Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 A Concretização dos Direitos Sociais: entre a atuação administrativa e o ativismo judicial Claudia de Oliveira Fonseca 1 Resumo O principal obstáculo para concretização dos direitos sociais tem sido a escassez de recursos públicos. Assim, em inúmeras situações da vida real, a Administração Pública tem negado a efetivação de alguns direitos sociais que demandam alto investimento financeiro por questões de limitação orçamentária. Para concretizar o direito que foi negado no âmbito administrativo, o cidadão tem recorrido à via judicial. O presente trabalho objetivou estudar o ativismo judicial no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito da concretização dos direitos sociais, uma vez que no contexto atual tem-se percebido que inúmeras questões políticas passaram a ser decididas pelo Poder Judiciário. Para atingir os resultados da pesquisa foi utilizada revisão bibliográfica a fim de verificar o posicionamento dos doutrinadores sobre a temática. Neste estudo, foi possível constatar uma mudança no papel dos magistrados, não se limitando somente à função de interpretar a norma jurídica, mas atuando como sujeitos do processo de criação do direito, dizendo como e quando a Administração Pública deve agir. Ao mesmo tempo em que parece ocorrer uma interferência indevida do Judiciário no âmbito de atuação do Executivo, quebrando a harmonia que deveria existir, o local de decisões políticas passa a ser o tribunal, causando desequilíbrio entre os poderes do Estado. Palavras-chave: ativismo judicial; direitos sociais; judicialização; separação de poderes. Abstract The main obstacle to realization of social rights has been the shortage of public resources. Thus, in a number of real life situations, the Government has denied concretize some social rights that require high financial investment because of budget limitation issues. In order to achieve the right that was denied under the citizen has recourse to judicial process. This article aimed to study the judicial activism in the Brazilian legal system, within the framework of the realisation of social rights, since in the current context it has been noticed that many political issues are decided by the judiciary. To achieve the results of the research was used the literature review in order to check the positioning of the scholars on the subject. In this study, it was possible to see a change in the role of judges, not limited only to interpret the legal standard, but acting as a subject of the law creation process, saying how and when the Public Administration must act. While it seems undue interference of the judiciary occurs within the scope of activity of the Executive, breaking the harmony that should exist, the Court becomes the place of political decisions, causing an imbalance between the powers of the State. Keywords: judicial activism; social rights; judicialization; separation of powers. 1 Profª da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Mestranda em Direito pela UnB. E-mail: [email protected] 1 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 1. Introdução O atual texto constitucional traz um rol de direitos sociais que objetivam garantir uma existência digna ao cidadão. Fundados no princípio da solidariedade humana, os direitos fundamentais i sociais foram alçados à categoria jurídica concretizadora dos postulados da justiça social. Pode-se afirmar que a efetivação do princípio da dignidade humana aponta para a questão da concretização de direitos sociais, que, indiscutivelmente, exige investimento estatal. Num país marcado pelas desigualdades sociais a efetivação dos pressupostos do texto constitucional se apresenta como a única possibilidade, para muitos, de uma vida com um padrão mínimo de dignidade. Muitas vezes, o legislativo e executivo não conseguem concretizar esse objetivo previsto na Constituição, o que leva o cidadão recorrer à via judicial como última possibilidade de ter os seus direitos respeitados. O presente estudo tem por intenção abordar a questão do ativismo judicial no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito da concretização dos direitos sociais uma vez que, no atual momento histórico, tem-se percebido uma crescente judicialização das questões políticas, sociais, econômicas que não estavam afetas à atuação do Judiciário. Passa-se a perceber uma mudança no papel dos agentes do Poder Judiciário não se limitando somente à função de revelar a solução prevista na norma jurídica, mas atuando como sujeito do processo de criação do direito. Dentro do contexto de ascensão do constitucionalismo, pautado pelo reconhecimento da força normativa da Constituição, o presente artigo se propõe a retomar a discussão referente à postura mais ativista do judiciário brasileiro num ambiente democrático de tomada de decisões, buscando refletir se tal postura representa uma interferência indevida na esfera de atuação da Administração Pública. 