ESMEG ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS “Prof. e Des. Romeu Pires de Campos Barros” Ordenamento Jurídico Empresarial Professora: Ana Cláudia Veloso Magalhães Aula dia 04-10-11 “Até mesmo os que escrevem com tinta de ouro deslizam” (Padre Antônio Vieira) Em 08 de janeiro de 2012 entrará em vigor a Lei Federal nº 12.441,publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de julho de 2011, contando com 180 dias de vacatio legis. Tem a mesma o condão de alterar o disposto no parágrafo único do art. 1.033, acrescentar o inciso VI ao artigo 44 e o artigo 980-A ao Livro II da Parte Especial todos da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de "empresa individual de responsabilidade limitada". Destarte, nos moldes esculpidos no artigo 2º do novel ato normativo supra mencionado, a Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art.44. São pessoas jurídicas de direito privado: I-as associações; II-as sociedades; III-as fundações. IV-as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) V-os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada”. 1 LIVRO II Do Direito de Empresa TÍTULO I Do Empresário TÍTULO I-A DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. §1ºO nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. §2ºA pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. §3ºA empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. §4º( VETADO). §5ºPoderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. §6ºAplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”. Seção VI Da Dissolução “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I-o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II-o consenso unânime dos sócios; III-a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV-a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V-a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. 2 Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código”. I-Prolegômenosinstrumentos jurídicos responsabilidade do empresário Individual de limitação da a)Direito Comparado-Europeu Em verdade o novel instituto abrigado no seio da Lei Federal 12.441/11 exibe-se como um dentre os três “instrumentos jurídicos de limitação da responsabilidade do empresário Individual” estudados no direito comparado e bem assim no ordenamento jurídico indígena, quais sejam: “Modelos personificados”:Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade por quota unipessoal e “Modelo não personificado”:Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada. A limitação da responsabilidade–invenção ordinária e tradicionalmente ligada ao exercício coletivo da atividade empresarial–configura claramente uma tentativa de contenção dos efeitos negativos que o fator risco pode vir a causar no âmbito empresarial. Por conferir uma proteção adicional ao investidor, temeroso em comprometer a totalidade de seu patrimônio em uma atividade de alto risco – tal como a empresária – o benefício tem funcionado como um mecanismo de incentivo a novos investimentos demonstrando, assim, o quão relevante é para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico. Ao longo do tempo, notáveis foram as tentativas de constituição de estruturas limitadoras da responsabilidade daqueles propensos ao exercício da empresa. Sociedades em comandita Dentre as mais remotas, podem ser citadas as sociedades em comandita. Genericamente conhecidas como sociedades com regime misto de responsabilidade, ou seja, responsabilidade limitada aos sócios comanditários e, ilimitada aos sócios comanditados, tal estrutura societária, justamente por não possuir um sistema acabado de limitação da responsabilidade, não conseguiu, com êxito, estimular novas iniciativas. 3 Sociedade anônima É nesse contexto-de necessidade de criação de um modelo menos débil de limitação da responsabilidade dos sócios-que surge a sociedade anônima. Embora tenha se propagado de forma consideravelmente relevante na segunda metade do século XIX, a complexa e dispendiosa estrutura inerente a essa forma societária promoveu uma sensível reserva quanto a sua utilização; sendo tal mecanismo eficaz unicamente a iniciativas econômicas de grande porte, deixando as de pequeno e médio, desamparadas. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada Dispondo-se a suprir as deficiências e incompatibilidades das sociedades anônimas, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada desenvolveu-se, destarte, como uma forma de se preencher a lacuna relativamente à disciplina jurídica de uma forma intermediária de exercício de empresa, ou seja, que funcionasse como uma concreta possibilidade de limitação da responsabilidade em empreendimentos mais modestos. O que se percebeu, no entanto, foi que as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, justamente por exigirem a pluralidade de sujeitos em sua constituição, não haviam resolvido o problema por completo. Na realidade, o exercício de empresa ainda estava marcado por um esquema anacrônico de polarização de estruturas. Ao exercício coletivo de empresa se destinavam as mais sofisticadas técnicas legislativas relativamente à gestão e à limitação da responsabilidade, enquanto quedava o empresário individual totalmente desamparado em ambos os perfis – era ainda ele visto como um mero artesão. Ao se notar que a limitação do risco do investidor a apenas uma parcela de todo o seu patrimônio havia sido responsável por um substancial progresso econômico nos países que a admitiram; e, reconhecendo o grande potencial de mobilidade e adaptação dos pequenos e médios empreendimentos às céleres mudanças sociais, muitos passaram a questionar sobre a viabilidade de se estender esse benefício, até então concedido somente às