Mensagem do Bastonário
O ser humano existe como um fim em si mesmo, não como meio que pode ser usado por
manifesta vontade de quem quer que seja, como escrevia Kant (Fondements de la Métaphysique
des Moeurs, Gallimard, Paris, 1985). O que vale por dizer que os homens encerram em si um
valor absoluto e não relativizado.
Sendo mais claro: a actuação dos seres humanos em sociedade rege-se por valores substantivos e
não por modelos de actuação que possam conduzir a formas de exclusão, de iniquidade ou de
injustiça. Ora, nas relações entre o médico e os doentes existe uma situação de domínio científico
e técnico por parte daquele e por um desconhecimento quase generalizado destes sobre a sua
situação clínica.
Tais valores exigem uma reflexão que me proponho à consideração dos colegas. Permito-me
evidenciar três aspectos fundamentais sobre os valores presentes nesta relação médico-doente .
O valor dignidade, o qual, segundo Anne Fagot-Largeault (LeConsentemen Éclairé et Recherche
Clinique, Paris, 1994) significa que a liberdade de cada é inalienável, defendendo que o
reconhecimento do doente como o outro igual a si mesmo, em que, portanto, o médico (atrevome a dizer: qualquer profissional) tem que olhar para o doente respeitando a sua singularidade, a
sua natureza individual, e não como coisa ou um meio.
O valor justiça, que se inscreve no pensamento de Aristóteles, com imensos seguidores actuais
(Rawls, entre outros) assegurar as mesmas oportunidades para as pessoas, e, no caso da
Medicina, promover a igualdade e a equidade de tratamento sem olhar a questões perversas
como as dificuldades sociais, económicas e culturais, não obstante a utilização dos meios
disponíveis.
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Finalmente, o valor solidariedade (do que se trata é de um verdadeiro dever), em que sobressai a
universalidade, a intransigência e a imparcialidade, que nos permite ouvir a “voz do outro”,
aliás na esteira do que ditam princípios que as diferentes religiões preconizam unanimemente e
que se podem traduzir na ideia confuciana: «não faça aos outros o que não queres que te façam a
ti» (Diálogos de Confúcio, XV, 23). O médico é chamado a ser solidário, zeloso e cumpridor dos
ditames do Código Deontológico, ou seja: deve estar envolvido na ajuda moral necessária à
superação da angústia.
O desafio ético com que nos deparamos, nós médicos, é, assim, a utilização dos meios técnicos e
dos conhecimentos científicos sem cairmos, contudo, na primazia em que podemos afundar-nos
perante o deslumbramento que o sucesso da inovação tecnológica nos traz permanentemente.
Prof. Doutor Carlos Alberto Pinto de Sousa - Bastonário
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