2. Os Direitos Sociais e a concretização da dignidade humana: o surgimento da preocupação com o social Afirma-se que, apesar de alguns registros anteriores isolados, os direitos sociais surgiram em decorrência da Revolução Industrial ocorrida na Europa entre os séculos XVIII e XIX. Todo o contexto desse período histórico marcado pela substituição do trabalho manual pelo trabalho com utilização de máquinas, gerou desemprego, pobreza e tudo que pode decorrer dessa situação. Trata-se de um periodo marcado pela jornada excessiva de trabalho de homens, mulheres e crianças, pessima remuneração, acidentes de trabalho de enorme gravidade quase sempre acompanhado de mutilações, alojamentos em péssimas condicoes de higiene, etc. É o que afirma Ana Maria Ávila Mendonça (2007): No que se refere ao nascimento dos direitos sociais, o marco foi a Revolução Industrial e as consequências sociais dela decorrentes: a organização da classe operária e o fortalecimento das lutas sociais, que avançam no sentido de conseguir condições dignas de vida, estabelecendo-se como organizações civis, rompendo com os elos substantivos da ordem liberal e da lei de mercado. O suporte da ruptura estaria no papel da classe operária, corpo unitário do seu tempo histórico e na capacidade política de fundar uma nova categoria de direitos que desestabilizasse os princípios substantivos do liberalismo clássico, a partir das circunstâncias sombrias desencadeadas pela Revolução Industrial. 2 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 Também nessa linha o entendimento de Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 10), para quem a Revolução Industrial levou ao surgimento da questão social, entendida como: O problema ou a procura das causas das perturbações que dificultam a realização do justo social na totalidade da sociedade e igualmente o esforço para encontrar os meios para superar essas causas. No Brasil, a previsão dos direitos sociais teve início na Constituição outorgada de 1824, que previa em seu artigo 179, a garantia dos socorros públicos (inciso XXXI) e o ensino primário gratuito (inciso XXXII), demonstrando uma preocupação com a questão social. A Constituição de 1891, apesar do avanço no que diz respeito à instauração da nova ordem constitucional republicana, não fez referência aos direitos sociais coletivos, demonstrando-se distante da preocupação com a proteção do cidadão. A Carta de 1934, inspirada nas Constituições Mexicana e de Weimar, trouxe os direitos sociais para o texto e a proteção constitucional. Surge uma maior aproximação do Estado com a sociedade e as demandas sociais com objetivo de minimizar os problemas sociais decorrentes do modelo econômico capitalista ii. A Constituição de 1934 enumerou uma série de direitos sociais que não faziam parte da preocupação do Brasil republicano, até então iii, inaugurando a normatização ligada às questões sociais, dando surgimento ao constitucionalismo social no Brasil. Na Carta de 1937, os direitos sociais, mantiveram-se presentes na mesma medida que estiveram na Constituição de 1934, sem grandes inovações iv. Em 1946 há uma ampliação desses direitos em comparação com o texto constitucional de 1934. Entretanto, é com a redemocratização e a Constituição de 1988 que os direitos sociais ganham um espaço inédito no constitucionalismo brasileiro. O texto constitucional de 1988, além da ampliação do rol dos direitos sociais, elevou a dignidade humana ao patamar de princípio constitucional do Estado brasileiro, seguindo uma tendência adotada por vários textos constitucionais do mundo inteiro no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção do Estado no que diz respeito aos direitos de liberdade, não sendo permitido ao Estado violar esse ideal de liberdade, impõe também o dever estatal de praticar condutas positivas tendentes a proteger a