Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA: IMPACTOS SOCIAIS DECORRENTES DA OMISSÃO ESTATAL EM PREPARAR A SOCIEDADE PARA A UNIÃO HOMOAFETIVA – EM ESPECIAL NA ADOÇÃO DE MENORES POR ESSES CASAIS Autor: Évelyn de Oliveira Santos Orientador: Msc. Paulo Henrique Perna Cordeiro Brasília - DF 2012 ÉVELYN DE OLIVEIRA SANTOS MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA: IMPACTOS SOCIAIS DECORRENTES DA OMISSÃO ESTATAL EM PREPARAR A SOCIEDADE PARA A UNIÃO HOMOAFETIVA – EM ESPECIAL NA ADOÇÃO DE MENORES POR ESSES CASAIS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito Civil. Orientador: Msc. Paulo Henrique Perna Cordeiro. Brasília 2012 Às “pessoas grandes”, pelas pequenas” que um dia foram. “pessoas AGRADECIMENTO A Deus, que é garladoador dos que o buscam e “perante o qual todo joelho dobrará e toda língua jurará”. A meus pais amados – Elba e Antônio – por me ensinarem “no caminho em que devo andar”. Mimica e Antônia, irmã e avó amadas e que sempre me inspiram a ser melhor e mais humana. Aos grandes amigos – humanos ou não – que sempre presentes, mesmo quando ausentes fisicamente, me apoiam em todos os projetos (dos ordinários aos extraordinários) e sem os quais a vida teria menos cor. Vocês me provam diariamente que a felicidade é algo simples mas para cativá-la é necessário ter as pessoas certas por perto. Aos mestres e líderes que me inspiram, ensinam e apoiam. Uma das formas de ser eterno é pela transmissão de valores a outras pessoas, por isso vocês estarão perpetuados aqui. “Agora eu afirmo: o homem, e em geral todo ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para qualquer uso desta ou daquela vontade”. Immanuel Kant. RESUMO Referência: Santos, Évelyn. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA: IMPACTOS SOCIAIS DECORRENTES DA OMISSÃO ESTATAL EM PREPARAR A SOCIEDADE PARA A UNIÃO HOMOAFETIVA – EM ESPECIAL NA ADOÇÃO DE MENORES POR CASAIS HOMOAFETIVOS. 2012. 67. Direito. Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2012. Embora ainda não se configure como um instituto familiar legal, e, por isso legítimo, os arranjos homoafetivos de fato se configuram como verdadeiros núcleos familiares. De um lado se observa a tentadora possibilidade de solução de um problema que limita a dignidade das pessoas na causa homoafetiva – possibilidade de fato e de direito de homossexuais constituírem família – o problema estatal do abrigamento de menores – abandonados ou retirados de suas famílias for medida protetiva e que necessitam de um lar definitivo – e do outro os direitos da criança e do adolescente, que tem constitucionalmente assegurada sua condição de sujeito de direitos, prioridade no respeito a seus interesses em detrimento de outros grupos e respeito a sua peculiar condição de ser humano em desenvolvimento, com todas as fragilidades advindas dessa condição. Equilibrar a transversalidade dos direitos envolvidos não é uma tarefa fácil, mas cabe aos grupos envolvidos e ao Estado, na amplitude de sua organização e esferas de atuação, olhar para a questão homoafetiva e para os direitos da criança e do adolescente com o comprometimento necessário ao trato dessas questões, que, embora representativas de minorias sociais, exigem respeito e urgência em sua promoção ou estabelecimento. Pretende-se demonstrar implicações e efeitos da adoção por casais homoafetivos nesse momento, marcadamente constituído por uma sociedade extremamente homofóbica e apresentar a importância de se preservar as crianças e adolescentes pelas garantias constitucionais já positivadas e pela mensuração de pertinência, que faz juízo dos princípios conflitantes para definir qual é o mais necessário para se atingir a justiça em dado momento. Palavras-chave: Adoção Homoafetiva. Prevalência de Direitos da Criança e do Adolescente. ABSTRACT Althought it is not set up yet as a legal family institution, and therefore legitimate, in fact the homosexual arrangements are configured as real hoseholds. On one side you look at the tempting possibility of solving a problem that limits the dignity of the people in the homossexual case - possibility of fact and right of homosexuals costituting a family -, and the state problem of minors sheltering - abandoned or removed from their families for protective measure and need a permanent home-, on the other side the rights of children and teenagers, which is constitutionally guaranteed their status a subject of rights, priority in respect of their interests to the detriment of the other groups and respect their peculiar condition of a developing human, with all the weaknesses arising from this condition. Balancing the mainstreaming of the rights involved is not an easy task, but it is up to the groups involved and the State, the amplitude of their organization and spheres of acting, look to the homoafetiva issue and the rights of children and teenagers with the necessary commitment to the treatment of these issues, that, although representing social minorities, demand, respect and urgency on their promotion or establishment. It is intended to demonstrate the implications and effects of adoption by homosexual couples at this moment, markedly constituted by a society extremely homophobic and show the importance of preserving the children and teenagers by constitutional guarantees already positively valued and by the measurement of pertinence, which does justice to the conflicting principles to define what is most needed to achieve justice at a certain moment. Key Words: Adoption by homosexual couples. Priority in respect interests of children and teenagers. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8 1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, DE FAMÍLIA E DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ....................................................................................... 10 1.1 DIREITOS HUMANOS ................................................................................................ 10 1.2 DIREITO DE FAMÍLIA............................................................................................ 16 1.2.1 Princípios Constitucionais diretamente ligados ao Direito de Família ............... 18 1.2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana .............................................................. 20 1.2.1.2 Solidariedade Familiar ......................................................................... 22 1.2.1.3 Melhor interesse da criança e do adolescente ...................................... 22 1.2.1.4 Afetividade ........................................................................................... 25 1.2.1.5 Pluralismo das Entidades Familiares.....................................................26 2 A HOMOAFETIVIDADE, A ADOÇÃO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL DESSES GRUPOS ....................................................................... 28 2.1 HOMOAFETIVIDADE .................................................................................................. 28 2.2 ADOÇÃO ....................................................................................................................... 36 2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UM FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL .................. 44 3 PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA. ANÁLISE POSTULATIVA DO DESLOCAMENTO DO ÔNUS SOCIAL PARA O MENOR EM CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............................................................................................................. 51 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 62 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.......................................................................................... 66 8 INTRODUÇÃO A complexa vida em comunidade, sobretudo na pós-modernidade, tem inúmeros debates sociais de alta magnitude que precisam ser travados. Nesse contexto, a questão homoafetiva cuja normatização vem se arrastando pelos tribunais e Congresso Nacional ao longo dos anos, ainda carece do essencial: ações afirmativas e políticas públicas de inclusão eficientes por parte do Estado e da sociedade. Embora ainda não esteja positivado como um instituto familiar legal, e, por isso legítimo, os arranjos sociais homoafetivos, de fato, se configuram como verdadeiros núcleos familiares. Desde 2011, por meio de acionamentos contenciosos e recente guarita do STF, tem-se permitido a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos pela extensão de efeitos de união estável para esse tipo de união. O presente trabalho não pretende discutir a homoafetividade. Trata-se aqui dos impactos sociais a serem suportados pela criança e adolescente adotado por casal homossexual em face à não preparação da sociedade para a questão homoafetiva. A análise da problemática é essencial por representar a busca de soluções jurídicas e socialmente sustentáveis para problemas essenciais que opõe riscos, se não tratados, ao maior princípio norteador do nosso ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana. De um lado se observa a tentadora possibilidade de solução de um problema que limita a dignidade das pessoas na causa homoafetiva – possibilidade de fato e de direito de homossexuais constituírem família – do problema estatal do abrigamento de menores – abandonados ou retirados de suas famílias por medida protetiva e que necessitam de um lar definitivo – e do outro os direitos da criança e do adolescente, que têm constitucionalmente assegurada sua condição de sujeito de direitos, prioridade no respeito a seus interesses em detrimento de outros grupos e respeito a sua peculiar condição de ser humano em desenvolvimento, com todas as fragilidades advindas dessa condição. Muitas vezes, a resposta mais óbvia na solução de um problema evita que sejam atingidas medidas efetivamente adequadas, não alcançadas porque o arranjo temporário deslocou a ótica da problemática para as consequências e efeitos, passando-se assim a se buscar o mínimo como o exaurimento de possibilidades, o que de fato não o é. 9 Equilibrar a transversalidade dos direitos envolvidos não é uma tarefa fácil, mas cabe aos grupos envolvidos e ao Estado, na amplitude de sua organização e esferas de atuação, olhar para a questão homoafetiva e para os direitos da criança e do adolescente com o comprometimento necessário ao trato dessas questões, que, embora representativas de minorias sociais, exigem respeito e urgência em sua promoção ou estabelecimento. Questões de justiça são indissociáveis de concepções divergentes de honra e virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça não é apenas a forma certa de distribuir as coisas. Ela diz respeito à forma certa de avaliar as coisas.1 No primeiro capítulo será apresentada uma visão constitucional dos direitos humanos, principais direitos de família e da criança e adolescente – com maior ênfase nos que fomentam o conflito em estudo para se estabelecer o time line de argumentos históricos de delimitação das garantias constitucionais em análise e seus efeitos na organização do grupo base da sociedade, que é a família. No segundo capítulo será apresentada a questão homoafetiva – observando-se a sua formação como núcleo familiar –, a adoção e a importância de que seja esse instituto encarado sob a ótica do adotado – além de uma proposição de políticas públicas, bem como de seu papel como fator de inclusão social, como uma possibilidade de conciliação dos polos opostos da sociedade além de prevenção de processos de marginalização social das crianças adotadas por casais homoafetivos. Para finalizar a análise, será abordada no terceiro capítulo uma visão atual da questão e o posicionamento defendido no trabalho de prevalência do princípio da dignidade e do melhor interesse da criança em detrimento dos adotantes. O principal objetivo da elaboração desse trabalho é promover através do método dialético uma reflexão sobre implicações e efeitos da adoção por casais homoafetivos nesse momento, marcadamente constituído por uma sociedade extremamente homofóbica e apresentar a importância de se preservar as crianças e adolescentes pelas garantias constitucionais já positivadas e pela mensuração de pertinência, que faz juízo dos princípios conflitantes para definir o que é mais necessário para se atingir a justiça em dado momento. 1 SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa - 6, ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2012. p. 322. 10 1 UMA VISÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, DE FAMÍLIA E DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A Impossibilidade de viver isolado impulsiona o homem para a vida com os seus semelhantes, desenvolvendo suas habilidades e criando variações de relações sociais, isso sem deixar de manter a sua intimidade.2 Da necessidade do homem de conviver é que deriva a necessidade de vida em sociedade. E essa vida em sociedade, para ser participativa e possível, é organizada em pequenos grupos, sejam familiares ou de outra natureza. Como nos ensina Ricardo Gama: A sociedade não é regida somente por leis e princípios jurídicos, dada a sua complexidade; daí que os relacionamentos não podem ser restringidos aos dos homens, precisando ser considerados a organização e os movimentos dos grupos que compõe a sociedade como um todo. Ao lado disso, a autonomia e a liberdade com que age cada membro da sociedade, numa visão bem simplista, exige mais empenho do órgão que se propõe a manter a sua integridade.3 Ainda nesse sentido, Eduardo Bittar afirma que: [...] da composição de ações individuais dá-se início ao processo de aglomeração de ações individuais, até a formação da intersubjetividade, momento deste processo em que se torna difícil separar uma ação individual da outra, uma contribuição individual da outra, dentro de um grande emaranhado de ações que se relacionam. É na balança ética que se devem pesar as diferenças de comportamentos, para medirlhes a utilidade, a finalidade, o direcionamento, as consequências, os mecanismos, os frutos...4 Dessa forma, observa-se que a sociedade é composta por pessoas que se movimentam de forma autônoma, embora interligada. E são dessas movimentações que surgem as diferenças que, a partir de uma projeção de valores, se estabelecem nesse mix de indivíduos e necessidades diferentes, que é a sociedade. 1.1 DIREITOS HUMANOS 2 GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas. LZN. 2005. p Ibidem, p. 4 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 25. 3 11 Esse convívio entre indivíduos e grupos diferentes – seja por gênero, raça, religião, condição física, valores, nacionalidade ou ideologias – propicia o estabelecimento de vínculos baseados em afinidade, sinergia de valores ou atividades e projetos, mas também causa, inexoravelmente, desgastes e disfunções estruturais que precisam ser tuteladas. Grande parte dessas disfunções e desgastes vem de se exercer atos morais, que nos ensinamentos de Bittar (2011, p. 28) “ocorrem quando se elegem prioridades pessoais de vida, quando se é solidário com quem necessita, quando se auxilia outrem por companheirismo numa atividade profissional.” Na mesma obra em apud de Bauman: [...] as ações morais permeiam a presença do homem onde quer que se projete a personalidade humana. [...] se trata do conjunto de hábitos e prescrições de uma sociedade; é a partir de experiências conjuntorais e contextuais que surgem os preconceitos e máximas morais. [...] Desse modo, pode-se admitir que todo conteúdo de normas éticas tem em vista sempre o que a experiência registrou como sendo bom e como sendo mau, como sendo capaz de gerar felicidade e infelicidade, como sendo o fim e a meta da ação humana, como sendo a virtude e o vício.5 “A responsabilidade moral é a mais pessoal e inalienável das posses humanas, e o mais precioso dos direitos humanos. Não pode ser eliminada, partilhada, cedida, penhorada ou depositada em custódia segura. A responsabilidade moral é incondicional e infinita, e manifesta-se na constante tortura de não se manifestar a si mesma suficientemente. A responsabilidade moral não busca resseguro para o seu direito de ser ou para escusar do seu direito de não ser. Está aí antes de qualquer resseguro ou prova e depois de qualquer escusa ou absolvição.” 6 No sentido de tutelar essas relações e de permitir o convívio harmônico desses grupos, mesmo em meio às disfunções e divergências, os sistemas democráticos políticos, legais e normativos se estruturam como uma opção isonômica e legítima de arbitrar direitos e deveres para a sociedade. Assim, o Estado de Direito permite e exige que o poder político se subordine a um direito objetivo, que exprima o justo. No ordenamento jurídico dos estados democráticos, é a carta política que sistematiza as diretrizes das normas legais a ela subordinadas e estabelece os limites do Estado, em suas diversas áreas de atuação, promulgando direitos dos cidadãos que são oponíveis contra todos, inclusive contra o próprio Estado. Nesse sentido, José Afonso nos ensina o conceito de sociologismo na Constituição: 5 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011, passim. 6 Ibidem, p. 107 apud BAUMAN, Ética pós-moderna, 1997, p.285. 12 Para ele, a fonte, a origem da ordem constitucional positiva, deve procurar-se na própria realidade social, em seus estratos mais profundos. As constituições, assim, não são meros produtos da razão, como diriam os racionalistas; algo inventado ou criado pelo homem, ou por ele deduzido logicamente de certos princípios, como pretendem os formalistas em geral. Ao contrário, são resultados de algo que se encontra em relação concreta e viva com as forças sociais, em determinado lugar e em determinada conjuntura histórica, cabendo ao constituinte, se tanto, apenas reunir e sistematizar esses dados concretos num documento formal, que só teria sentido na medida em que corresponde-se aquelas relações materiais que 7 representam a verdadeira e efetiva constituição. Ainda sobre a Carta Política, Manoel Gonçalves nos ensina que: [...] a Constituição rígida é a lei suprema. É ela a base da ordem jurídica e a fonte de sua validade. Por isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra ela dispor. Sua supremacia decorre de sua origem. Provém ela de um poder que institui a todos os outros e não é instituído por qualquer outro, de um poder que constitui os demais e é por isso denominado Poder Constituinte.8 Assim, no nosso ordenamento jurídico as normas constitucionais e os princípios utilizados pelo constituinte para o seu estabelecimento são regras que vinculam o legislador humano e das quais se desdobram as diretrizes que tutelam a relação: Estado e Sociedade. “Princípio aí exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema”.9 Esclarecendo o conceito de princípios, José Afonso apud Canotilho e Vital Moreira, afirma que princípios são: [...] ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Canotilho e Vital Moreira] “núcleos de condensações” nas quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmo autores, “os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo 10 preceitos básicos da organização constitucional”. Corroborando ainda tal entendimento, José Afonso, sobre a aplicabilidade das normas, afirma que: [...] As normas jurídicas, inclusive as constitucionais, são criadas para reger as relações sociais, condutas humanas; enfim, para serem aplicadas. Aplicabilidade exprime uma possibilidade de aplicação. Esta consiste na atuação concreta da norma, “ no enquadrar um caso concreto à norma jurídica adequada”. Submete-se às prescrições da Lei em relação a vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano.11 Mas nem sempre é assim. Nos momentos históricos anteriores e ainda em algumas civilizações atuais sem direitos que se configurem como o minimum dos povos, não é difícil 7 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. Malheiros. São Paulo. 