XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 QUANDO O SINO TOCA... TEMPORALIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR Sandrelena da Silva Monteiro Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Federal de Juiz de Fora [email protected] Este texto apresenta um estudo que tem como materialidade registros de cenas vivenciadas por professoras, alunos e alunas no cotidiano escolar, os quais foram feitos no âmbito da pesquisa “Temporalidades no/do cotidiano escolar”, desenvolvida pelo Grupo Tempos, do NEPED/FACED/UFJF. Tem como objetivo central, fazer uma reflexão quanto às temporalidades experienciadas pelas professoras no cotidiano escolar. Entendendo temporalidades como sendo as diversas maneiras como as professoras, alunos e alunas se relacionam com o tempo no período em que permanecem no espaço físico da escola, surgem algumas interrogações: Que usos fazem do tempo no interior da escola? Como se organizam em relação ao tempo? Que temporalidades se fazem presentes na linguagem das professoras? Que usos são revelados em suas falas? Tomando como referência de estudo a literatura científica em relação ao tempo, que denominações se fazem predominantes? Que mecanismos de marcação do tempo se fazem presentes? Que concepções em relação ao tempo? Essas concepções inscrevem as professoras em que movimento na relação com o tempo no cotidiano escolar? Essas são algumas das problematizações que buscamos estabelecer aqui. Percebemos que a internalização da naturalização das sequências construídas na organização do tempo na escola acaba por fazer com que o ensino se dê em função das mesmas. Como consequência da predominância de um planejamento que se pauta em uma sistematização matematizada do tempo, temos uma professora que é colocada em um movimento em que a ação de vigilante do cumprimento da rotina estabelecida sobressai mais que a ação de mediadora na construção do conhecimento pelos alunos e alunas. Isto faz com que a preocupação maior recaia em aproveitar o tempo da melhor forma possível, com vistas à produtividade em relação às tarefas acadêmicas no prazo estipulado a priore. Palavras-chave: Tempo – Temporalidades - Cotidiano escolar Quando o sino toca, os alunos vão fazer a fila, mesmo sem a presença das professoras (registro feito no dia 21 de junho de 2011). Na escola, quando o sino toca, todas as crianças viram alunos e alunas e os adultos viram professoras. A rotina a ser cumprida já está estabelecida e seu não cumprimento implica em sanções e punições. Um som, disparado quase que automaticamente pelos ponteiros de um relógio que marca um determinado horário, é o suficiente para que crianças que brincavam distraidamente comecem uma correria, aparentemente sem direção, mas não, estão Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000531 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 agora assumindo a identidade de alunos e alunas e correm para o local onde a fila deverá ser feita para aguardar a chegada da professora. E elas, as mulheres adultas, que calmamente conversam em uma sala se agitam, pegam bolsas e outros pertences, algumas mudam a fisionomia e seguem, agora professoras, a passos firmes, para o local em que os alunos e alunas as esperam. Comumente este é o inicio da rotina de mais um dia de trabalho em uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, onde durante o ano de 2011 participamos, fazendo registros que nos ajudassem a problematizar como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental experienciam as temporalidades no/do cotidiano escolar. Este texto apresenta um estudo que tem como materialidade os registros feitos a partir do mergulho neste cotidiano escolar, no âmbito da pesquisa “Temporalidades no/do cotidiano escolar”, desenvolvida pelo Grupo Tempos, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (NEPED/FACED/UFJF). E, como objetivo central, fazer uma reflexão quanto às temporalidades experienciadas pelas professoras no cotidiano desta escola. Os registros apresentam cenas vivenciadas cotidianamente por professoras, alunos e alunas, e são usados neste texto (em destaque - itálico) de forma a nos ajudar a perceber as temporalidades aí presentes. Entendendo temporalidades como sendo as diversas maneiras como as professoras, alunos e alunas se relacionam com o tempo no período em que permanecem no espaço físico da escola, surgem algumas interrogações: Que usos fazem do tempo no interior da escola? Como se organizam em relação ao tempo? Que temporalidades se fazem presentes na linguagem das professoras? Que usos são revelados em suas falas? Tomando como referência de estudo a