pessoa humana. O Estado tem o dever de promover a dignidade através de atuações positivas, de condutas ativas, pois da mesma forma que a privação de alguma das liberdades faz com que o homem tenha a sua dignidade aviltada, o mesmo ocorre quando ele não tem acesso às prestações indispensáveis à existência digna, como o acesso à alimentação, educação básica, saúde e moradia. Silva (2009, p. 146) defende que os direitos sociais correspondem a prestações que devem ser disponibilizadas pelo Estado para possibilitar uma melhor condição de vida, promovendo a igualdade entre os cidadãos. Barcellos (2008, p. 288) afirma que ao garantir o acesso à saúde e à educação básica o Estado estaria, portanto, assegurando um primeiro momento da dignidade humana. A partir daí, o próprio individuo conseguiria construir a sua dignidade com mais autonomia: Com efeito, educação e saúde formam um primeiro momento da dignidade humana, no qual se procuram assegurar condições iniciais tais que o indivíduo seja capaz de construir, a partir delas, sua própria dignidade autonomamente. Observe-que, embora se faça referência a um momento inicial, essas prestações não se concentram necessariamente na infância e juventude: a saúde básica será um elemento que acompanhará a pessoa por toda a sua existência e a educação fundamental poderá vir a ser prestada em qualquer fase da vida, caso não o tenha sido na infância. 3 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 Quando a Administração Pública não responde satisfatoriamente à norma que prevê a efetivação dos direitos sociais faz com que o administrado recorra à via judicial para que o seu direito seja respeitado. É nesse momento que entra em cena o judiciário, criando normas que vão muito além de aplicar e interpretar o texto constitucional. Neste contexto, entra em pauta o fenômeno da intervenção judicial na garantia de direitos essenciais à vida com dignidade, denominado pela doutrina de ativismo judicial. No tópico seguinte será tratada a questão ligada ao custo dos direitos e, em seguida, será abordada a intervenção do Judiciário em temas que não faziam parte de sua esfera de atuação, mas que, em nome da concretização dos direitos sociais, ele vem avocando para si. 3. O custo dos direitos fundamentais sociais É indiscutível que a concretização de direitos sociais exige um alto investimento por parte do poder público e quando se fala em efetivação desses direitos, não se pode esquecer a questão do custo que envolve a realização desse ideal previsto na Constituição. Segundo Stephen Holmes e Cass Sunstein (1999, p. 94) o estudo dos direitos constitucionais exige uma atenção especial do intérprete para a questão referente ao custo dos direitos. Dessa forma, a escassez de recursos precisa ser vista com muito cuidado, pois seria, a princípio, um impedimento para a concretização de um direito social. Nesse contexto, a Administração Pública com o objetivo de justificar a impossibilidade de concretização dos direitos sociais, face à necessidade de considerável investimento estatal, utiliza argumentos atinentes à teoria da reserva do possível, alegando escassez de recursos públicos. 3.1. A teoria da reserva do possível É certo que a concretização dos direitos sociais implica custo financeiro para o Estado e, em via de consequência, implica também na escolha sobre a adoção e a promoção de políticas públicas a serem implementadas. O poder público, quase reiteradamente e com o objetivo de justificar a não efetivação de direitos sociais, tem invocado a teoria da reserva do possível v, alegando a inexistência de recursos financeiros suficientes, face ao custo elevado dos direitos sociais. Entretanto, quando a administração pública não consegue viabilizar a fruição desses direitos face à limitação na capacidade orçamentária do Estado, essa discussão quase sempre passa pelo crivo do Judiciário, acionado por aqueles que se sentiram preteridos com a decisão administrativa. Isso ocorre, segundo Sarmento (2010, p. 555) porque “a escassez obriga o Estado, em muitos casos, a confrontar-se com verdadeiras escolhas trágicas, pois, diante da limitação de recursos, vê-se forçado a eleger prioridades dentre as várias demandas igualmente legítimas”. A expressão reserva do possível vi, largamente utilizada pela Administração Pública nos dias atuais, repousa na ideia da efetivação dos direitos sociais condicionada à existência de recursos de ordem econômico-financeira para tal finalidade. Para Siqueira (2010, p. 48) essa teoria foi concebida com o objetivo de legitimar a ausência do Estado na concretização de direitos assegurados constitucionalmente. Olsen (2008, p. 204) afirma que não deve haver colisão entre a reserva do possível e os direitos sociais. Segundo a autora a reserva do possível deve respeitar o núcleo essencial do direito fundamental social, aferível nos casos concretos, sempre atendendo à proporcionalidade. 