UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DOS
AGENTES ECONÔMICOS: A SOCIEDADE UNIPESSOAL E O EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA COMO
POSSIBILIDADES VIÁVEIS DE REGULAMENTAÇÃO
AN ECONOMIC ANALYSIS OF THE PATRIMONIAL SEPARATION OF THE
ECONOMIC AGENTS: SINGLE PARTNER COMPANIES AND THE
INDIVIDUAL ENTREPRENEUR OF LIMITED LIABILITY AS VIABLE
POSSIBILITIES OF REGULATION
Uinie Caminha
Giovani Magalhães Martins Filho
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar a sociedade unipessoal e o empresário individual
de responsabilidade limitada como alternativas possíveis para a regulamentação da
separação patrimonial do empresário, limitando-se a responsabilidade ao patrimônio
vinculado à atividade. A base teórica que sustenta a sociedade unipessoal é obtida
através da Teoria do Contrato Plurilateral, de Tullio Ascarelli, e da Teoria do Contrato
Organização, de Calixto Salomão Filho. O que serve de fundamento ao empresário
individual de responsabilidade limitada é a Teoria do Patrimônio de Afetação. A partir
de uma análise econômica de ambas as teorias e ainda das críticas que a elas se fazem,
percebeu-se a maior eficiência da limitação da responsabilidade do empresário
individual, como meio de fomentar o empreendedorismo, servindo tanto para as
pequenas quanto para as grandes empresas.
PALAVRAS-CHAVES: SOCIEDADE UNIPESSOAL; EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL; RESPONSABILIDADE LIMITADA; CONTRATO
PLURILATERAL; PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO.
ABSTRACT
This article aims to present the unipersonal society and the individual entrepreneur of
limited liability as a possible alternative for the regulation of the patrimonial separation
of the entrepreneur, so that its liability as a entrepreneur would be limited to the assets
specifically bound to such activity. The theoretical basis that supports the unipersonal
society is gotten through the Theory of the Plurilateral Contract, of Tullio Ascarelli, and
the Theory of the Organization Contract, of Calixto Salomão Filho. The basis for the
limited responsibility of the individual entrepreneur is the Theory of the Patrimony of
Affectation. An economic analysis of both theories shows that the limitation of liability
of the individual entrepreneurs is more efficient, as means to foment the development of
market, since it would be useful either for small or big businesses.
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KEYWORDS: SINGLE PARTNER COMPANY; INDIVIDUAL ENTREPRENEUR;
LIMITED LIABILITY; PLURILATERAL CONTRACT; PATRIMONY OF
AFFECTATION.
INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido a respeito da regulamentação de instituto jurídico que venha a
garantir aos agentes econômicos a limitação de responsabilidade ao patrimônio
vinculada à determinada atividade econômica. Tais discussões têm sido feitas tanto em
termos de doutrina, quanto em sede de direito comparado, valendo ressaltar, ainda, as
recentes tentativas de regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário
individual, no Brasil.
Com efeito, de 2003 a 2009, tivemos nada menos do que cinco tentativas de
regulamentação, a saber: os Projetos de Lei nº 2.730/03 (arquivado pela Mesa Diretora
da Câmara dos Deputados, em face do fim da legislatura), 3.667/04 (cujo dispositivo
que regularia a limitação de responsabilidade foi retirado, em face da previsão do
projeto de lei anterior ter sido considerado mais adequado e abrangente), 5.805/05
(aprovado na comissão temática e na de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara do
Deputados; porém, pediu-se a declaração de prejudicialidade em face do veto, e suas
motivações, dado a instituto semelhante que estava previsto na Lei Complementar nº
123/06); a Lei Complementar nº 123/06 (cujo dispositivo foi vetado, em face de
manifestação dos Ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego), além do Projeto de
Lei nº 4.605/09, apresentado recentemente.
Fazendo-se um cotejamento aos formatos apresentados como mecanismos a
regulamentar a limitação de responsabilidade do empresário individual, percebe-se uma
oscilação entre uma solução societária (a sociedade unipessoal de responsabilidade
limitada) e uma solução não-societária (o empresário individual de responsabilidade
limitada). O que se busca, a princípio, nesse artigo é apresentar, do ponto de vista
teórico, as alternativas aludidas.
Pretende-se analisar se, das alternativas apresentadas, há alguma que seja mais viável
que a outra ou se seria preciso apresentar uma terceira alternativa. Com efeito, não se
pode deixar de notar, conforme leciona Iolanda Lopes Abreu (1988, p. 113) é aspiração
antiga do comerciante individual a limitação de sua responsabilidade patrimonial e que,
na medida em que não se regula tal aspiração de modo direto, consegue-se tal intento,
mediante negócios indiretos, como as chamadas sociedades fictícias. Assim, a partir de
uma análise econômica, buscar-se-á demonstrar a maior eficiência da limitação de
responsabilidade do empresário individual, como mecanismo para fomentar o
empreendedorismo, servindo de incentivo tanto para a pequena quanto para a grande
empresa.
Para tal finalidade, o presente texto se encontra dividido em quatro seções além desta
introdução e da conclusão. Na primeira seção, apresentar-se-ão os contornos gerais da
sociedade unipessoal. Na segunda, será analisada a figura do empresário individual de
responsabilidade limitada, a fim de que, na terceira seção, sejam verificadas as
principais críticas referentes à regulamentação da limitação de responsabilidade do
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empresário individual. Por fim, na quarta seção, far-se-á uma breve exposição acerca do
movimento de Law and Economics para que, então, seja possível demonstrar que a
limitação de responsabilidade do empresário individual funcionará como um incentivo a
que os agentes econômicos venham a regularizarem a sua situação, mediante registro na
Junta Comercial. De quebra, tal instituto se faz perceber como um mecanismo eficiente
para fomentar o empreendedorismo.
É imprescindível, ainda nesse intróito, ressaltar a mudança de perspectiva havida na
transformação da disciplina de Direito Comercial para Direito Empresarial. O novo
âmbito do Direito Comercial (ou do Direito Empresarial, segundo alguns) é formado
através do binômio – atividades empresárias e mercado. Com efeito, mediante a noção
de viabilidade econômica atrelada à função social da empresa, tem-se que as atividades
empresárias que se revelarem economicamente viáveis devem ser preservadas, e o
Estado precisa garantir tal preservação, visando o bom funcionamento do mercado. É a
atividade que qualifica o sujeito enquanto empresário; é a atividade empresária, ou seja,
a atividade exercida pelo empresário que passa a primeiro plano, quando da mudança de
perspectiva da disciplina. De mesmo naipe é o entendimento da Rachel Sztajn (2004, p.
