UNIVERCIDADE Escola de Ciências Jurídicas O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Rodrigo Rodrigues de Aguiar Orientador: Prof. Gilberto Jorge Ferreira de Freitas RIO DE JANEIRO 2011 i RODRIGO RODRIGUES DE AGUIAR O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina Direito da Escola de Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Cidade - Univercidade, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Gilberto Jorge Ferreira de Freitas RIO DE JANEIRO 2011 Catalogação na Fonte – Sistema de Bibliotecas Aguiar, Rodrigo Rodrigues de A282 O poder normativo das agências reguladoras / Rodrigo Rodrigues de Aguiar – 2011. 68f. Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Cidade – UNIVERCIDADE, como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito. 1. Direito administrativo I. Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade, Instituição. II. UniverCidade – Centro, Instituição. MDir. 11.1 ii RODRIGO RODRIGUES DE AGUIAR O PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel em Direito Escola de Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Cidade UNIVERCIDADE ____________________________________________________________________ Professor José Eduardo Ribeiro de Assis ____________________________________________________________________ Professor Gilberto Jorge Ferreira de Freitas iii AGRADECIMENTOS À LUIZ RICARDO TRINDADE BACELLAR co-orientador e amigo pela presença segura, competente e estimulante. iv RESUMO AGUIAR, Rodrigo Rodrigues de. O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 2011. 68 f. Monografia (Graduação em Direito) – Univercidade Centro, Rio de Janeiro, 2011. Analisa-se, no presente projeto, o poder normativo das agências reguladoras, notadamente quanto a sua compatibilidade com o ordenamento constitucional pátrio, em especial com os princípios da legalidade e da separação dos poderes. Todavia, de modo a ensejar cumprimento satisfatório do o objetivo supra, antes de adentrar especificamente no tema principal, apresentam-se, no primeiro capítulo, os pormenores do instituto das agências reguladoras, explicitando seu conceito, sua natureza jurídica, suas características e prerrogativas, assim como seus privilégios peculiares, onde se encontra o poder normativo. Ultrapassada esta essencial etapa, passa-se, então, no segundo capítulo, a estudar, de maneira mais aprofundada, o poder normativo das agências reguladoras, discorrendo sobre suas questões controversas, sua natureza jurídica, a qual se discute se regulamentar ou legiferante, sua compatibilidade com a ordem constitucional, representadas por seus princípios da separação dos poderes e da legalidade, seus fundamentos, limites e controles. Palavras chave: Agências reguladoras; Poder normativo; Princípio da legalidade; Princípio da separação dos poderes; Fundamentos; Limites; Controles. v SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6 1 DAS AGÊNCIAS REGULAGORAS................................................................................... 9 1.1 Do surgimento das Agências Reguladoras no Brasil ........................................................ 9 1.2 Do conceito de Agência Reguladora............................................................................... 12 1.3 Da natureza jurídica das Agências Reguladoras ............................................................. 13 1.3.1 Da administração pública indireta ........................................................................ 14 1.3.2 Da descentralização .............................................................................................. 15 1.3.3 Das autarquias ...................................................................................................... 15 2 DAS PRERROGATIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS.................................... 18 2.1 Da autonomia decisória (vinculação administrativa – não cabimento de recurso hierárquico): .......................................................................................................................... 19 2.2 Da autonomia administrativa (mandato fixo de seus dirigentes): ................................... 20 2.3 Da autonomia econômico-financeira: ............................................................................. 21 3 DO PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS ................................ 23 3.1 Do enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro.................................................. 24 3.2 Do conceito e da natureza jurídica .................................................................................. 27 3.3 Dos fundamentos............................................................................................................. 32 3.4 Da compatibilidade com o Princípio da Separação dos Poderes .................................... 33 3.5 Da compatibilidade com o Princípio da Legalidade ....................................................... 40 3.5.1 O caráter não absoluto do princípio da legalidade.................................................... 41 3.5.2 Da deslegalização da competência normativa .......................................................... 48 3.5.3 Da delegação da competência normativa.................................................................. 51 3.6 Dos limites baseados na definição de parâmetros (Standards) ....................................... 55 3.7 Do controle...................................................................................................................... 57 3.7.1 Controle Judiciário.................................................................................................... 59 3.7.2 Controle Legislativo ................................................................................................. 60 3.7.3 Controle Social ......................................................................................................... 61 4 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 63 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 68 6 INTRODUÇÃO O presente projeto tem por objeto analisar o Poder Normativo das Agências Reguladoras diante do ordenamento jurídico estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, no que tange à compatibilidade do daquele com este. O tema em apreço possui extrema relevância dentro dos direitos administrativo e constitucional, uma vez que, para que se realize a contento sua análise, necessário se faz permear alguns dos mais importantes institutos destes, como, verbia gratia, o princípio republicano, o Estado democrático de direito, o princípio da separação dos poderes e o princípio da legalidade. Outrossim, a relevância de sua análise se dá, ainda, porque, em razão da complexidade de que se reveste, evidencia-se como um tema muito controvertido, tanto em sede doutrinária, quanto jurisprudencial, gerando inflamados debates entre os juristas que a ele se dedicam, seja nos simpósios e congressos realizados com o objetivo de desvendá-lo, seja nos tribunais que são instados a julgá-lo, cujas obras publicadas serviram de sustentação ao presente estudo. Assim, perquire-se, no presente trabalho, identificar com a maior clareza possível cada um dos elementos que compõem o tema apresentado, na tentativa de esclarecê-lo cabalmente, pontuando seus principais tópicos, a fim de se chegar a uma conclusão plausível. Neste intento, busca-se, primeiramente, no primeiro capítulo, definir e conceituar as Agências Reguladoras - instituições que, por sua recente aparição na estrutura da Administração Pública, ainda geram consideráveis interrogações aos não militantes do direito administrativo, principalmente o econômico - perpassando por seu surgimento na estrutura jurídica brasileira, pela tentativa de apreensão de seu conceito e sua natureza jurídica, e ainda pontuando suas principais características ou prerrogativas, a fim de identificar os motivos de sua instituição, sua forma de atuação, bem como, e principalmente, as finalidades que por elas devem ser atingidas. Em seguida, já no segundo capítulo, discorre-se detalhadamente acerca das mencionadas prerrogativas conferidas às Agências Reguladoras por suas respectivas leis criadoras, que as distinguem das demais entidades da Administração Pública detentoras da atribuição de regular determinado setor, quais sejam a autonomia decisória, administrativa e econômico-financeira. Ressalta-se que a autonomia normativa, por representar o tema principal do presente estudo, é tratada em um capítulo a parte. 7 Ademais, presta-se tal capítulo a demonstrar a relevância de tais prerrogativas, ressaltando sua função garantidora da autonomia de que necessitam as Agências Reguladoras para bem desempenhar suas funções de entidade reguladora de determinado segmento da economia, pondo-as a salvo das ingerências políticas advindas dos poderes centrais. Outrossim, objetiva, ainda, este capítulo a demonstrar que as prerrogativas mencionadas servem, também, de requisitos caracterizados de tais entidades, uma vez que somente as entidades que os possuam devem ser classificadas como Agência Reguladora. Nesta senda, chega-se, portanto, ao capítulo que tratar do Poder Normativo das Agências Reguladoras, o qual, em que pese ser uma das prerrogativas destas entidades, merece especial destaque, ante os inúmeros ataques que recebe de parte da doutrina administrativista e constitucional, que contestam sua constitucionalidade, baseada na sua suposta incompatibilidade com alguns dos princípios regentes da CRFB/88, como o da separação dos poderes e o da legalidade. Dessa forma, visando dirimir tais questionamentos, procura-se analisá-los separada e detalhadamente, iniciando-se pelo enquadramento do poder normativo das agências reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de posicioná-lo na estrutura da ordem legal, considerando a hierarquia das normas jurídicas. Em seguida, aprofunda-se a análise para identificar seus fundamentos, bem como definir seu conceito e sua natureza jurídica, institutos que se mostram extremamente relevantes para o tratamento das questões seguintes, quais sejam a compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com os princípios da separação dos poderes e da legalidade. Assim, quanto à separação dos poderes, analisam-se as idéias de reserva de competência de determinada função estatal e o sistema de freios e contrapesos, inspirado nas teorias liberais erigidas a partir da revolução liberal-burguesa, cujos expoentes se deram na França e nos Estados Unidos. Nesta esteira que surgem questionamentos, como, por exemplo, se poderiam as Agências Reguladoras possuírem competências típicas das três poderes em que classicamente se divide o Estado Republicano-Democrático, quais sejam o Poder Executivo, o Poder Legislativo e O Poder Judiciário? Não obstante a amplitude da questão acima proposta, ressalva-se que, no presente projeto, como já afirmado, ater-se-á à análise da compatibilidade do poder normativo exercido pelas Agências Reguladoras com o poder legiferante, exclusivamente exercido pelo Poder Legislativo e o poder regulamentar, privativamente exercido pelo Chefe do Poder Executivo, 8 aferindo-se a regularidade da competência concedida às Agências Reguladoras para editar e publicar normas de caráter geral, abstrato e impessoal, que inovem no ordenamento jurídico, impondo observância obrigatória, face a conferência de direitos e obrigações aos indivíduos. Outrossim, a análise mencionada se dará, também, quanto às questões acima postas, acerca do confronto do poder normativo das Agências Reguladoras com o princípio da legalidade insculpido no art. 5°, II, da CRFB/88, o qual impõe afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (Grifo nosso) O ponto principal de tal questão é o de verificar se a lei a que se refere o dispositivo constitucional seria ou não tão somente a lei formal, entendida como aquela promulgada com estrita observância dos procedimentos previstos a própria Constituição, após prévia discussão e edição por ambas as casas do Congresso Nacional, culminando com a sanção do Presidente da República. Assim, vinculadas à questão central acima, derivam-se outras, como amplitude das normas editadas pelas agências reguladoras. Tal análise se dará no sentido de verificar se tais normas podem, tão somente, regulamentar os dispositivos de suas respectivas leis instituidoras, ou se podem ir além, disciplinando matérias e temas não especificamente mencionados nos textos daquelas leis, quando se estaria inovando no ordenamento jurídico. Outrossim, ainda no âmbito do poder normativo, dirigir-se-á o estudo, também, à identificação de quais seriam os limites de tal poder, ou seja, os parâmetros (conhecidos como Standards) a serem obrigatoriamente observados pelas agências reguladoras ao editar normas acerca das matérias afetas aos setores que estão sob sua respectiva regulação que instituam direitos e obrigações aos agentes regulados. No mesmo sentido, discorrer-se-ão, ainda, quanto aos controles que sofreriam tais normas, considerando que o já mencionado sistema de freios e contrapesos sobre o qual repousa a Constituição de 1988, impondo a realização de controle recíproco entre as funções estatais. É neste contexto que se pretende, no presente projeto científico, apresentar os argumentos, baseados na melhor doutrina, que apresentem juridicamente o Poder Normativo das Agências Reguladoras, confirmando sua adequação e plena aplicabilidade ao ornamento jurídico pátrio previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9 1 DAS AGÊNCIAS REGULAGORAS 1.1 Do surgimento das Agências Reguladoras no Brasil As Agências Reguladoras, conforme são conhecidas hodiernamente as entidades com função regulatória, dotadas de ampla autonomia financeira, administrativa e regulamentar, foram criadas em decorrência do Plano Nacional de Desestatização – PND, implantado na Administração Pública pátria a partir da promulgação da Lei n° 8.031/90, posteriormente revogada pela Lei n° 9.491/97, a qual alterou os procedimentos relativos ao PND, aproveitando, entretanto, algumas das normas anteriormente traçadas por aquela, dando-as, contudo, melhor redação, a fim de conferir maior completude ao sistema. Foi neste ínterim que se deu a instituição das Agências Reguladoras no Brasil, o que ocorreu, segundo José dos Santos Carvalho Filho1: em virtude do afastamento do Estado da realização de determinadas atividades, o que exigiu a instituição de órgãos reguladores investidos na típica função de controle, aos quais foi atribuída a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governos e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização. Dessa forma, em razão do processo de implementação do ideário de modernização do serviço público trazido pelo PND, foram realizadas uma série de alterações no arcabouço jurídico brasileiro a fim de adequá-lo à nova estrutura policêntrica que se buscava estabelecer na administração pública, menos burocrática e mais eficiente. Como parte deste processo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 foi sendo paulatinamente alterada, a fim de viabilizar o implemento do projeto de descentralização administrativa, que se alicerçou na autonomia e profissionalização, vinculada também à eficiência e à economicidade administrativa. Neste comenos, promulgou-se a Emenda Constitucional n° 08, de 04 de junho de 1995, a qual extinguiu o monopólio estatal para a exploração dos serviços de 1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 23ª Ed. rev., ampl. e atualizada até 31.12.2009. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 531. 10 telecomunicações, dando azo à criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, ao dispor, no inciso XI do Art. 21 da CRFB/882 que “Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. (grifo nosso) A promulgação da EC n° 08/95 é tida como o marco regulatório brasileiro, essencial para a criação das entidades a quem caberiam a regulação dos serviços públicos desestatizados, no decorrer do processo de revolução estrutural que vinha experimentando a Administração Pública, que passou cada vez mais a buscar a eficiência de sua atuação, a fim de atender aos anseios sociais, dignificando a pessoa humana. Tais entidades são conhecidas hoje como Agências Reguladoras. Neste sentido são as palavras de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO3: A Emenda Constitucional n° 8 foi o primeiro ato legislativo formal no Brasil, conquanto de nível constitucional, que expressamente aludiu à ideia de órgão regulador, o que gerou a instituição da ANATEL, na qualidade de entidade autárquica criada pela Lei Geral de Telecomunicações, isto é, a lei n° 9.472 de 1997. Diante das palavras apresentadas, que, em dado momento, referiram-se à órgão regulador, faz-se premente interpor aqui um adendo, para explicitar que, não obstante as mais completas definições que serão abaixo esposadas, não é recomendável aludir às Agências Reguladoras como “órgãos”, uma vez que estes são criados dentro da estrutura de um determinado ente ou entidade da administração pública, através do fenômeno conhecido como “desconcentração”. Já aquelas são entidades, detentoras de personalidade jurídica própria, criadas na esteira do movimento denominado “descentralização”. (ver itens 1.3.1 e 1.3.2) Retomando-se, cumpre ressaltar, contudo, que a ANATEL não foi a primeira agência reguladora autônoma a ser criada no Brasil, uma vez que a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL foi instituída pela Lei n° 9.247, de 26 de dezembro de 1996 (alterada pelas leis n° 9.648 e 9.649, ambas de 27 de maio de 1998, Lei n° 9.986, de 18 de julho de 2000 e Lei n° 10.438, de 26 de abril de 2002; Tais leis foram regulamentadas, adquirindo densidade normativa, pelo Decreto n° 2.335/97, alterado pelo Decreto n° 4.111/2002), com a finalidade 2 Art. 21, XI da Constituição da República Federativa do Brasil. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O regime jurídico e os princípios orientadores das agências reguladoras (ano 2002). In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Direito constitucional e regulatório: ensaios e pareceres. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 429. 