2002, p. 22. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 37. ed., revista e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2011, p 46. 9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. - revista e atualizada até a EC n. 53 de 19/11/2006. Malheiros. São Paulo. 2007, p. 91. 10 Ibidem, p. 92. 11 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. Malheiros. São Paulo. 2002, p. 51. 8 13 encontrar situações de fato e de direito onde o arbítrio do Estado desrespeita a vida e muitas vezes a dignidade das pessoas. Direitos Humanos no Dicionário Jurídico Brasileiro Acquavíva são os que o cidadão opõe contra o arbítrio do Estado, em nome de seu bem estar e segurança. A preocupação com a promoção desses direitos sociais fez com que a Carta Magna de 1988 consagrasse a dignidade humana como núcleo da ordem constitucional, conferindo-a o status de princípio de todos os princípios. Em sua obra, sobre a origem desses direitos, José Afonso, observa que: O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquistas o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários.12 O respeito aos direitos do homem tem em seu motivador rica fonte de embates filosóficos. A doutrina Francesa da Declaração dos Direitos do Homem indica bases no pensamento iluminista, mas a origem de tais direitos remete ao Direito Divino (Cristão) – criacionista – cuja fonte de direitos intrínsecos a todos os homens se dá por terem sido criados por Deus,. . Mas ainda na doutrina do direito natural a Declaração tem parte de sua normayização inicial, por acreditar que a dignidade advém da condição de racionalidade humana. No entanto, a declaração nitidamente adota uma postura jusnaturalista por considerar tais direitos “inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis e imprescritíveis.”13 Ainda para José Afonso, prescindem tais direitos de: Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. [...]. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Irrenunciabilidade. Não se renuncia direitos fundamentais. [...], pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados.14 Para explicar esse minimum que visa estabelecer direitos de liberdades-limites – que impedem a ingerência do Estado no limite da vida – e de liberdades-oposição – para oposição política – Norberto Bobbio, em posição contrária ao jusnaturalismo, os delimita como 12 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. - revista e atualizada até a EC n. 53 de 19/11/2006. Malheiros. São Paulo. 2007, p. 149. 13 Ibidem. p. 180. 14 Ibidem. p. 181. 14 “direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação”. São eles “o produto não da natureza, mas da civilização humana”.15 Em 1982 com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem esses direitos ganharam força e se estabeleceram. No Brasil, o constituinte de 1988 os recepciona, iniciando assim uma nova fase que levou inclusive essa carta política a se estabelecer como constituição cidadã. Tais direitos tem se configurado na pós-modernidade como um gênero próprio, com características especiais em relação aos demais. Depois de sua declaração em 1982 tem se estabelecido nas sociedades ocidentais como direitos e princípios supremos, que devem nortear todas as ações dos Estados. Nesse sentido a lição de Eduardo Bittar é: “A perspectiva de proteção da dignidade humana cria um encontro entre a ética de princípios do DIDH (Direito Internacional dos Direitos Humanos) e a ética de resultados dos dirigentes"16 [...] Vivem-se, no presente, os fortes ecos do passado e das ações inconsequentes do ontem. Presenciar o festival de bestialidades do 11 de setembro de 2011 foi mesmo que verificar que a autora do século XXI nascia contaminada pelos germens do século XX. Isso faz refletir em quanto o passado está incorporado no presente e quanto o futuro deverá fazer para apagar as marcas do passado. [...] A dimensão do hoje será a gestão da intersecção entre o ontem e o amanhã.17 Mas, independente da corrente filosófica da origem e natureza desses direitos – se das lutas históricas pela emancipação, ou pela condição de ser humano, ou pela racionalidade –, por se considerar o bem tutelado por meio deles, o respeito a esse minimum individual ou dos grupos sociais é assegurado pelas cartas políticas dos estados democráticos para elevá-los em relação aos demais direitos e mantê-los como formatadores de todas as normas infraconstitucionais e legais, como bem nos ensina Manoel Gonçalves: Desde a Revolução de 1789, o regime constitucional é associado à garantia dos direitos fundamentais. Não é ocioso recordar que a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão (art. 16) condicionou à proteção dos direitos individuais a própria existência da Constituição. [...] delimitando assim o campo de interferência legítima do Estado[...]. Sem dúvida, a ideia de se estabelecer por escrito um rol de direitos em favor do indivíduo, de direitos que seriam superiores ao próprio poder que os concedeu ou reconheceu não é nova. Os forais, as cartas de franquia, continham enumeração de direitos com esse caráter já na Idade Média. A diferença fundamental estava em que as primeiras se destinavam ao homem, ao cidadão, em abstrato, enquanto as últimas se voltavam para determinadas categorias ou grupos particularizados de homens.18 15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo. Saraiva. 2011, p. 219. 16 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 107 apud ALMEIDA, Direitos humanos e não violência, 2001, p.94. 17 Ibidem. p.108. 18 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 37. ed, revista e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2011, p. 314. 15 As primeiras declarações de direitos humanos tem um traço marcadamente individualista, pois nesse momento histórico (século XVIII e XIX) era primordial fazer respeitar o homem em seus direitos mínimos, além de limitar/constranger o Estado a fazer ou não fazer com motivações centradas nesses direitos individuais da pessoa humana. Sobrepujada essa etapa, as demais refletiam a necessidade de proteger o convívio social desses homens – já sujeitos de direitos básicos como pessoa – sedentos de direitos à prestações positivas por parte do Estado, os chamados direitos sociais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 tem elencados em seu texto os direitos e garantias fundamentais e sociais – direito à vida, à dignidade, à igualdade, à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à previdência social, à proteção a maternidade e a infância, à assistência aos desamparados, à alimentação e o direito à moradia. Ainda além, do texto constitucional depreendem-se princípios que são formatadores dos demais princípios, de todas as leis nacionais e da ação – contenciosa ou não – do Estado. O respeito a tais regras máximas são oponíveis até em relação à própria Constituição, que recentemente tem sido avidamente contrastada devido à questão homoafetiva, por exemplo. Ainda em relação à supremacia dos direitos humanos em oposição ao poder do Estado, por ser haver tal poder “de comandar os homens por meio de leis que, para merecerem o nome, hão de ter os caracteres de generalidade (aplicar-se a todos os casos iguais) e impessoalidade (sem fazer acepção de pessoas),19 Manoel Gonçalves em apud a Norberto Bobbio complementa que: Assim, “os direitos elencados na Declaração (universal) não são os únicos e possíveis direitos do Homem histórico”. E ajunta: “A Declaração Universal apresenta a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX”..20 Ainda na obra de Manoel Gonçalves acerca dos direitos fundamentais apreende-se que “na verdade, o Legislador humano – e isto se aplica ao Poder Legislativo da doutrina de Separação de Poderes – apenas declara a lei, não a faz. E isto, tendo em vista a utilidade comum [...].”21 Robert Alexy citado por Manoel Gonçalves explica os principais traços dos direitos fundamentais: “[...] um direito fundamental deve manifestar cinco traços, ao menos. São eles: 1) ser vinculado diretamente a Dignidade da Pessoa Humana; 2) portanto, concernir a 19 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo. Saraiva. 2011. p. 20. 20 Ibidem. p, 219. 21 Ibidem. p. 20. 16 todos os seres humanos; 3) ter valor moral; 4) ser suscetível de promoção ou garantia pelo Direito; e 5) pesar de modo capital para a vida de cada um. Tais direitos seriam, em seu entendimento, materialmente fundamentais.”22 Ricardo Gama, reforçando a supremacia de tais direitos, afirma que: Distanciando-se de outros direitos, os direitos humanos possuem as seguintes características que até podem estar contidas noutros direitos de forma isolada. Os direitos humanos são invioláveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e não sofrem os efeitos da decadência, além de contarem com a inalienabilidade e a universalidade.23 Na crítica de Eduardo Bittar relativa ao respeito a esses direitos humanos encontramos argumentos importantes que precisam ser entendidos como uma reflexão pós-moderna de sua sustentabilidade. Ele afirma que: A bandeira dos direitos humanos é hasteada no cume dos valores sociais, e torna-se a mais importante referência dos direitos para a sociedade como um todo, até mesmo um porto seguro para as ambições sociopolíticas e o termômetro dos regimes democráticos e antidemocráticos. [...] Então, o principal desafio não é somente constituir a pauta de atuações não violentas, mas permitir que se efetivem. No dizer de Bobbio, eis o principal desafio dos direitos humanos na atualidade:24 "O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político". [...] A abolição da violência e da intolerância depende de ações coletivas e de um esforço de dimensões mundiais para sua efetivação. 25 Fica clara a especial tutela concedida pela Constituição aos direitos humanos. Tais direitos tem nessa carta política um rol exemplificativo mínimo, sendo expansíveis, por exemplo, através de tratados internacionais ou sempre que uma normatização específica, pelo bem que se tutela, tratar de direitos humanos, como por exemplo, acontece atualmente com a criança, adolescente e idoso. 1.2 DIREITO DE FAMÍLIA A estabilização dos direitos humanos tem reflexos em todas as áreas do direito, não sendo restrita apenas ao direito constitucional. Por esse motivo, as demais áreas se submetem a um constante processo de transformação para que todos os seus institutos sejam adequados às normas constitucionais, 22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo. Saraiva. 2011. p. 123. 23 GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas. LZN. 2005, p. 24 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 104. 25 Ibidem, p. 104 apud BOBBIO, A era dos direitos, 1992, p.24. 17 aos direitos humanos e tratados internacionais de direitos humanos dos quais seja o Brasil signatário, tornando tais princípios efetivamente exequíveis. Tal posição é muito clara ao se observar os institutos relativos ao direito de família, que nos últimos anos vem se transformando estruturalmente para atender as necessidades de promoção do bem comum do homem em suas necessidades basilares, independente de qualquer classificação a qual esteja este inserido – filho, cônjuge, companheiro, credor, devedor, entre outras. Nesse sentido observamos que: Diante do modelo familiar remodelado, o Direito da Criança e do Adolescente e de sua família precisou ajustar-se aos princípios constitucionais de 1988. Os mais destacados destes princípios norteadores das alterações da família são aqueles que tiveram por base estabelecer isonomia entre os diversos membros, tratados, até então, discriminadamente, destacando-se o princípio da isonomia entre os filhos, da igualdade dos direitos entre os gêneros, e entre os cônjuges e companheiros. Ainda no âmbito constitucional, embasam a nova ordem familiar o princípio da dignidade humana, o princípio da prioridade absoluta dos Direitos da Criança e o princípio da paternidade responsável, que vieram agregar a preocupação da sociedade e do Estado com todos os membros da família, em especial com aqueles cujas vozes pouco ou nada ecoavam.26 Historicamente, na civilização romana e grega, por exemplo, a família era uma instituição que tinha base política e religiosa e o poder paternal ou marital eram a causa de sua fundação. Por ser o reduto menor de organização social do homem, esse sujeito de direitos, “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”27. Rolf Madaleno nos ensina a esse respeito que: A convivência humana está estruturada a partir de cada uma das diversas células familiares que compõem a comunidade social e política do Estado, que assim se encarrega de amparar e aprimorar a família, como forma de fortalecimento a sua própria instituição política.28 Assim, se compreende que família “é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência” 29 se estabelecendo “como ambiente propício para a promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros, integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como alicerce fundamental”. 30 26 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito das Crianças e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 104. 27 LÔBO, Paulo. Famílias. Direito Civil 2 ed. – São Paulo. Saraiva, 2009, p.17. 28 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 1. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2008, p. 5. 29 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, v.5: Direito de Família. Rio de Janeiro. Forense, 2011, p. 3. 30 FARIAS, Cristiano chaves de. Direito da Família. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2010, p. 23. 18 Por ser a instituição na qual o ser social é aperfeiçoado a família tem especial proteção do Estado e do ordenamento jurídico pátrio, depreendendo-se tal proteção do artigo 226 §8º da Carta Magna de 1988, bem como dos princípios e preceitos que fundamentam a proteção destinada a essa sociedade natural, que é a família. Esse aperfeiçoamento das pessoas naturais tem fundamental importância e é uma das bases de descentralização do Estado Brasileiro. Por delegação estatal a família é também responsável pela proteção à criança e ao adolescente, direitos constitucionalmente assegurados e de competência concorrente do Estado, Sociedade e Família. Portanto trata-se a família do “ambiente de desenvolvimento da personalidade e da pomoção da dignidade de seus membros, sejam adultos ou infantes, o qual pode apresentar uma pluralidade de formas decorrentes das variadas origens e que possui como elemento nuclear o afeto.”31 Por ser dotada a família dessa fundamental importância a Carta Magna e o Direito de família tem princípios próprios que visam promover e estruturar esses núcleos familiares, tentando protegê-los e resguardá-los, objetivando que sua perpetuação continue a abrigar essas atividades basilares de formação dos indivíduos. 1.2.1 Princípios Constitucionais diretamente ligados ao Direito de Família A Constituição Federal de 1988 promoveu a releitura do Direito de Família32, atribuindo às relações familiares uma nova proporção e principalmente mudando a forma, dentro de um núcleo familiar, de enxergar cada pessoa, igualando todos em direitos e considerando as formas modernas de arranjos nessa sociedade natural. Mesmo sendo núcleo basilar da sociedade, a família se constitui como uma forma de organização frágil. Por essa razão Estado e Constituição conferem a família especial proteção, assegurando direitos oponíveis ao Estado para todos os cidadãos, que em sua maioria, organizam-se em núcleos familiares. Flávio Tartuce citando Gustavo Tepedino sobre a interação família-dignidade informa que: “família passa a ser valorizada de maneira instrumental, tutelada como um núcleo 31 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito das Crianças e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 68. 32 MADALENO, Rolf, Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008, p.17. 19 intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade.”33 No que tange “aos princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família, dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas.” 34 Sob essa égide, os princípios constitucionais que visam assegurar à proteção a família são: - Igualdade Jurídica de Todos os Filhos: a Constituição Federal em seu artigo 227 § 6° apregoa que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Esse artigo colocou fim a discriminação atribuída outrora aos filhos havidos fora do casamento. - Liberdade: O artigo 1.513 do Código Civil estabelece que é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família. “Não é permitida a intervenção na instituição familiar, que tem respaldo nesse princípio, à livre decisão do planejamento familiar.”35 - Igualdade entre cônjuges e companheiros: o artigo 226 § 5° da Constituição Federal, define direitos e deveres que são inseridos na sociedade conjugal para serem exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Com efeito, existe “igualdade entre filhos, como outra forma de especialização da isonomia constitucional e a lei reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal ou convivência ou pela união estável.” 36 - Pluralismo das Entidades Familiares: O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares.37 O conceito de família foi ampliado, permitindo o reconhecimento de relações que tinham sua origem fora do casamento e estendendo as mesmas toda a proteção que foi estabelecida para o casamento.38 Passam a ter proteção do Estado às relações que destoam do modelo convencional. Como exemplo dessas garantias fundamentais que detêm todo cidadão tem-se os princípios constitucionais citados. Mas no âmbito das relações em estudo nesse trabalho se faz necessário tratar em detalhes alguns princípios específicos acerca de família que serão apresentados nesse momento. 33 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed., revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 34 apud TEPEDINO. 2004, p. 398. 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. Ed. Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2009, p. 59. 35 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008, p.64. 36 Ibidem, p. 42. 37 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2009, p. 59. 38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito da Família. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 42. 