Terça-feira 11 de Setembro 2007 Jornal de Negócios
OPINIÃO | 35
.
DIREITO
EM LINHAS TORTAS
ISCTE – ESCOLA DE GESTÃO
PEDRO DIONÍSIO
PAULO OLAVO CUNHA
Há demasiados cursos – muitos
dos nomes dos cursos são apenas
engenharia pura
A autofiscalização de
funções pelos ex-gestores
das sociedades anónimas
Se o presidente da associação dos profissionais de ma a existência de centenas de revistas e jornais cientímarketing proferisse a declaração de que“há de- ficos sobre o tema, bem como a dinamização de carreimasiados cursos de marketing – muitos dos nomes dos ras de investigação científica e de docência em quase tocursos são engenharia pura”,tal como,na semana pas- das as boas universidades do mundo.
Como actividade profissional, o marketing é abrasada,o bastonário da Ordem dos Engenheiros o fez afirmando, numa conferência internacional, amplamente çado como projecto de futuro por milhares de pessoas
divulgada pelos media,que“dos actuais 314 cursos (de em Portugal e milhões, a nível mundial que, enquanto
engenharia), não faz sentido existirem mais de 60/70 profissionais, procuram fazer a ponte entre as necessicursos...muitos dos nomes são marketing puro (in“Pú- dades dos seus clientes alvo e os objectivos empresariais
blico” e “Diário Digital”) o país “letrado” reprovaria, dessas mesmas organizações.
Enquanto actividade profissional, o marketing cosem dúvida, tal afirmação.
Já é tempo também dos especialistas de marketing meçou por surgir nos bens de consumo, tendo estendinão deixarem passar impunes estas afirmações de um do o seu campo de acção a outros sectores,como os serviços, os bens industriais e o serviço público, estando
especialista de engenharia.
Nada tendo contra o bastonário da Ordem dos En- hoje também ao serviço das organizações sem fins lugenheiros –que,aliás,não conheço mas de quem tenho crativos, ajudando a encontrar voluntários, financiaboa impressão do ponto de vista da defesa dos interes- mentos ou a alterar comportamentos dos diversos púses da classe – nem contra a sua posição relativamente blicos sociais.
É difícil imaginar o funcionamento saudável de uma
à diminuição do número de cursos,penso,contudo,não
fazer qualquer sentido o dirigente de tão relevante gru- economia de mercado sem uma óptica de marketing
po profissional atribuir publicamente um sentido com- onde, face à crescente agressividade concorrencial, as
pletamente deturpado à palavra “marketing” pondo, organizações que insistem em ter as costas voltadas para
com isso, em causa a actividade profissional, a investi- os seus clientes terão inevitavelmente grandes dificuldagação e a docência de todos aqueles que estão ligados a des de sobrevivência.
É certo, e do conhecimento público, que as actividaesta ciência social.
des de marketing estão,
Esta deturpação de
por vezes, ao serviço de
sentido não é,infelizmenorganizações que o utilite, nova. Por diversas veMuitos dos nomes (dos cursos
zam de forma indevida,
zes tenho lido este tipo de
de engenharia) são marketing
pondo até em causa os inafirmações, designadapuro... Já é tempo também
teresses básicos dos cidamente por parte de polítidãos, o que, de resto,
cos e de comentadores
dos especialistas de marketing
acontece em outros sectoque, enquanto formadonão deixarem passar impunes
res e será certamente tamres de opinião, deveriam
estas afirmações de um especialista
bém o caso da engenharia
ter um particular cuidado
de engenharia.
