Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013
A Concretização dos Direitos Sociais:
entre a atuação administrativa e o ativismo judicial
Claudia de Oliveira Fonseca 1
Resumo
O principal obstáculo para concretização dos direitos sociais tem sido a escassez de recursos
públicos. Assim, em inúmeras situações da vida real, a Administração Pública tem negado a
efetivação de alguns direitos sociais que demandam alto investimento financeiro por questões
de limitação orçamentária. Para concretizar o direito que foi negado no âmbito administrativo,
o cidadão tem recorrido à via judicial. O presente trabalho objetivou estudar o ativismo
judicial no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito da concretização dos direitos sociais,
uma vez que no contexto atual tem-se percebido que inúmeras questões políticas passaram a
ser decididas pelo Poder Judiciário. Para atingir os resultados da pesquisa foi utilizada revisão
bibliográfica a fim de verificar o posicionamento dos doutrinadores sobre a temática. Neste
estudo, foi possível constatar uma mudança no papel dos magistrados, não se limitando
somente à função de interpretar a norma jurídica, mas atuando como sujeitos do processo de
criação do direito, dizendo como e quando a Administração Pública deve agir. Ao mesmo
tempo em que parece ocorrer uma interferência indevida do Judiciário no âmbito de atuação
do Executivo, quebrando a harmonia que deveria existir, o local de decisões políticas passa a
ser o tribunal, causando desequilíbrio entre os poderes do Estado.
Palavras-chave: ativismo judicial; direitos sociais; judicialização; separação de poderes.
Abstract
The main obstacle to realization of social rights has been the shortage of public resources.
Thus, in a number of real life situations, the Government has denied concretize some social
rights that require high financial investment because of budget limitation issues. In order to
achieve the right that was denied under the citizen has recourse to judicial process. This
article aimed to study the judicial activism in the Brazilian legal system, within the framework
of the realisation of social rights, since in the current context it has been noticed that many
political issues are decided by the judiciary. To achieve the results of the research was used
the literature review in order to check the positioning of the scholars on the subject. In this
study, it was possible to see a change in the role of judges, not limited only to interpret the
legal standard, but acting as a subject of the law creation process, saying how and when the
Public Administration must act. While it seems undue interference of the judiciary occurs
within the scope of activity of the Executive, breaking the harmony that should exist, the
Court becomes the place of political decisions, causing an imbalance between the powers of
the State.
Keywords: judicial activism; social rights; judicialization; separation of powers.
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Profª da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Mestranda em Direito pela UnB. E-mail:
[email protected]
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1. Introdução
O atual texto constitucional traz um rol de direitos sociais que objetivam garantir uma
existência digna ao cidadão. Fundados no princípio da solidariedade humana, os direitos
fundamentais i sociais foram alçados à categoria jurídica concretizadora dos postulados da
justiça social. Pode-se afirmar que a efetivação do princípio da dignidade humana aponta para
a questão da concretização de direitos sociais, que, indiscutivelmente, exige investimento
estatal.
Num país marcado pelas desigualdades sociais a efetivação dos pressupostos do texto
constitucional se apresenta como a única possibilidade, para muitos, de uma vida com um
padrão mínimo de dignidade. Muitas vezes, o legislativo e executivo não conseguem
concretizar esse objetivo previsto na Constituição, o que leva o cidadão recorrer à via judicial
como última possibilidade de ter os seus direitos respeitados.
O presente estudo tem por intenção abordar a questão do ativismo judicial no
ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito da concretização dos direitos sociais uma vez que,
no atual momento histórico, tem-se percebido uma crescente judicialização das questões
políticas, sociais, econômicas que não estavam afetas à atuação do Judiciário. Passa-se a
perceber uma mudança no papel dos agentes do Poder Judiciário não se limitando somente à
função de revelar a solução prevista na norma jurídica, mas atuando como sujeito do processo
de criação do direito.
Dentro do contexto de ascensão do constitucionalismo, pautado pelo reconhecimento da
força normativa da Constituição, o presente artigo se propõe a retomar a discussão referente à
postura mais ativista do judiciário brasileiro num ambiente democrático de tomada de
decisões, buscando refletir se tal postura representa uma interferência indevida na esfera de
atuação da Administração Pública.