sociedades, àqueles que individualmente exercessem a empresa. O questionamento foi provocado, inicialmente, por uma manifesta contradição legal, que proibia que uma pessoa fizesse aquilo que era permitido a duas ou mais. Deve-se salientar que, embora já no século XVII e XVIII fosse permitida a limitação da responsabilidade dos sócios através de uma estrutura bastante semelhante à das sociedades anônimas atuais, este benefício era oferecido somente às atividades de grande envergadura e derivava não de uma elaboração teórica fundamentada, mas sim da outorga do soberano, que através desse ato, concedia o privilégio da limitação da responsabilidade e a exclusividade dos negócios a alguns investidores. Nesse sentido podem ser citadas, como precursoras das sociedades anônimas, as companhias de comércio, tais como a “Companhia das Índias Orientais” e a “Companhia das Índias Ocidentais”. 4 O grande volume de discussões a respeito da extensão desse benefício ao empresário individual resultou, já a partir do início do século passado, na produção de inúmeros projetos de lei regulamentando o assunto. Projetos e discussões esses que culminaram na aceitação da limitação da responsabilidade do empresário individual em alguns países da Europa e outras partes do mundo. Não se podia, pois, ignorar a necessidade de se colmatar essa falha através de um mecanismo particularmente destinado e adaptado ao exercício de empresa pelo empresário individual. O panorama europeu, relativamente à limitação da responsabilidade do empresário individual na década de 80 não era nenhum pouco uniforme. Ao lado dos países que expressamente admitiam o fenômeno da limitação, seja através da figura do patrimônio de afetação não personalizado (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada), como Liechtenstein (1926) e Portugal (1986), ou através da sociedade unipessoal, como a Alemanha (1980), outros países não reconheciam, pelo menos não expressamente o fenômeno. Foi a partir da XII Diretiva de 1989, oriunda da Comissão da Comunidade Econômica Européia que se passou a promover uma uniformização com relação a esta disciplina. O direito comunitário não só recomendou a limitação da responsabilidade do empresário individual, como também sugeriu que tal objetivo fosse atingido através da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada. A partir de então, países como Holanda (1992), Luxemburgo (1992), Reino Unido (1992), Itália (1993), Grécia (1993), Irlanda (1994) e Espanha (1995) incorporaram o instituto societário (sociedade unipessoal de responsabilidade limitada) em seus ordenamentos jurídicos internos. Além dessas iniciativas no continente europeu não se pode deixar de mencionar um Ato Uniforme relativo ao direito das sociedades comerciais e do agrupamento de interesse econômico, a que os Estados membros da OHADA (Organização para a Harmonização na África do Direito dos Negócios) se obrigavam a partir do início de 1998. Fazem parte dessa organização internacional: Bénim, Burkina-Faço, Camarão, República Centro-Africana, Comores, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Guinée, Guiné Bissau, Guiné Equatoriale, Mali, Niger, Senegal, Chade e Togo. Mencione-se ainda algumas iniciativas mais próximas tais como Paraguai (Lei 1034/83), e mais recentemente o Chile. a.1)Instrumentos jurídicos de limitação da responsabilidade do empresário individual Apesar das especificidades que cada ordenamento jurídico tenha possivelmente adotado ao longo do quadro de evolução, é possível reduzir os modelos de limitação da responsabilidade do empresário individual a três, quais sejam: 5 *o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada; *a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; *e a Sociedade por Quotas Unipessoal. Tais modelos podem, por sua vez, ser dispostos em dois grupos de acordo com a presença ou ausência de personificação: *modelos personificados e modelo não personificado. a.1.1) Modelos personificados Preliminarmente, é possível definir os modelos de personalização como sendo aqueles em que a separação dos patrimônios, empresarial e pessoal, se dá mediante a interposição de, ou é seguida por, uma nova pessoa jurídica. Ajusta-se, assim, que a fundamental diferença entre os dois modelos de personalização, quais sejam, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade por Quotas Unipessoal, estará associada à natureza da pessoa jurídica na qual se apóiam, isto é, fundacional ou associativa, respectivamente. a.1.1.2) Empresa Individual de Responsabilidade Limitada O modelo da “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”- pouco utilizado na Europa devido à sua complexidade teórica – assenta-se sobre uma pessoa jurídica de base fundacional. Ao evitar a discussão que se dá no âmbito da sociedade por quotas unipessoal, qual seja, da necessidade de uma pluralidade de pessoas para a sua constituição, acaba por criar um problema se não maior, pelo menos de igual monta. Isso porque, a criação de fundações pressupõe, essencialmente, dois requisitos - dificilmente contornados pelo modelo agora analisado - quais sejam, a afetação de bens com vistas a satisfazer interesses de uma coletividade e a ausência de lucro subjetivo. Verificamos, então, o quão difícil se torna aceitar a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Isso porque, admitir a sua existência no ordenamento jurídico seria o mesmo que admitir a existência de fundações com lucros subjetivos e destinadas a satisfação de interesses individuais. É preciso ainda acrescentar que esta objeção se potencializa quando se verifica que seu acolhimento implica também na admissão de que a empresa, entendida como atividade e objeto de direito possa, ao mesmo tempo, ser visualizada