Foto: Tenente João Santos
MONUMENTOS COM HISTÓRIA MILITAR
Marquês de Sá da Bandeira
B
ernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, 1.º Barão
(1833), 1.º Visconde (1834) e Marquês de Sá da
Bandeira (1864), nasceu em Santarém, a 26 de Setembro de
1795 e faleceu em Lisboa, a 6 de Janeiro de 1876.
Ilustre maçon, o Marquês de Sá da Bandeira foi um militar
de mérito e político português distinto no tempo da
Monarquia Constitucional.
Começou a sua carreira militar em 1810, lutou contra os
invasores franceses e participou em todas as campanhas
militares liberais. Em 1814 foi ferido em França, tendo ficado
quase surdo. Apoiante dos liberais, esteve sitiado no Cerco
do Porto, onde perdeu o braço direito, no Alto da Bandeira,
em Vila Nova de Gaia. Em 1833 foi Governador de Peniche e
das tropas no Algarve, chegou a brigadeiro e foi feito
4
Visconde. Após a tomada do Poder pelos Setembristas, na
sequência da Revolução de Setembro de 1836, tornou-se
Ministro do Interior do novo Governo. Em 1839, no
Congresso, votou a Constituição e, no ano seguinte, no
Governo do Barão de Sabrosa, deixou como marca a
aprovação de medidas que significaram o fim da escravatura
em todos os territórios sob a administração portuguesa.
Tornou-se Marechal-de-Campo em 1851 e, nesse mesmo ano,
foi director da Escola do Exército (actual Academia Militar).
Fez parte dos executivos dos Duques de Loulé e de Ávila
antes de formar, com os seus correligionários, um novo Partido Reformista. À frente deste voltaria a ser PrimeiroMinistro, ainda que por um curto espaço de tempo, entre
1868 e 1869. Em 1870, na sequência do Golpe da Ajudada,
que pôs Saldanha no poder, organizou a resistência ao
governo de ditadura e, três meses mais tarde, este caiu. Foi,
pela quinta e última vez, convidado a formar governo.
Organizou depois eleições e ofereceu o poder ao
independente António José de Ávila.
A sua figura esteve presente em várias notas do Banco
de Portugal, como as de 5 mil Réis, 10 Escudos e 1000 Escudos.
De acordo com o epitáfio que ele próprio redigiu: foi
soldado desde o dia 4 de Abril de 1810... combatendo pela
liberdade, foi ferido quatro vezes e perdeu o braço direito
no Alto da Bandeira. Servindo o seu país, serviu as suas
convicções; morreu satisfeito, a pátria nada lhe deve.
Na Praça de D. Luís I (Jardim Sá da Bandeira), foi
inaugurada, a 31 de Julho de 1884, na presença de toda a
família real e de numerosa multidão, uma escultura pedestre,
de bronze, montada sobre um pedestal de mármore branco,
onde figuram dois baixos-relevos de mérito. Aqui é retratada
toda a vida do Marquês de Sá da Bandeira, representandoo com o braço amputado, ao pé um símbolo das colónias,
louvando o seu empenho em vida. No pedestal estão
representados dois grupos alegóricos, retratando os feitos
militares do Marquês. Ao lado do pedestal estão dois leões
em bronze, repousando nas duas das faces da base. A figura
feminina surge com dois significados: na parte posterior da
escultura está a História, onde se encontram os nomes
daqueles que dignificaram a Pátria. Em baixo, uma mulher
representando o continente africano, recordando o estadista
que terminou com o tráfico de escravos. É notável a figura
da mulher africana que aponta ao filho o homem que acabou
com a escravatura. É curioso referir ainda que quem posou
para figura de mulher africana foi uma conhecida mundana
de Lisboa, escultural e célebre, conhecida como “preta
Fernanda”.
Os autores do conjunto foram o escultor Giovanni
Ciniselli, que morreu sem concluir a obra, e o português
Germano José de Salles, que se ocupou da parte arquitectural.
O monumento foi edificado por subscrição pública, tendo
a iniciativa partido do diplomata Luís Teixeira Homem de
Brederode.JE
Tenente RC João Santos
Q
uase meio século passou desde que se publicou o primeiro Jornal do Exército.
Em Janeiro de 1960 era dado à estampa, em forma de revista, o documento
escrito do Exército que se distribuíria por todos os cantos do Mundo, onde houvesse
militares portugueses. Contava-se o que acontecia no Exército, não esquecendo o
glorioso passado de Portugal e dos feitos dos seus ilustres heróis. Passados quase
cinquenta anos continua a ser assim!
No passado dia 12 de Janeiro comemorou-se mais um dia festivo da Academia
Militar. Com tradições quase bicentenárias, aquela instituição militar de ensino superior
de Portugal teve como pai fundador o Marquês de Sá da Bandeira. Esta figura ímpar das
Armas e das Letras da Lusa Pátria imortalizou o seu nome nos actos e nas atitudes.
Quando se apresentou no Regimento de Cavalaria n.º 11, no dia 4 de Abril de 1810, com
menos de 15 anos, pois só os completaria no próximo dia 26 de Setembro, ao ser
confrontado pelo Comandante que lhe referia a pouca idade e as dificuldades da empresa
que o esperavam, o nosso herói respondeu: “Senhor, eu não ambiciono riquezas, eu
não quero carreira fácil. Senhor, eu quero cumprir o meu dever.”1 E assim foi. E assim
continua a ser, porque a sua memória continua a inspirar as dezenas de cadetes que
todos os anos ingressam na Academia Militar.
A vida perene de Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo é evocada neste nosso
Jornal, no espaço que reservamos aos Monumentos com História Militar. Deste nobre,
com o título de Marquês de Sá da Bandeira, ergueu-se, em 1884, a bela estátua que
perpetua a sua memória e lembra os seus gloriosos feitos, dos quais destacamos dois.
A criação da Escola do Exército, antecessora da Academia Militar, em 12 de Janeiro de
1837, quando era Ministro da Guerra. Foi assim criada “uma escola de formação de
oficiais [...] de maneira a ministrar-lhes não só os conhecimentos militares mas, também,
a forjar-lhe o espírito e o carácter.”2 O outro grandioso feito, foi o facto de ter deixado
o seu nome ligado a uma das causas mais nobres da Humanidade − a Liberdade, quando
tomou a audaz medida que pôs termo, dentro de um determinado prazo, à escravatura
nas colónias portuguesas.
São parcas as nossas palavras para os encómios merecidos por tão ilustre criatura
humana, por isso nos socorremos de algumas escritas, no seu tempo, pelo grande
jornalista Hipólito José da Costa, do Correio Braziliense:
“O primeiro dever do homem em sociedade é de ser útil aos membros dela; e cada
um deve, segundo as suas forças físicas ou morais, administrar, em benefício da mesma,
os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte ou a educação lhes prestou. O
indivíduo que abrange o bem geral duma sociedade vem a ser o membro mais distinto
dela; as luzes que ele espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância
precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil, pois,
do que aquele que continua a mostrar, com evidência, os conhecimentos do presente
e desenvolver as sombras do futuro.”
O Marquês de Sá da Bandeira cumpriu o seu dever ao serviço de Portugal. E no seu
cumprimento a Pátria engrandeceu!
1
BORGES, João (Coord.) - 50 Anos de Patronos da Escola do Exército e da Academia Militar,
Lisboa, 2004, p. 33.
2
Idem, p. 34.
5
FIGURAS e FACTOS
Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar visita a EPC
A
3 de Dezembro de 2008, a Escola Prática de Cavalaria
(EPC) foi distinguida com a visita do Secretário de
Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar
(SEDNAM), Dr. João Mira Gomes.
O SEDNAM foi recebido, à chegada, pelo
Chefe do Estado-Maior do Exército, General
Pinto Ramalho, pelo Comandante de Instrução
e Doutrina,Tenente-GeneralVazAntunes, pelo
Director da Formação do Comando de
Instrução e Doutrina, Major-General Cunha
Piriquito, e pelo Comandante da Escola Prática
de Cavalaria, Coronel de CavalariaViriato Cézar
Coelho do Amaral, após o que lhe foram
prestadas as honras militares pelo Esquadrão
de Comando e Serviços e por 19 salvas da
Bateria do Grupo de Artilharia de Campanha
do Regimento deArtilharia 4, de Leiria.
A visita teve por finalidade verificar como
são conduzidas as actividades de formação,
que são o fulcro da missão da EPC, sendo a
formação uma das áreas de coordenação do
SEDNAM.
Do programa da visita destaca-se, após a apresentação
de um briefing pelo Comandante, que teve início com uma
síntese histórica e o processo de transferência, onde abordou,
entre outros assuntos, a organização da Escola, a formação e
os meios que lhe estão associados. Seguiu-se um périplo pelas
instalações da Escola, onde decorriam, a céu aberto e apesar
do rigor do tempo, as normais actividades de formação, nomeadamente o curso de Chefe de Carro de VBTP M113, a
instrução de Carro de Combate M60A3, ao TPO Cav, e de
PANDUR 4x4, ao CFS Cav, cargo de Polícia do Exército, e os
cursos NBQ, armamento, GAM e transmissões, ao CFGCPE, e
a montagem de uma zona de reunião pelo CFO e CFS RV/RC.
Durante a visita às instalações da Escola foi colocado
particular ênfase no modo “prático” como os formandos
6
adquirem os conhecimentos que lhes permitem
apreender o “saber fazer”, experimentando o que
antecipadamente lhes foi transmitido na forma
de lição, e que proporcionou ao SEDNAM uma
noção mais abrangente de como aqui é cumprida
a missão.
Após o almoço na Messe de Oficiais, que
contou com a presença do Presidente da Câmara
Municipal de Abrantes, Dr. Nelson Carvalho,
na qualidade de convidado, o Secretário de
Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do
Mar honrou os militares da Escola Prática de
Cavalaria, assinando o seu Livro de Honra,
onde ficou escrito: “É com muito gosto que
visito a Escola Mãe da Cavalaria.Testemunhei
o alto empenho, dedicação e sentido de bem
servir de todos quantos, aqui emAbrantes, dão
continuidade à tradição e prestígio daArma de
Cavalaria. Desta forma contribuem não só para o prestígio do
Exército Português, mas, também, das FormasArmadas.”
FIGURAS e FACTOS
Dr. Mário Soares no Instituto da Defesa Nacional
I
nserida no ciclo “Contributos para uma Estratégia
Nacional”, levado a efeito pelo Instituto da Defesa
Nacional, o Dr. Mário Soares, Presidente da República entre
1996 e 2006, proferiu, no dia 13 de Janeiro, uma conferência
nas instalações daquele Instituto.
O Ministro da Defesa Nacional, Prof. Doutor Severiano
Teixeira, presidiu à sessão.
Ensino Militar canta as Janeiras ao General CEME
N
o dia 8 de Janeiro, como manda a tradição nesta
altura do ano, um Grupo Coral, constituído pelos
alunos dos estabelecimentos de ensino militares (Instituto
de Odivelas, Colégio Militar e Instituto Militar dos Pupilos do
Exército) deslocou-se até Santa Apolónia para cantar as
Janeiras ao Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), General José Luís Pinto Ramalho. De forma singela e costumada,
em conjunto e individualmente, os colégios desejaram um
Feliz Ano Novo ao General CEME e a todos os Oficiais
Generais presentes. No final do evento, o General José Luís
Pinto Ramalho ofereceu um almoço a todos os intervenientes.
Dia do Museu Militar de Lisboa
T
iveram lugar no dia 10 de Dezembro, na sala da
Grande Guerra, as comemorações relativas ao 157.º
aniversário do Museu Militar. A cerimónia foi presidida pelo
Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, Tenente-General
Mário de Oliveira Cardoso que, numa frase lapidar, sintetizou
o espírito de evocação e a riqueza cultural daquele espaço:
“Só aqueles que acreditam no Futuro sabem dar real
valor ao passado, porque só um passado sólido permite
prever um futuro com esperança.”
Após a entrega de condecorações, a cerimónia terminou
com um Porto de Honra.
7
FIGURAS e FACTOS
Dia do Instituto de Odivelas
À
s 8 horas da manhã do dia 14 de Janeiro, ainda o frio
pesava nos movimentos e a luz do Sol se mostrava
tímida, já todo o Batalhão das meninas de Odivelas formava,
pronto para o Hastear da Bandeira. Depois, o desenrolar típico
de um dia de comemoração, com Missa, nova formatura e
desfile em parada, junto ao Mosteiro de S. Dinis, sede do
aniversariante Instituto de Odivelas. Presidiu à Cerimónia o
Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Luís Pinto
Ramalho, conferindo-lhe uma distinção acrescida e motivo de
especial orgulho.
Associando-se à efeméride estavam a Presidente da
Câmara Municipal de Odivelas, Dr.ª Susana de Fátima Carvalho
Amador, o Tenente-General Comandante da Instrução e
Doutrina, João Nuno Jorge Vaz Antunes, o Director de
Educação e Director do Colégio Militar, Major-General Raul
Jorge Laginha Gonçalves Passos, a Dr.ª Margarida Raimond,
Ex-Directora do Instituto, as presidentes da Associação de
Antigas Alunas do IO e da Associação de Pais e
Encarregados de Educação das Alunas do IO, os professores
e restantes funcionários do estabelecimento, pais e antigas
alunas.
A Dr.ª Graça Martins, Directora do Instituto, no seu
discurso alusivo à comemoração, lembrou que, “[a]o longo
de mais de um século e, com o esforço de grandes mulheres,
o Instituto de Odivelas tem evoluído como uma casa de
educação integral e de formação humana de Alunas bem
preparadas para a vida adulta.A exigência e a qualidade sempre
foram apanágio do Instituto de Odivelas, sendo indiscutível
o seu mérito na formação de mulheres capazes e competentes
nos vários quadrantes da sociedade.”
Mas, o valor desta escola não reside apenas no seu honrado
passado. Actualmente, as Meninas de Odivelas são precedidas
pela sua reputação moral e académica, não só no seio do próprio
Exército, como junto das mais afamadas instituições de Ensino
Superior e no meio empresarial e social, factos reflectidos nos
prémios de mérito atribuídos anualmente às alunas, patrocinados
por vários organismos privados e públicos, como é o caso da
Câmara Municipal de Odivelas.
Carla Sofia Nogueira, aluna do Instituto de Odivelas, na
sua participação no blog com morada em http://
institutodeodivelas.blogspot.com/, terminava assim a
descrição dos acontecimentos de 14 de Janeiro:
“Foi um dia diferente. Um dia em que nos podemos
orgulhar de dizer que somos ‘Meninas de Odivelas’. Um dia
de troca de emoções e experiências de vida. Um dia de
reencontros. Foi, sem dúvida… um dia inesquecível.”
Oferta da AFCEA ao IO no âmbito do Programa Science Teaching Tools
A
AFCEA (Associação para as Comunicações e
Electrónica nas Forças Armadas) ofereceu, no dia 2
de Outubro, ao Instituto de Odivelas, um sistema de projecção
didáctico eBeam, um equipamento de apoio ao ensino,
patrocinado pela AFCEA Educational Foundation, no
âmbito do Programa Science Teaching Tools. Esta oferta
pretende incentivar o estudo das tecnologias de informação
e comunicação nas escolas.
Marcaram presença, por parte da AFCEA, o Presidente e
o Vice-presidente, respectivamente, o Almirante Carlos
Rodolfo e o Prof. Doutor Paulo Cardoso do Amaral, e pelo
Instituto de Odivelas, a Directora, Dr.ª Graça Martins.
8
FIGURAS e FACTOS
Milésima Edição da Revista de Artilharia
R
ealizou-se no dia 21 de Janeiro, no Destacamento
da Academia Militar, no Edifício dos Auditórios, na
Amadora, a cerimónia do 1000.º número da Revista de Artilharia.
O momento foi oportuno para a tomada de posse da Comissão
Executiva para o próximo Biénio.
Na ocasião, o Coronel Vieira Borges, em jeito de palestra,
discorreu sobre o tema, “A Artilharia de Campanha nas Guerras
Peninsulares”, onde enquadrou as lições aprendidas das
invasões na história da Revista de Artilharia.
O Capitão Calhaço explicou aos presentes a forma fácil e
eficaz de aceder a todos os números publicados da Revista de
Artilharia, que se encontra disponível on-line, e que pode ser
acedida gratuitamente por todos os sócios.
A cerimónia foi presidida pelo General Chefe do EstadoMaior do Exército, José Luís Pinto Ramalho, contando com a
presença de ilustres convidados, como o General Loureiro dos
Santos e o General Espírito Santo.
Encontros da Revista Militar
Lições Militares das Últimas Campanhas do Império
(1961-1975)
A
Revista Militar, na sequência do pensamento dos
seus Fundadores de 1848, com apoio do Ministério
da Defesa Nacional e daAcademia Militar, em 10 de Dezembro
de 2008, realizou, na sede da Academia (Gomes Freire), um
Encontro subordinado ao tema “Lições Militares das Últimas
Campanhas do Império (1961-1975)”.
No Encontro, integrado no conjunto temático a trabalhar
anualmente com o objectivo de comunicar as “experiências
vividas às gerações de militares mais novas”, participaram: na
Sessão deAbertura, o General Valença Pinto (Chefe do EstadoMaior General das ForçasArmadas e Sócio Efectivo da Revista
Militar) e o General Espírito Santo (Sócio Efectivo da Revista
Militar e Presidente da Direcção); como orador, o TenenteGeneral Lopes Alves (Sócio Efectivo da Revista Militar), com
a comunicação “As Forças Armadas Portuguesas em 1961 – A
Doutrina para Combater uma Guerra com Novas Características”; o General Loureiro dos Santos (Sócio Efectivo da Revista
Militar) foi moderador do painel “O Emprego Operacional
das Forças: Os Ramos das Forças Armadas – Missões Próprias
e Conjuntas”, no qual intervieram oAlmirante Vieira Matias, o
Tenente-GeneralAbel Couto (Sócio Efectivo da Revista Militar),
do Exército, e o General Lemos Ferreira, da Força Aérea; as
Conclusões foram apresentadas pelo General Martins Barrento
(Sócio Efectivo da Revista Militar e Presidente da AssembleiaGeral), que também procedeu ao Encerramento.
Num próximo número, a Revista Militar apresentará
pormenores do Encontro, a totalidade das comunicações e os
textos base da Sessão deAbertura (do General CEMGFA) e das
Conclusões (do General Martins Barrento).
Na sequência do expresso nas Conclusões, regista-se o
apreço da iniciativa pelo “Confronto da experiência com a
curiosidade, do falar da geração que fez a Guerra de África
(1961/1974) e ouvir da geração dos futuros quadros, em que
o fosso de idades e de experiência é transposto pelo mesmo
elevado espírito de servir o nosso País na Instituição Militar,
laço muito forte que nos irmana”. E ainda, da sua parte final,
“Ao contrário dessa boutade anti-militar de que pensar é a
primeira forma de indisciplina, ao expressarmos o nosso
pensamento e os nossos sentimentos apenas estamos a afirmar
que somos conscientemente militares, mas que também somos
humanos, e que por muito sofisticados que sejam os Exércitos,
o que nós comandamos são homens e mulheres”.
A terminar, releva-se a passagem da Introduçãodo Primeiro
Número da Revista Militar – Janeiro de 1849 –, da autoria do
seu Fundador Principal,Tenente do Real Corpo de Engenheiros
Fontes Pereira de Mello, inspiradora do Encontro:
“O SECULO em que vivemos tende, sem duvida, a consumar
o grande pensamento humanitario, que tem por base o
predominio da intelligencia sobre a força”.
Coronel António de Oliveira Pena
9
FIGURAS e FACTOS
I Ciclo de Conferências de Gestão de Recursos Humanos
R
ealizou-se, entre 18 e 19 de Novembro, no Comando
do Pessoal, o I Ciclo de Conferências de Gestão de
Recursos Humanos.
As conferências foram moderadas pelo Major-General Reis
Borges, Director do Programa D.Afonso Henriques, contando
com a presença dos ilustres conferencistas: a Prof.ª Doutora
Joana Serra de Oliveira, Docente na Universidade Lusíada do
Porto, que abordou o tema “Gestão de Competências ao Longo
da Vida”; o Prof. Doutor Carlos Cabral Cardoso, Docente na
Universidade do Minho, conferenciou sobre o tema “Gestão
Estratégica dos Recursos Humanos”; o Prof. Doutor Francisco
Machado, Docente no Instituto Superior da Maia, explorou o
tema “Seleccionar, Gerir, e Crescer: a saúde psicológica como
factor de sucesso no desenvolvimento de uma carreira”; o
Doutor Luís Marques, Director de Recursos Humanos da Sonae
Sierra, discorreu sobre a “Visão Estratégica dos Recursos
Humanos no Grupo Sonae”; o Doutor José Manuel Rodrigues,
Director de Recursos Humanos da Salvador Caetano,
demonstrou a importância da Formação; a Doutora Isabel Viegas,
Directora do Departamento de Recursos Humanos do Santander
Totta, referiu-se ao tema “Gestão de Recursos Humanos no
banco Santander Totta”; o Major-General Rui Rodrigues, Director da Direcção deAdministração de Recursos Humanos do
Comando do Pessoal, versou sobre a “Gestão de Carreiras”; o
General-de-Divisão D. Manuel Solana Cortés, Subdirector-Geral
de Recrutamento da Direcção-Geral de Recrutamento e Ensino
do Ministério da Defesa de Espanha, apresentando a realidade
espanhola; o Doutor Avelino Leite, Delegado Regional Norte
do Instituto de Emprego e Formação Profissional, perscrutou
as “Qualificações dos Portugueses perante as necessidades
actuais em Recursos Humanos”.
Lançamento do Livro “Os Uniformes Portugueses na Guerra Peninsular”
R
ealizou-se no dia 22 de Janeiro, nas Caves
Manuelinas do Museu Militar, o lançamento do livro
Os Uniformes Portugueses na Guerra Peninsular, da autoria
do Dr. Pedro Soares Branco. O livro tenta recuperar e
perpetuar os uniformes militares utilizados na Guerra Peninsular, cujo tempo tratou de destruir.
A obra é patrocinada pela Comissão Portuguesa de
História Militar e editado pela Tribuna.
O evento foi presidido pelo General Chefe do EstadoMaior do Exército, José Luís Pinto Ramalho, tendo-lhe sido
oferecido um capacete restaurado pelo Autor.
