UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DOS AGENTES ECONÔMICOS: A SOCIEDADE UNIPESSOAL E O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA COMO POSSIBILIDADES VIÁVEIS DE REGULAMENTAÇÃO AN ECONOMIC ANALYSIS OF THE PATRIMONIAL SEPARATION OF THE ECONOMIC AGENTS: SINGLE PARTNER COMPANIES AND THE INDIVIDUAL ENTREPRENEUR OF LIMITED LIABILITY AS VIABLE POSSIBILITIES OF REGULATION Uinie Caminha Giovani Magalhães Martins Filho RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar a sociedade unipessoal e o empresário individual de responsabilidade limitada como alternativas possíveis para a regulamentação da separação patrimonial do empresário, limitando-se a responsabilidade ao patrimônio vinculado à atividade. A base teórica que sustenta a sociedade unipessoal é obtida através da Teoria do Contrato Plurilateral, de Tullio Ascarelli, e da Teoria do Contrato Organização, de Calixto Salomão Filho. O que serve de fundamento ao empresário individual de responsabilidade limitada é a Teoria do Patrimônio de Afetação. A partir de uma análise econômica de ambas as teorias e ainda das críticas que a elas se fazem, percebeu-se a maior eficiência da limitação da responsabilidade do empresário individual, como meio de fomentar o empreendedorismo, servindo tanto para as pequenas quanto para as grandes empresas. PALAVRAS-CHAVES: SOCIEDADE UNIPESSOAL; EMPRESÁRIO INDIVIDUAL; RESPONSABILIDADE LIMITADA; CONTRATO PLURILATERAL; PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO. ABSTRACT This article aims to present the unipersonal society and the individual entrepreneur of limited liability as a possible alternative for the regulation of the patrimonial separation of the entrepreneur, so that its liability as a entrepreneur would be limited to the assets specifically bound to such activity. The theoretical basis that supports the unipersonal society is gotten through the Theory of the Plurilateral Contract, of Tullio Ascarelli, and the Theory of the Organization Contract, of Calixto Salomão Filho. The basis for the limited responsibility of the individual entrepreneur is the Theory of the Patrimony of Affectation. An economic analysis of both theories shows that the limitation of liability of the individual entrepreneurs is more efficient, as means to foment the development of market, since it would be useful either for small or big businesses. 1136 KEYWORDS: SINGLE PARTNER COMPANY; INDIVIDUAL ENTREPRENEUR; LIMITED LIABILITY; PLURILATERAL CONTRACT; PATRIMONY OF AFFECTATION. INTRODUÇÃO Muito se tem discutido a respeito da regulamentação de instituto jurídico que venha a garantir aos agentes econômicos a limitação de responsabilidade ao patrimônio vinculada à determinada atividade econômica. Tais discussões têm sido feitas tanto em termos de doutrina, quanto em sede de direito comparado, valendo ressaltar, ainda, as recentes tentativas de regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual, no Brasil. Com efeito, de 2003 a 2009, tivemos nada menos do que cinco tentativas de regulamentação, a saber: os Projetos de Lei nº 2.730/03 (arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, em face do fim da legislatura), 3.667/04 (cujo dispositivo que regularia a limitação de responsabilidade foi retirado, em face da previsão do projeto de lei anterior ter sido considerado mais adequado e abrangente), 5.805/05 (aprovado na comissão temática e na de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara do Deputados; porém, pediu-se a declaração de prejudicialidade em face do veto, e suas motivações, dado a instituto semelhante que estava previsto na Lei Complementar nº 123/06); a Lei Complementar nº 123/06 (cujo dispositivo foi vetado, em face de manifestação dos Ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego), além do Projeto de Lei nº 4.605/09, apresentado recentemente. Fazendo-se um cotejamento aos formatos apresentados como mecanismos a regulamentar a limitação de responsabilidade do empresário individual, percebe-se uma oscilação entre uma solução societária (a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada) e uma solução não-societária (o empresário individual de responsabilidade limitada). O que se busca, a princípio, nesse artigo é apresentar, do ponto de vista teórico, as alternativas aludidas. Pretende-se analisar se, das alternativas apresentadas, há alguma que seja mais viável que a outra ou se seria preciso apresentar uma terceira alternativa. Com efeito, não se pode deixar de notar, conforme leciona Iolanda Lopes Abreu (1988, p. 113) é aspiração antiga do comerciante individual a limitação de sua responsabilidade patrimonial e que, na medida em que não se regula tal aspiração de modo direto, consegue-se tal intento, mediante negócios indiretos, como as chamadas sociedades fictícias. Assim, a partir de uma análise econômica, buscar-se-á demonstrar a maior eficiência da limitação de responsabilidade do empresário individual, como mecanismo para fomentar o empreendedorismo, servindo de incentivo tanto para a pequena quanto para a grande empresa. Para tal finalidade, o presente texto se encontra dividido em quatro seções além desta introdução e da conclusão. Na primeira seção, apresentar-se-ão os contornos gerais da sociedade unipessoal. Na segunda, será analisada a figura do empresário individual de responsabilidade limitada, a fim de que, na terceira seção, sejam verificadas as principais críticas referentes à regulamentação da limitação de responsabilidade do 1137 empresário individual. Por fim, na quarta seção, far-se-á uma breve exposição acerca do movimento de Law and Economics para que, então, seja possível demonstrar que a limitação de responsabilidade do empresário individual funcionará como um incentivo a que os agentes econômicos venham a regularizarem a sua situação, mediante registro na Junta Comercial. De quebra, tal instituto se faz perceber como um mecanismo eficiente para fomentar o empreendedorismo. É imprescindível, ainda nesse intróito, ressaltar a mudança de perspectiva havida na transformação da disciplina de Direito Comercial para Direito Empresarial. O novo âmbito do Direito Comercial (ou do Direito Empresarial, segundo alguns) é formado através do binômio – atividades empresárias e mercado. Com efeito, mediante a noção de viabilidade econômica atrelada à função social da empresa, tem-se que as atividades empresárias que se revelarem economicamente viáveis devem ser preservadas, e o Estado precisa garantir tal preservação, visando o bom funcionamento do mercado. É a atividade que qualifica o sujeito enquanto empresário; é a atividade empresária, ou seja, a atividade exercida pelo empresário que passa a primeiro plano, quando da mudança de perspectiva da disciplina. De mesmo naipe é o