4 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 Que a limitação de recursos existe não se pode ignorar. Entretanto, não se deve esquecer que a razão de ser do Estado consiste em realizar os objetivos fundamentais previstos no texto constitucional. De tal forma, não se mostra razoável que em toda e qualquer situação o administrador público insista na alegação de impossibilidade de cumprimento de seu dever por questões de ordem orçamentária. Embora os direitos fundamentais sejam universais e indivisíveis eles não estão imunes a colisões e consequentes restrições no momento de sua efetivação no caso concreto. Nesse sentido, quando um direito fundamental estiver em colisão com outro direito fundamental ele não poderá ser restringido a tal ponto que lhe seja retirado completamente a sua razão de existir. Em outras palavras, a restrição a um direito fundamental não pode ser absoluta: essa restrição também possui limitações. A dogmática dos direitos fundamentais estabelece, exatamente por esse motivo, o conceito de restrição das restrições com o correspondente conceito de preservação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. É nesse contexto que se vê de forma recorrente a atuação do judiciário vii marcada pelo ativismo, não se limitando apenas a aplicar e interpretar a norma constitucional, mas exercendo um poder verdadeiramente criativo, fundamentado na ausência de atuação da Administração Pública, que muito tem preocupado os constitucionalistas nos dias atuais. 4. A Concretização dos Direitos Sociais pelo Poder Judiciário e o ativismo judicial Atualmente, tem-se percebido forte crescimento na relevância social da função jurisdicional, acarretando, portanto, um desequilíbrio entre os poderes constituídos. É nítida uma interferência do Judiciário na esfera de atuação da Administração Pública no que diz respeito à concretização de direitos de caráter social. É certo que a norma constitucional prevê tratar-se de função do Poder Judiciário o cumprimento dos valores previstos no texto constitucional – sendo, portanto, o guardião das promessas constitucionais. Essa crescente atuação do Poder Judiciário na mediação das relações sociopolíticas, com escopo de garantir a concretização dos direitos sociais é facilmente perceptível na atualidade. A doutrina denomina esse fenômeno de judicialização da política, pelo fato de questões de grande repercussão social terem passado a ser decididas pelos magistrados, em detrimento das demais instâncias políticas do Estado. Para Luís Roberto Barroso (2012), o ativismo judicialviii corresponde a uma maior participação do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais, interferindo de forma mais contundente no espaço de atuação dos demais Poderes. Alguns estudiosos do direito afirmam que esse novo paradigma no atual contexto sociopolítico é decorrência da judicialização da política e, em via de consequência, decorre da função do Judiciário, mais especificamente do Supremo Tribunal Federal, de guardião da Constituição. Portanto, a função de rever os atos dos demais poderes constituídos torna o judiciário detentor da última palavra, ou ainda, uma espécie de intérprete final da forma como os demais poderes do Estado devem se portar a fim de seguir os ditames previstos no texto constitucional. E tudo isso resultaria na proeminência contemporânea do Poder Judiciário. Os defensores dessa atuação mais invasiva do judiciário afirmam que essa proeminência está relacionada diretamente com o acesso ao Judiciário. Segundo esse entendimento há uma maior possibilidade de qualquer cidadão ter acesso mais facilmente ao Judiciário do que aos demais poderes, através da apresentação de sua demanda que, certamente, será apreciada pelo julgador. É o que acontece, por exemplo, com os direitos fundamentais. Quando tais direitos não são contemplados pela atuação do Legislativo e Executivo é ao Judiciário que se recorre na