TABELA DE PREÇOS PARA 2009
PREÇO DE CAPA € 2,00
ASSINATURA ANUAL (11 números)
VIA SUPERFÍCIE - Portugal Cont. Madeira e Açores € 20.00
VIA AÉREA - Países europeus € 45,00; Restantes Países € 65,00
NOTA: As assinaturas devem ser pagas antecipadamente
NÚMEROS ATRASADOS - 1960 a 1969 € 4,00; 1970 a 1979 € 4,00; 1980 a 1989 € 3,00; 1990 a 2001 € 2,50; 2002 a 2007 € 2,00
Os preços incluem IVA à taxa de 5%
Preço da Encadernação do JE do ano de 2007 € 27,95 c/IVA incluído
N.B.: Os pedidos de envio pelos CTT serão acrescidos de portes segundo os códigos postais: 1000/2000 € 4,21; 3000/8000 € 5,79; Açores e Madeira € 6,56.
10
FIGURAS e FACTOS
11
N
os passados dias 9 a 13 de Dezembro de
2008, o General Chefe do Estado-Maior do
Exército visitou oficialmente Timor-Leste, a convite
do Presidente da República Democrática de TimorLeste, Doutor José Ramos Horta, para participar no
Seminário “Reforma e Desenvolvimento do Sector de
Segurança em Timor-Leste”.
Este evento teve lugar em Dili, nos dias 11 e 12 de
Dezembro, e contou com a presença das principais
entidades políticas, militares e policiais de Timor-Leste
e da UNMIT, para além de diversos convidados
internacionais. O Seminário foi dividido em quatro
painéis, nomeadamente, “Reforma e Desenvolvimento
do Sector da Segurança em Timor-Leste”;
“Programas de Transformação das Forças de Defesa
e Segurança”; “Arquitectura do Sistema de Segurança e Defesa” e “Questões Prioritárias”. Neste
último painel estava incluída a apresentação do General CEME, subordinada ao tema “As Missões de Inter12
esse Público das Forças Armadas Portuguesas”.
Para além da participação neste seminário, o General CEME manteve diversos encontros oficiais com
entidades timorenses e com representantes da ONU,
nomeadamente com o Presidente da República, o 1.º
Ministro e Ministro da Defesa e Segurança, o
Secretário de Estado da Defesa e o Comandante das
Falintil/Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL),
com o Representante Especial do Secretário-Geral das
Nações Unidas para a UNMIT (United Nations Integrated Mission in Timor-Leste), com o Comandante
das Forças Australianas em Timor-Leste e com o
Embaixador dos EUA em Dili.
Antes, no dia 9 de Dezembro, o General José Luís
Pinto Ramalho teve um encontro com 1.º Ministro e
Ministro da Defesa e Segurança, Sr. Kay Rala Xanana
Gusmão, tendo sido realçado o importante contributo
da Cooperação Técnico-Militar (CTM) Portuguesa, à
qual teceu rasgados elogios, extensíveis também a
todos os Militares Portugueses integrados na ONU e
ao Contingente da GNR/UNMIT.
Ainda nesse dia, deslocou-se ao QG da UNMIT
onde teve um encontro com o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Dr. Atul
Khare, que apresentou as principais preocupações
no sector da defesa do território e a necessidade das
F-FDTL disporem de um “Roadmap” relativo à
organização das suas forças e respectivo reequipamento, para consolidação e reforço das capacidades
existentes e obtenção de novas capacidades, ajustadas
à sua dimensão estratégica.
Posteriormente, foi recebido pelo Secretário de
Estado da Defesa, Dr. Júlio Tomás Pinto, que fez uma
caracterização sucinta dos objectivos de médio prazo
para as F-FDTL, inseridos no Caderno de Orientação
Estratégica para o Desenvolvimento das Forças Armadas de Timor-Leste (2005-2020), também
conhecido por Força 2020, que pretende dotar o País
com Forças de Defesa modernas e eficientes, com
boa formação e aptas a desempenhar um diversificado
leque de missões, nomeadamente, de defesa territorial, missões de interesse público e a participação em
organizações internacionais ao serviço da ONU.
Aproveitou também a ocasião para agradecer todo o
apoio da CTM Portuguesa à Estrutura Superior da
Defesa e às F-FDTL e solicitar o seu reforço.
No dia 10, durante a manhã, deslocou-se ao Centro
de Instrução de Metinaro, sede do Projecto 3, da
responsabilidade do Exército Português e,
posteriormente, em visita de cortesia à Base Naval de
Hera, sede do Projecto 2, da responsabilidade da
Marinha Portuguesa, onde tomou conhecimento das
principais actividades em curso e previstas no âmbito
destes projectos.
Durante a tarde, deslocou-se ao Estado-MaiorGeneral, onde teve um encontro com o Comandante
das F-FDTL, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak,
que agradeceu todo o apoio prestado pelas Forças
Armadas Portuguesas neste processo de
consolidação das Forças de Defesa de Timor-Leste,
ressaltando também a sua enorme satisfação pela
qualidade da assessoria prestada pela CTM
Portuguesa. Solicitou ainda o reforço da assessoria
militar para ministrar cursos de Liderança e Métodos
de Instrução em Timor, para apoio ao treino
operacional e à melhoria da proficiência dos militares
timorenses na Língua Portuguesa, entre outros
aspectos.
Seguiu-se uma visita de cortesia ao Aquartelamento do Contingente da GNR/UNMIT, onde foi
apresentada a missão e capacidades do actual
contingente, seguida de uma visita às instalações.
No dia 11, à tarde, encontrou-se com Presidente
da República Democrática de Timor-Leste, Dr. José
Ramos Horta, que agradeceu todo o apoio de Portugal às F-FDTL e aproveitou para solicitar, entre outros
aspectos, o reforço da CTM na área de Engenharia
Militar, com valências nas áreas das construções
horizontais e verticais, para apoiar as F-FDTL na
reconstrução de estradas, escolas e outros edifícios
de interesse público, e na canalização de água potável
nas áreas mais recônditas do território.
A Embaixada de Portugal em Dili realizou um
excelente trabalho na coordenação desta visita e no
seu acompanhamento, destacando-se o papel do
Embaixador João Ramos Pinto e do Coronel Cipriano
Figueiredo, Adido de Defesa.JE
13
Tenente RC Paulo Moreira
Foto: CAVE
O Jornal do Exército
nas vésperas
do seu 50.º aniversário
Apesar da sua vertente institucional, o Jornal do
Exército, ao longo de quase meio século de existência,
fez por merecer um lugar entre a chamada imprensa ou
entre outros órgãos de comunicação social, uma vez
que exerce, de facto, funções de verdadeira
comunicação informativa. Entretanto, o JE sempre
procurou ir mais longe, destacando-se, também, pelo
seu papel formativo, tendo nisto a vantagem
privilegiada de dispor do modelo humano e social do
militar enquanto exemplo de rigor, verticalidade moral,
patriotismo e abnegação – valores que, por si só, se
definem e justificam. Aventurou-se ainda no
entretenimento, levando, em tempos, humor e
distracção, não só às casernas, mas também aos palcos
transfronteiriços e ultramarinos onde soldados
portugueses enfrentavam as agruras da guerra. Levou
sempre com ele, onde quer que fosse aberto e lido,
desde a primeira edição, muita História e aquilo a que
chamam cultura, que é, no fundo, a identidade própria
14
de um povo e a sua coesão. Nunca esqueceu, em
nenhuma das suas 581 edições, o engenho e arte que
a vida militar inspira e edifica.
Nas comemorações do seu 49.º aniversário, em
Janeiro, o JE, derivando de parte da missão que tem
levado a cabo, dando a conhecer ou relembrando
alguns Monumentos com História Militar, numa
secção com este mesmo título, promoveu uma
exposição com outras obras de evocação militar da
autoria do Mestre Escultor Domingos Soares Branco.
Nesta iniciativa, intitulada Recordando o Exército,
foram trazidas a público muitas maquetas e modelos
de obras do Mestre, figurando entre elas algumas
sobejamente conhecidas pela generalidade dos
nossos militares, como a maqueta do Monumento ao
Soldado Infante e a maqueta de D. Nuno Álvares
Pereira, cujos originais se encontram em Mafra, a
maqueta do Monumento às Tropas Pára-quedistas,
cujo original pertence a Tancos, e a maqueta do
Monumento ao Soldado Comando, cujo original
ilustra o Centro de Tropas Comandos, na Serra da
Carregueira.
Nascido em Lisboa em 1925, Domingos Soares
Branco fez toda a sua vida académica na capital,
matriculando-se, em 1944, no curso de Escultura da
Foto: CAVE
questão de, pessoalmente, conduzir os convidados
pelas histórias e curiosidades de cada uma das peças,
lembrando também o tempo que passou nas fileiras e
as boas recordações e admiração pela Instituição
Militar que lhe ficaram daquela altura e que foram
inspiração para muitos dos seus trabalhos.
A cerimónia de celebração do Dia do Jornal do
Exército, presidida pelo Vice-Chefe do Estado-Maior
do Exército, Tenente-General Mário de Oliveira
Cardoso, ficou marcada pela presença ilustre do
Foto: CAVE
Escola de Belas Artes de Lisboa, onde frequentou os
ateliers dos mais proeminentes artistas da altura. Em
1948 foi chamado a cumprir as suas obrigações
militares em Vendas Novas, na Escola Prática de
Artilharia e, em Leiria, no Regimento deArtilharia n.º
4. Foi nesta altura e ainda em Leiria, onde também
conheceu a sua esposa, que realizou a primeira
exposição individual. Com inúmeras obras espalhadas
por Portugal e pelo estrangeiro, muitas executadas
por encomenda ou com destino a concursos públicos, Soares Branco notabilizou-se em várias temáticas,
desde obras de carácter religioso, passando pela
homenagem de personalidades e até à pura criação
artística. Inspirado pela vida militar, o Escultor trabalhou
também em criações deste pendor, entre as quais
algumas de evocação frequente, como as que referimos
anteriormente.As peças que fizeram parte da exposição
são sobretudo estudos, muitos convertidos depois
em esculturas de maiores dimensões, destinadas ao
espaço público, outros que nunca passaram do ensaio,
mas que, ainda assim, revelam a minúcia e a invulgar
perícia do autor na sua arte, em especial no manuseio
dos metais, como o cobre e o bronze.
O seu impressionante espólio, de onde faz parte
aquela pequena amostra de obras e cerca de 3000
desenhos, foi doado pelo próprio à Câmara Municipal de Mafra e constitui o coração cultural da região,
podendo ser encontrado no Complexo Cultural Quinta
da Raposa, no centro daquela cidade.
Na abertura da exposição o Director do Jornal do
Exército, Coronel José Geraldo, agradeceu ao Mestre,
dedicando-lhe algumas palavras ao seu jeito: “Quando
expomos, expomo-nos também a nós, a alma, a natureza, a arte, a herança, dos nossos Egrégios Avós”.
No decorrer da visita à exposição com as suas
obras, na Biblioteca do Palácio Vilalva, o Mestre fez
Fotos: Tenente Paulo Moreira
15
Fotos: CAVE
Entrega dos Prémios do Concurso Literário e condecorações
General GabrielAugusto do Espírito Santo, Presidente
da Direcção da Revista Militar, do Contra-Almirante
Roque Martins, Director da Revista da Armada, do
Major-General Xavier Matias, Chefe de Gabinete do
Chefe do Estado-Maior do Exército, do Presidente da
Junta de Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Sr.
Nelson Pinto Antunes, do Coronel Tirocinado Rio de
Carvalho, antigo Director do JE, da Dr.ª Maria do
Carmo Vilar e do Dr. Paulo Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Mafra e do Complexo
Cultural Quinta da Raposa, representantes das
empresas anunciantes no JE, e do próprio Mestre
Domingos Soares Branco e da sua Esposa.
Na ocasião foram condecorados com a Medalha
de Mérito Militar 2.ª Classe, o Tenente-Coronel
Fernando Augusto Dias, antigo Chefe da Secretaria
do JE, e o Major Francisco Marques Fernando, antigo
Chefe da Redacção do JE, tendo imposto as condecorações o Tenente-General Oliveira Cardoso, e o
General Espírito Santo. Foram ainda anunciados e
atribuídos o Prémio Literário Jornal do Exército e o
prémio do Concurso de Fotografia, referentes ao ano
de 2008. O Primeiro Prémio coube ao artigo “Jacinto
Correia e a Subversão Popular de 1808”, da autoria do
Major Abílio Pires Lousada, publicado no JE n.º 572,
de Abril de 2008; o Segundo Prémio foi atribuído ao
artigo “O Afeganistão e a Evolução do Radicalismo
Islamita”, da autoria do Coronel Manuel da Silva,
publicado em três partes, no JE n.º 568, 569 e 570 de
Dezembro de 2007, Janeiro e Fevereiro de 2008; o
Terceiro Prémio foi atribuído ao artigo “Aplicações da
Cortiça para Fins Militares”, da autoria do Dr. Luís Gil,
publicado no JE n.º 576, de Agosto de 2008. Foi ainda
atribuída uma Menção Honrosa ao artigo “O Alerta
que vem dos Pólos”, da autoria da Dr.ª Teresa
Abrantes, publicado no JE n.º 569, de Janeiro de 2008.
Entregaram os prémios, respectivamente, o TenenteGeneral Oliveira Cardoso, o Major-General Fernandes
Matias, o Major-General Henriques Dinis, InspectorAdjunto da Inspecção-Geral do Exército e o Coronel
Madaleno Geraldo, Director do Jornal do Exército. O
primeiro lugar do Décimo Segundo Concurso de
Fotografia do Jornal do Exército foi atribuído à
fotografia intitulada “Metralha”, da autoria do Coronel
António Manuel Conde Falcão, que esteve
impossibilitado de assistir à cerimónia.
O Coronel de Infantaria José Custódio Madaleno
Geraldo, anfitrião da cerimónia, dignou os presentes
com palavras de apreço e agradecimento pela sua
16
disponibilidade e colaboração, terminando na
descrição da situação presente deste órgão, que
dirige, dizendo:
É normal que se faça nestas ocasiões um balanço
do ano que passou e se perspective o ano presente.
Pois bem, todos conhecem o “suor do nosso
trabalho”, o “fruto da nossa missão”, onze números
do Jornal do Exército por ano, com a qualidade que
nós não podemos julgar - essa nobre missão cabe
aos nossos estimados leitores, onde vos incluímos a
todos. Procuramos, no entanto, com as limitações e
os condicionalismos dos tempos que atravessamos,
continuar a “Informar para bem Servir” do que se
vai passando no nosso Exército, como é o nosso lema.
Concomitante com a missão do Jornal, participámos activamente no âmbito do Programa do
Exército, nas Comemorações dos 200 anos das
Invasões Francesas, em Proença-a-Nova, no Instituto
de Odivelas, no RA 5, em Vila Nova de Gaia, na EPC,
em Abrantes, na ESE, nas Caldas da Rainha e no
âmbito do Dia da Brigada de Intervenção, em
Coimbra.
Ainda só se evocaram os 200 anos da Invasão de
Junot. Este ano corrente daremos conta dos
acontecimentos que se passaram na Invasão
comandada por Soult e para o próximo contaremos
o que se passou com a Invasão de Massena e com o
sucesso das Linhas de Torres Vedras.
Mas, como sabeis, nem só de evocações históricas
e de comemorações se reveste a nossa actividade.
Procuramos partilhar com os nossos leitores, d'aquém
e d'além fronteiras, as diversas e importantes missões
internacionais que o nosso Exército tem vindo a
desempenhar na Bósnia-Herzegovina, em Timor
Leste, no Líbano, no Kosovo, no Iraque, no
Afeganistão, no Chade, Congo e Guiné Bissau, para
além da presença nas estruturas das Organizações
Internacionais a que Portugal pertence de pleno
direito. Desejamos testemunhar de forma mais regular as actividades do nosso Exército no domínio da
Cooperação Técnico-Militar, nomeadamente com os
Países de Língua Oficial Portuguesa. Fica aqui o
repto aos nossos estimados colaboradores, que hoje
marcam presença em número significativo, realçando
o elevado nível dos seus escritos.
Nestes próximos meses, que irão desaguar no
cinquentenário da nossa publicação, procuraremos
tratar o culto da cidadania, que é apanágio do
verdadeiro soldado e que deve ser praticado por
O Chefe do Estado-Maior do Exército, General
José Luís Pinto Ramalho, fez ler, pelo Tenente
Oliveira, durante a cerimónia, uma mensagem de
sua lavra, associando-se às comemorações do Dia
do Jornal do Exército.
Foto: CAVE
Foto: CAVE
Foto: CAVE
todo o cidadão. Ao enviarmos o nosso Jornal para
todas as Escolas Secundárias do País pretendemos
partilhar as nossas qualidades e as nossas virtudes,
a nossa realidade, que está ao alcance de qualquer
jovem que, se assim o desejar, poderá servir Portugal
no Exército. Este será o nosso pequeno contributo
para compensar a crise de valores que a nossa
sociedade está a atravessar.[...]
Com o seu pessoal e os apoios de muitas
entidades, o Jornal do Exército orgulha-se de contribuir para a História do Exército com a sua escrita e
recorda as sábias palavras do então Ministro do
Exército, Almeida Fernandes, que ainda hoje
constituem as nossas referências, e escritas no JE de
Janeiro de 1960, que passo a citar:
“[...] Importa que tenham sempre plena
consciência do sagrado sentido de responsabilidade
que recai sobre os militares, perante a Nação.”JE
[...] Evocamos hoje, 49 anos passados sobre a
primeira edição do Jornal do Exército, o extraordinário
contributo que este órgão de informação tem dado para
a divulgação de informação interna e para o adequado
conhecimento do Exército pela população em geral.
Ao longo de quase cinco décadas de existência, o
Jornal do Exército evoluiu e soube adaptar-se em cada
época, com inteligência, às diferentes realidades do
Exército e do País.
Para o Exército a sua transformação constitui um
processo contínuo, de grande exigência, apelando a uma
postura de análise construtiva e saudável, requerendo a
necessária criatividade e abertura à inovação, na procura permanente da excelência que não se compagina
com paradigmas estáticos e ideias ortodoxas e passivas,
sob pena de sermos ignorados pelas mais recentes
construções da modernidade, aquém e além-fronteiras,
onde, pelo contrário, pretendemos estar sempre
presentes, de forma activa, visível e prestigiada.
[...]
Atento a um mundo, a uma sociedade e a um Exército
em mudança e interactivo com essas dinâmicas, a
importância da actividade do Jornal do Exército no
contexto da sociedade da informação, da comunicação
e do conhecimento é evidente, inovando, publicando
conteúdos com actualidade e pertinência, melhorando
processos e integrando as novas Tecnologias de
Informação e Comunicação disponíveis, com o objectivo
de melhorar a qualidade desta publicação, conferindolhe um merecido destaque no exigente e competitivo panorama das publicações militares nacionais e estrangeiras,
ao serviço da afirmação do Exército.
O Jornal do Exército assume-se ainda como um elo
unificador entre militares e civis que servem, ou
serviram, nas diferentes Unidades, Estabelecimentos e
Órgãos do Exército, das aspirações comuns, estimulando e fortalecendo o espírito de corpo, essencial para a
criação de um verdadeiro espírito de Família Militar.
Militares, Funcionários Civis e Colaboradores do
Jornal do Exército,
Neste dia festivo, relembro todos os militares,
funcionários civis e colaboradores que, ao longo dos
anos, nas tarefas mais simples ou nas mais exigentes,
contribuíram com o seu esforço anónimo, dedicado e
persistente, para a inexcedível qualidade dos conteúdos
desta publicação, prestando a todos sentida homenagem
à sua generosidade, profissionalismo e espírito de
sacrifício.
O Comandante do Exército deposita a sua confiança
na vossa determinação, inteligência, elevado espírito de
sacrifício e de abnegação, garante de que a missão
continuará a ser bem cumprida em todas as circunstâncias para ultrapassar os desafios, actuais e futuros,
para a dignificação e o prestígio do Exército e de Portugal.
17
UNIFORMES MILITARES
Manuel A. Ribeiro Rodrigues
Os Uniformes da Guerra Peninsular (1806 – 1815) (IV)
Oficiais-Generais e Brigadeiros
N
esta época, só os Oficiais-Generais e os Brigadeiros
tinham o chamado “grande” e “pequeno” Uniforme,
todos os outros tinham o chamado uniforme de “Inverno”
ou de “Verão”, que se limitava simplesmente a uma troca de
calças, da cor da farda, no Inverno, para calças brancas ou
de “branco alvacento”, no “Verão”.
Apanhado das abas da casaca
Oficiais-Generais:
Os apanhados eram
presos por intermédio de
uma presilha bordada a fio
de ouro, (figura 3) e
Pequeno-Uniforme
Casaca
Comprida, sem bandas e fechando à frente por intermédio
de uma fila de oito botões dourados, do respectivo padrão,
com caseado de cartasana de fio douFigura 1
rado. Gola e canhões
das mangas da cor da
farda. Em cada canhão ostenta dois
botões pequenos
com casa de cartasana igual aos outros, vivos e forro
branco, tudo conforme a figura 1.
Figura 3
colocadas conforme se vê
na figura 4.
Figura 4
Brigadeiros:
Apanhados das abas fixos por intermédio de uma casa
de galão de cartasana
bordada a fio de ouro, conforme o modelo da figura 5,
Figura 5
Figura 2
As abas têm aplicações brancas com
botões dourados, os
bolsos são desenhados no sentido do
comprimento, por intermédio de um vivo
branco, tendo em
cada algibeira três
botões do respectivo
padrão. Virado das
abas ou “vistas” branco, como na figura 2.
As bordaduras próprias das respectivas graduações (1)
no Pequeno-Uniforme colocam-se somente na gola e nos
canhões das mangas.
(1) – Assunto a tratar oportunamente.
18
e tudo conforme a figura 6.
Observação: nas figuras
apresentadas não se colocaram os bordados, afim de
se poder ver melhor a farda.
Figura 6
Vestia
Ou colete de lã ou linho branco sem bordaduras.
Banda
Igual à do grande uniforme, colocada do mesmo modo,
mas por cima da farda.
Calções
De pano da cor da farda ou brancos, conforme a estação
do ano.
Botas
De montar, pretas e com esporas de ferro ou prata.
Coberturas de Cabeça
UNIFORMES MILITARES
Bicórneos
Oficiais-Generais:
De feltro preto, acairelado por um galão bordado a ouro
(figura 7), forrado de plumas brancas; Laço Nacional de seda
azul ferrete e escarlate, tendo por cima uma presilha de fio de
Figura 8
Figura 7
ouro, sendo presa por um botão
do respectivo padrão; penacho
de plumas brancas, tudo como
se vê na figura 8.
Brigadeiros:
Em tudo igual ao anterior,
substituindo as plumas pelo
penacho da cor particular da
Arma ou Corpo a que pertencia (figura 9), tendo em cada
bico do chapéu uma borla de
torçal de seda dourada,
terminando em canutilhos de
ouro (figura 10).
Figura 12
Figura 9
Figura 14
modelo da figura 14.