10):
Mercado e organizações, creio, são o cerne do moderno Direito Comercial. Portanto, os
princípios norteadores do Direito Comercial, mesmo com a unificação do direito
privado, não afastam a antiga concepção sobre ser ele um direito especial em relação ao
direito comum, direito civil, agora, entretanto, não mais relacionado aos atos de
comércio, de criação francesa, mas como direito dos mercados e das empresas. Não um
direito classista ou corporativista, mas um direito de caráter econômico que replica a
microeconomia.
Atenta-se contra a função social da empresa a manutenção do status quo. Urge,
portanto, que se regule a limitação de responsabilidade do empresário individual. Deve
o patrimônio da empresa ser o alvo único de obrigações empresariais, não se
misturando, nem se confundindo, do ponto de vista de responsabilidades, o patrimônio
empresarial e o patrimônio pessoal, ambos já separados desde Alberto Asquini (1998, p.
118). Percebe-se, portanto, que a atividade empresarial passa a ser relevante para o novo
Direito Comercial, e não mais o sujeito ou o ato por este praticado.
Dessa forma, se é a atividade econômica organizada voltada a atender um interesse de
mercado o viés importante, torna-se imperioso que se dê à referida atividade o mesmo
tratamento jurídico e não tratamentos distintos diante de atividade desenvolvida por
pessoa física ou por pessoa jurídica.
1. A SOCIEDADE UNIPESSOAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
Uma possibilidade viável de se estruturar um modelo que venha a garantir ao
empreendedor individual a limitação de responsabilidade ao patrimônio destinado ao
empreendimento se dá por intermédio da chamada sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada. Com efeito, na exata medida em que não se confundem a
personalidade dos sócios com a da sociedade, cada qual tem seu respectivo patrimônio.
Deve se ressaltar, ademais, que, segundo a Teoria Poliédrica da Empresa, a sociedade é
sujeito de direito, ou seja, é titular de patrimônio, distinto do patrimônio dos respectivos
sócios, com o fito de adquirir direitos e contrair obrigações. Entretanto, não é tão fácil,
1138
nem tranqüila, a adoção do referido modelo, da estrutura sob exame. Com efeito, o
sistema societário brasileiro é fortemente contratualista, apesar da Lei nº 6.404/76 ter
sido concebida segundo a teoria do ato institucional. Em sendo assim, percebe-se a
necessidade de haver pelo menos duas pessoas para se poder falar em contrato social. É
o que se vê no art. 981, do Código Civil, ao prever que:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha,
entre si, dos resultados.
Apesar da necessidade de pessoas se obrigarem a contribuir para a formação do
patrimônio social, o que denota a idéia de se precisar de dois ou mais sócios, não se
pode deixar de notar que o direito brasileiro já reconhece algumas possibilidades de
unipessoalidades, vale dizer, de sociedades unipessoais. Antes, porém, de apresentá-las,
faz-se mister que se apresente as noções pelas quais se deve entender enquanto
sociedade unipessoal. Há de se destacar também as espécies de sociedade unipessoal
reconhecidas.
De início, é preciso separar da noção de sociedade unipessoal, as chamadas sociedades
fictícias. Estas são aquelas sociedades que quanto ao quadro societário, atende-se a
formalidade de se ter mais de um sócio, mas que um destes tem participação tão
relevante no capital social, sendo certo afirmar que não se trata nada mais do que um
mecanismo indireto para se conseguir a limitação dos riscos e, portanto, a limitação de
responsabilidade. Não estando regulamentada diretamente, os empreendedores
buscarão, como é natural, por outro meios, fórmulas ou estruturas que dêem ensejo à
efetivação da limitação de responsabilidade ao patrimônio empregado para o exercício
da atividade. A este respeito, leciona Luiz Antonio Soares Hentz (2003, p. 172):
A negação da responsabilidade limitada para o empresário individual resultou, na
prática, em todos os lugares, na utilização de métodos condenáveis. Dentre os meios de
que se tem valido a engenhosidade jurídico-empresarial para se furtar à
responsabilidade patrimonial plena, como sucede com a firma individual, está a
sociedade fictícia ou pro forma. No Brasil, jamais se deu grande importância à má
utilização do modelo societário para o exercício da empresa.
Assim, o fato da não regulamentação da responsabilidade limitada ao empresário
individual dá ensejo à formatação das sociedades fictícias que nada mais são do que
aquelas em que um dos sócios é quem, de fato, exerce a atividade empresarial, sendo os
demais sócios, apenas, pessoas que cedem seus nomes para a formação do quadro
societário. O mesmo Luiz Antonio Soares Hentz (2003, p. 173), com a clareza que lhe é
peculiar, ressalta:
Com efeito, é sabido que a responsabilidade patrimonial do comerciante em nome
individual pelas dívidas contraídas na sua atividade empresarial é irrestrita. Abrange
todo o seu próprio patrimônio, não só o destacado para sofrer os riscos da empresa,
como se dá na sociedade empresária. A fim de evitar a responsabilidade ilimitada, tratase de criar sociedades fictícias, constituídas mediante simulação, o que, também no
direito brasileiro, não as torna inválidas senão quando houver intenção de prejudicar
terceiros ou de violar disposição de lei.
1139
Caracterizam-se a sociedades fictícias pela existência de um “sócio”, o empresário, e
outro ou outros que apenas cedem o nome para integrar o quadro social. O que o
empresário deseja e alcança é a limitação da sua responsabilidade patrimonial pelas
dívidas provenientes da atividade empresarial. Para efeitos jurídicos, tem-se uma
sociedade – e com a conseqüência da divisão patrimonial (...)
Com o mecanismo das sociedades pro forma, favorece-se também a sociedade, que não
será demandada por dívidas dos sócios (art. 292, do antigo CCom, cujo princípio
prevalece no novo CCB, embora sem que esteja expressamente consignado no texto).
Não é de se admirar, contudo, que é justamente da praxe das sociedades fictícias que
surge um dos maiores argumentos em prol da adoção da chamada sociedade unipessoal,
como se percebe com Calixto Salomão Filho (2006, p. 199-200):
No caso ora em análise, dever-se-ia imaginar uma realidade de empresários que
exercitam todos a atividade em nome próprio e querem escolher a forma organizativa
mais conveniente para o exercício do comércio. Nesse caso, e somente, nesse caso,
poder-se-ia pensar em escolhas de política legislativa, como a de manter a coerência
sistemática, ainda que em prejuízo de um maior incentivo à pequena e média empresa.
