LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas Produção de conhecimento e transformação: o papel da extensão universitária Cenários Socioambientais em municípios com mineração: uma experiência extensionista Denise de Castro Pereira1 Raquel Oliveira Wildhagen Josiane Cláudia Sales Rosa Fernanda Marques Lopes da Silva RESUMO Este artigo registra a experiência do projeto de extensão em interface com a pesquisa constituída pelo Labcen - Laboratório de Cenários Socioambientais em Municípios com Mineração. A ênfase do projeto recai na demarcação e investigação das complexidades ambientais, sociais, econômicas, políticas e culturais, de municípios e regiões submetidas às atividades minerárias em escala industrial, para que, na perspectiva extensionista, por meio de metodologias participativas se constituam saberes para o monitoramento e a prospectiva de cenários favoráveis às demandas das comunidades atingidas por grandes empreendimentos. Os resultados do primeiro ano de sua realização apontam a capacidade de interação com movimentos sociais e entidades envolvidas nos enfrentamentos das contradições e conflitos gerados na complexa relação entre Estado, empresas, meio ambiente e sociedade. Palavras-Chave: Extensão em interface com a pesquisa; Cenários Socioambientais; Prospectiva de cenários; Atores; Comunidades atingidas por mineração. 1 Respectivamente: Coordenadora do projeto de Extensão Laboratório de Cenários Socioambientais em municípios com mineração, da PUC Minas e do projeto de pesquisa sobre metodologias de cenários socioambientais financiado pela FAPEMIG (2012-2013); Bolsista de Apoio Técnico, graduada em Administração, Especialista em Gestão de Projetos Ambientais; Colaboradora, graduada em Biologia, Mestranda em Engenharia de Minas; Bolsista de Extensão, graduanda em Administração. Contatos: [email protected]. 1 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas 1 Introdução O projeto de extensão Laboratório de Cenários Socioambientais em Municípios com mineração – Labcen - tem como objetivo estratégico promover a relação intercursos no âmbito da PUC Minas para desenvolver, em perspectiva transdisciplinar, um composto de metodologias para construção de cenários socioambientais alternativos para municípios e regiões intensivas em mineração. Ancorado pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, uma diretriz institucional da Política de Extensão da PUC Minas, a proposta pretende mobilizar dimensões conceituais e ações capazes de combinar iniciativas disciplinares e curriculares, com as práticas extensionistas, calcadas em processos participativos, como referência primária para gerar conhecimentos e contribuir para a gestão de complexidades socioambientais, econômicas e culturais. O Labcen, nascido de experiências decorrentes do projeto de pesquisa extensionista de estruturação da Rede Socioambiental APA SUL, traz em sua proposição inicial a ambição de constituir-se como referência metodológica para a extensão universitária, em trabalhos de diagnósticos, assessoria e apoio a movimentos sociais e governos locais, especialmente associados a situações e áreas de vulnerabilidade socioambiental decorrentes da existência de grandes empreendimentos minerários. Este artigo objetiva registrar a experiência constituída pelo Labcen, como projeto que reflete a articulação efetiva entre práticas de ensino, de extensão e investigativas, conforme a diretriz institucional de que a Extensão deve ser exercida em caráter finalístico (PUC MINAS, 2006, 2011), em específico, se definida como Universidade “confessional e comunitária, que tem na sua filosofia humanística o eixo central da formação acadêmica e profissional” (FELIPPE; LEAL, 2011). Sua estrutura apresenta breve reflexão sobre cenários socioambientais em regiões minerárias, para em seguida apresentar o escopo do projeto em tela e, a partir do delineamento de um caso, demonstrar como a geração de conhecimentos sobre os problemas e conflitos vivenciados em comunidades atingidas por mineração foram capazes de contribuir para a institucionalização de demandas socioambientais dessas comunidades. 