como sujeito de direito - o que torna a proposta, além de submetida a uma complexa conformação legislativa, um tanto quanto irrazoável. a.1.1.3) Sociedade por quotas unipessoal (Sociedade Unipessoal por Quotas) 6 O modelo da sociedade unipessoal, por basear-se na figura da pessoa jurídica de base associativa, acaba por se defrontar com o princípio do contratualismo – que exige uma pluralidade de pessoas para a constituição de uma sociedade. Daí se conclui que, a referida estrutura demanda - para se auto-sustentar - a elaboração de um novo conceito de sociedade. O interessante é observar que, diferentemente do que inicialmente se presume, a formação de um novo conceito de sociedade, desvinculado - pelo menos de forma imediata - da noção de sociedade propagada pelo direito romano, consiste em um processo incomplexo. Para a sua admissão, bastou a utilidade e a organização estrutural da modalidade unipessoal – que simplesmente adentrou no fluxo de concepção societária a serviço da atividade econômica. O conceito de sociedade tem origem no direito romano e está vinculado à pluralidade de pessoas. No entanto, esta noção, assim como muitas outras, não ficou imune às influências temporais, e recebeu contribuições de caráter institucional - sobretudo no que se refere à personalização das sociedades - dos agrupamentos medievais e das companhias de comércio dos séculos XVII e XVIII. A partir daí, a sociedade passou a estar vinculada a dois aspectos, quais sejam, o contratual e o institucional. Por conseguinte, para que se obtivesse a autonomia patrimonial e a conseqüente limitação da responsabilidade – seria necessário que uma pluralidade de pessoas conformasse uma sociedade. Não é difícil de se ajustar, a partir desse breve histórico de mutabilidade conceitual promovida sobre a concepção mais primitiva de sociedade - que sequer se supunha a criação ou surgimento de um novo ente- que as teorias societárias sobre a pessoa jurídica, pouca ou quase nenhuma influência exercem na aplicação e determinação da noção na sua forma jurídica, real e positiva-ficando sua função mais restrita ao âmbito de uma justificação racional do fenômeno. Nesse sentido a personalidade jurídica, a separação patrimonial e a limitação da responsabilidade são enquadráveis, na realidade, como construções técnico-jurídicas – meros resultados da oportunidade funcional, político, ideológica e, por isso, passíveis de flexibilização. Sob esse entendimento de separação patrimonial e, conseqüentemente de personalidade jurídica, é que se torna possível compreender que, embora consagre a doutrina tradicional a existência de interesses comuns – ou seja, a pluralidade de pessoas - como uma condição necessária para que se promova a personalização e se garanta a existência de uma pessoa coletiva, tal elemento pouca influência exerce sobre a noção de personalidade jurídica e de pessoa coletiva. Em muitos países, a norma consagrou a possibilidade de se constituir uma pessoa coletiva, dotada de personalidade jurídica com um substrato baseado no 7 interesse privativo de um único sócio, como é o caso da sociedade por quotas unipessoal. A teoria institucionalista, diferentemente da teoria contratualista, não estriba a formação do interesse social somente na pluralidade de sócios. Leva também em consideração a presença das mais distintas representações (comunidade, trabalhadores, clientes), o que possibilita com que seja o interesse da sociedade distinto do interesse dos sócios que a compõe, ainda que sejam estes reduzidos a um único. A admissão da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, sob a óptica dessa teoria, fundamenta-se na questão de que é essa diversidade representativa que promoverá o equilíbrio esperado, em substituição à pluralidade de sócios. Nesse sentido Calixto Salomão Filho coloca que “uma vez definido o interesse social, pouco importa se é um ou se são vários sócios a persegui-lo (SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49-50). Originado na Alemanha, o movimento de reconhecimento das sociedades unipessoais paulatinamente ganhou força e ampliou a sua zona de abrangência. Mais e mais países originariamente hostis à tendência mudaram de posicionamento e deixaram de visualizar a concentração das quotas nas mãos de um único sócio como fator de dissolução de pleno direito das sociedades. Atualmente, ao lado dos sistemas mais conservadores que rejeitam completamente as sociedades com um único sócio, como o brasileiro, há sistemas que, de uma forma ou de outra, internalizaram a unipessoalidade superveniente pelo menos no que concerne à disciplina jurídica das sociedades limitadas e das sociedades anônimas. Alemanha, Áustria, Suíça e Holanda Países como Alemanha, Áustria, Suíça e Holanda não admitem que sociedades em nome coletivo subsistam quando unipessoais. Nestes países a redução à unipessoalidade conduz à dissolução da sociedade em nome coletivo, dando, então, lugar à atividade empresarial de um empresário individual. Diferente tratamento é dado nestes países às sociedades de capitais. Na Alemanha tanto as sociedades de responsabilidade limitada quanto por ações subsistem com um único sócio ou acionista. O que de fato explica a maior facilidade do país (Alemanha) em teorizar e admitir a possibilidade de uma sociedade unipessoal ab initio. 8 Suíça Relativamente à Suíça dispõe o art. 775.º, n.º 2 do Código das Obrigações que “(...)reduzida a sociedade a um único sócio e intentada a competente ação, pode o juiz decretar a dissolução se a colectividade social se não restituir dentro de um prazo razoável(...)”