Nota: A descrição dos bicórneos, para
todas as patentes, é bastante confusa no
que diz respeito às plumas, penachos e
galões. Quando se chega a uma determinada
conclusão lógica, de imediato as “nossas
teorias ou suposições” caem por terra,
porque, ao analisarmos a pouca iconografia
da época e outras feitas posteriormente, vêse de tudo um pouco, “baralhando o mais
avisado”: Grande-Uniforme com chapéu do
pequeno e vice-versa, com e sem plumas,
Figura 10
com e sem acairelado e de modelos
totalmente distintos, tudo isto dependendo do “gosto” do
oficial para os retratos da época e da interpretação ou
“distracção” de cada artista plástico, ou autor (onde eu me
incluo...). Neste sentido, ao longo desta série de artigos, iremos
divulgar diversa iconografia devidamente comentada, ficando
a decisão final ao critério dos nossos leitores.
Armamento
Sabre
Dourado, com punho conforme as
figuras 11, 12 e 13, tendo uma coroa de
louros na virola, junto aos terços. Bainha
de metal amarelo com bocal, braçadeiras,
argolas de suspensão e guarda-lama do
Figura 13
Figura 11
Fiador
De liga ou cordão tecido de seda
escarlate com bordaduras a ouro, borla de
canutilhos dourados, tudo como se vê na
figura 15.
Boldrié
De marroquim encarnado com vivos a
fio de ouro, ferragens
de metal dourado, sendo: a) fivelas; b) e c)
Figura 15
fechos; d) ferragens.
Sabre, bainha e boldrié, tudo conforme a
figura 16.
Observação:
No Museu Militar, na sala da Guerra Peninsular, pode
observar-se um Grande e Pequeno-Uniforme de TenenteGeneral, possivelmente os únicos exemplares da época
existentes. Assunto a tratar brevemente.
JE
19
Tenente RC Ana Rita Carvalho/
BrigInter venção
O renovar de uma missão
A
Brigada de Intervenção projectou, em
Setembro, para o Kosovo, mais uma Força
Nacional Destacada – o Agrupamento MIKE –, a
quarta missão naquele território desde o ano 2000. O
Agrupamento MIKE, comandado pelo TenenteCoronel Jocelino Rodrigues, foi constituído com
base no Grupo de Auto-Metralhadoras (GAM), da
Brigada, e está sediado no RC 6, em Braga, tendo
surgido na decorrência da transformação da Brigada
Ligeira de Intervenção em Brigada de Intervenção,
aquando da transformação do Exército, operada a
partir de 2004.
A exemplo dos batalhões que o antecederam, o
Agrupamento MIKE, integrado na força NATO
presente no Kosovo, cumpre a missão genérica de
“garantir um ambiente estável e seguro”, bem como
a “liberdade de movimentos a todos os cidadãos
do Kosovo”. Constituindo-se como reserva táctica
do comando da KFOR, pode ser empregue em qualquer ponto daquele Teatro de Operações, pelo que
não tem restrições ao seu emprego. De entre as
tarefas prioritariamente atribuídas ao Agrupamento
encontram-se: a rendição ou reforço das Multina20
tional Task Forces; a recolha de informação;
operações de controlo de tumultos; operações de
interdição e anti-contrabando; apoio à UNMIK-P
na luta contra o crime organizado; apoio ao ICTY
(Tribunal Criminal da Jugoslávia), se necessário;
apoio à comunidade internacional e às autoridades
do Kosovo, em caso de catástrofe humanitária;
emprego no TO da Bósnia-Herzegovina, se
necessário.
Um compromisso com o País
A projecção desta Força Nacional Destacada
corresponde ao reassumir de um compromisso de
Portugal com a comunidade internacional, com a
OTAN, especificamente com a força presente no
Kosovo, a KFOR, na sua missão de ajudar o povo
kosovar a reconstruir a sua existência e a reencontrar
a sua identidade num clima de segurança. Mas é
também a imagem de Portugal que os nossos militares
veiculam, na sua actuação, a qual tem granjeado a
maior confiança por parte das estruturas superiores
de comando, nacionais e internacionais. O historial
da participação de forças portuguesas em missões
de Paz apresenta um saldo francamente positivo,
Constituindo-se
como reserva táctica
do comando da KFOR,
pode ser empregue
em qualquer ponto
daquele Teatro
de Operações, pelo
que não tem restrições
ao seu emprego
tendo em conta os elevados níveis de
profissionalismo, rigor e competência demonstrados.
A associar às qualidades militares são de relevar as
qualidades tradicionalmente reconhecidas aos
nossos militares, a nível das relações humanas, que
muito têm contribuído para um fácil entrosamento,
quer junto dos seus parceiros integrados em
contingentes da KFOR, quer junto da população
aos quais se dirige a sua acção. Nesse sentido, é
bem expressiva a divisa doAgrupamento MIKE «Ut
unum sint» («Para que sejam um só», do Evangelho
de S. João, 17:11), que integra o seu escudo de armas.
Assim, a projecção de mais esta força pela Brigada
de Intervenção constitui, antes de mais, um
compromisso assumido com Portugal e um reforço
importante da sua política externa, consignada, a nível
da Defesa Nacional, em missões de apoio à Paz. Neste
contexto e, durante a fase de aprontamento da força,
teve lugar a cerimónia de entrega do Estandarte
Nacional, pelo Major-General Martins Ferreira,
Comandante da Brigada de Intervenção, ao
Comandante do Agrupamento MIKE, TenenteCoronel Jocelino Rodrigues, a qual decorreu em 6 de
Junho e se inseriu nas comemorações do Dia da
Brigada de Intervenção. Perante uma imponente
parada militar de mais de 1500 homens, na Praça da
Canção, em Coimbra, o Major-General Martins
Ferreira dirigiu-se à Força numa alocução de que
ressaltou um elevado sentido patriótico associado à
nobre missão do Agrupamento MIKE no Kosovo.
As suas palavras veicularam a visão do Comandante
e a sua inexcedível confiança no empenho e espírito
de sacrifício dos que assumiram o solene
compromisso de honrar Portugal em terras do
Kosovo, em mais uma missão. E o gesto da entrega
do símbolo máximo da Pátria, no qual se inscrevem
as imortais palavras de Camões «Esta é a ditosa pátria
minha amada», encerra também o sentido de um
legado transmitido a esta Força e aos seus militares,
lídimos representantes de Portugal nas missões de
apoio à Paz. Registem-se algumas das palavras do
Major-General Martins Ferreira, nas quais deixou bem
vincado o sentido de Missão em que se corporiza
todo o esforço humano dos militares do
Agrupamento, dando consistência à verdadeira
dimensão de ser Soldado:
[…] Esta cerimónia, sendo um momento de
exaltação e de grandeza, é também o limiar da vossa
verdadeira Maioridade que assumireis com justo
orgulho e que vos guindará, em altaneira postura,
à verdadeira dimensão humana que é, de resto, a
dimensão de soldado. […]
O símbolo “A Bandeira Nacional”, perante a
qual ireis assumir o compromisso formal de defender
Portugal além fronteiras, encerra a memória
colectiva de um povo que soube conservar a sua
identidade e a sua independência ao longo de nove
séculos de História. […]
Como portugueses, como cidadãos e como
militares, estão dispostos de forma desinteressada
a continuar Portugal, onde a Nação e o Exército
entenderam ser necessário. […]
21
Ao longo dos últimos meses fostes submetidos a
uma instrução progressivamente exigente, de modo
a desenvolver as capacidades físicas, mentais e
morais e as competências técnicas necessárias ao
cabal desempenho da vossa futura missão ao
serviço da OTAN no Teatro de Operações do
Kosovo. […]
Estou plenamente consciente das dificuldades
que terão de ultrapassar, reiterando a minha total
confiança no vosso Comandante e reafirmando a
minha profunda convicção na vossa cuidada
preparação e nas vossas inabaláveis lealdade e
determinação. […]
Homens e Mulheres do Agrupamento MIKE, a
Bandeira Nacional é, como sabeis, um símbolo da
Pátria, pelo que o Estandarte Nacional que a
representa, e que está colocado à vossa frente,
significa que por seu intermédio a Pátria está
presente e vos contempla.
Naquele pano verde e rubro estão eternizados
feitos heróicos praticados pelos soldados
portugueses nos vários cantos do mundo e está
sintetizada uma História, de que devemos orgulharnos, sendo nossa obrigação e dever saber honrar e
continuar com a mesma bravura e galhardia dos
nossos antepassados, trilhando o caminho da
honra e da glória. […]
[T]enho a certeza de que Portugal pode
contar com todos os militares do Agrupamento
MIKE para continuarem na senda dos 5455
militares já projectados por esta Brigada, com o
profissionalismo, a dedicação e o elevado
espírito de missão e bem servir para representarem com dignidade o seu nome no Teatro
de Operações do Kosovo saindo dignificado e
prestigiado o Exército a que todos nos
orgulhamos de pertencer.
O aprontamento da Força
e o «Exercício Pristina 082»
A missão primária da Brigada de Intervenção
permite definir como objectivo último a projecção de
forças em operações de intervenção, portanto,
centradas no combate; todavia, a realidade em que
se enquadra o Agrupamento MIKE, bem como a força
multinacional responsável por estabelecer e manter
a segurança no Kosovo, vem conceder prioridade
às operações de estabilização. Os objectivos e tarefas
implementados no exercício final «Pristina 082»
responderam a este conceito de missão, envolvendo
o planeamento e controlo de operações de escalão
Batalhão bem como operações de reserva, na AOR
da KFOR.
22
Preparação e treino do Agrupamento MIKE, para a sua
missão no Kosovo, no qual se insere o Exercício Pristina
082
No objectivo de preparar e treinar o Agrupamento MIKE para o exercício da sua missão no
Kosovo, foi conduzido o aprontamento desta força,
no qual se insere o Exercício Pristina 082, como
exercício final, tendo decorrido de 24 a 31 de Julho,
em Cabeceiras de Basto, distrito de Braga. Este
exercício de forças no terreno teve por objectivo a
validação dos níveis de treino operacional do
Agrupamento MIKE/BrigInt/KFOR, inserindo-se
no plano operacional da Brigada, sequenciado em
ciclos semestrais.
Cabeceiras de Basto foi o local escolhido para
o desenrolar das operações, dado possuir características naturais que o aproximam do cenário real
do Kosovo. A área do Concelho (cerca de 242 km²)
foi, então, convertida na área de responsabilidade
da KTM da KFOR (Tactical Reserve Manoeuvre
Batallion). Nas serras e aldeias limítrofes de
Cabeceiras de Basto, o cenário é tipicamente o do
Portugal rural e desta zona nortenha, dominada
pelas montanhas escarpadas, entrecortadas por
vales verdejantes e pela Ribeira do Douro. Mas a
paisagem duriense é também muito semelhante
àquela que vemos no Kosovo (embora menos
verde, ainda mais rochosa e agreste). Foi neste
cenário que o Agrupamento MIKE executou
múltiplas tarefas, de âmbito operacional, inerentes
à sua missão futura no Kosovo. As acções
desenvolvidas foram direccionadas para algumas
áreas fulcrais de intervenção, designadamente as
acções CIMIC – de cooperação civil-militar – em
que se incluíram acções de divulgação do Exército
e de apoio às populações da região de envolvência
do exercício, para além de uma série de acções de
nível operacional, tais como patrulhamentos, checkpoints e postos de controlo móveis, operações de
cerco e busca, operações de vigilância, controlo de
tumultos, escoltas e outras operações de protecção,
recolha de informações, entre outras. Todas estas
acções foram implementadas a partir de uma matriz
de incidentes gerados para o efeito, tendo sido
criadas forças de cenário capazes de espoletar a
acção conducente a uma resposta o mais próximo
possível do objectivo a atingir. A análise do tipo de
reacção/resposta da força em actividade constituiu
um indicador do nível de proficiência alcançado,
de acordo com os objectivos a atingir, nos cenários
mais prováveis de intervenção no TO.
Revisitemos algumas das acções desencadeadas durante o Exercício Pristina 082, as quais subsumem diversas vertentes do treino operacional.
As múltiplas vertentes
do treino operacional – um
empenhamento permanente
Acções de cooperação civil-militar
As acções de cooperação civil-militar (CIMIC)
representam uma das faces mais visíveis do Exército
junto do meio civil, podendo abranger um semnúmero de vertentes, desde a assistência
humanitária (incluindo a prestação de cuidados
médicos), à educação e formação, apoio logístico e
administrativo, à manutenção da ordem e da
segurança de civis e, de um modo geral, à defesa
dos direitos humanos.
No âmbito das acções CIMIC, assumiu
particular relevância, durante o Exercício Pristina 082,
a intervenção da equipa médico-sanitária junto das
populações.Tendo sido celebrado um protocolo entre
a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e
organismos de saúde local, foi implementado um
projecto de telemedicina, cujo plano se insere no
designado “Projecto de Desenvolvimento Integrado”,
que inclui, nas suas valências, a prestação de apoio
médico, em ambulatório, através de um posto móvel,
guarnecido com pessoal especializado e dotado de
equipamento adequado à realização de consultas
médicas e de alguns exames complementares de
diagnóstico.
Em estreita ligação com os organismos locais de
Cabeceiras de Basto, nomeadamente os ligados à
área da Saúde, oAgrupamento MIKE/BrigInt/KFOR
desenvolveu acções no terreno, com o deslocamento
periódico de uma equipa constituída pela oficial
médica –Tenente Ana Amaral – e por uma enfermeira
aos locais habituais de actuação das equipas médicosanitárias civis da região. O espaço de actuação
destas equipas abrangeu a área do Concelho, com
cerca de 18 000 habitantes, sendo de realçar que a
viatura do posto médico móvel, na qual trabalhou a
equipa médica doAgrupamento MIKE, presta apoio
a cerca de 1000 utentes. Em algumas das acções de
apoio médico-sanitário, a médica doAgrupamento e
as três enfermeiras da sua equipa foram acompa-
O treino operacional do Agrupamento consubstanciou-se numa série de exercícios, na criação e resposta a incidentes
23
nhadas por jornalistas, que efectuaram reportagens
nos locais onde se concentravam as populações para
a sua consulta de rotina.
Acções de controlo de tumultos
A par das acções CIMIC, o treino operacional do
Agrupamento foi constante, durante o Exercício
Pristina 082, tendo-se consubstanciado numa série
de exercícios, na criação e resposta a incidentes.
Diversos deles envolveram o confronto entre “civis”
(forças de cenário) e militares do Agrupamento, em
diversos locais e contextos, nomeadamente os das
manifestações pela reivindicação de direitos por parte
das facções étnicas ou sociais em litígio, fosse a
minoria sérvia ou a comunidade albanesa.
A Escola Básica 2/3 de Cabeceiras de Basto,
convertida em quartel, assistiu assim e reagiu a
diversos ataques e incidentes, nomeadamente à Porta
de Armas onde se concentraram os “manifestantes”.
Estas “manifestações” constituíram também uma
forma de exercitar a capacidade de negociação dos
militares, que, em certas circunstâncias, celebraram
compromissos com os “populares”, sendo veículo
de diálogo com os poderes locais competentes.
Frequentemente, eram injectados vários
incidentes em simultâneo, frente ao Aquartelamento
da KFOR, ou seja, à Escola, verdadeiramente
transformada num aquartelamento militar em Pristina.
Num desses incidentes, figurantes passando por
populares albaneses concentraram-se à Porta de
Armas, gritando insultos para os militares do
Aquartelamento, enquanto lançavam objectos para
o seu interior e faziam ouvir palavras de ordem
reclamando a independência e a melhoria das
condições de vida da população albanesa.
Cerca de duas dezenas de elementos foram
empenhados como forças de cenário, o que
contribuiu para emprestar grande realismo ao
incidente. A tensão foi-se intensificando até surgir a
necessidade de intervenção de um pelotão de
controlo de tumultos. Diversas arremetidas foram
intentadas. A agressividade aumentou nas duas
frentes – a dos “manifestantes” e a dos militares do
Agrupamento MIKE, em acção na KFOR. Na pacata
vila de Cabeceiras de Basto, como se de um filme de
ficção se tratasse, concentraram-se populares às
dezenas, incluindo feirantes, pois era dia de feira na
vila, a qual tem lugar mesmo defronte do quartel/
escola. Diversos populares, cujo entusiasmo era
visível, tentaram juntar-se às forças de cenário, dando
a sua voz à “manifestação”. Choveram objectos e
encenou-se um quadro muito vivo e dinâmico, a
suscitar o interesse dos órgãos de comunicação
locais que registaram o incidente com as suas câmaras
24
Figurantes passando por populares albaneses concentraramse à Porta de Armas, gritando insultos para os militares do
Aquartelamento, enquanto lançavam objectos para o seu
interior
e gravadores. Também diversas pessoas, motivadas
pela curiosidade de verem a sua praça transformada
em campo de batalha, pegaram nos telemóveis e
captaram imagens. A assistir estavam igualmente o
Comandante da Brigada de Intervenção, o Presidente
da Câmara de Cabeceiras de Basto, oficiais da
Inspecção-Geral do Exército e muitos militares do
Agrupamento MIKE e da Brigada de Intervenção.
Entre a população houve sorrisos, porque a cena
era fictícia, mas houve também formulações de “votos
de felicidades”, entusiasticamente dirigidos aos
nossos militares, para quando a missão fosse real no
Kosovo. E aquilo que era um incidente, durante o
qual se defrontavam militares e revoltosos, terminou
com um forte aplauso da simpática população de
Cabeceiras de Basto, que tão amistosamente recebeu
os militares e que, além da excelente hospitalidade,
manifestou grande sentido patriótico.
Outras operações
Outras vertentes de actuação da nossa Força
consistiram, por exemplo, em operações de cerco e
busca, quando denunciada a existência de locais
onde presumivelmente se traficavam armas ou onde
estariam guardados engenhos explosivos,
obrigando à sua localização bem como à actuação
das patrulhas competentes e de equipas de
inactivação daqueles engenhos. De igual modo,
registaram-se tentativas de entrada de viaturas
contendo o mesmo tipo de engenhos, no interior
Nas estradas acidentadas do Concelho circulavam, ao longo do dia, colunas militares, que eram surpreendidas por elementos
emboscados, representando populares do Kosovo
do Aquartelamento, como forma de testar diversos
procedimentos de segurança.
O Agrupamento MIKE foi chamado igualmente
a proteger a área do Tribunal de Mitrovica, onde se
registaram confrontos violentos, simulando um
protesto contra a presença da comunidade
internacional a norte do rio Ibar. Aquela área foi
transposta, no cenário do Exercício, para a
localidade de Veiga (concelho de Cabeceiras de
Basto), para onde foi destacada a Companhia Bravo
Coy. Esta companhia, destacada com uma parte do
Estado-Maior do Agrupamento, instalou-se
naquela localidade, com diversos módulos,
nomeadamente o sanitário, de manutenção,
alimentação e transmissões, sectores essenciais no
teatro de operações. Simulando o aquartelamento
dinamarquês em Mitrovica, a companhia tinha por
missão assegurar a estabilidade do tribunal onde
haviam ocorrido incidentes graves, para além de
patrulhas e de outros procedimentos de rotina.
Outros incidentes implementados foram as
emboscadas a patrulhas militares. Nas estradas
acidentadas do Concelho circulavam, ao longo do
dia, colunas militares, que eram surpreendidas por
elementos emboscados, representando populares
do Kosovo, que atacavam as viaturas, disparando
ou lançando pedras, enquanto proferiam
reivindicações. Os militares optaram, geralmente,
pela via do diálogo, acompanhado do reforço do
patrulhamento local, um tipo de resposta adequado
à situação vivida no Kosovo e também à missão de
Paz em que se enquadra a nossa Força, a par de
outro tipo de resposta, mais agressiva, tendente a
travar a acção rebelde.
Numa outra perspectiva, as estradas e
povoações encontravam-se povoadas por crianças
e adultos a acenarem simpaticamente às colunas –
era o Povo Português, na sua essência, mas eram
também os rostos curiosos e sorridentes das
crianças louras que em terras kosovares dirigem
calorosos cumprimentos aos militares portugueses.
Rostos semelhantes, pátrias diferentes. Um mesmo
sentido de Humanidade.
Informação pública
A designada “política de informação pública”
é uma componente importante neste tipo de
exercícios, conferindo visibilidade ao Exército e à
Brigada, através da divulgação das suas actividades
junto dos Órgãos de Comunicação Social locais e
nacionais e da opinião pública em geral. Durante a
realização do «Exercício Pristina 082» foram
conduzidas diversas visitas de jornalistas ao interior do Aquartelamento e também às áreas de
implementação de incidentes, no seu exterior.
25
Numa vertente experimental, foram injectados
incidentes envolvendo hipotéticos jornalistas como
forma de treinar condutas e abordagens a ter para
com estes profissionais no Teatro de Operações,
bem como procedimentos que envolvem a sua
protecção e segurança. Os incidentes envolvendo
jornalistas, para além de outros objectivos,
permitiram dar seguimento a uma política activa de
informação pública, de interacção entre a actividade
do Agrupamento e do Exército, por um lado, e a
sociedade civil, por outro.
Trinta anos de escola
– uma semana de quartel
A Escola Básica 2/3 de Cabeceiras de Basto,
com trinta anos de história, viu-se transformada em
quartel durante uma semana. Ali foi conduzida uma
visita às instalações do Agrupamento MIKE,
respectivo Estado-Maior, bem como ao Estado-Maior
da Brigada de Intervenção. A visita foi acompanhada
por diversos Órgãos de Comunicação Social locais,
que foram recebendo esclarecimentos por parte do
Major-General Martins Ferreira e pelo Comandante
do Agrupamento MIKE, Tenente-Coronel Jocelino
Rodrigues. A acompanhar a visita encontravam-se
também alguns vereadores, deputados daAssembleia
Municipal, membros da Protecção Civil e o
Comandante dos Bombeiros. O percurso iniciou-se à
Porta de Armas, com a simulação dos procedimentos
regulamentares de segurança à entrada do
aquartelamento da KFOR, onde se encontrava uma
força de segurança imediata, para reagir a qualquer
tentativa de flagelação, cumprindo os planos de
segurança do aquartelamento com uma prontidão de
30 minutos.
Já no interior da escola transformada em quartel,
os visitantes passaram pelo Estado-Maior do
Agrupamento, onde visitaram as diversas secções e
infra-estruturas, como os alojamentos, salas de
conferências, balneários, refeitório geral, posto
médico, parque de viaturas e outras infra-estruturas,
agrupadas em três áreas – comando, salas de trabalho
e dormitório.