3 11 de regular e fiscalizar a produção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia elétrica em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. E assim, sucessivamente, foram sendo criadas outras agências reguladoras autônomas na Administração Pública Federal, as quais são elencadas a seguir: ANP — Agência Nacional do Petróleo, criada pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Vinculada ao Ministério de Minas e Energia e responsável pela regulação do setor da Indústria do petróleo; ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária, criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela regulação no setor de Produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária; ANS — Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela regulação no setor de assistência suplementar à saúde; ANA - Agência Nacional de Águas, criada pela Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e responsável pela regulação no setor de recursos hídricos; ANTT — Agência Nacional de Transportes Terrestres, criada pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. Vinculada ao Ministério dos Transportes e responsável pela regulação no setor de infra-estrutura de transportes terrestres; ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários, criada pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. Vinculada ao Ministério dos Transportes e responsável pela regulação no setor de infra-estrutura de transportes aquaviários; ANCINE — Agência Nacional do Cinema, criada pela Medida Provisória no 2.228-1, de 6 de setembro de 2001. Vinculada ao Ministério da Cultura e responsável pela regulação no setor da indústria cinematográfica e videofonográfica; ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, criada pela Lei Federal nº 11.182 de 27 de setembro de 2005 e instalada através do Decreto Federal 5.731 de 20 de março de 2006. Vinculada ao Ministério da Defesa e responsável pela regulação no setor aéreo. 12 É mister ressaltar que, mesmo antes da criação das Agências Reguladoras no bojo do processo Programa Nacional de Desestatização – PND, já havia atividade regulatória no Brasil, exercida por diversos órgãos e entidades da Administração Pública, os quais, contudo, não possuíam ou possuem a autonomia e demais prerrogativas características agências reguladoras, conforme ressalta ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO4: Todavia, antes das agências reguladoras independentes que começaram a ser criadas no bojo do Programa Nacional de Desestatização – PND, já havia sido criada uma série de órgãos e entidades reguladores, tais como o Conselho Monetário Nacional – CMN, Banco Central do Brasil, o Instituto do Álcool e da Cana de Açúcar – IAA, o Instituto Brasileiro do Café – IBC e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Nenhum deles, contudo, tinha ou tem o perfil de independência frente ao Poder Executivo afirmado pelas recentes leis criadoras das agências reguladoras e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF. 1.2 Do conceito de Agência Reguladora Para fins didáticos, em que pese a dificuldade de se estabelecer conceitos inteiramente completos para os institutos jurídicos, é válido afirmar que, “Agência Reguladora é qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta” 5. Entretanto, considerando o que será abaixo afirmado (Ver itens 1.3.1 e 1.3.2.), no conceito de Agência Reguladora não se deve aludir a “todo e qualquer órgão da administração pública”, uma vez que somente sob a forma de entidades autarquias podem ser criadas as Agências Reguladoras, em razão da autonomia que lhe são inerentes, essencial para que estas possam desempenhar as funções para a qual foram criadas. É certo que “todo conceito é sempre a tentativa de apreensão de uma realidade – sempre fluida e imprecisa. Por isto, apesar da elaboração de conceitos ser de enorme importância para a sistematização da ciência do Direito, não podemos deixar de considerar os resquícios da imprecisão que lhes é natural”6. Dessa forma, entende-se como Agência Reguladora a entidade da Administração Pública Indireta, criada sob a forma de autarquia em regime especial, que tenha competência 4 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, pag. 265. 5 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 402. 13 reguladora sobre serviços públicos delegados por concessão ou permissão à iniciativa privada, ou sobre atividades econômicas relevantes, quais sejam “as atividades que em geral possuem uma especial sensibilidade para a coletividade; atividades a respeito das quais os interesses são fortes, múltiplos e conflitantes, notadamente as que possuem elevado potencial de comoção da opinião pública, entre as quais incluem-se, obviamente, os serviços públicos”7. Como exemplo de atividades relevantes de interesse coletivo, temos a regulação sobre a comercialização de medicamentos exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA, bem como a regulação sobre os planos de saúde, exercida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, ambas vinculadas ao Ministério da Saúde, ou seja, voltados a um segmento vital para a sociedade, dotado de projeção constitucional, qual seja a saúde. Outrossim, considerando a demasiada síntese do conceito acima apresentado, faz-se premente a exposição de um conceito mais completo, capaz de melhor esclarecer o que são as agências reguladoras autônomas brasileiras. Para tanto, empregam-se as palavras de ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO8: podemos conceituar as agências reguladoras independentes brasileiras como sendo autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado, cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum. Ante todo o exposto, conforme se esmiuçará adiante, as Agências Reguladoras, possuem características próprias e peculiares que as distinguem dos demais entes e entidades da Administração Pública, tornando-as dignas de destaque em meio ao arcabouço jurídico brasileiro. 1.3 Da natureza jurídica das Agências Reguladoras Não obstante os elementos do conceito esposado já trazer uma idéia da natureza jurídica das Agências Reguladoras, cumpre reforçá-la, complementando-a, a fim de extinguir as controvérsias que recaem sobre este tema, principalmente quanto à sustentação de que tais 6 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 274. Ibid. p. 268. 8 Ibid. p. 275. 7 14 entidades reguladoras teriam “status jurídico próprio, transformando-se em nova categoria integrante da administração pública indireta”9. As agências reguladoras, conforme afirmado alhures, foram instituídas por leis específicas, as quais as qualificaram como autarquias especiais. Dessa forma, infere-se que, sendo autarquias, elas necessariamente são entidades da administração pública indireta, detentoras de personalidade jurídica de direito público. O mencionado regime especial se dá em razão das prerrogativas concedidas às agências reguladoras, inexistentes nas demais autarquias, como, por exemplo, mandato fixo de seus dirigentes, visando aumentar sua autonomia frente ao poder centralizado. Corroboram tal entendimento as palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO10: as agências reguladoras são autarquias de regime especial tanto formal (as respectivas leis instituidoras as denominam como tal) como material (são asseguradas diversas prerrogativas que aumentam consideravelmente a sua autonomia em comparação com a das demais autarquias, em especial a vedação de exoneração ad nutum dos membros do seu colegiado dirigente, nomeados por prazo determinado). Com vistas a favorecer a o entendimento do conceito supra, é forçoso conceituar alguns dos institutos mencionados. 1.3.1 Da administração pública indireta Entendem-se por administração pública indireta as entidades criadas criada por lei específica, no caso das autarquias e das fundações públicas de direito público, ou por lei que autorize sua criação, como ocorre com as fundações públicas de direito privado, empresas públicas e sociedade de economia mista, para desempenhar de forma descentralizada determinada atividade ou serviço público. Tais entidades são dotadas de personalidade jurídica própria, ou seja, não estão contidas na estrutura Administração Pública Direta, mas a esta está vinculada. 9 JUSTEN FILHO, Marçal. Prefácio da obra CUELAR, Leila. Agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo, Dialética, 2001, p. 53, apud BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Solução de controvérsias pelas agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 37. 10 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 275. 15 Acerca do instituto da “Administração Indireta”, tem-se ainda o seguinte conceito, externado por JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO11: Administração Indireta do Estado é o conjunto de pessoas administrativas que, vinculadas à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada. O conceito, que procuramos caracterizar com simplicidade para melhor entendimento, dá destaque a alguns aspectos que entendemos relevantes. Primeiramente, a indicação de que a administração indireta é formada por pessoas jurídicas, também denominadas por alguns e até pelo Decreto-lei n° 200/67, de entidades (art. 4°, II). Depois, é preciso não perder de vista que tais pessoas não estão soltas no universo administrativo. Ao contrário, ligam-se elas, por elo de vinculação, às pessoas políticas da federação, nas quais está a respectiva administração direta. 1.3.2 Da descentralização Em decorrência do conceito de administração pública indireta, esclarecido acima, ocorre, como visto, o fenômeno da descentralização, que é a delegação do exercício de determinada atividade ou serviço público da Administração Pública Direta para uma entidade da Administração Pública Indireta, que passará a ser sua detentora. Acerca do instituto da descentralização especificamente quanto às Agências Reguladoras, traz-se à luz o entendimento de ALEXANDRE DOS SANTOS ARAGÃO12, ex vi: Entende-se, no entanto, que a descentralização deva ser considerada no sentido material, estando nela embutida uma administração independente, dispondo de poderes decisórios regulamentares e individuais. Isso quer dizer que tem de haver autonomia e independência, conferindo um certo grau de liberdade de agir, independente de ser pessoa jurídica ou “pessoa jurídica fictícia” 1.3.3 Das autarquias Igualmente, as autarquias, que, conforme já se viu, corresponde a uma das espécies de entidades da Administração Pública Indireta, conceituam-se da seguinte forma, conforme 11 12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 496. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. pp. 211:218. 16 dispõe o art. 5° do Decreto-Lei n° 200, de 1967, alterado pelo Decreto-Lei n° 900, de 1969, ainda em vigor: Trata-se de um serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprias, para executar atividades típicas da administração pública que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizadas. Acerca da autonomia mencionada, cumpre ressaltar que, nas as autarquias tradicionais, ela é restrita, já que estas estão diretamente vinculadas à Administração Pública Central, a qual determina a direção dos trabalhos a serem executados, que devem ser observados pelas autarquias. Quanto à execução de atividades típicas da administração pública, isso significa que autarquias só podem criadas para executar atividades que o Estado deva necessariamente desempenhar, como é o caso, por exemplo, da previdência social. Ao revés, a estas entidades é vedado o desempenho de atividades econômicas ou apenas socialmente relevantes, que devem ser conferidas às outras entidades da administração pública. Cumpre ainda ressaltar que sua natureza obrigatoriamente deve ser de pessoa jurídica de direito pública, uma vez, assim não sendo, ficaria impossibilitada de executar atividades típicas de Estado. Postas tais considerações é válido apresentar os apontamentos de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO13 acerca da etimologia do termo “autarquia”, que demonstra o desvirtuamento de sua idéia: O termo autarquia significa autogoverno ou governo próprio, mas no direito positivo perdeu essa noção semântica para ter o sentido de pessoa jurídica administrativa com relativa capacidade de gestão dos interesses a seu cargo, embora sob o controle do Estado, de onde se originou. Outrossim, quanto ao conceito de autarquia acima exposto, sustenta ainda o supracitado jurista, in verbis: Como todas as categorias de pessoas jurídicas integrantes da Administração Indireta, as autarquias têm sua própria fisionomia, apresentando algumas particularidades que as distinguem das demais. Basicamente, são elementos 13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. pp. 506 e 508. 17 necessários à conceituação das autarquias os relativos à personalidade jurídica, à forma de instituição e ao objeto, os quais, pelo fato mesmo de integrarem o conceito, serão analisados adiante em separado. Dessarte, diante das informações esposadas, cumpre salientar que, de acordo com as palavras de DINORÁ GROTTI, “O Legislador optou por enquadrar as agências reguladoras no gênero autarquia, pessoa jurídica de direito público, tendo em conta as funções coercitivas que exercem e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, in verbis”: O STF, em decisão recente, considerou que a natureza da personalidade jurídica é fundamental para que um ente possa exercer poderes de autoridade pública. Assim é que, no julgamento liminar sobre a transformação dos Conselhos Profissionais em pessoas jurídicas de direito privado, operada pelo art. 58 da lei Federal n° 9.649/98, na ADIN n° 1717-6, foi considerada inconstitucional, “mediante a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da CF, a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades 14 profissionais. Diante do exposto, infere-se que as Agências Reguladoras detêm todas as características fundamentais do regime autárquico tradicional, “como, em síntese, a instituição mediante ato legislativo próprio, a autonomia administrativa e financeira, além da supervisão ministerial”15. Distinguem-se, contudo, pelos privilégios e obrigações específicos e peculiares que lhe foram conferidos pelas respectivas leis especiais criaram cada uma delas. 14 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As Agências Reguladoras. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 6, mai/jun/ jul de 2006. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acessado em 14 de abril de 2011. 15 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Op. cit. p. 431. 18 2 DAS PRERROGATIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Consoante o esposado acima, as agências reguladoras são autarquias em regime especial porque suas próprias leis instituidoras atribuíram-lhes determinadas prerrogativas, ou, como prefere ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, características16, as quais lhes conferem maior autonomia frente ao ente centralizado do que detêm as demais autarquias comuns. Acerca da referida autonomia, com o propósito explicitar melhor o significado desta prerrogativa central, da qual decorrerem todas as demais, cumpre colacionar as palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO17: A autonomia das Agências Reguladoras existe, em maior ou menor escala, frente a todos os Poderes do Estado, revelando-se mais sensível face ao Poder Executivo, tendo em vista o maior número de pontos de contato que ele possui, e a tradicional, mas ultrapassada, idéia de subordinação hierárquica ao Chefe do Governo de todos os agentes e entidades do aparato administrativo. O pleno entendimento de todos os seus elementos caracterizadores é essencial para a compreensão, bem como a o estudo as Agências Reguladoras, visto que há outros órgãos e entidades da Administração Pública que guardam algumas semelhanças com estas, seja por possuírem em sua nomenclatura o termo “Agência”, como é o caso, por exemplo, da Agência Brasileira de Inteligência _ ABIN, seja por exercerem função regulatória, como é o caso do INMETRO. Contudo, as citadas instituições não se configuram como Agência Reguladora, pois não possuem todas as prerrogativas, que aqui se evidenciam como requisitos, inerentes e indissociáveis desta, essenciais para sua classificação como tal. Dito isto, passa-se, então, a discorrer, esmiuçando-as, acerca da mencionadas prerrogativas (ou características), as quais, “numa visão geral, sem embargo de os autores não traçarem linhas rigorosamente idênticas a respeito de tais elementos, podemos dizer que corresponderiam às seguintes prerrogativas: 1°) poder normativo técnico; 2°) autonomia decisória; 3°) independência administrativa; 4°) autonomia econômico-financeira”18. 16 ARAGÃO, Alexandre Santos de.Op. cit. p. 313. Idem. Agências Reguladoras e Agências Executivas. Revista de Direito Administrativo n° 228, 2002, p. 118. 18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 518. 17 19 Entretanto, ALEXANDRE SANTOS ARAGÃO emprega outra denominação ao definir as características essenciais para a configuração de determinada entidade como Agências Reguladoras, in verbis: “as principais notas são a atribuição de competências regulatórias, a impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes, a organização colegiada, a formação técnica, e a impossibilidade de recursos hierárquicos impróprios, sendo que apenas a conjunção destes elementos resultará na conceituação de uma entidade como agência reguladora independente.19 Afirma-se, entretanto, que, não obstante as distintas nomenclaturas adotadas por cada doutrinador, tratam-se, quanto ao conteúdo, das mesmas prerrogativas/características, consoante será demonstrado abaixo. Cumpre ressaltar que, apesar de constar do elenco das prerrogativas conferidas às Agências Reguladoras, o poder normativo não será tratado neste capítulo, porquanto merecerá ampla atenção mais adiante, em um capítulo próprio (3), por ser o tema central do presente estudo. 2.1 Da autonomia decisória (vinculação administrativa – não cabimento de recurso hierárquico): Esta prerrogativa tem por escopo manter no âmbito interno das Agências Reguladoras as instâncias capazes de rever seus atos decisórios, ou seja, em outras palavras, significa que o atos decisórios emanados pelas Agências Reguladoras não são passíveis de recurso hierárquico endereçado ao Ministério a que está vinculada (recurso hierárquico impróprio), tampouco a qualquer outra autoridade, entidade ou ente da Administração Pública Direta ou Indireta, devendo eventuais reanálises sobre a matéria objeto do ato decisório proferido serem revistas pela própria Agência Reguladora, através de seus órgão internos. Neste sentido é o entendimento de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO20, ex vi: 19 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 299. 20 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 520. 