. Venezuela Como um exemplo mais próximo pode ser citado o caso da Venezuela. Dispõe no art. 341 de seu Código Comercial que as sociedades anônimas e as de responsabilidade limitada não se dissolvem pelo simples fato de se tornarem unipessoais. Em todos esses casos o que parece é que a unipessoalidade não é algo que por si só comprometa a existência da sociedade. É preciso mais do que isso para que a sociedade se dissolva. É necessário que haja, por exemplo, abuso da personalidade jurídica. França Uma grande quebra de paradigmas ocorreu na França – país que inadmitia a existência das sociedades unipessoais. Até a entrada em vigor da Lei das sociedades comerciais de 24 de Julho de 1966, a redução à unipessoalidade era causa de dissolução em todas e quaisquer sociedades. Ora, se se constatava ser possível conceber a unipessoalidade como uma das possíveis fases na vida de uma sociedade, porque não considerá-la também possível no início da sua existência? a.1.2) Modelo não personificado De forma bastante simplista pode-se afirmar, que a figura não personalizada de limitação da responsabilidade do empresário individual, denominada pelo direito português, Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada EIRL, baseia-se na afetação de determinada massa patrimonial a uma atividade específica sem comportar, no entanto, uma personalização. Diferentemente do modelo da Sociedade por Quotas Unipessoal - SQU, no que se refere à técnica jurídica de introdução, o modelo com ausência de personificação – E.I.R.L, exige uma disciplina jurídica mais detalhada. Isso porque, de forma diversa da do instituto anterior; em que uma simples remissão ao regime jurídico das sociedades por quotas resolve grande parte dos problemas; todo o regime jurídico tem de ser detalhadamente elaborado - todas as possibilidades devem ser previstas. 9 No entanto, apesar dessa complexidade organizatória inicial, o instituto é de menos custosa admissão, na medida em que não colide com princípios tais como o contratualismo – relativamente à sociedade unipessoal; e não força uma estrutura fundacional direcionada à satisfação de interesses particulares e com a admissão de lucros subjetivos relativamente à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Apesar da possibilidade de se verificar que o propósito principal de todos os instrumentos está na limitação da responsabilidade, proveniente do binômio debitum e obligatio de uma prestação, não se pode excluir, de forma alguma, os efeitos secundários que resultam da opção por um ou outro modelo. A condicionalidade do benefício, aliada a práticas adotas por instituições financeiras – tais como a exigência de garantias pessoais e reais da pessoa física, pelas obrigações contraídas no âmbito da atividade empresarial, acabam por tornar os efeitos secundários da limitação da responsabilidade tão importantes quanto ela própria. Neste sentido, a eleição de um ou outro modelo não deve estar restrita à limitação da responsabilidade do empresário individual – tal objetivo pode ser alcançado tanto pelo EIRL, quanto pela SQU ou pela Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. O gargalo do modelo não personificado parece estar, desta forma, localizado no sem-número de vantagens adicionais, relativamente à gestão e perpetuidade, que advém da opção societária. a.1.2.1)O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada Na prática, o EIRL nunca chegou senão a representar uma modestíssima percentagem dos empresários portugueses e tão pouco europeus. A criação do instrumento do EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) pelo direito português - tendo como base o patrimônio separado não personificado - pouco antes da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais de 1986 - CSC, dava expresso sinal de repúdio à sociedade unipessoal, como mecanismo de limitação da responsabilidade do empresário individual. No que se refere ao aspecto textual legislativo, cuidou o legislador português de algumas nuances especiais deste instituto, tendo como principal objetivo consagrá-lo como um instrumento consideravelmente seguro. Dessa forma, estabeleceu o DL n. 248/86 a necessidade de um capital mínimo art. 3º, n.º2, com a principal finalidade de evitar a constituição de EIRLs (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) incapazes de assegurar a sua auto-suficiência. Paralelamente a esse artifício, adotou o legislador português medidas de prevenção do superamento da personalidade jurídica, como por exemplo, a necessidade da efetiva realização do capital art. 3º, n.º 4 (o capital mínimo do estabelecimento não poderia ser inferior a 5000 euros- o capital seria realizado em numerário, coisas ou direitos susceptíveis de penhora, não podendo a parte em numerário ser inferior a dois terços do capital mínimo); o dever de manutenção da 10 escrituração mercantil em ordem art. 12º ; a consagração do princípio da intangibilidade do capital art. 14.º ; o estabelecimento de um teto máximo para a remuneração do titular do EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) como administrador art. 13º ; a rigorosa definição da separação patrimonial arts. 10º, n.º1 e 11º; e também requisitos de publicidade dos atos da atividade empresária. “(...)A desarticulação entre os dois diplomas contribuiu para duas coisas: nunca o EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) teve grande sucesso; nunca o empresário individual deixou de recorrer a testas-de-ferro (homens-palha) para constituir sociedades fictícias. E essa mesma desarticulação era confirmada pela inegável postura de abertura legislativa do CSC às correntes que sufragavam a permeabilidade do ordenamento societário à unipessoalidade(...)”