Foto: Tenente João Santos MONUMENTOS COM HISTÓRIA MILITAR Marquês de Sá da Bandeira B ernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, 1.º Barão (1833), 1.º Visconde (1834) e Marquês de Sá da Bandeira (1864), nasceu em Santarém, a 26 de Setembro de 1795 e faleceu em Lisboa, a 6 de Janeiro de 1876. Ilustre maçon, o Marquês de Sá da Bandeira foi um militar de mérito e político português distinto no tempo da Monarquia Constitucional. Começou a sua carreira militar em 1810, lutou contra os invasores franceses e participou em todas as campanhas militares liberais. Em 1814 foi ferido em França, tendo ficado quase surdo. Apoiante dos liberais, esteve sitiado no Cerco do Porto, onde perdeu o braço direito, no Alto da Bandeira, em Vila Nova de Gaia. Em 1833 foi Governador de Peniche e das tropas no Algarve, chegou a brigadeiro e foi feito 4 Visconde. Após a tomada do Poder pelos Setembristas, na sequência da Revolução de Setembro de 1836, tornou-se Ministro do Interior do novo Governo. Em 1839, no Congresso, votou a Constituição e, no ano seguinte, no Governo do Barão de Sabrosa, deixou como marca a aprovação de medidas que significaram o fim da escravatura em todos os territórios sob a administração portuguesa. Tornou-se Marechal-de-Campo em 1851 e, nesse mesmo ano, foi director da Escola do Exército (actual Academia Militar). Fez parte dos executivos dos Duques de Loulé e de Ávila antes de formar, com os seus correligionários, um novo Partido Reformista. À frente deste voltaria a ser PrimeiroMinistro, ainda que por um curto espaço de tempo, entre 1868 e 1869. Em 1870, na sequência do Golpe da Ajudada, que pôs Saldanha no poder, organizou a resistência ao governo de ditadura e, três meses mais tarde, este caiu. Foi, pela quinta e última vez, convidado a formar governo. Organizou depois eleições e ofereceu o poder ao independente António José de Ávila. A sua figura esteve presente em várias notas do Banco de Portugal, como as de 5 mil Réis, 10 Escudos e 1000 Escudos. De acordo com o epitáfio que ele próprio redigiu: foi soldado desde o dia 4 de Abril de 1810... combatendo pela liberdade, foi ferido quatro vezes e perdeu o braço direito no Alto da Bandeira. Servindo o seu país, serviu as suas convicções; morreu satisfeito, a pátria nada lhe deve. Na Praça de D. Luís I (Jardim Sá da Bandeira), foi inaugurada, a 31 de Julho de 1884, na presença de toda a família real e de numerosa multidão, uma escultura pedestre, de bronze, montada sobre um pedestal de mármore branco, onde figuram dois baixos-relevos de mérito. Aqui é retratada toda a vida do Marquês de Sá da Bandeira, representandoo com o braço amputado, ao pé um símbolo das colónias, louvando o seu empenho em vida. No pedestal estão representados dois grupos alegóricos, retratando os feitos militares do Marquês. Ao lado do pedestal estão dois leões em bronze, repousando nas duas das faces da base. A figura feminina surge com dois significados: na parte posterior da escultura está a História, onde se encontram os nomes daqueles que dignificaram a Pátria. Em baixo, uma mulher representando o continente africano, recordando o estadista que terminou com o tráfico de escravos. É notável a figura da mulher africana que aponta ao filho o homem que acabou com a escravatura. É curioso referir ainda que quem posou para figura de mulher africana foi uma conhecida mundana de Lisboa, escultural e célebre, conhecida como “preta Fernanda”. Os autores do conjunto foram o escultor Giovanni Ciniselli, que morreu sem concluir a obra, e o português Germano José de Salles, que se ocupou da parte arquitectural. O monumento foi edificado por subscrição pública, tendo a iniciativa partido do diplomata Luís Teixeira Homem de Brederode.JE Tenente RC João Santos Q uase meio século passou desde que se publicou o primeiro Jornal do Exército. Em Janeiro de 1960 era dado à estampa, em forma de revista, o documento escrito do Exército que se distribuíria por todos os cantos do Mundo, onde houvesse militares portugueses. Contava-se o que acontecia no Exército, não esquecendo o glorioso passado de Portugal e dos feitos dos seus ilustres heróis. Passados quase cinquenta anos continua a ser assim! No passado dia 12 de Janeiro comemorou-se mais um dia festivo da Academia Militar. Com tradições quase bicentenárias, aquela instituição militar de ensino superior de Portugal teve como pai fundador o Marquês de Sá da Bandeira. Esta figura ímpar das Armas e das Letras da Lusa Pátria imortalizou o seu nome nos actos e nas atitudes. Quando se apresentou no Regimento de Cavalaria n.º 11, no dia 4 de Abril de 1810, com menos de 15 anos, pois só os completaria no próximo dia 26 de Setembro, ao ser confrontado pelo Comandante que lhe referia a pouca idade e as dificuldades da empresa que o esperavam, o nosso herói respondeu: “Senhor, eu não ambiciono riquezas, eu não quero carreira fácil. Senhor, eu quero cumprir o meu dever.”1 E assim foi. E assim continua a ser, porque a sua memória continua a inspirar as dezenas de cadetes que todos os anos ingressam na Academia Militar. A vida perene de Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo é evocada neste nosso Jornal, no espaço que reservamos aos Monumentos com História Militar. Deste nobre, com o título de Marquês de Sá da Bandeira, ergueu-se, em 1884, a bela estátua que perpetua a sua memória e lembra os seus gloriosos feitos, dos quais destacamos dois. A criação da Escola do Exército, antecessora da Academia Militar, em 12 de Janeiro de 1837, quando era Ministro da Guerra. Foi assim criada “uma escola de formação de oficiais [...] de maneira a ministrar-lhes não só os conhecimentos militares mas, também, a forjar-lhe o espírito e o carácter.”2 O outro grandioso feito, foi o facto de ter deixado o seu nome ligado a uma das causas mais nobres da Humanidade − a Liberdade, quando tomou a audaz medida que pôs termo, dentro de um determinado prazo, à escravatura nas colónias portuguesas. São parcas as nossas palavras para os encómios merecidos por tão ilustre criatura humana, por isso nos socorremos de algumas escritas, no seu tempo, pelo grande jornalista Hipólito José da Costa, do Correio Braziliense: “O primeiro dever do homem em sociedade é de ser útil aos membros dela; e cada um deve, segundo as suas forças físicas ou morais, administrar, em benefício da mesma, os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte ou a educação lhes prestou. O indivíduo que abrange o bem geral duma sociedade vem a ser o membro mais distinto dela; as luzes que ele espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil, pois, do que aquele que continua a mostrar, com evidência, os conhecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro.” O Marquês de Sá da Bandeira cumpriu o seu dever ao serviço de Portugal. E no seu cumprimento a Pátria engrandeceu! 