entendimento da Rachel Sztajn (2004, p. 10): Mercado e organizações, creio, são o cerne do moderno Direito Comercial. Portanto, os princípios norteadores do Direito Comercial, mesmo com a unificação do direito privado, não afastam a antiga concepção sobre ser ele um direito especial em relação ao direito comum, direito civil, agora, entretanto, não mais relacionado aos atos de comércio, de criação francesa, mas como direito dos mercados e das empresas. Não um direito classista ou corporativista, mas um direito de caráter econômico que replica a microeconomia. Atenta-se contra a função social da empresa a manutenção do status quo. Urge, portanto, que se regule a limitação de responsabilidade do empresário individual. Deve o patrimônio da empresa ser o alvo único de obrigações empresariais, não se misturando, nem se confundindo, do ponto de vista de responsabilidades, o patrimônio empresarial e o patrimônio pessoal, ambos já separados desde Alberto Asquini (1998, p. 118). Percebe-se, portanto, que a atividade empresarial passa a ser relevante para o novo Direito Comercial, e não mais o sujeito ou o ato por este praticado. Dessa forma, se é a atividade econômica organizada voltada a atender um interesse de mercado o viés importante, torna-se imperioso que se dê à referida atividade o mesmo tratamento jurídico e não tratamentos distintos diante de atividade desenvolvida por pessoa física ou por pessoa jurídica. 1. A SOCIEDADE UNIPESSOAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Uma possibilidade viável de se estruturar um modelo que venha a garantir ao empreendedor individual a limitação de responsabilidade ao patrimônio destinado ao empreendimento se dá por intermédio da chamada sociedade unipessoal de responsabilidade limitada. Com efeito, na exata medida em que não se confundem a personalidade dos sócios com a da sociedade, cada qual tem seu respectivo patrimônio. Deve se ressaltar, ademais, que, segundo a Teoria Poliédrica da Empresa, a sociedade é sujeito de direito, ou seja, é titular de patrimônio, distinto do patrimônio dos respectivos sócios, com o fito de adquirir direitos e contrair obrigações. Entretanto, não é tão fácil, 1138 nem tranqüila, a adoção do referido modelo, da estrutura sob exame. Com efeito, o sistema societário brasileiro é fortemente contratualista, apesar da Lei nº 6.404/76 ter sido concebida segundo a teoria do ato institucional. Em sendo assim, percebe-se a necessidade de haver pelo menos duas pessoas para se poder falar em contrato social. É o que se vê no art. 981, do Código Civil, ao prever que: Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Apesar da necessidade de pessoas se obrigarem a contribuir para a formação do patrimônio social, o que denota a idéia de se precisar de dois ou mais sócios, não se pode deixar de notar que o direito brasileiro já reconhece algumas possibilidades de unipessoalidades, vale dizer, de sociedades unipessoais. Antes, porém, de apresentá-las, faz-se mister que se apresente as noções pelas quais se deve entender enquanto sociedade unipessoal. Há de se destacar também as espécies de sociedade unipessoal reconhecidas. De início, é preciso separar da noção de sociedade unipessoal, as chamadas sociedades fictícias. Estas são aquelas sociedades que quanto ao quadro societário, atende-se a formalidade de se ter mais de um sócio, mas que um destes tem participação tão relevante no capital social, sendo certo afirmar que não se trata nada mais do que um mecanismo indireto para se conseguir a limitação dos riscos e, portanto, a limitação de responsabilidade. Não estando regulamentada diretamente, os empreendedores buscarão, como é natural, por outro meios, fórmulas ou estruturas que dêem ensejo à efetivação da limitação de responsabilidade ao patrimônio empregado para o exercício da atividade. A este respeito, leciona Luiz Antonio Soares Hentz (2003, p. 172): A negação da responsabilidade limitada para o empresário individual resultou, na prática, em todos os lugares, na utilização de métodos condenáveis. Dentre os meios de que se tem valido a engenhosidade jurídico-empresarial para se furtar à responsabilidade patrimonial plena, como sucede com a firma individual, está a sociedade fictícia ou pro forma. No Brasil, jamais se deu grande importância à má utilização do modelo societário para o exercício da empresa. Assim, o fato da não regulamentação da responsabilidade limitada ao empresário individual dá ensejo à formatação das sociedades fictícias que nada mais são do que aquelas em que um dos sócios é quem, de fato, exerce a atividade empresarial, sendo os demais sócios, apenas, pessoas que cedem seus nomes para a formação do quadro societário. O mesmo Luiz Antonio Soares Hentz (2003, p. 173), com a clareza que lhe é peculiar, ressalta: Com efeito, é sabido que a responsabilidade patrimonial do comerciante em nome individual pelas dívidas contraídas na sua atividade empresarial é irrestrita. Abrange todo o seu próprio patrimônio, não só o destacado para sofrer os riscos da empresa, como se dá na sociedade empresária. A fim de evitar a responsabilidade ilimitada, tratase de criar sociedades fictícias, constituídas mediante simulação, o que, também no direito brasileiro, não as torna inválidas senão quando houver intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei. 1139 Caracterizam-se a sociedades fictícias pela existência de um “sócio”, o empresário, e outro ou outros que apenas cedem o nome para integrar o quadro social. O que o empresário deseja e alcança é a limitação da sua responsabilidade patrimonial pelas dívidas provenientes da atividade empresarial. Para efeitos jurídicos, tem-se uma sociedade – e com a conseqüência da divisão patrimonial (...) Com o mecanismo das sociedades pro forma, favorece-se também a sociedade, que não será demandada por dívidas dos sócios (art. 292, do antigo CCom, cujo princípio prevalece no novo CCB, embora sem que esteja expressamente consignado no texto). Não é de se admirar, contudo, que é justamente da praxe das sociedades fictícias que surge um dos maiores argumentos em prol da adoção da chamada sociedade unipessoal, como se percebe com Calixto Salomão Filho (2006, p. 199-200): No caso ora em análise, dever-se-ia imaginar uma realidade de empresários que exercitam todos a atividade em nome próprio e querem escolher a forma organizativa mais conveniente para o exercício do comércio. Nesse caso, e somente, nesse caso, poder-se-ia pensar em escolhas de política legislativa, como a de manter a coerência sistemática, ainda que em prejuízo de um maior incentivo à pequena e média empresa. Uma tal situação, porém, não existe. E são os próprios legisladores a admitir. A introdução de uma forma de limitação de responsabilidade do comerciante