2 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas 2 Cenários Socioambientais: complexidade, transdisciplinaridade e possibilidades extensionistas. Os estudos sobre cenários tornaram-se significativos como ferramentas de gestão social, governamental e/ou empresarial, frente às incertezas de ambientes complexos e têm como finalidade estratégica auxiliar nos processos decisórios. Nessa perspectiva, delineiam-se diferentes usos contemporâneos de cenários, mas todos são essencialmente voltados à dinamização e instrumentalização de políticas, estratégias e possibilidades contingenciais, seja em direção a uma visão exploratória, seja em direção à transformação de condições da realidade em direção a um futuro desejado. (VAN NOTTEN, 2006; GODET, 2010). Os cenários são definidos como “descrições consistentes e coerentes de alternativas de futuros hipotéticos que refletem diferentes perspectivas sobre passado, desenvolvimentos atuais e futuros que podem servir como base para ação.” (VAN NOTTEN, 2006, p.2), ou como um meio de representação da realidade futura, “com vista a iluminar a ação presente à luz dos futuros possíveis e desejáveis” (GODET, 1993, p.41), considerando que sua credibilidade se associa às condições de pertinência, coerência, verossimilhança e transparência. No que se refere às dimensões sociais, decorrentes de empreendimentos “[...] os cenários propiciam um ambiente que enriquece o debate sobre questões críticas relacionadas com o futuro”, (MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p.49) possibilitando transparência aos tomadores de decisão ao lidarem com os riscos de uma ação. A tipologia dos métodos de cenários foi traçada a partir do estudo sobre cerca de 100 experiências realizadas desde meados dos anos 1980. Van Notten (2006) agrega três macro questões, associadas aos objetivos (porquê fazê-los: como investigação exploratória ou pre-policy?); ao processo ou design (como fazê-los: intuitivo ou analítico?); e ao conteúdo (que fazer: cenários complexo ou simples?). Dessas dimensões desdobram-se micro características que demonstram o dinamismo e a diversidade de motivos, métodos e conteúdos por meio dos quais diferentes configurações organizacionais - pequenas e grandes empresas, organismos multilaterais, organizações e departamentos governamentais, organismos interinstitucionais, cidades e regiões adotam a prospectiva de cenários e qualificam suas tecnologias de gestão e formulação de 3 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas políticas, diretrizes e estratégias. Godet (2010) distingue os cenários em dois tipos: exploratório e normativo. O primeiro, parte das tendências passadas e presentes conduzindo a futuros prováveis. O segundo, parte da construção de imagens alternativas de futuro, podendo elas, serem desejáveis ou não. Os cenários podem ser classificados como possíveis, englobando tudo o que se pode imaginar; realizáveis, considerando tudo o que é possível realizar; e, desejáveis, que se encontram entre os possíveis, mas que não são todos, necessariamente, realizáveis. A tipologia de cenários permite a orientação de atores conforme as diretrizes institucionais, valores e objetivos que podem ser tratados sob a ótica diferenciada de grupos de interesses manifestos e latentes. As proposição de cenários, sobretudo segundo a metodologia prospectiva, quando formuladas para organizações, tendem a privilegiar a centralidade do objetivo organizacional frente às adversidades ambientais. Quando se trata de cenários para municípios ou governos, por exemplo, a complexidade dos jogos de interesses se interpõe e as dinâmicas dos atores, suas estratégias devem ser reconhecidas e, para tanto, a representatividade dos distintos interesses passa a exigir recursos metodológicos específicos. É neste aspecto que se concentra a investigação metodológica que orienta a construção de cenários para municípios que se deparam com mudanças substantivas na medida em que se desenvolvem empreendimentos de grande potencial de transformação da realidade imediata e futura, como é o caso das atividades centradas na economia mineral com efeitos significativos tanto no campo social, econômico quanto ambiental. Se por um lado a atividade minerária anuncia a aceleração do crescimento econômico, com aumento de empregos, ampliação das cadeias de negócios do seu entorno, aumento de impostos e a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, por outro, as análises socioambientais revelam uma gama de problemas, como: desterritorialização, reassentamento e deslocamento de processos produtivos locais; migração, trabalhadores temporários, novas relações sociais; relações de dependência e possibilidade de obscurecer a perspectiva de desenvolvimento local quando a exploração mineral centraliza a economia; não garantia de condições para a continuidade de fluxos econômicos nem de qualidade de vida da população local nos planejamentos empresariais; fragilidade na articulação de políticas públicas locais para a construção de 4 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas alternativas para economia e a comunidade local; cidades esvaziadas pela paralisação das atividades minerárias; além