20 1.2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana No primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem tem-se que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Nesse dispositivo aborda-se a capacidade da qual se dotam todos os homens de serem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo este o núcleo básico de oposição em relação ao Estado para respeito à autonomia e autodeterminação de cada pessoa. Mas, para entender e respeitar esses princípios é necessário entender seus principais conceitos: “respeito é o tratamento atencioso à própria consideração que se deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis. Dignidade é qualidade moral que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.”39 O respeito não pode se fundar no fato de termos afeto pelas pessoas e sim no fato de sermos todos iguais (racionais) capazes de agir livremente uns com os outros motivados pela lei que a razão nos permite alcançar. Nesse sentido, a dignidade é uma qualidade intrínseca da pessoa humana, já que a mesma é irrenunciável e inalienável, sendo o elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado.40 Destarte, reconhecer, respeitar, proteger e promover tais direitos, positivados ou não, é uma obrigação moral do Estado, Sociedade, Família e Indivíduos. A palavra dignidade deriva do latim dignus e significa aquele que merece estima e honra. O princípio da dignidade objetiva assegurar o reconhecimento em cada indivíduo de um valor pessoal, sendo o respeito a esse valor apregoado no primeiro artigo da carta maior, precedido apenas da forma de organização do Estado – República Federativa do Brasil e Estado Democrático de Direito – forma essa que traduz em seu âmago o dever implícito de preservação desses valores. Eduardo Bittar, acerca da Dignidade da pessoa humana preceitua que: A ética dos direitos humanos decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana. A justiça não pode ser pensada isoladamente, sem o princípio da dignidade humana, assim como o poder não pode ser exercido apesar da dignidade humana. Em verdade, todos os demais princípios e valores que orientam a criação dos direitos nacional e internacional curvam-se ante essa identidade comum ou este minimum dos povos. A própria declaração de 1948 lhe confere tal posição de 39 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 48. 40 RIBEIRO, Martins, Paulo César; WERKAUSER,Stefan; MACCARINI, Lucas. A união homossexual do ponto de vista da Constituição Federal Brasileira de 1988. Disponível em : < http://www.ambitoJuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2526>. Acesso em: 28 abr. 2012. 21 superioridade ante os demais princípios e valores. Como referência motivante da cultura dos direitos humanos, além de fundamental, este princípio tem valia universal.41 O poder constituinte brasileiro proclamou a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, reconhecendo cada indivíduo como “centro autônomo de direitos e valores essenciais a sua realização plena como pessoa.” 42 Em pertinente explanação sobre a abrangência da dignidade da pessoa humana, Regina Quaresma e Francisco Guimaraens ensinam que: Tudo o que se expressa constitucionalmente tem por fundamento a dignidade da pessoa humana. Esta se exprime a partir do momento em que são garantidas condições de vida digna para todos os cidadãos, abertos os canais de participação da cidadania nos assuntos públicos e conferidas condições para que se exerça em graus cada vez maiores a potência criativa, através de um processo de liberação e autodeterminação do ser humano. [...] este mandamento nuclear da ordem constitucional brasileira possui abertura tão elevada que sua defesa se dá em todos os momentos em que se tutele a democracia, a república, os direitos fundamentais, o ser humano. Há de se ressaltar ser o embate, nestes casos, essencialmente político. De nada adiantam os remédios constitucionais sem a mobilização popular em prol da emancipação do ser humano em solo brasileiro, sem a reivindicação por melhores condições de vida e pela justiça social.43 Mas o respeito à dignidade começa pelo respeito dos direitos fundamentais de todos os indivíduos, não cabendo violação aos princípios fundamentais que se desdobram dos Direitos Humanos. Não é possível respeitar a dignidade da pessoa humana sem pensar na preservação total do ser humano, de forma integral, em suas capacidades física, psíquica e intelectual. O indivíduo é merecedor de respeito e consideração, independentemente da crença, nível social, intelectual, opção sexual e maneira de enfrentar a vida,44. A pessoa, perante a sociedade, tem assegurado o respeito a sua existência. Flávio Tartuce, afirma ainda se tratar a dignidade de: [...] reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira conta quaisquer ingerências externas. Tal não significa contudo a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana. 45 41 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011. p. 112. 42 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito das Crianças e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 43 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001, p. 44 THOMÉ, Liane Maria Busnello. Dignidade da pessoa humana e mediação familiar. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2010, p.47. 45 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 34, apud SARLET, Ingo Wolfgang. 2005 p. 124. 22 Trata-se de um valor individual, que perpassa a esfera dos grupos sociais e atinge o indivíduo. Tal princípio se estende a qualquer sujeito de direitos do gênero humano, inclusive crianças, adolescentes e homossexuais. Em breve análise de direito comparado é nítida a diferença entre a percepção da dignidade em vários países. Na maior parte da Europa, por exemplo, a dignidade tem seu oposto estabelecido com relação a desprezo ou marginalização social, enquanto no Brasil, com suas diferenças gritantes de classes ainda se concebe a dignidade, na maior parte das vezes, como o mínimo para manutenção da vida. 1.2.1.2 Solidariedade Familiar Para Rolf Madaleno a solidariedade é “princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas porque esse vínculo só pode se sustentar e se desenvolver em um ambiente recíproco de compreensão e ajuda mútua sempre que se fizer necessário.”46 Nesse sentido, a reciprocidade é fundamental para manutenção da unidade no núcleo familiar. A Constituição Federal assegura no seu artigo 229 o dever oponível aos pais de assistir, criar e educar os filhos menores e aos filhos maiores de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. “A solidariedade é o que cada um deve ao outro. Tem origem nos vínculos afetivos e dispõe de conteúdo reconhecido como objetivo fundamento da Republica Federativa do Brasil”47 que no artigo 3°, inciso I de sua constituição objetiva construir uma sociedade livre, justa e solidária. Considerando ainda a pessoa individualmente dentro do seio familiar, a CF vincula o Estado a assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram como se observa no artigo 226, § 8.°, da CF/1988. Ou seja, solidariedade familiar implica também em respeito e consideração mútuos em relação aos membros da família. 1.2.1.3 Melhor interesse da criança e do adolescente Da leitura dos tópicos anteriores, fica clara a preocupação com os indivíduos considerando sua condição humana. Em um ordenamento jurídico em que há de se falar em 46 MADALENO, Rolf, Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008, p. 64. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p.39. 47 23 dignidade em relação a pessoas e a grupos sociais, como a família, não se pode extirpar do véu de cobertura que protege cada indivíduo aqueles que dele mais necessitam. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Brasil passou a adotar a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes. Tal proteção encontra-se positivada no artigo 227 da Carta Constitucional de 1988, em integração com o princípio da dignidade humana. Essa normatização elevou a criança e o adolescente a sujeitos de direitos atribuindolhes esses direitos fundamentais e imputando a família, sociedade e Estado o dever legal concorrente de, com prioridade, promover e proteger tais direitos. O ECA se tornou um sistema aberto de regras e princípios que asseguram e delimitam a conduta do Estado e Indivíduos em relação aos direitos dos menores. Mas, além de dotar essas “pessoas pequenas” de direitos, o texto normativo ainda os dotou de especial proteção, por entender a estrutura frágil de pessoa ainda em desenvolvimento. Tal fato se deve a lógica de promover uma geração de adultos saudáveis e bem ajustados por propiciar as crianças totais condições de pleno desenvolvimento. A Proteção integral foi adotada pela comunidade internacional na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959. Assim sendo, o ECA para se adaptar a CF estabeleceu, dentre outras medidas de proteção, o direito oponível – inclusive ao Estado – de proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual; educação gratuita e compulsória; prioridade em proteção e socorro; proteção contra negligência, crueldade e exploração; proteção em relação aos atos de discriminação; direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Em síntese, são os direitos que asseguram o saudável desenvolvimento desses indivíduos. A doutrina conhecida como proteção integral foi recepcionada pelo ECA, cabendo a esse sistema legal estruturar a construção sistêmica dessa doutrina. Nesse sentido apreende-se que: A doutrina da proteção integral, [...] absorve os valores insculpidos na Convenção dos Direitos da Criança. Pela primeira vez, crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais, como qualquer ser humano. Passamos assim, a ter um Direito 24 da Criança e do Adolescente, em substituição ao Direito do Menor, amplo, abrangente, universal e, principalmente, exigível.48 Em corresponsabilidade devem o Estado, a Sociedade e a Família promover esses direitos. Reforçando ainda o âmbito de atuação dessa proteção, observa-se que: Para fins protetivos, levou-se em linha de conta, eventual risco social, situação prédefinida no artigo 98 da Lei 8.069/90 [...]. O artigo 98 não é uma norma limitadora da aplicação do ECA, mas delimitadora, principalmente, do campo de atuação do Juiz da Infância na área não infracional. Com o fim de garantir efetividade à doutrina da proteção integral a nova lei previu um conjunto de medidas governamentais aos três entes federativos, através de políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, abuso e proteção jurídico-social por entidades da sociedade civil.49 Claro está que a doutrina da proteção integral está delineada com detalhes. No entanto, o desafio é torná-la real e efetiva sendo palpável o envolvimento do Estado em todas as suas esferas de atuação. O fator mais importante a se observar na doutrina de proteção integral, fator inclusive que a motivou, é a peculiar condição da criança e do adolescente de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, Kátia Maciel contextualiza essa necessidade como fator preventivo: A vulnerabilidade infanto-juvenil – física e psicológica – tem ensejado um abuso da condição da pessoa em desenvolvimento. A coisificação dos menores, como se fossem “projetos de gente” carecedores de respeito e consideração, desencadeia atos de violência física e moral.”50 A proteção integral demanda ainda um sistema público e social articulado. Para atender o principio da Constituição Federal e do ECA, assegura-se por exemplo, a convivência familiar e comunitária para toda criança e adolescente. Para Irene Rizzini, citada por Kátia Maciel, entende-se a convivência familiar e comunitária como: [...] a possibilidade de a criança permanecer no meio a que pertence , preferencialmente junto a sua família, seus pais e/ou outros familiares e, caso não seja possível, em uma outra família que a escolher. Em outras palavras, conviver em família e na comunidade é sinônimo de segurança e estabilidade para o desenvolvimento de um ser em formação.51 Reforçando esse entendimento o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) ressalta em orientação técnica que esses 48 vínculos são MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 14. 49 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 14. 50 Ibidem, p. 48. 51 Ibidem, p. 76, apud RIZZINI, Irene. , p. 25 fundamentais nessa etapa do desenvolvimento humano de modo a oferecer condição para um desenvolvimento saudável, favorecendo a formação de sua indentidade e sua constituição como sujeito e cidadão. Destarte, no que se refere especificamente a crianças e adolescentes, o Brasil adota a doutrina de proteção integral recepcionando os princípios estabelecidos na convenção de direitos da criança realizada pela ONU e assegurando a tais indivíduos os direitos fundamentais baseando-se, a saber, na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e no direito a convivência familiar para fixação de demais direitos como a vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária.”52 A responsabilidade de assegurar esses direitos foi diluída como uma corresponsabilidade entre família, sociedade e Estado. As mudanças na legislação de amparo à criança e ao adolescente inauguram interna e internacionalmente o estabelecimento desses indivíduos como sujeitos de direitos. O melhor interesse da criança e do adolescente, portanto, “não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, sua família, a sociedade e o Estado.”53 Sendo obrigatória à proteção integral dos seus direitos pelos familiares, sociedade e Estado por meio de seus órgãos competentes. É evidente o preceito de ser “inconstitucional a aplicação circunstancial de qualquer norma ou decisão judicial que desrespeite os interesses prevalentes da criança e do adolescente recepcionados pela Carta Federal.”54 Destarte, a defesa do maior interesse para criança e adolescente tem guarita nos tribunais que motivados pelos princípios constitucionais classificam como inconstitucionais decisões que contrariem tal princípio sob a ótica de carecimento de legalidade. 1.2.1.4 Afetividade A afetividade em si, se configura como “princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.”55 52 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. . 53 LÔBO, Paulo. Famílias, Direito Civil. 2. ed. São Paulo. Saraiva. 2009, p. 55. 54 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008, p.68. 55 LÔBO, Paulo. Famílias, Direito Civil. 2. ed. São Paulo. Saraiva. 2009, p. 70. 26 O afeto tem se configurado atualmente como o definidor de muitas das relações familiares. Rolf Madaleno, bem observa que “o afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana.”56 Sua abrangência tem sido ampliada na sociedade moderna, sendo inclusive o motivador de precedentes judiciais assegurando a manutenção de laços de filiação por haver a criança desenvolvido afetividade com seus pais não biológicos – nos casos de adoção, famílias reconstituídas ou monoparentais, por exemplo, ou qualquer outro arranjo em que o vínculo de filiação se estabelece inicialmente por vontade. 1.2.1.5 Pluralismo das Entidades Familiares O pluralismo das entidades familiares nos demonstra as várias possibilidades de organização dos núcleos familiares. A sociedade tem se organizado de forma plural e cada vez mais o Estado precisa se adaptar a essas mudanças, no sentido de prover a esses núcleos o necessário para que as relações sejam permeadas pelo respeito e reconhecimento a tal diversidade. Isso fica claro quando se observa a ampliação no conceito de família “permitindo o reconhecimento de relações que tinham sua origem fora do casamento e estendendo as mesmas toda a proteção que foi estabelecida para o casamento.”57 Vale ressaltar que a pluralidade dos núcleos familiares, ainda não prevê a constituição de famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. Embora nos tribunais seja frequente a extensão de efeitos de união estável para as uniões homoafetivas por decisões colegiadas a legislação não prevê e nem regulamenta tais uniões e consequentemente tais núcleos familiares. Nesse sentido Flávio Tartuce, ao citar Maria Berenice Dias afirma que: “O novo modelo de família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova roupagem axiológica ao direito da família. [...] A família–instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da 56 MADALENO, Rolf. Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008, p. 66. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito da Família. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2010, p.42. 57 27 personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso a sua proteção pelo Estado” 58 É certo que na pós-modernidade os novos arranjos familiares claramente são definidos pelo afeto. “A entidade familiar deve ser entendida hoje como grupo social fundado essencialmente por laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional”59 58 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 55, apud DIAS, Maria Berenice. 2007, p. 41. 59 Ibidem, p. 30, apud FARIAS, Cristiano Chaves. 2004, p. 30. 28 2 A HOMOAFETIVIDADE, A ADOÇÃO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL DESSES GRUPOS O entrelaçamento desses três conceitos é primordial para o entendimento do que se busca definir nesse trabalho. Em uma relação simbiótica as políticas públicas podem ser fator decisivo no combate a homofobia, mas no momento atual, precisamos olhar para a adoção homoafetiva sob a ótica da criança e do adolescente. 2.1 HOMOAFETIVIDADE A homoafetividade nos dias de hoje é um fenômeno que tem exigido do poder público a revisita de conceitos há muito firmados. A reflexão a respeito do tema é estrutural e faz-se necessário avaliar as mudanças e concessões necessárias no ordenamento jurídico e social para minimizar distorções entre a realidade de fato e de direito, no sentido de minimizar os impactos sociais que afligem a esse grupo danos ao direito constitucionalmente assegurado de vida com dignidade. Mas mesmo com distorções, a vida social é necessária e cabe ao Estado implementar meios que propiciem a vida comum uma unidade social e permita sua construção com objetivos comuns. Nesse sentido, Ricardo Gama esclarece que: A sociedade manifestou-se como uma forma cômoda de convivência entre os homens, mas ela não pode ser concebida como um grupo de pessoas, pois muitas pessoas reunidas nem sempre resultam numa sociedade e isso se dá pela falta de objetivos perenes e comuns. E foi com esse intuito que Ataliba Nogueira apregoou que a sociedade é a coordenação estável da atividade de dois ou mais homens para atingirem um escopo utilitário comum. Destacam-se aqui as motivações da concentração, somada a estabilidade da reunião dos homens em torno de seus próprios interesses, os quais são cumpridos pela própria convivência e pela troca de bens e serviços. É ainda um “complexo de relações pelo qual diversos indivíduos vivem e operam conjuntamente de modo a formarem uma nova e superior unidade”.60 Sobre a necessidade de viver em comunidade e das distorções existentes nesse tipo de organização social, a lição ainda de Ricardo Gama é que: O Homem não vive em sociedade somente para saciar seus instintos, mas também para satisfazer as suas necessidades. Aliás, a cooperação entre os homens pode ser 60 GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas. LZN. 2005, p. . 29 vista como instintiva e é de se observar a sua importância para cada indivíduo nas suas relações familiares, religiosas, políticas, sexuais, econômicas, intelectuais. [...] Desde a formação do homem, até as facilidades promovidas pela vida em sociedade, a vida em comum tem trazido muitas satisfações e algumas frustrações decorrentes de alguns indivíduos que não conseguem se ajustar aos comandos ditados pela maioria.61 A abordagem da questão homoafetiva se faz necessária para entendimento de seus desdobramentos na adoção enquanto representativa de uma parcela da sociedade. No entanto, o objetivo aqui não é delimitar, conceituar ou até mesmo avaliar o mérito da questão. Restringirse-á, em todo o trabalho, aos elementos necessários para compreensão dos institutos em análise. Embora, de fato, as uniões entre pessoas do mesmo sexo – aqui mencionadas como homoafetivas – estejam presentes na sociedade brasileira há muitas décadas, ainda existe uma lacuna legislativa enorme no sentido de regulamentar essa questão. Essa inércia legislativa gera na sociedade como um todo efeitos extremamente danosos e em vários casos irreversíveis. Além dos problemas que normalmente atinge as minorias, como marginalização, preconceito e depreciação da dignidade humana, os grupos homoafetivos ainda são assolados pela impossibilidade de terem sua organização afetiva reconhecida e respeitada pelo Estado e Sociedade. Em pesquisa realizada no site62 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em relação ao programa Brasil sem homofobia, a leitura do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), elaborado por comissão técnica interministerial, reflete, em síntese, os pontos expostos acima. O Plano ainda tem como metas a longo e médio prazo assegurar por parte da sociedade e do Estado o minimum de direitos a esse grupo. Ainda nessa perspectiva, direitos como a vida, o respeito, a integridade física e a dignidade são constitucionalmente assegurados, mas, de fato, não estão plenamente disponíveis para os homossexuais por motivos diversos, sendo o principal deles o processo de marginalização das minorias verificado no Brasil. Mesmo sendo uma problemática que persiste há várias décadas, as necessidades, regulamentação e direitos da população envolvida, ainda é ínfima. 