PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA INQ Nº 2429 –PB (2008.82.00.006196-4) AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INVESTIGADO : CARLOS LIRA DA SILVA ADV/PROC : CARLOS LIRA DA SILVA INVESTIGADO : CARLOS MARTINS BELTRÃO NETO ADV/PROC : ALYSSON CORREIA MACIEL INVESTIGADO : JERRY ADRIANE WANDERLEY RIBEIRO INVESTIGADO : ADRIANO DA COSTA LIMA ADV/PROC : SÂMIA ALVES ARAÚJO ADV/PROC : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTRO ADV/PROC : PEDRO HENRIQUE RANGEL E OUTRO INVESTIGADO : MARCOS DOMINGOS DA SILVA INVESTIGADA : MARIA CRISTINA DA SILVA ADV/PROC : ANTÔNIO FÁBIO ROCHA GALDINO E OUTRO RELATOR :.DES. FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA .....................................FILHO (CONVOCADO) EMENTA PROCESSUAL E PENAL. PREFEITA E OUTROS DENUNCIADOS. FRAUDE EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93). JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. SÚMULA 208 DO STJ. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. ART. 41 DO CPP. PRESENÇA DOS REQUISITOS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO PARCIAL. 1. Nos termos da Súmula nº 208 do STJ, “ Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal” . 2. Hipótese em que prefeita e coautores foram denunciados por supostas irregularidades em procedimento licitatório, cometidas durante a execução de verbas federais repassadas ao Município de Jacaraú/PB pelo Ministério da Saúde (Fundo Nacional de Saúde), as quais seriam aplicadas em Programa de Atendimento Assistencial Básico nos Municípios Brasileiros e estariam sujeitas à prestação de contas perante órgão federal (TCU). 3. Firmada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, também resta patente a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, a teor do art. 37, I, da Lei Complementar nº 75/93. 4. Alegação de inépcia da denúncia rechaçada, uma vez que os fatos ali narrados encontram-se devidamente fundamentados, possibilitando a defesa dos denunciados. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA 5. Tratando-se de crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição minuciosa e individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das condutas delituosas e da suposta autoria. 6. Constatada através de laudo técnico oficial (Relatório de Demandas Especiais da Controladoria-Geral da União) a materialidade dos fatos imputados aos denunciados, atinentes a irregularidades na formalização de licitação cujo objeto era a locação de ônibus para o transporte de estudantes e de equipe de Programa de Saúde da Família. 7. Em que pese não ser presumível a responsabilidade penal da prefeita, simplesmente por ostentar o cargo de Chefe do Poder Executivo Municipal, no caso presente, a conduta delitiva atribuída à acusada acha-se descrita na peça acusatória, sendo certo que ela, além de responsável pela gestão das verbas federais repassadas pelo Ministério da Saúde, autorizou a abertura do certame e acompanhou a sua execução. 8. Existência, igualmente, de indícios de autoria no que toca ao demais denunciados, à exceção do assessor jurídico, responsável pela análise da regularidade e legalidade do procedimento licitatório, por se limitar a emitir pronunciamento com base na apreciação que fez dos dados constantes do processo administrativo, não sendo o caso de incorrer em sanção penal. Vencido o Relator, que recebeu a denúncia, também, em relação ao parecerista. 9. Não recebimento da denúncia quanto a Carlos Lira da Silva e recebimento no que toca aos demais acusados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima identificadas, DECIDE o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, não receber a denúncia contra Carlos Lira da Silva, vencido o Relator nesse ponto, e, por unanimidade, com relação ao delito descrito no art. 90 da Lei nº 8.666/93, receber a denúncia quanto aos demais acusados, nos termos do Relatório, do Voto do Relator e das Notas Taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 01 de agosto de 2012 (data de julgamento). ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO Relator Convocado Acs04 INQ2429 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA INQ Nº 2429 –PB RELATÓRIO DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (CONVOCADO): Trata-se de denúncia ofertada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra MARIA CRISTINA DA SILVA, atual Prefeita do Município de Jacaraú/PB, bem como em face de MARCOS DOMINGOS DA SILVA, ADRIANO DA COSTA LIMA, JERRY ADRIANE WANDERLEY RIBEIRO, CARLOS LIRA DA SILVA e CARLOS MARTINS BELTRÃO NETO pela configuração, em tese, do delito tipificado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, em razão de supostas irregularidades envolvendo licitação (Convite nº 030/2005) realizada para a locação de dois ônibus destinados ao transporte escolar de estudantes e de um micro-ônibus para transportar a equipe do Programa de Saúde da Família de João Pessoa para Jacaraú. Narra a peça acusatória que as fraudes pertinentes ao referido procedimento licitatório foram apontadas pela Controladoria-Geral da União em ação de controle interno, na qual restaram constatados indícios de combinação de preços, de ausência de documentação de habilitação, de dessemelhança no formato de grafia nas propostas apresentadas pelos participantes, de falsificação de assinatura e de apresentação de propostas de preços com data anterior a de abertura do certame e do instrumento convocatório. Alega o MPF que a licitação levada a efeito pelo Convite nº 30/2005 foi meramente de “ fachada” , de modo a permitir que cada um dos três licitantes fosse contemplado com um dos três itens licitados. Afirma que cada denunciado teve a participação configurada no delito, haja vista a atuação na referida licitação. Requer, por fim, sejam condenados às penas do delito descrito no art. 90 da Lei nº 8.666/93. Notificados, apenas os investigados MARIA CRISTINA DA SILVA, MARCOS DOMINGOS DA SILVA, ADRIANO DA COSTA LIMA e JERRY ADRIANE WANDERLEY RIBEIRO apresentaram respostas (fls. 53/90, fls. 93/130, fls. 132/169 e fls. 171/208), sustentando: a) a inépcia da denúncia (art. 41 do CPP), por não descrever minuciosamente o fato delituoso, com todas as suas circunstâncias; b) a incompetência da Justiça Federal para o julgamento do feito; c) a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal (art. 109, I, da Constituição Federal); e d) a falta de justa causa para a ação penal, sob o argumento de que as condutas descritas na Lei nº 8.666/93 devem vir acompanhadas da comprovação da efetiva lesão ao erário, aduzindo que não há prova do dolo dos denunciados. É o relatório. Acs04 INQ2429 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA INQ Nº 2429 –PB VOTO DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (CONVOCADO): Versam os autos acerca de denúncia ofertada em desfavor de MARIA CRISTINA DA SILVA, atual Prefeita do Município de Jacaraú/PB, bem como de MARCOS DOMINGOS DA SILVA, ADRIANO DA COSTA LIMA, JERRY ADRIANE WANDERLEY RIBEIRO, CARLOS LIRA DA SILVA e CARLOS MARTINS BELTRÃO NETO pela configuração, em tese, do delito tipificado no art. 90 da Lei nº 8.666/93. Inicialmente, convém ressaltar que a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito resta evidenciada in casu, uma vez que as supostas irregularidades relacionadas à realização do Convite nº 030/2005 foram cometidas durante a execução de verbas federais repassadas ao Município de Jacaraú/PB pelo Ministério da Saúde (Fundo Nacional de Saúde), as quais seriam aplicadas em Programa de Atendimento Assistencial Básico nos Municípios Brasileiros e estariam sujeitas à prestação de contas perante órgão federal (TCU), sendo evidente o interesse da União na lide. Aplica-se ao caso, portanto, a Súmula nº 208 do STJ, cujo teor estabelece que “ Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal” . Nesse sentido, colaciono julgado desta Corte: PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADAS. CRIME PREVISTO NO ART. 90 DA LEI 8.666/93. MATERIALIDADE DELITIVA E INDÍCIOS DE AUTORIA. CARACTERIZAÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Em julgamento de Questão de Ordem apresentada ao Plenário deste Tribunal Regional Federal da 5ª Região, decidiu-se, na sessão realizada no dia 30 de novembro de 2011, pelo desmembramento da denúncia com a remessa à primeira instância de parte da peça acusatória em que figuram como indiciados apenas os que não ostentam a prerrogativa de foro por função. 