da degradação ambiental conduzida especialmente pela destruição e/ou fragmentação de habitats, um dos principais motivos de perda de biodiversidade no mundo, alteração na recarga hídrica e indução de processos erosivos. De modo geral, os cenários socioambientais em regiões minerárias apontam conflitos e desigualdades (BECKER; PEREIRA, 2011; FERNADES, ENRIQUEZ; ALAMINO, 2011; ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010, entre outros). Experiências internacionais demonstram processos de reconversão econômica, como é o caso de Nord Pas de Calais na França, que ocorrem após a concentração de impactos negativos em torno das atividades do setor de mineração. As estratégias de diversificação, recentemente estimuladas pelos debates em torno da economia criativa, são apresentadas como fundamento contemporâneo para a contraposição à insustentabilidade das atividades de mineração, frente à exaustão dos bens ambientais. O que se propõe é a perspectiva de valorização das iniciativas geradoras de conhecimentos, inovações técnico-científicas e a promoção da cultura como meios de requalificação das dinâmicas locais, especialmente em função da exaustão de recursos minerais. Quando a exploração mineral centraliza a economia, promove relações de dependência que podem obscurecer a perspectiva de desenvolvimento local para além das atividades da cadeia da mineração. Esse fato pode levar a outro problema quando se iniciam ações de fechamentos de minas sem garantias para as condições de continuidade do fluxo econômico nem da qualidade de vida para a população local demonstrando fragilidade na articulação de políticas públicas para a construção de alternativas para economia. Do ponto de vista ambiental, as preocupações prospectivas com a escassez de recursos naturais foram declaradas desde as previsões de Thomas Malthus cujo “prognóstico, à época, assustou o mundo pelo pessimismo quanto ao futuro da espécie humana e despertou a necessidade do estabelecimento de regras para o controle do uso dos recursos ambientais.” (VIANA, 2012, p.30). Desde a segunda metade do século XX as Conferências Mundiais promovidas pela ONU que culminam com a Rio+20 (especificamente entre 1972 e 2012), apontam problemas, fazem prospectivas e reorientam investimentos, práticas produtivas, pesquisas científicas e tecnológicas, com o 5 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas intuito de influenciar, sobretudo, os campos em que as decisões de gestão podem levar a consequências irreversíveis sobre as condições ambientais Os impactos das decisões empresariais sobre a sociedade e o ambiente foram objeto de crítica de Aktouf (1996, 2002) que, no campo da administração de organizações, ressaltava a necessidade de a gestão corporativa se atentar para a necessidade de renovar-se, revertendo o quadro lógico de suas decisões, rompendo com as tradições de desconsiderar dimensões sociopolíticas e ambientais na medida em que as dimensões econômicas e financeiras se sobrepõem como expressão do interesse organizacional. Nesse contexto o estudo sobre cenários socioambientais – entendidos como a agregação da análise do contexto ambiental do território com a análise oriunda da participação social das comunidades, reestabelecendo, principalmente, as relações das populações locais com os territórios que habitam - se configura como ferramenta para a gestão estratégica tanto em nível público, quanto privado, na medida em que assegura técnicas específicas para os diagnósticos e análises estruturais permitindo a passagem às hipóteses sobre o futuro. A adoção do método para cenários socioambientais requer a mobilização de recursos técnicos para a caracterização de territórios e biomas, com suas respectivas características, componentes e condicionantes, requerendo a interlocução multi e transdisciplinar, entre as ciências humanas e sociais, da terra e ambientais, exatas etc. trazendo como requisitos primários os diálogos entre a gestão dos interesses econômicos, políticos, ambientais e culturais. Sinteticamente, o método se decompõe em duas grandes etapas: a de construção da base de conhecimentos sobre a realidade e a de construção dos cenários. A construção da base se realiza a partir de três fases complementares, que permitem conhecer a realidade. São elas: a delimitação do sistema; a determinação das variáveis-chave através da análise estrutural; a análise da estratégia de atores. A partir do conhecimento sistematizado parte-se para a construção de cenários o que envolve a formulação de hipóteses; a consulta aos peritos nos temas/problemas em questão (por exemplo, por meio do método Delphi) e a hierarquização de