PESQUISA
Fique de olho!
MEDICAMENTOS
MEIO CHEIO
ou meio vazio?
D
iz-se por aí que quem acha que um copo
com água até a metade está “meio cheio” é
um otimista; e quem o enxerga “meio vazio” é um pessimista. Mas por que estamos falando disso? Bom, além do fato de muitos remédios
serem ingeridos com o auxílio de um copo d’água,
pesquisa feita pelo Idec revela que, em geral, os
preços de medicamentos praticados pela rede de
varejo estão bem abaixo dos preços máximos permitidos pelo governo.
Assim, os adeptos do copo “meio cheio” pensariam: “Maravilha!”. Mas o Idec considera que
não há motivos para euforia. A partir do momento em que existe uma diferença muito grande entre os preços máximos permitidos pelo governo e
os praticados pelo varejo, há também a possibilidade de o valor de um dado medicamento subir
consideravelmente de uma hora para outra.
“Na prática, muitas vezes os reajustes reais são
maiores que os permitidos pelo governo. E não
são ilegais, já que os preços reajustados não ultrapassam o teto estipulado”, afirma Ione Amorim,
economista do Idec. Essa é justamente uma das
principais conclusões da pesquisa realizada pelo
Instituto. Entre janeiro de 2009 (quando o Idec
também realizou levantamento de preços de
remédios) e janeiro deste ano, os preços de 11
medicamentos subiram em média 14,75% em São
Paulo, sendo que o reajuste oficial nesse período
PHOTOS.COM
Os preços de remédios
praticados pela rede varejista
estão, em geral, bem abaixo do
teto estipulado pelo governo.
Mas não há motivo para
comemoração, pois quem perde
com isso é o consumidor.
Entenda por quê
22
Revista do Idec | Abril 2010
foi de 5,9%. Tomemos o caso do Ebix (10 mg,
caixa com 28 comprimidos), fabricado pelo laboratório Lundbeck: em janeiro de 2009, sua média
de preço na capital paulista era de R$ 145,15 e seu
teto era R$ 195,22. Um ano depois obteve, na
mesma cidade, média de R$ 192,25 – aumento de
quase 33%. Só que seu teto, nesse mesmo período,
subiu “apenas” os tais 5,9%.
Quem estipula o preço máximo ao consumidor
(PMC) é a Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED), conselho do governo que
tem como principal objetivo a adoção, implementação e coordenação de atividades relativas à regulação econômica do mercado de medicamentos. A
CMED foi criada em 2003 pela Lei Federal no
10.742/2003, que também determina que os reajustes devem ocorrer anualmente. O último, divulgado no mês passado, foi de 4,83%.
PREÇO MAIOR OU DESCONTO MENOR?
Na atual pesquisa foram levantados os preços de
25 medicamentos em dez cidades do país (veja
mais detalhes da metodologia no quadro abaixo).
Dezoito dos medicamentos são “de referência” (isto é, de marcas registradas por laboratórios) e sete
são genéricos. Em cada cidade os pesquisadores
visitaram diferentes pontos de venda, de modo
que cada medicamento tivesse no mínimo três
cotações por município. A base de dados final,
usada para a elaboração dos resultados, foi composta por 1.092 preços (824 de referência e 268
de genéricos), coletados em 135 pontos de venda.
Os medicamentos foram selecionados entre os
produtos mais prescritos para o tratamento de
doenças crônicas como hipertensão, diabetes,
Medicamento similar não é a mesma coisa que genérico. Apesar de o
princípio ativo dos similares ser o mesmo que o do medicamento de
referência (ou “de marca”), assim como a concentração, via de administração, posologia e indicação terapêutica, eles não podem substituir os
de referência e os genéricos, pois não passaram pelos chamados testes
de equivalência. Os genéricos, ao contrário, são idênticos aos de referência, porém mais baratos — a legislação determina que seus preços
sejam no mínimo 35% menores que os de referência equivalentes.