20 A autonomia decisória significa que os conflitos administrativos, inclusive os que envolvem as entidades sob seu controle, se desencadeiam e se dirimem através de seus próprios órgãos da autarquia. Em outras palavras, o poder revisional exaure-se no âmbito interno, sendo inviável juridicamente eventual recurso dirigido a órgãos ou autoridades da pessoa federativa à qual está vinculada a autarquia. Assente com este entendimento está ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO21, ao observar que não há lei que preveja a possibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio, o que, por si só, já bastaria para a consolidação de entendimento contrário à sua permissão, ex vi: Examinando o Direito positivo de pronto podemos afirmar que nenhuma lei prevê a existência de recurso administrativo hierárquico impróprio contra as decisões das agências reguladoras, o que por si só bastaria para eliminar tal possibilidade em razão da vetusta doutrina do pás de tutelle sans texte, pás de tutelle au-dellá du texte, decorrente da personificação jurídica das entidades da Administração Indireta, que não são meros órgãos despersonalizados – partes integrantes do corpo do Ente estatal. Outrossim, reforçando a autonomia decisória alegada, com vedação ao recurso hierárquico impróprio, sustenta o mesmo jurista que, inobstante o fato de eventualmente não constar expressamente da lei de determinada agência reguladora a impossibilidade de interposição deste tipo recurso, que refoge ao âmbito da entidade, detentora de personalidade jurídica própria, ainda assim deve-se entender pela sua vedação, em consagração à autonomia inerente a tais entidades: O que se deve notar é que pouco importa se nesta ou naquela agência está ou não expressamente excluída a interposição de recurso hierárquico impróprio. Como já visto, não é a sua vedação que deve ser expressa, mas sim a sua admissão (pás de tutelle sans texte). O próprio decreto-lei n° 200/67, aplicável às agências reguladoras no que não contrariar as suas leis específicas, não inclui os recursos hierárquicos impróprios entre os mecanismos de supervisão ministerial disciplinados por seus arts. 19 a 29. 2.2 Da autonomia administrativa (mandato fixo de seus dirigentes): 21 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. pp. 346/347 21 A presente prerrogativa detém demasiada importância na definição de Agências Reguladoras, uma vez que muitos doutrinadores afirmam que este é o caráter que define o “regime especial” que distinguem estas das demais autarquias. Trata-se, em suma, da estabilidade contida nos mandatos22 dos dirigentes das Agências Reguladoras, os quais são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos do procedimento previsto nos artigos 4° a 10 da Lei n° 9.986/00, os quais estabelecem sua disciplina geral. Diz-se estabilidade porque o artigo 9° do citado diploma legal veda a exoneração ad nutum dos dirigentes das agências reguladoras devidamente nomeados, ou seja, uma vez invertidos no cargo, os dirigentes de tais autarquias em regime especial não podem ser exonerados pela simples conveniência e oportunidade do ministério supervisor, tampouco pelo chefe do Poder executivo. Cumpre ressaltar que a investidura se dá a termo, ou seja, com prazo determinado, sendo possível a recondução uma única vez. Complementando a explanação alhures, apresentam-se as palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO23: Quanto aos dirigentes das Agências Reguladoras sua disciplina, previstas nos arts. 4° a 10 da Lei n° 9.986/00, que estabelecem sua disciplina geral pela qual serão escolhidos entre brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos, nomeados pelo Presidente da República para mandato de período certo, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal (arts. 5° e 6°). A eles também é assegurada a vedação de exoneração ad nutum (art. 9°) e imposta uma série de limitações profissionais durante o período de quarentena (art. 8°). 2.3 Da autonomia econômico-financeira: A autonomia econômico-financeira é, segundo ALEXANDRE ARAGÃO, “requisito essencial para que qualquer autonomia se efetive na prática” 24. Ademais, acrescenta ainda ALEXANDRE ARAGÃO, que: 22 Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “a legislação frequentemente emprega o termo mandato, o que não é tecnicamente correto, já que o mandato tem caráter político e resulta de processo eletivo, como é caso do mandato dos parlamentares e Chefes do Executivo. O caso é de investidura a termo, instituto que, embora tenha em comum o prazo determinado para o exercício das funções, tem caráter nitidamente administrativo”. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 520. 23 Ibid. pp. 325 e 326. 24 Ibid. p. 332. 22 podemos constatar que de fato as leis instituidoras das agências lhes asseguram autonomia financeira, através da titularidade das chamadas “taxas regulatórias” (ex.: arts. 11 a 14 da Lei nº 9.427/96); e orçamentária, através do envio de proposta de orçamento ao Ministério ao qual é vinculado (ex.: art. 49 da Lei n° 9.427/96)25. Em razão disso, extrai-se que, considerando o recolhimento de recursos próprios, auferidos através das taxas de regulação, que são devidas em virtude da fiscalização e controle dos serviços públicos delegados, bem como do poder de polícia exercido sobre os executores de atividades econômicas socialmente relevantes; denominados agentes regulados, bem como a existência de dotação orçamentária própria, auferida para emprego na gestão de seus próprios órgãos, e decorrente da elaboração por si de seu orçamentário, as Agências Reguladoras, diferentemente das demais autarquias tradicionais, efetivamente possuem autonomia econômico-financeira frente à administração pública direta, não obstante estar vinculada ao plano orçamentário, que é uno. 25 Ibid. p. 332. 23 3 DO PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS Como se anotou alhures, dentre as prerrogativas atribuídas às agências reguladoras, está o poder normativo, que abrange tanto o poder de regulamentar as leis que regem seu mercado de atuação, como o de editar normas independentes, sobre matérias não especificamente disciplinadas em lei, mas que, contudo, têm seus limites, seus parâmetros definidos, com maior ou menor exatidão e detalhamento, em suas respectivas leis instituidoras. É imperioso salientar que os termos “poder normativo”, “poder regulamentar”, “poder legiferante”, etc. são postos com vistas a facilitar o entendimento e a identificação com os termos comumente utilizados pela doutrina, porquanto se tenha por certo que o Poder Estatal, qual seja a “soma de poderes concentrados oriundos da sociedade geratriz e instituidora”26, é uno e indivisível, de modo que as divisões se dão quanto às funções estatais típicas, que se promovem para fins de distribuição das atribuições do Estado. Assim, o termo “poder” é comumente utilizado onde se deveria empregar a palavra “função”, no sentido de que “compõem-se o Estado de poderes, segmentos estruturais em que se divide o poder geral e abstrato decorrente de sua soberania”27. (grifo nosso) Neste sentido são as considerações de KARL LOEWENSTEIN, quando afirma que: O que, comumente, ainda que erroneamente, se costuma denominar como separação dos poderes estatais, é na verdade a distribuição de determinadas funções estatais a diferentes órgãos do Estado. O conceito de “poderes”, apesar de estar profundamente enraizado, deve ser entendido neste contexto de uma maneira meramente figurativa.28 Abrangendo ambos os sentidos do vocábulo “Poder”, vale trazer à colação as palavras de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, ex vi: O poder, na organização do Estado, tem, contudo, duas acepções: um sentido orgânico – entendido como centro de imputação do Poder Estatal, e um sentido funcional – que vem a ser um modo de exercê-lo. (...) 26 MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, 15ª ed., revista, refundida e atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, p. 19. 27 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p.02. 28 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución, Ariel, 1986, trad. Alfredo Gallego Anabiante, pp. 55/56 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 372. 24 Desse modo, convencionalmente, são poderes orgânicos: O Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, e, poderes funcionais: o poder legiferante ou normativo, o poder executante ou administrativo e o poder judicante ou jurisdicional.29 Desse modo, feitas as devidas ressalvas, inicia-se o estudo do tema principal do presente projeto, o qual é, certamente, o mais controverso, obscuro e instigante de todo o arcabouço atinente às Agências Reguladoras, tanto que assim o apresentou ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO30 em sua obra: Não há, contudo, tema do Direito Regulatório brasileiro que suscite tamanha discussão, tanto na doutrina como na prática contenciosa, administrativa e judicial, que o da amplitude, limites e controles do poder normativo das agências reguladoras, ou seja, da sua competência para emitir normas gerais e abstratas disciplinando o exercício de atividades econômicas por particulares. 3.1 Do enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro Na esteira do que vem sendo desenvolvido no presente projeto, às Agências Reguladoras foi conferido amplo poder normativo, através do qual as mesmas editam normas para regulamentar atos normativos hierarquicamente superiores, sejam leis em sentido formal ou outros regulamentos emanados por autoridades hierarquicamente superiores, exercendo, assim, poder regulamentar propriamente dito, mas, por outro lado, editam também normas que inovam, mesmo que não completamente, pois previamente definidos legalmente seus parâmetros, no mundo jurídico, com abstração, impessoalidade e generalidade capazes de impor a seus administrados obrigações não disciplinadas em lei. Justamente neste último aspecto de que se revestem as normas editadas pelas Agências Reguladoras é que recaem as discussões e os questionamentos quanto à sua constitucionalidade, uma vez que, numa primeira e superficial análise, parecem violar dois dos princípios basilares de nossa Constituição Federal de 1988, quais sejam os princípios da separação dos poderes e da legalidade. 29 MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Op. cit. p. 19. ARAGÃO, Alexandre Santos de. (coord.) O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. VII (Apresentação). 30 25 Sendo assim, com o intento de dirimir tais questões, deve-se, primariamente, detalhar o poder normativo das agências reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de que, identificando sua localização, possa-se, então, analisar sua constitucionalidade. Para tanto, lança-se mão dos ensinamentos de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO ao conceituar as espécies de poder normativo existentes: O poder normativo das agências reguladoras é, na espécie, poder regulamentar econômico secundário. Por que secundário? Porque não é primário; porque o poder normativo econômico primário pertence ao Congresso Nacional. Enquanto o poder regulamentar econômico primário pertence ao Presidente da República, com base no art. 84 da Constituição, inciso IV, que lhe confere o poder para sancionar, promulgar as leis e expedir regulamentos para sua fiel execução31. Diante do conceito apresentado, é possível se inferir, portanto, que o poder normativo primário é o exercido pelo Poder Legislativo, através do Congresso Nacional, na esfera federal, e por seus correlatos nos Estados e Municípios, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, respectivamente, em virtude da competência que lhe atribui a CRFB/88, a qual, inclusive, dispôs exatamente acerca do procedimento que deve ser observado para a elaboração, discussão, votação, aprovação, revisão, sanção, promulgação e publicação das espécies normativas elencadas em seu art. 59. Na mesma esteira, deve-se afirmar que, também atuando com poder normativo, cumpre ao Presidente da República a competência para o exercício do poder regulamentar primário, nos termos do disposto no art. 84, IV da CRFB/88, in verbis: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (grifo nosso) Logo, diante da redação do preceito supra, induz-se que o poder regulamentar é privativo do Presidente da República, por assim dispor expressamente o texto constitucional. Entretanto, como se verá abaixo, este poder regulamentar, atribuído ao Presidente da República pela CRFB/88, não é absoluto, uma vez que a própria CRFB/88 o concede a outras 31 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira, op. cit., p. 433. 26 autoridades públicas, como aos Ministros de Estado, bem como por nada obstar que a lei atribua tal competência a outras autoridades. Outrossim, faz-se necessário,neste ponto, um adendo para firmar algumas considerações quanto à possibilidade da expedição de regulamentos autônomos pelo Presidente da República. Tal tema merece relevo em razão da redação dada ao art. 84, VI e alíneas, da CRFB/88, pela Emenda Constitucional – EC n° 32, de 2001, que dispõe o seguinte: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (grifo nosso) Dessa forma, conforme visto, foi dada ao presidente a prerrogativa de dispor mediante decreto autônomo, ou seja, independente de lei, acerca de determinados temas afetos à administração da máquina pública. Entretanto, convém destacar que somente nestes casos, restritos à organização da Administração Pública, da qual o Presidente é o chefe maior, são permitidos tais decretos, devendo, nos demais casos, haver precedência de lei. Sobre tal tema, são oportunas as palavras de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, quando tem em vista o seguinte: Afirmo que o Direito Constitucional brasileiro acomoda perfeitamente a idéia de regulamentos autônomos e independentes, conquanto com limites e respeito das reservas de legalidade formal previstas na Constituição. É claro que a matéria é controversa e que há festejadas opiniões em sentido contrário, como a do saudoso ministro Victor Nunes Leal, que sustenta a impossibilidade constitucional dos chamados regulamentos autônomos e independentes. Mas eles estão aí todo dia no Diário Oficial e precisam ser teorizados pela doutrina constitucional brasileira. É importante que haja essa teorização e que se imponham 27 limites ao poder regulamentar autônomo do Presidente da República32. (grifo nosso) E, por seu turno, em razão da teoria da hierarquia das normas, cabe às entidades reguladores, donde se encontram as Agências Reguladoras, o exercício do - igualmente enquadrado como espécie de poder normativo - poder regulamentar secundário, que assim o é por dever observância às normas hierarquicamente superiores supracitadas, quais sejam as emanadas pelo Poder Legislativo, bem como pelo Presidente da República em sua função regulamentar. Vale frisar que a classificação apresentada se ampara na melhor doutrina administrativista, a qual reconhece a existência de diversas espécies, hierarquizadas em graus, de atos normativos: Os que visam diretamente a regulamentar, complementando e minudenciando as normas da lei, será de natureza de ato regulamentar de primeiro grau; outros que a ele se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, são qualificados como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante.33 3.2 Do conceito e da natureza jurídica Posicionado no ordenamento jurídico o poder normativo das agências reguladoras, passa-se, então, da maneira mais aproximada possível com a realidade, dadas as dificuldades inerentes à tentativa de apreensão desta, pois dotada de fluidez e imprecisão, à elaboração de um conceito que abarque, sinteticamente, suas variadas características, bem como à identificação de sua natureza jurídica. Primeiramente, atenta-se para a ressalva feita alhures (item 3) acerca do termo “poder” que integra o objeto deste estudo, haja vista sua equivocada aplicação neste sentido, uma vez que melhor empregado estaria o termo “função” nesta acepção. Postas tais considerações, pode-se conceituar o poder normativo das agências reguladoras como sendo a competência a elas atribuída por suas próprias leis instituidoras para expedir normas de caráter geral, abstrato e impessoal, regulamentando os preceitos nelas contidos, ou em outras inerentes a seu mercado regulado, impondo direitos e obrigações aos 32 33 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira, op. cit., p. 434. CARVALHO FILHO, José dos Santos.Op. cit. p. 60. 28 administrados, sem, contudo, “inovarem totalmente na ordem jurídica, haja vista que foram as próprias leis disciplinadoras da regulação que transferiram alguns vetores de ordem técnica para a normatização das entidades especiais34”. Diante do conceito exposto, pode-se inferir, em razão das características a ele imputadas, que se trata, conforme o já afirmado acima (item 3.1), de poder regulamentar, pois tem o condão de dar concretude, densidade à outra norma jurídica hierarquicamente superior, sem deixar, entretanto, de possuir a força normativa necessária para limitar a liberdade dos particulares, impondo-lhes direitos e obrigações. Ou seja, “ao desempenhar o poder regulamentar, a Administração exerce inegavelmente função normativa, porquanto expede normas de caráter geral e com grau de abstração e impessoalidade, malgrado tenham elas fundamento de validade na lei”35. Com efeito, conceitua-se poder regulamentar como sendo a “prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir sua efetiva aplicação”36. Postos tais conceitos, convém ressaltar que, “como assinala autorizada doutrina37, a função normativa é gênero no qual se situa a função legislativa, o que significa que o Estado pode exercer aquela sem que tenham necessariamente que executar esta última. É na função normativa geral que se insere o poder regulamentar”38. Ampliando o conhecimento sobre poder regulamentar, vale trazer à baila as palavras exaradas por AUGUSTO HENRIQUE WERNECK MARTINS ao posicioná-lo historicamente, o qual afirma que “a idéia de poder regulamentar está intrinsecamente ligada à aparição histórica do Estado Liberal, de modo que a separação dos poderes acabou por reconhecer ao Executivo a capacidade de editar normas jurídicas”39. Outrossim, conforme os fundamentos elencados no item 3.1 acima, afirma-se que o poder regulamentar exercido pelas agências reguladoras possui natureza derivada, conforme assevera CARVALHO FILHO: 34 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo. Revista eletrônica de direito administrativo econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, fev/mar/abr., 2007, p. 8. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 11 de abril de 2011. 35 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 23 ed. ver., ampl. E atualizada até 31/12/2009, op. cit., p. 60 36 Loc. cit. 37 MOTTA, Fabrício. Função normativa da administração pública. Del Rey, 2007, pp. 133-135 apud Loc. cit. 38 Loc. cit. 39 MARTINS, Augusto Henrique Werneck. Reflexões acerca do poder regulamentar – propostas à constituinte IN RDPGERJ 40/45 apud Loc. cit. 29 em primeiro lugar, o poder regulamentar representa uma prerrogativa de direito público, pois que conferido aos órgãos que têm incumbência de gestão dos interesses públicos. Sob o enfoque de que os atos podem ser originários ou derivados, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz de lei preexistente.40 Contudo, em que pese o destacamento de relevantes manifestações doutrinárias no sentido de reconhecer o podre normativo das agências reguladoras como poder regulamentar, há na doutrina administrativista os que entendam diversamente, conforme demonstra ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, ex vi: Há, contudo, a opinião (verbia gratia, a posição de Marcos Juruena Villela Souto, manifestada no I Congresso Estadual de Advocacia Pública do Rio de Janeiro, Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2001), pela qual apenas o Chefe do Executivo tem poder regulamentar; que determinadas autarquias podem até ter um poder normativo lato sensu, mas que poder regulamentar só o Chefe do Executivo. Afirmam que o poder regulamentar propriamente dito teria conteúdo político, ao passo que as normas editadas por outras autoridades administrativas só podem ter conteúdo técnico. 