individual decorre exclusivamente do reconhecimento de uma situação de fato, consistente na utilização de sociedades fictícias, com um ou mais homens-de-palha, introduzidos com o único objetivo de permitir a limitação de responsabilidade. (...) Em caso de instituição de uma forma que não ponha à disposição do empresário as mesmas vantagens da sociedade, esse continuará a fazer uso das sociedades fictícias. Dentro desse mesmo contexto, não se pode deixar de lembrar a diferenciação exposta por Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 242): Como exposto, muitos apenas adotam a forma societária com a única intenção de proteger o patrimônio pessoal, em caso de insucesso da empresa, quando não há outra alternativa. Em casos tais, existe, na realidade, uma empresa, individualmente explorada, e, formalmente, uma sociedade empresária, somente na aparência, em que o empreendedor é o titular da grande maioria das quotas e o sócio de mero favor aparece com tímida participação, por que, em realidade, dela não participa, nem na constituição, nem no desenvolvimento da empresa. Esta é a sociedade fictícia. Atualmente, ela se diferencia da sociedade unipessoal. A sociedade unipessoal, no entanto, não é uma simulação: existe reconhecimento legal de formação do ente composto por um único membro. A sociedade unipessoal tem sido definida como aquela “em que todas as partes sociais são pertença de uma única pessoa, singular ou coletiva”. Diferençada, portanto, a sociedade unipessoal da sociedade fictícia ou pro forma, é preciso que se apresentem as espécies de sociedades unipessoais reconhecidas pela doutrina. Quanto ao momento da constituição, classificam-se as sociedades unipessoais 1140 em: sociedade unipessoal originária, sociedade unipessoal superveniente, esta subdividida em sociedade unipessoal superveniente temporária e sociedade unipessoal intercorrente. A chamada sociedade unipessoal originária ou ab initio definida como sendo aquela que já surge apenas como um sócio como membro componente do quadro societário. Já a sociedade unipessoal superveniente é aquela constituída com mais de uma pessoa como membro componente do quadro societário, mas que passa a ter apenas um sócio, em razão da saída ou da expulsão dos demais sócios. Fala-se, de um lado, em sociedade unipessoal superveniente temporária quando se está diante daquelas sociedades constituídas com mais de um sócio e que, por qualquer razão, passam, temporariamente, a ter apenas uma pessoa como membro componente do quadro societário, recompondo-se a pluralidade de sócios em certo período de tempo. Vale ressaltar que, em sendo recomposta a pluralidade de sócios, no tempo previsto pelo ordenamento jurídico, pelo referido lapso temporal, a sociedade terá funcionado com um apenas um sócio; perdendo-se referido prazo, ser-lhe-á dada a pecha da irregularidade, não lhe restando outra coisa que não seja a liquidação e posterior extinção. É acidental, portanto, a redução do quadro societário a um, nesta hipótese. Por fim, tem-se a sociedade unipessoal intercorrente que é aquela sociedade que nasce plurilateral, mas que se torna unipessoal e assim continua com o correr da existência, sem limitação temporal e sem se tornar irregular. A redução aqui é preordenada, vale dizer, a sociedade tem origem plurilateral, porém, já se encontra acertada a redução do quadro societário. Sobre a classificação que ora se apresenta, em comentários ao art. 981, do Código Civil, Rachel Sztajn (2008, p. 131) aduz que: A exigência de pluralidade de pessoas, duas ou mais, na formação do contrato, constante deste artigo, afasta a legislação brasileira da mais recente orientação nos ordenamentos da Europa Continental, de admitir-se a organização de “sociedades unipessoais”. A unipessoalidade, comum no Brasil na organização da empresa pública, ganha, com a Décima Segunda Diretiva Comunitária, legitimidade desde a constituição. Sobre a unipessoalidade intercorrente, isto é, número de sócios ficar reduzido a um, embora originariamente a pluralidade existisse, também não é admitida pelo ordenamento pátrio. Apesar de concordar com a autora acima citada no que tange à unipessoalidade intercorrente, é preciso que se diga que a legislação brasileira não se afasta, mas sim tem se aproximado dos ordenamentos da Europa Continental, haja vista a regulamentação, ainda que de modo excepcional, da unipessoalidade superveniente temporária, pelo Código Civil. Com efeito, a par de, de fato, vedada a unipessoalidade intercorrente, o direito brasileiro reconhece uma possibilidade de sociedade unipessoal originária e uma possibilidade de sociedade unipessoal superveniente temporária, com prazo de recomposição a variar se estejamos diante sociedade empresária regida pelo Código Civil, ou pela Lei nº 6.404/76. Tratam-se, respectivamente, da Subsidiária Integral (prevista nos arts. 251 e seguintes, da Lei nº 6.404/76) e da unipessoalidade com prazo para recompor a 1141 pluralidade de sócios em 180 dias (art. 1033, IV, do Código Civil) ou em 1 ano (art. 206, I, “d”, da Lei nº 6.404/76), anteriormente relatadas. 2. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA A outra possibilidade viável para se regulamentar o instituto que ora se propõe é o empresário individual de responsabilidade limitada. Vale dizer, atualmente vige, no direito brasileiro, o princípio da responsabilidade ilimitada para o empresário individual. Frise-se, por oportuno, a regra geral é a de que por obrigações decorrentes da atividade empresarial, sejam referentes a débitos ou a danos, o empresário individual irá responder com todo o seu patrimônio, inclusive o pessoal, não havendo, portanto, separação patrimonial, relativa aos bens e relações jurídicas inerentes à atividade empresarial daqueles relativos à vida pessoal do empresário. Diz-se regra geral na medida em que a legislação nacional, com o Código Civil, reconhece uma possibilidade de exercício de atividade empresarial, com limitação de responsabilidade. Trata-se da continuidade do exercício de empresa por incapaz antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança, prevista no art. 974, do Código Civil. Neste caso, desde que com precedente autorização judicial, não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens, estranhos ao acervo empresarial, que o incapaz possuía, antes da interdição ou da sucessão. Apesar de a opinião da doutrina seja a de que tal limitação de responsabilidade decorrera do entendimento pelo qual o incapaz não poderia sofrer os ônus do insucesso empresarial, exatamente por lhe faltar de algum modo o discernimento, no sentido de informar se quer ou não empreender, e até que ponto empreender, o fato é que se materializou a idéia do patrimônio de afetação para fins empresariais, em