Apesar da diferença, muitas vezes os consumidores, após pedirem
aos balconistas um remédio a partir de seu princípio ativo, recebem um
produto similar, pois os laboratórios e distribuidores de similares costumam oferecer bonificações aos funcionários e estabelecimentos que
venderem seus produtos. É a chamada “empurroterapia”. O fato ocorreu
com frequência com nossos pesquisadores. Por isso, fique atento!
osteoporose, reumatismo, artrite, asma, mal de
Alzheimer, além de anti-inflamatórios, antidepressivos, ansiolíticos e antibióticos.
Quando os 25 medicamentos são analisados juntos, verifica-se que em 44% dos 1.092 preços a
variação entre os valores encontrados e seu respectivo teto ficou entre 20% e 295%. Sempre lembrando que quanto maior essa diferença, menor o
poder de regulação da CMED sobre os preços reais
oferecidos ao consumidor.
Se os genéricos e os de referência forem separados em dois grupos, surge uma nova leitura: os
primeiros tendem a apresentar maior diferença
entre o PMC e o preço do varejo. Por exemplo,
51% dos 268 preços de genéricos tinha variação
entre 40% e 295% em relação ao preço-teto da
CMED. Nos de referência, o percentual de preços
com diferença acima dos 40% é de 10% (de um to-
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa foi realizada entre os meses de janeiro e fevereiro
deste ano, em dez cidades brasileiras: Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Natal (RN), Porto
Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Tubarão
(SC). Recebeu apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no âmbito do projeto Fortalecimento da Participação
Social em Regulação e contou com a participação de nove entidades do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC): Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC/MG), Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul
(Abccon/MS), Associação de Defesa e Orientação do Consumidor
(Adoc/PR), Associação Brasileira de Economistas Domésticos
(Abed/CE), Centro de Defesa do Consumidor (CDC/RN), Movimento das Donas de Casa e Consumidores do Rio Grande do Sul
(MDCC/RS), Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor
(Adeccon/PE), Movimento das Donas de Casa e Consumidores da
Bahia (MDCC/BA), e Associação das Donas de Casa, dos Consumidores e da Cidadania (Adocon — Tubarão/SC).
A missão dos pesquisadores foi levantar os menores preços
oferecidos a cada um dos medicamentos selecionados. Para isso
foram considerados os descontos disponíveis a qualquer consumidor, como os decorrentes dos cartões de fidelização oferecidos
por redes de farmácias e drogarias. No entanto, descontos como
os concedidos por planos de saúde e associações e os decorrentes de cartões específicos para aposentados foram descartados, pois se restringem apenas a parte da população.
Em relação aos genéricos, cujos preços podem variar de acordo
com o laboratório fabricante, os pesquisadores foram orientados a
solicitar, para um mesmo princípio ativo, o produto com menor preço.
Revista do Idec | Abril 2010
23
MEDICAMENTOS
Saúde física e econômica
Para economizar na compra de medicamentos:
● Peça ao seu médico que receite o medicamento pelo princípio
ativo, e não pelo nome de marca. Assim fica mais fácil verificar a
existência de genéricos (que apresentam um G grande na caixa), que
são mais baratos. Se na prescrição constar apenas o nome da marca,
será preciso que o farmacêutico autorize a compra.
● Mesmo entre os genéricos os preços costumam variar bastante,
dependendo do laboratório. O problema é que as farmácias normalmente oferecem poucas opções. Por isso, confira a relação de todos os
genéricos em comercialização, que deve estar disponível nos estabelecimentos, em local de fácil visualização.
● As farmácias também são obrigadas a disponibilizar uma revista
com os preços máximos de todos os medicamentos (de preferência no
balcão). Não deixe de pedi-la e de consultá-la.
● Se você encontrar preço acima do valor máximo divulgado pela
CMED, comunique ao Procon de sua cidade e também denuncie à
CMED pelo telefone 0800 642 9782.
268 preços de genéricos levantados, 39 (15%) apresentaram variação acima de 100%.