cenários. Destaca-se no Brasil o Método Grumbach, cuja proposição metodológica avança sobre a discussão das estratégias dos atores e reforça a importância da diversidade e da compreensão de suas diferenças no 6 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas processo de construção de cenários prospectivos. O Diagnóstico Rápido Participativo - DRP - apresenta-se como método de pesquisa social e participativa que identifica a necessidade de obtenção da informação e do conhecimento por parte das comunidades locais e como recurso para promover a participação da diversidade de atores. O método é empregado quando se pretende fazer um levantamento da realidade local de maneira rápida e eficiente, ao adquirir informações diretamente com a comunidade e estimular o autoconhecimento, o diagnóstico socioambiental e a análise de conflitos. Esse processo estimula a participação dos grupos sociais no processo decisório e, consequentemente, os resultados obtidos por essa interação assolam a visão simplista que os atores da esfera privada denotam às relações sociais, políticas e culturais. (GOMES; SOUZA; CARVALHO, 2001). Para sua formulação são utilizadas algumas ferramentas como: entrevistas semiestruturadas, dinâmicas grupais, linha do tempo, mapa mental, diagramas de Venn ou de representação de relações institucionais, diagramas de fluxos, caminhadas transversais, registros fotográficos e audiovisuais como documentação de traços culturais, manifestações tradicionais etc. Diante dessas questões o projeto de pesquisa e extensão cenários socioambientais em municípios com mineração propõe um estudo dos cenários sob a ótica da população. Busca-se, por meio de intervenções de caráter extensionistas, traçar as expectativas das comunidades locais, refletindo sobre o futuro que anseiam e quais as prospecções de suas visões sobre o desenvolvimento econômico e social. O objetivo é possibilitar à sociedade dotar-se de informações sobre as relações e condições socioambientais e econômicas associadas à atividade minerária, de forma a contribuir com a formulação de demandas e o delineamento de expectativas políticas frente aos impactos da mineração, destacando-se as dimensões ambientais, econômicas e sociais deles decorrentes. A partir dos diagnósticos e reflexões prospectivas, os grupos de atores com seus respectivos interesses podem consolidar diretrizes e ações estratégicas para a construção de cenários futuros. 7 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas 3 O projeto Labcen: uma experiência em construção A viabilização do projeto Labcen, em 2011, ocorreu em duas frentes concomitantes e complementares. Uma, ancorada pela investigação metodológica e de campo, por meio de projetos inicialmente financiados pelo FIP-PUC Minas (2011) e pela Fapemig (2012-13). A fundamentação teórica alimenta a prática extensionista e é retroalimentada por ela. A outra, ancorada pela possibilidade de realização de práticas extensionistas em grupos de estudos específicos promovidos em diferentes disciplinas e cursos, destacando-se a participação dos cursos de Administração, Economia, Geografia, Sistema da Informação e Ciências Biológicas. Além das dinâmicas específicas com orientação temática pelos respectivos professores/disciplinas, conforme quadro abaixo, realizaram-se várias seções de estudos interdisciplinares que também envolveram extensionistas voluntários do curso de Direito. Ao todo, cerca de 40 estudantes, entre voluntários e matriculados em disciplinas, participaram diretamente dos estudos que se traduziram em contribuições para a consolidação do Labcen como locus de geração de conhecimentos resultantes da vivência extensionista. Curso Administração Disciplina - Professor Trabalho de Conclusão de Curso - Denise de Castro Pereira Ciências Biológicas Monografia (orientação em colaboração: Denise de Castro Pereira) Desenvolvimento Socioeconômico II - Flávio Constantino Barbosa Economia Geografia Psicologia Sistema Informação Tema Mineração e sociedade, estratégias de diversificação econômica e os arranjos institucionais dos geoparks. Biodiversidade e mineração na Serra do Espinhaço Análise do desenvolvimento socioeconômico do município de Conceição do Mato Dentro. Trabalho de Conclusão de Curso II Estudos hidrológicos na bacia do rio do - Luciana Felício Pereira Peixe: impactos e perspectivas derivadas da captação de água para o mineroduto do Projeto Minas-Rio. Estágio Supervisionado V – Aspectos psicossociais em comunidades Psicologia, Ciência e Profissão no entorno de empreendimentos - Rogério Joanes dos Santos minerários – Estudo sobre as comunidades de Azevedo e Taquaraçu em Moeda-MG. de Trabalho de Conclusão de Curso II Desenvolvimento do portal do Labcen, e - Adriane Maria Arantes Carvalho Modelagem do banco de dados para o Observatório de Cenários Socioambientais em municípios com mineração. Quadro 1 – Práticas de Ensino, Pesquisa e Extensão no Labcen Fonte: Acervo do Labcen, 2012. 