2. Os Direitos Sociais e a concretização da dignidade humana: o surgimento da
preocupação com o social
Afirma-se que, apesar de alguns registros anteriores isolados, os direitos sociais
surgiram em decorrência da Revolução Industrial ocorrida na Europa entre os séculos XVIII e
XIX. Todo o contexto desse período histórico marcado pela substituição do trabalho manual
pelo trabalho com utilização de máquinas, gerou desemprego, pobreza e tudo que pode
decorrer dessa situação.
Trata-se de um periodo marcado pela jornada excessiva de trabalho de homens,
mulheres e crianças, pessima remuneração, acidentes de trabalho de enorme gravidade quase
sempre acompanhado de mutilações, alojamentos em péssimas condicoes de higiene, etc.
É o que afirma Ana Maria Ávila Mendonça (2007):
No que se refere ao nascimento dos direitos sociais, o marco foi a Revolução
Industrial e as consequências sociais dela decorrentes: a organização da
classe operária e o fortalecimento das lutas sociais, que avançam no sentido
de conseguir condições dignas de vida, estabelecendo-se como organizações
civis, rompendo com os elos substantivos da ordem liberal e da lei de
mercado. O suporte da ruptura estaria no papel da classe operária, corpo
unitário do seu tempo histórico e na capacidade política de fundar uma nova
categoria de direitos que desestabilizasse os princípios substantivos do
liberalismo clássico, a partir das circunstâncias sombrias desencadeadas pela
Revolução Industrial.
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Também nessa linha o entendimento de Amauri Mascaro Nascimento (2006, p. 10), para quem
a Revolução Industrial levou ao surgimento da questão social, entendida como:
O problema ou a procura das causas das perturbações que dificultam a
realização do justo social na totalidade da sociedade e igualmente o esforço
para encontrar os meios para superar essas causas.
No Brasil, a previsão dos direitos sociais teve início na Constituição outorgada de
1824, que previa em seu artigo 179, a garantia dos socorros públicos (inciso XXXI) e o ensino
primário gratuito (inciso XXXII), demonstrando uma preocupação com a questão social. A
Constituição de 1891, apesar do avanço no que diz respeito à instauração da nova ordem
constitucional republicana, não fez referência aos direitos sociais coletivos, demonstrando-se
distante da preocupação com a proteção do cidadão.
A Carta de 1934, inspirada nas Constituições Mexicana e de Weimar, trouxe os
direitos sociais para o texto e a proteção constitucional. Surge uma maior aproximação do
Estado com a sociedade e as demandas sociais com objetivo de minimizar os problemas
sociais decorrentes do modelo econômico capitalista ii. A Constituição de 1934 enumerou
uma série de direitos sociais que não faziam parte da preocupação do Brasil republicano, até
então iii, inaugurando a normatização ligada às questões sociais, dando surgimento ao
constitucionalismo social no Brasil.
Na Carta de 1937, os direitos sociais, mantiveram-se presentes na mesma medida que
estiveram na Constituição de 1934, sem grandes inovações iv. Em 1946 há uma ampliação
desses direitos em comparação com o texto constitucional de 1934.
Entretanto, é com a redemocratização e a Constituição de 1988 que os direitos sociais
ganham um espaço inédito no constitucionalismo brasileiro.
O texto constitucional de 1988, além da ampliação do rol dos direitos sociais, elevou a
dignidade humana ao patamar de princípio constitucional do Estado brasileiro, seguindo uma
tendência adotada por vários textos constitucionais do mundo inteiro no período posterior à
Segunda Guerra Mundial.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que o princípio da dignidade da pessoa humana
impõe um dever de abstenção do Estado no que diz respeito aos direitos de liberdade, não
sendo permitido ao Estado violar esse ideal de liberdade, impõe também o dever estatal de
praticar condutas positivas tendentes a proteger a pessoa humana.
O Estado tem o dever de promover a dignidade através de atuações positivas, de
condutas ativas, pois da mesma forma que a privação de alguma das liberdades faz com que o
homem tenha a sua dignidade aviltada, o mesmo ocorre quando ele não tem acesso às
prestações indispensáveis à existência digna, como o acesso à alimentação, educação básica,
saúde e moradia.
Silva (2009, p. 146) defende que os direitos sociais correspondem a prestações que
devem ser disponibilizadas pelo Estado para possibilitar uma melhor condição de vida,
promovendo a igualdade entre os cidadãos.