1 BORGES, João (Coord.) - 50 Anos de Patronos da Escola do Exército e da Academia Militar, Lisboa, 2004, p. 33. 2 Idem, p. 34. 5 FIGURAS e FACTOS Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar visita a EPC A 3 de Dezembro de 2008, a Escola Prática de Cavalaria (EPC) foi distinguida com a visita do Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar (SEDNAM), Dr. João Mira Gomes. O SEDNAM foi recebido, à chegada, pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, General Pinto Ramalho, pelo Comandante de Instrução e Doutrina,Tenente-GeneralVazAntunes, pelo Director da Formação do Comando de Instrução e Doutrina, Major-General Cunha Piriquito, e pelo Comandante da Escola Prática de Cavalaria, Coronel de CavalariaViriato Cézar Coelho do Amaral, após o que lhe foram prestadas as honras militares pelo Esquadrão de Comando e Serviços e por 19 salvas da Bateria do Grupo de Artilharia de Campanha do Regimento deArtilharia 4, de Leiria. A visita teve por finalidade verificar como são conduzidas as actividades de formação, que são o fulcro da missão da EPC, sendo a formação uma das áreas de coordenação do SEDNAM. Do programa da visita destaca-se, após a apresentação de um briefing pelo Comandante, que teve início com uma síntese histórica e o processo de transferência, onde abordou, entre outros assuntos, a organização da Escola, a formação e os meios que lhe estão associados. Seguiu-se um périplo pelas instalações da Escola, onde decorriam, a céu aberto e apesar do rigor do tempo, as normais actividades de formação, nomeadamente o curso de Chefe de Carro de VBTP M113, a instrução de Carro de Combate M60A3, ao TPO Cav, e de PANDUR 4x4, ao CFS Cav, cargo de Polícia do Exército, e os cursos NBQ, armamento, GAM e transmissões, ao CFGCPE, e a montagem de uma zona de reunião pelo CFO e CFS RV/RC. Durante a visita às instalações da Escola foi colocado particular ênfase no modo “prático” como os formandos 6 adquirem os conhecimentos que lhes permitem apreender o “saber fazer”, experimentando o que antecipadamente lhes foi transmitido na forma de lição, e que proporcionou ao SEDNAM uma noção mais abrangente de como aqui é cumprida a missão. Após o almoço na Messe de Oficiais, que contou com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Dr. Nelson Carvalho, na qualidade de convidado, o Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar honrou os militares da Escola Prática de Cavalaria, assinando o seu Livro de Honra, onde ficou escrito: “É com muito gosto que visito a Escola Mãe da Cavalaria.Testemunhei o alto empenho, dedicação e sentido de bem servir de todos quantos, aqui emAbrantes, dão continuidade à tradição e prestígio daArma de Cavalaria. Desta forma contribuem não só para o prestígio do Exército Português, mas, também, das FormasArmadas.” FIGURAS e FACTOS Dr. Mário Soares no Instituto da Defesa Nacional I nserida no ciclo “Contributos para uma Estratégia Nacional”, levado a efeito pelo Instituto da Defesa Nacional, o Dr. Mário Soares, Presidente da República entre 1996 e 2006, proferiu, no dia 13 de Janeiro, uma conferência nas instalações daquele Instituto. O Ministro da Defesa Nacional, Prof. Doutor Severiano Teixeira, presidiu à sessão. Ensino Militar canta as Janeiras ao General CEME N o dia 8 de Janeiro, como manda a tradição nesta altura do ano, um Grupo Coral, constituído pelos alunos dos estabelecimentos de ensino militares (Instituto de Odivelas, Colégio Militar e Instituto Militar dos Pupilos do Exército) deslocou-se até Santa Apolónia para cantar as Janeiras ao Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), General José Luís Pinto Ramalho. De forma singela e costumada, em conjunto e individualmente, os colégios desejaram um Feliz Ano Novo ao General CEME e a todos os Oficiais Generais presentes. No final do evento, o General José Luís Pinto Ramalho ofereceu um almoço a todos os intervenientes. Dia do Museu Militar de Lisboa T iveram lugar no dia 10 de Dezembro, na sala da Grande Guerra, as comemorações relativas ao 157.º aniversário do Museu Militar. A cerimónia foi presidida pelo Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso que, numa frase lapidar, sintetizou o espírito de evocação e a riqueza cultural daquele espaço: “Só aqueles que acreditam no Futuro sabem dar real valor ao passado, porque só um passado sólido permite prever um futuro com esperança.” Após a entrega de condecorações, a cerimónia terminou com um Porto de Honra. 7 FIGURAS e FACTOS Dia do Instituto de Odivelas À s 8 horas da manhã do dia 14 de Janeiro, ainda o frio pesava nos movimentos e a luz do Sol se mostrava tímida, já todo o Batalhão das meninas de Odivelas formava, pronto para o Hastear da Bandeira. Depois, o desenrolar típico de um dia de comemoração, com Missa, nova formatura e desfile em parada, junto ao Mosteiro de S. Dinis, sede do aniversariante Instituto de Odivelas. Presidiu à Cerimónia o Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Luís Pinto Ramalho, conferindo-lhe uma distinção acrescida e motivo de especial orgulho. Associando-se à efeméride estavam a Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, Dr.ª Susana de Fátima Carvalho Amador, o Tenente-General Comandante da Instrução e Doutrina, João Nuno Jorge Vaz Antunes, o Director de Educação e Director do Colégio Militar, Major-General Raul Jorge Laginha Gonçalves Passos, a Dr.ª Margarida Raimond, Ex-Directora do Instituto, as presidentes da Associação de Antigas Alunas do IO e da Associação de Pais e Encarregados de Educação das Alunas do IO, os professores e restantes funcionários do estabelecimento, pais e antigas alunas. A Dr.