Até as
mesas que se iniciaram no inconveniente horário de 9 da manhã
foram prestigiadas por um público fiel.
12
Teoria da História em Debate
*.*
Em princípio, a proposta de organização deste livro visava à
inclusão de mais artigos dos que os que ora constam no sumário,
mas por diversos motivos de incompatibilidade de agenda, os
inicialmente 26 trabalhos escolhidos tiveram que ser reduzidos
para não mais que 9, além de um posfácio, escrito por Sandra Alves, colega que, apesar de não ter apresentado nenhuma comunicação, prestigiou o evento com sua presença em todas as mesas e
fazendo colocações para os proponentes. A eliminação dos trabalhos não se deu por motivos de qualidade, pelo que lamentamos
a ausência deles neste compêndio. A divisão original compreendia duas partes, uma orientada mais especificamente para questões de Teoria da História, e outra que preferimos, pelo seu viés,
intitular de História da Historiografia. Da primeira parte, restaram os trabalhos de Davidson Diniz, que estaria acompanhado
de mais outros três trabalhos concernentes à temporalidade; o de
Breno Mendes e Fernando Garcia, aos quais se seguiria mais um
problematizando a narrativa histórica; e o de Marcelle Braga, que
formaria um par discutindo História e Literatura. A parte então
prevista para ser a segunda tem como remanescente os trabalhos
de Andréa Vieira, Augusto Bruno, Thamara Rodrigues, Silvia
Cáceres e Daniela Félix, os quais não mais compõem as seções
completas de História da Ciência e Literatura, Historiografia
Alemã, Francesa e Luso-Brasileira, igualmente uma que trataria
das “feridas” da modernidade. Todavia, a redução permitiu que
os autores trabalhassem melhor seus textos, contando com maior
tempo e espaço para desenvolver seus argumentos e ampliá-los,
em relação ao que foi apresentado no simpósio.
A configuração anterior do livro o aproximava em maior medida das apresentações orais e discussões que se seguiram, sendo
que o novo formato o transforma em um acontecimento novo e,
de certa maneira, independente, necessitando uma justificação
mais detida sobre os textos que o compõem – como dialogam
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Fernando Gomes Garcia | Breno Mendes | Andréa Vieira (Orgs.)
entre si e como, sendo partes de um conjunto, compõem um
todo coeso. A norma que os junta será doravante exposta; o que
poderia parecer um bocado de textos reunidos e separados ao sabor de ventos incertos e vontade arbitrária demonstrará ter uma
sequência indispensável entre um texto e outro, tornando a leitura uma espécie de continuação de problemas colocados, resolvidos e ampliados; que sob o nome Teoria em Debate se reúnem os
que têm mais que apenas um destino intermediário em comum,
mas também a origem e um destino maior; e que os falantes
se complementam harmonicamente como as diferentes notas de
um acorde musical, ao contrário de um conjunto dissonante de
vozes que competem entre si.
A insistência com que o tempo é tematizado pelos capítulos
deste livro é o primeiro elo entre eles que deve ser destacado. As
formas como o intelecto humano representa o tempo e as sociedades o experimentam, levando-se em conta seus desdobramentos éticos e narrativos, é uma proposta que pode ser facilmente
identificável. Augusto Leite em seu texto sobre como a Razão
tornou-se substância e télos da temporalidade, mapeia algumas
dessas implicações, e de alguma maneira, inaugura o assunto que
será trabalhado pelos demais trabalhos que a ele se seguem. Podemos dizer que o assunto de Hegel e a Razão moderna radicalizada
no Espírito é como a modernidade se estabeleceu, com sua crença
insuprimível na Razão – a Vernuftglaube –, diferenciando-a de
suas versões clássicas e medievais, uma vez constatado seu fracasso em tornar terreno o paraíso do Deus cristão. Desvencilhando-se do “erro teológico” diagnosticado na modernidade, os renascentistas construíram uma ideia de Razão que tornava o homem,
não subordinado a Deus, mas parceiro da divindade na criação
do mundo. A racionalidade possibilitaria a perseguição da felicidade sem incorrer, para isto, em dogmas religiosos, barganhando sua vida neste mundo em função da salvação extraterrena de
sua alma. Desde os renascentistas, de acordo com Leite, a Razão
imiscuiu-se em todas as atividades humanas, passando da meta14
Teoria da História em Debate
física às ciências, religião e política, filosofia e história – nenhum
terreno escaparia a ela.
Hegel, com sua filosofia idealista, seria quem de maneira
mais perfeita e absoluta desenvolveria a temática da Razão e de
suas relações com o tempo. Em uma leitura notadamente benjaminiana, denunciando a formação de seu autor, Leite critica a
teodicéia hegeliana em busca dessa razão suprema. O papel da
ciência, ao formular conceitos, era desbravar o mundo dando
às coisas nomes, estaria colocando o homem em seu patamar de
cocriador do mundo, descobrindo a realidade na medida em que
designava sua essência. A fé na Razão estaria de maneira mais evidente representada na crença do progresso inevitável da técnica,
do homem e da liberdade, guiado pelos impulsos irrefreáveis de
realização do Espírito em si mesmo. O próprio processo civilizador de Elias é interpretado nesta chave. A Vernuftglaube seria
o mito formulado por uma modernidade que sonha, semelhantemente ao que nos coloca Benjamin? De um mundo pretensamente desencantado, devassado que foi de seus mistérios pela
Razão – mas que esta, na verdade, não fez mais do que mergulhar
o homem moderno em seus mitos de progresso e desenvolvimento? Acreditamos que a leitura que Augusto Leite nos apresenta,
no entanto, é deveras pessimista, ao identificar essa Razão apenas
como o intolerante desejo de colonização do outro e de mostrar a
superioridade do Ocidente em relação ao resto do mundo; e desse tempo como sendo essencialmente linear, marcado pela voracidade do futuro. Pensamos que Hegel pode ser lido de maneira
mais complacente, menos fatalista; a Razão não seria somente
um impulso independente ou irrefreável, mas levado a cabo pela
ação dos homens. A dialética do ser e do não-ser não legitimaria
qualquer barbaridade como seu resultado indelével, como a manifestação da Razão e da Liberdade, mas poderia ser entendida
como um eterno vir a ser, da identificação do homem, primeiro
consigo mesmo e seu passado, depois com outros homens e, por
fim, com o próprio mundo.
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