8 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas Durante a pesquisa de campo buscou-se, inicialmente, delinear os cenários do passado e do presente sobre o município de Conceição do Mato Dentro, selecionado como objeto de investigação, devido ao processo de implantação do projeto mineral Minas-Rio, um empreendimento de grande porte, classificado como de grau 6 na escala de ameaça e risco ambiental. Na seção seguinte será apresentada uma síntese da experiência que levantou mais problemas do que perspectivas ou prospectivas de um cenário favorável à população local. 4 Ações extensionistas em cenários socioambientais conflituosos Em 2006, o município de Conceição do Mato Dentro recebeu a notícia de que seria a sede de um projeto minerário de grande dimensão: o Projeto Minas-Rio, concebido pela empresa MMX e vendido em 2008 para a empresa Anglo American plc. O empreendimento afeta diretamente os municípios de Alvorada de Minas, Dom Joaquim e Serro, na porção meridional da Serra do Espinhaço. Ainda em 2012, em processo de licenciamento ambiental para instalação, a empresa enfrenta problemas de natureza técnica e social que atrasam a Licença de Operação. O investimento empresarial é de cerca de US$ 5 bilhões para atingir a capacidade de produção de 26,5 milhões de toneladas anuais de minério de ferro e abastecer o mercado externo a partir de 2013 (ANGLO AMERICAN, 2012). O complexo Minas-Rio inclui, além da mina de ferro na Serra do Sapo e da Ferrugem, uma planta de beneficiamento, a barragem de rejeito, o mineroduto com 525 km de extensão e que atravessa 32 municípios mineiros e fluminenses, o terminal de minério de ferro do Porto de Açu localizado em São João de Barra (RJ) e uma linha de transmissão de energia. Um ano antes da chegada desse empreendimento, a Serra do Espinhaço foi reconhecida como Reserva de Biosfera pelo Programa Man and Biosphere, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) devido às suas riquezas naturais e ao seu patrimônio histórico cultural. Essa situação poderia favorecer os esforços para a construção das políticas municipais de meio ambiente e turismo, mas o que se assistiu foi a prevalência do vetor de desenvolvimento centrado na mineração, em detrimento das expectativas de consolidação do Projeto 9 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas Estrada Real da Secretaria Estadual de Turismo de Minas Gerais “como circuito motivador do fluxo turístico na região visto atingir diretamente os municípios de Ouro Preto até Diamantina.” (BECKER, PEREIRA, 2011, p. 238; ROSA, 2011; BECKER, 2009). As transformações imediatas nas dinâmicas econômicas, tanto no perímetro urbano como nas áreas rurais, foram marcantes e registradas em pesquisa de percepção da população urbana, realizada pela equipe do Labcen, ainda em novembro de 2010. Registra-se o aquecimento da economia local, especialmente no comércio e no setor imobiliário, que demonstra intensa especulação. Os fluxos de trabalhadores temporários típicos das fases de implantação dos grandes empreendimentos afetaram o modo de vida local e, especialmente, nas áreas rurais do entorno da mina em instalação, revelam-se os conflitos sociais pelo deslocamento de famílias e comunidades que, como demonstrado por Becker e Pereira (2011) não têm assistido ao cumprimento dos acordos feitos no processo de licenciamento. Registra-se o aquecimento da economia local, especialmente no comércio e no setor imobiliário, que demonstra intensa especulação. Os fluxos de trabalhadores temporários típicos das fases de implantação dos grandes empreendimentos afetaram o modo de vida local e, especialmente, nas áreas rurais do entorno da mina em instalação, revelam-se os conflitos sociais pelo deslocamento de famílias e comunidades que, como demonstrado por Becker e Pereira (2011) não têm assistido ao cumprimento dos acordos feitos no processo de licenciamento. Ao longo de todo ano de 2011, a equipe de extensão em interface com a pesquisa acompanhou os movimentos protagonizados pelas comunidades atingidas, principalmente as de Mumbuca, Água Santa, Ferrugem, Água Quente, em torno dos conflitos gerados ao longo do licenciamento de empreendimento. Neste aspecto, destacam-se os processos de negociação da questão fundiária e de denúncias de não cumprimento dos acordos firmados com a empresa, perante o órgão ambiental do Estado, com a presença da Defensoria e do Ministério Público Estadual. Outro tema gerador de conflito estava associado ao uso da água e às intervenções no espaço público, sem a devida observância de leis e de medidas condicionantes. 