ª Graça Martins, Directora do Instituto, no seu discurso alusivo à comemoração, lembrou que, “[a]o longo de mais de um século e, com o esforço de grandes mulheres, o Instituto de Odivelas tem evoluído como uma casa de educação integral e de formação humana de Alunas bem preparadas para a vida adulta.A exigência e a qualidade sempre foram apanágio do Instituto de Odivelas, sendo indiscutível o seu mérito na formação de mulheres capazes e competentes nos vários quadrantes da sociedade.” Mas, o valor desta escola não reside apenas no seu honrado passado. Actualmente, as Meninas de Odivelas são precedidas pela sua reputação moral e académica, não só no seio do próprio Exército, como junto das mais afamadas instituições de Ensino Superior e no meio empresarial e social, factos reflectidos nos prémios de mérito atribuídos anualmente às alunas, patrocinados por vários organismos privados e públicos, como é o caso da Câmara Municipal de Odivelas. Carla Sofia Nogueira, aluna do Instituto de Odivelas, na sua participação no blog com morada em http:// institutodeodivelas.blogspot.com/, terminava assim a descrição dos acontecimentos de 14 de Janeiro: “Foi um dia diferente. Um dia em que nos podemos orgulhar de dizer que somos ‘Meninas de Odivelas’. Um dia de troca de emoções e experiências de vida. Um dia de reencontros. Foi, sem dúvida… um dia inesquecível.” Oferta da AFCEA ao IO no âmbito do Programa Science Teaching Tools A AFCEA (Associação para as Comunicações e Electrónica nas Forças Armadas) ofereceu, no dia 2 de Outubro, ao Instituto de Odivelas, um sistema de projecção didáctico eBeam, um equipamento de apoio ao ensino, patrocinado pela AFCEA Educational Foundation, no âmbito do Programa Science Teaching Tools. Esta oferta pretende incentivar o estudo das tecnologias de informação e comunicação nas escolas. Marcaram presença, por parte da AFCEA, o Presidente e o Vice-presidente, respectivamente, o Almirante Carlos Rodolfo e o Prof. Doutor Paulo Cardoso do Amaral, e pelo Instituto de Odivelas, a Directora, Dr.ª Graça Martins. 8 FIGURAS e FACTOS Milésima Edição da Revista de Artilharia R ealizou-se no dia 21 de Janeiro, no Destacamento da Academia Militar, no Edifício dos Auditórios, na Amadora, a cerimónia do 1000.º número da Revista de Artilharia. O momento foi oportuno para a tomada de posse da Comissão Executiva para o próximo Biénio. Na ocasião, o Coronel Vieira Borges, em jeito de palestra, discorreu sobre o tema, “A Artilharia de Campanha nas Guerras Peninsulares”, onde enquadrou as lições aprendidas das invasões na história da Revista de Artilharia. O Capitão Calhaço explicou aos presentes a forma fácil e eficaz de aceder a todos os números publicados da Revista de Artilharia, que se encontra disponível on-line, e que pode ser acedida gratuitamente por todos os sócios. A cerimónia foi presidida pelo General Chefe do EstadoMaior do Exército, José Luís Pinto Ramalho, contando com a presença de ilustres convidados, como o General Loureiro dos Santos e o General Espírito Santo. Encontros da Revista Militar Lições Militares das Últimas Campanhas do Império (1961-1975) A Revista Militar, na sequência do pensamento dos seus Fundadores de 1848, com apoio do Ministério da Defesa Nacional e daAcademia Militar, em 10 de Dezembro de 2008, realizou, na sede da Academia (Gomes Freire), um Encontro subordinado ao tema “Lições Militares das Últimas Campanhas do Império (1961-1975)”. No Encontro, integrado no conjunto temático a trabalhar anualmente com o objectivo de comunicar as “experiências vividas às gerações de militares mais novas”, participaram: na Sessão deAbertura, o General Valença Pinto (Chefe do EstadoMaior General das ForçasArmadas e Sócio Efectivo da Revista Militar) e o General Espírito Santo (Sócio Efectivo da Revista Militar e Presidente da Direcção); como orador, o TenenteGeneral Lopes Alves (Sócio Efectivo da Revista Militar), com a comunicação “As Forças Armadas Portuguesas em 1961 – A Doutrina para Combater uma Guerra com Novas Características”; o General Loureiro dos Santos (Sócio Efectivo da Revista Militar) foi moderador do painel “O Emprego Operacional das Forças: Os Ramos das Forças Armadas – Missões Próprias e Conjuntas”, no qual intervieram oAlmirante Vieira Matias, o Tenente-GeneralAbel Couto (Sócio Efectivo da Revista Militar), do Exército, e o General Lemos Ferreira, da Força Aérea; as Conclusões foram apresentadas pelo General Martins Barrento (Sócio Efectivo da Revista Militar e Presidente da AssembleiaGeral), que também procedeu ao Encerramento. Num próximo número, a Revista Militar apresentará pormenores do Encontro, a totalidade das comunicações e os textos base da Sessão deAbertura (do General CEMGFA) e das Conclusões (do General Martins Barrento). Na sequência do expresso nas Conclusões, regista-se o apreço da iniciativa pelo “Confronto da experiência com a curiosidade, do falar da geração que fez a Guerra de África (1961/1974) e ouvir da geração dos futuros quadros, em que o fosso de idades e de experiência é transposto pelo mesmo elevado espírito de servir o nosso País na Instituição Militar, laço muito forte que nos irmana”. E ainda, da sua parte final, “Ao contrário dessa boutade anti-militar de que pensar é a primeira forma de indisciplina, ao expressarmos o nosso pensamento e os nossos sentimentos apenas estamos a afirmar que somos conscientemente militares, mas que também somos humanos, e que por muito sofisticados que sejam os Exércitos, o que nós comandamos são homens e mulheres”. A terminar, releva-se a passagem da Introduçãodo Primeiro Número da Revista Militar – Janeiro de 1849 –, da autoria do seu Fundador Principal,Tenente do Real Corpo de Engenheiros Fontes Pereira de Mello, inspiradora do Encontro: “O SECULO em que vivemos tende, sem duvida, a consumar o grande pensamento humanitario, que tem por base o predominio da intelligencia sobre a força”. Coronel António de Oliveira Pena 9 FIGURAS e FACTOS I Ciclo de Conferências de Gestão de Recursos Humanos R ealizou-se, entre 18 e 19 de Novembro, no Comando do Pessoal, o I Ciclo de Conferências de Gestão de Recursos Humanos. As conferências foram moderadas pelo Major-General Reis Borges, Director do Programa D.Afonso Henriques, contando com a presença dos ilustres conferencistas: a Prof.