Durante a visita, o Major-General Martins Ferreira
e o Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues foram
expondo aos visitantes aspectos relacionados com o
planeamento e a conduta do «Exercício Pristina», bem
como a sua implementação em Cabeceiras de Basto,
concelho que, quer pelas suas características
geográficas, quer pelas infra-estruturas e logística
disponibilizadas pela Câmara Municipal, se constituiu
como espaço ideal para a sua realização. Por outro
lado, naquele espaço foi possível implementar o treino
26
em contacto com a população civil e com plena
integração dos militares. Este aspecto foi importante
para dar a conhecer um pouco das actividades e da
missão do Exército, particularmente o seu
empenhamento nas FNDs.
O Comandante da Brigada de Intervenção
promoveu um briefing, nas instalações do
Agrupamento MIKE, começando por apresentar o
respectivo organograma, estruturado por um EstadoMaior e por três companhias – Alfa, Bravo,
Charlie –, nos seus diversos módulos e valências,
particularmente os respeitantes ao pessoal, logística,
manutenção e operações. Relativamente ao
aprontamento, foram referenciadas as suas diversas
fases, bem como os cursos e estágios frequentados
pelos 290 militares em aprontamento, num total de 34.
O Major-Genertal Martins Ferreira salientou que
o «Exercício Pristina» constitui o culminar de seis
meses de treino, correspondendo a fase final à
avaliação, levada a cabo pela direcção e controlo do
exercício. Alguns aspectos relacionados com o seu
planeamento e execução foram também colocados em
relevo, nomeadamente a sua inserção no plano de
treino da Brigada de Intervenção, a missão da força
no TO, no respeitante à prevenção de conflitos e, por
último, a importância das lições aprendidas, na fase
de avaliação de procedimentos. Relativamente à última
fase do exercício, foram caracterizadas as principais
acções espoletadas a partir dos 80 incidentes
implementados, parte dos quais a assistência teve a
oportunidade de acompanhar. Quase no final da visita,
era tempo de passar pelo posto médico, cujos
elementos eram já bem conhecidos pela população,
pelo seu notável apoio no Concelho, a bordo do posto
móvel.
No local, aTenente MédicaAna Amaral explicou
brevemente a constituição do posto em quatro áreas
fundamentais – triagem, internamento, sala de
tratamentos e sala de trabalho –, para além da tenda
de isolamento (para os casos de doença infectocontagiosa) e três ambulâncias. Referiu-se também
ao programa de vacinação que faz parte do
aprontamento sanitário dos militares que partem em
missão, não deixando de mencionar alguns números
relativos à acção do posto médico durante o exercício,
o qual só nos primeiros dois dias realizou 55 consultas.
No final da visita, o Major-General Martins Ferreira
concedeu uma entrevista à «Rádio Voz de Basto»,
durante a qual falou das novas tecnologias e valências
do Exército na era da globalização, no empenhamento
de forças nacionais em missões de apoio à Paz,
mencionando números – os cerca de 5500 militares da
Brigada, projectados em FNDs durante 10 anos. Falou
também do «Exercício Pristina», na aferição de
conhecimentos e práticas no terreno, no treino
direccionado para as situações mais prováveis, não
esquecendo as mais perigosas, como o combate, e
referiu-se também à simbólica transformação da Escola
Básica 2/3 em Quartel, espaço aberto a uma cultura de
Defesa e ao conhecimento da missão do Exército e da
Brigada de Intervenção, assinalando a excepcional
receptividade aos nossos militares por parte da
autarquia e da população de Cabeceiras de Basto. No
plano das relações interpessoais estabelecidas entre
militares e população civil, o Comandante da Brigada
de Intervenção destacou que “com o apoio
inexcedível da Câmara Municipal de Cabeceiras
de Basto conseguimos animar a vida local. Penso
que a população gostou.” Destacou ainda a ampla
adesão das pessoas às exposições do Exército, patentes na Praça da República, bem como às actividades
radicais e de divulgação, destacando que “temos hoje
um Exército muito mais aberto, o que é o resultado
de uma aposta no regime de voluntariado, e em
cativar gente para as fileiras.” Dentro da área de
actuação da Brigada de Intervenção – uma vasta
mancha geográfica que se estende por 10 distritos e
90 concelhos – verifica-se que há épocas do ano em
que a acção da Brigada se torna mais notória junto
das populações, particularmente em períodos de
incêndios, de cheias ou em catástrofes naturais.
Pela sua experiência e coesão, a Brigada de
Intervenção contribui para, também no teatro de
operações do Kosovo, ser um motor de paz e de
estabilidade de um território que tem vivido em conflito.
O seu Comandante frisou que “temos já créditos
firmados em todos os teatros. Não é por acaso que
somos reserva táctica da KFOR – podemos ser
empregues em todos os cenários.” Em resposta à
questão sobre se existem riscos inerentes a esta
missão, o Major-General Martins Ferreira referia que
“há sempre um risco. Em Timor, em 2000/2001,
apesar da nossa preparação, os incidentes
aconteceram. Estas missões têm riscos. Preparados
estão eles! A parte operacional correu muito bem e
a força está preparada. Mas também costumo dizer
«apesar de toda a preparação, que a sorte não nos
falte!»”.
O lugar da Cultura
O «Exercício Pristina» foi direccionado em duas
vertentes fundamentais – a vertente operacional
propriamente dita e uma vertente cultural, com
importante expressão, para o que contribuiu o
ambiente socio-cultural de Cabeceiras de Basto e o
excelente relacionamento entre a autarquia e os
militares da Brigada de Intervenção. A Casa da
Cultura de Cabeceiras de Basto é um pólo importante
de cultura no Concelho, sendo um local sempre
Na praça esteve também montada uma torre multiusos, na
qual dezenas de crianças e jovens experimentaram as
modalidades de slide e rappel
aberto aos interessados pela História e Cultura
regionais. Possui uma biblioteca de adultos e outra,
infanto-juvenil, com as respectivas salas de leitura
enquadradas no espaço da velha casa senhorial do
Barão de Basto. À entrada da sala de leitura de
adultos existe uma pequena e curiosa exposição
permanente dos designados “livros de prazos”, que
consistiam, em tempos idos, em registos de
pagamento de bens e géneros, por parte de rendeiros
e outros trabalhadores rurais, a soldo da aristocracia
local. A biblioteca reúne um acervo importante de
obras, abarcando diversas áreas do Saber, bem como
jornais e revistas, entre os quais se encontram os
catálogos das exposições temáticas que periodicamente têm lugar no Museu do Arco de Baúlhe
(antiga estação dos caminhos-de-ferro daquela
localidade), centrando-se em temas da história do
Concelho, nomeadamente sobre os usos e costumes,
as actividades agrícolas, os trajes, a música, a
medicina popular, entre outros.
Na Casa da Cultura esteve patente uma exposição de material de guerra, flâmulas, estandartes e
27
peças heráldicas alusivas à presença portuguesa nas
FNDs, encontrando-se representados os múltiplos
teatros de operações para onde a Brigada de
Intervenção projectou forças, designadamente a
Bósnia, o Kosovo, Timor e o Líbano. Esteve também
exposto, no local, equipamento e fardamento em uso
no Exército, podendo os visitantes visionar um filme
sobre a Brigada de Intervenção, no seu breve mas
rico historial, com as unidades que se encontram sob
o seu comando, desde Chaves a Queluz. Em paralelo
com esta exposição, esteve instalada, frente à Casa da
Cultura, na Praça da República, uma exposição de
viaturas militares que fazem parte da dotação da
Brigada e são actualmente utilizadas no Kosovo,
nomeadamente a Viatura Blindada de Rodas Pandur II
8X8, a Viatura Blindada de Rodas V-200 Chaimite e a
Auto-Metralhadora V-150 Cadillac Gage. Na praça
esteve também montada uma torre multiusos, na qual
dezenas de crianças e jovens experimentaram as
modalidades de slide e rappel.
O Presidente da Câmara, Eng.º Joaquim Barreto, e
o Comandante da Brigada de Intervenção, inauguraram a exposição na Casa da Cultura e visitaram a
mostra de material bélico, num agradável percurso
pela Praça da República com o seu jardim harmoniosamente planificado, tendo por enquadramento o
antigo e magnificente mosteiro de S. Miguel de
Refojos, com a sua igreja barroca. Uma visita, ainda
que breve, pelos espaços com História, em Cabeceiras
de Basto, não pode deixar de incluir a Igreja do
Mosteiro de S. Miguel de Refojos, cuja existência,
que alguns fazem recuar ao século VII, é dada como
certa pelo menos desde o século XII, sendo os seus
padroeiros descendentes de D. Gomes Mendes, que
viveu no século XII. O Mosteiro terá sido fundado
pelos seus antepassados, senhores das terras de Basto,
igualmente fundadores do lugar de “Refúgios”, etimologia a que se associam os topónimos de “Refojos” e
de “Refoyos”, cujo mais antigo nobre foi D. Mendo
(séc. XI), ligado às cortes de D. Henrique e do primeiro
rei de Portugal. Refira-se, a título de curiosidade, que
a história desta família do norte de Portugal é narrada
no romance de Aquilino Ribeiro A Casa Grande de
Romarigães, sendo também referida (bem como a
região circundante) em A bruxa do Monte Córdoba e
em Noites de Lamego, de Camilo Castelo Branco.
O monumento histórico foi um dos mais ricos e
sumptuosos do Reino, pois as rendas de toda a região
se repartiam entre o Mosteiro de Refojos e a Casa de
Bragança, herança do nobre do século XIV Vasco
Gonçalves, “o Barroso”, primeiro marido da que viria
a casar com D. Nun’Álvares Pereira, D. Leonor de
Alvim. Quanto à imponente igreja, foi reconstruída
em 1690, em estilo barroco, de que sobressaem as
duas torres e, no interior, a rica ornamentação em talha
28
dourada, bem como o coro duplo, a capela do
Santíssimo Sacramento e a estátua de S. Miguel
Arcanjo, entre outras preciosidades que vale a pena
contemplar num percurso pela vila.
A vertente cultural que enquadrou este exercício
não se esgotou na visita às exposições e lugares
históricos. Enquanto no terreno se ia desenvolvendo
actividade operacional, tinham lugar diversas
iniciativas de índole cultural e recreativa, em que as
populações e os seus representantes no município
iam acolhendo carinhosamente os militares. Foi o
caso do «Encontro Anual de Cabeceiras de Basto»,
que reuniu na localidade de Veiga (concelho de
Cabeceiras de Basto) 880 pessoas (maioritariamente
idosos) do Concelho. O Major-General Martins
Ferreira juntou-se ao encontro de convívio e lazer,
organizado pela Câmara Municipal, ao lado do
Presidente da Câmara, para participarem no programa
social e recreativo que visa proporcionar o encontro
entre as pessoas residentes nas freguesias daquele
Concelho, anulando os efeitos do isolamento e da
escassa mobilidade, dado tratar-se de uma população
envelhecida. Este tipo de iniciativas, pela sua forte
adesão, espelha bem a opção de reorientar os
esforços para a integração e o apoio à terceira idade,
dado que o paradigma mudou − da orientação para a
educação passou-se a uma reorientação para
estruturas de apoio e de acompanhamento a idosos,
conforme salientava o Vice-Presidente da Câmara,
Dr. Jorge Machado. Ali estiveram presentes
individualidades como o padre Borga, que ofereceu
um espectáculo musical, e a D. Dina Castro, mãe do
escritor e jornalista Luís Castro, que passou por terras
do Iraque como repórter de guerra e é autor de obras
tão conhecidas como Repórter de Guerra e Por que
adoptámos Maddie.
A cultura está bem viva em Cabeceiras de Basto,
terra de grandes tradições, onde se conciliam o popular e o erudito, o passado e o presente, um salutar
regionalismo e o sentido de Pátria, tão arreigado
naquelas gentes nortenhas, que tão bem souberam
acolher os militares, apoiar a sua acção e contribuir
para o cabal cumprimento da sua missão, ao serviço
dessas mesmas populações, do Exército e do País.
Distinghish Visitors Day do
«Exercício Pristina 082»
No dia 31 de Julho, a culminar o «Exercício Pristina
082», teve lugar o respectivo DVD (Distinghish Visitors Day), presidido pelo Tenente-General Pina
Monteiro, Comandante Operacional. Do programa
do DVD constaram diversas actividades, tendo
em vista a divulgação do Agrupamento MIKE, a
sua missão, constituição modular, efectivos e
principais acções desenvolvidas durante o
«Exercício Pristina 082», junto de altas entidades
civis e militares, bem como de Órgãos de Comunicação Social.
Do seu programa destacam-se uma palestra
proferida pelo Major-General Martins Ferreira, no
auditório da Câmara Municipal de Cabeceiras de
Basto, seguida das intervenções do então Chefe
do Estado-Maior da Brigada de Intervenção,
Tenente-Coronel Godinho, e do Comandante do
Agrupamento MIKE, Tenente-Coronel Jocelino
Rodrigues. Seguiu-se uma visita à exposição
patente na Casa da Cultura e uma visita à frente
de trabalho presente no aeródromo de Cabeceiras
de Basto, a cargo da Engenharia militar.
O ponto alto do DVD centrou-se na cerimónia
militar presidida pelo General Comandante
Operacional, no Parque do Mosteiro, campo
contíguo ao Mosteiro de S. Miguel de Refojos.
Após a prestação da continência e demais honras
militares à Alta Entidade, o Agrupamento MIKE
entoou o seu hino, ao que ressoaram aplausos
por parte da numerosa assistência civil presente
no recinto. O Tenente-General Pina Monteiro
dirigiu um discurso aos militares ao serviço de
Portugal no Kosovo, reiterando a confiança
depositada na Força e no seu Comandante e
enaltecendo mais uma missão exigente, que serve
os nobres interesses do País. As palavras do
General Comandante Operacional foram
secundadas pelo discurso dirigido aos militares
do Agrupamento MIKE pelo seu Comandante, o
Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues. Por fim, teve
lugar uma demonstração de capacidades do
Agrupamento MIKE e, a terminar, um almoço de
confraternização no Mercado Municipal da vila.
JE
Nota: Numa futura publicação, e sendo oportuno,
far-se-á a narração do desempenho do Agrupamento
MIKE no Kosovo.
29
Tenente RC Paulo Moreira
172 anos de história
e um pouco mais
A história da Academia Militar não começa em
1810. Por essa altura, o Ensino Superior Militar em
Portugal já contava com quase 170 anos. Mas, por
razões que rapidamente se entenderão, traz-se
primeiro à memória o dia 4 de Abril daquele ano,
quando chega a Queluz, ao Regimento de Cavalaria
N.º 11, um jovem fidalgo chamado Bernardo de Sá
Nogueira de Figueiredo, com idade próxima dos
quinze anos, perguntando pelo Comandante, a
quem prontamente revelou os seus propósitos,
manifestando desejo de assentar praça como
voluntário. O Comandante, avisado dos perigos das
armas e considerando os iminentes confrontos com
as tropas napoleónicas, procura guiar o proponente
30
na direcção da corte, destino mais favorável a
alguém da sua condição. Obteve do rapaz esta
resposta:
“Senhor, não. […] Trago bem presente nos meus
olhos as atrocidades dos inimigos da Pátria, para
que o esqueça. Destes meus olhos me rolaram
lágrimas de raiva, como punhos, quando há dois
anos, os vi quase rotos e famintos, enlameados e
sujos, atravessarem como maltrapilhos os nossos
campos de Santarém em marcha sobre Lisboa. […]
Senhor, eu não ambiciono riquezas, eu não quero
carreira fácil.
Senhor, eu quero cumprir o meu dever.
E, agora, que em Espanha forças inimigas se
juntam para pisar de novo esta terra de portugueses,
eu quero bater-me, ainda que isso seja o fim da
minha própria vida. Senhor, solicito-lhe, pois, que
me aceite nesse Regimento para servir Portugal.
Compenetre-se, Vossa Mercê, que outra honra não
posso ter maior do que servir este Ideal que me
abraza o coração.”1
Em 12 de Janeiro de 1837, com 41 anos, Bernardo
de Sá Nogueira de Figueiredo, Coronel e Visconde
de Sá da Bandeira, assume o cargo de Ministro da
Guerra. Para trás ficaram inúmeros combates nas
Guerras Peninsulares, onde foi ferido várias vezes,
escapando por pouco à foice da grande ceifeira
quando, em 1814, no campo de Vieille, em França,
foi quase mortalmente atingido. Resgatado em
território inimigo, foi feito prisioneiro e internado,
tendo sido libertado alguns meses depois,
regressando então a Portugal. Provado o seu valor
em campo de batalha, o militar entendeu aprofundar
os seus estudos, passando pela Real Academia de
Marinha, pela Real Academia de Fortificação e
Desenho e pela Universidade de Coimbra, onde se
dedica à Matemática e à Filosofia. A necessidade
de exílio leva-o, em 1820, a Paris, onde aprende
Química, e a Londres, onde estuda Engenharia.
Forjado pelas Armas e erudito nas Ciências,
tomando posse no Ministério da Guerra, cria, com
legislação redigida pelo próprio, a Academia
Politécnica de Lisboa e a Escola do Exército. Se
numa os militares deveriam adquirir a necessária
preparação militar, na outra aprenderiam as várias
Ciências da Guerra.
Mas a história desta instituição começa a
contar-se desde tempos mais recuados, 196 anos
antes daquele 12 de Janeiro de 1837.
Num sábado, 1 de Dezembro de 1640, um grupo
de fidalgos da baixa nobreza nacional, pondo fim à
vida de D. Miguel de Vasconcelos, Secretário de
Estado, e aprisionando a Duquesa de Mântua, que
governava Portugal em nome do seu primo, D. Filipe
III, termina com 60 anos de domínio espanhol sobre
o País. D. João IV, escolhido para ocupar o trono
português, aproveita as atribulações que envolvem
a Coroa espanhola, dividida em atenções pela Guerra
dos 30 Anos, a Revolta da Catalunha e a Guerra da
Restauração – esta mantida com Portugal durante
28 anos, entre 1640 e 1668 –, para pôr ordem no País
e para reorganizar o Exército. Entre outras medidas,
D. João IV dá início ao Ensino Superior Militar
criando, por Decreto de 13 de Maio de 1641, a Aula
de Artilharia e Esquadria, a funcionar no Palácio
Real, no Paço da Ribeira (actual Praça do Comércio).
O pequeno passo dado por D. João IV foi o primeiro
de um caminho que ainda perdura.
Em 1790, D. Maria I cria a Academia Real de
Fortificação, Artilharia e Desenho, dando origem a
uma escola com bases científicas de interesse militar
onde seriam formados os futuros Oficiais de
Artilharia, Engenharia, Infantaria e Cavalaria. A
Academia proporcionava ainda a formação de civis
– os Paisanos – que desejassem seguir a carreira
de Engenheiros.
Sem nunca ter saído de Lisboa, a Academia
conheceu ali várias moradas, começando pelo Arsenal do Exército, em Santa Apolónia, seguindo para
o Palácio da Regência e para o Palácio de Calhariz,
até ao Real Colégio dos Nobres, onde se
encontrava quando, em 1837, passou a designarse Escola do Exército, por ordem do Marquês de Sá
da Bandeira. Em 1851, a Escola do Exército chega,
finalmente, às instalações do Palácio da Bemposta,
onde ainda permanece.
A designação de Escola do Exército mantém-se
entre 1851 e 1910, altura em que, por ocasião da
Implantação da República e das reformas levadas a
cabo pela mudança de regime, a Instituição passa a
ostentar o título de Escola de Guerra, embora por
pouco tempo. Em 1919, fruto de nova reorganização,
a Academia foi conhecida como Escola Militar e,
em 1938, recuperou o nome de Escola do Exército.
Por fim, em 1959, como resultado da constante
evolução e aplicação das Ciências no plano militar,
é atribuído a este estabelecimento de Ensino Superior a sua definitiva e actual designação deAcademia
Militar.
Apesar das sucessivas mudanças de designação e dos seus diversos endereços ao longo da
História, os seus objectivos, linhas de orientação e
ideais não foram substancialmente alterados,
mantendo-se também inalterada a sua divisa – Dulce
et Decorum est pro Patria Mori (É doce e honroso
morrer pela Pátria). Hoje, integrada no sistema de
ensino universitário português, a Academia Militar
é responsável pela formação superior dos oficiais
para os quadros permanentes do Exército e da
Guarda Nacional Republicana (GNR).
31
A missão específica
da Academia Militar
A cultura particular e secular do Exército – e das
Forças Armadas em geral – reveste esta instituição
de especificidades transversais em vários domínios,
entre os quais o Ensino Superior. Como tal, o Ensino
Superior Militar assume missões de carácter especial e até exclusivo, procurando assegurar, não só a
formação dos chamados quadros superiores, mas a
formação de quadros superiores militares, futuros
oficiais dos quadros permanentes das Forças Armadas e da GNR, o que não é necessariamente a mesma
coisa. Numa abordagem, ainda que bastante superficial, podemos atribuir à missão específica da
Academia Militar a preparação científica e técnica
dos oficiais, onde as matérias de fundo
predominantemente militar se cruzam e
complementam com outras de carácter mais geral,
como a Matemática, várias Engenharias, a
Administração ou a Saúde. A preparação física e a
formação militar, indispensáveis para a edificação
global dos oficiais, considerando o quotidiano da
sua actividade e o exercício da hierarquia, ocupam
igualmente um lugar de relevo no cumprimento da
missão da Academia.AAcademia é ainda chamada a
cumprir uma missão de formação moral, cívica e
comportamental, realçando valores indissociáveis
das tradições militares e inseparáveis da sua história
e dos seus protagonistas, como o sentido do dever,
a lealdade, a ordem e a disciplina, bem como os traços
de carácter necessários às funções de comando.
32
Valores estes que, muitas vezes, têm como única
reserva de futuro os usos e costumes das próprias
Forças Armadas.
A perseverança no cumprimento destas
missões, influenciada pelas raízes ancestrais
castrenses, assente numa sólida e exigente
educação militar, distingue claramente a Academia
Militar de outros estabelecimentos de Ensino Superior e sustenta a longevidade e o próprio futuro
da Instituição.
A tendência globalizante da sociedade actual,
visível, neste campo, na recente reestruturação do
ensino superior com a implementação do Processo
de Bolonha, mereceu, compreensivelmente, alguma
cautela aquando da sua adaptação ao Ensino Superior Militar. A homogeneidade curricular
pretendida pela Europa, a harmonização científica
dos cursos e a comparabilidade dos graus
académicos, sem ter em conta questões identitárias
e idiossincráticas que possam ser levantadas,
encontrou no Ensino Superior Militar – entre outros
– um pressuposto incontornável que não pode ser
esquecido e que não tem correspondente algum na
sociedade civil: a formação de indivíduos com a
função única de Defesa da Pátria, ainda que com
sacrifício da própria vida.