–basta visitar algumas cina escolha de palavras.
dades portuguesas para
Apenas decidi abordar o
Esta autonomização, como ciência,
não ficarem grandes dúviassunto, neste caso, devijustifica e legitima a existência
das.
do à credibilidade que o
de centenas de revistas e jornais
Todavia, emerge acemissor da mensagem sucientíficos sobre o tema, bem
tualmente uma tendência
postamente tem e ao concomo a dinamização de carreiras
de marketing “puro”, sisequente impacto destas
de investigação científica
tuação que ocorre quanafirmações.
do as empresas não apePara demonstrar que o
e de docência em quase todas
nas se limitam a responmarketing nada tem a ver
as boas universidades do mundo.
der às necessidades de
com esta ideia de iludir as
clientes e aos seus objectipessoas – que está subjavos,desenvolvendo estracente às afirmações do
bastonário –apresento,em seguida,alguns aspectos re- tégias sustentadas de responsabilidade social e proculativos a esta área enquanto ciência e actividade profis- rando contribuir para o equilíbrio do meio envolvente
físico e social,ou seja,devolvendo à sociedade uma parsional.
Pese embora as opiniões divergentes de alguns aca- te do que esta lhe permitiu ganhar.
Penso que afirmações como estas devem ser evitadémicos pós-modernos, o marketing é, desde meados
do século XX, assumido como uma ciência dentro da das, pelo menos publicamente, sob pena de contribuirgestão, tendo, em consequência, um objecto de estudo mos para expandir um preconceito ridículo e ignorane metodologias próprias; enquanto ciência,o marketing te. Já no século XVIII, Voltaire dizia que“o preconceito
procura, entre outros aspectos, aprofundar o conheci- não passa de uma opinião sem sentido crítico”.
mento sobre o comportamento dos consumidores e as
Subscrevo!
estratégias de marketing das organizações.
Professor de Marketing na ISCTE Business School
Esta autonomização, como ciência, justifica e legitiColuna semanal à terça-feira
A reforma de 2006 do CSC ampliou significativamente as
incompatibilidades dos membros dos órgãos de fiscalização
(Conselho Fiscal, Conselho Geral e de Supervisão e Comissão
de Auditoria) das Sociedades Anónimas, tendo, entre outras
novidades, declarado impedidos de exercer funções, nesses
órgãos, os que prestem
(quaisquer) serviços
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Torres Pereira, Carla Pedro, Carlos Mendonça, Catarina Brito, Dora Ribeiro, Elisabete Miranda (subeditora de Economia), Eva Gaspar, Filipa Lino, Filipe Paiva Cardoso, Isabel
Paradoxalmente, a
reforma fez desaparecer
a incompatibilidade
essencial que consistia
na impossibilidade
de os administradores
das SA transitarem para
os respectivos órgãos
de fiscalização sem
um período de nojo.
ou estabeleçam relação
comercial significativa
com a sociedade
fiscalizada.
Com a consagração
legal de uma extensa
e exigente lista
de incompatibilidades,
quis-se assegurar
a independência
e imparcialidade
dos fiscalizadores das SA
relativamente aos
sujeitos e às situações
que poderiam
comprometer a isenção
de análise que lhes é
exigível, nomeadamente
em relação ao órgão de administração.
No entanto, paradoxalmente, a reforma fez desaparecer
a incompatibilidade essencial que consistia na impossibilidade
de os administradores das SA transitarem para os respectivos
órgãos de fiscalização sem um período de nojo, isto é, sem
que tivesse decorrido um intervalo mínimo adequado entre
o exercício da administração e a possibilidade de as mesmas
pessoas efectuarem, num diferente órgão, o controlo do seu
desempenho. Tal requisito visava impedir que os ex-gestores
de uma SA, nas novas funções, estivessem em condições
de poder vir a branquear a sua anterior actuação.
Sendo essa uma exigência da generalidade das leis europeias –
aplicável em Portugal aos ROC –, estranha-se que os reformistas
de 2006 tivessem restringido as incompatibilidades nesta
matéria, permitindo que, por coincidência, gestores executivos
de nomeada aproveitem esse lapso e se transfiram directamente
para o comando dos órgãos de fiscalização das sociedades
que administraram. Moral da história (que não a ética):
há esquecimentos que podem ser muito úteis!
Advogado
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