ª Doutora Joana Serra de Oliveira, Docente na Universidade Lusíada do Porto, que abordou o tema “Gestão de Competências ao Longo da Vida”; o Prof. Doutor Carlos Cabral Cardoso, Docente na Universidade do Minho, conferenciou sobre o tema “Gestão Estratégica dos Recursos Humanos”; o Prof. Doutor Francisco Machado, Docente no Instituto Superior da Maia, explorou o tema “Seleccionar, Gerir, e Crescer: a saúde psicológica como factor de sucesso no desenvolvimento de uma carreira”; o Doutor Luís Marques, Director de Recursos Humanos da Sonae Sierra, discorreu sobre a “Visão Estratégica dos Recursos Humanos no Grupo Sonae”; o Doutor José Manuel Rodrigues, Director de Recursos Humanos da Salvador Caetano, demonstrou a importância da Formação; a Doutora Isabel Viegas, Directora do Departamento de Recursos Humanos do Santander Totta, referiu-se ao tema “Gestão de Recursos Humanos no banco Santander Totta”; o Major-General Rui Rodrigues, Director da Direcção deAdministração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal, versou sobre a “Gestão de Carreiras”; o General-de-Divisão D. Manuel Solana Cortés, Subdirector-Geral de Recrutamento da Direcção-Geral de Recrutamento e Ensino do Ministério da Defesa de Espanha, apresentando a realidade espanhola; o Doutor Avelino Leite, Delegado Regional Norte do Instituto de Emprego e Formação Profissional, perscrutou as “Qualificações dos Portugueses perante as necessidades actuais em Recursos Humanos”. Lançamento do Livro “Os Uniformes Portugueses na Guerra Peninsular” R ealizou-se no dia 22 de Janeiro, nas Caves Manuelinas do Museu Militar, o lançamento do livro Os Uniformes Portugueses na Guerra Peninsular, da autoria do Dr. Pedro Soares Branco. O livro tenta recuperar e perpetuar os uniformes militares utilizados na Guerra Peninsular, cujo tempo tratou de destruir. A obra é patrocinada pela Comissão Portuguesa de História Militar e editado pela Tribuna. O evento foi presidido pelo General Chefe do EstadoMaior do Exército, José Luís Pinto Ramalho, tendo-lhe sido oferecido um capacete restaurado pelo Autor. TABELA DE PREÇOS PARA 2009 PREÇO DE CAPA € 2,00 ASSINATURA ANUAL (11 números) VIA SUPERFÍCIE - Portugal Cont. Madeira e Açores € 20.00 VIA AÉREA - Países europeus € 45,00; Restantes Países € 65,00 NOTA: As assinaturas devem ser pagas antecipadamente NÚMEROS ATRASADOS - 1960 a 1969 € 4,00; 1970 a 1979 € 4,00; 1980 a 1989 € 3,00; 1990 a 2001 € 2,50; 2002 a 2007 € 2,00 Os preços incluem IVA à taxa de 5% Preço da Encadernação do JE do ano de 2007 € 27,95 c/IVA incluído N.B.: Os pedidos de envio pelos CTT serão acrescidos de portes segundo os códigos postais: 1000/2000 € 4,21; 3000/8000 € 5,79; Açores e Madeira € 6,56. 10 FIGURAS e FACTOS 11 N os passados dias 9 a 13 de Dezembro de 2008, o General Chefe do Estado-Maior do Exército visitou oficialmente Timor-Leste, a convite do Presidente da República Democrática de TimorLeste, Doutor José Ramos Horta, para participar no Seminário “Reforma e Desenvolvimento do Sector de Segurança em Timor-Leste”. Este evento teve lugar em Dili, nos dias 11 e 12 de Dezembro, e contou com a presença das principais entidades políticas, militares e policiais de Timor-Leste e da UNMIT, para além de diversos convidados internacionais. O Seminário foi dividido em quatro painéis, nomeadamente, “Reforma e Desenvolvimento do Sector da Segurança em Timor-Leste”; “Programas de Transformação das Forças de Defesa e Segurança”; “Arquitectura do Sistema de Segurança e Defesa” e “Questões Prioritárias”. Neste último painel estava incluída a apresentação do General CEME, subordinada ao tema “As Missões de Inter12 esse Público das Forças Armadas Portuguesas”. Para além da participação neste seminário, o General CEME manteve diversos encontros oficiais com entidades timorenses e com representantes da ONU, nomeadamente com o Presidente da República, o 1.º Ministro e Ministro da Defesa e Segurança, o Secretário de Estado da Defesa e o Comandante das Falintil/Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), com o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a UNMIT (United Nations Integrated Mission in Timor-Leste), com o Comandante das Forças Australianas em Timor-Leste e com o Embaixador dos EUA em Dili. Antes, no dia 9 de Dezembro, o General José Luís Pinto Ramalho teve um encontro com 1.º Ministro e Ministro da Defesa e Segurança, Sr. Kay Rala Xanana Gusmão, tendo sido realçado o importante contributo da Cooperação Técnico-Militar (CTM) Portuguesa, à qual teceu rasgados elogios, extensíveis também a todos os Militares Portugueses integrados na ONU e ao Contingente da GNR/UNMIT. Ainda nesse dia, deslocou-se ao QG da UNMIT onde teve um encontro com o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Dr. Atul Khare, que apresentou as principais preocupações no sector da defesa do território e a necessidade das F-FDTL disporem de um “Roadmap” relativo à organização das suas forças e respectivo reequipamento, para consolidação e reforço das capacidades existentes e obtenção de novas capacidades, ajustadas à sua dimensão estratégica. Posteriormente, foi recebido pelo Secretário de Estado da Defesa, Dr. Júlio Tomás Pinto, que fez uma caracterização sucinta dos objectivos de médio prazo para as F-FDTL, inseridos no Caderno de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento das Forças Armadas de Timor-Leste (2005-2020), também conhecido por Força 2020, que pretende dotar o País com Forças de Defesa modernas e eficientes, com boa formação e aptas a desempenhar um diversificado leque de missões, nomeadamente, de defesa territorial, missões de interesse público e a participação em organizações internacionais ao serviço da ONU. Aproveitou também a ocasião para agradecer todo o apoio da CTM Portuguesa à Estrutura Superior da Defesa e às F-FDTL e solicitar o seu reforço. No dia 10, durante a manhã, deslocou-se ao Centro de Instrução de Metinaro, sede do Projecto 3, da responsabilidade