nosso ordenamento jurídico. Não se pode aqui olvidar que já Asquini (1998, p. 118) asseverava que o patrimônio empresarial, em razão de seu escopo, é um patrimônio especial distinto do restante patrimonial do empresário. O próprio Asquini ressalta que, em razão desta segregação patrimonial, construíram-se as teorias sobre a personificação da empresa, que não se sustentam, nem foram acolhidas. Afora a criação de uma sociedade que pudesse ter apenas um sócio no seu quadro societário, chamada, portanto, de sociedade unipessoal, já vista, a outra possibilidade viável é exatamente a de se limitar a responsabilidade do empresário ao patrimônio envolvido na atividade empresarial. Adotando-se o princípio da unidade patrimonial, como tal reconhecido no direito brasileiro, pode-se reconstruir a idéia apresentada no sentido de que se buscaria a limitação da responsabilidade do empresário individual à parcela patrimonial afetada à sua atividade. Nesta perspectiva, são as palavras de Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 269): O patrimônio de afetação é uma forma de excluir, por exceção, bens em situações específicas e determinadas, como já ocorre no bem de família, nos bens sujeitos à comunhão de bens dos cônjuges, no usufruto, no espólio em relação ao herdeiro, etc. Essa possibilidade se abre, vencendo-se o caráter indivisível do patrimônio. No entanto, se se considerar tal questão insuperável, basta entendê-la como mero destaque de bens de um patrimônio único. (...) 1142 A operacionalidade de tais massas patrimoniais se dá através do sujeito único de direito, que as utilizará tendo como divisor de águas a finalidade empresarial, a destinação específica, devidamente inscrita. E por isso o empresário não deve dela se afastar, sob pena de responsabilização pessoal. Tradicionalmente, como se viu, o empresário individual, em razão das obrigações oriundas do exercício da atividade empresarial, tem responsabilidade ilimitada. Sylvio Marcondes Machado (1956, p. 19) explica: O princípio da responsabilidade ilimitada, consagrado nas legislações e segundo o qual a pessoa responde por suas dívidas com todos os bens, constitui o eixo de um inteiro sistema organizado no plano jurídico para prover à segurança das relações dos homens, na ordem econômica. Sujeitando a massa dos bens da pessoa à satisfação de suas obrigações, a lei, de uma parte, confere aos credores garantias contra o inadimplemento do devedor; de outra, impõe a êste (sic) uma conduta de prudência na gestão dos próprios negócios. E, assim, refreia a aventura, fortalece o crédito e incrementa a confiança. É curioso notar que foi, também, a segurança das relações econômicas que fez mitigar o princípio da responsabilidade ilimitada, dando origem ao princípio da limitação de responsabilidade. Convém esclarecer, conforme Antônio Martins Filho (1999, p. 289), que o princípio da responsabilidade limitada em matéria de direito comercial tem sua explicação em imperativos de ordem sociológica, “que nada mais significa do que a revolta dos fatos contra a lei”. O principal argumento para o não reconhecimento da limitação de responsabilidade do empresário individual se deve à chamada teoria da unidade do patrimônio. Contradita tal argumento Antonio Martins Filho (1999, p. 292), ressaltando: O tradicional argumento da “indivisibilidade do patrimônio” e outros que tais, poderão ser invocados, à guisa de resposta a essas interrogações. Mas, a êles (sic) teremos o ensêjo (sic) de abordar, em outro capítulo dêste (sic) trabalho. Por enquanto limitamo-nos a reconhecer a emprêsa (sic) individual de responsabilidade limitada representa um imperativo da hora presente, isto é, mais uma pressão dos fatos sôbre (sic) a lei. A teoria da unidade do patrimônio e, por decorrência, o princípio da responsabilidade ilimitada vem sofrendo um abrandamento haja vista a tese do patrimônio de afetação, pela qual se concebe uma segregação ou divisão do patrimônio, que, ficam vinculados a uma finalidade específica, só respondem por obrigações oriundas de tal patrimônio. Assim, não há comunicação dos patrimônios, geral e afetado, na constância da afetação patrimonial. Credores do patrimônio de afetação deverão se contentar com este patrimônio separado, não podendo visar o patrimônio geral para garantir seus interesses, e vice-versa. A respeito do patrimônio de afetação, leciona Caio Mário da Silva Pereira (1998, p. 251): Com a construção da teoria da afetação, uma corrente de juristas pretendeu atingir a doutrina tradicional da unidade do patrimônio, sustentando que aqueles bens constituem patrimônio de afetação, distintos e separados. Opera-se, assim, a cisão do complexo bonitário, sustentando-se que, afora o patrimônio geral, há os especiais, destacados pela 1143 afetação. Desta sorte, abrir-se-ia uma brecha na noção da unidade e indivisibilidade, pois que, enquanto a doutrina tradicional considera o patrimônio como uma relação subjetiva (“cada pessoa tem um patrimônio”), a teoria da afetação entende que existem bens a compor os patrimônios da pessoa (natural ou jurídica), objetivamente vinculados pela idéia de uma afetação a um fim determinado. Apesar de o referido autor entender que a afetação só implica em patrimônio caso seja verificada a criação de uma personalidade, o direito brasileiro reconhece o patrimônio de afetação sempre que parcela de um patrimônio é destacada para um fim determinado e que, como tal, não se misturam, nem comunicam com o chamado patrimônio geral. Pode se sentir perfeitamente o acolhimento da referida teoria, quando se lê o art. 119, IX, da Lei nº 11.101/05, que prevê: Os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer. O patrimônio de afetação seria, assim, o meio pelo qual poderá ter consagrada a limitação de responsabilidade do empresário individual, uma solução não-societária, na qual não precisaria ser reconhecida uma nova personalidade jurídica. A responsabilidade do empresário individual restaria limitada à parcela do patrimônio afetada à atividade econômica. O patrimônio empresarial seria, assim, um patrimônio especial e distinto do patrimônio geral do empresário, dentro do que defende, inclusive, Alberto Asquini. Percebe-se, inclusive, que o patrimônio empresarial é distinto do patrimônio geral do empresário, em dois momentos, no Código Civil: o art. 974, que regula a continuação, desde que com precedente autorização judicial, da atividade empresarial por incapaz com limitação de responsabilidade aos bens afetados à atividade empresarial, antes da sucessão ou da interdição; e no art. 978, que prevê: O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real. Priscila M. P. Corrêa da Fonseca (2008, p. 123) comenta que: O referido dispositivo legal assegura a independência do