61 GAMA, Ricardo Rodrigues. Ciência Política. Campinas. LZN. 2005, p. . BRASIL. Programa Brasil sem Homofobia da Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH). Disponível em: < http://www.sedh.gov.br/>. Acesso em: 10 mar. 2012. 62 30 O Plano de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT com vigência e projeção de resultados até 2011 visava garantir amplo acesso aos direitos civis dessa parcela da sociedade, promovendo a conscientização dos gestores públicos, fortalecendo os exercícios de controle social, implementando políticas públicas com maior equidade e imperativas no sentido de “eliminar discriminações, combater preconceitos e edificar uma consistente cultura de paz, buscando erradicar todos os tipos de violência.” Como se observa na sequência esse projeto, de fato, ainda não foi implementado e buscam ainda as forças sociais homoafetivas o respeito mínimo à dignidade e a vida dos homossexuais, como por exemplo se observa nos itens abaixo destacados do referido plano e ainda não implementados de fato: 1) Combate à discriminação por orientação sexual, identidade de gênero e raça no serviço público; 2) Promoção da denúncia de toda e qualquer atitude de discriminação à população LGBT; 3) Combate à violência doméstica e familiar contra gays, lésbicas, mulheres, bissexuais, travestis e transexuais; 4) Combate à homofobia institucional; 5) Prevenção e enfrentamento da vulnerabilidade social de crianças e jovens em razão da orientação sexual e identidade de gênero; 6) Promoção da inclusão social da(o) cidadã(o) LGBT com prioridade aos grupos em situação de risco social; 7) Adoção de estratégias diferenciadas para grupos em situação de risco social e para grupos com histórico de estigma social: recorte étnico-racial da política LGBT; 8) Inserção da temática LGBT no sistema de educação básica e superior, sob abordagem que promova o respeito e o reconhecimento da diversidade da orientação sexual e identidade de gênero; 9) Garantia, a estudantes LGBT, do acesso e da permanência em todos os níveis e modalidades de ensino, sem qualquer discriminação por motivos de orientação sexual e identidade de gênero; 10) Garantia ao profissional de segurança LGBT de pleno desenvolvimento na carreira, independentemente de sua orientação sexual; 11) Intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação das políticas públicas: o combate à homofobia requer ações integradas entre as áreas da educação, saúde e segurança, dentre outras; 31 12) Integração das ações nas dimensões política, legislativa, administrativa, organizacional e social; 13) Proposição de alterações legislativas e normativas que garantam os direitos fundamentais e sociais da(o)s cidadã(o)s LGBT; 14) Educação e informação da sociedade para o respeito e a defesa da diversidade de orientação sexual e identidade de gênero; 15) Inserção do enfrentamento à homofobia e à discriminação de gênero nos programas educativos desenvolvidos pelos órgãos municipais, estaduais e distrital de assistência social; 16) Implementação de ações de vigilância, prevenção e atenção à violência contra a população LGBT. Lamentavelmente, observa-se que luta ainda a força social homoafetiva no sentido de se estabelecer como grupo social e sujeito de direitos firmados em todas as esferas – Família, Estado e Sociedade, inclusive por parte da administração pública. Os avanços, em sua maioria, vem sendo conquistados alheios a processos legislativos adequados, como prevê a Carta Magna e a separação de poderes federativos. Na verdade, em face ao que parece uma eterna omissão legislativa no enfrentamento da questão, o judiciário tem sido acionado constantemente. E, em face da não regulamentação do tema, tem o dever de emitir decisões monocráticas ou colegiadas que tem vigorado efetivamente como a única regulamentação do tema, retirando-se assim essa complexa questão da apreciação da vontade social. A regulamentação passa a restritivamente se configurar por um somatório de aplicação de analogias, interpretações extensivas e arbitramento de casos concretos que geram precedentes generalistas. Ficando assim excluída a regulamentação da homoafetividade do debate social, da análise do fenômeno de forma completa – respeitando suas peculiaridades e necessidades – e da sujeição ao processo legislativo adequado. Exemplificando o exposto, em maio de 2011 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 178 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu aos núcleos familiares homoafetivos efeitos de união estável, por ser essa a entidade familiar com mais pontos de contato com a união homoafetiva, sendo assim a de maior semelhança por analogia. Sobre a união estável, Flávio Tartuce nos ensina que: A união estável ou união livre sempre foi reconhecida como um fato jurídico, seja no Direito Comparado, seja entre nós. Por certo é que hoje, a união estável assume um papel relevante como entidade familiar na sociedade brasileira, eis que muitas 32 pessoas, principalmente das últimas gerações, têm preferido essa forma de união em detrimento do casamento.63 A Constituição Federal reconheceu, no seu art. 226 § 3° a união estável: Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Mas parte da doutrina e da jurisprudência entende que essencialmente a união homoafetiva não é uma união estável, “eis que esta tem que ser composta por pessoas de sexo diferentes.”64 Além disso, é imperativo que a união estável seja facilmente convertida em casamento – como prevê o Art. 226 § 3º, o que nesse momento não é permitido às uniões homoafetivas, sendo mais essa uma dessemelhança dos 2 tipos de união. Nesse sentido, para serem considerados como núcleo familiar, os lares homoafetivos necessitam de regulamentação própria, considerando suas peculiaridades e todas as mudanças que se fazem necessárias no ordenamento civil e social para promover a sua existência com dignidade. Por outro lado, à união de pessoas do mesmo sexo, para muitos doutrinadores e parte da jurisprudência é uma entidade familiar que deve ter os mesmos efeitos da união estável, aplicados por analogia, para que assim sejam respeitados direitos como figurar como dependente no seguro de saúde, pleitear alimentos ao fim do relacionamento, recebimento de pensão por morte dos órgãos públicos (INSS, por exemplo) e adoção de filhos, entre outros. Nesse sentido, Flávio Tartuce, citando Maria Berenice Dias afirma que: “A regra maior da Constituição, que serve de norte ao sistema jurídico, é o respeito à dignidade humana. O compromisso do Estado para com o cidadão se sustenta no primado da igualdade e da liberdade, consagrados já no seu preâmbulo (...). A Constituição, ao elencar os direitos e garantias fundamentais, proclama (art. 5.°): todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esses valores implicam dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do Estado de direito. Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função de sua orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano. Não pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.”65 63 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 281. 64 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 218. 65 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 322, apud DIAS, Maria Berenice. 2005, p. 193. 33 Para essa corrente doutrinária e jurisprudencial, o rol constitucional das entidades familiares passa a ser meramente exemplificativo ou descritivo e não taxativo, como entende a corrente primariamente citada. A concepção da união homoafetiva como união estável foi substancialmente fortalecido pelo Julgamento da ADPF 132/RJ que suscitou a aplicação do regime de uniões estáveis também às uniões homoafetivas. Ainda na concepção desse grupo, Flávio Tartuce afirma que: Pois bem, a consequência da admissão da união estável homoafetiva é deslocar a questão do direito obrigacional para o Direito da Família com todos os efeitos. Nesse contexto, para essa visão, à união estável homoafetiva aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito entre os companheiros (art. 1.725 do CC). Em caso de falecimento, independentemente da existência de testamento, o companheiro herda os bens adquiridos onerosamente na Constancia da união estável (art. 1.790 do CC).66 Em maio de 2011, durante a elaboração do presente trabalho, foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) o projeto de lei que se propõe a normatizar a união estável de casais homoafetivos alterando os artigos 1723 e 1726 do Código Civil. A ideia é retirar a menção a homem e mulher de tais dispositivos. Do texto do PLS 612/2011, destacado abaixo, mais uma vez fica claro o não enfrentamento da questão homoafetiva e o uso de meios legais para estancar algumas restrições de direitos sem que os efeitos necessários para inclusão desses núcleos familiares se dê de fato e não apenas de direito. Na justificativa do PLS de sua autoria disponível no site do Senado Federal, a Senadora Marta Suplicy afirma que: [...] consubstanciado no caput do art. 5º de nossa Constituição, impende destacar o princípio da igualdade, que, em face de sua própria natureza, só poderia mesmo conduzir ao postulado segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem nenhuma distinção. Diante de diretrizes tão inequívocas, ao Estado brasileiro tem restado ceder à força irresistível das transformações por que passa a sociedade a que serve, vindo a reconhecer, mais e mais, o papel alcançado pelas uniões homoafetivas na dinâmica das relações sociais. Não à toa, nos últimos anos, notadamente o Poder Judiciário, por meio de decisões prolatadas em sede processual, mas também órgãos do Poder Executivo federal, como o Fisco e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), já vêm consagrando aos parceiros dessas uniões os mesmos direitos reservados aos daquelas constituídas por mulher e homem. Isso nada mais é, em substância, que garantir o exercício da cidadania por quem quer que legitimamente o pretenda, seja qual for sua orientação sexual. O Congresso Nacional, entretanto, ainda patina nessa questão, talvez por constituir-se no mais heterogêneo dos Poderes tripartites a compor o Estado brasileiro. Tamanha delonga contribui, por seu turno, para a pecha que sobre o Parlamento tem ultimamente recaído, com desconfortável frequência,de Poder moroso e hesitante, levado a reboque pela inevitabilidade dos fatos ou por decisões que coube aos demais Poderes tomar. As repercussões da 66 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 326. 34 presente proposição legislativa até podem não trazer maiores novidades em relação ao que já tem sido posto em prática pela melhor jurisprudência, vide exemplo, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4277 e na ADPF 132 [...] e por atos administrativos a que têm procedido certos órgãos do Executivo no que concerne às uniões homoafetivas. Nem por isso, no entanto, reduz-se sua importância, pois, a despeito dos avanços, é grande ainda a insegurança jurídica em relação à matéria.67 Da leitura do relatório da CDH sobre o PLS, também disponível no site do Senado Federal, destacam-se os seguintes fragmentos: No mérito, alvissareira e digna de nota a iniciativa vertida no PLS nº 612, de 2011, que tem o condão de, finalmente, retirar o Poder Legislativo da inércia em que se encontra em matéria de proteção jurídica aos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Com efeito, foi preciso que o Poder Executivo federal, por intermédio da Receita Federal e do Instituto Nacional de Seguro Nacional (que, de forma inovadora e corajosa, vêm, nos últimos anos, conferindo aos casais homoafetivos a mesma cobertura legal deferida aos heteroafetivos), e o Poder Judiciário, por seu órgão de cúpula, pronunciassem a impropriedade de leituras da Constituição que excluíssem do reconhecimento como entidade familiar as uniões homoafetivas para que o tema ganhasse a devida relevância.Do Poder Legislativo, de todo modo, se espera a pacificação definitiva da polêmica. É possível que as repercussões do PLS nº 612, de 2011, não apresentem maiores novidades em relação ao que tem sido posto em prática pelas melhores jurisprudência e prática administrativa a que têm procedido o Judiciário e o Executivo federais. E, mesmo que muitas pessoas ainda pratiquem a discriminação homofóbica, não se pode admitir a prevalência das convicções pessoais de uns sobre os direitos fundamentais de outros. A despeito dos avanços, ainda é grande a insegurança jurídica em relação à matéria, sobre cujos variados aspectos os tribunais superiores ainda não se manifestaram de forma definitiva. O direito, em mais esse caso, deve apenas consolidar a erradicação de preconceitos. É, pois, com louvor que saudamos a proposição em apreço, à qual oferecemos apenas duas emendas voltadas para a correção de meros lapsos de redação e de técnica legislativa.68 Em resumo, observa-se o caos legislativo a que está submetida à questão. E caso a caso estamos construindo vários degraus de desigualdades que no lugar de sanar a falta de regulamentação tem sido declaradamente arranjos temporários que tornam obsoletas a legislação, inclusive a Magna e as mais recentes, considerando a posição dos tribunais. Na realidade, a questão homoafetiva ainda não foi encarada de forma séria e articulada entre todos os núcleos e segmentos envolvidos. Enquanto isso não acontece, é necessário conviver com um arcabouço de contradições para explicar a questão e aplicar direitos a esses grupos. Em sua emblemática obra sobre justiça, Michael Sandel propõe uma reflexão interessante que corrobora o entendimento de que apenas o enfrentamento da questão como um todo, observando suas peculiaridades, necessidades e as mudanças sociais que serão 67 BRASIL. PLS 612/2011 de autoria da Senadora da República Marta Suplicy. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/>. Acesso em: 28 mai. 2012. Grifo nosso. 68 Ibidem. Grifo nosso. 35 afligidas a todos por esse enfrentamento é que tornará possível propor opções que permitam a inclusão digna desses grupos. Tal reflexão está condensada abaixo e não objetiva propor saídas relativas ao casamento homoafetivo. A pretensão é apenas demonstrar que a reflexão filosófica de motivação é necessária por propor multiplicidade de opções, encarar a questão em si – e não os paradoxos a ela inerentes – e se configurar como proposições completas que devem ser pensadas para expressão do direito como justiça. Mas é possível decidir se o Estado deve reconhecer ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Alguns dizem que sim e defendem esse tipo de união fundamentando-se em argumentos liberais e eximindo-se de julgamentos: os indivíduos devem ser livres para escolher os parceiros conjugais. [...] Se esse argumento for um fundamento suficiente para reconhecimento legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o assunto pode ser resolvido no âmbito do raciocínio público liberal, sem que se recorra à concepção controversa do propósito do casamento e daquilo que ele representa. [...] E, como nos lembra Aristóteles, discutir sobre o propósito de uma instituição social é discutir sobre as virtudes que ela respeita e recompensa. O debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo é fundamentalmente um debate sobre o valor das uniões gays e lésbicas, sobre se elas merecem o mesmo respeito e o mesmo reconhecimento que nossa sociedade outorga ao casamento sancionado pelo Estado. Desse modo a questão moral implícita é inevitável. Para vermos como isso acontece, é importante termos em mente que um Estado tem diante de si três possíveis posições a respeito do casamento, e não apenas duas. Ele pode adotar a posição tradicional e reconhecer apenas o casamento entre um homem e uma mulher; ou pode fazer o que já fizeram vários estados americanos: reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo da mesma forma que reconhece o casamento entre um homem e uma mulher; ou pode ainda eximir-se de reconhecer qualquer tipo de casamento, deixando que as associações privadas assumam esse papel. [...] “Se o casamento fosse uma questão apenas privada”, todas as discussões sobre o casamento gay seriam irrelevantes. [...] Já que o Estado não outorgaria mais a qualquer núcleo familiar o título honorífico de casamento, os cidadãos poderiam se abster dos debates sobre o télos do casamento ou sobre se gays e lésbicas se enquadram nele. [...] No entanto. [...] A tentativa de fazer a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo sem envolver a questão moral da homossexualidade está profundamente lastreada nas ideias de não descriminação e de liberdade de escolha. No entanto, essas ideias não podem, por si só, justificar o direito á união homossexual. [...] a autonomia e a liberdade de escolha não bastam para justificar por si só o direito ao casamento entre pessoa do mesmo sexo. Se o governo fosse realmente neutro quanto ao valor moral de todos os relacionamentos íntimos voluntários, o Estado não teria argumentos para restringir o casamento a apenas duas pessoas; a poligamia consensual também teria que ser aceita. De fato, se o Estado realmente quisesse manter-se neutro e respeitar todas as escolhas que os indivíduos quisessem fazer, ele teria de acatar a proposta de Michael Kinsley e se abster de outorgar o reconhecimento a qualquer tipo de casamento. [...] A verdadeira questão quando se trata do casamento gay não é assegurar a liberdade de escolha, mas definir se as uniões entre pessoas do mesmo sexo são dignas de respeito e reconhecimento por parte da comunidade – se elas cumprem o propósito da instituição social do casamento. Em termos aristotélicos, trata-se da justa distribuição de cargos e honrarias. É uma questão de reconhecimento social. [...] “Na realidade, há três parceiros em cada união civil: dois cônjuges voluntários e um Estado que dá sua aprovação.’’ Essa característica do casamento ressalta seu aspecto honroso : ‘’O casamento civil é, ao mesmo tempo, um profundo comprometimento pessoal com outro ser humano e uma celebração pública dos ideias de reciprocidade, 36 companheirismo, intimidade, fidelidade e família.’’ [...] Ante interpretações conflitantes de uma prática social – casamento para procriação versus casamento como um compromisso exclusivo e permanente, [...] como podemos determinar a mais plausível? Uma das formas é determinar qual delas explica melhor as leis do casamento existentes, de modo geral. Outra é determinar a interpretação o casamento que celebra as virtudes mais merecedoras. [...] Nesse caso, a controvérsia moral e religiosa implícita é inevitável. [...] Concluímos que não podemos nos basear nas ideias da não discriminação e da liberdade de escolha. Para decidir quem pode qualificar-se para o casamento, devemos raciocinar no sentido do propósito do casamento e das virtudes que ele honra. E isso nos conduz ao contestado terreno moral, no qual não podemos permanecer neutros em relação ás concepções divergentes da vida boa.”69 A normatização da homoafetividade como núcleo familiar ou como grupo com necessidades especiais de intervenção estatal está longe de ser encarada de forma séria pelo Estado. As posições do STF e do Senado, pela PLS, apenas explicita a visão limitada que o Estado tem da questão homoafetiva, passando a legislar sobre pedaços destacados formando uma colcha de retalhos da qual não se sabe os efeitos e os desdobramento que cada retalho pode ou não gerar na sociedade. Mesmo com a PLS citada e a posição do STF em relação à união homoafetiva, o presente trabalho se mantém pertinente, pois a reflexão dialética sugerida aqui objetiva propor o enfrentamento e a regulamentação legal e legitima da questão. Trata-se, portanto, de uma provocação para que Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como toda a sociedade, enfrentem a questão e em conjunto, e não somente contenciosamente, avaliem a união homoafetiva em si – não somente em seus efeitos – para que seja a mesma regulamentada efetivamente e a sociedade preparada para lidar de forma respeitosa com esse fenômeno. 2.2 ADOÇÃO Adoção, do Latim ad optare, optar, escolher. Aqui se trata das famílias constituídas por opção, que se entrelaçam prioritariamente por laços de amor e afetividade. Assim se classificam os “filhos do coração”, escolhidos para serem filhos, e, efetivamente, se tornando pelo ato jurídico da adoção, sendo esse ato o marco inicial desses vínculos familiares. 69 SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa - 6, ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2012, passim. 37 A adoção surge no ordenamento jurídico como a necessidade de dar continuidade a família, como um subterfúgio para os casais que não podiam ter filhos. O adotado servia assim como meio para que os objetivos do adotante fossem atingidos, numa visão extremamente utilitarista e consequencial. Ainda sobre o seu surgimento, Kátia Maciel nos ensina que: Sua Existência foi ameaçada durante o período da Idade Média, pois as regras da adoção iam de encontro aos interesses reinantes naquele período, já que se a pessoa morasse sem herdeiros, seus bens seriam herdados pelos senhores feudais ou pela igreja. Retornou às legislações no Direito Moderno, com a elaboração do Código de Napoleão, na França, em 1804. Em nosso país , a adoção sempre foi prevista em lei. A constituição Federal de 1988 trouxe nova roupagem para o Direito de Família, e, conseqüentemente, para a adoção. Em decorrência desta nova disciplina da Matéria, surge a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz , em seu bojo, sistemática para a doação da crianças e de Adolescentes.70 No entendimento de Fujita “adoção é o negócio jurídico pelo qual se promove, mediante sentença judicial constitutiva, o ingresso de uma pessoa, independente da existência entre elas uma relação parental consanguínea ou afim.” 71 Independe da existência de uma relação parental passa-se a ter a filiação promovida mediante emissão de uma sentença judicial. “[...] adoção é um ato jurídico stricto sensu (art. 185 do CC), pois os seus efeitos são apenas os fixados em lei, [...].”72 Como já mencionado, na busca de efetivar o comando constitucional consagrador do principio da proteção integral o ECA elevou os interesses das crianças e adolescentes e o instituto da adoção sofreu profundas mudanças com seu advento. Atualmente este instituto se dedica a proteção integral da criança e do adolescente e não mais apenas a dar filhos a quem não os tem. A lição de Flávio Tartuce em apud à Maria Berenice é que: A doutrina da proteção integral e a vedação de referencias discriminatórias na filiação (CF 227§ 6°) alteram profundamente a perspectiva da adoção. Inverteu-se o enfoque dado à infância e à adolescência, rompendo-se a ideologia do assistencialismo e da institucionalização, que privilegiava o interesse e a vontade dos adultos.73 Das modalidades de colocação em família substituta previstas a adoção é a mais completa, pois “[...] há inserção da criança/adolescente no seio de um novo núcleo familiar, 70 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, passim. 71 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo. Atlas. 2009, p. 53. 72 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 385. 73 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. Ed. Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2009, p.125, apud, BRAUMER, Maria Claudia Crespo; AZAMBUJA, Maria Regina Fay. 2003. p 31. 38 enquanto que as demais (guarda e tutela) limitam-se a conceder ao responsável algus dos atributos do poder familiar.”74 Ainda sobre a proteção integral a lei 12.010/2009, que versa sobre adoção, dispõe em seu artigo 1° o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. A propósito, nos ensinamentos de Gonçalves, sobre as mudanças da referida lei: A referida Lei Nacional da Adoção estabelece prazos para dar mais rapidez aos processos de adoção, cria um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados por pessoas habilitadas e limita em dois anos, prorrogáveis em caso de necessidade, a permanência de criança e jovem em abrigo. A transitoriedade da medida de abrigamento é ressaltada na nova redação dada ao artigo 19 do ECA, que fixa o prazo de seis meses para a reavaliação de toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional. O cadastro nacional foi definido em resolução do Conselho Nacional de Justiça. A lei em apreço fixa em 18 anos a idade mínima pra que uma pessoa possa adotar uma criança.75 Como se vê, as mudanças trazidas visam aprimorar e agilizar o processo de adoção dos menores e o seu retorno para a convivência familiar. “Agora, a adoção significa muito mais a busca de uma família para uma criança, sendo abandonada a concepção tradicional em que prevalecia sua natureza compensatória.” 76 Adoção tem hoje um novo direcionamento e respeita os direitos da criança ou adolescente, e, não mais, a necessidade dos pais de continuar a família e o culto familiar. Até mesmo por esses motivos, se caracteriza hoje como ato irrevogável. A referida lei trata ainda em pormenores as regras de adoção, inclusive destacando os impedimentos e pré-requisitos para sua concretização. Como impedimentos para a adoção, além de critérios subjetivos de habilitação, o legislador ainda definiu de caráter total – que não pode ser superado – a proibição aos ascendentes e irmãos do adotando. Quanto aos impedimentos, “estes não são colocados contra as pessoas que postulam a adoção, mas em benefício da criança/adolescente com o intuito de protegê-los.”77 Sobre essa proibição, ainda nos ensinamentos de Kátia Maciel percebe-se que: Cuidou o legislador de instituir impedimento total à legitimidade para adotar, a fim de evitar inversões e confusões nas relações de parentesco. Caso fosse permitida a adoção por este parente, haveria um verdadeiro tumulto nas relações familiares, em decorrência da alteração dos graus de parentesco. [...] Foi, certamente, pensando 74 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 197. 75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6. Direito de Família – 7. ed. atual. São Paulo. Saraiva. 2010, p. 368. 76 DIAS, Maria Berenice (Coord.). Direito de Famílias. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2009, p. 152. 77 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 207. 39 neste tumulto, entre outras coisas, que o legislador criou o impedimento. [...] Esta proibição é uma forma de não se alterar as relações de afeto existentes no seio familiar. A situação artificial que seria trazida pela adoção realizada pelos avós ou irmãos tumultuaria a família trazendo um desequilíbrio às suas sadias relações. Existindo afeto entre os membros da família, não será a permissão da adoção que fará com que este sentimento se torne mais forte.78 A crítica quanto a esse posicionamento doutrinário, consiste no que hoje representa a adoção. Se a adoção, como exposto anteriormente, se configura como dar uma família a quem não tem, não encontra abrigo o argumento de que essa família não pode ser originada pelo ascendente ou irmão do adotado. Nesse sentido, Kátia Maciel preceitua que: [...] o legislador preocupou-se com o aspecto puramente patrimonial, desconsiderando o lado afetivo do problema, o que faz com que se tenha uma solução jurídica, não social. Afirma a autora que entre a regra do art. 6º do ECA e a do art. 42 do mesmo diploma legal, haveria uma antinomia jurídica, devendo, por aplicação da norma do art. 6º - que determina que sejam atendidos aos fins sociais a que a lei se destina, pela supremacia do melhor interesse -, que ser permitida a adoção pelos avós. E consequentemente pelos irmãos, acrescentamos. 79 Outro ponto muito controverso recai sobre a adoção por casais homoafetivos. Aqui, há de se observar posições controversas na doutrina, nos tribunais, na legislação e na sociedade. Legalmente, o diploma que regulamenta a adoção não proíbe que casais homoafetivos adotem uma criança. Utilizando-se da máxima de que o que não é proibido é permitido, temse acionado o poder judiciário para o deferimento de adoções por esses casais. O problema reside no dispositivo legal que exige, na adoção por duas pessoas, que essas sejam casadas ou convivam em regime de união estável. Doutrinariamente, os que se posicionam contra a adoção homoafetiva, em sua maioria, defendem que por não terem tais relações o condão de união estável – já que a união estável pode ser convertida em casamento e a homoafetiva não – seria necessário mudar a lei para que passasse a união homoafetiva – que tem características próprias – a ser considerada um núcleo familiar e, consequentemente, elegível a adoção. Socialmente a controvérsia em relação ao tema é enorme. Ambos os lados, articulam inúmeras movimentações sociais e políticas para solução do embate, cada qual com seus interesses e argumentos. Não cabe a este trabalho, avaliar o mérito da adoção homoafetiva, e sim, prover argumentos relevantes para definição do que é a posição mais justa em relação ao tema. Tema este que tem desdobramentos muito maiores que a simples constatação de serem ou não tais 78 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 209. Grifo nosso. 79 Ibidem, p. 210. Grifo nosso. 40 uniões estáveis. Grande parte da doutrina, analisa superficialmente o tema e em conjunto com órgãos colegiados ou monocráticos da justiça divulga inúmeros pareceres psicológicos e psiquiátricos de que a orientação sexual dos pais não influência a dos filhos. Tal entendimento, para esse grupo, é suficiente para restringir sua análise considerando apenas que a adoção homoafetiva respeita os princípios da dignidade humana, igualdade e não discriminação dos homossexuais, passando – já que a opção sexual do adotado não será influenciada – a conceder a adoção a casais homoafetivos pela extensão de efeitos de união estável a união homoafetiva. Corroborando tal entendimento, Kátia Maciel preceitua que: Em decorrência deste entendimento, não vislumbram nenhum impedimento para que seja deferida a adoção para duas pessoas do mesmo sexo, afirmando que a recusa se dá apenas com base em preconceito. Em grande parte dos pedidos de adoção formulados por homossexuais, verifica-se a existência de uma relação estável com pessoa do mesmo sexo, onde a criança/adolescente também viverá, sendo tratada com filho pelas duas pessoas. Porém, o vínculo jurídico existirá apenas com a relação a uma delas, o que gerará total insegurança para o menor adotado como para o pai/mãe que não a adotou, tudo causado por uma postura omissiva do Estado.80 Posicionamento reforçado ainda por Flávio Tartuce: [...] Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes.81 Esse posicionamento também tem encontrado guarita nos tribunais, como cita Flávio Tartuce: Na verdade, entendemos que essa forma de adoção pode ser encarada como alternativa as situações de desamparo, ou seja, de crianças abandonadas. Entra em cena discussão relativa ao art. 43 do ECA, pelo qual a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. [...] Poderia se afirmar se a adoção homoafetiva traz prejuízos a criança? [...]Segundo a psicanalista Giselle Camara Groeninga[...] não é possível fazer qualquer afirmação, pelo fato de, até o presente momento, não haver campo de pesquisa para tanto. Em reforço ao debate, Roger Raupp Rios apresenta argumentos científicos convincentes a respeito da possibilidade da adoção homoafetiva, merecendo transcrição integral as suas lições: “De fato, as pesquisas psicológicas revelam que casais homossexuais não diferem de casais heterossexuais no que diz respeito à criação de seus filhos, além de rejeitar as hipóteses de confusão de identidade de gênero, de tendência à homossexualidade e de dificuldade no desenvolvimento psíquico e nas relações sociais de crianças cuidadas por casais homossexuais. [...] Esta diminuição das chances de encontrar ambiente familiar positivo viola frontalmente os deveres de 80 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 216. 81 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 385. 41 cuidado e de proteção que a Constituição exige do Estado e da sociedade. Mais grave ainda: invoca-se a proteção da criança como pretexto para, em prejuízo dela mesma, fazer prevalecer mais uma das manifestações do preconceito heterossexista” 82 No entanto, tal discurso pode se configurar como evasivo e deixa de considerar vários pontos importantes. A adoção envolve além do casal e o poder judiciário, uma criança ou um adolescente. Nos dias de hoje, a adoção consiste em dar uma família a quem não tem, sendo a criança e o adolescente o maior ator dessa relação. Como bem preceitua Kátia Maciel: Não encontramos, dentre todos os autores que não vislumbram impedimento para a adoção por duas pessoas de mesmo sexo, um estudo pelo ponto de vista de quem está sendo adotado, limitando-se todos a afirmar que a criança/adolescente estará melhor em qualquer família onde será amada, do que em um abrigo. Parece-nos que fazem destas argumentações uma bandeira em defesa do “politicamente correto”, algo que passou a ser moda em nosso País. [...] Concordamos que a negativa da concessão de adoção a duas pessoas do mesmo sexo tem uma grande dose de preconceito. Não é o preconceito ou a luta contra o mesmo que fará com que seja possível, ou não, a possibilidade de adoção por casal que viva relação homoafetiva. A legislação é que dirá sobre a possibilidade, ou não, de sua realização.83 Da crítica exposta, vários pontos chamam a atenção e serão tratados com maior parcimônia abaixo: Se a adoção atende a finalidade de dar uma família ao que não a tem, a análise de legitimidade ou não para adotar deveria ser feita sobre a ótica do adotado. Se a ascendentes e irmãos recai impedimento total para adotar – para preservação de relações de parentesco – à casais que residem fora do pais a permissão é sobremodo dificultada e à casais homoafetivos é permitido adotar – apenas por ser melhor para o adotado estar em um lar do que em um abrigo, não atende esse instituto o melhor interesse da criança: ser tratado como sujeitos de direito, dotados da dignidade que merecem – por parte do Estado – e serem vistos como um fim em si mesmos e não como uma forma de atender as necessidades de alguém – necessidade de ter filhos, de preservação de relações de parentesco ou ainda de diminuir os números negativos do abrigamento. Os estudos psicológicos amplamente divulgados por órgãos representativos dos direitos homoafetivos, doutrinadores, juízes, desembargadores e ministros, lamentavelmente apreciam a questão sob a ótica moralmente preconceituosa de influência ou não da opção sexual dos pais na orientação sexual dos filhos. No entanto, a questão que realmente importa 82 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil volume 5, Direito de Família. 6. ed, revista e ampliada. São Paulo. Método. 2011, p. 388, apud RIOS, Roger Raupp. 2009. Disponível em: < http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=4233>. Acesso em: 11 nov. 2009. 83 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 216. 42 é se essas crianças sofrem algum tipo de risco social – e não se elas sofrem o risco de se tornarem homossexuais –, já que em um Estado no qual o indivíduo é respeitado pela condição humana e não por sua opção sexual o risco ou não de ser influenciado pela opção sexual dos pais adotivos não deveria importar. Outro ponto que merece destaque é se efetivamente estamos com uma sociedade pronta para receber, sem preconceitos, essas crianças. Que no seio familiar serão amadas, providas em suas necessidades, cuidadas, mas que nem sempre sob esse véu de proteção se abrigarão, já que o homem tem sua experiência de vida aperfeiçoada na sociedade e não somente na família. Juridicamente não estamos preparados para proteger as crianças e adolescentes adotados por casais homoafetivos. Em uma exemplificação minimalista, nem mesmo o registro do ato jurídico da adoção representará um ato de respeito à dignidade dessas crianças, já que nem mesmo a lei de registro civil está adaptada a essa realidade. Hoje temos essas crianças sob força de decisão monocrática ou colegiada com registros civis destoantes dos demais – já que retiradas estão as menções a “pai” e “mãe”, que mesmo tendo sido suprimidas do registro de nascimento, não o foram da vida civil. A análise deve recair sobre os motivos que levam a se optar ou não por permitir a adoção por casais homoafetivos. Com maestria Eduardo Bittar em apud a Immanuel Kant, nos ilumina nessa questão: “A boa vontade não é boa pelo que efetivamente realize, não é boa pela sua adequação para alcançar determinado fim a que nos propusemos; é boa somente pelo querer; digamos, é boa em si mesma. Considerada em si própria, é, sem comparação, muito mais valiosa do que tudo o que por meio dela pudéssemos verificar em proveito ou referência de alguma inclinação e, se quisermos, da suma de todas as inclinações.”84 Nesse contexto de inércia legislativa acerca do tema, o judiciário precisa atender aqueles que o procuram, sob pena de restringir direitos. Com efeito, em face à mora legislativa de “regulamentar situações fáticas familiares – como ocorreu no caso dos companheiros por décadas e décadas -, o Judiciário acaba por ter que solucionar as questões, com interpretações analógicas, para suprir a lacuna legal.”85 Na lição de Robert Alexy: O princípio fundamental: “Todo poder estatal origina-se do povo” exige compreender não só o parlamento, mas também o tribunal constitucional como 84 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed - revista e aumentada. São Paulo. Atlas. 2011, p.326, apud KANT, Immanuel. 1997, p. 38. 85 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 221. 