do Exército Português e, posteriormente, em visita de cortesia à Base Naval de Hera, sede do Projecto 2, da responsabilidade da Marinha Portuguesa, onde tomou conhecimento das principais actividades em curso e previstas no âmbito destes projectos. Durante a tarde, deslocou-se ao Estado-MaiorGeneral, onde teve um encontro com o Comandante das F-FDTL, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, que agradeceu todo o apoio prestado pelas Forças Armadas Portuguesas neste processo de consolidação das Forças de Defesa de Timor-Leste, ressaltando também a sua enorme satisfação pela qualidade da assessoria prestada pela CTM Portuguesa. Solicitou ainda o reforço da assessoria militar para ministrar cursos de Liderança e Métodos de Instrução em Timor, para apoio ao treino operacional e à melhoria da proficiência dos militares timorenses na Língua Portuguesa, entre outros aspectos. Seguiu-se uma visita de cortesia ao Aquartelamento do Contingente da GNR/UNMIT, onde foi apresentada a missão e capacidades do actual contingente, seguida de uma visita às instalações. No dia 11, à tarde, encontrou-se com Presidente da República Democrática de Timor-Leste, Dr. José Ramos Horta, que agradeceu todo o apoio de Portugal às F-FDTL e aproveitou para solicitar, entre outros aspectos, o reforço da CTM na área de Engenharia Militar, com valências nas áreas das construções horizontais e verticais, para apoiar as F-FDTL na reconstrução de estradas, escolas e outros edifícios de interesse público, e na canalização de água potável nas áreas mais recônditas do território. A Embaixada de Portugal em Dili realizou um excelente trabalho na coordenação desta visita e no seu acompanhamento, destacando-se o papel do Embaixador João Ramos Pinto e do Coronel Cipriano Figueiredo, Adido de Defesa.JE 13 Tenente RC Paulo Moreira Foto: CAVE O Jornal do Exército nas vésperas do seu 50.º aniversário Apesar da sua vertente institucional, o Jornal do Exército, ao longo de quase meio século de existência, fez por merecer um lugar entre a chamada imprensa ou entre outros órgãos de comunicação social, uma vez que exerce, de facto, funções de verdadeira comunicação informativa. Entretanto, o JE sempre procurou ir mais longe, destacando-se, também, pelo seu papel formativo, tendo nisto a vantagem privilegiada de dispor do modelo humano e social do militar enquanto exemplo de rigor, verticalidade moral, patriotismo e abnegação – valores que, por si só, se definem e justificam. Aventurou-se ainda no entretenimento, levando, em tempos, humor e distracção, não só às casernas, mas também aos palcos transfronteiriços e ultramarinos onde soldados portugueses enfrentavam as agruras da guerra. Levou sempre com ele, onde quer que fosse aberto e lido, desde a primeira edição, muita História e aquilo a que chamam cultura, que é, no fundo, a identidade própria 14 de um povo e a sua coesão. Nunca esqueceu, em nenhuma das suas 581 edições, o engenho e arte que a vida militar inspira e edifica. Nas comemorações do seu 49.º aniversário, em Janeiro, o JE, derivando de parte da missão que tem levado a cabo, dando a conhecer ou relembrando alguns Monumentos com História Militar, numa secção com este mesmo título, promoveu uma exposição com outras obras de evocação militar da autoria do Mestre Escultor Domingos Soares Branco. Nesta iniciativa, intitulada Recordando o Exército, foram trazidas a público muitas maquetas e modelos de obras do Mestre, figurando entre elas algumas sobejamente conhecidas pela generalidade dos nossos militares, como a maqueta do Monumento ao Soldado Infante e a maqueta de D. Nuno Álvares Pereira, cujos originais se encontram em Mafra, a maqueta do Monumento às Tropas Pára-quedistas, cujo original pertence a Tancos, e a maqueta do Monumento ao Soldado Comando, cujo original ilustra o Centro de Tropas Comandos, na Serra da Carregueira. Nascido em Lisboa em 1925, Domingos Soares Branco fez toda a sua vida académica na capital, matriculando-se, em 1944, no curso de Escultura da Foto: CAVE questão de, pessoalmente, conduzir os convidados pelas histórias e curiosidades de cada uma das peças, lembrando também o tempo que passou nas fileiras e as boas recordações e admiração pela Instituição Militar que lhe ficaram daquela altura e que foram inspiração para muitos dos seus trabalhos. A cerimónia de celebração do Dia do Jornal do Exército, presidida pelo Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso, ficou marcada pela presença ilustre do Foto: CAVE Escola de Belas Artes de Lisboa, onde frequentou os ateliers dos mais proeminentes artistas da altura. Em 1948 foi chamado a cumprir as suas obrigações militares em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia e, em Leiria, no Regimento deArtilharia n.º 4. Foi nesta altura e ainda em Leiria, onde também conheceu a sua esposa, que realizou a primeira exposição individual. Com inúmeras obras espalhadas por Portugal e pelo estrangeiro, muitas executadas por encomenda ou com destino a concursos públicos, Soares Branco notabilizou-se em várias temáticas, desde obras de carácter religioso, passando pela homenagem de personalidades e até à pura criação artística. Inspirado pela vida militar, o Escultor trabalhou também em criações deste pendor, entre as quais algumas de evocação frequente, como as que referimos anteriormente.As peças que fizeram parte da exposição são sobretudo estudos, muitos convertidos depois em esculturas de maiores dimensões, destinadas ao espaço público, outros que nunca passaram do ensaio, mas que, ainda assim, revelam a minúcia e a invulgar perícia do autor na sua arte, em especial no manuseio dos metais, como o cobre e o bronze. O seu impressionante espólio, de onde faz parte aquela pequena amostra de obras e cerca de 3000 desenhos, foi doado pelo próprio à Câmara Municipal de Mafra e constitui o coração cultural da região, podendo ser encontrado no Complexo Cultural Quinta da Raposa, no centro daquela cidade. Na abertura da exposição o Director do Jornal do Exército, Coronel José Geraldo, agradeceu ao Mestre, dedicando-lhe algumas palavras ao seu jeito: “Quando expomos, expomo-nos também a nós, a alma, a natureza, a arte, a herança, dos nossos Egrégios Avós”. No decorrer da visita à exposição com as suas obras, na Biblioteca do Palácio Vilalva, o Mestre fez Fotos: Tenente Paulo Moreira 15 Fotos: CAVE Entrega dos Prémios do Concurso Literário e condecorações General GabrielAugusto do Espírito Santo, Presidente da Direcção da Revista Militar, do Contra-Almirante Roque Martins, Director da Revista da Armada, do Major-General Xavier Matias, Chefe de Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, do Presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião da Pedreira, Sr. Nelson Pinto Antunes, do Coronel Tirocinado Rio de Carvalho, antigo Director do JE, da Dr.