41 Com respeito à posição doutrinária apresentada, aparenta melhor cabimento a posição contrária, que sustenta ser, quanto à espécie, poder regulamentar, e, quanto ao grau, secundário, o poder normativo das agências reguladoras que, uma vez que, conforme afirma JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO “é a própria lei quem confere a outros titulares de órgão ou a entidade da Administração Pública distinta da Chefia do Poder Executivo” 42. Pacificando tal questão, vale colacionar as palavras do mesmo jurista quando sustenta contra ser de exclusividade do Presidente da República a prerrogativa de exercício do poder regulamentar: O processo de formalização do poder regulamentar se processa nos termos do art. 84, IV da CRFB/88, que dispõe que compete ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis. Há também atos normativos que, editados por outras autoridades administrativas, podem caracterizar-se como inseridos no poder regulamentar, pois, veiculando normas gerais e abstratas para a explicação das leis, não deixam de ser, a seu modo, meios de formalização do poder regulamentar. 40 Loc. cit.. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 382, citação 35. 42 Ibid. p. 381. 41 30 Considerando o nosso sistema de hierarquia normativa, podemos dizer que existem graus diversos de regulamentação conforme o patamar em que se aloje o ato regulamentador.43 (grifo nosso) Outrossim, acerca da alegação de que o poder regulamentar propriamente dito teria conteúdo político, ao passo que as normas editadas por outras autoridades administrativas só podem ter conteúdo técnico, aplicam-se as considerações de GIANDOMENICO MAJONE44, para quem “não é verdade que as políticas determinem tudo até certo ponto, enquanto a administração se encarrega de todo o resto a partir deste ponto: ambas interagem ao longo de todo o processo de elaboração das políticas”. Nesta linha de raciocínio, desqualificando a dicotomia entre conteúdo político e conteúdo técnico, ALEXANDRE DE SANTOS ARAGÃO observa que: (...) já demonstramos a artificialidade de uma separação rígida entre técnica e política, o que necessariamente leva à improcedência da distinção entre os atos normativos políticos e meramente técnicos. O Conselho Monetário Nacional – CMN, por exemplo, tem uma competência normativa de elevado teor técnico, o que não ilide, obviamente, a enorme importância política das decisões normativas por ele tomadas: a fixação de juros é uma questão técnica, mas não é também altamente política? A decisão normativa da ANATEL quanto à adoção do modelo norte-americano ou europeu de telefonia celular é técnica, mas também não é política, até mesmo de política internacional?45 Ante os argumentos expostos, acredita-se ter afastado a premissa de exclusividade de competência do Presidente da República no exercício do poder regulamentar, o qual, logo, não se distingue entre o praticado pelo Chefe do Poder Executivo e pelas demais autoridades administrativas integrantes das entidades e dos órgãos autônomos dotados de poder normativo, pois, se aquele é originário, concedido diretamente pela Constituição Federal, este é derivado, pois atribuído por leis formais, a quem a própria Constituição Federal de 1988 conferiu competência para disciplinar, normativamente, através da observância dos procedimentos nela estabelecidos, a liberdade dos indivíduos. Outrossim, infere-se que, tendo por objetivo regulamentar outras espécies normativas preexistentes e hierarquicamente superiores, não poderia o poder normativo das Agências Reguladoras possuir outra natureza jurídica, principalmente a de poder legiferante, 43 Loc. cit.. MAJONE, Giandomenico. Evidencia, argumentación y persuasión em la formulación de políticas, Ed. Fonde de Cultura Económica, México, 1997, trad. Eduardo L. Suárez, p. 61 apud Ibid. p. 364. 45 Ibid. p. 382, citação 35. 44 31 uma vez que este somente pode ser exercido pelo Poder Legislativo, que é o legitimado constitucional para seu exercício, tampouco de poder regulamentar primário, privativo do presidente da república, nos termos do art. 84, IV da CRFB/88. Dessa forma, é imperioso, para que se atinjam os colimados fins do presente estudo, identificar a natureza jurídico do poder regulamentar. Dessa forma, entende-se que o poder regulamentar, sendo o poder normativo exercido pelas agências reguladoras, é praticado mediante ato administrativo, uma vez que, sendo entidade integrante da Administração Pública, seus atos devem observar todos os aspectos legais que lhe são concernentes, principalmente os de natureza constitucional, onde se incluem os princípios regentes da administração pública. Neste sentido são as consideração de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, in verbis: (...) podemos afirmar o seguinte: agência reguladora pratica ato administrativo. Não é concebível qualquer outra forma de atuação da agência reguladora que não seja pela via administrativa e com observância dos princípios e normas constitucionais regentes da administração pública e tutelares dos direitos fundamentais de todos os matizes: individuais e coletivos, sociais, culturais, políticos e econômicos. (grifo nosso) E continua: Uma decisão ou uma deliberação é um ato administrativo normativo, poderá ser um ato administrativo de efeito concreto ou até dotado de generalidade se visar disciplinar a adequação dos serviços dos marcos reguladores legislativos já existentes. Com efeito, a agência reguladora pratica ato administrativo quando fiscaliza a adequação dos serviços; pratica ato administrativo quando aplica sanções ou penalidades ao concessionário dos serviços; pratica ato administrativo, é claro, de amplitude e repercussão coletiva, quando preside e encaminha uma audiência pública ou quando realiza uma sessão reguladora; pratica ato administrativo quanto publica os seus atos nos órgãos oficiais ou deles dá intimação aos interessados no seu conhecimento, o que é obrigatório46. (grifo nosso) Acerca deste entendimento, de que o poder normativo das agências reguladoras é praticado mediante ato administrativo, a doutrina de GEORG JELLINEK assevera que, lembrando o autor germânico, ex vi: 46 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Op. cit. pp. 431 e 432. 32 O Estado sobrevive sem leis e sem juízes, mas um Estado sem administração seria a anarquia. A administração, portanto, é a função mais compreensiva das demais. (...) Por isto se pode designar como administrativa toda a atividade do Estado que não seja legislativa ou jurisdicional. Esta possibilidade de conceituação negativa da administração é reafirmada pela importância que tem para o Estado. Só ela é capaz de ser explicada pela simples oposição às demais atividades do Estado47. (grifo nosso) Congrega com este pensamento ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, quando afirma que “quanto à natureza das funções exercidas pelas agências reguladoras, entendemos, seguindo a doutrina de GEORG JELLINEK, que, isolada ou conjuntamente consideradas, são lato sensu administrativas48”. Sendo assim, diante de todo o exposto, defini-se o poder normativo das agências reguladoras como sendo poder regulamentar secundário, praticado mediante ato administrativo, o qual deve observância aos princípios regentes da Administração Pública. 3.3 Dos fundamentos Consoante o já afirmado nos itens precedentes, foram as próprias leis instituidoras que conferiram às Agências Reguladoras competência para expedir normas regulamentares acerca de seu mercado de atuação. Assim se deu, por exemplo, segundo JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, pioneiramente, com a promulgação da Lei n° 9.427, de 26 de dezembro de 1996, quando da criação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a qual concedeu a essa agência o poder de “implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração de energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei 9.074, de 07 de julho de 1995” (art. 3°, I), bem como o de “regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação”49. Assim como ocorreu com a ANEEL, foi conferida competência normativa às demais Agências Reguladoras posteriormente criadas. 47 JELLINEK, Georg. Teoria general del Estado, Ed. Comares, Granada, 200, tradução de Fernando de los Rios Urruti, pp. 602 a 604 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. pp. 97 e 98. 48 Ibid. p. 378. 49 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo. Revista eletrônica de direito administrativo econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, fev/mar/abr., 2007, p. 6. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 11 de abril de 2011. 33 Dessa forma, infere-se que o fundamento do poder normativo das agências reguladoras está em suas próprias leis instituidoras, as quais, por sua vez, embasam-se na competência originária delegada pela Constituição (CRFB/88) ao Poder Legislativo. Portanto, na expressão de SANTHIAGO DANTAS, ocorreu o fenômeno denominado “descentralização do poder normativo do Executivo”, para órgãos ou entidades “tecnicamente mais aparelhados”. Afirma ainda o jurista brasileiro, que “o poder de baixar regulamentos, isto é, de estatuir normas jurídicas inferiores e subordinadas à lei, mas que nem por isso deixam de reger coercitivamente as relações sociais, é uma atribuição constitucional do Presidente da República, mas a própria lei pode conferi-la, em assuntos determinados, a um órgão da Administração Pública ou a uma dessas entidades autônomas que são as autarquias”50. Igualmente, entende CAIO TÁCITO ao observar que: se o poder regulamentar é em princípio e dominantemente exercido pelo Presidente da República, em razão de sua competência constitucional, nada impede – antes em determinadas circunstâncias aconselha – possa a lei habilitar outras autoridades à prática do poder normativo. (...) A norma de competência do Presidente da República é enumerativa, não sendo válido o raciocínio a contrário sensu, excludente de outra fórmula de ação normativa que a discricionariedade do Legislativo entenda necessária ou conveniente51. Destarte, superadas as questões inerentes à exclusividade, ou melhor, a falta dela, de competência do Chefe de Poder Executivo para emitir regulamentos, deve-se afirmar que, suficientemente demonstrados os fundamentos do poder normativo das agências reguladoras, este é legítimo, na medida em que a própria lei promoveu a descentralização do poder normativo do Executivo para órgãos ou entidades tecnicamente mais aparelhados, especializados e técnicos, na forma como se deu com as Agências Reguladoras. 3.4 Da compatibilidade com o Princípio da Separação dos Poderes Com o intuito de pormenorizar tema até então somente mencionado no presente projeto, adentra-se, neste item, no estudo da compatibilidade do poder normativo das agências 50 DANTAS, Santhiago. Poder regulamentar das autarquias, constante da obra Problemas de direito positivo, Ed. Forense, 1953, pp. 203/205 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 381. 51 TÁCITO, Caio. Comissão de valores mobiliários. Poder regulamentar, constante do Temas de direito público, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, Tomo 2, pp. 1079 e 1088 apud Ibid. p. 381. 34 reguladoras com o princípio constitucional da separação dos poderes, notadamente no que tange ao poder legiferante, que, conforme mandamento constitucional, é exercido exclusivamente pelo Congresso Nacional na esfera federal, pelas Assembléias Legislativas, nos Estados, e pelas Câmaras de Vereadores nos Municípios. Dessa forma, haja vista a perfeita aplicabilidade ao tema ora estudado, complementase aqui as considerações de KARL, LOEWENSTEIN52, em parte já apresentadas neste estudo: O que na realidade significa a assim chamada “separação dos poderes”, não é, nada mais nada menos, que o reconhecimento de que, por um lado, o Estado tem que cumprir determinadas funções – o problema técnico da divisão do trabalho – e que, por outro, os destinatários do poder sejam beneficiados se estas funções forem realizadas por diferentes órgãos: a liberdade é o telos ideológico da teoria da separação dos poderes. (...) Outrossim, não obstante o supracitado embate acerca de sua legalidade formal, há também aquele vertente acerca de sua legalidade material, no sentido de confirmar se a matéria contida em determinado regulamento expedido pela Agências Reguladoras não seria, na verdade, objeto exclusivo de lei em sentido estrito, quando se configuraria, neste caso, usurpação de poderes, uma vez que tais matérias somente devem ser expedidas pelo Poder Legislativo, afrontando-se, assim, o disposto no art. 2° de nossa Carta Magna, onde está expresso o Princípio da Separação dos Poderes , que dispõe: Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Cumpre ressaltar, ainda, que o princípio inserido pelo dispositivo constitucional destacado foi elevado, pela própria Constituição Nacional de 1988, à posição de cláusula pétrea, como se observa com a leitura do art. 60, §4°, II da CRFB/88, in verbis: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes; 52 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución, Ariel, 1986, trad. Alfredo Gallego Anabiante, pp. 55/56 apud Ibid. p. 372. 35 A questão da compatibilidade suscitada perpassa, necessariamente, pelos conceitos de poder regulamentar e poder legiferante, ambos espécies de poder normativo, como já devidamente exauridos no presente projeto. Entretanto, dada a sua importância, nada obsta que sejam novamente trazidos à luz para efeitos de comparação e, logo, de distinção. Para definir tais conceitos, lança-se mão das palavras de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHOS: Nos limites da conceituação teórica, não há grande dificuldade em distinguir dois dos poderes fundamentais do Estado – o legiferante e o regulamentar. O primeiro é primário, porque se origina diretamente da Constituição na escala hierárquica dos atos normativos; o segundo é secundário, porque tem como fonte os atos derivados do poder legiferante. Portanto, como regra, afirma-se que o primeiro gera a lei (ou ato análogo com outra denominação) e o segundo o regulamento – caracterizado como ato administrativo e, frequentemente, revestido de denominações diversas (decretos, resoluções, portarias, etc.)53. Outrossim, cumpre, a título de complemento do sentido contido nas palavras acima, apresentar o entendimento de HELY LOPES DE MEIRELLES54 acerca dos limites que devem conhecer as normas regulamentares, para quem “como ato inferior à lei, o regulamento não poder contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringir ou extravasar da lei, é írrito e nulo, por caracterizar situação de ilegalidade”. Diante de tão simples, conquanto esclarecedores conceitos, que explicitam a distinção dos poderes analisados, não deveria haver controvérsias acerca do tema, haja vista as distintas origens (constitucional e legal, respectivamente) da legitimação de cada um dos entes/entidades para o exercício de suas respectivas competências normativas. Contudo, não obstante as considerações plantadas, ressalva CARVALHO FILHO que “conquanto lógicas as linhas teóricas concernentes aos atos de legislação e os de regulamentação, nem sempre - insistimos – tem sido fácil sua aplicação concreta55”. Assim sendo, ante as insistentes e respeitáveis sustentações no sentido de que, o que as agências reguladoras têm impropriamente exercido, é, na verdade, poder legiferante, privativo do Poder Legislativo por determinação constitucional, vale colacionar os colóquios da doutrina especializada a fim de dirimir tais dúvidas. 53 54 55 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo. Op. cit. p. 2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Ed. Malheiros, 18ª ed., 1993. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo. Op. cit. p. 2. 36 Assim, no esteio do que sustenta FELICE GIUFRÈ: Mesmo quando as entidades reguladoras independentes não tiverem sede constitucional, se deve admitir que a atribuição de funções de regulação e decisão, a serem exercidas através do exercício conjunto de competências normativas, executivas e contenciosas, a órgãos postos em uma posição, mais ou menos intensa de distância ou separação do poder políticopartidário, e caracterizados por uma elevada especialização no respectivo setor, demonstra o “mandato em branco” conferido pelo parlamento a outros centros de competência normativa representa a afirmação de incapacidade do legislador em dominar, por si próprio, o complexo cada vez menos decifrável dos interesses sociais56. Amparando-se na cabal definição exposta, já logo se permite inferir que às agências reguladoras foram conferidas funções semelhantes as que classicamente só eram outorgados aos Poderes Estatais instituídos na forma da doutrina igualmente clássica de Montesquieu, da divisão tripartite do Estado, quais sejam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, em razão do caráter autônomo que estas entidades possuem frente a tais poderes clássicos, evitando-se ingerências políticas, de modo a privilegiar o caráter técnico de suas ações. Afirma ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO que “essa autonomia no exercício das competências setoriais é necessária para que a entidade reguladora possa caracterizar-se como independente, fazendo com que devam possuir certa liberdade de atuação, notadamente de natureza normativa”57.(grifo nosso) Dito isto, é mister salientar que o exercício de função normativa pelas Agências Reguladoras advém de seu próprio conceito, uma vez que sua característica mais latente, que a distingue dos demais órgãos e entidades que porventura também exerçam algum tipo de função regulatória, é justamente a autonomia, de modo que, com a possibilidade de regulamentar as matérias atinentes ao mercado por elas regulados, tais entidades se mantém autônomas frente aos poderes centrais, podendo conferir maior técnica aos seus atos, sem sofrerem ingerências políticas típicas daqueles. Neste ponto, é imperioso destacar as reflexões de MIGUEL REALE quando denota que “a função legislativa vai cada vez mais assumindo uma feição eminentemente técnica” O eminente doutrinador continua afirmando que: 56 GIUFRÈ, Felice. Declínio Del parlamento-legislatore, constante da obra coletiva Le autorità indipendenti: Da fattori evolutivi ad elementi della transizione nel diritto pubblico italiano, Guifrè, Milano, 1999, p. 197 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 370. 