Barcellos (2008, p. 288) afirma que ao garantir o acesso à saúde e à educação básica o
Estado estaria, portanto, assegurando um primeiro momento da dignidade humana. A partir
daí, o próprio individuo conseguiria construir a sua dignidade com mais autonomia:
Com efeito, educação e saúde formam um primeiro momento da dignidade
humana, no qual se procuram assegurar condições iniciais tais que o
indivíduo seja capaz de construir, a partir delas, sua própria dignidade
autonomamente. Observe-que, embora se faça referência a um momento
inicial, essas prestações não se concentram necessariamente na infância e
juventude: a saúde básica será um elemento que acompanhará a pessoa por
toda a sua existência e a educação fundamental poderá vir a ser prestada em
qualquer fase da vida, caso não o tenha sido na infância.
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Quando a Administração Pública não responde satisfatoriamente à norma que prevê a
efetivação dos direitos sociais faz com que o administrado recorra à via judicial para que o
seu direito seja respeitado. É nesse momento que entra em cena o judiciário, criando normas
que vão muito além de aplicar e interpretar o texto constitucional. Neste contexto, entra em
pauta o fenômeno da intervenção judicial na garantia de direitos essenciais à vida com
dignidade, denominado pela doutrina de ativismo judicial.
No tópico seguinte será tratada a questão ligada ao custo dos direitos e, em seguida, será
abordada a intervenção do Judiciário em temas que não faziam parte de sua esfera de atuação,
mas que, em nome da concretização dos direitos sociais, ele vem avocando para si.
3. O custo dos direitos fundamentais sociais
É indiscutível que a concretização de direitos sociais exige um alto investimento por
parte do poder público e quando se fala em efetivação desses direitos, não se pode esquecer a
questão do custo que envolve a realização desse ideal previsto na Constituição. Segundo
Stephen Holmes e Cass Sunstein (1999, p. 94) o estudo dos direitos constitucionais exige uma
atenção especial do intérprete para a questão referente ao custo dos direitos. Dessa forma, a
escassez de recursos precisa ser vista com muito cuidado, pois seria, a princípio, um
impedimento para a concretização de um direito social.
Nesse contexto, a Administração Pública com o objetivo de justificar a impossibilidade
de concretização dos direitos sociais, face à necessidade de considerável investimento estatal,
utiliza argumentos atinentes à teoria da reserva do possível, alegando escassez de recursos
públicos.
3.1. A teoria da reserva do possível
É certo que a concretização dos direitos sociais implica custo financeiro para o Estado e,
em via de consequência, implica também na escolha sobre a adoção e a promoção de políticas
públicas a serem implementadas.
O poder público, quase reiteradamente e com o objetivo de justificar a não efetivação de
direitos sociais, tem invocado a teoria da reserva do possível v, alegando a inexistência de
recursos financeiros suficientes, face ao custo elevado dos direitos sociais.
Entretanto, quando a administração pública não consegue viabilizar a fruição desses
direitos face à limitação na capacidade orçamentária do Estado, essa discussão quase sempre
passa pelo crivo do Judiciário, acionado por aqueles que se sentiram preteridos com a decisão
administrativa. Isso ocorre, segundo Sarmento (2010, p. 555) porque “a escassez obriga o
Estado, em muitos casos, a confrontar-se com verdadeiras escolhas trágicas, pois, diante da
limitação de recursos, vê-se forçado a eleger prioridades dentre as várias demandas
igualmente legítimas”.
A expressão reserva do possível vi, largamente utilizada pela Administração Pública nos
dias atuais, repousa na ideia da efetivação dos direitos sociais condicionada à existência de
recursos de ordem econômico-financeira para tal finalidade.
Para Siqueira (2010, p. 48) essa teoria foi concebida com o objetivo de legitimar a
ausência do Estado na concretização de direitos assegurados constitucionalmente.
Olsen (2008, p. 204) afirma que não deve haver colisão entre a reserva do possível e os
direitos sociais. Segundo a autora a reserva do possível deve respeitar o núcleo essencial do
direito fundamental social, aferível nos casos concretos, sempre atendendo à
proporcionalidade.