patrimônio da empresa em relação ao de seu titular ou sócios. Visa, outrossim, evitar que a empresa possa sofrer solução de continuidade em sua atividade negocial em razão de eventuais desentendimentos entre cônjuges – sejam eles sócios ou não –, ou mesmo em razão de resistência injustificada por parte de um deles quando a alienação de bem móvel ou imóvel se fizer indispensável ao andamento dos negócios sociais. Não é difícil perceber que o patrimônio empresarial é independente do patrimônio pessoal do empresário titular. É assim, o patrimônio empresarial, nada mais do que uma parcela do patrimônio de uma pessoa que é destacada para ser utilizada especificamente em um empreendimento econômico, ou seja, trata-se, pois, de patrimônio de afetação. Com efeito, inexiste qualquer razão para não se reconhecer a independência do 1144 patrimônio da empresa em relação ao do seu titular, mantendo-se o princípio da responsabilidade ilimitada do empresário individual. Se há independência entre o patrimônio da empresa e o patrimônio do titular, há patrimônio de afetação, pelo que as obrigações vinculadas a tal patrimônio deveriam ser, apenas, por ele, garantidas, sendo certo notar que não deveriam obrigações do titular que não tenham ligação com a empresa utilizar-se do patrimônio afetado a fim de ser garantidas. 3. CRÍTICAS ÀS ESTRUTURAS POSSÍVEIS As críticas a que se impõem à regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual, independentemente da estrutura a ser utilizada, dirigem-se a quatro grandes pontos. O primeiro deles diz respeito ao princípio da unidade do patrimônio, aquele pelo qual toda pessoa tem apenas um, e somente um, patrimônio, que serve para garantir aos interesses de terceiros. Um outro foco de discussão diz respeito à definição que o direito brasileiro dá para sociedade empresária; com efeito, deve-se ter o mínimo de dois sócios, na conformidade do art. 981, do Código Civil, pelo que descabe, regra geral, falar-se em sociedade unipessoal. O terceiro ponto diz respeito à pretensa novidade do tema, ou seja, o fato de não haver repercussões ou regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual, no direito comparado. O último dos vértices de discussão de respeito ao entendimento pelo qual em sendo reconhecida a limitação de responsabilidade, restarão abertas as portas para o cometimento de ilícitos e de fraudes. No que tange à unidade do patrimônio, o direito brasileiro já fez mitigar referido princípio, por intermédio da teoria do patrimônio de afetação (parcela de patrimônio destacada do patrimônio geral de uma pessoa, sendo destinada a uma finalidade específica, prevista em lei). É imperioso lembrar que a segregação patrimonial de parcela do patrimônio para um fim específico só ocorrerá se autorizada pelo direito positivo e que, segundo Caio Mário (1998, p. 251) “aparece toda vez que certa massa de bens é sujeita a uma restrição em benefício de um fim específico”. Apesar do art. 981, do Código Civil, de fato, ressaltar que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir” para o exercício de uma atividade econômica, havendo a necessidade de se ter, portanto, duas ou mais pessoas, sendo certo notar que, acaso reduzido a uma pessoa o quadro societário, e não sendo recomposta a pluralidade de sócios, em 180 dias, ter-se-á a dissolução da sociedade (art. 1033, IV, CC/02), não se pode olvidar daquilo a que se propõe o ato constitutivo de sociedade. Com efeito, a teoria que melhor explica o ato constitutivo da sociedade é a teoria do contrato plurilateral, de Tullio Ascarelli, que, na visão de Marlon Tomazette (2003, p. 26-29) tem por principais características, como já visto, dentre outras a distinguir o contrato plurilateral (natureza jurídica do contrato de sociedade) dos demais contratos, a possibilidade de mais de duas partes, diferentemente do contrato bilateral em que só se tem, apenas duas partes, bem como o fato de que o contrato plurilateral está aberto a adesão de novas partes, sem que isso modifique ou implique na formação de um novo contrato, o que nos remete a que, também, a saída de partes vinculadas a tal contrato, vale dizer, a saída de sócios não modifica o contrato em questão, que continua a ser o mesmo. Apesar de caracterizar o contrato plurilateral como aquele que se caracteriza “pela possibilidade da participação de mais de duas partes” e “pelo fato de que, quanto a todas 1145 essas partes, decorrem do contrato, quer obrigações, de um lado, quer direitos, de outro” (ASCARELLI, 2008, p. 374), Tullio Ascarelli (2008, p. 411-413) apresenta-o como uma modalidade de contrato “aberto”, ressaltando: Às vezes, o contrato importa permanente oferta de adesão a novas partes (que satisfaçam determinadas condições) e permanente possibilidade de desistência de quantos dele participem, sem que seja necessária uma reforma do contrato para que novas partes participem dele ou para que se retirem os que já participam. (...) Todavia, mesmo quando a entrada de um novo sujeito ou a desistência de um outro sujeito seja possível só modificando o contrato social, estaremos diante de uma hipótese inconcebível nos demais contratos, sempre rigorosamente limitados a apenas duas partes. Oportunamente, acrescentou-se – e isto acentua a diferença – que os novos sujeitos entram a fazer parte do contrato originário; de fato, nos limites da responsabilidade que lhes é própria, eles respondem também pelos débitos contraídos anteriormente à sua participação na sociedade. Por outro, a saída de um sujeito é compatível com a possibilidade de continuação do grupo. A se entender a característica em exame no sentido de se ter no contrato plurilateral a indeterminação do número de partes neste contrato, e sabendo-se que o contrato plurilateral está sempre aberto a novas adesões, restaria sustentada do ponto de vista teórico a possibilidade de se ter no direito brasileiro a chamada sociedade unipessoal. Ressalte-se que a presente tese, aliada ao princípio da preservação da empresa, é que justifica a espera de um lapso temporal para não se extinguir, de plano, uma sociedade cujo quadro societário fique restrito a apenas uma pessoa, um sócio. Não se pode deixar de lembrar-se da tese do contrato-organização, de Calixto Salomão Filho (1995, p. 58). Tal teoria ressalta que o contrato-organização é uma das espécies dos chamados contratos associativos e que se distinguem dos chamados contratos de permuta, na medida em que “o núcleo dos contratos associativos está na organização a ser criada, enquanto que nos contratos de permuta o ponto fundamental é a atribuição de direitos subjetivos”. Tullio Ascarelli (2008, p. 424) ressalta que, em se considerando a sua função econômica, o contrato plurilateral constituiria um contrato de organização. A crítica