PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAIBA GABINETE DO DESEMBARGADOR LUIZ SILVIO RAMALHO JÚNIOR ACÓRDÃO NOTICIA-CRIME (Processo n° 999.2011.001.023-1/001) RELATOR : Juiz de Direito Marcos William de Oliveira, convocado para substituir o Desembargador Luiz Silvio Ramalho Junior NOTICIANTE : Representante do Ministério Público 01 NOTICIADO : Edilson Pereira de Oliveira, Prefeito constitucional do Município de Coremas - PB 02 NOTICIADO : José Eridan da Silva 03 NOTICIADO : Dyego David Andrade da Silva 04 NOTICIADO : Raimunda Maria de Sousa ADVOGADO : Johnson Gonçalves de Abrantes e outros PENAL E PROCESSUAL PENAL. Denúncia. Prefeito Municipal. Fraude à licitação (art. 90, Lei n° 8.666/93). Denúncia. Requisitos formais (art. 41 do CPP). Preenchimento. Hipóteses de rejeição (art. 395 do CPP). Inexistência. Recebimento. - Estando satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP e ausentes quaisquer das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma, impõese o recebimento da peça acusatória, sobretudo porque, nesta fase, incide o princípio in dubio pro societate; • - Denúncia recebida. VISTOS, RELATADOS e DISCUTIDOS estes autos, em que são partes as acima identificadas. ACORDA o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e receber a denúncia, sem decretar a prisão preventiva do Prefeito e sem afastar-lhe do cargo, nos termos do voto do Relator. RELATÓRIO O Ministério Público do Estado da Paraíba, por meio do Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Nelson Antônio Cavalcanti Lemos, ofereceu denúncia contra o Sr. Edilson Pereira de Oliveira, Prefeito constitucional do Município de NC99920110010231001_05.doc 1 de 6 Coremas- PB, em concurso de agentes com José Erida da Silva, Dyego David Andrade e Raimunda Maria de Sousa, dando-os como incursos, o primeiro, nas penas dos crimes previstos no art. 90, caput, da Lei n° 8.666/1993 c/c o art. 62 inciso 1, e art. 29, ambos do CP, e os demais, nas penas do art. 90, caput, da Lei n° 8.666/1993 c/c o art. 29, do Código Penal. Narra a peça acusatória que os denunciados, integrantes da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura de Coremas-PB, no exercício financeiro de 2005, frustraram o caráter competitivo de procedimento licitatório, mediante a falsificação e uso de documentos públicos e particulares, com o intuito de obter vantagens decorrentes da adjudicação do objeto da licitação. Alega que os denunciados realizaram o processo de licitação sob a modalidade Convite, tombado sob o n° 14/2005, cujo objeto fora a contratação de empresa para emprestar serviços de reformas em 33 (trinta e três) escolas municipais localizadas nas zonas urbanas e rural daquele Município. • Sustenta que a licitação foi simulada mediante a confecção e uso de documentos falsos, utilização de documentos verdadeiros sem conhecimento daqueles aos quais se referiam, bem como a realização de atos e procedimentos fictícios. Aduz que a respeito da empresa vencedora na licitação, apesar do quadro societário ser constituído por Ana Paula de Brito Oliveira e Francisco Múcio de Brito, toda a administração da empresa cabia a Alan Claude de Brito Oliveira, irmão da primeira sócia, que detinha uma procuração pública para representar a pessoa jurídica, verificando-se tais fatos mediante análise das microfilmagens dos cheques emitidos pela Prefeitura de Coremas para A. F. Construções LTDA. Todavia, diante dos documentos acostados, Alan Claude de Brito Oliveira não participou do processo de licitação, constatando-se que empresa fora representada por Francisco Múcio de Brito, sócio que não detinha poderes de administração da empresa. Assevera que Ana Paula de Brito Oliveira declarou que não reconhece as assinaturas e rubricas inseridas nos documentos como sendo de Francisco Múcio de Brito, já falecido, que é sócio da empresa e seu tio. ct ..itu ..,. C-.-5 E r,1 — • Reclama que a ausência de comprovação de participação do representante legal da empresa demonstra a ilegalidade do certame, que se omitiram quanto ao defeito de representação tendo em vista o interesse em conceder o prêmio da licitação para referida construtora. Afirma que Raimundo Nonato Neto, representante legal da empresa Construtora Perfuração Água Viva LTDA, declarou que não participou de qualquer ato da disputa formalizada nos autos do processo Convite n° 14/2005, negando, inclusive, que tenha assinado documentos acostados à licitação, de maneira que a ata da reunião da Comissão de Licitações realizada em 8 de fevereiro de 2005 atesta a ocorrência de fatos fictícios. Por fim, requer a condenação dos denunciados pelo crime de fraude à licitação (fs. 02/09). NC99920110010231001_05.doc 2 de 6 ° cri cV ■> Junta aos autos o Procedimento Administrativo n° 2010/40543 (fs. 10/228). Notificados para apresentar