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Que a limitação de recursos existe não se pode ignorar. Entretanto, não se deve esquecer
que a razão de ser do Estado consiste em realizar os objetivos fundamentais previstos no texto
constitucional. De tal forma, não se mostra razoável que em toda e qualquer situação o
administrador público insista na alegação de impossibilidade de cumprimento de seu dever
por questões de ordem orçamentária.
Embora os direitos fundamentais sejam universais e indivisíveis eles não estão imunes a
colisões e consequentes restrições no momento de sua efetivação no caso concreto. Nesse
sentido, quando um direito fundamental estiver em colisão com outro direito fundamental ele
não poderá ser restringido a tal ponto que lhe seja retirado completamente a sua razão de
existir. Em outras palavras, a restrição a um direito fundamental não pode ser absoluta: essa
restrição também possui limitações. A dogmática dos direitos fundamentais estabelece,
exatamente por esse motivo, o conceito de restrição das restrições com o correspondente
conceito de preservação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
É nesse contexto que se vê de forma recorrente a atuação do judiciário vii marcada pelo
ativismo, não se limitando apenas a aplicar e interpretar a norma constitucional, mas
exercendo um poder verdadeiramente criativo, fundamentado na ausência de atuação da
Administração Pública, que muito tem preocupado os constitucionalistas nos dias atuais.
4. A Concretização dos Direitos Sociais pelo Poder Judiciário e o ativismo judicial
Atualmente, tem-se percebido forte crescimento na relevância social da função
jurisdicional, acarretando, portanto, um desequilíbrio entre os poderes constituídos. É nítida
uma interferência do Judiciário na esfera de atuação da Administração Pública no que diz
respeito à concretização de direitos de caráter social. É certo que a norma constitucional prevê
tratar-se de função do Poder Judiciário o cumprimento dos valores previstos no texto
constitucional – sendo, portanto, o guardião das promessas constitucionais.
Essa crescente atuação do Poder Judiciário na mediação das relações sociopolíticas,
com escopo de garantir a concretização dos direitos sociais é facilmente perceptível na
atualidade. A doutrina denomina esse fenômeno de judicialização da política, pelo fato de
questões de grande repercussão social terem passado a ser decididas pelos magistrados, em
detrimento das demais instâncias políticas do Estado.
Para Luís Roberto Barroso (2012), o ativismo judicialviii corresponde a uma maior
participação do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais, interferindo de
forma mais contundente no espaço de atuação dos demais Poderes.
Alguns estudiosos do direito afirmam que esse novo paradigma no atual contexto
sociopolítico é decorrência da judicialização da política e, em via de consequência, decorre da
função do Judiciário, mais especificamente do Supremo Tribunal Federal, de guardião da
Constituição. Portanto, a função de rever os atos dos demais poderes constituídos torna o
judiciário detentor da última palavra, ou ainda, uma espécie de intérprete final da forma como
os demais poderes do Estado devem se portar a fim de seguir os ditames previstos no texto
constitucional. E tudo isso resultaria na proeminência contemporânea do Poder Judiciário.
Os defensores dessa atuação mais invasiva do judiciário afirmam que essa proeminência
está relacionada diretamente com o acesso ao Judiciário. Segundo esse entendimento há uma
maior possibilidade de qualquer cidadão ter acesso mais facilmente ao Judiciário do que aos
demais poderes, através da apresentação de sua demanda que, certamente, será apreciada pelo
julgador. É o que acontece, por exemplo, com os direitos fundamentais. Quando tais direitos
não são contemplados pela atuação do Legislativo e Executivo é ao Judiciário que se recorre
na expectativa de ver o direito resguardado.
No que diz respeito à atuação do Judiciário de forma mais invasiva nas instituições
políticas, dois posicionamentos se sobressaem: Há uma corrente que defende a limitação dos
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poderes do Judiciário, e outra corrente favorável a uma atuação mais efetiva do Judiciário nas
democracias contemporâneas.
Ronald Dworkin (2001, p. 27) defendia a possibilidade de transferência de questões
políticas para o Poder Judiciário com o escopo de garantir a concretização de direitos
individuais: “Estou afirmando agora apenas que os legisladores não estão, institucionalmente,
em melhor posição que os juízes para decidir questões sobre direitos”. Para Dworkin (2001, p.