O Dia da Academia Militar
No dia 12 de Janeiro, data em que se completaram 172 anos desde a fundação da Escola do
Exército, herdeira daAcademia Real de Fortificação,
Artilharia e Desenho, celebrou-se o Dia daAcademia
Militar, com uma cerimónia presidida pelo General
Chefe do Estado-Maior do Exército, José Luís Pinto
Ramalho. O evento, realizado na sede da Academia
Militar, em Lisboa, contou com a presença de altas
entidades militares e civis, destacando-se o
Presidente da Câmara Municipal da Amadora, Dr.
Joaquim Moreira Raposo, Generais antigos Chefes
do Estado-Maior do Exército, Generais antigos
Comandantes da Academia Militar, o Tenente-General Nelson dos Santos, Comandante-Geral da
Guarda Nacional Republicana, o Tenente-General
Oliveira Cardoso, Vice-Chefe do Estado Maior do
Exército, os Directores do Instituto de Defesa
Nacional e do Instituto de Estudos Superiores
Militares, respectivamente, o Prof. Doutor António
José Barreiros Telo e o Vice-Almirante Álvaro
Sabino Guerreiro, um Representante do Governo
Civil de Lisboa, os Comandantes da Escola Naval –
Contra-Almirante Luís Manuel Fourneaux Macieira
Fragoso – e da Academia da Força Aérea – MajorGeneral José Manuel Pinheiro Serôdio Fernandes
–, um representante do Director do Instituto de
Ciências Policiais e de Segurança Interna, familiares
do Marquês de Sá da Bandeira e antigos Professores
daAcademia Militar.
Do discurso do Comandante da Academia
Militar, Tenente-General Fernando Manuel Paiva
Monteiro, salientam-se as preocupações e as
perspectivas de futuro do Estabelecimento, de onde
se realçam a adaptação ao Processo de Bolonha, a
integração da componente politécnica do ensino, a
alteração do Estatuto e do Regulamento da
Academia e a implementação de um programa
Erasmus Militar.
“[…] O nosso grande desafio nos últimos anos
tem sido o da adaptação do Ensino Superior Militar
aos princípios contidos na Declaração de Bolonha.
É um processo que temos vindo a desenvolver mais
intensamente nos dois últimos anos, na sequência
da publicação dos Decretos-Lei 74/06, de 24 de
Março, e 37/08, de 8 de Março, e que, naquilo que
depende exclusivamente de nós, está terminado.
[…]
Também já incorporámos na Academia a
componente politécnica do Ensino Superior Militar,
que resultou da extinção da Escola Superior
Politécnica do Exército, aguardando-se a definição
da estrutura de carreiras para que se planeie a
formação adequada […].
A conclusão da transformação associada a
Bolonha passará também pela alteração do Estatuto
e Regulamento da Academia Militar, dos quais já
elaborámos e apresentámos projectos, aguardando
orientação do Ministério da Defesa Nacional para
prosseguirmos com esta importante tarefa.
Tem sido linha mestra da nossa actuação o
reforço da nossa ligação à sociedade civil, muito
especialmente ao meio universitário, o que se tem
traduzido em diversas iniciativas, de [onde] saliento
a realização dos mestrados e doutoramento em
História, Defesa e Relações Internacionais em
associação com o Instituto Superior das Ciências
do Trabalho e da Empresa, Mestrado em História
com a Universidade dos Açores e os cursos de
Competitive Intelligence frequentados por
licenciados civis e oficiais das Forças Armadas e
de Segurança, aos quais conferiremos também o
grau de mestre.
Prosseguimos a colaboração com várias instituições que reconheceram em nós capacidades e
competências que constituem valor acrescentado
para os seus quadros. De realçar, neste aspecto, os
cursos de liderança ministrados a alunos da
Universidade do Minho e da Universidade Nova
de Lisboa. Pela primeira vez, organizámos um curso
especialmente orientado para membros da
Associação Nacional dos Jovens Empresários e
ministrámos uma cadeira de liderança a 254 alunos
dos cursos de Engenharia e Arquitectura no
Instituto Superior Técnico. […]
Estão em curso várias iniciativas no sentido da
implementação de um programa Erasmus Militar
com vários países da União Europeia e um
intercâmbio semelhante com o Brasil, aguardandose apenas a definição do suporte político para tornar
efectivas estas iniciativas. […]
33
Vivemos hoje numa época em que a palavra
“crise” faz parte do nosso léxico diário. Esta crise,
associada normalmente a aspectos de natureza
económica e financeira, porventura foi precedida
por uma outra muito mais profunda, de que pouco
se fala, para a qual não se tem encontrado solução
global, que é a crise de valores como a solidariedade,
a tolerância, a honradez, a liberdade, a lealdade, a
ética, o sentido do dever e da disciplina e a camaradagem, que a nós militares nos é tão cara. […]
A preservação daqueles valores, a par do
ministrar a elevada formação técnica e humanista,
que habilita os futuros oficiais do Exército e da
Guarda Nacional Republicana a exercerem a nobre
missão de comandar, só se tornou possível pelo
assinalável esforço e a dedicação de todos os que
aqui prestam serviço, oficiais, professores,
sargentos, praças e funcionários civis, pelo que a
todos presto a minha homenagem e deixo mais uma
palavra de incentivo.”
De igual forma, o Chefe do Estado-Maior do
Exército, na Mensagem que dirigiu aos presentes,
salientou o cultivo de valores, o rigor, a exigência e
o reconhecimento da excelência do ensino na
Academia Militar, deixando um claro elogio à
competência e ao espírito de missão de todos os
que servem e serviram naquela Instituição.
a sociedade civil através de mestrados, pósgraduações e intercâmbios com Universidades, e pela
adopção de modelos e competências, na linha dos
[…] A nobre missão de formar os futuros líderes
do Exército e da Guarda Nacional Republicana tem
subjacente a responsabilidade inalienável de assegurar
uma formação global equilibrada e continuamente
actualizada, nas vertentes científica, comportamental,
física e de adestramento militar, a par da criação de um
distinto espírito de corpo. Só com Oficiais esclarecidos,
altamente qualificados, dotados de sólidos princípios
éticos e morais, com elevada capacidade de julgamento
e competência técnica, e capazes de gerar sinergias,
coesão e confiança, é possível liderar cidadãos,
também eles cada vez mais qualificados e conscientes,
em situações que poderão, no limite, envolver o risco
da própria vida.
[…] A Academia Militar foi, é e terá que continuar a ser uma escola de reconhecida excelência.
Esta excelência desenvolve-se e consolida-se pela
modernização das infra-estruturas e equipamentos,
processo que decorre com grande visibilidade, pelo
acompanhamento curricular dos desafios tecnológicos da sociedade contemporânea, pela aposta
na investigação, pela afirmação dos nossos
conhecimentos específicos em áreas de interesse para
Na noite do dia 12 de Janeiro cumpriu-se o
tradicional jantar de confraternização de antigos
alunos, onde compareceram cerca de 1200
Oficiais.JE
1
Transcrição do Anuário de 1956/1957, da Escola do
Exército.
34
estudos sobre ensino superior que decorrem a nível
nacional e europeu, que se verifiquem compatíveis
com a escola de valores e de ciência necessária ao
Exército.”
Fotos: CAVE
Coronel de Cavalaria
João Esteves Pereira
Foto: Tenente Paulo Moreira
V
ivemos num tempo em que, felizmente, a
maioria dos jovens mantém ainda alguma fé
no seu Exército, ao passo que muitos de nós tentamos
desesperadamente não a perder.
Anos e anos de desencantos vários, de desilusões
por conjunturas diversas ou atraiçoados por
estruturas perversas, chegamos a uma época em que,
encandeados por esperanças no amanhã, deslumbrados com vãs promessas e, muitas vezes, sitiados
pelos nossos próprios princípios, procuramos às cegas
um farol que nos ilumine.
Feliz da Nação que não tem que se empenhar para
se armar. Mais meios serão canalizados para outras
áreas. Mas, fruto da natureza humana, ai daquela que
não se preparar para o conflito, que nem sempre se
manifesta real, que nem sempre se revela objectivo. É
a defesa da Nação, que se apresenta hoje em dia nas
mais diversas formas, que não se poderá nunca
35
desprezar, seja ela feita dentro das fronteiras ou nos
mais longínquos locais, tomando formas convencionais ou os mais recentes figurinos de alianças.
Ela contribui para o fim último que é a segurança do
Estado, ou seja, garantir uma das mais básicas
necessidades, que é a segurança do seu povo.
Navios, blindados ou aviões não são mais do que
a mera panóplia instrumental que qualquer curta
reciclagem colocará rapidamente ao serviço. Tudo tem
o seu lugar: o equipamento, a táctica, a técnica, nada
se devendo descurar. O acompanhamento do que de
mais moderno se produz no mundo, bem como a forma
como os exércitos mais modernos o utilizam, sempre
foi e será o desafio que se nos coloca e de que sempre
fomos paradigma. Mas materiais são coisas, e estas
só existem até que outras, mais modernas e eficazes,
as tornem obsoletas. O equipamento é sempre
efémero. Hoje um, outro amanhã, mais antigo ou mais
moderno, em maior ou menor quantidade, sempre em
função do balanço entre as necessidades e as reais
capacidades do país.
Será sempre, portanto, um acto volitivo da Nação
que, através dos seus (nossos) governantes, decide
para que nível de ameaça nos devemos preparar e,
portanto, que recursos o seu Exército deve possuir.
Ao Exército compete fazer com que essa escolha não
seja um acto irreflectido, menos consciente, ou tomado
de ânimo leve.
Já quanto aos recursos humanos, se pela
quantidade somos igualmente reféns desta verdade,
não poderemos alienar a nossa vontade, mantendo a
capacidade própria de os formar com a qualidade que
exigimos, moldando-os naquilo que, todos sabemos,
deverão ser.
Perdidos na interminável azáfama das discussões
materiais, na azáfama da súplica constante por mais
uns tostões no orçamento, paremos um pouco e
respiremos fundo. Depressa concluiremos que tal só
nos leva a um imenso rodopio.Anos de equipamentos
obsoletos, de curtos orçamentos e de falta de pessoal
são vicissitudes conjunturais que mais ou menos
rapidamente poderão ser colmatadas. Mas quanto
maior for o período de desrespeito pela nossa própria
cultura organizacional, de inobservância das mais
básicas regras de ética, de desprezo pela nossa própria
idiossincrasia, mais fundo será o buraco donde, um
dia, teremos de sair.
E o resto? E os bens não tangíveis que foram
conseguidos ao longo dos anos e mantidos de
geração em geração? Esses, não espera a Nação que
os percamos. Porque há coisas que, para além de se
compreenderem, têm de se interiorizar. E uma vez
perdidos, não se recuperam rapidamente. E são valores
que não custam e para os quais não é necessário
reforços no orçamento. Mas, uma vez perdidos, levam
36
gerações a readquirir.
Desesperam os comandantes de hoje com a falta
de meios para fazer com que as subunidades
funcionem, para proporcionarem aos comandos seus
subordinados os equipamentos e a massa humana
necessária para que cada um se sinta realizado a fazer
aquilo para que foi formado e treinado, a fazer aquilo
que mais gosta, ou seja, no fundo, a cumprir a sua
missão.
Nestes tempos difíceis que correm, é imperioso
que cada um se mantenha ocupado e, nesse contexto,
mais do que nunca, não se esqueça de todos os que
dele dependem. Que a nenhum falte que fazer. Que se
mobilizem os músculos e os neurónios. Que aquilo
que se faça e que poderá não constituir muito, se faça
bem e em consciência, para ficarmos também bem
connosco.
Não se iludam aqueles que procuram desesperadamente agradar aos seus chefes. Tentem antes
fazerem-se compreender e serem reconhecidos pelos
seus subordinados. Não há compensação maior do
que sermos respeitados por quem temos abaixo de
nós. Porque nada é mais verdadeiro do que a maneira
como os que de nós dependem nos vêem.Assim como
nada há de pior do que o respeito coagido.
Respeitar os superiores e considerar os
subordinados sempre foi um dos pilares dos nossos
princípios. Não permitam que, à semelhança da política,
a tendência para temer os primeiros e ignorar os
segundos vingue também no nosso Exército.
Não há pior do que desiludir os que de nós
dependem. Fazê-los sentirem-se defendidos até nos
piores momentos é aquilo que se espera e se exige do
comandante. Piores momentos, que podem não ser
necessariamente momentos de guerra, pois é também
na paz que se deve demonstrar carácter e capacidade
de liderança. É na paz que nos devemos interrogar “se
iríamos ou não com ele para a guerra”.
Comandantes em todos os escalões, nestes anos
de aparentes dificuldades, têm de se apoiar nestes
princípios, têm de se manter orientados, para não
deixarem os seus também desnorteados.
As Unidades são hoje assoberbadas com inúmeras
tarefas e solicitações, muitas vezes com tempo
escasso para planeamento e preparação. Não deixemos
que as preocupações daí derivadas consigam ofuscar
o respeito pelos princípios e tradições. Porque aquele
que não respeita as suas tradições, pouco se respeitará
a si próprio.
O Exército Português, longe de ser o maior, é,
porém, para nós, o melhor à face daTerra. Conscientes
das nossas dificuldades como povo e como Nação,
humildemente cientes de que nem só de vitórias se fez
a nossa história, sabemos também o quanto custou
vencer tantas batalhas e criar esta idiossincrasia.
Foto: arquivo JE
Lembrem-se dos jovens capitães acabados de formar que em África depressa tiveram de crescer para liderar os seus homens
Servir
Devemos dizer o que nos vai na alma. Verbalizar
o que sentimos no momento e local próprios. Com
respeito pela hierarquia. Com a educação que a todos
nos devemos obrigar. Não podemos deixar nada por
dizer. Utilizarmos a nossa capacidade de raciocinarmos e dar a conhecer aos chefes a nossa opinião é
dar-lhes a possibilidade de saberem o que sentem os
subordinados. Também a isto se chama lealdade.
O Chefe deve estar aberto a ouvir opiniões
diferentes das suas para que do contraditório surjam
as melhores decisões. Convençam-se de que o chefe
que não promove esta cultura e relacionamento,
raramente acerta nas decisões, apenas excepcionalmente consegue imbuir o seu espírito aos demais e
frequentemente acaba sozinho.
Não aceitem maneirismos dos vossos
subordinados. Perante qualquer estudo de situação,
não permitam nunca que estes adivinhem a vossa
opinião. Se o fizerem, rapidamente acabarão sozinhos
a tomar decisões, ao passo que o vosso EstadoMaior, em vez de se desenvolver pelo estudo e
análise dos problemas e pela formulação duma
opinião para a sua solução, se transformará num
grupo de incapazes, sendo que a responsabilidade
será de quem lhes permitiu adoptar tais posturas.
Não se desculpem, porém, na sua (má) qualidade,
como por vezes há a tendência. Incutir nos
subordinados o espírito de iniciativa, fomentar o àvontade para expressarem, sem restrições, a sua
opinião, permitir e incentivar a liberdade para mostrar
outros caminhos, eis ao que se obriga hoje um líder.
Todos ouvidos, modalidades de acção ponderadas
e uma vez tomada a decisão, a todos se deve exigir
defendê-la, com a mesma convicção como se fossem
os próprios a tomá-la.
Tanto como em qualquer outra organização,
também no Exército, Instituição de vincada rigidez
disciplinar, as decisões devem ser partilhadas. Para
obrigarem todos. Para que todos se sintam coresponsabilizados e, acima de tudo, para que, uma vez
mudado o comando, uma vez chegados aos lugares
de decisão, os substitutos não enveredem por
caminhos contrários à rota que vinha sendo tomada
do antecedente.
Por outro lado, temos de ouvir-nos a nós próprios.
Ouvindo a Instituição, não precisaremos de ninguém
para nos reorganizar. Basta ouvir o pulsar do Exército.
Escutem bem, estejam atentos, que depressa
descobrirão o que é necessário mudar, depressa
concluirão qual o caminho a seguir.
Em todos os cargos de chefia e em todos os
escalões de comando se exige um “sentido de
Instituição”. Não trabalhar apenas para aquilo que é
visível a curto prazo. Não trabalhar apenas para a
vigência do seu comando, mas para o futuro da
organização. Não trabalhar apenas para a fachada,
37
Nas Unidades
A Administração da Justiça é talvez a actividade
que mais exige do comandante, que maior sensibilidade requer e que constitui o paradigma do
comando de Unidades militares, particularidade única
do comando de tropas e que a distingue do comando
de outras forças civis ou paramilitares.
O espírito de corpo e a proficiência de uma
Unidade são consequência directa da ligação pessoal
entre os vários escalões de comando. Essa ligação
pessoal será tanto mais perfeita e harmoniosa quanto
melhor e mais conscientemente as regras de relação
mútua forem cumpridas por todos. Os comandantes
de Unidade, através de reuniões de comando ou por
outros processos julgados convenientes, procurarão
um ajustamento destes critérios.
É a Justiça a área de maior responsabilidade, pois
é o recurso dado pelo Estado ao comandante, para
punir (podendo chegar à privação da liberdade individual) e para louvar os seus homens. E se para as
punições se requer numa maior sensibilidade, um
critério rigorosíssimo, sempre sustentado nos
regulamentos e uma maior sensatez, já dos louvores
tendem alguns comandantes a esquecer-se. Porque
alguns os julgam um sinal de fraqueza do comando,
que se quer forte e como tal visto pelo escalão superior. Outros, fruto da doentia noção que têm de que
38
Foto: GabCEME
com a preocupação de mostrarmos aquilo que não
somos. Devemos valorizar mais a canalização que a
torneira.
Há que assumir as responsabilidades a todos os
níveis. Lembrem-se dos jovens capitães acabados de
formar, que em África depressa tiveram de crescer
para liderar os seus homens, pelos quais eram os
únicos responsáveis, em locais inóspitos, durante
meses a fio e em ambiente hostil.
Não deixem os vossos subordinados cair na atonia do dia-a-dia, na apatia rotineira dos horários a
cumprir, na letargia de quem nada tem a esperar ou a
agir, na sonolência de quem já toda a esperança perdeu.
Não os deixem cair na rotina estéril dos 30 dias
passados à espera do novo salário.
Não os amordacem, não os ultrapassem, deixemnos ser eles mesmos, deixem-nos crescer e aprender
com os próprios erros, deixem-nos também cair e
deitem-lhes a mão para os levantar. A actividade
enriquece mais do que a prudência. Não os refreiem,
não os dominem, deixem-nos ser eles próprios com
tudo aquilo que têm para dar. O comportamento é um
espelho no qual todos reflectimos o que somos. Não
esqueçam que a virtude é difícil de se manifestar, precisa
de alguém que a oriente e dirija, mas que os vícios são
aprendidos sem mestre.
Há que procurar a melhor solução para permitir que a
instrução, tanto das tropas como dos quadros, seja garantida
pelos nossos melhores sargentos
“quem para os seus dá, para si pede”.
Os louvores constituem o reconhecimento e o
incentivo para aqueles que o merecem, isto é, são
um factor de distinção para aqueles que se esforçam
no cumprimento das missões que lhes são atribuídas.
A sua errada utilização tem resultados contrários aos
objectivos que perseguem, incluindo-se neste caso
a sua não utilização.
Nesta área, requer-se ainda um cuidado muito
especial com as condecorações. Se a atribuição de
algumas medalhas se faz quase automaticamente,
como é o caso da de Comportamento Exemplar, desde
que cumpridos os requisitos, outras situam-se na área
de iniciativa do Comandante, para recompensar
serviços e qualidades. Se o alerta do próprio,
relativamente a estas últimas, deve ser percebido como
uma incorrecção, já relativamente às primeiras deve
ser entendido de forma diversa. O Estado-Maior não
fez o seu trabalho e o próprio Comandante é
responsável pelo facto. O Comandante deve admitir a
pertinência e corrigir a situação.
Se hoje sabemos da nossa história, é porque
alguns tiveram a preocupação de a contar, outros de a
escrever, para que pudesse passar de geração em
geração e tornar-se o guia que em tantas ocasiões
mais falta faz. É com ela que aprendemos, com os
erros cometidos para que não se repitam, com as
vitórias conseguidas para que se possam melhorar. A
história das Unidades é feita na Ordem de Serviço.
Não descurem a elaboração cuidada deste documento
preciosíssimo. É a base do registo histórico da vida
da Unidade em todas as suas áreas e a fonte de todos
os registos nos processos individuais dos militares
da Unidade.
Foto: Tenente Paulo Moreira
O espírito de corpo e a proficiência de uma Unidade são
consequência directa da ligação pessoal entre os vários
escalões de comando
Registos individuais que, em tantas e tantas
Unidades do nosso Exército, especialmente nas
operacionais, ao exigir uma actividade de escrituração,
tem sido por vezes lamentavelmente relegada para
segundo plano, como se se tratasse de uma obrigação
de menor importância, onde apenas os ineptos eram
colocados, tendo-se assim perdido tantos e tantos
dados importantíssimos. Dados que, quando somos
jovens nada interessam, e de que só mais tarde nos
apercebemos da falta que por vezes fazem.
Deverão os comandantes, a todos os níveis,
preocupar-se particularmente com a formação dos seus
quadros. Eis mais uma área em que se exige um “sentido
de instituição”. Tendem alguns comandantes a protelar
a formação dos seus melhores homens, principalmente
a de longa duração. Obviamente, porque lhes são
fundamentais no seu dia-a-dia, não os querendo perder,
por vezes por longos períodos. Se há comandantes
que assim agem, há ainda outros, que vão mais além,
nomeando os mais fracos, os que mais facilmente
podem dispensar, em detrimento dos que realmente
merecem. Quando tal acontece, é não só o Exército
que perde, pois vê os seus melhores homens serem
prejudicados (e disso os comandantes têm
consciência), mas também na Unidade se gera um
sentimento de injustiça, de culto da mediocridade (de
que muitos comandantes não se apercebem!), que a
muito curto prazo deixa as suas marcas.
Tendem também alguns comandantes a esquecer
os seus funcionários civis, não os tratando como
verdadeiramente merecem. Esquecem-se que, na
maioria dos casos, são eles os elementos fundamentais que normalmente se encontram em lugareschave das Unidades.Além disso, são elementos que
garantem perenidade, muito para além dos militares
do Quadro, sempre em constante rotação,
encontrando-se na sua grande maioria nas mesmas
Unidades há dezenas de anos. Como se tal não fosse
suficiente para lhes devermos o devido respeito e
consideração, por vezes não estamos
suficientemente sensibilizados para evitarmos
situações de dependência e subordinação funcional
destes em relação ao pessoal em RV/RC, incluindo
de algumas Praças.
Há que fomentar em permanência a identidade
da Unidade. Quer através das tradições particulares
de cada uma, quer através de cerimónias, quer através
de actividades lúdicas. Inventem se for preciso. Cada
um tem de sentir-se na melhor Unidade do Exército.