Uma tal situação, porém, não existe. E são os próprios legisladores a admitir. A
introdução de uma forma de limitação de responsabilidade do comerciante individual
decorre exclusivamente do reconhecimento de uma situação de fato, consistente na
utilização de sociedades fictícias, com um ou mais homens-de-palha, introduzidos com
o único objetivo de permitir a limitação de responsabilidade.
(...) Em caso de instituição de uma forma que não ponha à disposição do empresário as
mesmas vantagens da sociedade, esse continuará a fazer uso das sociedades fictícias.
Dentro desse mesmo contexto, não se pode deixar de lembrar a diferenciação exposta
por Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 242):
Como exposto, muitos apenas adotam a forma societária com a única intenção de
proteger o patrimônio pessoal, em caso de insucesso da empresa, quando não há outra
alternativa. Em casos tais, existe, na realidade, uma empresa, individualmente
explorada, e, formalmente, uma sociedade empresária, somente na aparência, em que o
empreendedor é o titular da grande maioria das quotas e o sócio de mero favor aparece
com tímida participação, por que, em realidade, dela não participa, nem na constituição,
nem no desenvolvimento da empresa. Esta é a sociedade fictícia.
Atualmente, ela se diferencia da sociedade unipessoal.
A sociedade unipessoal, no entanto, não é uma simulação: existe reconhecimento legal
de formação do ente composto por um único membro. A sociedade unipessoal tem sido
definida como aquela “em que todas as partes sociais são pertença de uma única pessoa,
singular ou coletiva”.
Diferençada, portanto, a sociedade unipessoal da sociedade fictícia ou pro forma, é
preciso que se apresentem as espécies de sociedades unipessoais reconhecidas pela
doutrina. Quanto ao momento da constituição, classificam-se as sociedades unipessoais
1140
em: sociedade unipessoal originária, sociedade unipessoal superveniente, esta
subdividida em sociedade unipessoal superveniente temporária e sociedade unipessoal
intercorrente.
A chamada sociedade unipessoal originária ou ab initio definida como sendo aquela que
já surge apenas como um sócio como membro componente do quadro societário. Já a
sociedade unipessoal superveniente é aquela constituída com mais de uma pessoa como
membro componente do quadro societário, mas que passa a ter apenas um sócio, em
razão da saída ou da expulsão dos demais sócios.
Fala-se, de um lado, em sociedade unipessoal superveniente temporária quando se está
diante daquelas sociedades constituídas com mais de um sócio e que, por qualquer
razão, passam, temporariamente, a ter apenas uma pessoa como membro componente do
quadro societário, recompondo-se a pluralidade de sócios em certo período de tempo.
Vale ressaltar que, em sendo recomposta a pluralidade de sócios, no tempo previsto pelo
ordenamento jurídico, pelo referido lapso temporal, a sociedade terá funcionado com
um apenas um sócio; perdendo-se referido prazo, ser-lhe-á dada a pecha da
irregularidade, não lhe restando outra coisa que não seja a liquidação e posterior
extinção. É acidental, portanto, a redução do quadro societário a um, nesta hipótese.
Por fim, tem-se a sociedade unipessoal intercorrente que é aquela sociedade que nasce
plurilateral, mas que se torna unipessoal e assim continua com o correr da existência,
sem limitação temporal e sem se tornar irregular. A redução aqui é preordenada, vale
dizer, a sociedade tem origem plurilateral, porém, já se encontra acertada a redução do
quadro societário.
Sobre a classificação que ora se apresenta, em comentários ao art. 981, do Código Civil,
Rachel Sztajn (2008, p. 131) aduz que:
A exigência de pluralidade de pessoas, duas ou mais, na formação do contrato,
constante deste artigo, afasta a legislação brasileira da mais recente orientação nos
ordenamentos da Europa Continental, de admitir-se a organização de “sociedades
unipessoais”. A unipessoalidade, comum no Brasil na organização da empresa pública,
ganha, com a Décima Segunda Diretiva Comunitária, legitimidade desde a constituição.
Sobre a unipessoalidade intercorrente, isto é, número de sócios ficar reduzido a um,
embora originariamente a pluralidade existisse, também não é admitida pelo
ordenamento pátrio.
Apesar de concordar com a autora acima citada no que tange à unipessoalidade
intercorrente, é preciso que se diga que a legislação brasileira não se afasta, mas sim
tem se aproximado dos ordenamentos da Europa Continental, haja vista a
regulamentação, ainda que de modo excepcional, da unipessoalidade superveniente
temporária, pelo Código Civil.
Com efeito, a par de, de fato, vedada a unipessoalidade intercorrente, o direito brasileiro
reconhece uma possibilidade de sociedade unipessoal originária e uma possibilidade de
sociedade unipessoal superveniente temporária, com prazo de recomposição a variar se
estejamos diante sociedade empresária regida pelo Código Civil, ou pela Lei nº
6.404/76. Tratam-se, respectivamente, da Subsidiária Integral (prevista nos arts. 251 e
seguintes, da Lei nº 6.404/76) e da unipessoalidade com prazo para recompor a
1141
pluralidade de sócios em 180 dias (art. 1033, IV, do Código Civil) ou em 1 ano (art.
206, I, “d”, da Lei nº 6.404/76), anteriormente relatadas.
2. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
A outra possibilidade viável para se regulamentar o instituto que ora se propõe é o
empresário individual de responsabilidade limitada. Vale dizer, atualmente vige, no
direito brasileiro, o princípio da responsabilidade ilimitada para o empresário
individual. Frise-se, por oportuno, a regra geral é a de que por obrigações decorrentes da
atividade empresarial, sejam referentes a débitos ou a danos, o empresário individual irá
responder com todo o seu patrimônio, inclusive o pessoal, não havendo, portanto,
separação patrimonial, relativa aos bens e relações jurídicas inerentes à atividade
empresarial daqueles relativos à vida pessoal do empresário.
Diz-se regra geral na medida em que a legislação nacional, com o Código Civil,
reconhece uma possibilidade de exercício de atividade empresarial, com limitação de
responsabilidade. Trata-se da continuidade do exercício de empresa por incapaz antes
exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança, prevista no art.
974, do Código Civil. Neste caso, desde que com precedente autorização judicial, não
ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens, estranhos ao acervo empresarial, que o
incapaz possuía, antes da interdição ou da sucessão.
Apesar de a opinião da doutrina seja a de que tal limitação de responsabilidade
decorrera do entendimento pelo qual o incapaz não poderia sofrer os ônus do insucesso
empresarial, exatamente por lhe faltar de algum modo o discernimento, no sentido de
informar se quer ou não empreender, e até que ponto empreender, o fato é que se
materializou a idéia do patrimônio de afetação para fins empresariais, em nosso
ordenamento jurídico.