57 Loc. cit. 37 hoje em dia poucos se mantêm apegados ao dogma da divisão dos poderes, e a nossa história constitucional nos dá um exemplo característico das modificações sofridas pela doutrina, desde a sua primeira formulação clássica até a Constituição Federal vigente, na qual a divisão dos poderes soberanos não tem mais o valor de um princípio essencialmente destinado à garantia das liberdades individuais, mas antes um valor pragmático de uma distribuição de funções, de uma simples aplicação da lei da divisão do trabalho no setor das atividades políticas.58 (grifo do autor) Ademais, deve-se analisar sobre que prisma histórico é estabelecido tal princípio, oriundo de determinada doutrina. Diz-se isso porque, é preciso ressaltar, a citada doutrina de Montesquieu foi elaborada para aplicação em um momento de intenso conflito entre os ideais liberais burgueses e o absolutismo monárquico, onde a definição rígida de Poderes estanques se fazia imprescindível, a fim de evitar que um ou poucos voltassem a determinar os caminhos a serem seguidos, bem como as obrigações a serem suportadas por toda a sociedade. As considerações de KARL LOEWENSTEIN a esse respeito são muito esclarecedoras: É necessário ter bem claro que o princípio da necessária separação das funções estatais segundo diversos elementos substanciais e sua distribuição entre diferentes detentores, não é nem essencial para o exercício do poder político, nem se apresenta como uma verdade evidente e válida para todo o tempo. O descobrimento ou invenção da teoria da separação de funções foi determinado pelo tempo e pelas circunstâncias como um protesto ideológico do liberalismo político contra o absolutismo monopolítico da monarquia nos séculos XVII e XVIII59. Este é o entendimento de REINHOLD ZIPPELIUS, quando afirma que “não existe uma separação de poderes, mas muitas, variáveis segundo cada direito positivo e momento histórico diante do qual nos colocamos”60. 58 REALE, Miguel. Teoria geral do direito e do estado, Ed. Saraiva, 5ª ed., 2000, p. 352. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de La constitución, Ariel, 1986, trad. Alfredo Gallego Anabitarte, pp. 55/56 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 372. 60 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado. Fundação Calouste Gulbenkin, 3ª ed., 1997, trad. Karin Praefke-Aires Coutinho, Coodenação de J.J. Gomes Canotilho, p. 416 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 371. 59 38 Sendo assim, urge afirmar que se retirarmos o caráter dogmático e sacramental impingido ao princípio da separação dos poderes, ele poderá, sem perder a vitalidade, ser colocado em seus devidos termos, que o configuram como mera divisão de trabalho e um empecilho à, geralmente perigosa, concentração das funções estatais61. Outrossim, não se pode crer que, em razão do princípio da separação dos poderes, “cada um dos respectivos órgãos exercerá necessariamente apenas uma das três funções tradicionalmente consideradas – legislativa, executiva e judicial. E mais, dele também não se pode inferir que todas as funções do Estado devam sempre se subsumir a uma destas espécies classificatórias”62. Diante de inteligíveis considerações, não há que se conclamar argumentos contrários, uma vez que os acima elencados demonstram a admissibilidade no arcabouço jurídico nacional do exercício de poder normativo por Agências Reguladoras sem que, com isso, configure-se usurpação de função legiferante, privativa do Poder Legislativo. Neste sentido entende KLAUS STERN: Na atualidade o sistema de divisão e limitação dos poderes se desenvolveu a partir de vários pontos de vista, não apenas na conhecida e tradicional trindade da divisão horizontal de acordo com as funções mais importantes: legislativo, executivo e judicial. Mas também entram em jogo a configuração de unidades de decisão e órgãos coletivos, a autonomização de instituições específicas não submetidas a instruções, e a constituição ainda de instâncias de controle tampouco submetidas a instruções, à margem da divisão tripartite “clássica”63. (grifo do autor) Sendo assim, deduz-se racionalmente que o princípio da separação dos poderes vem sendo gradualmente relativizado diante da ordem social modernamente estabelecida, onde a sociedade exige atuação mais eficientes da administração pública sobre seus anseios, o que torna necessária a disseminação das funções estatais, nelas incluída a normativa, a vários órgãos e entidades especiais e técnicos, dotados de independência funcional no exercício de suas funções, haja vista que, do contrário, estarão fadadas à falência por asfixia, dada a crescente e complexa demanda que é ao Estado submetida. 61 Loc. cit. Ibid. p. 372. 63 STERN, Klaus. Derecho del estado de la república federal alemana, Centro de Estudios Constitucionales, 1987, trad. Javier Pérez Royo e Pedro Cruz Villalón, p. 236 apud Loc. cit., p. 374. 62 39 Ratificando o entendimento supra, tem-se, na doutrina brasileira, a obra pioneira de BILAC PINTO64, o qual assevera que “o fato da outorga, pelo Estado moderno, de funções normativas e jurisdicionais a outros órgãos além dos que as monopolizaram até o fim do século passado (Poder Legislativo e Poder Judiciário), constitui fenômeno universal, cujas proporções se avolumam cada vez mais”. Assim, segundo ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO65, acredita-se ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da idéia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e a autonomia das competências conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão de funções estabelecidas pelas constituições contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão ou entidade pública. Complementando o sentido do conceito exposto, apossa-se novamente das palavras, agora de outra obra, deste jurista: Em outras palavras, não serão as acumulações de poderes sempre constitucionais, mas, certamente o serão, se privilegiarem os valores do Estado de Direito. Diogo de Figueiredo Moreira Neto chega a afirmar que as agências reguladoras “representam um instrumento de proteção dos direitos fundamentais, constituindo-se em avanços concretos no sentido da realização da democracia substantiva, como aquela que preserva a condição pluralista da sociedade e também do Estado66. Ademais, ainda segundo ALEXANDRE DE SANTOS ARAGÃO, colaciona-se os seguintes colóquios: Podemos afirmar que as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o Estado de Direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública central, alcançam, com melhor aproveitamento, o escopo maior – não meramente formal – da separação de poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a segurança jurídica, a proteção a coletividade e dos indivíduos empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos, mantendo-se 64 PINTO, Bilac. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública.. Ed. Revista Forense, 1941, p. 107 apud Ibid., p. 375. 65 Loc. cit. 66 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Algumas notas sobre órgãos constitucionalmente autônomos – Um estudo de caso sobre os tribunais de contas no Brasil”, RDA, pp. 223/05-06 apud Ibid. p. 375. 40 sempre a possibilidade de interferência do Legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou mesmo para extingui-la67. Destarte, envidados todos os exitosos esforços para apresentar suficientes argumentos a fim de confirmar a compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o princípio da separação dos poderes, é imperioso aproveitar o ensejo para apresentar o entendimento de AUGUSTÍN GORDILLO, que, entre outras palavras, destaca que a necessidade de entidade reguladora ser apartada do poder concedente do serviço regulado, considera-a mesmo uma imposição “do mesmo princípio atualizado, da divisão dos poderes e do sistema de freios e contra-pesos acolhidos pela Constituição68. Neste sentido é o entendimento do jurista americano PETER STRAUSS69, quando afirma que “o princípio da separação dos poderes deve ser hoje integrado por considerações ligadas às garantias individuais, mediante a imposição de requisitos de objetividade e imparcialidade, e por preocupações inerentes ao “sistema de freios e contrapesos”. E complementa asseverando que “antes de contrariar a Separação dos Poderes, a vitalidade e legitimidade das agências reguladoras advém exatamente do equilíbrio entre os influxos – checks and balances – sobre elas exercido pelos três tradicionais poderes do Estado”. Por fim, encerramento o item, cumpre trazer à luz as considerações, espancando quaisquer perplexidades, do clássico JEAN DABIN70, que sustenta que “para o bem ou para o mal, nos parece que o argumento da especialização, que constitui uma das razões do princípio dito da separação dos poderes, milita, na espécie, contra a separação. 3.5 Da compatibilidade com o Princípio da Legalidade Confirmada quanto princípio da separação dos poderes, chega-se, enfim, ao tema de maior relevância do presente estudo, qual seja a análise da compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o princípio da legalidade. 67 Ibid. pp. 375/376. GORDILHO, Augustín. Tratado de derecho administrativo, Tomo I, 3ª Ed., Ed. Macchi, p. xv apud Ibid. p. 376. 69 STRAUSS, Peter. In: Conferência proferida no seminário internacional de direito, realizado na Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo, outubro/2000 – em mimeo gentilmente cedido pelo autor. apud Ibid. p. 377. 70 DABIN, Jean. Doctrine Génerale de l’État, Bruylant e Sirey, Bruxelas e Paris, 1939, pp. 284/5 apud ARAGÃO, Ibid. p. 378. 68 41 O estudo deste tema possui relevo para se aferir se o poder normativo das agências reguladoras pode ser considerado como parte legítima e integrante das fontes legais do direito brasileiro, sem que, com isso, afronte-se o princípio da legalidade. Tal questão se apresenta em razão da sustentação parte da doutrina administrativa, no sentido de que os atos normativos expedidos pelas Agências Reguladoras ofendem o cultuado princípio da legalidade, que, insculpido no art. 5°, II da Constituição da República Federativa do Brasil, informa que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se de questão inflamavelmente discutida nos simpósios de Direito do Estado, notadamente no que tange à regulação da economia, haja vista o interesse dos detentores do poder econômico, como outrora já observou CAIO TÁCITO71: É sobretudo no Direito Econômico, área crescente de intervencionismo estatal, que se multiplica a atividade regulamentar exercida pelas agências administrativa incumbidas do controle do Estado sobre a economia. Impõese assegurar aos organismos administrativos uma agilidade de adaptação às exigências mutáveis dos fenômenos financeiros e econômicos que leva necessariamente à ampliação do poder de editar normas. Assim, espancando as dúvidas e controvérsias advindas desta questão, discorrer-se-ão abaixo os devidos argumentos, com o fim de dirimi-las, de modo a verificar se há ou não compatibilidade entre o poder normativo conferido às agências reguladoras e o tão conclamado princípio da legalidade. 3.5.1 O caráter não absoluto do princípio da legalidade Sustenta considerável parte da doutrina, filiada à visão demasiadamente legalista do direito, que a lei formal é o único instrumento pelo qual o Estado pode limitar a liberdade do particular, em razão do princípio da legalidade insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ou seja, entendem tais juristas que a Constituição, com fulcro em art. 5°, II, condiciona a privação do particular para o desempenho de determinada ação ou atividade à existência de lei emanada pelo Poder Legislativo, com observância dos procedimentos estabelecidos pela própria CRFB/88 em seus arts. 59 e seguintes. 42 Baseiam-se tais doutrinadores na retrógada teoria mítica de que a lei é a expressão maior da “vontade popular”, de modo que somente pode emanar das casas legislativas, as quais, segundo os mesmos, representam o povo na condução do interesse público. Todavia, permissa maxima venia, e com o devido respeito a esta posição, deve-se dela discordar, em razão da feição que o princípio da legalidade vem tomando nos tempos atuais, onde o Estado é Regulador, evoluído do Estado Social, e não mais Estado Liberal, como o era no século XVIII quando se pensou e inseriu nas cartas políticas o princípio em xeque. Neste comenos, acompanhando a evolução social, o princípio da legalidade se imbui de renovado objetivo, não tão direcionado à proteção da sociedade frente ao Poder do Estado, e mais voltada à efetivação do direito subjetivo que possui o particular de ter determinada situação ou relação jurídica devidamente normatizada pelo Estado para que seja possível o gozo de seus direitos, em especial os fundamentais, com vistas à consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Com este fim, visando fundamentar, minudenciando, este novo aspecto do clássico princípio, elencam-se posições doutrinárias diversas, porém convergentes, a fim de demonstrar a efetiva realidade do alegado. É sabido que o princípio da legalidade decorre da visão liberal do século XVIII, conforme abordado acima, do princípio da separação dos poderes, na qual o objetivo perseguido era a proteção do particular, mais precisamente, à época, da burguesia, ante o absolutismo do Estado, de modo que se estabeleceu “um mecanismo pelo qual toda medida jurídica deveria ser mera decorrência, simples subsunção ou execução, de normas jurídicas adredemente estabelecidas por seus representantes de maneira genérica, abstrata e exaustiva”72. Dessa forma, reforçando a imprescindibilidade quanto à necessária observância deste princípio, buscou-se legitimar a lei, invocando-se, para tanto, a “vontade popular”. Entretanto, ALEXANDRE ARAGÃO afirma que “a vontade popular, até hoje invocada para fundamentar a defesa da subordinação absoluta do administrador e do juiz à lei deve, no entanto, ser relativizada”73. (grifo nosso) Esta afirmativa se deve ao fato de que detém alvo conteúdo retórico o discurso sustentado na tentativa de erigir a “vontade popular”, pelo caráter mítico e dogmático que 71 TÁCITO, Caio. “Comissão de Valores Imobiliários. Poder Regulamentar. Constante do Temas de Direito Público, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, Tomo 2, p. 1.084 apud Ibid. pp. 396/397. 72 Ibid. p. 397. 73 Loc. cit.. 43 possui, como verdadeira legitimadora da norma jurídica, asseverando que esta somente pode ser produzida sob o formato de lei. A incorreção deste preceito repousa no fato de que, historicamente, já se pretendeu fundar tal legitimação, primeiro, na “vontade de Deus”, depois, com a reforma protestante, na “vontade do Rei”, e, em seguida, a partir da revolução liberal, na “vontade popular”, sempre com o objetivo de imputar à sociedade determinados mandamentos capazes de, legalmente, privilegiar seus destinatários economicamente poderosos (seja, de acordo com o momento histórico, o clero, a nobreza ou a burguesia) e diretamente interessados na condução da máquina pública, os quais pressionavam, assim como ainda pressionam, os agentes políticos para obterem vantagem com a promulgação de determinadas leis. Cumpre salientar que, desde a revolução liberal até poucos anos atrás, as eleições eram censitárias, quando os eleitores legitimados para proferir seu voto e, assim, eleger os “representantes do povo” se resumiam àqueles que possuem vultosa renda74. Neste sentido discorre sobre o tema ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, ao marcar a evolução histórica dos fundamentos de legitimação das leis: O que havia de comum entre todos estes grupamentos humanos era a fé cristã. Desta forma, o ordenamento jurídico global impôs-se fundado na vontade de Deus, manifestada através dos clérigos ou do Rei. Mais tarde, em virtude da Reforma Protestante, que quebrou o consenso religioso até então existente, a vontade do Rei passou a legitimar-se por si própria. Com a Revolução Francesa, apenas houve uma mudança no ícone legitimador da lei, que passou a fundamentar-se na, não menos crítica, “vontade popular”. Também o voto dos representantes não era (e não é) necessariamente motivado apenas pelo interesse público, deixando-se influenciar muitas vezes por grupos sociais específicos, na maioria das vezes dotados de grande poder econômico.75 Dessa forma, verifica-se que a lei não possui como seu único e salutar propósito expressar a “vontade do povo”, ou mesmo de qualquer outro fundamento filosófico que se possa invocar, mas sim repousa num objetivo prático, de conferir segurança jurídica às relações, de modo que o particular possa ter antecipado conhecimento acerca da permissão ou vedação da conduta que pretende praticar. 74 75 Ibid. cap. 2.4. Ibid. p. 398. 44 Nesta senda, a fim de corroborar tal entendimento, recorre-se uma vez mais às reminiscências de ALEXANDRE ARAGÃO76, in verbis: A verdadeira essência da lei não reside nos variados fundamentos oriundos de especulações filosóficas ou teleológicas que encontraram eco na psique humana ao longo da história. Decorre, ao revés, da necessidade prática de segurança jurídica, de sabermos, com algum grau de pré-determinação, o que podemos e o que não podemos fazer e, em caso de inobservância, que conseqüências poderemos sofrer. (...) Pode-se concluir claramente que a estrutura-lei constitui uma tentativa de localização, de fixação, de imobilização das forças esparsas e fugidias, captadas pelos textos destinadas, por consolidação, a tornar-se um programa, uma disciplina da atividade social, independentemente de ter como fundamento Deus, a consciência ou os fatos. (grifo do autor) Outrossim, retirado o elemento mítico e dogmático do princípio da legalidade, como se fez, acima, com o princípio da separação dos poderes, parte-se, então, para discussão acerca da imprescindibilidade da lei em sentido formal para atendimento ao disposto no art. 5°, II, da CRFB/88, e, por conseguinte, ao princípio da legalidade. Para tanto, busca-se nas palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO77, os pontos cruciais a serem abordadas para o esclarecimento do assunto: A determinação do âmbito do poder normativo das agências reguladoras pressupõe definição do que se entende por Estado de Direito, separação de poderes, princípio da legalidade e discricionariedade. À complexidade destas matérias agrega-se a insistência com que parte da doutrina brasileira mantém a respeito delas uma concepção ainda apegada às suas origens mais remotas, totalmente diversas da realidade do Estado contemporâneo. (grifou-se) No mesmo sentido são as considerações de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, quando sustenta que: Uma das questões de maior atualidade no campo das normas constitucionais protetoras dos direitos humanos tem a ver com a denominada eficácia externa, ou seja, a operância erga omnes de seus efeitos ou de sua extensividade às relações que se multiplicam a toda hora na órbita privada entre os membros da sociedade civil. 