101), ao se atribuir ao Judiciário a função de decidir os conflitos políticos busca-se que tais
conflitos sejam resolvidos não com base em fundamentos políticos, mas jurídicos.
Com efeito, a judicialização da política reflete um redimensionamento do papel do
Judiciário, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais. Os defensores dessa vertente
admitem a intervenção jurisdicional sempre que o Legislativo ou o Executivo não tenham em
vista o cumprimento do desígnio insculpido no texto constitucional. Para aqueles que adotam
esse entendimento a jurisdição constitucional bem exercida longe de ser instrumento que põe
em risco a separação de poderes e a democracia, ao contrário, é instrumento de fortalecimento
do Estado Democrático garantidor de direitos.
4.1. Críticas ao ativismo judicial
Como restou evidente, tem-se percebido uma alteração substancial no papel do juiz que
vai além da função de decidir com base no preceito normativo estabelecido, mas que atua
como sujeito no processo de produção do direito, criando a norma para o caso concreto.
Com a Constituição de 1988 e a instauração do Estado democrático houve grande
expansão da jurisdição constitucional, fortalecendo ainda mais a ideia de um Judiciário
responsável pela concretização dos direitos sociais e dos valores previstos no texto
constitucional, dentre eles, a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, questões que antes eram atinentes ao Legislativo e Executivo, como
implementação e execução de políticas públicas, por exemplo, no campo da saúde e da
educação, passam a ser postas também sob apreciação do Poder Judiciário.
Mas ai surge um questionamento: estariam os juízes legitimados para tanto, uma vez
que eles não passam pelo crivo popular (via processo eleitoral) e também pelo fato de não
haver um mecanismo eficaz que possibilite a participação popular nesse processo de tomada
de decisões?
Observando as decisões do Judiciário brasileiro, mais especificamente as decisões
proferidas pelo STF nessa seara, facilmente pode-se perceber que o judiciário passou a atuar
nitidamente como sujeito da criação do direito, ora alegando insuficiência ou ineficácia da
produção legislativa, ora alegando necessidade de se fazer cumprir os preceitos
constitucionais.
Se esse processo de criação do direito pode ser benéfico em determinados momentos em
casos concretos, é preciso que o judiciário esteja atento para não adentrar a esfera de
competência de outro poder:
Tal criatividade, ou para ser mais preciso, alto grau de criatividade, pois bem vimos
como se trata essencialmente de problema apenas de natureza quantitativa, pode ser
benéfica ou maléfica, segundo as circunstâncias contingentes, de tempo e lugar, de
cultura, de necessidades reais de determinada sociedade, circunstâncias, de mais a
mais, de organização e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de
magistratura que exercem tal criatividade. (CAPPELLETTI, 1993. p. 92).
A doutrina diverge sobre esse tema. Muitos estudiosos do direito criticam essa posição
ativista do Judiciário, definindo-a como “império da toga” ix, por entender que se trata de uma
atuação que ultrapassa o limite do razoável. E mais, o ingresso do magistrado num campo de
atuação política, no caso concreto, pode acarretar consequências desastrosas, uma vez que
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nem sempre será possível prever os impactos sociais, políticos e econômicos das decisões
proferidas no âmbito do Poder Judiciário.
Vilhena (2008, p. 59) afirma que esse processo de expansão da autoridade dos tribunais
é fenômeno mundial, mas, no Brasil, ganhou contornos ainda mais acentuados o que aponta
para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes. Comparando a atuação
da Corte Constitucional com o poder moderador da época do Império, Vilhena em inúmeras
situações o judiciário interfere numa esfera que não deveria interferir e termina por substituir
decisões de órgãos que tem representatividade popular (decisões do administrador público que
foi escolhido de forma majoritária pela população através do processo eleitoral), por decisões
próprias que carecem dessa mesma legitimidade:
A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado
o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de
responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza
substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos
outras vezes substituindo as escolhas majoritárias (VILHENA, 2008, p. 60).
É perceptível, no âmbito do Judiciário brasileiro, a judicialização da política, em temas
como saúde e educação. Entretanto, a doutrina tem feito críticas severas ao ativismo judicial
por entender que ao criar a norma do caso concreto e determinar a efetivação de direitos
sociais o judiciário está interferindo na esfera dos demais poderes do Estado, uma vez que
cabe a esses poderes a definição de políticas públicas nessa seara.