Não se pode aqui olvidar que já Asquini (1998, p. 118) asseverava que o patrimônio
empresarial, em razão de seu escopo, é um patrimônio especial distinto do restante
patrimonial do empresário. O próprio Asquini ressalta que, em razão desta segregação
patrimonial, construíram-se as teorias sobre a personificação da empresa, que não se
sustentam, nem foram acolhidas. Afora a criação de uma sociedade que pudesse ter
apenas um sócio no seu quadro societário, chamada, portanto, de sociedade unipessoal,
já vista, a outra possibilidade viável é exatamente a de se limitar a responsabilidade do
empresário ao patrimônio envolvido na atividade empresarial. Adotando-se o princípio
da unidade patrimonial, como tal reconhecido no direito brasileiro, pode-se reconstruir a
idéia apresentada no sentido de que se buscaria a limitação da responsabilidade do
empresário individual à parcela patrimonial afetada à sua atividade.
Nesta perspectiva, são as palavras de Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 269):
O patrimônio de afetação é uma forma de excluir, por exceção, bens em situações
específicas e determinadas, como já ocorre no bem de família, nos bens sujeitos à
comunhão de bens dos cônjuges, no usufruto, no espólio em relação ao herdeiro, etc.
Essa possibilidade se abre, vencendo-se o caráter indivisível do patrimônio. No entanto,
se se considerar tal questão insuperável, basta entendê-la como mero destaque de bens
de um patrimônio único. (...)
1142
A operacionalidade de tais massas patrimoniais se dá através do sujeito único de direito,
que as utilizará tendo como divisor de águas a finalidade empresarial, a destinação
específica, devidamente inscrita. E por isso o empresário não deve dela se afastar, sob
pena de responsabilização pessoal.
Tradicionalmente, como se viu, o empresário individual, em razão das obrigações
oriundas do exercício da atividade empresarial, tem responsabilidade ilimitada. Sylvio
Marcondes Machado (1956, p. 19) explica:
O princípio da responsabilidade ilimitada, consagrado nas legislações e segundo o qual
a pessoa responde por suas dívidas com todos os bens, constitui o eixo de um inteiro
sistema organizado no plano jurídico para prover à segurança das relações dos homens,
na ordem econômica. Sujeitando a massa dos bens da pessoa à satisfação de suas
obrigações, a lei, de uma parte, confere aos credores garantias contra o inadimplemento
do devedor; de outra, impõe a êste (sic) uma conduta de prudência na gestão dos
próprios negócios. E, assim, refreia a aventura, fortalece o crédito e incrementa a
confiança.
É curioso notar que foi, também, a segurança das relações econômicas que fez mitigar o
princípio da responsabilidade ilimitada, dando origem ao princípio da limitação de
responsabilidade. Convém esclarecer, conforme Antônio Martins Filho (1999, p. 289),
que o princípio da responsabilidade limitada em matéria de direito comercial tem sua
explicação em imperativos de ordem sociológica, “que nada mais significa do que a
revolta dos fatos contra a lei”. O principal argumento para o não reconhecimento da
limitação de responsabilidade do empresário individual se deve à chamada teoria da
unidade do patrimônio. Contradita tal argumento Antonio Martins Filho (1999, p. 292),
ressaltando:
O tradicional argumento da “indivisibilidade do patrimônio” e outros que tais, poderão
ser invocados, à guisa de resposta a essas interrogações. Mas, a êles (sic) teremos o
ensêjo (sic) de abordar, em outro capítulo dêste (sic) trabalho.
Por enquanto limitamo-nos a reconhecer a emprêsa (sic) individual de responsabilidade
limitada representa um imperativo da hora presente, isto é, mais uma pressão dos fatos
sôbre (sic) a lei.
A teoria da unidade do patrimônio e, por decorrência, o princípio da responsabilidade
ilimitada vem sofrendo um abrandamento haja vista a tese do patrimônio de afetação,
pela qual se concebe uma segregação ou divisão do patrimônio, que, ficam vinculados a
uma finalidade específica, só respondem por obrigações oriundas de tal patrimônio.
Assim, não há comunicação dos patrimônios, geral e afetado, na constância da afetação
patrimonial. Credores do patrimônio de afetação deverão se contentar com este
patrimônio separado, não podendo visar o patrimônio geral para garantir seus interesses,
e vice-versa. A respeito do patrimônio de afetação, leciona Caio Mário da Silva Pereira
(1998, p. 251):
Com a construção da teoria da afetação, uma corrente de juristas pretendeu atingir a
doutrina tradicional da unidade do patrimônio, sustentando que aqueles bens constituem
patrimônio de afetação, distintos e separados. Opera-se, assim, a cisão do complexo
bonitário, sustentando-se que, afora o patrimônio geral, há os especiais, destacados pela
1143
afetação. Desta sorte, abrir-se-ia uma brecha na noção da unidade e indivisibilidade,
pois que, enquanto a doutrina tradicional considera o patrimônio como uma relação
subjetiva (“cada pessoa tem um patrimônio”), a teoria da afetação entende que existem
bens a compor os patrimônios da pessoa (natural ou jurídica), objetivamente vinculados
pela idéia de uma afetação a um fim determinado.
Apesar de o referido autor entender que a afetação só implica em patrimônio caso seja
verificada a criação de uma personalidade, o direito brasileiro reconhece o patrimônio
de afetação sempre que parcela de um patrimônio é destacada para um fim determinado
e que, como tal, não se misturam, nem comunicam com o chamado patrimônio geral.
Pode se sentir perfeitamente o acolhimento da referida teoria, quando se lê o art. 119,
IX, da Lei nº 11.101/05, que prevê:
Os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica,
obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e
obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o
cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o
saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela
remanescer.
O patrimônio de afetação seria, assim, o meio pelo qual poderá ter consagrada a
limitação de responsabilidade do empresário individual, uma solução não-societária, na
qual não precisaria ser reconhecida uma nova personalidade jurídica. A
responsabilidade do empresário individual restaria limitada à parcela do patrimônio
afetada à atividade econômica. O patrimônio empresarial seria, assim, um patrimônio
especial e distinto do patrimônio geral do empresário, dentro do que defende, inclusive,
Alberto Asquini. Percebe-se, inclusive, que o patrimônio empresarial é distinto do
patrimônio geral do empresário, em dois momentos, no Código Civil: o art. 974, que
regula a continuação, desde que com precedente autorização judicial, da atividade
empresarial por incapaz com limitação de responsabilidade aos bens afetados à
atividade empresarial, antes da sucessão ou da interdição; e no art. 978, que prevê:
O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o
regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los
de ônus real.
Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2008, p. 123) comenta que:
O referido dispositivo legal assegura a independência do patrimônio da empresa em
relação ao de seu titular ou sócios. Visa, outrossim, evitar que a empresa possa sofrer
solução de continuidade em sua atividade negocial em razão de eventuais
desentendimentos entre cônjuges – sejam eles sócios ou não –, ou mesmo em razão de
resistência injustificada por parte de um deles quando a alienação de bem móvel ou
imóvel se fizer indispensável ao andamento dos negócios sociais.
Não é difícil perceber que o patrimônio empresarial é independente do patrimônio
pessoal do empresário titular. É assim, o patrimônio empresarial, nada mais do que uma
parcela do patrimônio de uma pessoa que é destacada para ser utilizada especificamente
em um empreendimento econômico, ou seja, trata-se, pois, de patrimônio de afetação.
Com efeito, inexiste qualquer razão para não se reconhecer a independência do
1144
patrimônio da empresa em relação ao do seu titular, mantendo-se o princípio da
responsabilidade ilimitada do empresário individual. Se há independência entre o
patrimônio da empresa e o patrimônio do titular, há patrimônio de afetação, pelo que as
obrigações vinculadas a tal patrimônio deveriam ser, apenas, por ele, garantidas, sendo
certo notar que não deveriam obrigações do titular que não tenham ligação com a
empresa utilizar-se do patrimônio afetado a fim de ser garantidas.
3. CRÍTICAS ÀS ESTRUTURAS POSSÍVEIS
As críticas a que se impõem à regulamentação da limitação de responsabilidade do
empresário individual, independentemente da estrutura a ser utilizada, dirigem-se a
quatro grandes pontos. O primeiro deles diz respeito ao princípio da unidade do
patrimônio, aquele pelo qual toda pessoa tem apenas um, e somente um, patrimônio,
que serve para garantir aos interesses de terceiros. Um outro foco de discussão diz
respeito à definição que o direito brasileiro dá para sociedade empresária; com efeito,
deve-se ter o mínimo de dois sócios, na conformidade do art. 981, do Código Civil, pelo
que descabe, regra geral, falar-se em sociedade unipessoal. O terceiro ponto diz respeito
à pretensa novidade do tema, ou seja, o fato de não haver repercussões ou
regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual, no direito
comparado. O último dos vértices de discussão de respeito ao entendimento pelo qual
em sendo reconhecida a limitação de responsabilidade, restarão abertas as portas para o
cometimento de ilícitos e de fraudes.
No que tange à unidade do patrimônio, o direito brasileiro já fez mitigar referido
princípio, por intermédio da teoria do patrimônio de afetação (parcela de patrimônio
destacada do patrimônio geral de uma pessoa, sendo destinada a uma finalidade
específica, prevista em lei). É imperioso lembrar que a segregação patrimonial de
parcela do patrimônio para um fim específico só ocorrerá se autorizada pelo direito
positivo e que, segundo Caio Mário (1998, p. 251) “aparece toda vez que certa massa de
bens é sujeita a uma restrição em benefício de um fim específico”.
Apesar do art. 981, do Código Civil, de fato, ressaltar que “celebram contrato de
sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir” para o exercício de
uma atividade econômica, havendo a necessidade de se ter, portanto, duas ou mais
pessoas, sendo certo notar que, acaso reduzido a uma pessoa o quadro societário, e não
sendo recomposta a pluralidade de sócios, em 180 dias, ter-se-á a dissolução da
sociedade (art. 1033, IV, CC/02), não se pode olvidar daquilo a que se propõe o ato
constitutivo de sociedade. Com efeito, a teoria que melhor explica o ato constitutivo da
sociedade é a teoria do contrato plurilateral, de Tullio Ascarelli, que, na visão de
Marlon Tomazette (2003, p. 26-29) tem por principais características, como já visto,
dentre outras a distinguir o contrato plurilateral (natureza jurídica do contrato de
sociedade) dos demais contratos, a possibilidade de mais de duas partes, diferentemente
do contrato bilateral em que só se tem, apenas duas partes, bem como o fato de que o
contrato plurilateral está aberto a adesão de novas partes, sem que isso modifique ou
implique na formação de um novo contrato, o que nos remete a que, também, a saída de
partes vinculadas a tal contrato, vale dizer, a saída de sócios não modifica o contrato em
questão, que continua a ser o mesmo.
Apesar de caracterizar o contrato plurilateral como aquele que se caracteriza “pela
possibilidade da participação de mais de duas partes” e “pelo fato de que, quanto a todas
1145
essas partes, decorrem do contrato, quer obrigações, de um lado, quer direitos, de outro”
(ASCARELLI, 2008, p. 374), Tullio Ascarelli (2008, p. 411-413) apresenta-o como
uma modalidade de contrato “aberto”, ressaltando:
Às vezes, o contrato importa permanente oferta de adesão a novas partes (que
satisfaçam determinadas condições) e permanente possibilidade de desistência de
quantos dele participem, sem que seja necessária uma reforma do contrato para que
novas partes participem dele ou para que se retirem os que já participam. (...)
Todavia, mesmo quando a entrada de um novo sujeito ou a desistência de um outro
sujeito seja possível só modificando o contrato social, estaremos diante de uma hipótese
inconcebível nos demais contratos, sempre rigorosamente limitados a apenas duas
partes.
Oportunamente, acrescentou-se – e isto acentua a diferença – que os novos sujeitos
entram a fazer parte do contrato originário; de fato, nos limites da responsabilidade que
lhes é própria, eles respondem também pelos débitos contraídos anteriormente à sua
participação na sociedade.
Por outro, a saída de um sujeito é compatível com a possibilidade de continuação do
grupo.
A se entender a característica em exame no sentido de se ter no contrato plurilateral a
indeterminação do número de partes neste contrato, e sabendo-se que o contrato
plurilateral está sempre aberto a novas adesões, restaria sustentada do ponto de vista
teórico a possibilidade de se ter no direito brasileiro a chamada sociedade unipessoal.
Ressalte-se que a presente tese, aliada ao princípio da preservação da empresa, é que
justifica a espera de um lapso temporal para não se extinguir, de plano, uma sociedade
cujo quadro societário fique restrito a apenas uma pessoa, um sócio.