defesa (fs. 281v/284v), os denunciados apresentaram defesa prévia às fs. 236/244 e 252/260. Extrai-se das referidas peças que os denunciados negam a tipicidade da conduta, alegando que não houve fraude ou frustração ao certame, nem tampouco foram confeccionados documentos falsos ou uso de documentos sem o conhecimento das pessoas que participaram da licitação. Asseveram que as declarações de Ana Paula de Brito Oliveira não tem valor probatório, pois sempre esteve alheia a atividade empresarial da sociedade desde sua administração, como também não podem ser consideradas as afirmações que as assinaturas de Francisco Múcio de Oliveira são falsificadas, uma vez que referida falsidade só poderia ser confirmada com um exame grafotécnico ou alegação do próprio subscritor, que já está falecido. Alega que o denunciante não ouviu declarações da empresa CSC Construtora Santa Cecília através do seu sócio, o Sr. José Aloysio Costa Machado Júnior, que esteve presente na sessão do procedimento licitatório e afirma que também estavam presentes os demais representantes das empresas que concorreram a licitação. Por fim, aduz a atipicidade da conduta quanto ao crime previsto no art. 90 da Lei n° 8.666/1993, em virtude da indiscutível competitividade constatada na realização do procedimento licitatório investigado, inexistindo a figura do dolo, elemento subjetivo necessário para caracterização do crime previsto na lei de licitação, de maneira que requer a improcedência da denúncia. Ao ofertar impugnação, a Procuradoria-Geral de Justiça, reitera os fatos e argumentos da denúncia, pugando pelo recebimento desta (fs. 266/270). É o relatório. — VOTO — Juiz de Direito Convocado Marcos William de Oliveira • (Relator) A denúncia deve ser recebida. -2 Com efeito, verifica-se que a peça acusatória atende aos requisitos descritos no art. 41 do CPP 1 , bem como estão ausentes as hipóteses dispostas no art. 395 do CPP2 , de maneira que, por atender aos pressupostos processuais e as condições ' Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas 2 Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei n°11.719, de 2008). I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei n° 11.719, de 2008). II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei n° 11.719, de 2008). III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. (Incluído pela Lei n° 11.719, de 2008). NC9992011001023100105.doc 3 de 6 da ação (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido), além de restar configurada a justa causa (materialidade e indícios de autoria), deve-se receber a denúncia, dando início a deflagração do processo. No caso concreto, verifica-se que o conjunto probatório carreado ao feito, o qual — em uma análise não exaustiva, própria para a formulação de um juízo prelibatório limitado ao recebimento da exordial — aponta a materialidade delitiva e corrobora, ao menos em tese, a autoria atribuída aos denunciados. Depreende-se da denúncia que o representante do parquet pretende demonstrar que a licitação sob a modalidade Convite, n° 14/2005, foi fraudada com o escopo de frustrar o caráter competitivo da licitação, através da falsificação e uso de documentos públicos e particulares, para que fosse selecionada a empresa A. F. Construções LTDA. • Inicialmente, verifica-se que o Tribunal de Contas, na análise das Contas do Município de Coremas/PB, relativa ao exercício financeiro de 2005, verificou dispêndios irregulares com obras executadas por firmas inidôneas, na importância de R$ 76.385,21 (setenta e seis mil, trezentos e oitenta e cinco reais e vinte e um centavos), permanecendo o entendimento apenas no que se refere à inidoneidade da empresa contratada, A. F. CONSTRUÇÕES LTDA. Referida idoneidade percebida pelo TCE constatou-se em virtude do Contrato Social de A. F. CONSTRUÇÕES LTDA ter como sócia majoritária Ana Paula de Brito Oliveira, cabendo-lhe a administração da sociedade, nos termos da Cláusula Sétima (fs. 133/135), e pelo fato de no procedimento licitatório em questão ter atuado como representante legal da empresa o sócio minoritário Francisco Mtacio de Brito, já falecido, que não tinha poder de gerência (fs. 99/203), ressaltando-se que, a sócia majoritária declarou não reconhecer como legítimas as assinaturas que supostamente seriam do Franscisco, seu tio (f. 210) • Ademais, há indicativos de que documentos verdadeiros foram apresentados sem o conhecimento das pessoas que supostamente participaram da licitação, devendo-se apurar com mais detalhes, no curso da instrução criminal. Destarte, a materialidade e os indícios da autoria, no que toca ao fato supostamente criminoso atribuído aos denunciados (art. 90 da Lei n° 8.666/1993 3), à vista do exposto, encontram respaldo mínimo nas provas carreadas, impondo-se o recebimento da peça acusatória, sobretudo porque, nesta fase, incide o princípio in dubio pro societate. Neste sentido, eis precedente do STF: EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA SENADOR E CORRÉU. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PARA FINS 'Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. NC99920110010231001_05.doc 4 de 6 ELEITORAIS EM CONCURSO DE PESSOAS. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DA CONDUTA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 395 DO CPP. DENÚNCIA RECEBIDA. [...] 3. A denúncia examinada preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, individualiza a conduta dos denunciados no contexto fático da fase pré-processual, expõe de forma pormenorizada todos os elementos indispensáveis à existência, em tese, do crime, com autoria definida, permitida o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 4. Ausência das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal. 5. Denúncia recebida4. (grifo nosso) Por fim, quanto à alegação de inexistência de dolo específico, devese ter em mira que a sua análise demanda intensa dilação probatória, que deve ser reservada para a instrução processual. Neste sentido, eis o STJ: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. DESPESAS COM DOAÇÕES A PESSOAS FÍSICAS SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. DECRETO-LEI N° 201/67. LEI COMPLEMENTAR N° 101/2000. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. RECURSO PROVIDO. I-..] 3. O Tribunal Estadual precipitou-se ao afirmar a atipicidade da conduta, porquanto a configuração de dolo é matéria que depende de lastro probatório e que deve ser discutida no curso da ação penal, sob o contraditório, respeitado o devido processo legal. 5. Recurso provido para receber a denúncia, nos termos da Súmula n° 709, do STF5. (grifo nosso) Ante o exposto, com fundamento no art. 6 06 da Lei n° 8.038/90 c/c o art. 2267 do RITJ/PB, recebo a denúncia ofertada pelo Ministério Público contra os réus Edilson Pereira de Oliveira, José Eridan da Silva, Dyego David Andrade da Silva e Raimunda Maria de Sousa. (Inq 1990, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2010, DJe-034 DIVULG 1802-2011 PUBLIC 21-02-2011 EMENT VOL-02467-01 PP-00021) 5 (REsp 564.462/MA, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 01/02/2010) 'Art. 6° - A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas. (Vide Lei n° 8.658, de 1993) 7 Art. 226. A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas. 4 NC9992011001023100105.doc 5 de 6 Com fundamento no inciso 11 8 , do art. 2°, do Decreto-Lei n° 201/67, deixo de decretar a prisão preventiva do réu, pois não atende aos requisitos da preventiva, tendo em vista que a pena máxima não excede a 4 (quatro) anos 9 , um dos requisitos autorizadores do decreto preventivo. Diante da inexistência de provas que justifiquem o afastamento do réu do cargo de Prefeito do Município de Coremas, deixo de adotar esta medida extrema. È o voto. 11 Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Genésio Gomes Pereira Filho, na ausência justificada do Excelentíssimo Senhor Desembargador Abraham Lincolm da Cunha Ramos, Presidente. Relatar: Excelentíssimo Senhor Doutor Marcos William de Oliveira (Juiz convocado, à época, para substituir o Desembargador Luiz Silvio Ramalho Júnior). Participaram ainda do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Joás de Brito Pereira Filho, Arnóbio Alves Teodásio, João Benedito da Silva, Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti, Manoel Soares Monteiro, Márcio Murilo da Cunha Ramos, Aluízio 1 Bezerra Filho (Juiz convocado para substituir o Des. José Di Lorenzo Serpa), Saulo Henriques de Sá e Benevides, Vanda Elizabeth Marinho (Juiza convocada para substituir a Desa Maria das Neves do Egio de Araújo Duda Ferreira), Romero Marcelo da Fonseca Oliveira, Frederico Martinho da Nábrega Coutinho e José Ricardo Porto. Ausentes, justificadamente, os Exmos. Srs. Desembargadores Carlos Martins Beltrão Filho — férias, Maria das Graças Morais Guedes, Maria das Neves do Egito de Araújo Duda Ferreira e João Alves da Silva (Corregedor-Geral da Justiça). Presente à sessão o Excelentíssimo Senhor Doutor Marcus Vilar Souto Maior, Procurador de Justiça, em substituição ao Excelentíssimo Senhor Doutor Oswaldo Trigueiro do Vale Filho, Procurador-Geral de Justiça. Tribunal Pleno, Sala de Sessões "Des. Manoel Fonsêca Xavier de Andrade" do Tribunal de Justiça do E,tado da Paraíba, em João Pessoa, no dia 15 de agosto de 2012. rc V)IÍÈ de Oliveira e'Di e i Convocado lator 8 Art. 2° O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações: E...] II - Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos. 9 Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei n° 12.403, de 2011). NC9992011001023100105.doc 6 de 6