2. A questão dos autos diz respeito ao recebimento de denúncia contra acusado, prefeito do Município de Frecheirinha/CE, pela suposta prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93 (fraude de licitação), na forma do art. 71 (crime continuado) do Código Penal. 3. Competência desta Corte Federal para apreciar e julgar a matéria, tendo em vista que o suporte fático trata da aplicação de recursos Acs04 INQ2429 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA oriundos de convênios firmados entre o Município referido e o Governo Federal, mediante o repasse de verbas destinadas à concretização de programas assistenciais, dentre os quais se destacam os seguintes: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, Programa de Proteção Social Básica - PSB e Programa de Proteção Social Especial ao Idoso. Aplicação da Súmula 208 do STJ: "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal." 4. Inépcia da peça acusatória afastada, posto que atendeu satisfatoriamente os requisitos previstos no art. 41 do CPP, uma vez que contém a narrativa adequada quanto ao fato criminoso, compreendendo todas as suas circunstâncias, a devida qualificação do acusado, a identificação do tipo penal infringido e, ainda, o rol das testemunhas. 5. Havendo prova quanto à materialidade do fato criminoso e de indícios de autoria que justificam apontar o acusado como o responsável, deve ser admitida a denúncia oferecida, uma vez que, para a prolação de decisum expressando o juízo de admissibilidade vigora o princípio in dúbio pro societate. 6. Do Relatório da Controladoria Geral da União - CGU, deflui-se que o acusado, na condição de prefeito, fraudou o caráter competitivo do procedimento licitatório, no qual se buscou a contratação do fornecimento de gêneros alimentícios e materiais didáticos e de expediente, com o intuito de conceder a terceiros vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. 7. Embora prevista no art. 2º, II, do Decreto-Lei nº 201, de 1967, a suspensão do exercício de função pública é medida cautelar criminal que, embora não tenha o condão de coartar o direito de liberdade, restringe o gozo de direitos, de modo que a sua decretação só deve ocorrer quando presente um dos fundamentos do art. 282, I, do Código de Processo Penal, o que não se verifica na hipótese dos autos, pois não restou evidenciada a necessidade do afastamento do acusado do cargo de prefeito, uma vez que, concretamente, não há nenhuma evidência de que a sua permanência no cargo irá dificultar a persecução penal, sobretudo porque o Ministério Público não apontou situações que indicassem sua pertinência e nem sequer requereu essa providência. 8. Precedentes: STJ, HC 200600653493, ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJ DATA:04/09/2006; TRF 5ª Região, Pleno, decisão unânime, Inquérito nº. 2243/RN, julgamento no dia 11.04.2012, Rel. Walter Nunes da Silva Júnior. 9. Ação penal recebida. (TRF-5ª R., Pleno, INQ2237/PE, rel. Walter Nunes da Silva Júnior (convocado), DJe 02/05/12, p. 145) (grifei) Firmada a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, também resta patente a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, a teor do art. 37, I, da Lei Complementar nº 75/931. 1 Art. 37. O Ministério Público Federal exercerá as suas funções: I - nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais, e dos Tribunais e Juízes Eleitorais; Acs04 INQ2429 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA Há de ser rechaçada, igualmente, a alegação de inépcia da denúncia, uma vez que os fatos ali narrados encontram-se devidamente fundamentados, sendo certo que a referida peça descreve de maneira suficiente os elementos necessários à promoção da ação penal, possibilitando a ampla defesa dos denunciados. Ademais, vale registrar que, no tocante à individualização da conduta dos agentes, a jurisprudência2 há muito pacificou o entendimento de que, em se tratando de crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição minuciosa e individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das condutas delituosas e da suposta autoria, de modo a fornecer elementos hábeis ao exercício do direito de defesa, como verificado no caso concreto. Em relação à ausência de justa causa para a ação penal, no que toca ao crime constante do art. 90 da Lei