Não se pode deixar de lembrar-se da tese do contrato-organização, de Calixto Salomão
Filho (1995, p. 58). Tal teoria ressalta que o contrato-organização é uma das espécies
dos chamados contratos associativos e que se distinguem dos chamados contratos de
permuta, na medida em que “o núcleo dos contratos associativos está na organização a
ser criada, enquanto que nos contratos de permuta o ponto fundamental é a atribuição de
direitos subjetivos”. Tullio Ascarelli (2008, p. 424) ressalta que, em se considerando a
sua função econômica, o contrato plurilateral constituiria um contrato de organização.
A crítica relativa à não regulamentação ou ao não reconhecimento da limitação de
responsabilidade do empresário individual não se sustenta mais, por si só, ante a análise
comparada. Com efeito, a 12ª Diretiva da Comunidade Européia generalizou o
reconhecimento da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada no continente
europeu. Sylvio Marcondes Machado (1956), Antonio Martins Filho (1999), Calixto
Salomão Filho (1995) e Sergio Campinho (2003), relatam que tal instituto tem sido
1146
estudado com afinco e regulamentado em diversos países, tanto a título de Europa,
quanto a título de América.
Marcelo Bertoldi (2008, p. 170), inclusive, explica que:
a sociedade unipessoal de Liechtenstein, que era exemplificada como uma exceção à
regra geral da pluripessoalidade, acabou por transformar-se, hoje em dia, em somente
mais um exemplo de país que permite a existência de sociedades com apenas um sócio.
Sobre o cometimento de fraudes, é imperioso ressaltar que, com ou sem limitação dos
riscos inerentes à atividade empresarial, a possibilidade de fraudes jamais deixará de
existir. Basta que se tenham instrumentos eficientes para coibir o cometimento de
fraudes, tais como a desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo perceber a
possibilidade de sua aplicação, afim de coibir as fraudes, remodelando-a para algo como
a “desconsideração da autonomia patrimonial”. Não se pode olvidar, no que tange ao
problema das fraudes do pensamento de Antonio Martins Filho (1999, p. 312) ao
enunciar que:
Com efeito, certa corrente de doutrinadores considera a tese juridicamente admissível,
mas afirma que êsse tipo de empresa uma espécie de porta aberta à fraude na vida
prática. Daí a conclusão de que se torna perigosa e, pois, desaconselhável a sua adoção
pelo direito positivo.
Êste argumento, ao que nos parece, não terá fôrça suficiente para sufocar uma idéia em
marcha e já em vias de concretização.
[...]
Os que aceitam esta hipótese como sendo a mais viável e, sob a pressão deste estado
psicológico, propalam abertamente tal pensamento, não se recordam que, em oposição
constante à boa fé – garantia máxima das operações fiduciárias – está a argúcia
impreterível dos indivíduos inescrupulosos, os quais tanto podem agir em nome
individual como coletivamente. Destarte, a possibilidade de fraude, na trepidação da
vida econômica, jamais deixará de existir, com ou sem a limitação dos riscos do
estabelecimento do comerciante singular.
Desse modo, percebe-se que as críticas mais contundentes feitas ao instituto ora
proposto, de nenhum modo, merecem prosperar. São, portanto, todas, críticas
insustentáveis.
4. UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE A SEPARAÇÃO PATRIMONIAL
DOS AGENTES ECONÔMICOS
Sempre que se remete a fazer qualquer análise econômica seja de normas jurídicas, seja
de instituições reguladas pelo Direito, de logo surgem as discussões acerca da relação
entre Direito e Economia ou mesmo do modo como essas duas ciências devem dialogar.
Não obstante seja antiga a referida relação, Rachel Sztajn (2005, p. 74) destaca que é
“vista como alguma coisa marginal, de pouca importância”. Entretanto, continua a
mencionada autora a ressaltar que “é imensa a contribuição que o diálogo entre Direito e
Economia pode oferecer ao propor soluções para questões atuais”.
1147
A mesma Rachel Sztajn (2005, p. 75), demonstra:
Comum aos estudos de Law and Economics é a percepção da importância de recorrer a
alguma espécie de avaliação ou análise econômica na formulação de normas jurídicas
visando a torná-las cada vez mais eficientes.
Law and Economics é, assim, um movimento que, em síntese, prega a adoção do
ferramental econômico para o fim de avaliar ou analisar as normas jurídicas, em seus
efeitos econômicos, visando um ordenamento jurídico mais eficiente. Nesse sentido,
Rachel Sztajn (2005, p. 75) chama a atenção de como a Economia pode contribuir para
o aperfeiçoamento de normas jurídicas:
Tomando a Economia como poderosa ferramenta para analisar normas jurídicas, em
face da premissa de que as pessoas agem racionalmente, conclui-se que elas
responderão melhor a incentivos externos que induzam a comportamentos mediante
sistema de prêmios e punições. Ora, se a legislação é um desses estímulos externos,
quanto mais as forem as normas positivadas aderentes às instituições sociais, mais
eficiente será o sistema.
Para o Law and Economics, o Direito Positivo é um sistema de incentivos que visa
determinar as condutas a serem tomadas por parte dos agentes econômicos a partir de
incentivos. Fala-se de incentivos positivos quando se está diante de uma conduta que o
“sistema” tenha por desejável, aquela em que os agentes econômicos devem praticar. De
outro lado, pode haver incentivos negativos, quando se esteja diante de uma conduta
que o direito positivo vise proibir, tendo por fim a sua inibição. No primeiro caso,
sempre que o agente econômico se portar em conformidade com a norma ele deve
receber uma premiação. No segundo caso, se o agente pratica um ato, uma conduta, que
o Direito queira reprimir, ele deve receber uma punição. A premiação e a punição,
assim, funcionam como incentivos. O Direito, portanto, é um conjunto de normas
incentivadoras de condutas, baseado em um sistema de proteção a fazer com que as
normas sejam cumpridas. Nesse prisma, a legislação deve ser um incentivo eficiente.
Não se pode olvidar que os agentes econômicos têm por finalidade a maximização da
utilidade e dos resultados, pois ao maximizar utilidades gerarão para si mesmos e para a
sociedade um maior bem estar. Ocorre que tais agentes atuam a partir de características
que lhes são inerentes. Vale dizer, os agentes econômicos têm racionalidade limitada e
atuam de modo oportunista. Décio Zylbersztajn (online) ensina que:
[...] os agentes desejam ser racionais, mas só conseguem sê-lo parcialmente. A limitação
decorre da complexidade do ambiente que cerca a decisão dos agentes, que não
conseguem atingir a racionalidade plena.
Na mesma linha, demonstra Calixto Salomão Filho (2007, p. 36) que:
Incerteza e informação imperfeita não são limitações dentro das quais os indivíduos
procuram maximizar sua utilidade, como querem os neoclássicos; mas limites ao
próprio processo de raciocínio. Esse é o pressuposto dessa teoria.