expectativa de ver o direito resguardado. No que diz respeito à atuação do Judiciário de forma mais invasiva nas instituições políticas, dois posicionamentos se sobressaem: Há uma corrente que defende a limitação dos 5 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 poderes do Judiciário, e outra corrente favorável a uma atuação mais efetiva do Judiciário nas democracias contemporâneas. Ronald Dworkin (2001, p. 27) defendia a possibilidade de transferência de questões políticas para o Poder Judiciário com o escopo de garantir a concretização de direitos individuais: “Estou afirmando agora apenas que os legisladores não estão, institucionalmente, em melhor posição que os juízes para decidir questões sobre direitos”. Para Dworkin (2001, p. 101), ao se atribuir ao Judiciário a função de decidir os conflitos políticos busca-se que tais conflitos sejam resolvidos não com base em fundamentos políticos, mas jurídicos. Com efeito, a judicialização da política reflete um redimensionamento do papel do Judiciário, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais. Os defensores dessa vertente admitem a intervenção jurisdicional sempre que o Legislativo ou o Executivo não tenham em vista o cumprimento do desígnio insculpido no texto constitucional. Para aqueles que adotam esse entendimento a jurisdição constitucional bem exercida longe de ser instrumento que põe em risco a separação de poderes e a democracia, ao contrário, é instrumento de fortalecimento do Estado Democrático garantidor de direitos. 4.1. Críticas ao ativismo judicial Como restou evidente, tem-se percebido uma alteração substancial no papel do juiz que vai além da função de decidir com base no preceito normativo estabelecido, mas que atua como sujeito no processo de produção do direito, criando a norma para o caso concreto. Com a Constituição de 1988 e a instauração do Estado democrático houve grande expansão da jurisdição constitucional, fortalecendo ainda mais a ideia de um Judiciário responsável pela concretização dos direitos sociais e dos valores previstos no texto constitucional, dentre eles, a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, questões que antes eram atinentes ao Legislativo e Executivo, como implementação e execução de políticas públicas, por exemplo, no campo da saúde e da educação, passam a ser postas também sob apreciação do Poder Judiciário. Mas ai surge um questionamento: estariam os juízes legitimados para tanto, uma vez que eles não passam pelo crivo popular (via processo eleitoral) e também pelo fato de não haver um mecanismo eficaz que possibilite a participação popular nesse processo de tomada de decisões? Observando as decisões do Judiciário brasileiro, mais especificamente as decisões proferidas pelo STF nessa seara, facilmente pode-se perceber que o judiciário passou a atuar nitidamente como sujeito da criação do direito, ora alegando insuficiência ou ineficácia da produção legislativa, ora alegando necessidade de se fazer cumprir os preceitos constitucionais. Se esse processo de criação do direito pode ser benéfico em determinados momentos em casos concretos, é preciso que o judiciário esteja atento para não adentrar a esfera de competência de outro poder: Tal criatividade, ou para ser mais preciso, alto grau de criatividade, pois bem vimos como se trata essencialmente de problema apenas de natureza quantitativa, pode ser benéfica ou maléfica, segundo as circunstâncias contingentes, de tempo e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de magistratura que exercem tal criatividade. (CAPPELLETTI, 1993. p. 92). A doutrina diverge sobre esse tema. Muitos estudiosos do direito criticam essa posição ativista do Judiciário, definindo-a como “império da toga” ix, por entender que se trata de uma atuação que ultrapassa o limite do razoável. E mais, o ingresso do magistrado num campo de atuação política, no caso concreto, pode acarretar consequências desastrosas, uma vez que 6 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 nem sempre será possível prever os impactos sociais, políticos e econômicos das decisões proferidas no âmbito do Poder Judiciário. Vilhena (2008, p. 59) afirma que esse processo de expansão da autoridade dos tribunais é fenômeno mundial, mas, no Brasil, ganhou contornos ainda mais acentuados o que aponta para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes. Comparando a atuação da Corte