43 representação do povo. A representação ocorre, decerto, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal argumentativamente. Com isso, deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional tem um caráter mais idealístico do que aquela pelo parlamento. A vida cotidiana do funcionamento parlamentar oculta o perigo de que maiorias se imponham desconsideradamente, emoções determinem o acontecimento, dinheiro e relações de poder dominem e simplesmente sejam cometidas faltas graves. Um tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo senão, em nome do povo, contra seus representantes políticos. Ele não só faz valer negativamente que o processo político, segundo critérios jurídico-humanos e jurídicofundamentais, fracassou, mas também exige positivamente que os cidadãos aprovem os argumentos do tribunal se eles aceitarem um discurso jurídico-constitucional racional. A representação argumentativa dá certo quando o tribunal constitucional é aceito como instância de reflexão do processo político. Isso é o caso, quando os argumentos do tribunal encontram eco na coletividade e nas instituições políticas, conduzem a reflexões e discussões que resultam em convencimentos examinados. Se um processo de reflexão entre coletividade, legislador e tribunal constitucional se estabiliza duradouramente, pode ser falado de uma institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado constitucional democrático. Direitos fundamentais e democracia estão reconciliados.86 Mas algo tão sensível, que envolve temas tão intrínsecos da organização social precisam ser debatidos com a sociedade. Somente o processo legislativo com seus atributos de supremacia da vontade popular pode trazer a essa questão uma solução justa, que seja exequível e por isso legal e legitimamente oposta a todos, independente de concepções morais ou amorais. Como um ponto de equilíbrio, Kátia Maciel elucida que: Inegável o fato da existência de relacionamentos duradouros entre pessoas do mesmo sexo, ao qual pode-se denominar família, mas família social, não regulamentada, ou seja, não reconhecida pelo legislador, mas não união estável. É necessária urgente regulamentação de tais uniões, pois existem e o Direito não pode negar este fato. Necessário, assim, que se tenha a aprovação de lei regulamentando a união entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, que haja seu reconhecimento como modelo típico da família, como o é a família matrimonializada.87 Nesse contexto, urgente é a necessidade de preparação da sociedade para a questão homoafetiva. Mas não pode o Estado aguardar eternamente pela regulamentação da união homoafetiva pelo Legislativo e nem mesmo acreditar que nessa casa legislativa a questão será frontalmente encarada e ao ser normalizada será exequível e efetivamente realizará alterações na sociedade, reduzindo e pondo fim aos conflitos a ela intrínsecos. A amostra fornecida pela PLS citada deixa claro que não existe ainda em tal esfera do poder a preocupação em efetivamente tratar a questão homoafetiva e sim retirar do congresso nacional a “pecha” de poder moroso e “reconhecer o que de fato o STF contenciosamente já definiu.” 86 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Trad. Luís Afonso Heck. In: Revista Direito Administrativo. Rio de Janeiro. 217: 55-66, jul./set. 1999. 87 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 217. 44 Nesse sentido, as políticas públicas passam a ser uma opção viável de preparação da sociedade para o convívio, em curto prazo contingencialmente, mas de forma digna e legitima a longo prazo. 2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS COMO UM FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL Políticas Públicas nos ensinamentos de Geraldo Giovanni, em uma definição minimalista são: [...] intervenções planejadas do poder público com a finalidade de resolver situações problemáticas, que sejam socialmente relevantes. Sua existência pressupõe legitimada capacidade mínima de planificação no aparelho de Estado - seja do ponto de vista técnico, (capacidade de gestão, em sentido amplo), seja do ponto de vista político (legitimidade). Além disso, é necessário, também, uma estruturação republicana da ordem política vigente. Por outro lado, a identificação e delimitação daquilo que é socialmente relevante, dependem de capacidade coletiva de formulação de agendas públicas e da existência de um Estado com capacidade de resposta a demandas sociais (responsiveness), da formalização e da institucionalização dos direitos de cidadania, além da existência de uma cultura política compatível com tais princípios. Em outras palavras, constitui-se numa modalidade particular de intervenção estatal, fundada, de um lado, num acervo de conhecimentos técnicos sobre a realidade social e, de outro, num conjunto de formas variadas de interação com a sociedade. 88 Na pós-modernidade, as políticas públicas articuladas e multidisciplinares tem se estabelecido como formas eficazes de combate a marginalização social, processos discriminatórios e segregação de grupos sociais, por exemplo. Tal instrumento, ante a realidade apresentada no tópico anterior, pode ser adotada como meio de suprir essa lacuna entre o sistema normativo, a realidade de fato e o que se espera de uma sociedade e sistema normativos justos. Lenaura Lobato, sobre as políticas públicas, em seu estudo de 2009, acrescenta que: A noção de instituições diz respeito a ideias, valores e normas que pautam a vida social. O Estado tem posição privilegiada, embora não exclusiva, na mudança ou reprodução dessas instituições. E as políticas públicas, na medida em que definem 88 GIOVANNI, Geraldo de. "Políticas públicas e política social". Disponível em: <http://geradigiovanni.blogspot.com.br/2008/08/polticas-pblicas-e-poltica-social.html>. Acesso em: 18 mai. 2012. 45 orientações governamentais que sedimentam ou alteram a posição estatal em relação aos problemas da coletividade, contribuem para esse processo.89 Políticas públicas seriam então entendidas como o Estado agindo com a sociedade para acentuar a igualdade entre os grupos sociais por meio de um programa de governo e ações de atuação específicas com determinados grupos, todas articuladas e voltadas para a inclusão dos segmentos de risco. Considerando que somente o grupo pode corresponder a alguns interesses, a sociedade tem como finalidade propiciar o desenvolvimento das relações humanas e da própria personalidade de cada homem. Expõe ainda Geraldo Giovanni que: Ao longo do tempo, nesse contexto de interações, desenvolveram-se padrões e exigências de conhecimentos técnicos específicos de intervenção, ao mesmo tempo em que as relações entre o Estado e esse cast foram se institucionalizando, criando pautas de conduta política, regras e padrões que modificaram os processos decisórios tradicionais, dando origem a essa forma nova, contemporânea, mais partilhada, de exercício do poder. [...] Hoje, dispõe-se de um razoável acervo de conhecimentos que vão desde a construção de tipologias, inovações conceituais, identificação de estruturas, estabelecimento de ciclos e identificação de aspectos normativos.90 Resultam as políticas públicas de um processo de construção histórica. Sendo o maior destaque dessa forma de exercício de poder as políticas públicas sociais. Para Geraldo Giovanni, sociais são aquelas políticas públicas cujo conceito : [...] tem um caráter evolutivo, que se define em razão de seus componentes históricos devemos deixar claro que ele se refere às formas de proteção social desenvolvidas a partir da segunda metade do século XIX, embora sua aplicação possa ser referida a períodos anteriores. Sua compreensão está referida a um conceito mais amplo, de sistema de proteção social, que considero um fato social universal, na acepção de Èmile Durkheim, presente em todas as sociedades humanas, organizado em sistemas, entendidos como conjuntos de relações e instituições perfeitamente delimitáveis, conforme os define Niklas Luhman.“Assim, chamo de sistema de proteção social as formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros.91 Para compreender as políticas públicas sociais no Brasil temos que olhar para 1988 quando a Constituição Cidadã normalizou os direitos fundamentais, sociais e a dignidade da 89 LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa. Dilemas da institucionalização de políticas sociais em vinte anos da Constituição de 1988. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, jun. 2009 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000300008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 mai. 2012. 90 GIOVANNI, Geraldo de. "Políticas públicas e política social". Disponível em: <http://geradigiovanni.blogspot.com.br/2008/08/polticas-pblicas-e-poltica-social.html>. Acesso em: 18 mai. 2012. 91 GIOVANNI, Geraldo de. "Políticas públicas e política social". Disponível em: <http://geradigiovanni.blogspot.com.br/2008/08/polticas-pblicas-e-poltica-social.html>. Acesso em: 18 mai. 2012. 46 pessoa humana, além da tutela dos direitos da criança e do adolescente. Tais direitos passaram a ser prioridade do Estado e, no Brasil, o uso de políticas públicas se intensificou. Para atender os princípios constitucionalmente estabelecidos, sobretudo na área social, foram iniciados o planejamento e a implementação das políticas públicas sociais. Tais implementações voltam-se para ação política de inclusão social e não se confundem com política de assistência social, sendo esta, muitas vezes, a forma de aplicação de políticas sociais de caráter mais assistencialista do que político propriamente. Rafael Dias ainda delimita política social como: instrumento político, que deve ser tratada politicamente. [...] Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. [...]Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.92 Mas, para que uma política pública, principalmente em questões sensíveis como adoção e homoafetividade, logre êxito é necessário que alguns requisitos sejam atendidos. Esse é o ensinamento de Mara Oliveira: Para o sucesso de uma política pública, é necessário que existam diagnósticos válidos e confiáveis que evitem conclusões superficiais; objetivos claros e possíveis de serem alcançados, considerando as necessidades dos usuários; operacionalização adequada ao diagnóstico; avaliação permanente da execução das ações, que permitam sua reformulação e fiscalização – controle social dos usuários, do órgão gestor. Estes órgãos têm o dever de fazerem exigências ao trabalho realizado pelas entidades/organizações. Além de espaços participativos e democráticos.93 A Carta Política brasileira institui elementos democráticos na gestão das políticas públicas pelo estabelecimento de políticas sociais prevendo ainda a participação da sociedade civil em todo esse processo. Estabelece ainda a Constituição que as políticas sociais sejam desenvolvidas democraticamente e a sociedade, organizada por meio de órgãos representativos, delibere também sobre o planejamento, execução, controle e supervisão dos planos e programas. 92 DIAS, Rafael de Brito. O que é a política científica e tecnológica?. Sociologias, Porto Alegre, v. 13, n. 28, Dec. 2011 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151745222011000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 Mai. 2012. 93 OLIVEIRA, Mara. Acessando direitos sociais: redes municipais de políticas sociais - espaço de articulação entre as políticas sociais públicas. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/976/756>. Acesso em: 19 mai. 2012. 47 Nesse sentido, por serem os processos sociais complexos, a sociedade é corresponsável na gestão de políticas sociais, para serem assim as ações estatais legítimas e exequíveis por estarem adequadas a dinâmica coletiva da vida social. Mas a construção dessas políticas é um processo que exige engajamento dos responsáveis pela sua construção. Já que basicamente, trata-se de uma “reforma” em um edifício social já existente, mas deteriorado ou inadequado às necessidades da sociedade. Nesse sentido, o recorte encontrado em site da internet de autor desconhecido, nos ensina que: Participação vem acompanhada de compromisso, capacidade de negociação, descoberta de ferramentas para se impor um projeto. Não é uma dádiva, é conquista; põe em ação a crença na viabilidade dos sonhos, acima dos partidarismos; segue um processo lento, acompanhado pelo olhar vigilante da sociedade civil, para que não seja tutelada pelo poder público; significa exigir dos poderes executivo, legislativo e judiciário o cumprimento de suas funções; deve ser um instrumento para conquista, garantia e equaçionalização das oportunidades sociais para todos, e não de manipulação para escamotear o autoritarismo; [...] Por isso, ela é construída e recriada com entusiasmo, esperança e fé na possibilidade de mudar a situação.Ela é importante pelo conteúdo pedagógico, para a construção de uma ética social que contribua ao reordenamento das coisas públicas e propicie a passagem de uma cultura de favores para uma cultura de direitos. [...] Uma vez circunscrita no âmago da desigualdade política e social, permite aperfeiçoar os procedimentos de aquisição da cidadania e romper o paternalismo, sob a guarda das organizações e dos movimentos populares.94 Nas palavras de Jean Jacques Rousseau, “As leis não são propriamente senão as condições de associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o autor das mesmas; compete unicamente aos que se associam regulamentar as condições de sociedade;”95 Há, no entanto, que se considerar que políticas sociais devem ser generalistas, não focando apenas nos indivíduos-problema e em suas necessidades, mas sim nos problemas de relevância social e em como atuar em todos os meios que o permeiem no sentido de equacioná-los. Por esse motivo, tais políticas são condicionadas ao contexto histórico em que se estabelecem: O Estado é perpassado pelas contradições do sistema e assim sendo, objetivado em instituições, com suas políticas, programas e projetos, apoia e organiza a reprodução das relações sociais, assumindo o papel de regulador e fiador dessas relações. Desse modo, as políticas sociais públicas só podem ser pensadas politicamente, sempre referidas a relações sociais concretas e como parte das respostas que o Estado 94 AUTOR DESCONHECIDO. História da assistência à criança e ao adolescente. Disponível em: <http://api.ning.com/files/sm2UVPlAgcZ*E8ZIW2GEFS8bqiHZi0*mRG31GVf1DJdgiK9QdPppgED29rQALlc P-YpKKxiw-QPBEUwoPWrugXv-1YqQXsfP/anexo4.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2012. 95 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. ed. eletrônica (e-books). Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/contratosocial.html>. Acesso em: 10 mai. 2012. 48 oferece às expressões da “questão social”, situando-se no confronto de interesses de grupos e classes sociais.96 Há que se entender que o fim maior de implantação de políticas públicas é equilibrar os grupos sociais em suas desigualdades, estando assim, inerente às mesmas o senso necessário de justiça e respeito aos direitos. Já que políticas públicas, depois de desenhadas e formuladas, desdobram-se em planos, programas e projetos, permitem a sociedade acompanhar o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz, embora que a longo prazo. Sendo esse um mecanismo eficaz para pressionar a atuação do Estado em relação à justiça social. O maior cuidado que se deve ter em relação a políticas públicas sociais decorre do fato de que interesses individuais agregados devem gerar bens coletivos o que requer que a escolha dos projetos a se implementar reflitam interesses sociais coletivos e não somente interesses de grupos personalistas. Rafael Dias a esse propósito nos ensina que: a visão mais comum da teoria da escolha pública, de que o processo decisório sobre políticas públicas resulta apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contestada pela visão de que interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada país. Os decisores agem e se organizam de acordo com regras e práticas socialmente construídas, conhecidas antecipadamente e aceitas.97 Em pesquisa elaborada por pesquisadora da Universidade São Judas Tadeu, a justificativa para aprovação da problemática a se pesquisar fundava-se em alguns pontos, que na realidade resumem a importância da temática políticas públicas para esse trabalho, e, por isso, merecem ser transcritos aqui, mesmo não se tratando de um artigo científico: Sendo assim, as políticas públicas descobrem-se como importantes instrumentos de implementação de justiça social, unidade de garantia da efetividade da norma constitucionalmente – ou mesmo infraconstitucional – de direitos e garantias fundamentais de direito social. [...] A justiça social exige - muito mais que a afirmação formal em documentos jurídicos ou político, uma política pública que a desenvolva. Saliente-se a importância desse tema atualmente, com a onda flexibilizadora dos direitos sociais. Deve-se exigir que as novas tendências e suas políticas garantam o desenvolvimento dessa justiça social, que tem como primado a dignidade humana.98 96 VÁRIOS AUTORES. Periódico PRAIAVERMELHA, Estudos de Política e Teoria Social. Publicação semestral do Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ). Disponível em: <http://www.ess.ufrj.br/siteantigo/download/revistapv_18.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2012. 97 DIAS, Rafael de Brito. O que é a política científica e tecnológica?. Sociologias, Porto Alegre, v. 13, n. 28, Dec. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151745222011000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 Mai. 2012. 98 AUTOR DESCONHECIDO. Pesquisa com ementa disponível no site: <http://www.usjt.br/cursos/direito/arquivos/lucyla.pdf. Consulta realizada em 14 de maio de 2012>. Acesso em 02 abr. 2012. 49 Ainda em relação a políticas sociais públicas, o uso de ações afirmativas pode se configurar como elemento necessário para sua promoção como afirma João do Nascimento: As ações afirmativas são formas de políticas públicas que objetivam transcender as ações do Estado na promoção do bem-estar e da cidadania para garantir igualdade de oportunidades e tratamento entre as pessoas e a mobilização dos setores culturais com intenção de ampliar as ações de inclusão social. [...] são medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros". (Ministério da Justiça, 1996, GTI População Negra). [...] Nesse contexto, as ações afirmativas surgem para tratar com igualdade pessoas diferentes. 99 A exemplo do exposto tem-se as ações afirmativas que tem se voltado como política pública no combate a homofobia. Complementando o entendimento sobre as ações afirmativas Manoel Gonçalves complementa que: As ações afirmativas, por sua vez são “distinções no sistema normativo, em benefício de grupos determinados – negros, mulheres etc. –, que visam a equiparálos (igualá-los) a grupos outros que servem de padrão de referência. [...] Justificamse tais distinções pela finalidade que é igualar e não desigualar, mas igualar corrigindo tratamentos discriminatórios – portanto prejudiciais ao grupo – globalmente vigorantes na sociedade. Refletem elas a ideia do tratamento desigual dos que se apresentam desigualados na sociedade. [...] Entretanto, o equacionamento dessas ações afirmativas é extremamente delicado, pois não só pode ter efeitos negativos, como ensejar privilégios em favor dos grupos por elas avantajados. Ora, isto importaria em violação do princípio constitucional de igualdade, portanto, em inconstitucionalidade.100 Políticas públicas são assim parte importante da institucionalização de valores e regras da vida coletiva. Elas orientam concepções, definem estratégias, alocam recursos e distribuem valores para a sociedade [...]. 101 O processo de inclusão social dos grupos homoafetivos, bem como de crianças abrigadas passam necessariamente por um processo de transformação social. As políticas públicas, quando bem implementadas, são ferramentas eficazes para o estabelecimento de novos valores, aceitação das diferenças e mudança fática na realidade social. 99 NASCIMENTO, João do. Ações afirmativas e políticas públicas de inclusão social. Disponível no site: <http://meuartigo.brasilescola.com/sociologia/acoes-afirmativas-politicas-publicas-inclusao-social.htm>. Acesso em 12 mai. 2012. 100 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo: Saraiva. 2011, P. 141. 101 LOBATO, Lenaura de Vasconcelos Costa. Dilemas da institucionalização de políticas sociais em vinte anos da Constituição de 1988. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, jun. 2009 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000300008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 mai. 2012. 