Já sobre o oportunismo, ressalta Décio Zylbersztajn (online):
1148
Oportunismo implica no reconhecimento de que os agentes não apenas buscam o autointeresse, que é um típico pressuposto neoclássico, mas podem fazê-lo lançando mão de
critérios baseados na manutenção de informações privilegiadas, rompendo contratos expost com a intenção de apropriar-se de “quase rendas” associadas àquela transação e,
em última análise, ferindo códigos de ética tradicional aceitos pela sociedade.
Essas, portanto, são as características dos agentes econômicos. Todo agente econômico
busca sempre o seu próprio bem estar. Porém, esse agente não consegue compreender
racionalmente todas as informações disponíveis no mercado. Vale dizer, nas relações
econômicas havidas no mercado, sempre, uma das partes terá mais informações acerca
do objeto das transações. Assim, a racionalidade do agente é limitada às informações
que ele consegue apreender das relações que pratica. Do mesmo modo, é a partir de tal
contexto que os agentes econômicos se relacionam firmando contratos. É visando
oportunidade de gerar utilidades para ambos os agentes econômicos que os contratos
são firmados. Na busca do auto-interesse, são formadas relações jurídicas. Porém, é a
mesma busca pelo auto-interesse de cada agente que faz com que determinado agente
venha a romper mencionados contratos.
Do que se vê até o momento, para o Law and Economics existem basicamente duas
premissas básicas. A primeira é a de que os indivíduos maximizadores de riqueza, ou
seja, são seres racionais que buscarão atender aos próprios interesses a partir de escolhas
por eles realizadas. Reitere-se que tais escolhas serão feitas por alguém que tem
racionalidade limitada e que age mediante oportunismo. A segunda é a de que as
escolhas realizadas por tais indivíduos acarretarão, sempre conseqüências.
A propósito, ensina Cristiano de Carvalho (online) que:
Nesse sentido, o método econômico aplicado ao comportamento humano implica que os
indivíduos normalmente agem de forma racional, buscando melhorar o seu bem-estar e
avaliando as suas escolhas através de uma avaliação custo/benefício. Cabe não incorrer
na confusão freqüente entre escolha racional e escolha acertada ou correta. Fazer
escolhas racionais não implica, de forma alguma, que, aos olhos dos demais, a
alternativa optada pelo sujeito seja a melhor para si ou para outros.
Para o tema em debate, é preciso que se relembre a definição de empresário trazida pelo
Código Civil de 2002, em seu art. 966. Segundo tal dispositivo, “considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Ressalta, ainda, o art. 967, do mesmo
Código que “é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas
Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”. Sabe-se, contudo, que, à
míngua do que possa parecer à primeira vista, o registro não é condição para considerar
alguém como empresário, tendo por finalidade a regularização do exercício da atividade
empresarial. É atividade, portanto, que vai qualificar alguém como sendo empresário.
Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2008, p.126):
[...] podem ser relacionados na forma abaixo os requisitos ou elementos qualificativos e
distintivos do empresário: (i) exercício de uma atividade; (ii) a natureza econômica da
atividade; (iii) a organização da atividade; (iv) a profissionalidade do exercício de tal
atividade (elemento teleológico subjetivo); e (v) a finalidade da produção ou troca de
bens ou serviços (elemento objetivo).
1149
Do exposto, resulta distinguir, de um lado os empresários formais, porque registrados na
Junta Comercial, exercendo atividade regular; e, de outro, os informais, não registrados,
exercendo atividade irregularmente. É o caso de se perguntar da motivação, pela qual
existe um mercado informal tão grande, ou até maior, do que o mercado formal.
A resposta para a presente indagação é dada sob a análise Law and Economics. Com
efeito, como já se disse, os indivíduos, a partir de um sistema de incentivos regulados
pelo Direito, pautam as suas condutas. Ocorre que tais indivíduos sempre fazer uma
verdadeira análise de custo/benefício acerca do cumprimento das prescrições legais.
Nesse sentido, é que se diz que ele faz uma escolha racional, sendo racional tanto
atender, como não atender normas, desde que a conduta tomada seja mais vantajosa,
vale dizer, traduza-se no aumento do bem estar, na maximização de utilidade para tal
indivíduo. Desse modo, para aqueles que exercem atividades empresariais de modo
informal, é mais vantajoso não formalizarem, mediante registro na Junta, tal atividade.
Seja pelo fato de que os incentivos positivos trazidos (“premiações” dadas pelo
Ordenamento Jurídico, em razão da formalização) não são tão eficientes a ponto de
incentivarem a que os agentes econômicos venham a se registrar; seja pelo fato de que
os incentivos negativos (“punições” dadas pelo Ordenamento Jurídico, em razão da não
formalização), do mesmo modo, não se demonstram eficientes, a ponto de forçarem a
regularização das atividades pelos empresários informais.
Fábio Ulhoa Coelho (2008, p. 66), acerca do empresário não registrado, ensina que:
O empresário que não cumpre suas obrigações gerais – o empresário irregular –
simplesmente não consegue entabular e desenvolver negócios com empresários
regulares, vender para a Administração Pública, contrair empréstimos bancários,
requerer a recuperação judicial etc. Sua empresa será informal, clandestina e sonegadora
de tributos.
Desse modo, tais atos e negócios funcionariam como incentivos positivos para a
regularização da situação daqueles que estão na informalidade. Funcionam, portanto,
como premiação para os empresários “formais”, registrados, pois, apenas estes é que
poderão praticar tais atos e negócios. Não se pode deixar de cogitar acerca da
ineficiência de tais incentivos. Com efeito, como já se disse, é da própria natureza dos
agentes econômicos a limitação ou a minoração dos riscos relativos ao empreendimento
econômico a que se dedicam. Na hipótese de limitação de riscos, os agentes econômicos
tenderão a alocarem em tal empreendimento econômico uma maior disponibilidade de
recursos, pois reduzidas serão as possibilidades de perda de tais investimentos.
Nesse ínterim, cabe relembrar as lições de Romano Cristiano (2007, p. 107):
Foi visto que a empresa, como gênero, não indica todas as atividades humanas: indica
apenas aquelas atividades cujo exercício não pode prescindir da existência de boa dose
de risco, não importa a natureza deste. [...]
E a empresa econômica? Qual o risco que ela faz correr? Faz correr, sem dúvida
alguma, o risco de perda, total ou parcial, do capital empregado na respectiva atividade
(quando não do inteiro patrimônio pessoal do empresário individual ou dos sócios
ilimitadamente responsáveis de sociedade empresária). Pois um capital é necessário
1150
sempre, em qualquer hipótese, como elemento fundamental ou essencial: é de fato
inconcebível a existência de empresa econômica desprovida do mesmo.