de Licitações, sendo certo que tal infração tem por objetivo punir a fraude à competitividade nos processos licitatórios, haja ou não dano ao Erário, e levando-se em consideração os graves indícios relatados no Relatório Especial de Demandas da CGU, entendo que não deve subsistir a alegação acerca da sua atipicidade. Feitas essas considerações, observo que o delito imputado aos denunciados está assim descrito, in verbis: Lei nº 8.666/1993 Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. No que tange à materialidade delitiva, verifico que, do exame do Relatório de Demandas Especiais da Controladoria-Geral da União (nº 00214.000048/2007-97), peça que acompanha a inicial acusatória (fls. 05/15 dos autos em apenso – volume 01), são fortes os indícios das irregularidades verificadas na licitação aberta para a locação de dois ônibus para transportar os estudantes de várias localidades do Município de Jacaraú/PB e de um micro-ônibus para efetuar o transporte da equipe do Programa de Saúde da Família de João Pessoa ao mencionado município, certame este realizado em 2005, durante o primeiro mandato da denunciada MARIA CRISTINA DA SILVA, com os recursos provenientes do Ministério da Saúde (Fundo Nacional de Saúde). Com efeito, no que tange às irregularidades relativas à realização do Convite nº 030/2005, constam daquele documento as seguintes verificações: indícios de combinação de preços, ausência de documentação de habilitação, dessemelhança no 2 STJ, HC 77173, 5ª T, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 05.04.2010. Acs04 INQ2429 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA formato de grafia nas propostas de preços, indícios de falsificação de assinatura e propostas de preços com data anterior a da abertura do certame e do instrumento convocatório. Reforçam a materialidade delitiva, ainda, as constatações apontadas no Laudo de Exame Contábil colacionado às fls. 308/315, das quais podem ser mencionadas, a título exemplificativo, as seguintes: a) “ O edital referente ao Convite nº 030/2005 é datado de 13/06/2005 (fls. 08) e os documentos intitulados “ Comprovante de Entrega” , referente à declaração de haver recebido a Carta Convite nº 030/2005 estão datados de 07/06/2005 (fls. 14/16), seis (06) dias antes da publicação do Edital” ; b) “ O documento intitulado “ Certidão quanto à Dívida Ativa da União”(fls. 20), de MANOEL PAULO DA SILVA, teve sua emissão às 20:38:54 do dia 18/05/2005, e o mesmo documento emitido em nome de IRENE MARIA DA SILVA (fls. 28), teve sua emissão às 20:42:46 do dia 18/05/2005, uma diferença de 3mim52seg (três minutos e cinqüenta e dois segundos) entre uma emissão e outra” (grifos no original). Em relação à autoria, convém ressaltar, no tocante à prefeita denunciada que, em que pese não ser presumível a sua responsabilidade penal, simplesmente por ostentar o cargo de Chefe do Poder Executivo Municipal, in casu, os fatos que lhe foram imputados acham-se descritos na peça acusatória, pois ela, além de responsável pela gestão das verbas federais repassadas pelo Ministério da Saúde, autorizou a abertura de certame e acompanhou a sua execução (fls. 26/27 e fls. 62/63 dos autos em apenso –vol. 1), sendo certo que, no tocante aos demais denunciados, é certo que participaram do procedimento licitatório, alguns, inclusive, na qualidade de integrantes da Comissão Permanente de Licitação. Quanto à presença do elemento subjetivo dolo, tal aspecto conclama uma análise mais acurada, a bem da sua completa elucidação, o que poderá ser aferido durante a instrução criminal. Convém registrar que este Sodalício, ao apreciar outros inquéritos policiais instaurados contra os ora denunciados, entendeu por bem receber as denúncias respectivas, conforme se infere dos julgados a seguir ementados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. ART. 1o, I, DO DECRETO-LEI No 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967. ART. 90 DA LEI No 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL (ART. 69 DO CP). 