literatura científica em relação ao tempo, que denominações se fazem predominantes? Que mecanismos de marcação do tempo se fazem presentes? Que concepções em relação ao tempo? Essas concepções inscrevem as professoras em que movimento na relação com o tempo no cotidiano escolar? Essas são algumas das problematizações que buscamos estabelecer aqui. Na atualidade, o tempo se configura em um dos mais instigantes temas de investigação no campo da educação, quer seja no sentido de aprimorar sua quantificação e tentativa de controlar variáveis presentes em uma prática, quer seja no sentido de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000532 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 aprimorar o uso que se faz do mesmo em aspectos qualitativos para a experiência vivida. Ao buscarmos na literatura estudos sobre o tempo encontramos as mais diversas leituras, que se inscrevem desde uma leitura mecanicista do tempo a uma leitura do tempo vivido como tal, sendo considerado como duração, conceito proposto por Henri Bergson no início do século XX. Em sua grande maioria, os estudos apresentam o tempo como sendo um condicionante das atividades humanas, regido por marcadores construídos socialmente. Mais especificamente, no que se refere ao contexto escolar, diversos estudos, como os de Corrêa (2009), Sacristán (2008), Teixeira (1998), Domènech e Viñas (1997) nos ajudam nesta reflexão. Sacristán (2008), ao estudar o valor do tempo na educação defende a existência de duas visões fundamentais em relação à concepção de tempo. Uma que se faz a partir da física newtoniana, aprimorada por Eisntein, que defende a ideia da possibilidade de medida do tempo, a qual traz em seu bojo a intenção de controle do mesmo. Aqui há a concepção de que o tempo é uma unidade de medida dentro da qual ocorre nossa vida, que existe à margem de nós, à qual nos vemos submetidos. Essa concepção se faz presente em situações em que a relação estabelecida com o tempo se faz de forma matematizada, cronometrada e precisa ser cumprida: todas as atividades estão sendo cronometradas, o aluno que não terminar a atividade dentro do tempo, não terminará em sala, e, todos passarão para a próxima atividade (registro feito no dia 17 de agosto de 2011). Usado como um delimitador da realização ou não da atividade, o tempo, ao ser abordado em uma concepção matematizada acaba por determinar as possibilidades de aprendizagem dos alunos e alunas e ensino das professoras. A outra visão destacada por Sacristán (2008), que se faz a partir de uma perspectiva bergsoniana, é a visão do tempo tal qual o vivemos, considerado enquanto duração, ou seja, aquilo que é. Aqui o tempo é algo que se vive, se sente, se experiencia, é o tempo de cada um: “_ Nossa, meus sete minutos estão muito grandes!”. Fala de uma professora ao perceber que havia perdido a noção do tempo. (registro do dia 06 de outubro de 2011). Encontramos na literatura várias referências a diferentes tipos, dimensões e divisões do tempo, como se não fosse um, mas vários tempos. Em nosso entendimento, que se faz a partir de uma perspectiva bergsoniana, não existem dois ou mais tempos, mas sim um fluxo do tempo no qual nos organizamos e com o qual nos relacionamos de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000533 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 diferentes formas, constituindo assim uma “multiplicidade sem divisibilidade e uma sucessão sem separação” (BERGSON, 1932/2006, p. 52). O que se faz múltiplo são as relações estabelecidas, configurando temporalidades diferenciadas, o que acaba por implicar na organização que fazemos das nossas ações. Sendo assim, concomitante à ação que tende a uma organização escolar com uma perspectiva matematizada, fragmentada, linear, há experiências que não podem ser quantificadas, materializadas ou objetivadas em registros padrões. Chegamos assim ao entendimento de que as concepções se fazem múltiplas em relação ao tempo, o que resulta em diferenciar a forma de organizar nossas ações com/no fluxo do mesmo. Bergson (1932/2006, 1934/2006) explica que a matematização do tempo foi um mecanismo construído no âmbito das ciências positivas, particularmente no da física e da mecânica, devido à necessidade de conhecimento prático da matéria, que pudesse possibilitar as ações do homem sobre a natureza. Tomando de empréstimo das ciências ditas físicas, as ciências humanas passaram a fazer uso desta mesma noção de tempo, quando do estudo do tempo social e histórico. No estudo do tempo relativo ao cotidiano escolar, ainda predomina esta orientação fundamentada nos métodos da ciência positiva, que tende