Constitucional com o poder moderador da época do Império, Vilhena em inúmeras situações o judiciário interfere numa esfera que não deveria interferir e termina por substituir decisões de órgãos que tem representatividade popular (decisões do administrador público que foi escolhido de forma majoritária pela população através do processo eleitoral), por decisões próprias que carecem dessa mesma legitimidade: A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos outras vezes substituindo as escolhas majoritárias (VILHENA, 2008, p. 60). É perceptível, no âmbito do Judiciário brasileiro, a judicialização da política, em temas como saúde e educação. Entretanto, a doutrina tem feito críticas severas ao ativismo judicial por entender que ao criar a norma do caso concreto e determinar a efetivação de direitos sociais o judiciário está interferindo na esfera dos demais poderes do Estado, uma vez que cabe a esses poderes a definição de políticas públicas nessa seara. 5. Considerações Finais No presente estudo abordamos a questão do ativismo judicial no ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no que diz respeito à concretização dos direitos sociais, interferindo, em certa medida, na esfera de atuação reservada à Administração Pública. Nesse percurso foi possível perceber que a efetivação do princípio da dignidade humana aponta para a questão da concretização de direitos sociais, que, como restou demonstrado, exige investimento estatal. Quando o seu direito é negado na esfera administrativa, por se tratar de demandas quase sempre de caráter individual e que exigem investimento de alta monta, o administrado recorre à via judicial com a intenção de ver o seu direito concretizado. Na via judicial, quase sempre ele obtém a tutela pleiteada que não foi respeitada no âmbito administrativo, que quase sempre utiliza argumentos atinentes à escassez de recursos públicos. Neste contexto, fica em relevo o espaço conquistado pelo Judiciário, intervindo em assuntos atinentes à esfera de competência do Executivo e Legislativo. Quem defende essa postura mais ativista do judiciário entende que se o administrador público, a quem competia agir para concretizar os direitos sociais não conseguiu sanar o problema, cabe sim ao judiciário atuar para garantir o cumprimento da norma constitucional, de forma a possibilitar a concretização da dignidade humana, sanando as omissões dos agentes políticos. Para os defensores do ativismo judicial, apesar da possível falta de legitimidade democrática do judiciário, dos riscos da politização da justiça e dos limites institucionais do Judiciário, essa atuação política deve ser vista como uma solução, e não como um problema. Os contrários ao ativismo afirmam que o Judiciário não pode decidir de forma unilateral, porque, ao adotar uma postura equivalente a um legislador positivo ele invade a esfera de competência dos demais poderes constituídos. E, em segundo lugar, pelo fato de sua atuação ativista referir-se a decisões atinentes a direitos sociais que, quase sempre, exigem alto investimento financeiro por parte do Estado. Se a judicialização da política é um instrumento importante para proteger direitos fundamentais sociais, esse fenômeno não pode ser utilizado de forma indiscriminada e aleatória. É preciso agir com ponderação, pautando sua conduta por parâmetros de 7 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 racionalidade, para que não haja sobreposição do judiciário, gerando um desequilíbrio entre os poderes do Estado. Dessa forma, quando o ativismo se apresentar como algo extremamente necessário para se cumprir as normas contidas no texto constitucional, é preciso que ele seja pautado pela proporcionalidade das decisões a fim de não se romper com o equilíbrio que deve existir entre os poderes do Estado e o regime democrático instituído no texto constitucional. Se, por um lado, é importante que se tenha um judiciário com alguma postura ativista, principalmente numa democracia marcada por desigualdades sociais como no caso brasileiro, por outro lado, corre-se o risco dele assumir um papel de maior dimensão do que seria ideal, querendo diminuir a atuação da Administração Pública. 6. Referências AMARAL, Gustavo. 