. “Foi talvez esta a razão pela qual os empresários continuaram a recorrer à simulação de contratos de sociedade, quase ignorando a nova possibilidade que a lei lhes concedera.” Certo é que no Brasil este não seria um problema incontornável, tendo em vista o já utilizado dispositivo de equiparação do empresário individual, para fins tributários, à pessoa jurídica. Ministra o preclaro lusitano José Engrácia Antunes em “O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte anunciada”(Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Ano 3, p. 402-442. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 402-442),verbis . “(...)A figura do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada é mais um, dentre os institutos que acabam por excepcionar o princípio jusprivatístico geral da indivisibilidade do patrimônio. Relativamente a este instituto, o desejo de limitação da responsabilidade dos empresários individuais encontrou alicerce no estudo de Oskar Pisko, jurista austríaco, cuja obra pioneira Die beschänke Haftung des Einzelkaufmann, serviria em 1926 de base para a consagração do instituto no principado de Liechtenstein, sob a denominação de Einzelunternehmen mit beschränkter Haftung. José Engrácia Antunes adjetiva de exótica a opção do legislador português pelo modelo marcadamente jusprivatísta de limitação da responsabilidade do empresário individual, adotado unicamente pelo Principado do Liechtenstein em 1926 e pelo Paraguai em 1983, em detrimento do modelo jurídico societário amplamente utilizado pelas ordens jurídicas estrangeiras. À adoção da forma legislativa não societária de limitação da responsabilidade do empresário individual, no entanto, não se pode atribuir responsabilidade exclusiva pelo fracasso do instituto do Estabelecimento Individual de Responsabilidade em Portugal. 11 Junto a essa escolha desproporcional, na qual devemos indubitavelmente buscar a "raiz do insucesso", aspectos próprios do regime jurídico elaborado para o instituto também contribuíram para tal. Prova do desacerto do legislador português na utilização da figura do patrimônio afetado para a limitação da responsabilidade do empresário individual está na necessidade em se admitir a figura da sociedade unipessoal em 1996, semelhantemente a maioria dos países do mundo que possibilitam a limitação da responsabilidade do empresário individual. Liechtenstein, depois de ter consagrado a figura do patrimônio autônomo, em uma reforma, reconheceu em 1980 o fracasso do instituto "Einzelunternehmen mit beschränkter Haftung".(original sem destaques) Assim, o insucesso do instrumento do EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) entre empresários que desejassem obter a limitação de sua responsabilidade, aliada à inclinação do direito comunitário relativamente à adoção da sociedade unipessoal como um instrumento de sucesso para a limitação da responsabilidade do empresário individual e a já consagrada permeabilidade do ordenamento à unipessoalidade, foram determinantes para que o legislador Português viesse em 1996, disciplinar a limitação da responsabilidade do empresário individual através da sociedade unipessoal. No ordenamento jurídico lusitano apesar de serem visíveis os esforços do legislador para evitar a solução da sociedade unipessoal, não é possível negar que, afinal, ela venha agora a ser adoptada. A bem ver, não é abruptamente ou sem justificação que ela surge. A sua emergência explica-se basicamente por duas ordens de razão: a fraca receptividade do EIRL(Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) na realidade portuguesa e a tendência geral do direito europeu. O caminho estava pois lançado, e a necessidade de transpor a XII Directiva apenas veio dar o último, mas imprescindível, golpe na autoridade de uma visão conceptualista que impedia ainda que se rompesse com a sociedade contrato. O pouco sucesso do EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada) no comércio jurídico e a tendência geral do direito comparado desempenharam os restantes papéis na introdução da SQU. b)Ordenamento Jurídico Responsabilidade Limitada Brasileiro- Empresa Individual de b.1.)Notas Introdutórias Diversamente do modelo desenhado nos ordenamentos jurídicos alienígenas, no cenário pátrio tem-se um quadro dos “instrumentos jurídicos de limitação da responsabilidade do empresário Individual” com a seguinte pintura: 12 “Modelos personificados”: *Empresa Individual de Responsabilidade Limitada *Pessoa jurídica unipessoal -instituição da subsidiária integral de determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e -instituição de empresa pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67 Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências “(...)Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União ou de suas entidades de Administração Indireta, criada por lei para desempenhar atividades de natureza empresarial que o Governo seja levado a exercer, por motivos de conveniência ou contingência administrativa, podendo tal entidade revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito(...)”; Dispõe o projeto de autoria de Marcos Montes que antecede à Lei Federal 12.441/11: “(...)Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A: "Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade(...)”. Nos termos do projeto de lei, verbis: “(...)para justificar a importância de apresentarmos opresente projeto de lei, que tem o objetivo de instituir legalmente a “Sociedade Unipessoal”, também conhecida e tratada na doutrina como "Empresa Individual de Responsabilidade Limitada(...)”. A afirmação aqui transcrita não procede! A doutrina internacional como acima exposto não entende tratar-se a Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada e a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada da mesma coisa. São reconhecidos como distintos mecanismos legislativos para a promoção da limitação da responsabilidade do empresário individual. Não coincidem, portanto!. 