ª Maria do Carmo Vilar e do Dr. Paulo Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Mafra e do Complexo Cultural Quinta da Raposa, representantes das empresas anunciantes no JE, e do próprio Mestre Domingos Soares Branco e da sua Esposa. Na ocasião foram condecorados com a Medalha de Mérito Militar 2.ª Classe, o Tenente-Coronel Fernando Augusto Dias, antigo Chefe da Secretaria do JE, e o Major Francisco Marques Fernando, antigo Chefe da Redacção do JE, tendo imposto as condecorações o Tenente-General Oliveira Cardoso, e o General Espírito Santo. Foram ainda anunciados e atribuídos o Prémio Literário Jornal do Exército e o prémio do Concurso de Fotografia, referentes ao ano de 2008. O Primeiro Prémio coube ao artigo “Jacinto Correia e a Subversão Popular de 1808”, da autoria do Major Abílio Pires Lousada, publicado no JE n.º 572, de Abril de 2008; o Segundo Prémio foi atribuído ao artigo “O Afeganistão e a Evolução do Radicalismo Islamita”, da autoria do Coronel Manuel da Silva, publicado em três partes, no JE n.º 568, 569 e 570 de Dezembro de 2007, Janeiro e Fevereiro de 2008; o Terceiro Prémio foi atribuído ao artigo “Aplicações da Cortiça para Fins Militares”, da autoria do Dr. Luís Gil, publicado no JE n.º 576, de Agosto de 2008. Foi ainda atribuída uma Menção Honrosa ao artigo “O Alerta que vem dos Pólos”, da autoria da Dr.ª Teresa Abrantes, publicado no JE n.º 569, de Janeiro de 2008. Entregaram os prémios, respectivamente, o TenenteGeneral Oliveira Cardoso, o Major-General Fernandes Matias, o Major-General Henriques Dinis, InspectorAdjunto da Inspecção-Geral do Exército e o Coronel Madaleno Geraldo, Director do Jornal do Exército. O primeiro lugar do Décimo Segundo Concurso de Fotografia do Jornal do Exército foi atribuído à fotografia intitulada “Metralha”, da autoria do Coronel António Manuel Conde Falcão, que esteve impossibilitado de assistir à cerimónia. O Coronel de Infantaria José Custódio Madaleno Geraldo, anfitrião da cerimónia, dignou os presentes com palavras de apreço e agradecimento pela sua 16 disponibilidade e colaboração, terminando na descrição da situação presente deste órgão, que dirige, dizendo: É normal que se faça nestas ocasiões um balanço do ano que passou e se perspective o ano presente. Pois bem, todos conhecem o “suor do nosso trabalho”, o “fruto da nossa missão”, onze números do Jornal do Exército por ano, com a qualidade que nós não podemos julgar - essa nobre missão cabe aos nossos estimados leitores, onde vos incluímos a todos. Procuramos, no entanto, com as limitações e os condicionalismos dos tempos que atravessamos, continuar a “Informar para bem Servir” do que se vai passando no nosso Exército, como é o nosso lema. Concomitante com a missão do Jornal, participámos activamente no âmbito do Programa do Exército, nas Comemorações dos 200 anos das Invasões Francesas, em Proença-a-Nova, no Instituto de Odivelas, no RA 5, em Vila Nova de Gaia, na EPC, em Abrantes, na ESE, nas Caldas da Rainha e no âmbito do Dia da Brigada de Intervenção, em Coimbra. Ainda só se evocaram os 200 anos da Invasão de Junot. Este ano corrente daremos conta dos acontecimentos que se passaram na Invasão comandada por Soult e para o próximo contaremos o que se passou com a Invasão de Massena e com o sucesso das Linhas de Torres Vedras. Mas, como sabeis, nem só de evocações históricas e de comemorações se reveste a nossa actividade. Procuramos partilhar com os nossos leitores, d'aquém e d'além fronteiras, as diversas e importantes missões internacionais que o nosso Exército tem vindo a desempenhar na Bósnia-Herzegovina, em Timor Leste, no Líbano, no Kosovo, no Iraque, no Afeganistão, no Chade, Congo e Guiné Bissau, para além da presença nas estruturas das Organizações Internacionais a que Portugal pertence de pleno direito. Desejamos testemunhar de forma mais regular as actividades do nosso Exército no domínio da Cooperação Técnico-Militar, nomeadamente com os Países de Língua Oficial Portuguesa. Fica aqui o repto aos nossos estimados colaboradores, que hoje marcam presença em número significativo, realçando o elevado nível dos seus escritos. Nestes próximos meses, que irão desaguar no cinquentenário da nossa publicação, procuraremos tratar o culto da cidadania, que é apanágio do verdadeiro soldado e que deve ser praticado por O Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Luís Pinto Ramalho, fez ler, pelo Tenente Oliveira, durante a cerimónia, uma mensagem de sua lavra, associando-se às comemorações do Dia do Jornal do Exército. Foto: CAVE Foto: CAVE Foto: CAVE todo o cidadão. Ao enviarmos o nosso Jornal para todas as Escolas Secundárias do País pretendemos partilhar as nossas qualidades e as nossas virtudes, a nossa realidade, que está ao alcance de qualquer jovem que, se assim o desejar, poderá servir Portugal no Exército. Este será o nosso pequeno contributo para compensar a crise de valores que a nossa sociedade está a atravessar.