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PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. Tradutores António Francisco de Sousa e António Franco. – São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 46. (Série IDP). ii “Com a ruptura da concepção liberal de Estado, esse Texto Maior demonstrou grande preocupação e compromisso com a questão social, traduzida pelas disparidades existentes entre os setores produtivos.” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, pg. 484. iii A Constituição de 1934 previa alguns direitos sociais, dentre os quais pode-se citar: (i) a assistência social aos desvalidos (art. 138, a); (ii) condições dignas de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador (art. 121); (iii) amparo à família, à maternidade e à infância (art. 138, c e d, e art. 141); (iv) saúde básica (art. 138, f e g, e art. 140); (v) desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral (art. 148); (vi) educação, inclusive estipulando patamares mínimos de recursos a nela serem aplicados (arts. 5º, XIV, 10, VI, 149, 150, parágrafo único, a e b, 151 e 156). Demais de tudo, o direito de propriedade foi relativizado: não mais absoluto, não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo (art. 113, item 17). iv “A Carta de 1937 não apresentou profundas alterações pertinentes ao normativismo social, embora se saiba que a concentração excessiva do poder, nas mãos do Presidente da República, desfigurasse e até impedisse a eficácia do ordenamento jurídico.” SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983, pg. 57. v A teoria da reserva do possível, também denominada de reserva do financeiramente possível, é de origem alemã e foi mencionada pela primeira vez em julgamento do Tribunal Constitucional alemão. Nessa decisão histórica analisava-se uma demanda proposta por estudantes que não tinham sido contemplados com uma vaga em escolas de medicina de Hamburgo e Munique, em virtude da política de limitação do número de vagas em cursos superiores. Ao decidir a questão o tribunal entendeu que o direito à prestação positiva por parte do Estado – nesse caso específico, o aumento do número de vagas nas universidades – encontra-se sujeito à reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode esperar, de maneira racional, da sociedade. Na ocasião, o Tribunal Constitucional Federal alemão decidiu que garantir vagas a todos os interessados sacrificaria outros serviços públicos em decorrência da onerosidade excessiva e da escassez de recursos, em parte decorrente do período pós-guerra (OLSEN, pp. 241-242). vi “A dignidade da pessoa humana, princípio que inspira todo o texto constitucional, exige ações estatais implementando e garantindo o denominado mínimo existencial. - A essa responsabilidade política estatal correspondem políticas públicas concretizadoras. A ausência dessa atuação caracteriza a inconstitucionalidade por uma omissão. Ou seja, deixar de concretizar políticas públicas estabelecidas na Constituição, sob a forma de normas programáticas, é atentar contra a Constituição. (...) O Poder Judiciário não vai dizer à Administração Pública o que deve ser feito. Isso a Constituição já fez. O papel do Poder Judiciário está em exigir que sejam implementadas as políticas sociais já delineadas. - Mas a ingerência jurisdicional no tema políticas públicas não pode ser ilimitada ou mesmo indefinida. É preciso um parâmetro norteador. - Esse vetor é a reserva do possível” (Apelação Cível nº 200172010028273/SC, julgada em 22/05/06 pela 3ª Turma do TRF da 4ª Região, sendo relatora a Des. Fed. Vânia Hack de Almeida. DJ 02/08/06, p. 378). vii “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. (...) O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É 10 Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. (...) A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (STF, Agravo Regimental no recurso Extraordinário com agravo / SP, julgado em 23/08/2011, sendo relator Min. Celso de Mello). viii Barroso estabelece diferença entre judicialização da política e ativismo judicial nos seguintes termos: “A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. (...) Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”. IN: BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista. Acesso em 16 de junho de 2012. ix PINTO, Taís Caroline e ZANATA, Mariana Lobo. Ativismo Judicial: Uma análise crítica da judicialização da política como instrumento democrático de concretização dos direitos fundamentais. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/artigos. Acesso em 20 de fevereiro de 2013. 11