1. Segundo o Ministério Público Federal, em 2005, os denunciados teriam, mediante fraude à licitação, desviado recursos do Programa Piso de Atenção Básica (PAB) repassados diretamente ao município pelo Fundo Nacional de Acs04 INQ2429 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA Saúde (FNS) do Ministério da Saúde (MS). Conforme a denúncia, as irregularidades foram constatadas em auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), que resultou no Relatório de Demandas Especiais no 00214.000048/2007-97. 2. De acordo com a Súmula no 208 do Superior Tribunal de Justiça, compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. 3. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, e não se configuram as hipóteses de rejeição do art. 395. 4. Há indícios da materialidade e da coautoria dos delitos de desvio de verba pública e de fraude em licitação praticados por quadrilha, composta por prefeito, membros da comissão permanente de licitação municipal, por empregado do município, e por representantes legais das empresas licitantes, para aquisição de medicamentos e material de laboratório para os postos de saúde e à farmácia municipal, consistente em auditoria da CGU, testemunhos e perícias do Departamento de Polícia Federal. 5. Rejeita-se a denúncia pelo delito do art. 89 da Lei de Licitações. 6. Denúncia recebida, em parte. (TRF-5ª R., Pleno, INQ2334/PB, rel. Des. Federal Francisco Cavalcanti, DJe 01/06/12, p. 29) PROCESSUAL PENAL E PENAL. PREFEITA MUNICIPAL E OUTROS DENUNCIADOS. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA: AFASTAMENTO. DESCRIÇÃO SATISFATÓRIA DE FATOS TÍPICOS (ART. 41/CPP). INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. ART. 1º, INCISO I, DL 201/67 (CRIMES DE RESPONSABILIDADE). ARTS. 89 E 90 DA LEI Nº 8.666/93 (INEXIGIBILIDADE ILEGAL DE LICITAÇÃO E FRAUDE EM LICITAÇÃO). ART. 288 DO CÓDIGO PENAL (FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO), C/C ART. 269/CP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. Foi oferecida denúncia, em 1º.06.2011, contra MARIA CRISTINA DA SILVA (Prefeita do Município de Jacaraú-PB), ADRIANO DA COSTA LIMA (agente administrativo e ex-membro da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura do Município de Jacaraú-PB), CARLOS MARTINS BELTRÃO NETO (Técnico em Licitação e Pregoeiro), JERRY ADRIANE WANDERLEI RIBEIRO (funcionário público municipal e ex-membro da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura do Município de JacaraúPB), MARCOS DOMINGOS DA SILVA (Secretário de Administração e membro da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura do Município de Jacaraú-PB) e MARIA DO CARMO PESSOA (ex-tesoureira), em razão da prática das condutas previstas nos arts. 89 e 90 da Lei nº 8.666/93, art. 1º, inciso I, do DL 201/67 e art. 288 c/c art. 69, ambos do Código Penal (primeira denunciada) e arts. 90 da Lei 8.666/93 e art. 288, c/c art. 69, todos do Código Penal, pelos demais denunciados. 2. É este egrégio Tribunal competente para processar e julgar prefeito, nos termos da Súmula nº 702 do STF, ressaltando, ainda, a competência desta Corte para apreciar e julgar a presente matéria, envolvendo também exprefeito, com base na Lei nº 10.628/2002, que alterou o art. 84, parágrafo 1º, do CPP. Observe-se também o inteiro teor da Súmula nº 208-STJ , "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba Acs04 INQ2429 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA sujeita a prestação de contas perante órgão federal." Preliminar de incompetência que se rejeita. 3. Acerca da alegativa de inépcia da denúncia por falta de individualização da conduta delitiva de cada um dos denunciados, observa-se que na fase de recebimento de denúncia, apenas se exigem indícios de materialidade e autoria. Precedente do STF: HC 97874 - 1ª T. - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJ 04.06.2010. Por outro lado, uma vez satisfazendo a peça acusatória os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a elucidação dos fatos, em tese delituosos, depende da regular instrução criminal, com o contraditório e a ampla defesa, uma vez que a rejeição da denúncia somente deve ser dar quando ela não descrever fato típico, desatendendo ao disposto no art. 41 do CPP. Precedente do STF: Inq 2014 - SC - TP - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJU 23.02.2007 - p. 17). Preliminar de inépcia da denúncia que se rejeita. 