76 77 Ibid. pp. 399 e 400. Ibid. p. 397. 45 É tema revestido de gigantismo teórico, cuja compreensão pressupõe uma clara visão acerca da evolução e da atual configuração do princípio constitucional da legalidade. Pressupõe, também, um seguro entendimento a propósito da superação das metas e premissas originais do liberalismo organicista e da insurgência do constitucionalismo social e econômico. Essa compreensão exige, além disso, a percepção da contemporânea simbiose entre categorias dicotomizadas pela ótica liberal burguesa, a exemplo de Estado-sociedade civil, norma jurídicarealidade social, interesse individual-interesse coletivo, direito público e direito privado, e outras do gênero que estreitam os horizontes da ciência social do Direito e subestimam sua inserção virtuosa no processo dialético da democracia78. (grifou-se) Extrai-se, portanto, que os conceitos invocados para impugnar o poder normativo das Agências Reguladoras são ultrapassados, pois ainda apegados ao ideal liberal burguês, idealizado e implantado no século XVIII, em um momento político-social completamente diverso do que se tem hoje. Dessa forma, se antes a lei era tida como a principal proteção do particular ante o absolutismo do Estado, na sociedade contemporânea essa premissa deixa de ser absoluta, na medida em que os direitos fundamentais do cidadão já estão cristalizados no texto constitucional, servindo, portanto, de base para a proteção do particular, de modo que a lei, em que pese ser imprescindível para a manutenção do Estado Democrático de Direito, passa a ter função mais pragmática, de ordenação social, disciplinamento e estabilização das relações. Com efeito, diante dessa nova perspectiva, não há que se olvidar da legitimidade de outro ente ou entidade que não seja o Poder Legislativo emanar regras e normas jurídicas, que visem à regulação da sociedade, desde que a Constituição ou o próprio Poder Legislativo atribuam tal competência. Neste sentido assevera a doutrina constitucional brasileira acerca do princípio da legalidade, conforme se demonstra no entendimento de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO: Convém ressaltar que, com a menção ao vocábulo lei, há de entender-se, já agora, não mais necessariamente a lei formal, dita ordinária, elaborada pelas Casas Legislativas dotadas de representação popular, por isso que, como sói acontecer hodiernamente, a outras modalidades de atos normativos, sejam equiparados à lei formal, sejam a ela inferiores, mas editados com base nela, já se confere aptidão para regrar o exercício das autonomias individuais, desde que respeitado, como 78 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade (ano 2006). In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Direito constitucional e regulatório: ensaios e pareceres. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 803. 46 antes se anotou, o núcleo fundamental das liberdade primárias tuteladas na Constituição. Essa afirmação simplificada é feita em obséquio à fidelidade dos temas diretamente objetivados na exposição, sem, contudo, prescindir de ressalvar a tormentosa controvérsia doutrinária sobre se o princípio constitucional da legalidade (ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.), como constante de numerosos diplomas constitucionais, faz importar num direito público subjetivo à lei formal, seja de maneira genérica ou específica (isto é, para determinados assunto incluídos e insubtraíveis da reserva da lei ordinária pelo estatuto constituinte), como única fonte idônea de constrição da liberdade, ou se, ao revés, tal princípio resulta suficientemente satisfeito mediante o disciplinamento da liberdade por ato normativo de espécie hierárquica diversa da lei produzida com a participação dos colegiados propriamente legislativos79. (grifo nosso) Ante o exposto, faz-se premente esclarecer a posição adotada, para tornar claro que não se pretende com as explanações supra equiparar os atos normativos expedidos pelas Agências Reguladoras às leis formais, até porque, consoante o minudenciado alhures, tais institutos têm naturezas e conceitos distintos, possuindo, principalmente, posições inconfundíveis na escala hierárquica das normas, já que aqueles possuem natureza regulamentar, de modo que somente têm o condão de explicar, dar maior completude, traçar melhores parâmetros, dando densidade ao que se estabelece mediante leis formalmente elaboradas, não lhe sendo, em regra, sob pena de ser declarado inconstitucional, admissível contrariá-las ou, principalmente, substituí-las, quando o assunto a ser normatizado estiver contido em sua reversa legal absoluta, como é o caso dos crimes e dos tributos, por exemplo. Reforçando tal entendimento, traz-se as bem postas palavras de SIQUEIRA CASTRO80, o qual compreende que, in verbis: O princípio da legalidade, para mim, é um princípio fundamental do estado de direito. Trata-se de um princípio reforçado na matriz constitucional, uma vez que a Constituição enuncia no art. 5°, inciso II, portanto no capítulo dos direitos fundamentais, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim sendo, uma decisão ou deliberação de uma agência reguladora necessariamente deve ter uma reportação a um ato legislativo formal. Não é possível uma criatividade normativa absoluta. Não pode uma agência reguladora normatizar ab ovo, sob pena de ter contrastada a sua ação até mesmo perante os órgãos do Poder Judiciário. 79 Ibid. p. 825. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O regime jurídico e os princípios orientadores das agências reguladoras (ano 2002). In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Direito constitucional e regulatório: ensaios e pareceres. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 432. 80 47 Todavia, há de se ressaltar que, não obstante a distinção dos institutos lei e ato normativo hierarquicamente inferior, face às intensas e variadas demandas instadas hodiernamente à Administração Pública, não é possível ao Poder Legislativo, muito em razão da rigidez do procedimento legiferante, atender a todas elas, de modo que foi-se mitigando o princípio da legalidade, dando-se interpretação mais favorável ao atendimento dos anseios sociais, em consagração à dignidade da pessoa humana, pela concessão a outros órgãos e entidades de competência para editar normas técnicas específicas sobre determinados setores da sociedade, notadamente os afetos à economia. Neste ínterim as leis passaram a ser mais genéricas e abstratas, prevendo tão somente o essencial para que não se configure a abdicação normativa ou a delegação do poder legiferante a outro órgão ou entidade, deixando para o Poder Executivo, sempre no exercício do poder regulamentar, a tarefa de completar-lhe o sentido, dando densidade à norma, o que se convencionou chamar de discricionariedade do Administrador Público. Destarte, convém ressaltar que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 1°, CAPUT, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ou seja, um Estado DE Direito não é sinônimo de Estado Legal ou de Estado DO Direito, uma vez que, os dois últimos, estes sim sinônimos, “consistem apenas numa regra atributiva de sobrepujança do Poder Legislativo sobre os demais”, enquanto que “Estado DE DIREITO, ao revés, consubstancia-se numa ordem axiológica da sociedade”81. “Se o Estado DO Direito se caracteriza essencialmente por suas formas e suas estruturas jurídicas, é, no Estado DE Direito, a participação ideológica que prevalece sobre a arquitetônica jurídica e liga a esperança da liberdade à sua realização”82. Alinhada a esta concepção está a obra de SIQUEIRA CASTRO, quando introduz que: Para o contexto temático ora focalizado, é bastante registrar que, na origem, a idéia do Estado de Direito (Reichsstaat) coincidia com a idéia de Estado de Direito legislado, isto é, Estado de lei, ou de legalitariedade. Contudo, em que pesem as louváveis inspirações de cunho democrático em mantê-lo assim, em virtude do declínio parlamentar ocorrido neste século (sic), sobretudo após a 1ª grande guerra, é de reconhecer que, se não a letra expressa das constituições, mas certamente a mentalidade constitucionalista passou a autorizar, ou pelo menos a tolerar, a delegação e o exercício do 81 REDOR, Marie-Joëlle. Na obra, eloqüente pelo seu próprio título, De l’État legal à l’État de Droit, Ed. Econômica, 1992, p. 389 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 404. 82 GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios do direito político moderno, trad. Irene A. Paternot, Ed. Martins Fontes, 1999, p. 322 apud Loc. cit. 48 poder legiferante por órgãos e agentes, tanto públicos quanto privados, mas estranhos aos quadros das assembléias representativas da soberania popular83. Contudo, em que pese a plausibilidade dos argumentos postos por SIQUEIRA CASTRO, pede-se venia para parcialmente discordar do doutrinador, quando este afirma ser possível delegar a função legiferante a outros órgãos e agentes, públicos ou privados, que não as casas legislativas. A interpretação conforme a Constituição que se pretende dar ao princípio da legalidade é no sentido de não haver qualquer inconstitucionalidade na atribuição de competência normativa às agências reguladoras, que a exercerá com a estrita observância dos limites inerentes ao poder regulamentar, nunca legiferante, uma vez que este, como se verá, é indelegável, mas aquele não, pois conferido pelo por seu detentor regular, qual seja o próprio legislador, no exercício de sua competência constitucionalmente estabelecida. Destarte, considerando todas as considerações postas, pode-se concluir pela compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o princípio da legalidade, o qual, não obstante ser um importantíssimo instrumento de proteção, controle e limite de atuação da Administração Pública frente ao particular, deve ser avaliado sob o aspecto da realidade social hodiernamente vivenciada pela sociedade contemporânea, envolvida em incontáveis e diversas relações jurídico-humanas complexas, que, para efeito de segurança jurídica, requerem a normatização de suas condutas pelo Estado. Entretanto, ocorre que a rigidez e complexidade do procedimento legislativo estabelecido pela Constituição impede que o Poder Legislativo acompanhe a evolução e o surgimento de tantas relações e condutas humanas, de modo que se torna imprescindível atribuir determinadas matérias à competência de órgãos e entidade técnicos e autônomos, capazes de produzir normas jurídicas com a dinâmica necessária para regular as relações econômico-sociais. 3.5.2 Da deslegalização da competência normativa 83 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade (ano 2006). In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Direito constitucional e regulatório: ensaios e pareceres. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011, pp. 825/826. 49 Superadas as alegações quanto à compatibilidade do Poder Normativo das Agências Reguladoras com o Princípio da Legalidade, prestar-se-á este item a demonstrar de que maneira se dá tal compatibilização. Assim, os embasamentos deste tema se prestam mais diretamente à atenuar as discussões acerca da reserva de lei material, ou seja, aquela em que se entende que a substância, o conteúdo de determinado tema somente pode ser objetivo de normatização através de leis formais, emanadas das Casas Legislativas. Conforme o exaustivamente afirmado alhures, é sabido que as respectivas leis criadoras das Agências Reguladoras lhes conferiram, com maior ou menor amplitude, competência para expedir normas e regulamentos destinados a disciplinar seus respectivos mercados regulados, definidos nas próprias leis instituidoras. Esta atribuição normativa conferida às Agências Reguladoras se deu através do fenômeno conhecido como deslegalização ou deligificação, que consiste, nas palavras de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO84, “na retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de la loi) passando-as ao domínio do regulamento (domaine de l ordonnance”)”. Em outras palavras, há, no fenômeno da deslegalização, a degradação, o rebaixamento do grau hierárquico da competência para normatizar determinada matéria, uma vez que o próprio legislador transfere a uma outra sede normativa inferior a regulação de determinada matéria. Outrossim, oriunda desta questão, decorre outra, quanto à possibilidade de ato normativo editado por Agências Reguladoras revogar lei anterior que disponha sobre matérias postas sob sua competência. Sobre o tema dispõe EDUARDO GARCIA DE ENTERRÍA, quando conceitua a deslegalização ou delegificação como: a operação efetuada por uma lei que, sem entrar na regulação material do tema, até então regulado por um lei anterior , abre tal tema à disponibilidade do poder regulamentar da Administração. Mediante o princípio do contrarius actus, quando uma matéria está regulada por determinada lei se produz o que chamamos de congelamento de grau hierárquico normativo que regula a matéria, de modo que apenas por outra lei contrária poderá ser inovada dita regulação. Uma lei de deslegalização opera como contrarius actus da anterior lei de regulação material, porém, não para inovar diretamente esta regulação, mas para degradar formalmente o grau 84 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações de Direito Administrativo, Ed. Renovar, 2000, pág. 166 apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. pp. 419/420. 50 hierárquico da mesma de modo que, a partir de então, possa vir a ser regulada por simples regulamentos. Deste modo, simples regulamentos poderão inovar e, portanto, revogar leis formais anteriores, operação que, obviamente, não seria possível se não existisse previamente a lei degradadora. O mesmo autor complementa o sentido do conceito supra que afirma que a lei de deslegalização “não é uma lei de regulação material, não é uma norma diretamente aplicável, como norma agendi, não é uma lei cujo conteúdo deva simplesmente ser completado; é uma lei que limita seus efeitos a abrir aos regulamentos a possibilidade de entrar em uma matéria até então regulada por lei”85. Continua, ainda, para ressalvar “as matérias resguardadas por reserva absoluta de lei formal, como são, no Direito Brasileiro, os tributos (art. 150, I, CF), os crimes (art. 5°, XXXIX, CF), a criação de entidades da Administração Indireta (art. 37, XIX, CF), os casos de contratações temporárias (art. 37, IX, CF)”86. Ou seja, segundo estes posicionamentos, considerando que o legislador possui poder para revogar uma lei anteriormente editada para tratar de determinado assunto, pode, também, através de lei degradadora, rebaixar o grau hierárquico deste mesmo assunto, atribuindo-o à competência de entidade da Administração Pública, a partir de quando, no desempenho de seu poder regulamentar, poderá esta revogar a lei anterior que contrastar com suas disposições. Contudo, há respeitáveis posições contrárias a este entendimento, como, verbia gratia, a explanada por DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, quanto afirma que: Assim, autorizado a dispor sobre as matérias elencadas no art. 48 da Constituição, o Congresso Nacional, por óbvio, tanto pode optar por legislar sobre elas, como por manter a legislação existente, por deslegalizá-la, ou até, nos casos extremos, por não legislar. Por essa razão, norma reguladora deslegalizada, embora venha a ser produzida pelo órgão que se tornou legalmente competente, não adquire a natureza jurídica de norma legal, senão que dela se deriva, nos limites e com a validade que lhe for reconhecida pela norma legal deslegalizadora. Isso explica o fato de a norma reguladora não revogar a norma legal que incida sobre a mesma hipótese, pois, na verdade, como ela só se aplica sobre a matéria que venha a ser deslegalizada, será apenas a lei deslegalizadora (e não a norma deslegalizada) que poderá operar a revogação.87 85 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. Legislacion Delegada, Potestad Reglamentareia y Control Judicial, Civitas, Madrid, 3ª ed., 1998, pp. 220/1 apud Loc. cit. 86 Loc. cit. 87 MOREIRA NETO, Diogo Moreira de. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 171. 51 Por fim, consolidando o entendimento favorável à possibilidade da deslegalização ou degradação do grau hierárquico de determinada matéria, de modo a afastar qualquer argumento em contrário, traz-se à colação o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, quando “o MINISTRO RELATOR ILMAR GALVÃO, encampando as lições de J.J. Gomes Canotilho (“ajustam-se perfeitamente ao caso sob exame”), asseverou que”88: Os princípios da legalidade, do congelamento do grau hierárquico e da precedência da lei não impedem, salvo matérias reservadas à lei (tributos e crimes), que se adote uma “maior flexibilidade através da deslegalização ou degradação do grau hierárquico. Neste caso, uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por regulamentos.89 3.5.3 Da delegação da competência normativa Não obstante os esclarecedores argumentos apresentados quanto à deslegalização, é imperioso discursar, em decorrência, acerca do fenômeno da delegação normativa, o qual, diretamente vinculado àquela, tem servido de argumento para os juristas que pretendem desqualificá-la, como o faz, verbia gratia, VEZIO CRISAFULLI, quando sustenta com o intento de demonstrar que a deslegalização por via legislativa implicaria na “derrogação infraconstitucional de competências fixadas pelo Poder Constituinte”, “por considerarem que o fenômeno constitui delegação de poderes legislativos, o que somente poderia ser operado pela própria Constituição”90: o fenômeno consistiria, então, na desqualificação, disposta expressamente pela lei, de determinada norma, originariamente legislativa, a qual viria a ser atribuída estatura regulamentar: de maneira que, não seria o regulamento sucessivo que adquiriria (inadmissivelmente) força de lei, mas as normas delegificadas que viriam a ter força passiva de fontes regulamentares. A reconstrução gera, todavia, perplexidade, porque, desqualificando algumas de suas próprias disposições ou de outra lei, a lei estaria em substância, demitindo-se da força que por natureza lhe é própria, contrastando com as normas constitucionais que a disciplinam enquanto lei.91 88 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 425 Fonte: www.stf.gov.br apud Loc. cit. (grifos do autor). 90 Ibid. p. 420. 91 CRISAFULLI, Vezio. Lezione di diritto costituzionale, II, 1, CEDAM, 1993, PP. 154/5 apud Ibid. 421. 