relativa à não regulamentação ou ao não reconhecimento da limitação de responsabilidade do empresário individual não se sustenta mais, por si só, ante a análise comparada. Com efeito, a 12ª Diretiva da Comunidade Européia generalizou o reconhecimento da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada no continente europeu. Sylvio Marcondes Machado (1956), Antonio Martins Filho (1999), Calixto Salomão Filho (1995) e Sergio Campinho (2003), relatam que tal instituto tem sido 1146 estudado com afinco e regulamentado em diversos países, tanto a título de Europa, quanto a título de América. Marcelo Bertoldi (2008, p. 170), inclusive, explica que: a sociedade unipessoal de Liechtenstein, que era exemplificada como uma exceção à regra geral da pluripessoalidade, acabou por transformar-se, hoje em dia, em somente mais um exemplo de país que permite a existência de sociedades com apenas um sócio. Sobre o cometimento de fraudes, é imperioso ressaltar que, com ou sem limitação dos riscos inerentes à atividade empresarial, a possibilidade de fraudes jamais deixará de existir. Basta que se tenham instrumentos eficientes para coibir o cometimento de fraudes, tais como a desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo perceber a possibilidade de sua aplicação, afim de coibir as fraudes, remodelando-a para algo como a “desconsideração da autonomia patrimonial”. Não se pode olvidar, no que tange ao problema das fraudes do pensamento de Antonio Martins Filho (1999, p. 312) ao enunciar que: Com efeito, certa corrente de doutrinadores considera a tese juridicamente admissível, mas afirma que êsse tipo de empresa uma espécie de porta aberta à fraude na vida prática. Daí a conclusão de que se torna perigosa e, pois, desaconselhável a sua adoção pelo direito positivo. Êste argumento, ao que nos parece, não terá fôrça suficiente para sufocar uma idéia em marcha e já em vias de concretização. [...] Os que aceitam esta hipótese como sendo a mais viável e, sob a pressão deste estado psicológico, propalam abertamente tal pensamento, não se recordam que, em oposição constante à boa fé – garantia máxima das operações fiduciárias – está a argúcia impreterível dos indivíduos inescrupulosos, os quais tanto podem agir em nome individual como coletivamente. Destarte, a possibilidade de fraude, na trepidação da vida econômica, jamais deixará de existir, com ou sem a limitação dos riscos do estabelecimento do comerciante singular. Desse modo, percebe-se que as críticas mais contundentes feitas ao instituto ora proposto, de nenhum modo, merecem prosperar. São, portanto, todas, críticas insustentáveis. 4. UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE A SEPARAÇÃO PATRIMONIAL DOS AGENTES ECONÔMICOS Sempre que se remete a fazer qualquer análise econômica seja de normas jurídicas, seja de instituições reguladas pelo Direito, de logo surgem as discussões acerca da relação entre Direito e Economia ou mesmo do modo como essas duas ciências devem dialogar. Não obstante seja antiga a referida relação, Rachel Sztajn (2005, p. 74) destaca que é “vista como alguma coisa marginal, de pouca importância”. Entretanto, continua a mencionada autora a ressaltar que “é imensa a contribuição que o diálogo entre Direito e Economia pode oferecer ao propor soluções para questões atuais”. 1147 A mesma Rachel Sztajn (2005, p. 75), demonstra: Comum aos estudos de Law and Economics é a percepção da importância de recorrer a alguma espécie de avaliação ou análise econômica na formulação de normas jurídicas visando a torná-las cada vez mais eficientes. Law and Economics é, assim, um movimento que, em síntese, prega a adoção do ferramental econômico para o fim de avaliar ou analisar as normas jurídicas, em seus efeitos econômicos, visando um ordenamento jurídico mais eficiente. Nesse sentido, Rachel Sztajn (2005, p. 75) chama a atenção de como a Economia pode contribuir para o aperfeiçoamento de normas jurídicas: Tomando a Economia como poderosa ferramenta para analisar normas jurídicas, em face da premissa de que as pessoas agem racionalmente, conclui-se que elas responderão melhor a incentivos externos que induzam a comportamentos mediante sistema de prêmios e punições. Ora, se a legislação é um desses estímulos externos, quanto mais as forem as normas positivadas aderentes às instituições sociais, mais eficiente será o sistema. Para o Law and Economics, o Direito Positivo é um sistema de incentivos que visa determinar as condutas a serem tomadas por parte dos agentes econômicos a partir de incentivos. Fala-se de incentivos positivos quando se está diante de uma conduta que o “sistema” tenha por desejável, aquela em que os agentes econômicos devem praticar. De outro lado, pode haver incentivos negativos, quando se esteja diante de uma conduta que o direito positivo vise proibir, tendo por fim a sua inibição. No primeiro caso, sempre que o agente econômico se portar em conformidade com a norma ele deve receber uma premiação. No segundo caso, se o agente pratica um ato, uma conduta, que o Direito queira reprimir, ele deve receber uma punição. A premiação e a punição, assim, funcionam como incentivos. O Direito, portanto, é um conjunto de normas incentivadoras de condutas, baseado em um sistema de proteção a fazer com que as normas sejam cumpridas. Nesse prisma, a legislação deve ser um incentivo eficiente. Não se pode olvidar que os agentes econômicos têm por finalidade a maximização da utilidade e dos resultados, pois ao maximizar utilidades gerarão para si mesmos e para a sociedade um maior bem estar. Ocorre que tais agentes atuam a partir de características que lhes são inerentes. Vale dizer, os agentes econômicos têm racionalidade limitada e atuam de modo oportunista. Décio Zylbersztajn (online) ensina que: [...] os agentes desejam ser racionais, mas só conseguem sê-lo parcialmente. A limitação decorre da complexidade do ambiente que cerca a decisão dos agentes, que não conseguem atingir a racionalidade plena. Na mesma linha, demonstra Calixto Salomão Filho (2007, p. 36) que: Incerteza e informação imperfeita não são limitações dentro das quais os indivíduos procuram maximizar sua utilidade, como querem os neoclássicos; mas limites ao próprio processo de raciocínio. Esse é o pressuposto dessa teoria. Já sobre o oportunismo, ressalta Décio Zylbersztajn (online): 1148 Oportunismo implica no reconhecimento de que os agentes não apenas buscam o autointeresse, que é um típico pressuposto neoclássico, mas podem fazê-lo lançando mão de critérios baseados na manutenção de informações privilegiadas, rompendo contratos expost com a intenção de apropriar-se de “quase rendas” associadas àquela transação e, em última análise, ferindo códigos de ética tradicional aceitos pela