4. Narrou-se que os denunciados teriam fracionado despesas com recursos do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE - nos exercícios de 2005 e 2006, a fim de evitar procedimento licitatório, bem como fraudado licitação, mediante várias condutas - ausência de projeto básico, combinação de preços, falta de documentação de habilitação, indícios de falsificação de assinatura e de semelhança no formato de grafia nas propostas de preços. 5. A partir de provocação feita pela Controladoria Geral da União, foram apuradas irregularidades praticadas pelos ora denunciados quando da formalização de licitação (Convite nº 027/2005), para locação de 3 (três) ônibus destinados ao transporte escolar no Município de Jacaraú e da aplicação das verbas referentes ao PNATE - Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar, repassadas ao Município de Jacaraú-PB, nos exercícios de 2005 e 2006. Segundo o relatório de auditoria da CGU, os recursos foram repassados pelo Ministério da Educação, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, diretamente para a conta bancária da Prefeitura do Município de Jacaraú nº 8.442-5, agência nº 21911, do Banco do Brasil. No exercício de 2005, os recursos importaram em R$51.680,00 (cinquenta e um mil, seiscentos e oitenta reais), e no exercício de 2006 em R$73.178,13 (setenta e três mil, cento e setenta e oito reais e treze centavos), totalizando R$124.852,10 (cento e vinte e quatro mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e dez centavos). 6. O Relatório de Demandas Especiais 00214.000048/2007-97, realizado pela CGU, aponta diversas irregularidades na aplicação de mencionados recursos, quais sejam: fracionamento de despesas com recursos do PNATE no exercício 2005 e 2006 a fim de evitar o procedimento licitatório, sendo empregados R$22.000,00 (vinte e dois mil reais) em contratações diretas e R$20.000,00 (vinte mil reais) em contratações decorrentes do procedimento licitatório (Convite nº 027/2005) no exercício 2005, e R$51.300,00 (cinquenta e um mil e trezentos reais) em contratações diretas de serviços da mesma natureza (locação de veículos) no exercício 2006, extrapolando, em ambos os casos, o limite para dispensa de licitação previsto no inciso II do art. 24 da Lei 8.666/93, o que configura a conduta delitiva no art. 89 da Lei nº 8.666/93. 7. Outras irregularidades encontradas foram: fraude ao procedimento licitatório consistente na ausência de projeto básico, combinação de preços, ausência de documentação de habilitação, indícios de falsificação de Acs04 INQ2429 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA assinatura e de semelhança no formato de grafia nas propostas de preços, o que, por sua vez, configura o delito previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93. 8. Satisfazendo a peça acusatória os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a elucidação dos fatos, em tese delituosos, depende da regular instrução criminal, com o contraditório e a ampla defesa, uma vez que o trancamento da ação penal somente se revela possível quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de mínimos indícios de autoria e materialidade, o que não ocorreu in casu. 9. Recebimento da denúncia. (TRF-5ª R., Pleno, INQ2364/PB, rel. Des. Francisco Barros Dias, DJe 06/02/12, p. 19). Dessa forma, observo que as alegações apresentadas pelos acusados são insuficientes para elidir, num primeiro momento, os elementos trazidos pelo MPF na peça acusatória. Registre-se, por fim, que o rito a ser adotado no presente feito será o previsto na Lei nº 11.719/08, a qual empreendeu modificações no procedimento dos feitos criminais, inclusive no tocante ao momento de realização do interrogatório do réu (art. 400), prorrogando-o para o final da instrução, conforme entendimento consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em detrimento dos ditames da Lei nº 8.038/90, por considerar dita prática mais benéfica à defesa. Diante do exposto, porque existem indícios suficientes de materialidade e autoria, estando presentes os requisitos do art. 41 do CPP, RECEBO A DENÚNCIA com relação ao delito tipificado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, determinando, em conseqüência, a citação dos acusados, nos termos do art. 396 do CPP, para que, no prazo de dez dias, apresentem resposta à acusação. É como voto. Acs04 INQ2429 10