10 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas Entre setembro e dezembro de 2011, foi realizada a fase da pesquisa de campo2 com a aplicação da metodologia do DRP, na comunidade do Sapo. Do processo participaram membros da Associação Comunitária São Sebastião do Bom Sucesso e Região, que declararam seus objetivos e realizaram o processo de sensibilização e mobilização dos moradores nas comunidades adjacentes, realizadas durante caminhadas transversais e visitas às residências, enquanto produziam-se registros audiovisuais. As dinâmicas de DRP permitiram o registro de fragmentos da história oral, especialmente por meio de entrevistas livres, semiestruturadas e pela construção do mapa mental para o resgate da história local. Na ocasião, a comunidade convidou o poder público, especificamente, o Secretário Municipal de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro, o geógrafo Sandro Lage, para compor o processo de discussão. O Secretário apresentou as dimensões e os impactos do empreendimento, a partir dos dados do Estudo de Impacto Ambiental (MMX, BRANDT MEIO AMBIENTE, 2007), segundo a (re)interpretação do gestor público local. Este evento requalificou a problematização sobre impactos e conflitos potenciais sobre as transformações nas condições de vida e o futuro da comunidade. O DRP apontou essencialmente o interesse da comunidade em participar ativamente das discussões e encaminhamentos públicos para a garantia de sua qualidade de vida e redução de impactos, riscos e ameaças socioambientais na região. Nesse processo o objetivo central redundou no conhecimento dos anseios das comunidades em relação às mudanças que se apresentam e que as afeta diretamente de maneira agressiva. Participaram dessa reunião cerca de trinta pessoas que, em grupos, construíram quatro mapas mentais. A incerteza sobre o futuro foi identificada como preocupação permanente apontando como problemas: o desconhecimento das pessoas sobre o traçado do mineroduto e sobre impactos em seu território; a falta de garantia da qualidade e da 2 A equipe foi composta por dois Bolsistas de Iniciação Científica, Yáskara Amaral Rabelo, estudante de Relações Internacionais e Pedro Ramiro de Assis, estudante de Geografia; pelas colaboradoras, Josiane Cláudia Sales Rosa, Bióloga, coordenadora do trabalho no campo e bolsista de Pesquisa e Extensão (Fapemig; PUC Minas), Elisa Julve Martín e Helena Soriano Cebrian, ambas estudantes do Máster en Políticas y Procesos de Desarrollo da Universidad Politécnica de Valencia realizando intercâmbio na PUC Minas e Raquel Wildhagen, Administradora e especialista em Gestão Ambiental (PUC Minas). O DRP da comunidade do Sapo culminou a produção do vídeo “Qual desenvolvimento propõe o Projeto Minas-Rio: Anseios da comunidade do Sapo”, dirigido por Elisa Julve Martín; produzido pelo LABCEN - PUC Minas e veiculado em meio digital. 11 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas quantidade da água; a falta de garantia sobre a manutenção dos empregos gerados atualmente pelo processo de instalação da mina (principalmente, trabalhadores braçais, para trabalhos manuais e terceirizados, devido à falta de qualificação técnico-profissional predominante entre os moradores das áreas rurais); a preocupação com a redução drástica dos empregos quando a empresa começar a operar; a possibilidade da falência da agricultura familiar, na medida em que ocorre o êxodo rural, o arrendamento ou venda de terras por fazendeiros com os quais os habitantes conviviam como meeiros e o deslocamento de famílias. A par de tais conhecimentos produzidos coletivamente, a equipe do Labcen colaborou com outras entidades na elaboração de um documento, protocolado em Audiência Pública realizada pelo Ministério Público Estadual/Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais - CIMOS, Ministério Público Federal e Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais em 17 de abril de 2012. O documento sistematizava situações indicativas de violação de Direitos Humanos no processo de implantação da mina em CMD, destacando: Direito à informação e à participação; Direito à liberdade de reunião, associação e expressão; Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; Direito à moradia adequada; Direito à educação; Direito a um ambiente saudável e à saúde; Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; Direito de ir e vir; Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; Direito