sociedade. Essas, portanto, são as características dos agentes econômicos. Todo agente econômico busca sempre o seu próprio bem estar. Porém, esse agente não consegue compreender racionalmente todas as informações disponíveis no mercado. Vale dizer, nas relações econômicas havidas no mercado, sempre, uma das partes terá mais informações acerca do objeto das transações. Assim, a racionalidade do agente é limitada às informações que ele consegue apreender das relações que pratica. Do mesmo modo, é a partir de tal contexto que os agentes econômicos se relacionam firmando contratos. É visando oportunidade de gerar utilidades para ambos os agentes econômicos que os contratos são firmados. Na busca do auto-interesse, são formadas relações jurídicas. Porém, é a mesma busca pelo auto-interesse de cada agente que faz com que determinado agente venha a romper mencionados contratos. Do que se vê até o momento, para o Law and Economics existem basicamente duas premissas básicas. A primeira é a de que os indivíduos maximizadores de riqueza, ou seja, são seres racionais que buscarão atender aos próprios interesses a partir de escolhas por eles realizadas. Reitere-se que tais escolhas serão feitas por alguém que tem racionalidade limitada e que age mediante oportunismo. A segunda é a de que as escolhas realizadas por tais indivíduos acarretarão, sempre conseqüências. A propósito, ensina Cristiano de Carvalho (online) que: Nesse sentido, o método econômico aplicado ao comportamento humano implica que os indivíduos normalmente agem de forma racional, buscando melhorar o seu bem-estar e avaliando as suas escolhas através de uma avaliação custo/benefício. Cabe não incorrer na confusão freqüente entre escolha racional e escolha acertada ou correta. Fazer escolhas racionais não implica, de forma alguma, que, aos olhos dos demais, a alternativa optada pelo sujeito seja a melhor para si ou para outros. Para o tema em debate, é preciso que se relembre a definição de empresário trazida pelo Código Civil de 2002, em seu art. 966. Segundo tal dispositivo, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Ressalta, ainda, o art. 967, do mesmo Código que “é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”. Sabe-se, contudo, que, à míngua do que possa parecer à primeira vista, o registro não é condição para considerar alguém como empresário, tendo por finalidade a regularização do exercício da atividade empresarial. É atividade, portanto, que vai qualificar alguém como sendo empresário. Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2008, p.126): [...] podem ser relacionados na forma abaixo os requisitos ou elementos qualificativos e distintivos do empresário: (i) exercício de uma atividade; (ii) a natureza econômica da atividade; (iii) a organização da atividade; (iv) a profissionalidade do exercício de tal atividade (elemento teleológico subjetivo); e (v) a finalidade da produção ou troca de bens ou serviços (elemento objetivo). 1149 Do exposto, resulta distinguir, de um lado os empresários formais, porque registrados na Junta Comercial, exercendo atividade regular; e, de outro, os informais, não registrados, exercendo atividade irregularmente. É o caso de se perguntar da motivação, pela qual existe um mercado informal tão grande, ou até maior, do que o mercado formal. A resposta para a presente indagação é dada sob a análise Law and Economics. Com efeito, como já se disse, os indivíduos, a partir de um sistema de incentivos regulados pelo Direito, pautam as suas condutas. Ocorre que tais indivíduos sempre fazer uma verdadeira análise de custo/benefício acerca do cumprimento das prescrições legais. Nesse sentido, é que se diz que ele faz uma escolha racional, sendo racional tanto atender, como não atender normas, desde que a conduta tomada seja mais vantajosa, vale dizer, traduza-se no aumento do bem estar, na maximização de utilidade para tal indivíduo. Desse modo, para aqueles que exercem atividades empresariais de modo informal, é mais vantajoso não formalizarem, mediante registro na Junta, tal atividade. Seja pelo fato de que os incentivos positivos trazidos (“premiações” dadas pelo Ordenamento Jurídico, em razão da formalização) não são tão eficientes a ponto de incentivarem a que os agentes econômicos venham a se registrar; seja pelo fato de que os incentivos negativos (“punições” dadas pelo Ordenamento Jurídico, em razão da não formalização), do mesmo modo, não se demonstram eficientes, a ponto de forçarem a regularização das atividades pelos empresários informais. Fábio Ulhoa Coelho (2008, p. 66), acerca do empresário não registrado, ensina que: O empresário que não cumpre suas obrigações gerais – o empresário irregular – simplesmente não consegue entabular e desenvolver negócios com empresários regulares, vender para a Administração Pública, contrair empréstimos bancários, requerer a recuperação judicial etc. Sua empresa será informal, clandestina e sonegadora de tributos. Desse modo, tais atos e negócios funcionariam como incentivos positivos para a regularização da situação daqueles que estão na informalidade. Funcionam, portanto, como premiação para os empresários “formais”, registrados, pois, apenas estes é que poderão praticar tais atos e negócios. Não se pode deixar de cogitar acerca da ineficiência de tais incentivos. Com efeito, como já se disse, é da própria natureza dos agentes econômicos a limitação ou a minoração dos riscos relativos ao empreendimento econômico a que se dedicam. Na hipótese de limitação de riscos, os agentes econômicos tenderão a alocarem em tal empreendimento econômico uma maior disponibilidade de recursos, pois reduzidas serão as possibilidades de perda de tais investimentos. Nesse ínterim, cabe relembrar as lições de Romano Cristiano (2007, p. 107): Foi visto que a empresa, como gênero, não indica todas as atividades humanas: indica apenas aquelas atividades cujo exercício não pode prescindir da existência de boa dose de risco, não importa a natureza deste. [...] E a empresa econômica? Qual o risco que ela faz correr? Faz correr, sem dúvida alguma, o risco de perda, total ou parcial, do capital empregado na respectiva atividade (quando não do inteiro patrimônio pessoal do empresário individual ou dos sócios ilimitadamente responsáveis de sociedade empresária). Pois um capital é necessário 1150 sempre, em qualquer hipótese, como elemento fundamental ou essencial: é de fato inconcebível a existência de empresa econômica desprovida do mesmo. Na medida em que a “empresa é risco” e que é necessária a utilização de capital para o exercício de atividade empresarial, limitando-se a responsabilidade do empresário ao patrimônio por ele empregado para o exercício de sua atividade, o empresário tenderá a empregar mais recursos para o desenvolvimento