Se assim não for, estão irremediavelmente
condenados ao fracasso. Um dos factores que neste
capítulo mais contribui é o do fardamento. Ele dá
identidade à Unidade através dos seus distintivos,
sendo um factor de orgulho para todos os militares
que os usam. Se cada um não sentir orgulho em usálos, é porque não tem consideração pela sua Unidade
e, quando isso acontece, há que reflectir nos factores
a montante. Cada um tem de sentir-se protegido pela
sua cadeia de comando e desejoso de o evidenciar
aos seus camaradas.
Tal atitude provoca, em primeiro lugar, a
desresponsabilização, é o primeiro passo para
perpetuar procedimentos incorrectos, não contribui
em nada para a formação permanente e apenas
concorre para a inoperância e incompetência
generalizada a longo prazo.
Neste aspecto, muito há ainda a fazer na atribuição de tarefas e responsabilidades, particularmente aos sargentos. Em alguns casos, de que é
exemplo a Cavalaria, os sargentos têm responsabilidades acrescidas, não se podendo contudo
afirmar que seja a regra geral no Exército.
Particularmente na instrução, e até na acção de
comando, estamos convictos que muito mais se pode
pedir a esta classe, muito mais agora com a exigente
formação de base que possuem. Julgamos não ser
arriscado se sugerirmos que os sargentos deveriam
ser a base da instrução do Exército. Há que procurar
a melhor solução para permitir que a instrução, tanto
das tropas como dos quadros, seja garantida pelos
nossos melhores sargentos, experientes e com
características pedagógicas, evitando que jovens e
inexperientes oficiais RV/RC, comandantes de
pelotões de instrução, passem por situações
delicadas e até, por vezes, caricatas.
39
40
Quadro do Tenente-General Luiz Alcide D’Oliveira, Fotografado pelo Sargento-Ajudante Sousa
Ao comandante, pede-se que apenas comande o
seu próprio escalão. Ultrapassar escalões subordinados pode ser mais fácil, pode até ser tentador, mas
tem graves inconvenientes, dos quais o mais grave é
a desmotivação e a desresponsabilização dos
escalões ultrapassados. A menos que a situação exija
uma acção imediata, deverão os comandantes de
pelotão chamar a atenção dos sargentos comandantes
de secção e procurar que as Praças sintam e
interiorizem a acção de comando destes elementos.
Não devem os capitães comandar directamente os
pelotões, nem os coronéis as companhias. Se o
comando intermédio ultrapassado tiver brio,
manifestar-se-á contra esta situação. Se não o tiver,
até agradecerá e esperará que a situação se repita.
Comandar efectivamente, é exigente ao ponto de
impor que sejamos amigos, confidentes, educadores
dos nossos subordinados. Não nos podemos limitar
a decorar os seus nomes. Quando fazemos este
esforço, é sinal que passamos demasiado tempo no
gabinete. Tratar os subordinados pelos nomes tem
que ser fruto da vivência diária, tem que ser
consequência e não objectivo a atingir.
Mas mais do que tratá-los pelos nomes, há que
saber os seus problemas, há que conhecer as suas
preocupações, há que auxiliá-los, mesmo que para
isso tenhamos que sacrificar parte do nosso descanso
diário. Afinal de contas, ao ingressarem no Exército,
passarão a maior parte da sua vida nos quartéis, a
caserna será o seu quarto, os irmãos serão os seus
camaradas e os comandantes farão muitas vezes o
papel de pais.
A única forma de cativar e manter os nossos
soldados nas fileiras é conseguir proporcionar-lhes
uma ocupação agradável, um trabalho cativante, um
bom ambiente e nunca esquecer as suas condições
de vida. As casernas, os bares, os refeitórios, os
ginásios e as cozinhas têm que ser alvo constante de
obras de melhoramento e conservação, que deverão
ser acompanhadas por revistas periódicas dos
comandantes. Afinal, é no quartel que os militares
permanecerão a maior parte do tempo.
Neste aspecto, nos Regimentos, é bom manter as
tradicionais revistas semanais, não apenas às
casernas, mas especialmente às áreas mais sensíveis,
as arrecadações de material de guerra, os depósitos,
os refeitórios, etc. A revista continua a ser a melhor
arma para resolver os problemas de arrumação, de
limpeza, de controlo de material, especialmente o
destinado ao abate. Embora não esteja actualmente
contemplado no RGSUE, é bom que se continue a
usar o Livro de Revista, que formaliza o acto e lhe dá
solenidade. Quando patenteadas todas as
preocupações do Comandante, rapidamente o serão
também para os subordinados.
A identidade das organizações confirma-se também através
das suas próprias tradições
Na área do moral e bem-estar, deverá ser uma
preocupação permanente o acompanhamento dos
doentes em internamento, quer no interior quer no
exterior do quartel. É bom fazer sempre acompanhar
as baixas à urgência por um camarada, ou mesmo um
sargento de pelotão, que seja o elo de ligação para
necessidades pessoais e informação, quer para a
família, quer para a Unidade.
Uma das áreas mais críticas numa Unidade é a
estruturação dos serviços diários, as respectivas
escalas, a sua equidade, a sua organização e a sua
publicação. Deverão os graduados saber sem dúvidas
não só os seus deveres, mas também os das praças à
sua responsabilidade. A Parada da Guarda é, não
apenas uma tradição, mas um cerimonial que tem em
vista sensibilizar os militares que nela tomam parte
para a responsabilidade do serviço que vão
desempenhar. Como tal, assume um papel fundamental no controlo do pessoal, na confirmação das tarefas
a realizar e no conhecimento presencial de todo o
pessoal de serviço. O número do pessoal de serviço
diário à Unidade deverá ser o menor possível,
garantindo-se que cada um sinta estar ocupado, ter
uma tarefa a realizar e a sua função ser imprescindível.
Se tal não acontecer, será apenas mais um sacrifício a
cumprir.
O comandante ocupa o lugar de maior evidência
na Unidade. A sua visibilidade é permanente. Não
tenham ilusões aqueles que julgam que o comandante
pode por vezes passar despercebido. Tudo aquilo
que faz ou deixa de fazer é imediatamente apercebido
por algum elemento da Unidade e, consequentemente,
por toda a Unidade. Se o comandante entra tarde,
estão criadas as condições para que muitos lhe sigam
os passos. Se não faz a sua preparação física,
dificilmente conseguirá fomentá-la. Se não acompanha
as subunidades nos exercícios no campo, não pode
esperar grandes resultados da instrução. Se não
cumpre horários, nunca os poderá exigir.
A identidade das organizações confirma-se
também através das suas próprias tradições.
Felizmente, as do nosso Exército têm vindo a ser
mantidas (algumas a muito custo), sendo a nossa
missão transmiti-las aos vindouros. Escolhemos estas
duas, por serem emblemáticas e por julgarmos fazerem
parte das que mais dificilmente se têm mantido,
havendo também muitos comandantes que
erradamente as menosprezaram: as honras à entrada
do comandante e a amostra da alimentação. Não sendo
necessário justificar esta escolha, servem elas apenas
como exemplos das actividades que hoje em dia têm
mais importância cerimonial do que significado prático,
mas que importa preservar.
O Dia da Unidade é a data consagrada à
comemoração histórica. O programa das festividades
deve dar realce ao facto histórico que se comemora e
evidenciar as figuras e os feitos que prestigiaram a
Unidade. Deve ainda congregar, não só os militares
presentes na Unidade, mas todos os que por ela
passaram, devendo ser a sua maior cerimónia. Deve
estar vocacionada para comemorar a data mais
significativa e deverá ser aproveitada para convidar
entidades e pessoas com maior ligação à Unidade.
Não deverá nunca ser utilizada para promover a pessoa
do Comandante.
Revestida de todo o simbolismo que a data encerra,
as cerimónias dever-se-ão pautar não apenas pela
dignidade, mas também pela austeridade, em
consonância com o dia-a-dia da Unidade, sob pena
de muitos não o entenderem (ou entenderem
perfeitamente!), e não se devendo evidenciar aquilo
que não se é no dia-a-dia. Na alocução do comandante
a eloquência será sempre apreciada. Já não tanto o
será um discurso longo, sem sentido para aqueles
que o ouvem ou muito menos crivado de auto-elogios.
Em vez de se optar por elencar tudo aquilo que se fez,
(que deverão ser os superiores hierárquicos a
apreciar), porque não dizer aquilo que não se
conseguiu, traçando até uma linha de rumo e
objectivos a perseguir no futuro?
Actividades que não conseguem envolver a maior
parte dos elementos da Unidade (a não ser pelo
trabalho que dão), que servem apenas a uma minoria
muito restrita, que não motivam o pessoal envolvido
na preparação, ou que nada representam para a
Unidade, deverão ser de todo afastadas. Evitem
perder-se na procura frenética de agarrar tudo quanto
possa dar visibilidade e promova a (vossa) imagem,
nem que tal nada tenha a ver com a Unidade.
Há muitos que parecem esquecer-se de quão
críticos éramos desde a Academia Militar. Relembremos aqueles que criticávamos, aqueles que
ocupavam lugar permanente no nosso anedotário,
aqueles que ao longo da nossa carreira escarnecemos, satirizámos e que por vezes foram alvo da
nossa ira. Vejamos se por acaso a história não se
repete, porque a idade não perdoa e requer a nossa
maior atenção. Também eles, naquela altura, não
tinham consciência do ridículo e muito menos do
quão crítica é a juventude, ou seja, os nossos
subordinados. Eles tudo vêem, mais do que julgamos,
compreendem e muito rapidamente perdem o respeito
pelo comandante, a quem apenas temerão pelos
galões que tem nos ombros. E não há coisa pior para
um comandante. Atentem os comandantes com a
vossa postura nas cerimónias, especialmente no Dia
da Unidade.
O relacionamento com os superiores hierárquicos,
se por vezes é simples pelas facilidades concedidas, é
muitas vezes crítico e sempre sintomático de uma
relação. Deverá ser pautado pelo respeito que deverá
existir naturalmente, mas também por um ambiente de
verdade e de franca abertura nos dois sentidos. É um
acto de dever e revelador de lealdade dizer sempre
aquilo que se pensa. Infelizmente esta ideia é partilhada
por alguns, que a utilizam erradamente, na forma como
o fazem. Confrontar o superior com situações
desagradáveis ou sugerir algo de difícil decisão em
situações de aperto ou na presença de subordinados,
normalmente está condenada ao insucesso. Refreiem
os ânimos e esperem a oportunidade mais propícia.
Não dizer o que lhe vai na alma, não mostrar
educadamente, mas claramente as suas discordâncias,
o sempre concordar, o nunca argumentar, no fundo
agir como um yes man, provocará o desrespeito tanto
de superiores como de subordinados.
Cada um dos nossos homens merece a nossa maior
atenção. Não há casos perdidos, nem tão pouco
esforços inglórios. Ao comandante compete sempre
defendê-los acima de tudo, apesar de por vezes o
termos de fazer contra tudo e contra todos. A nós
compete-nos defendê-los de agentes externos, porque
simplesmente são os nossos homens, nem que depois
os tenhamos que responsabilizar internamente, na
exacta medida em que o mereçam. Este conceito deverá
estar sempre presente em todos os postos e em todas
as situações, mesmo naquelas em que não se
vislumbram justificações.A nós compete-nos assumir
os erros dos nossos subordinados perante o escalão
superior, mesmo nos mais pequenos pormenores.
41
Viver, servindo
Há duas tragédias na vida: uma, a de não
satisfazermos os nossos desejos, a outra, a de os
satisfazermos. Tudo é quimérico na ambição, pois
tudo é efémero na vida.A ambição cega a razão e não
permite ouvir a razão alheia. O difícil não é subir, mas
subir, continuando a ser quem somos.
A liderança é a capacidade de conseguir que as
pessoas façam o que não querem fazer e que, para
além disso, acabem por gostar de o fazer. A liderança
é uma poderosa combinação de estratégia e de
carácter. Mas se tivermos de passar sem um, que
seja a estratégia.
Tal como a vida, poder, dinheiro e saúde são
valores fugazes. Todos usamos a mesma faixa de
estrada de sentido único que nos leva ao fim da
vida. Ninguém volta para trás, ninguém se cruza na
faixa contrária. Vamos todos para lá, não vem ninguém
para cá. Uns mais rápido, outros mais lentamente,
porém todos atingiremos aquela meta.
42
Foto: Tenente Paulo Moreira
Pormenores que depois serão resolvidos internamente.
Nada mais satisfaz um soldado do que ver o seu
comandante defendê-lo, ainda que a seguir ele saiba
que tem de assumir a responsabilidade pelos seus
actos. Nunca permitir que haja repreensões por
elementos externos à Unidade, nem que para isso
tenhamos que ser nós os repreendidos. Na Unidade
apenas o Comandante é responsável e apenas ele
deverá repreender. No entanto, poderão ser mais
benevolentes, deixando cair este princípio por ocasião
de elogios aos vossos subordinados por elementos
exteriores.
A logística da Unidade deverá constituir uma área
de especial preocupação. Nela deverão ser colocados
elementos especialmente vocacionados e nunca
aqueles que sobram. Os procedimentos com viaturas
e os deveres dos condutores cada vez mais tendem a
ser esquecidos. Tratar primeiro da viatura, lavar,
efectuar a manutenção, atestar e só depois pensar
nas necessidades pessoais, é um conceito ainda hoje
interiorizado nas Unidades de Cavalaria, que chegam
do tempo dos cavalos e que deverá ser mantido a
todo o custo. Mais do que um princípio, deverá ser
visto como um dogma.
O controlo dos materiais, o seu estado de
operacionalidade, a sua distribuição, as folhas de carga
e os procedimentos com aumentos, abates, autos, etc.,
são apenas alguns exemplos daquilo que deverá
constituir uma preocupação permanente do
comandante. Mas mais do que ser apenas isso, deverá
o mesmo aproveitar para o mostrar em todas as
oportunidades. Disso se aperceberão os
subordinados e lhe darão a importância devida.
Apesar de serem comandantes, apesar da idade e dos galões,
não se considerem gastos fisicamente. Nunca percam a
juventude, não deixando que os vossos subalternos tenham
compaixão de vós
Qual estrada mais diversa, de tapete vermelho
ou de seixos cortantes, ninguém fica pelo caminho
onde a desorientação é impossível. Vida, qual
estalagem, em que uns frequentarão hotéis de luxo,
outros simplesmente se sujeitarão às intempéries ou
à escassez de alimentos e ao pouco abrigo que a
primeira árvore da estrada lhes dará. Mas até estes
desafortunados, tal como todos os outros, tentarão
sempre prolongar a sua estadia.
Tendem alguns a perpetuar a sua passagem por
aqui tentando atingir o cume, pelo nome, pelo poder,
pela vã glória de mandar. Tudo passam, todos
ultrapassam, tanto espezinham como se deixam
espezinhar, confundindo a liderança com o poder.
Mas que interessa ser lembrado depois da morte
se por essa altura não existimos? Que interessa ser
nome de rua ou ter estátua na praça, se nunca o
saberemos? As compensações que valem são as
terrenas. Aquelas de que possamos ter consciência.
E quais são essas? São as que são justas, são as que
são merecidas, aquelas que resultam espontaneamente do reconhecimento (dos superiores e
principalmente dos subordinados). São aquelas que
se atingem naturalmente, que são consequência e
que nunca constituíram objectivo pessoal a atingir.
Acima de tudo e apesar de serem comandantes,
apesar da idade e dos galões, não se considerem
gastos fisicamente. Nunca percam a juventude, não
deixando que os vossos subalternos tenham
compaixão de vós. Provem-lhes que conseguem
fazer mais coisas do que eles imaginam e
provavelmente muitas que eles próprios não
conseguirão.
Não percam a irreverência própria. Nunca deixem
de fazer as coisas próprias dos jovens. Não é por
serem comandantes que enveredam por um dia-adia mais repousado. Não se deixem cair na rotina,
muito menos que o formalismo que a vossa posição
implica tome conta de vós. Não acabem os dias
adormecendo no sofá ou a ver televisão.
Não ponderem muito. Ajam. Não receiem que
vos chamem tolos. A única diferença que a idade
nos dá em relação à juventude, é a possibilidade de
fazermos tolices mais conscientemente. Assim
poderemos distinguir as verdadeiras tolices,
daquelas que apenas o parecem.
Ao comandante incumbe ainda a formação dos
seus homens, principalmente a educação dos seus
mais jovens subordinados, oficiais e sargentos a
quem têm de ser transmitidos todos estes valores,
dos quais são os guardiães, pois sobre eles recai a
passagem do testemunho.
Não percam a capacidade de auto-crítica. Evitem
a visão egocêntrica do mundo. Não abusem do “eu
fui”, “eu fiz”, pois também outros foram e fizeram,
na maior parte das vezes, até melhor do que nós.
Em conclusão: nada de novo! Afinal, não são
mais do que conceitos básicos, princípios
elementares que todos sabem, que constituíram a
base da nossa formação e que fomos sedimentando
com a experiência adquirida na vivência diária do
nosso percurso profissional. Difícil é mantê-los
presentes, lutar contra a acomodação, exigir mais e
melhor. Implica esforço, determinação e, acima de
tudo, o compromisso pessoal em honrar a
Instituição que um dia escolhemos servir.JE
43
Texto e Fotos: Tenente RC
Ana Rita Carvalho
U
m grupo de Alunas do Instituto de Odivelas
viajou, recentemente, até à Cidade de
Coimbra para, numa visita no âmbito da História de
Portugal, da nossa Cultura e Artes, apreciar in loco
algumas das belezas arquitectónicas e alguns dos
lugares carismáticos da Cidade do Conhecimento.
A visita de estudo foi organizada pela Reitoria da
Universidade de Coimbra, peloArquivo Histórico da
mesma Universidade, dirigido pela Professora Doutora
MariaAzevedo Santos, e pelo Comandante da Brigada
de Intervenção, Major-General Martins Ferreira, tendo
44
contado com os apoios do Museu da Ciência, da
Associação Académica de Coimbra, e com o
inestimável apoio por parte da Brigada de Intervenção, dos mosteiros de Santa Clara-a-Velha e de Santa
Clara-a-Nova.
A monumentologia da Cidade de Coimbra, rica
como é e diversificada em termos de estilos, de épocas
e de modelos artísticos, constitui um indelével
testemunho da história da cidade que foi sede de Corte,
em alternância com Lisboa, e a primeira cidade
universitária do País. Coimbra e a sua Universidade,
com o importantíssimo acervo documental contido
nos seus arquivos, particularmente no seu Arquivo
Geral, constitui um documento vivo da própria História
nacional.
A visita iniciou-se peloArquivo Geral da Universidade de Coimbra. Esta Universidade, como é sabido,
possui uma história multissecular, remontando ao
século seguinte ao da própria fundação de Portugal,
mais concretamente a Março de 1290. Em 1 de Março
era assinado em Leiria, por D. Dinis, o documento
Scientiae thesaurus mirabilis, que institui a
Universidade e solicita confirmação ao Papa. A
confirmação papal é dada por Nicolau IV, em 9 de
Agosto de 1290, e nela se reconhece o Studium
Generali, com as faculdades de Direito Canónico,
Direito Civil, Medicina,Artes e, naturalmente, Teologia.
A Universidade instalou-se primeiramente em
Lisboa, tendo sido posteriormente transferida para o
Paço Real da Alcáçova, em 1308. Um ano depois
recebeu os seus primeiros estatutos, sob a
nomenclatura de Charta magna privilegiorum.
Conheceu, desde a sua primitiva instalação em Lisboa,
cinco transferências, entre Lisboa e Coimbra, até à
sua definitiva transferência para Coimbra, em 1537, no
reinado de D. João III.
Os segundos estatutos foram outorgados no ano
de 1431, no reinado de D. João I e continham
disposições sobre a frequência, exames, graus,
propinas e já sobre o traje académico. Mais tarde, sob
a égide de D. Manuel I, em 1503, a Universidade viu
aprovados os seus terceiros estatutos, os quais
continham disposições sobre o reitor, as disciplinas e
salários dos mestres, as provas académicas, aí se
dispondo preceitos relativos à cerimónia do acto
solene de doutoramento. Não por acaso, desde o
A célebre torre da Universidade, a “cabra”, como é designada
pelos estudantes
reinado de D. Manuel I, os reis de Portugal passam a
usar o título de “Protectores” da Universidade,
possuindo igualmente o poder de nomear os mestres
e de emitir novos estatutos.
Já na dinastia filipina, a Universidade viu
regulamentados novos estatutos, estes de 1591, que
legislavam nomeadamente sobre os serviços do
cartório. A merecerem grande realce, na História da
Universidade, estão os designados Estatutos
Pombalinos, ratificados em 28 de Junho de 1772, pelo
Rei D. José I, os quais marcam o início de uma profunda reforma na Universidade, sob a influência do
Iluminismo, que privilegiava o ensino e investigação
nas áreas das Ciências da Natureza e das Ciências
Exactas.
Já no século XIX, em 1836, ocorre a fusão entre a
Faculdade de Cânones e de Leis, na Faculdade de
Direito, em pleno auge do Liberalismo. Após a
implantação da República, em 1911, a Universidade
de Coimbra acolhe novos estatutos e implementa
bolsas de estudo, com vista a alargar a frequência do
Ensino Superior. É desta data a criação da Faculdade
de Letras, herdeira da extinta Faculdade de Teologia,
bem como da Faculdade de Ciências, que herdou o
legado conjunto das Faculdades de Matemática e de
Filosofia.
Durante o século XX, a Universidade viria ainda
a conhecer novos estatutos, já quase em final de
século, em 1989, como reflexo das várias reformas
implementadas no ensino após o 25 de Abril,
mantendo-se em vigor os estatutos então
publicados.
No Arquivo Histórico, alunas, professoras e
militares do Instituto de Odivelas foram recebidas com
muita cordialidade por uma equipa de profissionais,
desde a Directora do Arquivo Histórico da
Universidade, Professora Doutora Maria Azevedo
Santos, pela Dr.ª Catarina Freire, guia, pela Dr.ª
Ludovina Capelo, arquivista, pela Dr.ª Ana Goulão,
Relações Públicas da Universidade de Coimbra, e ainda
pela Dr.ª Inês Coelho, pertencente ao Gabinete de
Comunicação e Identidade, e pelo aluno David Ferreira
da Silva, Coordenador-Geral da Direcção-Geral da
AssociaçãoAcadémica de Coimbra e responsável pelo
pelouro das Relações Externas.