de grupos vulneráveis à proteção especial; Direito de acesso à justiça e a razoável duração do processo judicial; Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária; Direito à melhoria contínua das condições de vida; Direito à reparação por perdas passadas; Direito à plena reparação das perdas. (MOVIMENTO PELAS SERRAS E ÁGUAS DE MINAS et al., 2012). Em decorrência da gravidade e da precariedade das condições socioambientais a que as comunidades em municípios com mineração podem ficar expostas, seja pela fragilidade do poder do Estado no gerenciamento político da sustentabilidade dos territórios, seja pela agressividade das políticas empresariais em detrimento do desenvolvimento e dos interesses das populações tradicionais, rurais, locais, seja enfim, 12 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas pelas desigualdades sociais, o MPE-MG, por meio da CIMOS, constituiu a Rede de Acompanhamento Socioambiental – REASA – da qual o Labcen é convidado a participar. A REASA [...] consiste num grupo de discussão e ação composto por representantes de instituições públicas e sociedade civil organizada que através de reuniões periódicas tanto física quanto virtualmente pretendem acompanhar e propor soluções para conflitos e impactos na área socioambiental. Para isso, abre-se nessa mídia social um espaço de diálogo, acompanhamento, troca de informações e normas, pauta e definições quanto a reuniões agendadas e seus desdobramentos. A Rede foi criada a partir da necessidade de se acompanhar responsabilidades e impactos socioambientais de empreendimento minerário em Conceição do Mato Dentro e região. (MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS, 2012). De modo especial, a contribuição do Labcen para a compreensão das mudanças nos cenários socioambientais que se consumam sob as condições e impactos dos arranjos produtivos de base minerária, decorre da confluência das práticas geradoras de conhecimento e da possibilidade de apoiar as discussões dos temas e as negociações que afetam diretamente a vida nas comunidades atingidas. Ademais, o estudo das estratégias dos atores e as possibilidades de sua confluência para reduzir impactos negativos, formular prospecções geradoras de externalidades positivas, poderá apontar novas hipóteses para futuras pesquisas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Extensão atua ampliando o compromisso da Universidade junto à sociedade, ao Estado, aos setores produtivos auxiliando no desenvolvimento político, social, econômico, educacional, cultural e técnico-científico no âmbito dos municípios, do estado e do País (FELIPPE; LEAL, 2011), contribuindo para o fortalecimento dos laços comunitários favorecendo a sistematização dos saberes locais e a ampliação dos vínculos com a história e o futuro do local. O projeto Labcen, através da metodologia de cenários prospectivos, busca dar ênfase à participação social, entendendo a complexidade das interrelações entre atores locais – poder público, organizações sociais diversas, municípios, empresa e empresários - para que se realizem as dinâmicas adequadas à promoção da qualidade de vida em 13 LABCEN – Laboratório de Cenários Socioambientais – NUMAS/PROEX/PUC Minas cenários socioambientais saudáveis. A demanda técnica e institucional requer tempo para realizar-se, tendo em vista que os processos são complexos, envolvem múltiplos atores, e pode-se dizer, dependem de patrocinadores capazes de sustentar o discurso e as ações para transformar prospectivas e mobilização social em decisões e transformações favoráveis à comunidade local, em longo prazo. Em síntese, pode-se dizer então, das expectativas de ampliar as contribuições do projeto extensionista no processo de formação acadêmica capaz de promover a integração de dinâmicas do desenvolvimento regional integrado e sustentável, com dinâmicas de responsabilidade socioambiental corporativa e estatal, para valorizar a coexistência do modo de vida tradicional das comunidades e municípios de pequeno porte no contexto das transformações promovidas pelos grandes empreendimentos. REFERÊNCIAS AKTOUF, O. A administração entre a tradição e a renovação. São Paulo: Atlas, 1996. 269p. AKTOUF, O. Governança e pensamento estratégico: uma crítica a Michael Porter. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.42, n.3, p.43-53, jul./set. 2002. ANGLO AMERICAN PLC. Projeto Minas-Rio da Anglo American contabiliza 53% de avanço físico. In: Notícias. 2012. Disponível em: < http://www.angloamerican.com.br/media/news/year2011/22-08-2011.aspx?sc_lang=ptPT>. Acesso em 26 de jun. 2012. BECKER, L. 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