89 52 Em sentido contrário, são as palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO quando sustenta que “não há qualquer inconstitucionalidade na deslegalização, que não consistiria propriamente em uma transferência de poderes legislativos, mas apenas na adoção, pelo próprio legislador, de uma política legislativa pela qual transfere a uma outra sede normativa a regulação de determinada matéria”92. Com efeito, não há delegação legislativa quando o Poder Legislativo deslegaliza determinada matéria, degradando-a ao grau de regulaemento, uma vez que a competência a ser exercida pelo órgão ou entidade do Poder Executivo será regulamentar, como normalmente o é nos demais casos, de modo que simplesmente se prestará a dar densidade, maior completude ao que for estabelecido na lei deslegalizadora, a qual definirá os parâmetros dentro dos quais tal poder regulamentar se realizará. Neste sentido, GLAUCO MARTINS GUERRA93, ao indagar “se o regulamento tiver suficiente autonomia que o denote como uma regra jurídica no sentido de lei, o Executivo está exercitando delegação legislativa e, por conseqüência, correndo o risco de afrontar o princípio da legalidade?”, afirma que “não necessariamente, na visão daqueles que, como Eros Grau, assumem uma postura de vanguarda na interpretação do poder normativo em sentido amplo. A checagem da capacidade normativa exercida pelo Executivo não fere o princípio da separação dos poderes políticos, se aceita a premissa de que não há transmissão da função legislativa e, muito menos, de delegação legislativa”. Outrossim, entende-se que o conflito de posicionamentos se dá em virtude da confusão que muito se faz quanto ao real significado do Princípio da Legalidade, em contraposição ao Princípio da Reserva Legal. Tal confusão é dirimida por JOSÉ AFONSO DA SILVA94 nas palavras a seguir: A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. (...) Em verdade, o problema das relações entre os princípios da legalidade e da reserva de lei resolve-se com base no Direito Constitucional positivo, à vista do poder que a Constituição outorga ao Poder Legislativo. Quando essa outorga consiste no 92 Ibid. p. 423. GUERRA, Glauco Martins. Princípio da legalidade e poder normativo: dilemas da autonomia regulamentar, p. 113. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. (Coord.). O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 94 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed, Malheiros editores, São Paulo, 2000, p. 425. 93 53 poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relações, como vimos antes, tem-se o princípio da legalidade. Quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei, encontramo-nos diante do princípio da reserva legal. Esmiuçando ainda mais esta questão, LUÍS ROBERTO BARROSO prestou-se a detalhar a reserva legal, admitindo-se a distinção entre reserva absoluta e reserva relativa de lei, de um lado, e, de outro, entre reserva de lei formal ou material, in verbis: Fala-se de reserva legal absoluta quando se exige do legislador que esgote o tratamento da matéria no relato da norma, sem deixar espaço remanescente para a atuação discricionária dos agentes públicos que vão aplicá-la. Será relativa a reserva legal quando se admitir a atuação subjetiva do aplicador da norma ao dar-lhe concreção. De parte isso, também é possível distinguir a (a) reserva de lei formal da (b) reserva de lei material. Haverá reserva de lei formal quando determinada matéria só possa ser tratada por ato emanado do Poder Legislativo, mediante adoção do procedimento analítico ditado pela própria Constituição, que normalmente incluirá iniciativa, discussão e votação, sanção-veto, promulgação e publicação. A Constituição contempla, de outra parte, atos normativos que, embora não emanados diretamente do Legislativo, têm força de lei. Dizem-se, assim, atos materialmente legislativos, gênero onde se situam espécies normativas como as medidas provisórias e as leis delegadas.95 Diante de tão esclarecedoras lições, constata-se que ao Poder Legislativo compete legislar sobre distintos tipos de matéria, sendo uma ampla e geral e outra específica. Dessa forma, entende-se que, quando estiver agindo no exercício do poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relações, nada obsta que se promova a degradação hierárquica da norma, ou seja, a deslegalização, pois não se estará promovendo qualquer delegação legiferante ou legislativa, conforme os argumentos já expostos acima. Em contrapartida, quando se tratar de matéria reservada exclusivamente à lei, como é o caso dos tributos e dos crimes, não se poderá cogitar de deslegalização ou rebaixamento de grau hierárquico. Assim, no intento de conferir legitimidade doutrinária à posição firmada acima, cumpre trazer à luz passagem da obra de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, contextualizada em sua explanação acerca do modelo norte-americano de Agências Reguladoras, denominadas, naquele país, de comissões reguladoras independentes 95 BARROSO, Luís Roberto. Constitucionalidade, ordem econômica e agências reguladoras. Introdução do livro Direito regulatório, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 57/58. 54 (independent regulatory commissions), a fim de demarcar as necessárias distinções entre delegação normativa e abdicação normativa: Permito-me citar aqui uma passagem de um livro que escrevi alguns anos atrás, no qual procurei demonstrar que a Suprema Corte daquele país estabeleceu, nos anos 1930 uma distinção que é fundamental e que preserva grande atualidade para a análise dos problemas hoje vividos pelas agências reguladoras no Brasil. Trata-se da distinção entre delegação normativa e abdicação normativa. Isso significa dizer que se o Congresso Nacional, ao criar uma agência governamental com poderes reguladores, conferir uma espécie de cheque em branco à nova entidade para disciplinar como bem entender o setor ou as atividades sujeitas à competência reguladora da agência, tal importará em abdicação legislativa inconsentânea com o princípio da separação dos poderes e da supremacia do Congresso em matéria legislativa. Tudo porque a agência, nessa perspectiva, deixará de ser um instrumento executor de políticas públicas, transformando-se indevidamente num legislador ordinário e sem limitações que devem ser ditadas pelo Congresso Nacional. Eis o referido trecho: Já se viu, de acordo com a universalização do sistema de governo contemporâneo, em prol das delegações de competências orgânicas, que as formas constitucionais que as vedam, em linguagem ortodoxa, prestando anacrônica reverência ao princípio da indelegabilidade normativa, acabam condenadas ao desuso e ao descrédito. O que é vedado ou deve ser vedado enfim, no sistema de separação funcional de soberania, qualquer que seja seu grau de flexibilidade, é a abdicação legislativa, ou seja, a delegação do poder de legislar que importe em renúncia do âmago intransferível da competência política. Há que se distinguir, pois, entre abdicação legislativa e delegação legislativa. Se o congresso efetuou a delegação como meio de implementar determinada política legislativa ou se a faz a pretexto de evadir-se da responsabilidade pela decisão que lhe incumbia tomar, eis a questão96. Diante dos argumentos supracitados, espera-se ter consolidado entendimento favorável à constitucionalidade da deslegalização ou degradação do grau hierárquico da norma, a qual não se confunde, conforme o demonstrado, com delegação legislativa, porque esta sim, por certo, revelar-se-ia inconstitucional, visto que não poderia o Poder Legislativo delegar este função típica do Estado, do qual não é possuidor (já que tal poder é do povo), mas tão somente executor. Conclui-se, portanto, que o instituto da deslegalização se presta a atribuir competência normativa, com natureza regulamentar, hierarquicamente inferior às leis e regulamentos de primeiro grau, às entidades da administração pública direta dotadas de prerrogativas especiais de autonomia normativa denominadas Agências Reguladoras. 96 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O regime jurídico e os princípios orientadores das agências reguladoras (ano 2002). In: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Direito constitucional e regulatório: ensaios e pareceres. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 426. 55 3.6 Dos limites baseados na definição de parâmetros (Standards) Definidas as características e apresentados os conceitos que legitimam a atribuição de competência normativa às Agências Reguladoras, convém, contudo, ressaltar que o exercício de tal prerrogativa deve ser realizado com a devida observância a certos limites, imprescindivelmente constantes de suas respectivas leis deslegalizadoras, a fim de que, como se viu acima, não se configure o fenômeno da abdicação normativa, inconsentâneo com o Estado Democrático de Direito. Melhor explicando este instituto, socorre-se das palavras de GLAUCO MARTINS GUERRA, ex vi: A precedência da lei, como princípio tratado por Canotilho, traduz a exigência de uma “lei habilitante” que justifique uma atividade administrativa regulamentar. Esse é um item específico do princípio maior da reserva de lei, que vem a ser a regulamentação primária e essencial de determinadas matérias desde logo protegidas à competência originária de produção normativa, isto é, à atividade parlamentar. Para Canotilho, não se emite regulamento sem lei prévia que o autorize e lhe confira limites. Do contrário, ainda que a posteriori haja lei legitimando um regulamento já existente, estará ele cravado de inconstitucionalidade97. Isso se dá porque, nas palavras de EGON BOCKMAN MOREIRA, competência normativa “é uma realidade normativa atribuída pela lei – a qual, ao mesmo tempo em que outorga a capacidade da prática de determinados atos à Administração, estabelece lindes estreitos à sua própria compreensão e exercício”98. O mencionado jurista traz ainda, em sua obra, a escorreita definição empregada por Afonso Rodrigues Queiró, para quem competência é o “complexo de poderes-deveres jurídicos públicos que uma norma de direito administrativo confere ao Estado ou a um ente público menor e a distribui pelos seus vários órgãos”99. Logo, em que pese toda a atenção dispensada ao debate teórico acerca de sua constitucionalidade, consoante o esposado nos capítulos acima, este é o ponto que detém 97 GUERRA, Glauco Martins. Op. cit. p. 103. MOREIRA, Egon Bochman. Os limites à competência normativa das agências reguladoras. p. 186. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. (Coord.). O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 99 Loc. cit. 98 56 maior aplicabilidade prática na seara do poder normativo das agências reguladoras, uma vez que nem sempre são respeitados os limites a ele impostos. Sendo assim, compreende-se que, tendo natureza jurídica de ato administrativo, deve o poder normativo das Agências Reguladoras, exercido através do poder regulamentar, observar os limites impostos a todos os atos da administração, como, verbia gratia, a proibição de contrariar a lei; a vedação de tratar de matéria reservada privativamente à lei em sentido formal, aplicando-se-lhe o princípio da tipicidade penal (nullum crimen, nulla poena, sine praevia lege), tributária e da seguridade ao Direito Administrativo; a vedação à retroação prejudicial, ou seja, não pode ter efeito retroativo, a não ser quando vise beneficiar pessoas privadas; deve ser devidamente fundamentado, em observância ao princípio da motivação dos atos públicos prevista na Constituição; etc.100 Outrossim, há, ainda, um limite especial a ser observado pelas Agências Reguladoras quando de sua atuação normativa, qual seja a vedação à edição de normas que inovem absolutamente no mundo jurídico, criando deveres e obrigações inéditos aos particulares, sem que esteja devidamente amparada por ato legislativo prévio, que, ao menos, tenha-lhe estabelecido os parâmetros (Standards) a serem observados para a disciplina de determinada questão. Estes Standards (denominação emprestada do direito norte-americano), em que pese não existirem somente nas leis criadoras das Agências Reguladoras, perfazem-se como sua principal característica, visto que tais leis, ao atribuírem poder normativo às entidades especiais reguladoras, o fizeram com baixa densidade normativa, na medida em que se limitaram a estabelecer finalidades e parâmetros genéricos (Standards), de modo a propiciar ampla autonomia normativa quanto às matérias ali elencadas, conferindo agilidade e dinâmica à disciplina regulatória dos setores econômicos neste contexto inseridos. Assim, “as leis instituidoras das agências reguladoras integram, destarte, a categoria das leis-quadros (lois-cadre) ou standartizadas, próprias das matérias de particular complexidade técnica e dos setores suscetíveis a constantes mudanças econômicas e tecnológicas”101. 100 Ibid. pp. 188/190. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 408. 101 57 Com o intuito de melhor esclarecer o conceito de standards, traz-se à colação as palavras de ALEXANDRE DE MORAES102, ex vi: O legislador deverá, nos moles norte-americanos, estabelecer os parâmetros básicos, na forma de conceitos genéricos – Standards -, cabendo às agências reguladoras a atribuição de regulamentação específica, pois passarão a exercer, de maneira exclusiva, uma atividade gerencial e fiscalizatória que, tradicionalmente, no Brasil sempre correspondeu à administração direta, enquanto cedente dos serviços públicos por meio de permissão ou concessão. (...) Será, portanto, absolutamente vedado às agências atuarem em desrespeito às normas legais definidoras de suas funções, pois não receberam do Executivo e do Congresso um “cheque em branco”. As agências reguladoras não poderão, ainda, no exercício de seu poder normativo inovar primariamente a ordem jurídica – ou seja, regulamentar matéria para a qual inexistia um prévio conceito genérico em sua lei instituidora (Standards); nem tampouco poderão criar ou aplicar sanções não previstas em lei. Sendo assim, fica ínsito afirmar que, embora o largo e amplo campo de atuação com o qual se deparam as Agências Reguladoras quando pretendem editar normas técnicas afetas a seu mercado de atuação, devem se pautar pelos parâmetros, pelo standards definidos em suas respectivas leis criadoras, sob pena de sofrerem com o controle do Poder Judiciário a estão submetidas. 3.7 Do controle Na esteira do que sustenta GÉRARD TIMSIT103, em colóquio realizado na Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne, “o problema, em um Estado que desejamos que se mantenha como um Estado de Direito, não é o de absorver ou excluir, de alinhar ou de refutar estas novas instâncias ou instituições. O problema é antes inventar novas formas e técnicas de controle sobre os novos tipos de autoridades.” Logo, em que pese se tratarem de entidades dotadas de autonomia reforçada, a fim de que fiquem imunes às ingerências políticas advindas dos três poderes centrais estatais, as Agências Reguladoras, por integrarem um Estado de Direito, balizado no Princípio Republicado, devem ser submetidas a controles diversos. 102 MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. Jornal da Tarde, edição de 5 de abril de 2003, p. A2 apud BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Solução de Controvérsias pelas Agências Reguladoras. – Rio de Janeiro: Lúmen Juiris, 2009, pp. 59 e 60. 58 Neste sentido assevera CARLOS ARI SUNDFELD, ex vi: Mas por acaso a independência da agência significa sua imunidade a qualquer controle, o que por certo traria o perigo de quebra do Estado de Direito e da Democracia? É claro que não. A agência reguladora é necessariamente submetida aos controles parlamentares e judicial. Como sabem todos os que estudam o Direito Administrativo, o aspecto mais importante da relação do Poder Judiciário com a Administração Pública é do controle judicial sobre todos os fatos administrativos. A Administração Pública, aí incluídas as agências, tem de produzir e aplicar Direito na forma do Direito; e o Poder Judiciário vai confrontá-lo104. Com efeito, assim como foi informado quanto aos limites a serem observados pelo poder normativo das Agências Reguladoras, estão os controles aos que se submetem, quais sejam todos os que incidem sobre os demais atos administrativos normativos da Administração Pública, guardadas as peculiaridades que lhes são próprios. Por isso afirma LUIZ RICARDO TRINDADE BACELLAR que “a autonomia do regulador se refere apenas à ausência de controle na linha de comando vertical (hierárquico) interno à Administração Pública. De há muito a doutrina diferenciou controle de tutela, não se justificando a ausência de controle sob tal fundamentação”105. O mesmo autor, em sua obra, reforçando tal entendimento, colaciona as palavras de ALEXANDRE DE MORAES da seguinte forma: Apesar de sua independência, as agências reguladoras devem, em um Estado Democrático de Direito, sofre controle dos poderes constituídos, em face da necessária manutenção do sistema de freios e contrapesos caracterizador da idéia da separação dos Poderes e da manutenção da centralização governamental. Eventuais abusos praticados pelas agências poderão ser controlados pelos poderes constituídos do Estado conforme a necessidade de manutenção do binômio centralização governamental e descentralização administrativa, tal qual ocorre com o modelo americano, onde ampliou-se o controle judicial sobre os atos da agência, permitindo-se o controle judicial sobre os atos das agências quando da análises formal dos procedimentos das agências quanto à análise da razoabilidade das decisões diante dos fatos da lei.106 103 TIMSIT, Gérard. Les autorités administratives indépendantes, coord. Claude-Albert Colliard e Gérard Timsit, PUF, 1998, pp. 311 e segs. apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 378. 104 SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços píblicos e regulação estatal: introdução às agências reguladoras. In, Direito administrativo econômico, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 25-26 apud BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Op. cit. pp. 164-165. 105 BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Op. cit. p. 165. 106 MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras. Jornal da tarde, edição de 05 de abril de 2003, p. A2 apud apud Loc. cit. 59 Acerca desta questão é importante ressaltar que, não obstante estarem expostos a controles diversos, em razão da discricionariedade que lhes são inerentes, não podem os demais poderes controlarem o mérito administrativo, exercido adequadamente, em observância aos princípios e regras do direito administrativo, com exclusividade pelo administrador público. 