Entre os medicamento de referência, a maior
variação ficou com Frontal, da Pfizer. Em um
ponto de venda de Recife (PE), a caixa com 30
comprimidos de 0,5 mg custava R$ 8,80 – 211%
abaixo do teto de R$ 27,35. Também Amaryl
(caixa com 30 comprimidos de 1 mg), da Sanofi
Aventis, e Prepazol (caixa com 28 cápsulas de 28
mg), da Libbs, chamam a atenção. Para cada um
deles foram encontradas, respectivamente, seis e
cinco ocorrências de variações acima dos 100%.
O secretário executivo da CMED, Luiz Milton
Veloso Costa, entende que essas grandes variações
ocorrem devido à política de descontos dos laboratórios e redes de varejo. Assim, segundo ele, se o
preço de um dado medicamento subir repentinamente, a causa é a aplicação de desconto menor, e
não de aumento efetivo do preço. “Não se pode
esquecer que numa situação como essa o consumidor foi beneficiado, no passado, com a aplicação
de um grande desconto. Se esse desconto for retirado, é natural que os preços subam”, diz ele.
Independentemente de chamarmos a alta repentina de preços de “retirada de desconto” ou “reajuste abusivo”, o fato é que em muitos casos os
preços sobem em percentuais maiores que os dos
reajustes legais estipulados. Para o Idec, a política
de concessão de descontos (por parte de laboratórios e redes de varejo) muitas vezes serve apenas para aumentar a margem de manobra dessas
empresas em relação a futuros reajustes. Sem contar que uma vez que essa política se torna usual,
revela-se que os preços supostamente mais baixos
(isto é, sobre os quais foram aplicados descontos)
Variação entre os preços praticados no mercado e o respectivo teto
Faixa de
variação de preço
Total
Referência
Genérico
Quantidade de preços
Participação
Quantidade de preços
Participação
Quantidade de preços
Participação
De 0% a 2%
268
25%
234
28%
34
13%
De 2,1% a 20%
338
31%
284
34%
54
20%
De 20,1% a 40%
272
25%
228
28%
44
16%
De 40,1% a 60%
88
8%
19
2%
69
26%
De 60,1% a 80%
43
4%
28
3%
15
6%
De 80,1% a 100%
37
3%
20
2%
17
6%
De 100,1% a 150%
29
3%
5
1%
24
9%
De 150,1% a 295%
15
1%
4
0%
11
4%
Acima do preço da CMED
2
0%
2
0%
—
—
1.092
100%
824
100%
268
100%
Total
24
Revista do Idec | Abril 2010
Variação entre os preços
Janeiro 2009
Medicamentos de referência
Janeiro 2010
2009 x 2010
Mercado*
CMED 2008
Mercado*
CMED 2009
Mercado*
CMED
Adalat Retard 10 mg – frasco com 30 comprimidos
13,05
15,47
13,76
16,38
5,47%
5,88%
Avandia 4 mg – caixa com 14 comprimidos
80,00
100,43
91,46
106,35
14,33%
5,89%
Blopress 8 mg – caixa com 30 comprimidos
64,58
91,28
74,98
85,90
16,10%
-5,89%
Cataflan 500 mg – caixa com 20 comprimidos
16,73
19,81
19,09
20,98
14,09%
5,91%
Ebix 10 mg – caixa com 28 comprimidos
145,15
195,22
192,25
206,72
32,45%
5,89%
Imuran 50 mg – caixa com 50 comprimidos
108,53
133,69
122,25
141,58
12,65%
5,90%
Meticorten 20 mg – caixa com 10 comprimidos
15,87
18,25
17,69
19,32
11,49%
5,86%
Peprazol 20 mg – caixa com 28 cápsulas
63,33
96,74
43,41
54,89
-31,45%
-43,26%
Zitromax 500 mg – caixa com 2 comprimidos
34,84
40,74
39,23
43,14
12,61%
5,89%
Zocor 20 mg – caixa com 30 comprimidos
94,91
116,44
105,18
123,31
10,82%
5,90%
Zoloft 50 mg – caixa com 28 comprimidos
93,05
115,21
109,35
122,00
17,51%
5,89%
14,75%
5,89%
Média dos reajustes
*Preço médio
Nesta tabela encontram-se apenas os 11 medicamentos de referência pesquisados em 2009 e 2010. Os medicamentos genéricos não puderam ser comparados porque na
pesquisa de 2009 o Idec não identificou o laboratório fabricante dos medicamentos (a pesquisa foi feita apenas pelo princípio ativo)
são, na verdade, os preços de mercado. “São raras
as situações em que uma empresa vende um produto sem ter margem de lucro satisfatória”, afirma
Mirtes Peinado, coordenadora da área de testes e
pesquisas do Idec.