Inaugurado em 1948, o Arquivo geral da
Universidade de Coimbra congrega, num mesmo
espaço, o cartório da primitiva Universidade de
Coimbra (única em Portugal, durante séculos) e o
arquivo distrital. Ali se reúnem todos os estatutos,
livros de exames, livros de matrícula e de provisões, e
documentos do dia-a-dia da Universidade. Recolhe
igualmente os documentos provindos dos cartórios
da região, passando a englobar o Arquivo Distrital, a
partir de 1917, através de um acordo celebrado entre a
45
Reitoria da Universidade e a Inspecção das Bibliotecas
e Arquivos. O Arquivo Distrital continha, desde o
século XVIII (mercê da expulsão dos Jesuítas pelo
Marquês de Pombal), o acervo documental relativo
aos bens da Companhia de Jesus, então incorporados
na fazenda da Universidade. Ao arquivo Distrital
juntam-se documentos emanados do Governo Civil,
da Assembleia Distrital, de associações, irmandades,
confrarias, mosteiros, conventos, e até mesmo do
Instituto de Medicina Legal, ocupando actualmente
10 km de pergaminho e papel, pelo que é considerado
o segundo arquivo do país, em importância e volume,
logo a seguir à Torre do Tombo.
A Universidade possuiu, desde o início, escrituras
e documentos no seu cartório ou arquivo, os quais
estavam confiados ao reitor e que regulamentavam a
sua vida interna. Em 1540 o rei ordenou-lhe que
mandasse fazer uma arca com três fechaduras,
reunindo os documentos presentes no arquivo,
cabendo as respectivas chaves ao rei, ao reitor e ao
arquivista geral. Essa arca, em ferro, resistiu até aos
dias de hoje, tendo encerrado um verdadeiro relicário
em bulas, cartas régias, alvarás e muitos outros
documentos. Nessa arca-cartório se encerraram
documentos que actualmente constituem o espólio
do Arquivo Histórico da Universidade, alguns dos
quais puderam ser apreciados durante a visita, sob as
orientações preciosas da Dr.ª Ludovina Capelo,
arquivista da universidade de Coimbra. Exemplo
desses documentos é o Livro Verde (assim chamado
por possuir encadernação desta cor, no original), facsimile do original, que continha algumas centenas de
documentos, como bulas, concessões, cartas régias,
etc., entre os quais 22 escritos em Latim. Ali repousou
também o Bulário de Santa Cruz de Coimbra, em cópia
do século XVI, contendo informação do século XII,
elaborada pelos frades, de que se destacam 66 bulas,
cinco breves e duas cartas.
A arca encerrou igualmente os Estatutos de D.
Manuel, os Estatutos dos Filipes e os Estatutos
Pombalinos de D. José I (1772), incluindo importantes
documentos da Universidade de Évora (que esteve
nas mãos dos Jesuítas desde 1559 a 1759). Outro tipo
de documentos contidos na arca são forais (de que
pudemos observar o Foral de D. Manuel I, atribuído a
Guardão), livros de matrícula dos alunos, entre os
quais alguns ilustres, comoAntónio José deAlmeida,
6.º Presidente da Primeira República e, em resumo, um
acervo documental riquíssimo que abrange, por
exemplo, também documentos relativos ao Mosteiro
de Santa Clara-a-Velha, inicialmente instalado num
local designado por Celas de Além da Ponte, cuja
existência remonta a 1174. Este convento, como a maior
parte dos monumentos nacionais, sofreu grande abalo
com as Invasões Francesas, existindo um relato
46
Biblioteca Joanina, situada nas dependências da Universidade
segundo o qual as freiras, na impossibilidade de por
outra forma colocarem os seus bens a salvo,
enterraram os bens do Convento, incluindo os
documentos escritos, tendo a façanha, mau grado,
sido descoberta pelos invasores, pelo que, em 1810, a
Madre Superior elabora um documento justificando
as necessidades do convento. Este documento esteve
guardado na arca desde que a última freira, D. Maria
José de Carvalho, faleceu, em 1885.
Para além destes, estiveram patentes na exposição
didáctica organizada para esta visita de estudo
documentos tais como livros paroquiais, contendo
acentos de baptismo e casamento; o Estatuto dos
Colégios das Ordens Militares de S. Bento, etc.
Puderam ainda ser vistos, num outro registo, trabalhos
manuais executados pelas freiras de Santa Clara. A
propósito desta importante Ordem Religiosa com
implantação secular em Coimbra e da qual existe um
importante espólio documental noArquivo Histórico
da Universidade, foi divulgado ao público presente
um importante estudo realizado em parceria com a
Brigada de Intervenção, que veio à estampa sob o
título de Sant' Anna – Três séculos de Convento, um
século de Quartel, da autoria de Jorge Alves Ferreira
e José Mourato Caldeira.
Após a visita aoArquivo Geral era tempo de visitar
a Reitoria da Universidade, nomeadamente as Salas
de Armas e a Sala do Exame Privado, bem como a
mística Sala dos Capelos. No átrio da Reitoria, as alunas
puderam observar dois dos ícones da cidade
estudantil – a célebre torre da Universidade, a “cabra”,
como é designada pelos estudantes, a qual conta com
34 metros de altura e é obra do arquitecto Ludovice,
em estilo mafrense; e aVia Latina, colunata neoclássica,
edificada no século XVIII, sendo adornada por
esculturas de Laprade e tendo ao centro o busto de D.
José I, ladeado por duas figuras alegóricas.
Na Sala do Exame Privado, asAlunas receberam e
retribuíram cumprimentos, na figura da Comandante
de BatalhãoAluna, ao vice-Reitor da Universidade de
Coimbra, Professor Doutor Fernando Seabra Santos.
Na Sala Grande dosActos ou Sala dos Capelos, antiga
Sala do Trono, acompanhadas pela Directora do
Arquivo Histórico da Universidade e pelo Comandante
da Brigada de Intervenção, as alunas puderam
contemplar, com deslumbramento, a galeria dos Reis
de Portugal, representados em quadros a óleo. Aí se
encontram representados os monarcas de todas as
dinastias, à excepção da filipina. Mas a Sala dos
Capelos é sobretudo conhecida por ser o lugar onde
se realizam, com toda a pompa e dignidade, as provas
públicas para a obtenção de Doutoramento e
Agregação, dois dos patamares mais elevados da
hierarquia universitária, para além de outras insignes
cerimónias da vida académica coimbrã.Ali defenderem
as suas teses ilustres personalidades da vida
académica e política; ali recebeu o grau de Doutor
Honnoris Causa uma figura de relevo internacional,
como Xanana Gusmão. Mas também ali, em tempos
mais recuados, ressoaram vozes inolvidáveis como a
deAlmeida Garrett e de outros notáveis, que clamaram
em favor dos ideais liberais, pois que esta célebre sala
foi palco de actividades de carácter político e literário,
tais como saraus e os designados “outeiros”.
Tendo em vista que a Universidade é o centro
nevrálgico da vida em Coimbra, pode considerar-se
que, decorrida uma história longa, de mais de sete
séculos e de múltiplas reformas, decorrentes da natural evolução da sociedade e da política portuguesas,
a Universidade de Coimbra mantém inegavelmente,
nos nossos dias, a qualidade, o rigor e o carisma que
fizeram dela um dos principais pólos irradiantes do
saber, em Portugal, na Europa e internacionalmente,
pois que é uma das mais antigas e prestigiadas
universidades do Mundo.
À visita à Sala dos Capelos seguiu-se uma visita à
Biblioteca Joanina, situada nas dependências da
Universidade, dando para o pátio da Faculdade de
Direito. Trata-se de uma obra-prima da arquitectura
barroca europeia, estilo Rococó construída no âmbito
das reformas universitárias consonantes com a
difusão das correntes iluministas em Portugal e tendo
em vista constituir a biblioteca universitária de
Coimbra. Começou a construir-se no ano de 1717,
tendo ficado concluída em 1728, embora a decoração,
em talha dourada, e os frescos, sejam posteriores e já
contemporâneos da Reforma Pombalina.A biblioteca
foi edificada no exterior do primitivo perímetro islâmico,
sobre o antigo cárcere do Paço Real. Nela se abrem
três amplas salas, a partir de um portal exterior, também
em estilo Barroco, encimado por um grande escudo
nacional contemporâneo do reinado de D. João V. As
três salas comunicam entre si através de um corredor,
tripartido por arcos, e tendo ao fundo, em moldura
oval e na convergência das magnificentes galerias
que a compõem, um retrato do rei D. JoãoV, atribuído
ao pintor italiano Dominico Duprà. As estantes que
revestem integralmente as paredes, em duas galerias,
encontram-se decoradas com motivos chineses (na
primeira sala, em contraste, ouro sobre fundo verde;
na segunda, em contraste, ouro sobre fundo vermelho;
e na terceira, em ouro sobre fundo negro). O mobiliário,
de que sobressaem as pesadas mesas de madeira
exótica com belíssimos embutidos, é feito a partir de
madeiras brasileiras e orientais de grande valor, tendo
estado a sua concepção a cargo de Francesco Gualdini.
Já a pintura e douradura das estantes é obra do
português Manuel da Silva. Merecem ainda ser
observados os frescos e pinturas do tecto e cimalhas,
da autoria do pintor António Simões Ribeiro e do
dourador Vicente Nunes.
A biblioteca encontra-se aberta ao público,
particularmente a estudiosos que ali continuam a
realizar investigação, e tem igualmente sido o espaço
eleito para a realização de exposições, concertos e
visitas turísticas de nacionais e estrangeiros que, para
além de poderem contemplar a beleza arquitectónica
deste monumento e apreciar a obra de magnificente
gosto barroco, podem ainda consultar alguns dos
raros exemplares ali encerrados. Desta bela biblioteca
registem-se dois aspectos muito curiosos – nela
tornam-se desnecessários os desumidificadores que
nos habituámos a ver nestes espaços, pois que as
madeiras das suas paredes têm a capacidade de
absorver a humidade sem que de tal resulte
deterioração; e um outro aspecto, extremamente
insólito e digno da atmosfera romanesca de um
qualquer livro de aventuras, que é o facto de o espaço
ser habitado por morcegos, animal que, durante a
noite, assegura a exterminação de insectos e parasitas
do papel, tendo o seu merecido repouso diurno, por
detrás das vetustas estantes.
Percorrida a maravilhosa biblioteca, era tempo de
tirar a primeira “fotografia de família”, nas escadarias
da Reitoria, imediatamente antes de a comitiva seguir
para o Comando da Brigada de Intervenção, para um
lauto almoço no também histórico Quartel de Santana.
47
Conventos de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova, ambos situados na margem esquerda do rio
Aí alunas, professoras e militares foram recebidas pelo
Major-General Martins Ferreira, no seu gabinete que
é, como observou uma das professoras presentes,
uma “autêntica galeria de arte”, pois revestem as suas
paredes alguns dos melhores trabalhos resultantes
do Encontro de Artes, uma das muitas iniciativas
culturais realizadas anualmente nos claustros do
Quartel.
Já durante a tarde, as Meninas de Odivelas e suas
acompanhantes fizeram a travessia do Mondego, para
irem visitar os conventos de Santa Clara-a-Velha e de
Santa Clara-a-Nova, ambos situados na margem
esquerda do rio. O primeiro foi mandado edificar por
D. Isabel de Aragão, a Rainha Santa, em 1314, no local
do primitivo convento de monjas clarissas, o Convento
de Celas de Além-da-Ponte, fundado em 1283 por D.
Mor Dias. Nesse local, a Dr.ª Lígia Gambini, do IPPAR,
conduziu uma visita guiada, na qual explicou, entre
outros aspectos da história da fundação do mosteiro,
que a direcção das obras foi inicialmente incumbida
ao mestre-empreiteiro Domingos Domingues, responsável pelo claustro diocesano de Alcobaça. A
conclusão da igreja e a construção dos claustros
caberia, já depois da morte daquele mestre, a Estêvão
Domingues, tendo a mesma igreja sido sagrada em
1330. D. Isabel mandou construir, em terreno contíguo
à igreja, um hospício para recolhimento de pobres e
um paço para si mesma, onde após a morte de D. Dinis
se recolheu.
Diversos aspectos da arquitectura deste mosteiro
o singularizam relativamente a outros monumentos
nacionais construídos em estilo Gótico. Estão neste
48
caso a dimensão da igreja e dos claustros, progredindo
para Sul, bem como o facto, anódino nas ordens
mendicantes, de as naves serem abobadadas em pedra,
em vez de em madeira. No entanto, a proximidade do
rio Mondego ditou uma história conturbada a esta
construção monástica de rara beleza, pois, dada a
subida das águas e o constante transbordamento do
rio, originaram cheias constantes, ocasionando a
submersão de parte da igreja e dos claustros. Tanto
assim foi que no século XVI o claustro estava já
permanentemente alagado, pelo que no séc. XVII (1612
e 1616) foi necessário construir um piso superior
exterior e um intermédio ao longo das naves, retirando
grandeza e esplendor ao templo gótico, até que em
1677 se procedeu definitivamente à transferência das
monjas para o convento de Santa Clara-a-Nova, em
posição altaneira, no Monte da Esperança, na mesma
encosta esquerda do Mondego.
As ruínas do convento estiveram submersas durante séculos, o que, se contribuiu para o desmoronamento dos claustros, por outro lado possibilitou a
preservação do património submerso, até que, entre
1995 e 1999, teve lugar um trabalho arqueológico, a
partir do bombeamento das águas, permitindo que se
realizassem escavações que puseram a descoberto as
estruturas arquitectónicas subterradas, nomeadamente a igreja e os claustros. Descobriram-se então,
para além deles, múltiplos utensílios e objectos que
testemunham da riqueza de que o mosteiro era dotado,
por nele professarem senhoras da alta aristocracia,
isto apesar de se tratar de uma ordem mendicante.
Descobriram-se igualmente túmulos e ossadas que
Nas escadarias da Reitoria, Meninas de Odivelas, professoras
e militares
permitiram conduzir investigações muito curiosas,
como por exemplo, relativas às doenças de que
padeciam as freiras.
Mercê da importância das descobertas e, no
âmbito de um projecto de recuperação e requalificação
do mosteiro, foi lançado, em 2002, o “Concurso
internacional para o projecto de valorização do
mosteiro e terrenos envolventes”, que contempla a
construção de um edifício, no qual terá lugar um núcleo
museológico e de investigação.
Já no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, recordouse um pouco da sua história. Em 1677 dera-se a
transferência da comunidade eclesiástica residente em
Santa Clara-a-Velha para este novo mosteiro. A sua
construção iniciou-se em 3 de Julho de 1649, tendo a
igreja ficado concluída em 1679. Em 1677 realizou-se
uma grande procissão para trasladação do corpo da
Rainha Santa para esta nobre igreja, como foi
esclarecido pela guia presente no local, Dr.ª Carolina
Morais, tendo o altar-mor recebido o túmulo de prata
e cristal a 3 de Julho de 1696. Na cabeceira da igreja é
ainda possível observar a estátua policroma da Rainha
Santa, obra do escultor Teixeira Lopes (século XIX).
O retábulo do templo é revestido a talha dourada, em
estilo Barroco. Do lado esquerdo do altar, encontramse telas alusivas à vida da Rainha Santa, nomeadamente a sua entrada para a Ordem das Clarissas
(correspondente feminino da Ordem de S. Francisco),
onde é retratado o simbólico corte de cabelo, figurando
o despojamento dos bens terrenos, uma cena da vida
conventual, em que a rainha se destaca, em oração, e
por último, a representação da sua morte, sobre um
leito rodeado de monjas em lamentação, sobrevoadas
por anjos. Do lado direito do altar-mor encontram-se
telas representando cenas bíblicas.
Para além do túmulo da Rainha Santa, a igreja
encerra ainda os túmulos góticos da infanta D. Isabel,
filha de D.Afonso IV, e a filha de D. Pedro, Regente e
Duque de Coimbra. Quanto ao antigo túmulo da Rainha
Santa, trazido de Santa Clara-a-Velha, datado do séc.
XIV e obra de mestre Pero, foi depositado no coro
baixo da igreja. Da riqueza artística desta igreja fazem
parte ainda diversos retábulos vindos de Santa Claraa-Velha e trabalhos em talha dourada bem como
pinturas maneiristas. Na sacristia encontra-se uma
belíssima escultura, em tamanho real, da Rainha Santa
acompanhada por um mendigo, na designada
“escultura de roca” (espécie de escultura oca, com
suporte de madeira e ferro revestidos de cerâmica
porcelanosa). Para além deste espaço, os claustros,
de estilo barroco e de grandes dimensões, merecem
menção quer por constituírem um importante exemplar do estilo Barroco, quer por ali ter funcionado o
antigo Batalhão dos Serviços de Saúde, ali se situando
actualmente o Museu Militar.
Mas para lá do valor arquitectónico dos monumentos e peças de arte, há um substrato histórico e
mesmo mítico, quer por detrás deles se revela.Assim,
foram escutados atentamente pelas jovens alunas
alguns dos milagres mais conhecidos da Rainha Santa,
como o célebre milagre das rosas, representado na
sua iconografia mais corrente, ou o da conversão das
pétalas em moedas de oiro. Parte da biografia da Rainha
Santa foi revisitada e recontada, pela guia, que
aproveitou para informar sobre algumas das tradições
da cidade, particularmente das suas festas anuais a 4
de Julho (data da morte da Rainha), incluindo a
magnífica procissão que transporta a imagem até ao
centro da cidade, onde permanece durante três dias,
regressando depois à sua casa, no alto do monte, de
onde fica a contemplar a cidade e as belas águas do
Mondego, ao fundo.
Finda a visita ao templo da Rainha Santa, era tempo
de regresso e despedida, não sem um quê de saudade,
palavra que naquela cidade parece adquirir uma
ressonância mais funda, pois como afirmava a Directora doArquivo Histórico, no decorrer da visita, “chega
a sentir saudades de Coimbra quem nunca cá
viveu”.JE
49
Texto e Fotos:Coronel de Infantaria
Fernando José Reis
P
assaram dois anos e parece que foi ontem.
A memória não esquece os momentos vividos
naquela rua de Díli, por onde cerca de 100 homens e
mulheres caminhavam desarmados e sob a protecção
da bandeira da ONU quando, em menos de um minuto,
tudo se transformou num inferno.
O dia 25 de Maio de 2006, em Díli, Timor-Leste, foi
um dia triste, escrito com sangue de timorenses, que
nunca deveria ter acontecido, onde irmãos dispararam,
sem razão aparente, contra irmãos indefesos,
semeando a morte, a dor, a angústia e o luto.
Resultado de ódios criados e fomentados não se
sabe por quem, ou talvez se saiba… Culminar de um
período de instabilidade, iniciado pelo descontentamento de pouco mais de 500 militares das F-FDTL,
originários, geograficamente, na sua quase totalidade,
da parte ocidental de Timor.
Foi o mais grave acontecimento desde 1999, com
milhares de desalojados e refugiados, casas e bens
destruídos, pessoas perseguidas apenas por serem
loromunu ou lorosae, de oeste ou de leste, destrinças
nunca antes evocadas num país com 16 etnias, mas
que serviram para dividir o povo timorense.
Relembro o que se passou nesse dia como
50
participante activo desse grave incidente, consciente
de que, apesar das lamentáveis mortes havidas,
muitas foram evitadas. O texto que se segue constou
das minhas declarações à Comissão Especial
Independente de Inquérito para Timor-Leste, criada
sob os auspícios do Alto-Comissário das Nações
Unidas para os Direitos Humanos e ao inquérito
elaborado no seio da UNOTIL, sobre os incidentes
de 25 de Maio de 2006.
Manhã de 25
Cerca das 10 horas do dia 25 de Maio, e face a
notícias de grupos de jovens armados com armas
tradicionais a causar problemas na área de Comoro,
resolvi sair do aquartelamento da UNOTIL, no
“Obrigado”, e dar uma volta por essa área para
verificar a situação no terreno, pois as notícias que
chegavam eram escassas. Fui acompanhado do meu
adjunto, Tenente-Coronel David Mann, de
nacionalidade australiana, utilizando a viatura dele.
Dirigimo-nos em direcção à estrada dos
Coqueiros, passando pela rua do Tropical e pela
Catedral de Díli. Na referida estrada, alguns grupos
O dia
25 de Maio de 2006,
em Díli, Timor-Leste,
foi um dia triste,
escrito com sangue
de timorenses,
que nunca deveria
ter acontecido,
onde irmãos
dispararam,
sem razão aparente,
contra irmãos indefesos,
semeando a morte,
a dor, a angústia e
o luto
de jovens, acenando para nós de forma amigável,
estavam armados de catanas, lanças e fisgas. À frente,
virámos em direcção ao supermercado Leader e depois
para estrada de Cômoro, em direcção ao aeroporto.
No entanto, quando nos aproximávamos do
cruzamento, parámos devido a alguns tiros dados para
o ar por alguns polícias que se faziam transportar em 3
viaturas. Parei e perguntei ao graduado, em português,
o que estavam a fazer, ao que me respondeu que andavam a patrulhar e a intenção dos tiros era afugentar os
grupos de jovens. Ainda perguntei se estavam
coordenados com as F-FDTL nas patrulhas, ao que
responderam que sim. A nova pergunta, se estavam a
receber ordens superiores ou se tinham contactos,
nomeadamente, com algum comandante ou com o
Comandante da PNTL, Paulo Martins, responderam
que já não tinham contactos com ele havia alguns
dias.Alertei que os tiros podiam assustar a população
e que deviam evitar fazê-lo. Pareciam não saber bem o
que andavam a fazer, algo desorientados e sem
comando. Um deles, sem motivo aparente, usava uma
máscara antigás.
Seguimos então para a estrada do aeroporto,
fizemos a rotunda, sem nada notar de anormal
(relembro que, no dia anterior, a estrada para Taci
Tolo estava bloqueada pelas F-FDTL) e seguimos
em frente, passando pelo Leader e o mercado de
Comoro, onde vimos mais alguns grupos de jovens
com armas tradicionais e uma viatura tipo jeep, de
cor branca, parada, com alguns elementos fardados
de camuflado, suponho que das F-FDTL, a
conversar com os locais. Resolvemos então não
seguir directamente para o “Obrigado”, como
inicialmente tínhamos previsto, e dar mais uma volta,
pelo que virámos à direita, a seguir ao antigo
aeroporto, e passámos mais uma vez pela estrada
dos Coqueiros. Os grupos de jovens armados
mantinham-se nos locais anteriores e ao virarmos
para a estrada que vai dar ao Leader, mais ou menos
ao meio desta, à direita, vimos colunas de fumo
vindas de uma casa. Parámos e perguntámos aos
locais se sabiam de quem seria a casa, tendo um
rapaz que seguia de mota e com uma câmara
fotográfica informado que seria a casa do Ismael
Babo, 2.º Comandante da PNTL. Resolvemos então
deslocar-nos para o local, onde já se encontravam
os bombeiros e duas ou três viaturas da UNPOL e
onde tivemos conhecimento de que, além da casa
do Babo, a do seu irmão também já tinha ardido.
Por coincidência, também se encontravam no local
os elementos da PNTL com quem tínhamos travado
diálogo anteriormente.