13 Os modelos de personalização podem ser definidos pela questão de que a separação de patrimônios, empresarial e pessoal, se dá mediante a interposição de, ou é seguida por, uma nova pessoa jurídica. Assim a principal diferença entre os dois institutos, quais sejam, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada, estará associada à natureza da pessoa jurídica na qual se apóiam, isto é, fundacional ou associativa, respectivamente. O direito de empresa deve estar atento às necessidades da vida empresarial. Deve ser ágil no momento de fornecer ferramentas para empreendedores que efetivamente desejam contribuir para o desenvolvimento da economia de um país. b.2.)Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada no ordenamento jurídico indígena-total ausência de quebra progressiva de paradigmas Nesse sentido, verifica-se um considerável atraso do Brasil relativamente à unipessoalidade. Não prevê o ordenamento jurídico brasileiro, à exceção da subsidiária integral e da empresa pública, o ente unipessoal ab initio e tão pouco a subsistência da sociedade reduzida a unipessoalidade supervenientemente. Como dispõe o inciso IV do art. 1.033 do Código Civil: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias”. Relativamente às sociedades por ações prevê a Lei n. 6.404/76) em seu art. 206 inciso I alínea “d”: “Dissolve-se a companhia: I de pleno direito d) pela existência de um único acionista, verificada em assembléia geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no art. 251”. Ou seja, com exceção da subsidiária integral – arts. 251 e 252 da mesma lei – e da instituição de empresa pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67) não há qualquer tipo de sociedade que possa ser criada e ou sustentada com a figura de um único sócio ou acionista no Brasil, até o momento. Ao que parece, a admissão da figura da unipessoalidade temporária não reconhece a função social das sociedades. Um compromisso total com o princípio da preservação da empresa somente seria atingido se se permitisse que as sociedades limitadas bem como as por ações subsistissem independentemente do tempo de duração da sua unipessoalidade. Mais razoável seria que se protegesse interesses de terceiros através de mecanismos condicionantes tais como o requerimento de dissolução judicial por terceiro interessado. Com o mestre Ferrer Correia (Sociedades fictícias e unipessoais. Coimbra: Livraria Atlântida, 1948,p. 185): 14 “(...)a unipessoalidade foi internalizada pela doutrina alemã como uma das fases naturais pelas quais o exercício de empresa pode passar. Na realidade, não se quis insistir em uma disparidade entre a realidade de fato e a de direito. A dissolução de pleno direito nos casos de unipessoalidade superveniente poderia ser facilmente contornada pela entrada de um novo sócio (testa de ferro) na sociedade. O reconhecimento da unipessoalidade “(...)significaria o reconhecimento de realidades que não poderiam ignorar-se e uma homenagem à sinceridade de que todo o legislador deve fazer gala quando se apercebe da existência de um divórcio entre a realidade e o direito legislado, e a realidade é que, mesmo nas hipóteses de reunião das ações numa só mão, que com grande facilidade podem iludir-se mediante a interposição de verdadeiros testas de ferro, não deve produzir-se a imediata dissolução da sociedade pelo menos enquanto subsista a possibilidade de a situação normal se reconstituir, restabelecendo-se a pluralidade dos sócios(...)” Foi bem nesse sentido que caminhou a solução do direito português ao retirar do rol das causas de dissolução de pleno direito a unipessoalidade superveniente. Acabou optando aquele ordenamento por submeter a dissolução da sociedade ao requerimento judicial de um interessado. O que de fato ocorreu foi um afastamento da concepção aparentemente inconciliável de sociedade com a unipessoalidade. Em prol de questões de caráter econômico era preciso se desvencilhar da idéia sociedade contrato. O que se nota no direito português é sim uma quebra progressiva de paradigmas, que deveria existir na sistemática jurídica nacional. Primeiramente se admite a continuidade de sociedades anônimas reduzidas à unipessoalidade, depois se admite a continuidade das sociedades por quotas. Tem-se, portanto, admitida a figura do empresário individual de responsabilidade limitada de forma superveniente. O que se percebe é que relativamente à admissão da sociedade unipessoal o ordenamento jurídico brasileiro encontra-se completamente ultrapassado e dissonante de uma tendência geral do direito moderno,pois se nem sequer admitimos a continuidade das sociedades unipessoais supervenientes, nem se mencione as sociedades unipessoais ab initio! II-Da “empresa” individual de responsabilidade limitada-“EIRELI” no ordenamento jurídico nacional a)Noções Gerais Após inúmeras tentativas frustradas de se introduzir no ordenamento jurídico brasileiro alguma hipótese de constituição de pessoa jurídica por uma única pessoa natural, a Lei Federal nº 12.441/2011 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), que circulou em 12/07/2011, tratando da empresa individual de responsabilidade limitada ou, resumidamente, “EIRELI”. 