[...] Com o seu pessoal e os apoios de muitas entidades, o Jornal do Exército orgulha-se de contribuir para a História do Exército com a sua escrita e recorda as sábias palavras do então Ministro do Exército, Almeida Fernandes, que ainda hoje constituem as nossas referências, e escritas no JE de Janeiro de 1960, que passo a citar: “[...] Importa que tenham sempre plena consciência do sagrado sentido de responsabilidade que recai sobre os militares, perante a Nação.”JE [...] Evocamos hoje, 49 anos passados sobre a primeira edição do Jornal do Exército, o extraordinário contributo que este órgão de informação tem dado para a divulgação de informação interna e para o adequado conhecimento do Exército pela população em geral. Ao longo de quase cinco décadas de existência, o Jornal do Exército evoluiu e soube adaptar-se em cada época, com inteligência, às diferentes realidades do Exército e do País. Para o Exército a sua transformação constitui um processo contínuo, de grande exigência, apelando a uma postura de análise construtiva e saudável, requerendo a necessária criatividade e abertura à inovação, na procura permanente da excelência que não se compagina com paradigmas estáticos e ideias ortodoxas e passivas, sob pena de sermos ignorados pelas mais recentes construções da modernidade, aquém e além-fronteiras, onde, pelo contrário, pretendemos estar sempre presentes, de forma activa, visível e prestigiada. [...] Atento a um mundo, a uma sociedade e a um Exército em mudança e interactivo com essas dinâmicas, a importância da actividade do Jornal do Exército no contexto da sociedade da informação, da comunicação e do conhecimento é evidente, inovando, publicando conteúdos com actualidade e pertinência, melhorando processos e integrando as novas Tecnologias de Informação e Comunicação disponíveis, com o objectivo de melhorar a qualidade desta publicação, conferindolhe um merecido destaque no exigente e competitivo panorama das publicações militares nacionais e estrangeiras, ao serviço da afirmação do Exército. O Jornal do Exército assume-se ainda como um elo unificador entre militares e civis que servem, ou serviram, nas diferentes Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército, das aspirações comuns, estimulando e fortalecendo o espírito de corpo, essencial para a criação de um verdadeiro espírito de Família Militar. Militares, Funcionários Civis e Colaboradores do Jornal do Exército, Neste dia festivo, relembro todos os militares, funcionários civis e colaboradores que, ao longo dos anos, nas tarefas mais simples ou nas mais exigentes, contribuíram com o seu esforço anónimo, dedicado e persistente, para a inexcedível qualidade dos conteúdos desta publicação, prestando a todos sentida homenagem à sua generosidade, profissionalismo e espírito de sacrifício. O Comandante do Exército deposita a sua confiança na vossa determinação, inteligência, elevado espírito de sacrifício e de abnegação, garante de que a missão continuará a ser bem cumprida em todas as circunstâncias para ultrapassar os desafios, actuais e futuros, para a dignificação e o prestígio do Exército e de Portugal. 17 UNIFORMES MILITARES Manuel A. Ribeiro Rodrigues Os Uniformes da Guerra Peninsular (1806 – 1815) (IV) Oficiais-Generais e Brigadeiros N esta época, só os Oficiais-Generais e os Brigadeiros tinham o chamado “grande” e “pequeno” Uniforme, todos os outros tinham o chamado uniforme de “Inverno” ou de “Verão”, que se limitava simplesmente a uma troca de calças, da cor da farda, no Inverno, para calças brancas ou de “branco alvacento”, no “Verão”. Apanhado das abas da casaca Oficiais-Generais: Os apanhados eram presos por intermédio de uma presilha bordada a fio de ouro, (figura 3) e Pequeno-Uniforme Casaca Comprida, sem bandas e fechando à frente por intermédio de uma fila de oito botões dourados, do respectivo padrão, com caseado de cartasana de fio douFigura 1 rado. Gola e canhões das mangas da cor da farda. Em cada canhão ostenta dois botões pequenos com casa de cartasana igual aos outros, vivos e forro branco, tudo conforme a figura 1. Figura 3 colocadas conforme se vê na figura 4. Figura 4 Brigadeiros: Apanhados das abas fixos por intermédio de uma casa de galão de cartasana bordada a fio de ouro, conforme o modelo da figura 5, Figura 5 Figura 2 As abas têm aplicações brancas com botões dourados, os bolsos são desenhados no sentido do comprimento, por intermédio de um vivo branco, tendo em cada algibeira três botões do respectivo padrão. Virado das abas ou “vistas” branco, como na figura 2. As bordaduras próprias das respectivas graduações (1) no Pequeno-Uniforme colocam-se somente na gola e nos canhões das mangas. (1) – Assunto a tratar oportunamente. 18 e tudo conforme a figura 6. Observação: nas figuras apresentadas não se colocaram os bordados, afim de se poder ver melhor a farda. Figura 6 Vestia Ou colete de lã ou linho branco sem bordaduras. Banda Igual à do grande uniforme, colocada do mesmo modo, mas por cima da farda. Calções De pano da cor da farda ou brancos, conforme a estação do ano. Botas De montar, pretas e com esporas de ferro ou prata. Coberturas de Cabeça UNIFORMES MILITARES Bicórneos Oficiais-Generais: De feltro preto, acairelado por um galão bordado a ouro (figura 7), forrado de plumas brancas; Laço Nacional de seda azul ferrete e escarlate, tendo por cima uma presilha de fio de Figura 8 Figura 7 ouro, sendo presa por um botão do respectivo padrão; penacho de plumas brancas, tudo como se vê na figura 8. Brigadeiros: Em tudo igual ao anterior, substituindo as plumas pelo penacho da cor particular da Arma ou Corpo a que pertencia (figura 9), tendo em cada bico do chapéu uma borla de torçal de seda dourada, terminando em canutilhos de ouro (figura 10). Figura 12 Figura 9 Figura 14 modelo da figura 14. Nota: A descrição dos bicórneos, para todas as patentes, é bastante confusa no que diz respeito às plumas, penachos e galões. Quando se chega a uma determinada conclusão lógica, de imediato as “nossas teorias ou suposições” caem por terra, porque, ao analisarmos a pouca iconografia da época e outras feitas posteriormente, vêse de tudo um pouco, “baralhando o mais avisado”: Grande-Uniforme com chapéu do pequeno e vice-versa, com e sem plumas, Figura 10 com e sem acairelado e de modelos totalmente distintos, tudo isto dependendo do “gosto” do oficial para os retratos da época e da interpretação ou “distracção” de cada artista plástico, ou autor (onde eu me incluo...). Neste sentido, ao longo desta série de artigos, iremos divulgar diversa iconografia devidamente comentada, ficando a decisão final ao critério dos nossos leitores. Armamento Sabre Dourado, com punho conforme as figuras 11, 12 e 13, tendo uma coroa de