Pouco tempo depois deixámos o local, seguindo
um pouco atrás das viaturas da PNTL, e dirigimonos novamente para o cruzamento do Leader com
a estrada de Comoro, com a intenção de regressar
ao “Obrigado”, pois tinha uma reunião de segurança
prevista para as 11H00. Chegados ao cruzamento,
demos prioridade às viaturas da PNTL, que
entretanto viravam à esquerda, em direcção ao
aeroporto, intenção que alteraram, pois antes da
ponte de Comoro resolveram voltar para trás.
Seguindo atrás das viaturas da PNTL, de repente,
uma dezena de metros a seguir ao Leader e antes
do desvio à esquerda que vai dar ao Sagres Garden e à estrada marginal, somos alvo de uma
emboscada por parte de alguns militares de
camuflado, suponho que das F-FDTL, que fazem
fogo directo sobre as viaturas da PNTL e o pessoal
que nelas ia. Reagimos prontamente, na medida do
possível, face ao tiroteio que entretanto se verificou
entre as duas partes, indo de marcha-atrás até ao
cruzamento e retirando para a estrada em frente ao
Leader. Verificámos que as viaturas da PNTL tinham
conseguido, também, retirar para a zona da ponte
de Comoro e que o tiroteio cessara. Resolvi então
voltar ao local, em velocidade bastante moderada,
passando pelo local da emboscada. Verifiquei não
haver elementos feridos na estrada ou no passeio.
Um dos militares atacantes estava em posição de
atirador sentado, no meio do separador das faixas,
51
Flagelação e rebentamentos no aquartelamento do Comando Distrital de Dili da PNTL
apontando para a sua frente, para a direita do Leader,
e fez sinal para avançarmos e seguirmos. Notei que
havia mais alguns elementos na berma da estrada, no
lado oposto, que se faziam transportar na viatura
branca já mencionada.
Seguimos em frente e regressámos ao “Obrigado.”
Apenas alguns dias depois notámos que a nossa
viatura tinha sido atingida por um projéctil, no lado
interior direito do guarda-lamas dianteiro,
possivelmente vindo dos elementos militares
emboscados.
Flagelações
Chegados ao “Obrigado”, passava já das 11
horas, fomos surpreendidos pelos disparos e
rebentamentos que se ouviam mesmo junto às
nossas instalações, vindos do quartel do Comando
Distrital de Díli da PNTL e que fazia parede com a
UNOTIL. Dirigi-me, com o meu adjunto e mais alguns
elementos da UNPOL, para junto do muro que separa
52
as nossas instalações das da PNTL, para ver se
entendíamos o que se estava a passar, nomeadamente
quem atacava quem. Entretanto alguns elementos
femininos da PNTL, 2 ou 3, conseguiram fugir e entrar
nas nossas instalações e, através de um tradutor,
soubemos que as F-FDTL eram a força atacante.
Pedido de socorro
O tiroteio prosseguia com intensidade e tivemos
conhecimento, junto ao portão exterior do centro de
comunicações, que o comando geral da PNTL
também estava a ser atacado, o que foi confirmado
cerca das 13H00 através de um comunicação rádio
recebida de 1 dos 5 elementos da UNPOL que se
encontravam no interior das instalações, que
informou estarem sob fogo intenso das F-FDTL,
vindo de Sul, Oeste e Este, com rebentamento de
granadas no interior das instalações. Houve também
informação de que os elementos da PNTL que ali se
encontravam estariam dispostos a renderem-se, mas
não conseguiam contacto com as forças atacantes.
Diálogo com o SRSG
A situação era grave. O ataque só cessaria com a
rendição ou eliminação dos sitiados, o que provocaria
grande número de mortos e feridos, incluindo os
elementos da UNPOL. Foi com esta percepção que
resolvi dirigir-me ao gabinete do SRSG, Sr. Hasegawa,
acompanhado pelo meu adjunto, Tenente-Coronel
David Mann, a quem expus a situação e o que poderia
resultar destes ataques se não houvesse uma
intervenção ou uma acção da nossa parte,
nomeadamente, tentar negociar um cessar-fogo e
salvar o maior número de vidas. Aleguei as minhas
boas relações com o Brigadeiro Matan Ruak, oferecime para a missão e mencionei que, ao encontro das
forças atacantes deveriam apenas ir militares, pois a
maioria dos elementos da UNPOL usavam fardamento
similar ao da PNTL, o que poderia causar confusões e
pôr em risco as nossas vidas.Após alguma hesitação,
o Sr. Hasegawa deu autorização, pelo que me dirigi de
imediato para a minha viatura, altura em que vesti o
colete à prova de bala, acompanhado pelo TenenteCoronel David Mann e por mais um militar do meu QG,
o Major Ian Martin, Neo-zelandês, a quem pedi para
nos acompanhar. No percurso entre o gabinete do
SRSG e o meu, informei o responsável da UNPOL, o
Comissário Saif Malik, do que ia fazer. Tentou que
viesse comigo alguém da UNPOL ao que o informei
que seria melhor irem apenas militares pelas razões já
antes apresentadas ao SRSG.
No momento de deixar as instalações da UNOTIL,
um elemento da UNPOL insistiu em acompanhar-nos,
por ordem do Comissário Malik, o que não autorizei.
Saída das instalações da UN
À saída do “Obrigado”, e quando virámos à
direita, lembrei-me que talvez fosse melhor assinalar
de modo mais visível a nossa presença, por motivos
de segurança, pelo que pedi ao Major Ian, que vinha
na retaguarda, para retirar da caixa do jeep uma
pequena bandeira da UN com uma haste de ferro,
para que o Tenente-Coronel Mann, que vinha ao
meu lado, a pudesse empunhar pela janela da viatura.
Seguimos pela rua da Provedoria/Ministério do
Trabalho e Solidariedade em direcção ao Quartel da
PM, em velocidade moderada, e ali chegados pedi
para falar com o Brigadeiro Matan Ruak. Foi-nos
pedido que esperássemos até obterem autorização
do General e depois fomos autorizados a avançar.
Parámos a viatura e eu e o Tenente-Coronel Mann
dirigimo-nos a pé para o edifício onde funcionou, em
tempos, o comando da PKF e depois o Comando
das F-FDTL, ao encontro do Brigadeiro Matan Ruak.
Negociação
com o Brigadeiro Matan Ruak
O Brigadeiro Matan Ruak encontrava-se
acompanhado por alguns militares, entre eles o
Coronel Lere. Expliquei que os elementos da PNTL
nos tinham informado por rádio, através de um dos
elementos da UNPOL que ali se encontrava, que se
queriam render, tinham alguns feridos e que não
conseguiam contactar com eles, pelo que pedi um
cessar-fogo que permitisse retirar em segurança, quer
os elementos da PNTL quer os da UNPOL. O General aceitou prontamente, mas com a condição de
que todos teriam de sair das instalações da PNTL
sem armas, dando a entender que os que ficassem
seriam alvo de novo ataque. Comprometi-me que os
que se rendessem viriam sem armas, seriam
acompanhados por nós os três e viríamos em
direcção ao “Obrigado”. Perguntei ainda o que queria
fazer com as armas recolhidas, ao que me respondeu
que não as queria e que eu as poderia levar comigo
para a UNOTIL. Durante a nossa conversa, o edifício
à porta do qual nos encontrávamos estava a ser
atacado pela retaguarda.
De imediato, deu ordens aos seus oficiais para
cessarem o fogo, tendo eu e o Tenente-Coronel Mann
seguido para a viatura que ainda se encontrava perto
da entrada principal da PM. Ali chegados, e quando
nos preparávamos para partir, apareceu uma viatura
da UNPOL com os agentes Quadrados e Santana a
quem demos indicação para nos seguirem, sem
perceber muito bem a razão da sua presença, contrária
ao que havia sido combinado com o SRSG e com o
responsável da UNPOL. Desconhecia eu que estes
elementos da UNPOL tinham saído do “Obrigado”
antes de mim, pela estrada de Balide, de acordo com
as instruções do Comissário Saif Malik e do DRSRG
Anis Bajwa, movimento este de que não fui informado,
o mesmo acontecendo, com certeza, com o SRSG, Sr.
Hasegawa, pois se o soubesse tê-lo-ia referido quando
o contactei no gabinete.
Seguimos para o comando da PNTL, novamente
em marcha moderada, seguidos pela viatura da
UNPOL e com a bandeira da ONU bem visível.
No Comando da PNTL
Parámos à entrada da porta principal das
instalações e fomos de imediato recebidos pelo
ComandanteAfonso de Jesus, Oficial de Operações e
53
Inicio do movimento da coluna
então no Comando, que se encontrava na entrada
das instalações, armado, com mais alguns elementos
da polícia, também armados e entrincheirados.Apesar
do conhecimento mútuo, dissemos quem éramos e ao
que íamos, perguntando se era verdade que se queriam
render, disseram que sim. Explicámos que o Brigadeiro
Ruak aceitava o pedido de rendição, mas apenas com
a condição de saírem desarmados, pelo que se fosse
essa a sua vontade viriam comigo até ao “Obrigado”,
em coluna, sob a protecção da UN e com a palavra do
Brigadeiro Ruak de que nada lhes aconteceria. O
mesmo não poderia assegurar aos que resolvessem
continuar nas instalações. Pedi então aos elementos
presentes que informassem os restantes e que se
apressassem, enquanto era pedida a ambulância para
socorrer os elementos feridos. Houve uma maioria de
elementos que prontamente entregaram as armas e os
mais renitentes foram convencidos pelos restantes.
Fiz sempre questão de salientar que a entrega do
armamento era voluntária e que comigo só iria pessoal
54
desarmado. As armas, desde pistolas a espingardas e
lança granadas, munições e outro equipamento de
que eram portadores, com excepção de algumas facas
de mato, foram primeiro colocadas no chão e depois
transferidas para a caixa da minha viatura, sempre
controladas pelo Major Ian Martyn.
Entretanto surgiram mais viaturas da UNPOL, com
o Comissário Malik à frente. Na altura insurgi-me
contra a sua presença pois, além de não ter sido
avisado, não tinha sido mencionado ao Comandante
das F-FDTL a sua vinda, pelo que a sua chegada
extemporânea poderia representar um perigo para
todos nós. Face a um certo descontrolo da situação
com a chegada dos elementos da UNPOL, entupindo
a entrada/saída das instalações com as viaturas e a
deixarem que entrassem para as viaturas elementos
armados, informei o Comissário Malik que eu estava
no comando da operação, do que já se tinha passado
e o que se iria passar de seguida e que agradecia que
todos ajudassem. A chegada destes elementos
acabou por ser benéfica, pois deu mais confiança
aos elementos da PNTL, permitiu ganhar tempo e
organizar a coluna com mais segurança.
Entretanto, tomei conhecimento de que o TenenteCoronel Mann mais um elemento da UNPOL,
enquanto procedíamos à recolha das armas, se tinham
dirigido para junto dos dois contendores que
bloqueavam a rua, à direita da entrada principal da
PNTL, ali colocados aquando do congresso da
FRETILIN, e onde se encontravam vários elementos
armados, alguns com metralhadora, a maior parte
fardados de camuflado, outros semi-fardados, e que,
presume-se, fariam parte da força atacante. Tentaram
dialogar com eles em inglês e português e a reacção
foi positiva pois os elementos apresentavam as armas
em baixo, sem intenção aparente de as usar. Este grupo
já tinha sido contactado anteriormente pela patrulha
da UNPOL que depois viemos a encontrar junto às
instalações da PM. Tudo leva a crer que no lado
oposto ao Comando da PNTL estariam mais elementos
afectos às forças atacantes.
Organização da coluna
Por dispormos de pouco tempo após a entrega
de todas as armas e face à impossibilidade de todos,
mais de 100 elementos, seguirem nas viaturas, além
de que poderia ser suspeito para os elementos das
F-FDTL, que poderiam duvidar da existência ou não
de armas, decidi que iríamos para a estrada onde
formaríamos uma coluna apeada, comigo à frente, e
colocaríamos as viaturas disponíveis, a ladear a coluna, para melhor protecção. Só então avançaríamos
rua acima, em direcção às instalações da ONU, no
“Obrigado”.
Formou-se então a coluna, com frente de três,
tendo sido chamada a atenção para não olharem para
os lados, evitando provocações e situações
delicadas, bem como para não correrem, mas andarem
a passo normal. Apesar dos receios de alguns, foilhes dito mais de uma vez que estavam sob a
protecção da UN, que tinha a palavra do Brigadeiro
Ruak de que ninguém abriria fogo e que eu próprio
iria na frente deles empunhando uma bandeira da
UN. Depois de as viaturas ladearam a coluna,
acompanhada, na traseira, por uma ambulância,
estávamos prontos a avançar.
Ao longo do percurso não se vislumbrou
qualquer elemento das F-FDTL, com excepção do
cruzamento do Ministério da Justiça com a estrada
que conduzia ao QG das F-FDTL, onde se
encontravam pelo menos 3 militares armados.Antes
de iniciarmos o movimento, o Tenente-Coronel Mann
e alguns elementos da UNPOL dirigiram-se para o
local, falaram com os militares sobre o que se estava
a passar, os quais asseguraram não terem intenções
de qualquer acção contra a coluna. Estes afastaramse para os lados, ficando os elementos da ONU perto
deles. Tinham as armas em baixo, pelo que
aparentemente não tinham qualquer intenção de fazer
fosse o que fosse contra nós, em atitude semelhante
aos que se encontravam bem perto de nós, nos
contentores. Iniciámos então o movimento, seriam
quase 14 horas.
Ataque à coluna
Iniciado o movimento, em forma compacta, com o
pessoal apeado ladeado pelas viaturas, fomo-nos
aproximando do referido cruzamento. Ao passar por
ali, e já em frente ao Ministério da Justiça, olho para o
meu lado direito e vejo um elemento da F-FDTL, que
aí se encontrava, procurar ostensivamente alguém
no meio do grupo apeado, sensivelmente no último
terço, apontar a arma e abrir fogo. Nesse momento
foi o descontrolo total, muitos polícias caíram uns
sobre os outros, outros fugiram em várias direcções,
outros entraram nas viaturas que rapidamente
dispersaram. Entretanto, outros elementos, pelo
menos dois, das F-FDTL, também abriram fogo,
disparando indiscriminadamente, tiro a tiro e a curta
distancia, para os corpos caídos e amontoados no
meio da estrada. Perante os nosso gritos de apelo e
ao fim de algum tempo, pararam o tiroteio e
encaminharam-se na direcção do aquartelamento da
PM. O morticínio foi enorme, duas ou três dezenas
de corpos jaziam por terra, o sangue escorria pela
estrada, corpos esventrados, gritos lancinantes dos
feridos, um espectáculo em que os nossos olhos
nem queriam acreditar, talvez ainda espantados, não
só pelo que aconteceu, mas também por nada nos
ter acontecido, depois de tanto silvar de projécteis e
ricochetes à nossa volta. Do tiroteio resultaram, de
imediato, nove mortos e 28 feridos, entre os
elementos da PNTL, e dois feridos entre o pessoal
da UNPOL, um deles com certa gravidade.
A prestação de socorros foi imediata por parte
de todos nós e de alguns populares e repórteres que
entretanto se aproximaram. As nossas viaturas, que
entretanto regressaram ao local, com a ajuda de
algumas ambulâncias que entretanto surgiram,
recolheram os feridos e os mortos e transportaramnos para o “Obrigado” e para o hospital. Entretanto
resolvi partir em perseguição dos atiradores, no que
fui seguido pelo Tenente-Coronel Mann, com a
intenção de os identificar, tendo-os seguido de perto
até ao local onde se encontrava o Brigadeiro Matan
Ruak, isto apesar do ar ameaçador de pelo menos
um deles, o causador do tiroteio.
Chegados à presença do Brigadeiro Matan Ruak,
55
insurgi-me com o que tinha acontecido e pedi
explicações, pois tinha tido a palavra dele de que
não haveria retaliações sobre os elementos da PNTL
que seguissem comigo, eles acreditaram e seguiramme e agora tínhamos vários mortos e feridos. O General não sabia o que dizer, surpreso que estava com o
incidente. A consternação nos elementos presentes
era visível, nomeadamente no Brigadeiro Ruak e no
Coronel Lere, que pediram repetidamente e
sentidamente desculpa, dizendo que os culpados
seriam castigados. Ordenou que viessem à sua
presença os elementos que tinham estado no tiroteio,
comparecendo três pouco tempo depois, sem armas,
perante mim, o Brigadeiro Ruak, o Coronel Lere e o
Tenente-Coronel David Mann. Dois deles apresentaram cara de arrependimento e pediram desculpa,
com excepção de um deles, que reconheci como o que
iniciou o tiroteio. O General disse-lhes que tinham
desobedecido (falou em tétum e depois traduziu em
português e inglês), referiu que os elementos que
vinham na coluna estavam todos desarmados e que a
ONU é amiga, e que não deveriam ter disparado sobre
a coluna. Quis na altura entregar-me os indivíduos, ao
que respondi que não tinha condições para os levar
para o “Obrigado”, nomeadamente porque se iriam
confrontar com as vítimas, mas que continuava a
confiar na sua palavra e se algum dia fosse necessário
identificá-los, tinha a certeza que ele o faria.
Soube mais tarde que o Major Ian, na altura
conduzindo a minha viatura na retaguarda da coluna,
aquando do tiroteio e com a entrada na mesma de
alguns elementos da PNTL que vinham na coluna,
tentou recuar em direcção às instalações da PNTL,
sendo obrigado, no entanto, face a alguns tiros vindos
do local dos contentores, a inverter a marcha e dirigirse para o “Obrigado”.
Na minha opinião, o Brigadeiro Ruak nada teve a
ver com o incidente; acredito que não deu ordem de
fogo sobre a coluna e que este se deveu ao descontrolo
de alguns dos seus militares, em quem confiou, talvez,
demasiadamente.
Regresso ao “Obrigado”
Regressámos ao local do incidente, de onde a maior
parte dos feridos e mortos já tinham sido retirados e
após a saída do último corpo, eu, o Tenente-Coronel
Mann e o UNPOL espanhol Quadrados, dirigimo-nos
a pé para a UNOTIL. Eram quase três horas da tarde.
Nas instalações da UNOTIL a confusão era geral.
O posto de socorros e os meios disponíveis eram
escassos para acorrer a tantos feridos, tendo os mais
graves sido evacuados para o hospital. Os restantes
elementos da PNTL ficaram instalados no edifício da
UNPOL.
56
Sobreviventes da coluna refugiados na UNOTIL
Pouco depois realizou-se um briefing, que contou
com a presença do Ministro Ramos Horta e do Bispo
de Díli, onde os acontecimentos foram relatados por
mim e pelo Comissário Malik. Soube na altura que
dois policiais que vinham na coluna, durante do
tiroteio, se tinham refugiado nas instalações da PNTL
e que estavam a pedir por rádio para alguém os ir
buscar. Por volta das 5 horas da tarde, com autorização
do DSRSG e aproveitando a presença do Bispo de
Dili e a segurança da sua companhia e da sua viatura,
voltei às instalações da PNTL para resgatar os dois
elementos que pediram ajuda. Tentativa infrutífera pois
ninguém apareceu ou respondeu.
Os elementos da PNTL ali refugiados, cerca de
72 e aos quais já se tinham juntado mais alguns que
pediram refúgio no “Obrigado”, foram evacuados
no dia 26 por helicópteros MI8, ao serviço da ONU,
para as instalações do aeroporto de Comoro, perante
a recusa dos pilotos e contrariando a ideia inicial de
os evacuar para os distritos de origem. No dia 28
foram evacuados mais 70 elementos da PNTL, que
entretanto se tinham refugiado nas nossas
instalações.
No mesmo dia 28 iniciou-se a evacuação para
Darwin de 160 elementos do staff da ONU e seus
dependentes, ficando em Díli o pessoal considerado
essencial.
A segurança das instalações da ONU em Díli foi
reforçada nos dias 25 e 26 por alguns elementos da
UNPOL e do Grupo de Observadores Militares,
utilizando armas recolhidas à PNTL, cessando
aquando da chegada das forças australianas ao
“Obrigado”, entretanto desembarcadas em Díli.
Os inquéritos
Realizaram-se dois inquéritos, um a nível interno
da missão, e reportado exclusivamente aos
acontecimentos de 25 de Maio, e outro pela Comissão
Especial Independente de Inquérito para Timor-Leste,
criada sob os auspícios do Alto-comissário das
Nações Unidas para os Direitos Humanos, mais
abrangente e analisando os antecedentes e possíveis
consequências de toda a crise.
Foram considerados provados pelo Colectivo de
Juízes, 8 crimes de homicídio consumados (foram
sempre referidos 9 em todos os relatórios sobre o
incidente), com dolo directo, 95 crimes de homicídio
na forma tentada (os sobreviventes da coluna da
PNTL) e ainda 8 crimes de homicídio na forma tentada
com dolo eventual (os elementos da ONU). Dos 12
arguidos, 4 foram condenados com penas entre os 10
e os 12 anos, e 8 absolvidos.JE
O julgamento
Em 7 de Novembro de 2007 prestei declarações,
por videoconferência, ao Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso de Díli, no julgamento do processo
do massacre de Caicoli, em 25 de Maio de 2006.
Quando do reconhecimento dos arguidos, consegui
identificar dois dos militares que vieram à minha
presença e do Brigadeiro Ruak após o tiroteio, um
deles o que deu o primeiro tiro.
Glossário:
F-FDTL – Forças de Defesa de Timor-Leste.
PM – Polícia Militar.
PNTL – Polícia Nacional de Timor-Leste.
QG – Quartel-General.
SRSG – Sigla inglesa de Representante Especial do
Secretário-geral.
UNOTIL – Sigla inglesa para Gabinete das Nações
Unidas em Timor-Leste.
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PASSATEMPOS DE OUTROS TEMPOS
in Jornal do Exército n.º 2 de 1960
Soluções do número anterior:
1 - Não se vê a chapa do couce da espingarda. 2- Uma das botas do soldado que está de pé é branca. 3 - A mão esquerda segura a espingarda
mais acima. 4 -A espingarda que está encostada à árvore não tem gatilho. 5 - A perna esquerda do soldado deitado está menos tapada pela
outra. 6 -A árvore mais pequena está deslocada para a direita. 7 - A platina do soldado de pé está ao contrário. 8 - Não se vê a parte de baixo
do cantil.
Soluções deste número:
1 - O barco à vela tem bandeira. 2 - O canhão tem um tapa-bocas diferente. 3 - O barco só tem um banco. 4 - Há uma nuvem sobre o moinho.
5 - A árvore tem três ramos. 6 - As caixas têm pegas. 7 - O condutor tem óculos. 8 - A torre tem emblemas.
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