a tomar a realidade por sistemas fechados, estáveis, imóveis e, assim, fazer recortes sobre este sistema, isolando-os através de mecanismos também fechados, estáveis e rígidos. Neste contexto de estudo vigora uma noção simbólica de tempo cunhada a partir da matemática, ignorando a realidade enquanto movimento, fluxo contínuo, duração. Ao tratar da organização temporal da escola, Correia (2009) afirma que esta se faz de acordo com padrões cíclicos de tempo, fundamentada principalmente no relógio (horário de aulas, rotina escolar, planejamento e outros) e no calendário (períodos letivos e períodos de férias, períodos avaliativos, dentre outros). Essa organização conduz a ação de todos os envolvidos na dinâmica escolar. Nesta perspectiva, a educação reinventa, com os ritmos e durações próprios do tempo social, novas formas e critérios temporais, dando ao processo educativo, simultaneamente, um caráter de reprodução e produção de novas modalidades e estruturas do tempo institucional, que por sua vez regula o curso das ações educativas. Essa estrutura institucionalizada do tempo na educação racionaliza e materializa a dinâmica e a lógica da organização temporal da economia e do mercado. Desta forma a educação assume o “ciclo de produção e consumo”, próprio da lógica econômica, na sua organização temporal. O que prevalece é a busca por uma racionalização da ação pedagógica no sentido de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000534 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 aumentar sua capacidade de produção. Um diálogo registrado entre uma professora e seu aluno nos ajuda a entender como esta relação se estabelece: a professora explica o que era para ser feito e fala que estava marcando o tempo. Ela passou para outra questão e um aluno disse: “_ Ah tia, eu ainda não acabei!” _ A professora respondeu ao aluno: “Vocês têm que correr para alcançar a gente, e não a gente tem que esperar por vocês!”. A professora estava mais preocupada em passar o que tinha planejado e com isso não esperou que os alunos acabassem a atividade anterior. (registro feito no dia 25 de outubro de 2011). Ao falar sobre o controle do tempo de realização das atividades uma professora explicou que a proposta foi incorporada porque permite explorar o tempo dos alunos e acrescenta: “_Se um aluno não termina uma atividade no prazo estipulado, isso pode representar que ele estava brincando no horário da atividade ou que possui dificuldades para executar o exercício”. (registro do dia 01 de março de 2011). Considerado um marco na evolução das relações humanas, particularmente nas relações de trabalho, a invenção do relógio mecânico é visto como um divisor de águas no estudo do tempo. Ao propor a divisão do tempo em uma sequência de horários, criase uma ordem, de forma que, ao aceitarmos este tempo cronometrado, adquirimos uma ordem para nossa própria vida e nossas ações. Seguir esta divisão nos dá a sensação de podermos controlar o tempo, estabelecendo o que será feito em tal ou qual hora, em que sequência, o que será feito primeiro e o que virá depois. Essa ideia de sequência organiza não só a vida material externa, mas também nossa vida interna, como, por exemplo, ao narrarmos a sequência de um acontecimento. Ou ainda, ao estabelecermos qual a hora certa de nos alimentarmos, portanto, de ter fome ou não. Um registro do dia 20 de setembro de 2011 exemplifica como esta situação acontece nas salas de aula: a professora ao chamar a atenção da turma diz: “_ Aqui não se conversa na hora da aula não, aqui tem momento pra tudo!”. No entanto uma aluna diz: “_Mas ainda nem teve a conversa de 10 minutos!”. Esta conversa de 10 minutos era prevista na rotina organizada para aquela turma e, neste dia, a professora havia alterado a ordem das atividades. Em outro registro encontramos uma professora dizendo: “_Vou contar até dez para vocês irem ao banheiro e beber água... 1, 2, 3...”. Muitos dos registros mostram que nem sempre o aparente controle do tempo em relação à realização das atividades é possível. Hoje as crianças acabaram a atividade antes do previsto pela professora... “_Caramba! Ainda falta meia hora, vou ter que passar outra coisa”. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000535 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 (registro do dia 22 de março de 2011). Em outro dia, “_ Caramba! Já são quinze para as cinco!” Toda agitada a professora passa o dever de casa. Relógios, rotinas e calendários nos ajudam a organizar a vida tal qual a vivemos hoje. No entanto, qual ou quais as consequências da predominância desta organização no contexto escolar? Que usos estão sendo feitos dos mesmos no cotidiano da escola? Para Sacristán (2008), a organização matematizada do tempo é uma estrutura que se expressa na ordem em que as coisas acontecem, de forma que podemos apreciar ou precisar o que vem antes e o que vem depois em uma sequência. Esta é uma forma de nomear (dia-noite, educação infantil-ensino fundamental-ensino médio) as etapas do tempo, separando, distinguindo, ainda que o transcurso deste processo seja contínuo e sem saltos. Algumas sequências são naturais, por exemplo, o dia e a noite. Outras são construídas pelo ser humano, como, por exemplo, a rotina escolar. As que são naturais não podem ser mudadas, no entanto, as que não o são, podem ser recriadas atendendo às necessidades dos grupos. Na educação a maioria das sequências são inventadas, ainda que vistas e internalizadas como naturais por aqueles que chegam, portanto, passíveis de mudanças. A organização temporal assume, de acordo com Elias (1998), uma função de coordenação e integração das atividades humanas. Submetemo-nos aos vários marcadores do tempo como se a temporalidade neles representada tivesse vida própria. Essa concepção temporal apresenta-se tão arraigada que, pode-se dizer, tornou-se um atributo da personalidade dos seres: temos a necessidade de nos educar, educar nossos impulsos, controlar-nos, seguir e cumprir o estabelecido pelos marcadores temporais. E as professoras fazem isso dentro do sistema estabelecido pela instituição escolar. A imagem da boa professora é contornada pelo cumprimento da rotina estabelecida e por fazer com que seus alunos e alunas o cumpram também: durante a explicação de uma tarefa um aluno estabelece um diálogo com um companheiro de grupo. Percebendo a situação a professora adverte o aluno relembrando que o horário de conversa já passou. Para reafirmar a advertência, ela indica o item da rotina “conversa de 10 minutos”. O aluno pede desculpas e a atividade prossegue. (registro do dia 01 de março de 2011). A organização estabelecida externamente por relógios e calendários são por nós aprendidas e assumidas de tal forma que a interiorizamos como categorias possíveis de nos conduzir na forma de percebermos a vida. A partir destas categorias organizamos nossa forma de ser estar no mundo. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000536 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 No cotidiano escolar esta apropriação se faz de forma análoga. Os relógios e calendários civis são referências para a organização interna da escola, que também se faz em uma perspectiva matematizada do tempo: horário de aulas, rotinas diárias cronometradas. Durante a aula inteira escutei a seguinte frase: “o tempo está passando e aqui trabalhamos com o tempo!” (registro do dia 17 de agosto de 2011). Em outro momento é a interrogação de um aluno, ao ouvir o despertador do cronômetro, que nos chamou a atenção: “_ A gente ainda não fez nada e já acabou o tempo?”. (registro do dia28 de setembro de 2011). Assim como no âmbito social mais amplo, também na escola professoras, alunos e alunas internalizam a forma de organização do tempo, conduzindo por esta organização sua forma de ser e estar na escola. Aqueles que a esta não se adequarem são considerados inadequados, desordeiros e acabam sendo excluídos, seja pela reprovação, pela evasão ou pela não aprendizagem. Talvez a mais evidente de todas as demarcações, e quiçá a mais radical, se faz com o tempo estabelecido para a aprendizagem: “x” tempo de explicação por parte da professora; “x” tempo para realização das atividades; “x” tempo da aula para que os alunos aprendam e realizem satisfatoriamente as atividades; “x” números de dias, semanas, meses e anos para se alcançar a aprendizagem deste ou outro conteúdo. Quem não alcança a meta estabelecida no tempo predeterminado, fica excluído do processo. No planejamento, preparação e desenvolvimento das aulas e atividades é o tempo matematizado que se tem que determina qual deve ser o ritmo de apresentação dos conteúdos e de aprendizagem. “_ Acelera aí meu filho! Porque se não a gente vai ficar atrasado!”. Fala de uma professora registrada no dia 04 de outubro de 2011. Em um outro dia, um novo registro: Ao voltar para a sala de aula a professora dá o calendário do mês de outubro para que as crianças possam colorir e colar no caderno. Ela diz: “_ Vou dar sete minutos para vocês colorirem”. Passado algum tempo a professora fala: “_ Nossa! Meus sete minutos estão muito grandes! Já deve ter passado uns quinze!”