5. Considerações Finais
No presente estudo abordamos a questão do ativismo judicial no ordenamento jurídico
brasileiro, mais especificamente no que diz respeito à concretização dos direitos sociais,
interferindo, em certa medida, na esfera de atuação reservada à Administração Pública.
Nesse percurso foi possível perceber que a efetivação do princípio da dignidade humana
aponta para a questão da concretização de direitos sociais, que, como restou demonstrado,
exige investimento estatal.
Quando o seu direito é negado na esfera administrativa, por se tratar de demandas quase
sempre de caráter individual e que exigem investimento de alta monta, o administrado recorre
à via judicial com a intenção de ver o seu direito concretizado. Na via judicial, quase sempre
ele obtém a tutela pleiteada que não foi respeitada no âmbito administrativo, que quase
sempre utiliza argumentos atinentes à escassez de recursos públicos.
Neste contexto, fica em relevo o espaço conquistado pelo Judiciário, intervindo em
assuntos atinentes à esfera de competência do Executivo e Legislativo. Quem defende essa
postura mais ativista do judiciário entende que se o administrador público, a quem competia
agir para concretizar os direitos sociais não conseguiu sanar o problema, cabe sim ao
judiciário atuar para garantir o cumprimento da norma constitucional, de forma a possibilitar a
concretização da dignidade humana, sanando as omissões dos agentes políticos.
Para os defensores do ativismo judicial, apesar da possível falta de legitimidade
democrática do judiciário, dos riscos da politização da justiça e dos limites institucionais do
Judiciário, essa atuação política deve ser vista como uma solução, e não como um problema.
Os contrários ao ativismo afirmam que o Judiciário não pode decidir de forma
unilateral, porque, ao adotar uma postura equivalente a um legislador positivo ele invade a
esfera de competência dos demais poderes constituídos. E, em segundo lugar, pelo fato de sua
atuação ativista referir-se a decisões atinentes a direitos sociais que, quase sempre, exigem
alto investimento financeiro por parte do Estado.
Se a judicialização da política é um instrumento importante para proteger direitos
fundamentais sociais, esse fenômeno não pode ser utilizado de forma indiscriminada e
aleatória. É preciso agir com ponderação, pautando sua conduta por parâmetros de
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racionalidade, para que não haja sobreposição do judiciário, gerando um desequilíbrio entre
os poderes do Estado.
Dessa forma, quando o ativismo se apresentar como algo extremamente necessário para
se cumprir as normas contidas no texto constitucional, é preciso que ele seja pautado pela
proporcionalidade das decisões a fim de não se romper com o equilíbrio que deve existir entre
os poderes do Estado e o regime democrático instituído no texto constitucional.
Se, por um lado, é importante que se tenha um judiciário com alguma postura ativista,
principalmente numa democracia marcada por desigualdades sociais como no caso brasileiro,
por outro lado, corre-se o risco dele assumir um papel de maior dimensão do que seria ideal,
querendo diminuir a atuação da Administração Pública.
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como direitos (humanos) do indivíduo anteriores ao Estado; a liberdade e a igualdade dos indivíduos são
condições legitimadoras da origem do Estado, e os direitos à liberdade e à igualdade vinculam e limitam o
exercício do poder do Estado. Por outro lado, na evolução alemã, também se entendem como fundamentais os
direitos que cabem ao indivíduo não já como ser humano, mas apenas enquanto membro do Estado, direitos que
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não são anteriores ao Estado, mas que só são outorgados pelo Estado. Porém, também aqui os direitos
fundamentais são direito individual e, por via da construção da autovinculação, produz-se um compromisso do
exercício do poder do Estado sobre os direitos fundamentais: as ingerências na liberdade e na propriedade
carecem de lei para a sua justificação”. PIEROTH, Bodo e SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais.