3.7.1 Controle Judiciário Todavia, conforme o afirmado nas citações acima, o mais latente e aceito desses controles é o judicial, em função do princípio da inafastabilidade de apreciação do Poder Judiciário, inserto no art. 5°, XXXV da CRFB/88, cuja previsão denota que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Quanto ao controle judicial, cabe expor as palavras de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, quando afirma: O controle jurisdicional é um princípio estruturante do Estado de Direito. A possibilidade de controle jurisdicional, como hoje se conhece, como influência da Constituição Americana, sobretudo de Marshall, do judicial review, aparece na Constituição de República de 1891, e sobreviveu até agora. A possibilidade de controle judicial é a mola propulsora do Estado de Direito.107 Outro fundamento embasador desta premissa repousa na vedação, pelo regime constitucional vigente, do contencioso administrativo, de modo que a jurisdição brasileira é una, exercida exclusivamente pelo Poder Judiciário, encarregado finalisticamente da resolução de todas as controvérsias oriundas na sociedade, inclusive no que toca aos interesses do Estado. Acerca deste controle, cumpre enfatizar que, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF (ADI 2792 AdR/MG, Min. Carlos Veloso, DJ 12.03.2004), os regulamentos emitidos pelas entidades autônomas reguladoras não ficam, em regra, sujeitos ao controle concentrado de constitucionalidade, na medida em que: 107 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O controle jurisdicional da administração pública. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Cento de Atualização Jurídica, v. I, nº 2, maio de 2001. Disponível em HTTP://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 11 de maio de 2003 apud BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Op. cit. p. 166. 60 “Ato regulamentar não está sujeito ao controle de constitucionalidade, dado que se vai ele além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade e não inconstitucionalidade. Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar, é que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle de constitucionalidade”108. Diz “em regra” porque, os regulamentos cujo conteúdo exceda de à simples execução de preceitos legais, prevendo regra capaz de restringir a liberdade do particular, impondo-lhe direitos e obrigações e não estando previamente subsumido em lei formal, será objeto de controle de constitucionalidade concentrado, a ser julgado pelo próprio STF, conforme o ressalvado na mencionada decisão. 3.7.2 Controle Legislativo Outrossim, em franca consagração ao sistema de pesos e contrapesos inerente ao princípio republicano, já mencionado e dissecado noutro lugar, há, além do referido controle exercido pelo Poder Judiciário, possibilidade de controle realizado pelo Poder Legislativo. Este se dá na medida em que, ao deslegalizar determinada matéria, degradando-a ao grau regulamentar, o Legislativo não delega, como efetivamente não poderia, sua competência constitucional legiferante acerca da mesma, de modo que, verificando exorbitância no exercício do poder regulamentar pelas Agências Reguladoras, ou seja, violação aos Standards contidas na lei que exarou, este ente tem o poder-dever de sustar os atos eivados de vícios, sejam formais ou materiais, com fulcro no que dispõe o art. 49, V da CRFB/88. Reforçando a presente afirmação, emprestam-se as palavras de CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CARSTRO, in verbis: Aqui há um ponto que me parece de fundamental importância. O art. 49, inciso V, da Constituição estabelece que o Congresso Nacional tem competência privativa para “sustar atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”. Como tem o poder normativo primário por força de delegação haurida diretamente do Poder Constituinte originário, o Congresso, como também as assembléias legislativas dos Estados, com base em normas de semelhante teor de nível constitucional estadual, pode sustar esses atos maculados de exorbitância normativa. Essa norma, a um primeiro exame, é dirigida aos regulamentos do Presidente da República, ou seja, decretos regulamentares. Mas, eu 108 MOREIRA, Egon Bochman. Op. cit.. p. 191. 61 pergunto, pode o Congresso Nacional ou uma assembléia legislativa estadual sustar atos normativos, deliberações e resoluções das agências reguladoras? É evidente que sim. Não fica no meu espírito a mais mínima dúvida quanto a isso. Se pode sustar atos normativos e decretos regulamentares do Presidente da República, por que não fazê-lo com maiores razões em relação a atos infra-regulamentares, como é o caso das deliberações e resoluções das agências reguladoras? E note-se que a Constituição não se refere à sustação de atos do Presidente da República, mas a atos normativos que exorbitem do poder regulamentar, entre os quais obviamente se incluem os atos editados no âmbito do poder regulamentar secundário das agências reguladoras, nos limites das respectivas delegações legislativas. Eis, portanto, o princípio da legalidade, de forma muito sintética, a delimitar a atuação normativa das agências reguladoras. Acerca do controle exercido pelo Poder Legislativo, ainda há posições favoráveis à possibilidade de controle finalístico, ou seja, quanto à eficiência da norma de regulação do mercado, realizado pelo Tribunal de Contas. Sob este aspecto, em que pese as veneráveis sustentações, cumpre discordar, uma vez que cabe ao Tribunal de Contas a verificação das contas, mediante procedimentos contábeis, de todos os entes e entidades da Administração Pública, incluindo as Agências Reguladoras. Consolidando tal entendimento estão as palavras de LUIZ RICARDO TRINDADE BACELLA, in verbis: Entendemos como correta a segunda correntes, eis que: (1) escapa às atribuições dos Tribunais de Contas o exame das atividades autárquicas que não impliquem dispêndio de recursos públicos, como se pretende. Isso porque as investidas do Tribunal de Contas que venham a se imiscuir em atividades que, a par de não envolverem dispêndio de dinheiro público, desnaturariam a razão da criação da própria agência reguladora, sendo o limite da atribuição do Tribunal de Contas o controle financeiro; (2) não há previsão constitucional ou legal que autorize a investigação do mérito das decisões de uma agência reguladora faltando-lhe, assim, competência para tanto. Logo, o limite de investigação do Tribunal de Contas cinge-se aos encargos administrativos e aos honorários dos árbitros e/ou mediadores.109 3.7.3 Controle Social Sem a pretensão de esgotar as possibilidades, mas tão somente a de mencionar os mais salutares controles influentes sobre os atos normativos emanados pelas Agências Reguladoras, encerra-se o elenco dos controles a que estão sujeitos o poder normativo das agências 62 reguladoras, com um bem próprio e peculiar, qual seja o Controle Social, entendido como aquele exercido pela sociedade através das formas de participação direta na elaboração das normas regulatórias, como ocorre com a Consulta Pública, a Audiência Pública e a Câmara Técnica. 109 BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Op. cit. p. 171. 63 4 CONCLUSÃO Enfim, trilhado todo o caminho, chega-se ao final do presente estudo, esperando-se ter exaurido, quanto aos conceitos, definições e controvérsias principais, de maior relevância, o poder normativo das agências reguladoras. Assim, como medida preparatória, apresenta-se sinteticamente os aspectos mais relevantes de seu conteúdo, de modo que possa concluir o presente trabalho a partir de uma visão geral, porém concisa, dos argumentos empregados, que solidificaram as proposições postas. Dessa forma, considerando-se que, ao longo de todo o projeto, objetivou-se demonstrar a compatibilidade do Poder Normativo das Agências Reguladoras com o ordenamento jurídico brasileiro, mormente quanto aos princípios basilares da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cumpre permear suas questões introdutórias. Neste sentido, é imperioso ressaltar que se destinou todo o primeiro capítulo a versar sobre as Agências Reguladoras, pontuando seu histórico, a maneira pela qual surgiram; seu conceito; sua natureza jurídica; seus fundamentos e finalidades, estabelecendo, ainda, as definições e conceitos necessários ao entendimento desta entidade autônoma, como, verbia gratia, o de descentralização, administração pública indireta e autarquia. Com efeito, concluiu-se, portanto que as Agências Reguladoras, criadas no bojo do processo de desestatização da administração pública promovido em meados dos anos 90, foram constituídas, quanto ao gênero, sob a forma de entidades da administração pública indireta, e, quanto à espécie, autarquias em regime especial, a quem foram conferidas, pelas próprias leis que as instituíram, prerrogativas peculiares, capitaneadas pelo mandato fixo de seus dirigentes, vedada a possibilidade de exoneração ad nutum,bem como pela ampla autonomia financeira, orçamentária e até principalmente normativa. Outrossim, o segundo capítulo foi destinado a esmiuçar cada uma de suas prerrogativas ou características. Assim, asseverou-se que a autonomia decisória obsta que as decisões proferidas pelas Agências Reguladoras sejam, quanto ao mérito, revistas por qualquer ente, órgão, entidade ou autoridade externa à sua estrutura, não sendo possível a interposição de recurso hierárquico impróprio, qual seja aquele em que se pretende reformar a decisão proferida na esfera das Agências Reguladoras através de endereçamento ao Ministro a qual ela está vinculada. 64 Outrossim, discorreu-se acerca da autonomia administrativa, a qual se caracteriza, principalmente, pela garantia de mandato fixo, por prazo determinado, sendo possível a recondução uma só vez, aos dirigentes das Agências Reguladoras, sendo vedada exoneração ad nutum, ou seja, baseada apenas na conveniência e oportunidade da Administração central. Ademais, encerrando o capítulo, dissertou-se acerca da autonomia econômicofinanceira conferida às Agências Reguladoras, através da qual estas possuem recursos próprios, oriundos de sua atividade fiscalizatória e do poder de polícia que exercem sobre os agentes regulados, bem como pela elaboração de sua própria proposta orçamentária, que lhe confere dotação de orçamento próprio quando da elaboração do orçamento único da Administração Pública. Postas as questões introdutórias, chegou-se ao terceiro, último e mais importante capítulo do presente estudo, o poder normativo das agências reguladoras, o qual, ressaltou-se, perfaz-se como uma prerrogativa essencial atribuída às Agências Reguladoras para o atendimento de seus fins regulatórios, pois lhes garantem autonomia para disciplinar as ações de seu mercado regulado de maneira ágil e eficiente, sem a necessidade de aguardar a normatização legislativa, comumente morosa e eivada de influências políticas. Já no mérito, após breve ressalva quanto à impropriedade da utilização do termo “Poder”, uma vez que melhor seria, neste caso, o emprego da palavra “função”, adentrou-se, então, na questão do enquadramento do Poder Normativo das Agências Reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro. Neste comenos, concluiu-se que o poder normativo das agências reguladoras é regulamentar secundário, pois o poder normativo primário é exercido pelo Congresso Nacional e o poder regulamentar primário é exercido pelo Presidente da República, em razão da competência delegada pela CRFB/88. Logo, em razão da definição acima, mister se mostrou estabelecer um conceito, bem como à identificação de uma natureza jurídica, para o poder normativo das agências reguladoras. Concluiu-se, assim que o mais conceito, diante dos variados posicionamentos doutrinários apresentados, informa que o poder normativo das agências reguladoras é competência a elas atribuída para expedir normas de caráter geral, abstrato e impessoal, a fim de regulamentar as matérias inerentes a seu mercado regulado, impondo direitos e obrigações aos administrados, com observância aos vetores de ordem técnica, definidos como parâmetros ou standards, definidos em suas leis instituidoras. 65 Quanto à natureza jurídica, concluiu-se ser poder regulamentar, pois tem o condão de dar concretude, densidade à outra norma jurídica hierarquicamente superior, sem deixar, entretanto, de possuir a força normativa necessária para limitar a liberdade dos particulares, impondo-lhes direitos e obrigações, instando ressaltar que tal poder regulamentar é secundário, exercido exclusivamente mediante ato administrativo, de modo que deve observância a todos os preceitos impostos a estes pelo direito administrativo. Quanto aos seus fundamentos jurídicos, concluiu-se que o poder normativo das agências reguladoras fundamenta-se em suas leis instituidoras, as quais, além de as instituírem, também lhes conferiram tal prerrogativa, no estrito cumprimento de sua regular competência originária delegada pela CRFB/88 ao Poder Legislativo. Outrossim, quanto à aferição da compatibilidade entre o poder normativo das agências reguladoras e o princípio da separação dos poderes, foi possível concluir, primeiramente, que o princípio da separação do poderes possui, hoje, em virtude da evolução da sociedade e dos sistemas jurídicos, diante da feição reguladora, evoluída da social, de que se reveste o Estado, valor meramente pragmático de divisão das funções estatais, para fins de distribuição do trabalho, e não mais protetor dos direitos e interesses individuais do cidadão, como na época de sua concepção. Ademais, concluiu-se, ainda, que o poder normativo é gênero, do qual são espécies o poder legiferante e o poder regulamentar, e que as agências reguladoras exercem somente este último, de modo que não que se cogitar de usurpação de poderes. Concluiu-se, também, que o poder normativo foi conferido às agências reguladoras por ato do próprio Poder Legislativo, o qual reconheceu sua incapacidade técnica para dirimir questões advindas de determinados setores da sociedade, mormente da economia, transferindo a entidades reguladoras autônomas tal atribuição. Além disso, verificou-se, também, a compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o princípio da legalidade, analisando-se, devido à complexidade do tema, vários de seus aspectos, como o caráter não absoluto do princípio da legalidade, e os fenômenos da deslegalização e da delegação normativa. Quanto ao primeiro, constatou-se que o princípio da legalidade, não obstante se tratar de um importantíssimo instrumento de controle e limite da atuação da Administração Pública, foi relativizado com o passar do tempo, não tendo mais o sentido que lhe foi atribuído quando de sua elaboração, quando da luta por liberdade empreendida pelo liberalismo-burguês diante do absolutismo do Estado da época. 66 Assim, concluiu-se que o princípio da legalidade não possui caráter absoluto no que tange à exigência de lei formal disciplinar a liberdade do indivíduo, uma vez que os argumentos empregados neste sentido são ultrapassados, ainda apegados à visão liberal oitocentista, de proteção do particular contra as ações do Estado. Entende-se que, hodiernamente, este princípio absorveu nova feição, no sentido de exigir do Estado a providência normativa necessária para tornar possível o gozo de determinados direitos, em consagração ao princípio da dignidade humana. Dessa forma, concluiu-se que, salvo quando o texto constitucional expressamente imputar à lei a disciplina de determinada matéria, é possível que a própria lei transfira tal poder-dever ao regulamento, pois estará, de qualquer modo, atendendo aos anseios sociais para o gozo dos direitos subjetivos dos particulares. Da mesma maneira, no segundo aspecto estudado, demonstrou-se que para que fosse possível o disciplinamento dos setores econômicos pelas agências reguladoras foi necessário que o legislador retirasse determinadas matérias do domínio da lei (domaine de la loi) passando-as ao domínio do regulamento (domaine de l ordonnance”), dando-se ao fenômeno denominado deslegalização. Por conseguinte, tratou-se do instituto da delegação normativa, a qual, segundo parte da doutrina, confunde-se com o fenômeno da deslegalização, o que a taxaria de inconstitucional, pois a delegação consiste na transferência, pelo Poder Legislativo, do poder legiferante a outro ente, entidade, órgão ou autoridade da estrutura da Administração Pública. Esta transferência sim seria inconstitucional, haja vista que o Poder Legislativo não pode dispor da função legiferante, pois dela não é possuidor, embora a este tenha sido atribuída pela CRFB/88 sua execução, uma vez que seu detentor é o povo. Logo, concluiu-se que não há delegação legislativa do Poder Legislativo às agências reguladoras, mas tão somente a transferência a outra sede normativa a regulação de determinada matéria, através de sua deslagalização ou degradação de seu grau hierárquico, de modo a investir o poder regulamentar na competência para tratar de tal matéria, o que somente estaria vedado para os casos de reserva absoluta de lei, imposta diretamente pela CRFB/88. Bem assim, ultrapassada a questão da compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com os princípios constitucionais, concluiu-se, em que pese a validade do fenômeno da deslegalização, esta não pode se operar através de um chefe em branco conferido pelo legislador às entidades reguladoras, devendo estabelecer os parâmetros ou standards que deverão estas observarem quando exercerem tal atribuição 67 Assim, concluiu-se que os standards são as finalidades e os parâmetros genéricos que as leis criadoras das agências reguladoras, elaboradas com baixa densidade normativa, a fim de propiciar a tais entidades larga autonomia na disciplina das matérias a ela incumbidas, com agilidade e dinâmica, estabeleceram como limites. Por fim, fechou-se o presente do estudo, concluindo-se que as agências reguladoras, porquanto tenham autonomia frente aos poderes centrais da república, estão sujeitas, por estarem contidas na estrutura de um Estado Democrático de Direito, informado pelo sistema de freios e contrapesos, a controles externos, realizados pelo Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo e pela sociedade, através do denominado controle social. Portanto, diante dos argumentos empregados e das conclusões pontuais supra elencadas, conclui-se que o poder normativo das agências reguladoras é plenamente compatível com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo em vista que, dada a agilidade e dinâmica que confere à Administração Pública, consagra princípios constitucionais programáticos, como o da dignidade da pessoa humana e da eficiência, sem esbarrar em outros, como o da separação dos poderes e da legalidade, os quais, inclusive, interpretados conforme a nova ordem constitucional, militam a seu favor, na medida em que sugerem a distribuição técnica das funções estatais e a produção normativa constante para assegurar o gozo de direitos pelos indivíduos. 68 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. – Rio de Janeiro: Forense, 2002. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e Agências Executivas. 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