. Sacristán (2008) chama a atenção para o fato de que o tempo medido pelos relógios, cronômetros, calendários se emaranham com a educação, dita suas regras, impõem limites, dota de razões as práticas educativas, classifica os sujeitos e regula a ordem dos acontecimentos, e, de uma forma mais geral o limite entre a normalidade e a anormalidade na educação. Cita como exemplo de como o tempo se coloca incluso no planejamento da prática pedagógica o fato de que os professores, ao estabelecerem os Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000537 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 objetivos para o ensino, estabelecem metas a serem alcançadas dentro de um tempo futuro de curto prazo, enquanto que o resultado será conhecido apenas em um prazo mais longo. Este estabelecimento de prazos/tempo fixo para se alcançar este ou aquele aprendizado/conhecimento acaba por ser a mola propulsora para o trabalho pedagógico, fazendo-se intimamente dependente de um tempo futuro. No entanto, a evolução previsível do estado atual das coisas e o efeito do que fazemos ou das medidas tomadas no tempo presente pode apenas ser suposto e não advinhado. Em relação à concepção de educação e esta perspectiva de se educar para o futuro, Bergson, citado por Trevisan (1995, p. 9), defendia a ideia de que “como não podemos pré-estabelecer o futuro, esperar que a educação prepare para o futuro é um equívoco”, tal concepção se dá com base no fato de que não sabemos como o futuro será, por isso, não temos como preparar alguém para enfrentá-lo. Assim, a educação se faz para e no tempo presente. Para Sacristán (2008), as expressões que fazem alusão à matematização do tempo, sua distribuição, sucessão, datação, fixação, durabilidade, ordem, seqüência e ritmo no âmbito educativo acabam por encobrir o fato de que este mesmo tempo é também tempo para ser mais ou menos livres, de produzir e de descanso e ócio, agradáveis e desagradáveis, felizes e tristes, desfrutado em grupo ou sozinho, para ser recordado ou esquecido. Em outras palavras, é, essencialmente um tempo para ser vivido. Concluindo esta reflexão, percebemos que a internalização da naturalização das sequências construídas na organização do tempo na escola acaba por fazer com que o ensino se dê em função das mesmas. Assim, primeiro define-se o tempo e depois os conteúdos a serem trabalhados. Como consequência da predominância de um planejamento que se pauta em uma sistematização matematizada do tempo, temos uma professora que é colocada em um movimento em que a ação de vigilante do cumprimento da rotina estabelecida sobressai mais que a ação de mediadora na construção do conhecimento pelos alunos e alunas. Fazendo assim com que a preocupação maior recaia em aproveitar o tempo da melhor forma possível, com vistas à produtividade em relação às tarefas acadêmicas no prazo estipulado a priore. Talvez uma alternativa possível para que possamos ter uma organização em relação ao tempo na escola que considere as várias temporalidades ali presentes seja romper com a lógica da organização temporal da economia e do mercado (CORRÊA, 2009). Mas, como fazer isto sem que a escola se constitua em um mundo paralelo à Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000538 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 organização social? Como encontrar o equilíbrio entre a necessidade de uma organização das ações de forma sistematizada e a experiência temporal de cada um? O grande desafio hoje, certamente, é este equilíbrio, é a coexistência, sem predomínio, de uma organização das ações em sequências com a expectativa em relação às experiências vividas de forma integral. Tanto uma quanto a outra é experiência temporal que significa. Compreender sua significação e ter conhecimento das implicações de uma e de outra forma de organização na/para a prática pedagógica, certamente é o melhor caminho para operar mudanças que se façam necessárias. Conhecer como as professoras se relacionam no tempoespaço (OLIVEIRA e ALVES, 2006) escolar, é o primeiro passo para este caminhar. REFERÊNCIAS BERGSON, Henri. O Pensamento e o Movente. Ensaios e Conferências. São Paulo: Martins Fontes, 1934/2006. ______. Duração e Simultaneidade: a propósito da teoria de Einstein. São Paulo: Martins Fontes, 1932/2006. CORREIA, Teodósia Sofia Lobato. Tempo de las escuelas, tiempos de los escolares. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais eletrônicos... Poços de Caldas: ANPEd, 2003. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/teodosiasofialobatocorreia.rtf>. Acesso em: 02 fev. 2009. DOMÈNECH, Joan, VIÑAS, Jesús. La organización del espacio y del tiempo en el centro educativo. Editorial GRAÒ, Barcelona, 1997. 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