15 Desenha-se no ordenamento jurídico pátrio uma nova possibilidade jurídica que legitima uma pessoa natural a constituir ente jurídico destinado à exploração de atividade empresarial, sem a necessidade de agregar seus esforços e cabedais com terceira pessoa. O novel diploma legal acima referido em que pese não traduzir uma inédita e plena medida de quebra de paradigmas (já que adotada sem êxito no cenário europeu há muito tempo) era imensamente aguardado pelos estudiosos do sistema normativo empresarial pátrio e bem assim pelos empresários individuais, desejosos de proteger seu patrimônio particular em face dos riscos advindos do exercício da atividade mercantil. Atualmente se o empresário em nome individual tiver a pretensão de explorar atividade economicamente organizada e destinada à produção e circulação de bens ou de serviços (atividade empresária) isoladamente (sem a colaboração de sócios), terá de submeter a riscos todo o seu acervo patrimonial pessoal e suscetível de constrições judiciais (arrestos, penhoras, sequestros, etc...). Porém, à partir de janeiro de 2012, via ato normativo 12.441/2011 o empresário individual brasileiro poderá valer-se de um, desejado, poderoso instrumento jurídico de limitação da sua responsabilidade conhecido sob o nomen juris de “empresa individual de responsabilidade limitada” para iniciar ou continuar a exercer as atividades empresariais almejadas. E mais! Não só o empresário individual terá a prerrogativa de utilizar-se da “empresa individual de responsabilidade limitada”, mas também qualquer pessoa jurídica, poderá lançar mão deste instrumento jurídico “isoladamente, constituindo uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas”. b)Empresário Individual - Sociedades Contratuais- Sociedades Unipessoais b.1.)Empresário em Nome Individual (Empresário Individual) Em sede do Livro II da Parte Especial da Lei Federal nº 10.406/02 (Código Civil) foram postas à lume terminologias técnico-jurídicas bem mais elaboradas do que as utilizadas no bojo do nosso Código Comercial de 1850 (Lei nº 556 de 1850), para a gala dos hermeutas nacionais que de há muito aperceberam da existência de um divórcio entre a realidade e o direito legislado. No cenário das modificações emergiram as expressões: *“empresário individual” (apesar da redundância é atualmente empregue para identificar a pessoa natural que, isoladamente, sem personalidade jurídica, exerce atividade econômica organizada para produzir e ou fazer circular bens ou serviços); *“pessoa jurídica que explora a empresa por intermédio de uma sociedade empresária” Neste diapasão enunciam os artigos 966 e 980 da Lei Federal nº 10.406/02, verbis: 16 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados”. Destarte nos moldes esculpidos nos artigos 966 e ss. do ordenamento jurídico civil o empresário individual pode ser definido como a pessoa natural/física que, isoladamente, sem personalidade jurídica, exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Junte-se a tal cenário de peculiaridades que o empresário em nome individual não resta autorizado pelo ordenamento pátrio a afetar ou destacar parte do seu patrimônio para arriscá-lo no dia-adia empresarial, mas contrario sensu é forçado a submeter à aléa do exercício da atividade empresária todo o seu patrimônio suscetível de constrição judicial (arresto, sequestro, penhora, etc...), restando defeso ao mesmo qualquer benefício de ordem ou excussão. Assim, via de regra, o emprego da locução “empresário individual” identifica a pessoa natural/física que exerce atividade empresarial, tendo o desiderato de traduzir o ensejo legislativo de que tal empresário não seja confundido com a pessoa jurídica que explora a mesma atividade empresária, mas por intermédio de um ente constituído nos moldes do disposto no artigo 980 da sistemática civil pátria. Com o advento da Lei Federal nº 12.441/11, a especificação contida no caput do artigo 966 do ordenamento jurídico civil terá o condão de distinguir também o “empresário individual” da EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). c)Sociedades contratuais -necessidade da pluralidade de sócios - requisito inquestionável da responsabilidade limitada As pessoas jurídica obedientes ao princípio do contratualismo- na acepção romana de sociedade – são aquelas em que a pluralidade de sócios (interessados) se exibe como um dos seus pressupostos de existência. Não há que se falar em constituição de uma sociedade contratual nos padrões tradicionais dos sistemas normativos da antiguidade sem que a pluralidade de pessoas se faça presente. Esta é justamente, a noção de sociedade propagada pelo direito romano (conceito de sociedade com origem no direito romano - vínculo) à pluralidade de pessoas. 17 No entanto, esta noção, assim como muitas outras, não ficou imune às influências temporais, e recebeu contribuições de caráter institucional - sobretudo no que se refere à personalização das sociedades - dos agrupamentos medievais e das companhias de comércio dos séculos XVII e XVIII. A partir daí, a sociedade passou a estar vinculada a dois aspectos, quais sejam, o contratual e o institucional. Por conseguinte, para que se obtivesse a autonomia patrimonial e a conseqüente limitação da responsabilidade – seria necessário que uma pluralidade de pessoas conformasse uma sociedade. Não é difícil de se ajustar, a partir desse breve histórico de mutabilidade conceitual promovida sobre a concepção mais primitiva de sociedade - que sequer se supunha a criação ou surgimento de um novo ente- que as teorias societárias sobre a pessoa jurídica, pouca ou quase nenhuma influência exercem na aplicação e determinação da noção na sua forma jurídica, real e positiva-ficando sua função mais restrita ao âmbito de uma justificação racional do fenômeno. Nesse sentido a personalidade jurídica, a separação patrimonial e a limitação da responsabilidade são enquadráveis, na realidade, como construções técnico-jurídicas – meros resultados da oportunidade funcional, político, ideológica e, por isso, passíveis de flexibilização. Sob esse entendimento de separação patrimonial e, conseqüentemente de personalidade jurídica, é