50 Seja como um fator educacional de combate ao preconceito ou efetivamente conduzindo debates sociais e exigindo normas legitimas – em sintonia com o problema tutelado, tais programas e projetos facilitam a inclusão de minorias pelo diálogo das ideologias controversas ao longo de seu andamento podendo se configurar como uma medida eficaz para minimizar os problemas sociais de inclusão homoafetiva. É preciso ampliar a democracia através de um modelo de representação política da sociedade que realmente amplie a legitimidade de seu funcionamento. 51 3 PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA EM DETRIMENTO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA. ANÁLISE POSTULATIVA DO DESLOCAMENTO DO ÔNUS SOCIAL PARA O MENOR EM CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS “As coisas na vida estão entrelaçadas de tal maneira que para distingui-las necessitamos de discernimento crítico, em vez de um discurso totalizante, escondendo as contradições e impondo o pensamento e/ou alternativas únicas.”102 Não seria diferente ao avaliarmos a questão homoafetiva em face da adoção. Não há duvidas que os núcleos familiares homoafetivos, em sua maior parte, são marcadamente configurados por relacionamentos estáveis e que as crianças adotadas por esses casais serão amadas e supridas na maior parte de suas necessidades, e aqui refere-se àquelas que são supríveis no núcleo familiar. Mas, como na emblemática narrativa de Saint-Exupéry (1943), o Pequeno Príncipe tem necessidades que só podem ser supridas no convívio com outros homens. Chegará o momento em que apenas uma flor egoísta e três pequenos vulcões não serão suficientes e ele partirá em busca de um carneiro. Para o processo de amadurecimento e formação de sua personalidade, bem como a afirmação enquanto ser social não basta o seu pequeno planeta. Em muitos momentos essas crianças deixam de estar protegidas pelo amor de seus pais ou mães e precisam lidar com os mais diferentes tipos de situações, frustrações – a maior parte delas atípicas se comparadas a seu universo reduzido. Embora muitas vezes seja duro é necessário amadurecer, cativar o que queremos e conhecer muitas outras flores, como as que se pensava serem únicas, e essas experiências são geradas fora do seio familiar. Em sua jornada rumo ao amadurecimento essas crianças se depararão com a sociedade pós-moderna. 102 REDIN, Euclides;/ZITKOSKI, Jaime José. Políticas públicas para a inclusão social – a educação em foco. UNIrevista - Vol. 1, n° 2, abril. 2006. Disponível em: <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Redin_e_Zitkoski.pdf>. Acesso em 19 mai. 2012. 52 Embora uma postura entusiasta acredite na capacidade do homem de superar as diferenças em busca do bem comum, há que se observar que a homoafetividade hoje enfrenta conflitos de grande magnitude, exigindo do Estado, inclusive, além de ações afirmativas, intervenções coercitivas para tipificação da homofobia na tentativa de assegurar a integridade física e muitas vezes a vida de homossexuais, vitimas da intolerância. A exemplo disso, dados compilados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) indicam que o Brasil teve em 2011 266 assassinatos de gays, travestis e lésbicas – 6 a mais que em 2010 e um aumento 118% nos últimos seis anos [122 em 2007]. Ainda segundo o GGB: “Os gays lideram os "homicídios": 162 (60%), seguidos de 98 travestis (37%) e 7 lésbicas (3%). O Brasil confirma sua posição em primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos homofóbicos, concentrando 44% do total de execuções de todo o mundo.103 Além da violência física em torno da questão homoafetiva temos vários degraus que ainda precisam ser construídos. Hoje, do registro civil dessas crianças ao convívio escolar, existem milhares de mudanças necessárias, de imediato, para assegurar o respeito à vida digna dessas crianças e adolescentes. A título exemplificativo, o Ministério da Educação divulgou recentemente que uma criança fica em média 800 horas por ano na sala de aula. Existe um comprometimento do Governo Federal para ampliar esse indicador, mantendo a maior parte das escolas em período integral e ampliando a quantidade de dias letivos no ano. 104 Isso significa que no mínimo nessas 800 horas, essas crianças estão em contato com outras pessoas, que não sejam sua família. Dificultando ainda mais uma expectativa entusiasta em relação ao tema, em maio de 2011 durante a Semana de Ação Mundial (SAM) - resultado de parceria entre Governo Federal, UNESCO e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura com o objetivo de pressionar líderes e políticos para que cumpram os tratados e as leis nacionais e internacionais, no sentido de garantir educação pública de qualidade em mais de 100 países - foram divulgadas estatísticas cruéis coletadas pela UNESCO em 2004 onde: 98,5% dos respondentes revelaram disposição em manter distância de homossexuais, 39,6% dos estudantes de sexo masculino não gostariam de ter um colega de classe homossexual e 103 GRUPO GAY DA BAHIA. Estatística extraída do Relatório Anual da Homofobia – Estatísticas do ódio. Bahia. Disponível em: <http://www.ggb.org.br/>. Acesso em 03 jun. 2012. 104 O ESTADO DE SÃO PAULO. 2011. São Paulo. Disponível no site: <http://www.blogeducacao.org.br/governo-estuda-aumentar-tempo-que-aluno-fica-na-escola-diz-haddad/>. Acesso em: 21 mai. 2012 53 60% das(os) professoras(es) afirmaram não ter conhecimento suficiente para lidar com a questão da homossexualidade na sala de aula. Ainda nesse sentido um dos pleitos realizados pela SAM em audiência pública em Brasília foi à implementação imediata do item “Direito à Educação” do Programa Brasil sem Homofobia, “que prevê formação inicial e continuada de professores na área da sexualidade e aprovação e disponibilização do kit Escola sem Homofobia para escolas públicas.”105 Nessas referidas 800 horas, essas crianças estarão à mercê dessa sociedade. E, não existem bases teóricas e nem empíricas para entender se essa violência que massacra os homossexuais será estendida também a seus filhos. O Estado, por não enfrentar de fato a problemática homoafetiva, não detém análise empírica para orientar tomadas de decisão considerando os riscos que sofrem tais crianças. Na prática temos uma educação despreparada para a questão homoafetiva, uma sociedade cuja uma parte não quer entender a homoafetividade e a outra não foi preparada para conviver com essa diferença e um poder público que demora em legislar democraticamente sobre o tema e tem resolvido a questão com precedentes judiciais saindo dos casos concretos e pontuais para a generalidade. O cenário nem de longe é esperançoso a curto prazo. Na leitura atual da sociedade a marca do preconceito contra os homossexuais é visível. Tais crianças vão conviver com esse estigma que demonstra o longo caminho a ser percorrido para evitar que elas se deparem com a dura realidade de desrespeito e violência que, inclusive na escola, persegue os homossexuais, como por exemplo: Medo, desprezo e intolerância. esses são apenas alguns dos sentimentos de repulsa demonstrados contra homens e mulheres homossexuais. A homofobia – ódio ou aversão à homossexualidade – é uma prática disseminada não apenas entre skin heads, ou grupos extremistas, mas também entre adolescentes, jovens, adultos e idosos que, por motivos culturais, sociais ou de conduta individual, discriminam pessoas de acordo com a orientação sexual.”106 Clara fica a questão, quando se observa a polêmica gerada em torno do kit de combate a homofobia produzido pelo Ministério da Educação (MEC) recentemente e que no ápice da polêmica sobre a sua distribuição ou não, teve seu recolhimento definido pela Presidenta Dilma Roussef. 105 INSTITUTO VOTORANTIN. Educação não discriminatória é tema da Semana de Ação Mundial 2011. Disponível em: <http://www.blogeducacao.org.br/educacao-nao-discriminatoria-e-tema-da-semana-de-acaomundial-2011/ >. Acesso em 21 mai.2 012. 106 LUCION, Célio. Homofobia na escola pública. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/981-4.pdf>. Acesso em: 20 de Abril de 2012. 54 Ainda nesse sentido, Célio Lucion em seu trabalho afirma que a “homofobia atua de forma cruel e intolerante entre os alunos e com anuência ou omissão dos educadores, resultando em violência escolar”.107 Conclui ainda que: Talvez, dizer que a escola seja incapaz de enfrentar essa barreira homofóbica, soa a eufemismo. É possível que exista, uma intenção deliberada, consciente, mas, não revelada de tratar a homossexualidade intramuros, que é, justamente não falar sobre o tema, não “levantar a lebre”, deixá-la escondida, ocultá-la, como se fosse um “segredo”. [...] A negação dos/as homossexuais no espaço legitimado da sala de aula acaba por confiná-los às “gozações” e aos “insultos” dos recreios e dos jogos, fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se reconhecer como desviantes indesejados ou ridículos.108 Como contraponto histórico, a construção dos direitos da população afrodescendente e das mulheres, respeitando-se as especificidades de cada realidade, pode indicar os danos que a falta de políticas públicas de inclusão, aliada ao não enfrentamento da questão/fenômeno e da falta de leis legais, legítimas e exequíveis podem resultar. Cento e vinte e quatro anos depois da abolição da escravatura ainda convivemos com o racismo, segregação intelectual, econômica e social além de violência a dignidade e integridade física de pessoas negras e afrodescendentes. Quando se olha para a emancipação da mulher, mais de quarenta anos depois ainda percebe-se claramente que a aceitação das minorias ou dos grupos de risco não são uma realidade na sociedade brasileira. Nesses dois exemplos pode-se perceber uma semelhança da postura do Estado brasileiro, que evita o enfrentamento da questão, falha ao promover políticas públicas e ações afirmativas de inclusão desses grupos e não implementa o diálogo social como uma forma de promoção da inclusão. Restando no final, como medida de cautela, firmar de forma coercitiva a obrigatoriedade de respeito a esses direitos como podemos observar na Lei Maria da Penha, na tipificação do Racismo, nas cotas para negros nas universidades públicas e no projeto de lei para assegurar a participação feminina nas cúpulas de empresas públicas, por exemplo. Diariamente somos confrontados com essa realidade quando observamos os índices da pobreza que assola a parcela afrodescendente da população, as quotas universitárias, ou até mesmo para usar um exemplo com danos irreversíveis, à violência contra a mulher. Tais exemplos resultantes da negligência por parte do Estado de conscientizar e adotar políticas públicas aliadas à atuação sistêmica em todas as esferas do poder – principalmente a legislativa – para conter abusos e evitar os processos de marginalização social. 107 LUCION, Célio. Homofobia na escola pública. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/981-4.pdf>. Acesso em: 20 de Abril de 2012. 108 Ibidem. 55 Contenciosamente já tipificamos o racismo e a violência contra a mulher e as estatísticas de supressão dos direitos dos negros e das mulheres permanecem nos mostrando que apenas a tipificação não resolve o problema. Décadas de preconceito nos indicam que a tipificação da homofobia e os arranjos temporários legislativos, por si, também não resolverão o problema, o que nos conduz a reflexão de que seja necessário trilhar outros caminhos. Na lição de Giselle Cittadino (Rio de Janeiro, 2001) entendemos que a “experiência histórica pode ser compatível não apenas com o reconhecimento comunitário dos direitos fundamentais, mas também com uma cultura capaz de fornecer argumentos críticos sobre o ordenamento normativo, levando a sua redefinição”. Nesse sentido, o Jornal Carta Capital, publicou recentemente uma matéria que aborda a tipificação da homofobia e corrobora o entendimento exposto sobre essa questão: Toda lei ou regra é resultado de uma negociação que toma como ponto de partida um princípio do qual os interessados compartilham. Há, no entanto, uma parte delicada em todo esse processo. As leis, que chegam à maioria das pessoas como a melhor resposta que a sociedade pôde dar a um problema, ocultam os caminhos que levaram a essa resposta. A maior parte dos que a elas se sujeitam não participou de suas formulações e desconhece as negociações que as delimitaram. A abordagem legislativa é importante e deve ser estabelecida. A lei ora proposta preenche uma lacuna importante dos direitos civis, mas é necessário ir além. Num país onde se ouvem aberrações como “tem lei que pega e tem lei que não pega”, não há garantia nenhuma de que essa lei vai mudar comportamentos, talvez assegure às vítimas, o que é muito importante, um aparato legal para punir aqueles que, incapazes de lidar com seu medo, partem para atitudes irracionais. Por outro lado, as instituições podem contribuir significativamente para a transformação desse quadro, entre elas, está a escola.109 José Afonso realiza em sua obra sobre aplicabilidade de normas constitucionais alguns questionamentos que fomentam essa reflexão: [...] Mas uma norma só é aplicável plenamente se estiver aparelhada para incidir, o que suscita várias questões, além da interpretação, como: Estará em vigor? Será válida ou legítima? Será apta para produzir os efeitos pretendidos, ou precisará de outras normas que lhe desenvolvam o sentido? Em outras palavras, tem ou não tem, eficácia?110 Hoje a homossexualidade é uma das principais causas de bullying nas escolas. Sem ter referências sociais e culturais para debater a respeito da identidade de gênero e da orientação sexual, os jovens acabam referindo-se com ironia e preconceito aos gays dentro e fora da escola. 109 SOUZA, José Carlos. Diálogos da diferença. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/dialogos-da-diferenca/ Acesso em 21 mai. 2012. 110 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo. Malheiros. 2002, p. 51. 56 Pesquisas mostram que a escola tem sido um verdadeiro "inferno" para alunos homossexuais. Nas palavras do próprio movimento homoafetivo: eles são ignorados ou impedidos de participar de atividades em grupo, seus objetos são furtados, são alvos de piadinhas e xingamentos, ora são agredidos fisicamente das mais variadas formas. Ainda considerando violência na escola a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) publicou o relatório intitulado Experiência de discriminação, marginalização social e violência: estudo comparativo de jovens muçulmanos e não muçulmanos em três Estados Membros da União Europeia (UE) em Outubro de 2010. O objetivo era entender as relações entre as experiências de discriminação e marginalização social sofridas pelos jovens, e as suas atitudes em relação aos comportamentos violentos ou o seu envolvimento. Foram inquiridas cerca de 1 000 crianças dos 12 aos 18 anos de idade (jovens) em cada um dos três Estados-Membros – no total, participaram no inquérito três mil jovens. O inquérito centrou-se nos três Estados-Membros da UE que sofreram ataques terroristas associados ao radicalismo islâmico ou conflitos urbanos relacionados com jovens imigrantes de origem predominantemente muçulmana. Os resultados dessa análise mostraram que: [...] a marginalização social tem consequências drásticas e negativas para qualquer sociedade. A marginalização das crianças produz efeitos ainda mais terríveis. [...] Além disso, concluiu-se que os “os jovens que se sentiam socialmente marginalizados e os que tinham sido vítimas de violência devido à sua cultura ou religião, cor da pele ou língua, eram mais suscetíveis de empregarem violência emocional contra outras pessoas do que os jovens que não se sentiam socialmente marginalizados ou que não tinham sido vitimizados. [...] Concluiu ainda que Os principais fatores suscetíveis de serem associados ao comportamento violento são: ser do sexo masculino, fazer parte de um grupo/bando de delinquentes juvenis, ser vítima de discriminação e ser marginalizado socialmente. [...] É prioritário combater a marginalização e a discriminação social, nomeadamente no que respeita ao seu efeito de tornar a violência justificável aos olhos dos jovens.111 Eduardo Bittar, traz em sua obra sobre a ética uma crítica fundamental a esse respeito: [...] Conviver com a violência não é algo que se tolere com facilidade. Trata-se de uma experiência abominável para todos aqueles que se encontram em meio a conflitos armados,disputas territoriais,conflitos raciais, á violência gananciosa que se desenvolve nos grandes centros urbanos na busca do enriquecimento ilícito e fácil (banalização da violência, com profundo desrespeito á pessoa humana; desenvolvimento de uma indústria de violência como meio de vida de assaltantes; multiplicação de sequestros e crimes atrozes...).112 111 EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Experiência de discriminação, marginalização social e violência: estudo comparativo de jovens muçulmanos e não muçulmanos. 2010. Disponível em: <http://www.fra.europa.eu>. Acesso em: 19 mai. 2012. 112 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011, p. 112. 57 Como reforçado no capítulo apropriado, cabe ao Estado, Sociedade e Família priorizar e assegurar o direito das crianças e adolescentes. Hoje já existe um abismo entre a diretriz normativa e a realidade fática. Tem-se o dever categórico de respeito à dignidade da pessoa humana. E isso inclui por força normativa as “pessoas pequenas”. Não existe, é verdade, análises empíricas ou teóricas nesse sentido. Mas, na dúvida, adotando-se uma lógica matemática simples pela falta de análises mais rebuscadas, a probabilidade de risco é de 50%, já que uma abordagem minimalista indica como efeitos a possibilidade ou não de ocorrência. Além de uma obrigação moral, o Estado e a Sociedade se obrigam em relação a essas crianças com um ônus legal de proteção e prioridade absoluta. Em meio a essa realidade o direito de casais homoafetivos adotarem filhos, que efetivamente assegura a esses casais o respeito a sua dignidade colide diretamente com a dignidade, a prioridade absoluta e o maior interesse da criança, ao se observar que enquanto pessoa em desenvolvimento não detém a criança e o adolescente condições de se submeter a esse conflito social que estamos vivendo. Gilmar Mendes, a respeito da colisão dos direitos fundamentais apregoa que: A liberdade consistem em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limite senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.113 A adoção nos dias de hoje, existe com o objetivo de dar um lar a quem não tem considerando o maior interesse do adotado e não do adotante. Liberar essas crianças para serem inseridas em meio a essa polêmica social é uma negligência do poder Judiciário e do poder Legislativo e desloca para a criança um ônus social que ela não tem condições físicas e nem psicológicas para suportar, dada a sua condição de ser humano em desenvolvimento. Não é justo e nem moralmente aceitável que as únicas opções que a criança tenha, por uma postura negligente do Estado e preconceituosa da sociedade, sejam optar entre permanecer abrigada ou ter um lar que eminentemente a exporá a conflitos e violências das quais ela não poderá escapar sem danos - não por falta de amor e afeto de seus pais, pois o ponto aqui não é esse – até mesmo pela impossibilidade de seus pais ou mães a protegerem dessa influência e preconceito. 113 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade - Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. - revista e ampliada. São Paulo. Saraiva. 2007, p. 29. 