Para Basilia Aguirre, especialista em Economia
da Saúde e pesquisadora da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas, a prática dos laboratórios
e redes varejistas se assemelha muito à que era
empregada na época do Plano Cruzado. “Empresas
de todos os ramos estipulavam dois tipos de preços: os ‘normais’ e os ‘com desconto’ (que eram os
preços da realidade de mercado). Se houvesse um
congelamento repentino, elas diziam que os preços
a serem congelados eram os sem desconto, o que
anulava o efeito da tentativa de controle da inflação”, explica ela.
Estudos que acompanhem as oscilações dos
preços finais dos medicamentos são fundamentais
para que a CMED possa efetuar um papel regulador. “Só assim será possível saber se os preços
praticados ao consumidor são reais, com descontos verdadeiros ou com descontos ‘para inglês
ver’”, acredita Basilia. No entanto, o próprio secretário executivo da CMED reconhece que esse
tipo de estudo não vem sendo feito pelo órgão.
“No caso dos genéricos, por exemplo, não há estudos sobre os preços de mercado. Não dá para saber
se os preços atuais são reais ou se estão com
descontos”, declara Luiz Milton.
Além disso, outra saída para que os aumentos
abusivos deixem de existir é permitir que os preços
de mercado fiquem mais próximos de seus respectivos tetos. “Mas também é importante que a
CMED não priorize apenas as negociações entre
ela e os laboratórios, já que entre a indústria e o
consumidor existem muitas etapas que não têm
sido foco da CMED”, observa Basilia.
ENTRAVES
Para a CMED, a regulação do setor esbarra em
dificuldades operacionais e técnicas. Operacionais
porque acompanhar os preços praticados nos milhares de pontos de venda espalhados pelo território nacional não é tarefa simples. E técnica
porque qualquer revisão da metodologia de ajustes
dos PMCs exige mudanças na Lei no 10.742/2003.
“Não adianta, por exemplo, baixar uma resolução
que reduza o teto em 50%. No dia seguinte as
empresas entrariam na Justiça e a derrubariam,
e exigiriam indenizações milionárias”, diz
Luiz Milton.
Além disso, segundo Luiz Milton
e outros membros da CMED,
qualquer notícia de tentativa de
mudança do atual modelo de regulação pode fazer as empresas
elevarem os preços repentinamente até o teto, antes que qualquer
medida regulatória seja tomada.
Revista do Idec | Abril 2010
STOCK.XCHNG
tal de 824 preços). “Os preços dos genéricos tendem a variar mais porque a concorrência nesse
segmento é maior”, explica Ione.
A maior diferença de preço encontrada foi no
genérico Losartana Potássica, do laboratório Medley – 50 mg, caixa com 50 comprimidos (outros
treze laboratórios fabricam a mesma substância).
Em uma farmácia de Natal (RN), o medicamento
custava R$ 9,90, enquanto seu teto é de R$ 39,15.
Quer dizer, do dia para a noite, o dono da farmácia pode aumentar em 295% o preço desse produto. Em outros 13 pontos de venda Losartana Potássica da Medley era vendido com variações acima
dos 100% em relação ao PMC. Ao todo, entre os
25
Download

em pdf