Tradutores António Francisco de Sousa e António Franco. – São Paulo: Saraiva, 2011. pp. 46. (Série IDP).
ii
“Com a ruptura da concepção liberal de Estado, esse Texto Maior demonstrou grande preocupação e
compromisso com a questão social, traduzida pelas disparidades existentes entre os setores produtivos.” BULOS,
Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, pg. 484.
iii
A Constituição de 1934 previa alguns direitos sociais, dentre os quais pode-se citar: (i) a assistência social aos
desvalidos (art. 138, a); (ii) condições dignas de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção
social do trabalhador (art. 121); (iii) amparo à família, à maternidade e à infância (art. 138, c e d, e art. 141); (iv)
saúde básica (art. 138, f e g, e art. 140); (v) desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em
geral (art. 148); (vi) educação, inclusive estipulando patamares mínimos de recursos a nela serem aplicados (arts.
5º, XIV, 10, VI, 149, 150, parágrafo único, a e b, 151 e 156). Demais de tudo, o direito de propriedade foi
relativizado: não mais absoluto, não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo (art. 113, item 17).
iv
“A Carta de 1937 não apresentou profundas alterações pertinentes ao normativismo social, embora se saiba que
a concentração excessiva do poder, nas mãos do Presidente da República, desfigurasse e até impedisse a eficácia
do ordenamento jurídico.” SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil. Rio de
Janeiro: Ed. Forense, 1983, pg. 57.
v
A teoria da reserva do possível, também denominada de reserva do financeiramente possível, é de origem
alemã e foi mencionada pela primeira vez em julgamento do Tribunal Constitucional alemão. Nessa decisão
histórica analisava-se uma demanda proposta por estudantes que não tinham sido contemplados com uma vaga
em escolas de medicina de Hamburgo e Munique, em virtude da política de limitação do número de vagas em
cursos superiores. Ao decidir a questão o tribunal entendeu que o direito à prestação positiva por parte do Estado
– nesse caso específico, o aumento do número de vagas nas universidades – encontra-se sujeito à reserva do
possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode esperar, de maneira racional, da sociedade. Na ocasião, o
Tribunal Constitucional Federal alemão decidiu que garantir vagas a todos os interessados sacrificaria outros
serviços públicos em decorrência da onerosidade excessiva e da escassez de recursos, em parte decorrente do
período pós-guerra (OLSEN, pp. 241-242).
vi
“A dignidade da pessoa humana, princípio que inspira todo o texto constitucional, exige ações estatais
implementando e garantindo o denominado mínimo existencial. - A essa responsabilidade política estatal
correspondem políticas públicas concretizadoras. A ausência dessa atuação caracteriza a inconstitucionalidade
por uma omissão. Ou seja, deixar de concretizar políticas públicas estabelecidas na Constituição, sob a forma de
normas programáticas, é atentar contra a Constituição. (...) O Poder Judiciário não vai dizer à Administração
Pública o que deve ser feito. Isso a Constituição já fez. O papel do Poder Judiciário está em exigir que sejam
implementadas as políticas sociais já delineadas. - Mas a ingerência jurisdicional no tema políticas públicas não
pode ser ilimitada ou mesmo indefinida. É preciso um parâmetro norteador. - Esse vetor é a reserva do possível”
(Apelação Cível nº 200172010028273/SC, julgada em 22/05/06 pela 3ª Turma do TRF da 4ª Região, sendo
relatora a Des. Fed. Vânia Hack de Almeida. DJ 02/08/06, p. 378).
vii
“A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas
assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o
atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência,
impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5
(cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola,
sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o
integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição
Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu
processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a
razões de puro pragmatismo governamental. (...) O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou
parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride,
com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado,
o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de
desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É
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que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la
cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente
nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos
interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas
governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ
199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada
mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à
generalidade das pessoas. (...) A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz
instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer,
também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí
resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por
determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face
dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a
verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa
humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade
às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva
do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável
limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento
positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (STF, Agravo Regimental no
recurso Extraordinário com agravo / SP, julgado em 23/08/2011, sendo relator Min. Celso de Mello).
viii
Barroso estabelece diferença entre judicialização da política e ativismo judicial nos seguintes termos: “A
judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se
adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. (...) Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de
um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”. IN:
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em
http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista. Acesso em 16 de junho de 2012.
ix
PINTO, Taís Caroline e ZANATA, Mariana Lobo. Ativismo Judicial: Uma análise crítica da judicialização da
política como instrumento democrático de concretização dos direitos fundamentais. Disponível em
http://www.publicadireito.com.br/artigos. Acesso em 20 de fevereiro de 2013.
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