Na medida em que a “empresa é risco” e que é necessária a utilização de capital para o
exercício de atividade empresarial, limitando-se a responsabilidade do empresário ao
patrimônio por ele empregado para o exercício de sua atividade, o empresário tenderá a
empregar mais recursos para o desenvolvimento de sua empresa. Exatamente pela falta
de tal limitação é que se vê a profusão de sociedades limitadas, apenas de fachadas. São
as já comentadas sociedades fictícias.
Por óbvio, a separação patrimonial do empresário ficaria condicionada ao registro da
empresa. Desse modo, tem-se que a limitação de responsabilidade do empresário
individual, em qualquer de suas vertentes, resultaria em incentivo eficiente a fim de que
houvesse uma maior regularização, diminuindo-se, ao menos em tese, a informalidade.
De resto, como com a mencionada separação patrimonial, seja em termos de patrimônio
de afetação, seja em termos de sociedade unipessoal, limitar-se-iam os riscos oriundos
do empreendimento econômico. Aqueles que se relacionarem com o agente econômico,
em razão da empresa, terão, apenas, o patrimônio desta para se satisfazer. Porém,
limitando-se os riscos, os empresários tenderão a investir mais em suas empresas,
servindo a limitação de responsabilidade individual como um meio eficiente para se
fomentar o empreendedorismo.
CONCLUSÃO
Algumas observações devem ser feitas, a título de fechamento. A primeira é a
percepção que se tem no que tange à aplicação das soluções apresentadas como meios
possíveis para a regulamentação da limitação da responsabilidade do empresário
individual. Com efeito, costuma-se apresentar o empresário individual de
responsabilidade limitada como mecanismo possível para atender à pequena e média
empresa e a sociedade unipessoal para se atender à grande empresa e aos
conglomerados econômicos.
Firme na nossa convicção de que o “novo” Direito Comercial é o direito das empresas e
dos mercados (relembre-se o binômio apresentado na introdução), é preciso que se
pense numa sistemática que atenda, de um lado, o pequeno empresário e de outro a
grande empresa, sendo certo notar que o importante é que se tenha um modelo de
limitação de responsabilidade do agente econômico ao patrimônio afetado à sua
atividade, independentemente do tipo ou do tamanho de sua empresa. Nesse ínterim, a
estrutura deve atender tanto ao empresário que necessita de pouca organização quanto
da grande empresa que atua perante o mercado de capitais, por exemplo.
Apesar de os autores que se dedicaram ao estudo do tema, no Brasil, entenderem pela
adoção de um modelo único, qual seja, a limitação de responsabilidade do empresário
individual, via patrimônio de afetação ou sociedade unipessoal, temos que a melhor
solução é aquela que consagra ambos os modelos. Assim, a limitação da
responsabilidade do empresário individual deve ser reconhecida, a título de provável
regulamentação, tomando-se por base inicial de análise, o limite previsto na referida Lei
Complementar nº 123/06 para definir a microempresa (art. 3º, I). O empresário
individual, com receita bruta anual, até tal limite, responderá pelas dívidas empresariais,
apenas com bens e direitos vinculados à atividade empresarial. Superado tal limite, há
1151
de ser aberto um prazo curto, por exemplo, 180 dias, para utilizar o mesmo prazo
previsto no Código Civil (art. 1033, IV), no intuito de que o empresário individual se
transforme, na conformidade do art. 1115, em sociedade unipessoal limitada, sob pena
de passar a ser ilimitada a responsabilidade. O inverso, também, deve ocorrer. Com
efeito, se sociedade unipessoal limitada vier a ter faturamento inferior a referido limite,
deve ser transformada em empresário individual, com limitação de responsabilidade
limitada, no prazo previsto.
No intuito de não se gerar burocracia desnecessária, no sentido de anualmente ocorrer as
referidas transformações, deve se disciplinar hipótese na qual se tenha a perda do direito
a limitação de responsabilidade, nas modalidades analisadas, propondo-se que tal perda
ocorra quando houver a superação ou não for alcançado referido limite, por dois anos
consecutivos ou três anos alternados em um período de cinco anos. Não se respeitando
tais regras, passa-se à condição de empresa irregular e, portanto, a responder
ilimitadamente pelas obrigações empresariais.
Tal deve ser o instrumento a ser regulamentado, valendo dizer que, acaso o empresário
atue com desvio de finalidade ou com fraude à lei, a limitação de responsabilidade do
empresário individual, em quaisquer das modalidades, deve ser desconsiderada,
passando o empresário a responder ilimitadamente pelas obrigações oriundas da fraude
à lei ou do desvio de finalidade. Caso tal empresário entre em crise e venha a ser
decretada sua falência, é sobre o patrimônio afetado ou sobre o capital social da
sociedade unipessoal que deve ser montada a massa falida. O administrador judicial só
deverá arrecadar os bens componentes de tais patrimônios.
A regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual é
importante e imprescindível por dois aspectos. O primeiro diz respeito à certeza e
segurança de que passarão a ter os agentes econômicos contrataram com o empresário
individual, retirando-se a possibilidade de pessoas que não tiveram qualquer relação
com o patrimônio afetado à atividade econômica venham a se utilizar de tais bens. O
segundo aspecto reside no fato de que, afetando-se a responsabilidade do empresário
individual aos bens utilizados para o exercício da atividade econômica, restará intocável
a parcela de patrimônio pessoal dos que se dedicam a atividade empresarial. Desta feita,
esse patrimônio intocável se constituirá no móvel pelo qual o empresário poderá ter
condições mínimas de viver dignamente, bem como de garantir tais condições aos seus
familiares, efetivando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Registre-se, por fim, que a regulamentação da limitação de responsabilidade do
empresário individual é sustentada, não somente a partir de uma abordagem jurídicoconstitucional. Com efeito, do ponto de vista de uma análise econômica, vislumbra-se
que a separação patrimonial do empresário representa um incentivo eficiente a que os
empresários venham a formalizarem suas empresas, perdendo-se a motivação para a
formação de sociedades fictícias. De outro lado, pelo fato de se segregar patrimônio,
fazendo surgir, em todos os aspectos um patrimônio especial, distinto do patrimônio
geral do empresário, a separação patrimonial serviria, por função econômica, como um
mecanismo eficiente para se fomentar o empreendedorismo. Desse modo, os
empresários, em geral, tenderão a alocarem mais recursos em suas empresas em face da
aludida limitação.
1152
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UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA SEPARAÇÃO