58 Mas em casos onde direitos fundamentais colidem como é possível chegar a uma decisão justa? Gilmar Mendes delimita em sua obra àquilo que se pode considerar colisão de direitos: Fala-se em colisão entre direitos individuais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos individuais por diferentes titulares. A colisão pode decorrer, igualmente, de conflito entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade. Assinala-se que a ideia de conflito ou de colisão de direitos individuais comporta temperamentos. É que nem tudo que se pratica no suposto exercício de determinando direito encontra abrigo no seu âmbito de proteção. [...] A precisa identificação do âmbito de proteção do direito indica se determinada conduta se acha protegida ou não. [...] Tem-se, pois, autêntica colisão apenas quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de proteção de outro direito individual. [...] Embora o texto constitucional brasileiro não tenha privilegiado especificamente determinado direito, na fixação das cláusulas pétreas (CF, art. 60, §4º), não há dúvida de que, também entre nós, os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1º, III). [...] Assim devem ser levados em conta, em eventual juízo de ponderação, os valores que constituem inequívoca expressão desse princípio (inviolabilidade de pessoa humana, respeito a sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade). [...] também no direito brasileiro, o princípio da dignidade humana assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre as posições de conflito. [...] se utilizar, conscientemente, do princípio da proporcionalidade como “lei de ponderação”, rejeitando a intervenção que impõe ao atingido um ônus intolerável e desproporcional.114 Manoel Gonçalves afirma a importância de se avaliar a pertinência em casos como esses: Em casos concretos, na aplicação dos direitos fundamentais, ocorre muitas vezes o fenômeno da colisão de direitos. Quer dizer, num mesmo caso, podem ser, em tese, aplicados dois direitos diferentes, com consequências muito diversas. [...] A solução de tais colisões é muito delicada e exige muita atenção quanto aos aspectos de fato. Podem-se indicar, todavia, alguns princípios que devem guiá-la. Claro está que o ideal é a conciliação dos direitos, o que nem sempre é possível. Se não o for, cabe recorrer ao princípio de pertinência que envolve uma avaliação de peso – qual o direito mais “pesado”, mais importante, no caso em discussão, pois a este se deverá dar preferência.115 Quando dois princípios opostos colidem – incidindo no mesmo caso concreto – a solução do conflito tem que ser encontrada levando-se em conta o peso relativo de cada um deles.116 Ainda nesse sentido: [...] os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na melhor medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida de seu cumprimento depende não só 114 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade - Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. - revista e ampliada. São Paulo. Saraiva. 2007, passim. Grifo do autor. 115 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo: Saraiva. 2011, p. 127. 116 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coord.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001, p. 59 das possibilidades reais mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.117 Ao se realizar uma análise de pertinência entre princípios conflitantes não se busca invalidar um dos princípios ou se configurar uma exceção a sua aplicação e sim propiciar a supremacia do outro no caso concreto. A ponderação de pesos é que permite que cada princípio ceda naquilo que for viável. “A lei de ponderação determina que a medida permitida de não satisfação ou de afetação de um dos princípios depende do grau de importância da satisfação do outro.”118 Gilmar Mendes a esse respeito ainda esclarece que: Da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdade, poderes e garantia são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou “limites dos limites”, que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.”119 O que torna uma ação moralmente digna não são suas consequências ou os resultados que dela decorrem e sim o motivo, a sua motivação. Assim, em relação à adoção, prevalece o maior interesse da criança e a dignidade da pessoa humana da criança, uma vez que concede o Estado a essa, pela doutrina de proteção integral, prioridade absoluta no estabelecimento de seus direitos, adicionalmente aos demais direitos intrínsecos da pessoa humana. Tal proteção resguarda condições de desenvolvimento dessas “pessoas pequenas” enquanto sujeitos de direitos hipossuficientes. Nos ensinamentos de Manoel Gonçalves, em relação a essa proteção que objetiva promover a igualdade dos sujeitos de direitos, observa-se que: A unidade do direito não significa, todavia, que não haja distinções no tratamento jurídico. As distinções são, ao contrário, uma própria exigência da igualdade. Esta – como se sabe – consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. [...] Mas distinção não é discriminação, na medida em que a diferenciação “compensa”a desigualdade e por isso serve a uma finalidade de igualização, como ensinou San Tiago Dantas, quando a diferenciação visa ao “reajustamento proporcional de situações desiguais”, pois. [...] Para isto, entretanto – é a lição agora de Stein -, a igualdade reclama uma relação entre o critério de diferenciação e a finalidade perseguida com a diferenciação.120 117 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coord.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001, p. 118 Ibidem, p. 119 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade - Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. - revista e ampliada. São Paulo. Saraiva. 2007, p. 41. 120 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais - 13. ed.São Paulo: Saraiva. 2011, p. 140. 60 Muito mais que suprir necessidades, que são de suma importância, mas decorrem de questões respectivamente biológicas – impossibilidade de gerar filhos naturalmente nos arranjos homoafetivos – ou de políticas públicas ineficientes – seja em definir meios de planejamento familiar ou conscientização em relação ao combate a violência de menores, ou por políticas inadequadas na promoção da adoção, por exemplo –, precisamos entender o que é o melhor para o adotado. Nesse sentido, Eduardo Bittar em apud a Immanuel Kant nos ensina que: “Todo homem é um fim em si mesmo, um sistema particular capaz de governar-se a si próprio de acordo com a orientação da máxima decorrente do imperativo categórico. O homem, como ser por natureza racional, é o ser que tem em si o princípio do domínio de si; [...]. Fazer uso de outrem é torná-lo meio, ou seja, é tratá-lo em completa afronta com o dever moral. [...] “O imperativo prático será, pois, como segue: age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro , sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca somente como um meio”121 E essa decisão não pode ser tomada de forma minimalista partindo-se da máxima de que para as crianças em busca de um lar substitutivo é sempre melhor estar em um lar sob quaisquer condições do que abrigadas. Cabe notar que ao adotar essa postura estamos tomando a decisão pelo motivo errado. Essas não são as únicas duas soluções possíveis para a problemática e por esse motivo o juízo não deve se restringir a esse contraponto. É categórico, em meio ao debate atual, definir o motivador da decisão que permite ou não à adoção homoafetiva. O motivador de sua negação é proteger essas crianças da exposição a violência claramente caracterizada nesse trabalho, em respeito a tais “pessoas pequenas” – que enquanto pessoas tem um fim em si mesmos e não podem ser usadas para suprir problemas biológicos e sociais. É importante perceber que “entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim, deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins.”122 Nesse sentido, Kátia Maciel afirma que: Ao se pensar na possibilidade de ser permitida a adoção por pessoas de mesmo sexo será com relação à criança/adolescente. Temos que ter certeza de que esta pessoa em formação não venha a passar por nenhum constrangimento em suas relações sociais. 121 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed - revista e aumentada. São Paulo. Atlas. 2011, p. 337, apud KANT, Immanuel. 1997, p. 79. 122 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coord.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001, p. 61 Temos que nos certificar de que não será ela alvo de nenhum tipo de discriminação pelo fato de possuir dois pais ou duas mães, já que não temos certeza se a sociedade está preparada para conviver com este tipo de situação. [...] Estaremos lidando com uma criança ou um adolescente e é nela/nele que devemos prioritariamente pensar quando do curso de um processo de adoção, mesmo em detrimento da pessoa do adotante. Não basta a pura alteração da lei ou do entendimento da doutrina e da jurisprudência. A alteração há que ser muito mais profunda, terá que ser sociedade como um todo, o que ainda levará um bom tempo.123 Embasando ainda mais tal crítica, Kátia Maciel afirma que: Não deve o jurista querer forçar a opinião social, impondo a sua vontade, mas convencer a sociedade de que seu ponto de vista é o mais adequado. Não deve o jurista querer arrombar a porta que encontra-se fechada, causando danos, mas abrila. Esta abertura só se dará com a aceitação da ideia pela Sociedade e coma a alteração legislativa que apontamos.124 Ainda em relação a essa problemática, Eduardo Bittar ao citar Rawls, nos exorta a perceber possibilidades intermediárias: “[...] é através da comunidade social, baseada nas necessidades e potencialidades dos seus membros, que cada pessoa pode ser beneficiar da realização da totalidade das qualidades naturais dos outros. Chegamos, assim, à ideia de que a espécie humana forma uma comunidade cujos membros gozam das qualidades e da personalidade uns dos outros, de acordo com o que é tornado possível por instituições livres, e reconhecem o bem de cada um como um elemento de uma atividade, cujo sistema de conjunto merece o consentimento e dá prazer a todos. Esta comunidade pode também ser imaginada como duradoura, pelo que, na história de uma sociedade, as contribuições conjuntas das sucessivas gerações podem ser concebidas de forma semelhante”125 Ainda reforçando a posição de prevalência dos direitos da criança de existir com condições dignas precisamos entender que para tais pessoas além dos direitos fundamentais a constituição ainda estabeleceu em seu artigo 227 a prioridade absoluta – válida inclusive quando há conflitos de direitos com outros grupos – e o direito dever de se colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Fica clara a posição do poder constituinte de que em casos de conflito há de se optar, sob pena de inconstitucionalidade pela prevalência dos direitos da criança e do adolescente. 123 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 220. 124 Ibidem, p. 220. 125 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed - revista e aumentada. São Paulo. Atlas. 2011, p. 430, apud RAWLS, 1993, p. 396. 62 CONCLUSÃO A vida social, muitas vezes é formada por escolhas trágicas. Cabe a sociedade e ao Estado definir o que é prioridade e como estabelecer o menor nível de influência e interferência na vida das pessoas, considerando ainda impactos sociais, morais e pessoais conflitantes. A primeira vista, pode parecer injusto se optar pela restrição nesse momento à adoção homoafetiva, mas aqui tratou-se de ponderar princípios. Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas, sociais e até mesmo jurídicas, deve pairar o princípio do maior interesse e da prioridade absoluta, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e adolescentes. Temos que respeitar a dignidade de alguém não por qualquer coisa em particular sobre ele e sim por respeito à humanidade. Respeito é um imperativo de alteridade. Não podemos usar essas crianças para resolver o problema da prole em arranjos homoafetivos e muito menos o problema estatal e social dos menores abrigados em instituições ou famílias substitutas. A adoção é um ato irrevogável e precisa ser feita pela razão certa. Deve-se focar no motivo do direito. Pois nesse “vale tudo” em prol da dignidade, igualdade e liberdade, ética e politicamente correto é abrir mão de atingir interesses por necessidade de grupos específicos e passar a agir por ser o correto a se fazer em observância ao direito de todas as pessoas, inclusive as pequenas. Os valores de pequenos grupos considerados isoladamente e divergindo da maioria podem causar desigualdades sociais travestidas de tutela estatal, por isso devemos avaliar as motivações das decisões para que a equação esteja balanceada e os produtos equacionados, cada qual em seu lado representativo, estejam proporcionalizados. Como nos ensina José Afonso: [...] Nos estados democráticos o poder constituinte pertence ao povo. [...] e se uma constituição vem de outra fonte, é que ocorreu usurpação. Só o povo é legítimo para determinar, por si ou, por seus representantes, o estabelecimento de uma constituição, ou para reformá-la nos limites por ela mesma estatuídos.126 É bem verdade que o afeto, principal justificador de formação das famílias modernas, é um fator indispensável entre os indivíduos que formam um núcleo familiar. 126 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. - revista e atualizada até a EC n. 53 de 19/11/2006. São Paulo. Malheiros. 2007, p. 58. 63 De igual forma, é inegável que crianças adotadas por casais homoafetivos terão de seus pais todo o afeto e apoio para seu desenvolvimento. Assim também o é que o direito dos homossexuais de pleitear a formalização de seus arranjos familiares é legítimo. No entanto, propomos a reflexão de que o caminho contencioso, pelas experiências históricas, pode não ser, por si, a melhor solução. Em face da mora legislativa e da falta de enfrentamento adequado da questão homoafetiva pelo poder político, o poder judiciário tem exercido a jurisdição e normatizado casos pontuais, bem como determinado efeitos erga ominis para algumas situações da problemática homoafetiva. A questão é delicada, mas a justiça é invariavelmente crítica. A adoção por casais homoafetivos exige do Estado à ponderação de direitos humanos fundamentais dos dois lados e não somente a análise restritiva de se são ou não os arranjos homoafetivos núcleos familiares de fato. A análise aqui tem que pesar sobre a possibilidade ou não de, imediatamente, respeitar de forma legal, legitima e digna todas as implicações desencadeadas por esse entendimento. Nesse sentido, Eduardo Bittar esclarece que: Porém, se se pode dizer que o direito imoral é válido tanto quanto o direito moral, sua característica principal está no fato de ser um fenômeno desprovido de sentido, e esse fato faz presumir que o direito se exerce como mero instrumento de poder e autoridade, destituído de legitimidade, de algo que enobreça como atividade prudencial, e não como atividade baseada na força. Por sua vez,o direito moral, além de válido, tem algo a mais, que o corrobora como prática social, ou seja, possui sentido, encontrando reforço de manutenção, durabilidade, constância e obediência no consentimento popular. A conclusão não é outra senão a de que o direito instrumentaliza a justiça, e é carente de seu sentido.127 Pese-se ainda que a peculiar situação da criança de ser físico e psicologicamente um ser em desenvolvimento, torna necessária a tutela por parte do poder público dos direitos da criança. Essa é uma questão onde a justiça não é alcançada sem perdas, mas “não se pode alcançar uma sociedade justa simplesmente maximizando a utilidade ou garantindo a liberdade de escolha. [...] precisamos raciocinar juntos sobre o significado de vida boa e criar uma cultura pública que aceite as divergências que inevitavelmente ocorrerão.”128 Mesmo sendo uma reflexão cuja síntese dialética exige a ponderação de quais perdas serão suportadas por quais grupos – considerando a capacidade de absorção de impactos dos 127 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica - Ética Geral e Profissional - 8. ed. São Paulo. Saraiva. 2011, p. 57. 128 SANDEL, Michael J. Justiça - O que é fazer a coisa certa - 6, ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2012, p. 322. 64 ônus afligidos -, o desafio é imaginar uma política que efetivamente use o diálogo para definir medidas alternativas que não sejam a imposição de quebra de paradigmas sem a devida estruturação para que o novo conceito seja não somente legal, mas também legítimo, exequível e absorvível pela maior parte da sociedade. Eis que urge a necessidade de análise dessa questão, como nos ensina Kátia Maciel: [...] É imprescindível que as mudanças legislativas ocorram com maior brevidade possível, pois as crianças e adolescentes que conseguem família não podem ser punidas pelo preconceito e pela covardia de nossos legisladores, pois está claro que o judiciário solucionará os casos que lhes foram apresentados.129 “O objeto primário dos princípios da justiça social é a estrutura básica da sociedade, ou seja, a articulação das principais instituições sociais num sistema único de cooperação.” 130 Na prática, questões de justiça social exigem atuações enérgicas já que como ensina Eduardo Bittar, citando Norberto Bobbio em apud a Immanuel Kant: [...] o “direito é o que possibilita a livre coexistência dos homens, a coexistência em nome da liberdade, porque somente onde a liberdade é limitada, a liberdade de um não se transforma numa não liberdade para os outros, e cada um pode usufruir da liberdade que lhe é concedida pelo direito de todos os outros de usufruir de uma liberdade igual à dele.131 Ainda nos ensinamentos de Eduardo Bittar: Se não há direitos humanos sem respeito, o respeito significa aqui a capacidade de amor e deixar se desenvolver integralmente, e não o de dominar, o castrar, o manipular; uma ética do cuidado exala respeito, porque cultiva o poder do afeto como forma de “olhar com atenção” (respiecere). Por isso, a educação e a metodologia em (e para) os direitos humanos deve preparar para o convívio com a diversidade, na base do diálogo e do respeito, voltado para a alteridade, como forma de prática de solidariedade social, na base da tolerância.132 Finalmente, deixa-se a reflexão de que existe um preço a ser pago para que o pleito da adoção homoafetiva seja atendido nesse momento. Cabe a Sociedade, Família e Estado definir se a criança tem capacidade de suportá-lo. Nem de longe parece ser essa uma proposição justa, pois, por sua peculiar situação, a criança além de não ter voz participante e ativa nessa problemática, não é dotada de condições de se autoproteger tendo ainda seu direito fundamental de dignidade, prioridade absoluta e proteção integral vilipendiados. Talvez, em prol de razões lógicas, racionais, objetivas e quiçá justas, mas tais adjetivos não mudam o fato de se estar permissivamente a vilipendiar direitos do lado hipossuficiente com tutela estatal. 129 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed, revista e atualizada conforme a lei nº 12.010/2009. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2010, p. 221. 130 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed - revista e aumentada. São Paulo. Atlas. 2011, p. 430, apud RAWLS. 1993, p. 63. 131 Ibidem, p 707, apud BOBBIO, Norberto. 1997, p.70 132 Ibidem, p. 707 65 Cabe concretamente as “pessoas grandes”, a Família e ao Estado – ambos representantes das pessoas, grandes e pequenas – definir o que é o justo a se fazer com as “pessoas pequenas” nessa situação. 66 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AUTOR DESCONHECIDO. História da assistência à criança e ao adolescente. 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