de sua empresa. Exatamente pela falta de tal limitação é que se vê a profusão de sociedades limitadas, apenas de fachadas. São as já comentadas sociedades fictícias. Por óbvio, a separação patrimonial do empresário ficaria condicionada ao registro da empresa. Desse modo, tem-se que a limitação de responsabilidade do empresário individual, em qualquer de suas vertentes, resultaria em incentivo eficiente a fim de que houvesse uma maior regularização, diminuindo-se, ao menos em tese, a informalidade. De resto, como com a mencionada separação patrimonial, seja em termos de patrimônio de afetação, seja em termos de sociedade unipessoal, limitar-se-iam os riscos oriundos do empreendimento econômico. Aqueles que se relacionarem com o agente econômico, em razão da empresa, terão, apenas, o patrimônio desta para se satisfazer. Porém, limitando-se os riscos, os empresários tenderão a investir mais em suas empresas, servindo a limitação de responsabilidade individual como um meio eficiente para se fomentar o empreendedorismo. CONCLUSÃO Algumas observações devem ser feitas, a título de fechamento. A primeira é a percepção que se tem no que tange à aplicação das soluções apresentadas como meios possíveis para a regulamentação da limitação da responsabilidade do empresário individual. Com efeito, costuma-se apresentar o empresário individual de responsabilidade limitada como mecanismo possível para atender à pequena e média empresa e a sociedade unipessoal para se atender à grande empresa e aos conglomerados econômicos. Firme na nossa convicção de que o “novo” Direito Comercial é o direito das empresas e dos mercados (relembre-se o binômio apresentado na introdução), é preciso que se pense numa sistemática que atenda, de um lado, o pequeno empresário e de outro a grande empresa, sendo certo notar que o importante é que se tenha um modelo de limitação de responsabilidade do agente econômico ao patrimônio afetado à sua atividade, independentemente do tipo ou do tamanho de sua empresa. Nesse ínterim, a estrutura deve atender tanto ao empresário que necessita de pouca organização quanto da grande empresa que atua perante o mercado de capitais, por exemplo. Apesar de os autores que se dedicaram ao estudo do tema, no Brasil, entenderem pela adoção de um modelo único, qual seja, a limitação de responsabilidade do empresário individual, via patrimônio de afetação ou sociedade unipessoal, temos que a melhor solução é aquela que consagra ambos os modelos. Assim, a limitação da responsabilidade do empresário individual deve ser reconhecida, a título de provável regulamentação, tomando-se por base inicial de análise, o limite previsto na referida Lei Complementar nº 123/06 para definir a microempresa (art. 3º, I). O empresário individual, com receita bruta anual, até tal limite, responderá pelas dívidas empresariais, apenas com bens e direitos vinculados à atividade empresarial. Superado tal limite, há 1151 de ser aberto um prazo curto, por exemplo, 180 dias, para utilizar o mesmo prazo previsto no Código Civil (art. 1033, IV), no intuito de que o empresário individual se transforme, na conformidade do art. 1115, em sociedade unipessoal limitada, sob pena de passar a ser ilimitada a responsabilidade. O inverso, também, deve ocorrer. Com efeito, se sociedade unipessoal limitada vier a ter faturamento inferior a referido limite, deve ser transformada em empresário individual, com limitação de responsabilidade limitada, no prazo previsto. No intuito de não se gerar burocracia desnecessária, no sentido de anualmente ocorrer as referidas transformações, deve se disciplinar hipótese na qual se tenha a perda do direito a limitação de responsabilidade, nas modalidades analisadas, propondo-se que tal perda ocorra quando houver a superação ou não for alcançado referido limite, por dois anos consecutivos ou três anos alternados em um período de cinco anos. Não se respeitando tais regras, passa-se à condição de empresa irregular e, portanto, a responder ilimitadamente pelas obrigações empresariais. Tal deve ser o instrumento a ser regulamentado, valendo dizer que, acaso o empresário atue com desvio de finalidade ou com fraude à lei, a limitação de responsabilidade do empresário individual, em quaisquer das modalidades, deve ser desconsiderada, passando o empresário a responder ilimitadamente pelas obrigações oriundas da fraude à lei ou do desvio de finalidade. Caso tal empresário entre em crise e venha a ser decretada sua falência, é sobre o patrimônio afetado ou sobre o capital social da sociedade unipessoal que deve ser montada a massa falida. O administrador judicial só deverá arrecadar os bens componentes de tais patrimônios. A regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual é importante e imprescindível por dois aspectos. O primeiro diz respeito à certeza e segurança de que passarão a ter os agentes econômicos contrataram com o empresário individual, retirando-se a possibilidade de pessoas que não tiveram qualquer relação com o patrimônio afetado à atividade econômica venham a se utilizar de tais bens. O segundo aspecto reside no fato de que, afetando-se a responsabilidade do empresário individual aos bens utilizados para o exercício da atividade econômica, restará intocável a parcela de patrimônio pessoal dos que se dedicam a atividade empresarial. Desta feita, esse patrimônio intocável se constituirá no móvel pelo qual o empresário poderá ter condições mínimas de viver dignamente, bem como de garantir tais condições aos seus familiares, efetivando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana. Registre-se, por fim, que a regulamentação da limitação de responsabilidade do empresário individual é sustentada, não somente a partir de uma abordagem jurídicoconstitucional. Com efeito, do ponto de vista de uma análise econômica, vislumbra-se que a separação patrimonial do empresário representa um incentivo eficiente a que os empresários venham a formalizarem suas empresas, perdendo-se a motivação para a formação de sociedades fictícias. De outro lado, pelo fato de se segregar patrimônio, fazendo surgir, em todos os aspectos um patrimônio especial, distinto do patrimônio geral do empresário, a separação patrimonial serviria, por função econômica, como um mecanismo eficiente para se fomentar o empreendedorismo. Desse modo, os empresários, em geral, tenderão a alocarem mais recursos em suas empresas em face da aludida limitação. 1152 REFERÊNCIAS ABREU, Iolanda Lopes. Responsabilidade patrimonial dos sócios nas sociedades comerciais de pessoas. São Paulo: Saraiva, 1988. ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Quorum, 2008. ASQUINI, Alberto. Perfis da Empresa. Revista de Direito Mercantil. 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