que se torna possível compreender que, embora consagre a doutrina tradicional a existência de interesses comuns – ou seja, a pluralidade de pessoas - como uma condição necessária para que se promova a personalização e se garanta a existência de uma pessoa coletiva, tal elemento pouca influência exerce sobre a noção de personalidade jurídica e de pessoa coletiva. Em muitos países, a norma consagrou a possibilidade de se constituir uma pessoa coletiva, dotada de personalidade jurídica com um substrato baseado no interesse privativo de um único sócio, como é o caso da sociedade por quotas unipessoal. A teoria institucionalista, diferentemente da teoria contratualista, não estriba a formação do interesse social somente na pluralidade de sócios. Leva também em consideração a presença das mais distintas representações (comunidade, trabalhadores, clientes), o que possibilita com que seja o interesse da sociedade distinto do interesse dos sócios que a compõe, ainda que sejam estes reduzidos a um único. A admissão da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, sob a óptica dessa teoria, fundamenta-se na questão de que é essa diversidade representativa que promoverá o equilíbrio esperado, em substituição à pluralidade de sócios. Nesse sentido Calixto Salomão Filho coloca que “uma vez definido o interesse social, pouco importa se é um ou se são vários sócios a persegui-lo (SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49-50). 18 Originado na Alemanha, o movimento de reconhecimento das sociedades unipessoais paulatinamente ganhou força e ampliou a sua zona de abrangência. Mais e mais países originariamente hostis à tendência mudaram de posicionamento e deixaram de visualizar a concentração das quotas nas mãos de um único sócio como fator de dissolução de pleno direito das sociedades. Atualmente, ao lado dos sistemas mais conservadores que rejeitam completamente as sociedades com um único sócio, como o brasileiro, há sistemas que, de uma forma ou de outra, internalizaram a unipessoalidade superveniente pelo menos no que concerne à disciplina jurídica das sociedades limitadas e das sociedades anônimas. Alemanha, Áustria, Suíça e Holanda Países como Alemanha, Áustria, Suíça e Holanda não admitem que sociedades em nome coletivo subsistam quando unipessoais. Nestes países a redução à unipessoalidade conduz à dissolução da sociedade em nome coletivo, dando, então, lugar à atividade empresarial de um empresário individual. Diferente tratamento é dado nestes países às sociedades de capitais. Na Alemanha tanto as sociedades de responsabilidade limitada quanto por ações subsistem com um único sócio ou acionista. O que de fato explica a maior facilidade do país (Alemanha) em teorizar e admitir a possibilidade de uma sociedade unipessoal ab initio. Suíça Relativamente à Suíça dispõe o art. 775.º, n.º 2 do Código das Obrigações que “(...)reduzida a sociedade a um único sócio e intentada a competente ação, pode o juiz decretar a dissolução se a colectividade social se não restituir dentro de um prazo razoável(...)”. Venezuela Como um exemplo mais próximo pode ser citado o caso da Venezuela. Dispõe no art. 341 de seu Código Comercial que as sociedades anônimas e as de responsabilidade limitada não se dissolvem pelo simples fato de se tornarem unipessoais. Em todos esses casos o que parece é que a unipessoalidade não é algo que por si só comprometa a existência da sociedade. É preciso mais do que isso para que a sociedade se dissolva. É necessário que haja, por exemplo, abuso da personalidade jurídica. 19 França Uma grande quebra de paradigmas ocorreu na França – país que inadmitia a existência das sociedades unipessoais. Até a entrada em vigor da Lei das sociedades comerciais de 24 de Julho de 1966, a redução à unipessoalidade era causa de dissolução em todas e quaisquer sociedades. Ora, se se constatava ser possível conceber a unipessoalidade como uma das possíveis fases na vida de uma sociedade, porque não considerá-la também possível no início da sua existência? d)Sociedades Unipessoais no ordenamento jurídico nacional Como mencionado em linhas anteriores, a sistemática do empresário individual não é a única possibilidade legal de se exercer e dirigir determinada atividade empresarial de maneira unipessoal, isto é, sem a colaboração de sócios. Com efeito, pois a unipessoalidade tem acepção mais ampla, abarcando todas as possibilidades legais de que uma pessoa, natural ou jurídica, explore empresa, individualmente, na condição de pessoa natural mesmo, ou mediante uma pessoa jurídica que não seja formada por dois ou mais sócios. Em que pesem algumas críticas doutrinárias, a pessoa jurídica empresarial que não seja formada por dois ou mais sócios é rotineiramente nominada de “sociedade unipessoal”. A única hipótese em que se pode admitir a utilização da expressão “sociedade unipessoal” é quando determinada sociedade que já opere venha a, posteriormente, quedar-se com apenas um único sócio. Somente nesse caso, em razão de a unipessoalidade ser superveniente e temporária, admitida em prol da preservação da empresa (art. 1.033, inc. IV, do Código Civil ou art. 206 da Lei 6.404/76 ou Lei das S/A’s), é que se poderia cogitar de chamá-la de “sociedade unipessoal”. Fora dessa situação, antes da edição da Lei Federal nº 12.441/2011, a legislação ainda admitia a criação de “pessoa jurídica unipessoal” mediante a instituição da subsidiária integral de determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76) e da empresa pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67). Com a vigência da Lei 12.441/2011 surge uma nova modalidade de “pessoa jurídica unipessoal”: a EIRELI, regulamentada basicamente pelo novo art. 980-A do Código Civil. 20