louros na virola, junto aos terços. Bainha de metal amarelo com bocal, braçadeiras, argolas de suspensão e guarda-lama do Figura 13 Figura 11 Fiador De liga ou cordão tecido de seda escarlate com bordaduras a ouro, borla de canutilhos dourados, tudo como se vê na figura 15. Boldrié De marroquim encarnado com vivos a fio de ouro, ferragens de metal dourado, sendo: a) fivelas; b) e c) Figura 15 fechos; d) ferragens. Sabre, bainha e boldrié, tudo conforme a figura 16. Observação: No Museu Militar, na sala da Guerra Peninsular, pode observar-se um Grande e Pequeno-Uniforme de TenenteGeneral, possivelmente os únicos exemplares da época existentes. Assunto a tratar brevemente. JE 19 Tenente RC Ana Rita Carvalho/ BrigInter venção O renovar de uma missão A Brigada de Intervenção projectou, em Setembro, para o Kosovo, mais uma Força Nacional Destacada – o Agrupamento MIKE –, a quarta missão naquele território desde o ano 2000. O Agrupamento MIKE, comandado pelo TenenteCoronel Jocelino Rodrigues, foi constituído com base no Grupo de Auto-Metralhadoras (GAM), da Brigada, e está sediado no RC 6, em Braga, tendo surgido na decorrência da transformação da Brigada Ligeira de Intervenção em Brigada de Intervenção, aquando da transformação do Exército, operada a partir de 2004. A exemplo dos batalhões que o antecederam, o Agrupamento MIKE, integrado na força NATO presente no Kosovo, cumpre a missão genérica de “garantir um ambiente estável e seguro”, bem como a “liberdade de movimentos a todos os cidadãos do Kosovo”. Constituindo-se como reserva táctica do comando da KFOR, pode ser empregue em qualquer ponto daquele Teatro de Operações, pelo que não tem restrições ao seu emprego. De entre as tarefas prioritariamente atribuídas ao Agrupamento encontram-se: a rendição ou reforço das Multina20 tional Task Forces; a recolha de informação; operações de controlo de tumultos; operações de interdição e anti-contrabando; apoio à UNMIK-P na luta contra o crime organizado; apoio ao ICTY (Tribunal Criminal da Jugoslávia), se necessário; apoio à comunidade internacional e às autoridades do Kosovo, em caso de catástrofe humanitária; emprego no TO da Bósnia-Herzegovina, se necessário. Um compromisso com o País A projecção desta Força Nacional Destacada corresponde ao reassumir de um compromisso de Portugal com a comunidade internacional, com a OTAN, especificamente com a força presente no Kosovo, a KFOR, na sua missão de ajudar o povo kosovar a reconstruir a sua existência e a reencontrar a sua identidade num clima de segurança. Mas é também a imagem de Portugal que os nossos militares veiculam, na sua actuação, a qual tem granjeado a maior confiança por parte das estruturas superiores de comando, nacionais e internacionais. O historial da participação de forças portuguesas em missões de Paz apresenta um saldo francamente positivo, Constituindo-se como reserva táctica do comando da KFOR, pode ser empregue em qualquer ponto daquele Teatro de Operações, pelo que não tem restrições ao seu emprego tendo em conta os elevados níveis de profissionalismo, rigor e competência demonstrados. A associar às qualidades militares são de relevar as qualidades tradicionalmente reconhecidas aos nossos militares, a nível das relações humanas, que muito têm contribuído para um fácil entrosamento, quer junto dos seus parceiros integrados em contingentes da KFOR, quer junto da população aos quais se dirige a sua acção. Nesse sentido, é bem expressiva a divisa doAgrupamento MIKE «Ut unum sint» («Para que sejam um só», do Evangelho de S. João, 17:11), que integra o seu escudo de armas. Assim, a projecção de mais esta força pela Brigada de Intervenção constitui, antes de mais, um compromisso assumido com Portugal e um reforço importante da sua política externa, consignada, a nível da Defesa Nacional, em missões de apoio à Paz. Neste contexto e, durante a fase de aprontamento da força, teve lugar a cerimónia de entrega do Estandarte Nacional, pelo Major-General Martins Ferreira, Comandante da Brigada de Intervenção, ao Comandante do Agrupamento MIKE, TenenteCoronel Jocelino Rodrigues, a qual decorreu em 6 de Junho e se inseriu nas comemorações do Dia da Brigada de Intervenção. Perante uma imponente parada militar de mais de 1500 homens, na Praça da Canção, em Coimbra, o Major-General Martins Ferreira dirigiu-se à Força numa alocução de que ressaltou um elevado sentido patriótico associado à nobre missão do Agrupamento MIKE no Kosovo. As suas palavras veicularam a visão do Comandante e a sua inexcedível confiança no empenho e espírito de sacrifício dos que assumiram o solene compromisso de honrar Portugal em terras do Kosovo, em mais uma missão. E o gesto da entrega do símbolo máximo da Pátria, no qual se inscrevem as imortais palavras de Camões «Esta é a ditosa pátria minha amada», encerra também o sentido de um legado transmitido a esta Força e aos seus militares, lídimos representantes de Portugal nas missões de apoio à Paz. Registem-se algumas das palavras do Major-General Martins Ferreira, nas quais deixou bem vincado o sentido de Missão em que se corporiza todo o esforço humano dos militares do Agrupamento, dando consistência à verdadeira dimensão de ser Soldado: […] Esta cerimónia, sendo um momento de exaltação e de grandeza, é também o limiar da vossa verdadeira Maioridade que assumireis com justo orgulho e que vos guindará, em altaneira postura, à verdadeira dimensão humana que é, de resto, a dimensão de soldado. […] O símbolo “A Bandeira Nacional”, perante a qual ireis assumir o compromisso formal de defender Portugal além fronteiras, encerra a memória colectiva de um povo que soube conservar a sua identidade e a sua independência ao longo de nove séculos de História. […] Como portugueses, como cidadãos e como militares, estão dispostos de forma desinteressada a continuar Portugal, onde a Nação e o Exército entenderam ser necessário. […] 21 Ao longo dos últimos meses fostes submetidos a uma instrução progressivamente exigente, de modo a desenvolver as capacidades físicas, mentais e morais e as competências técnicas necessárias ao cabal desempenho da vossa futura missão ao serviço da OTAN no Teatro de Operações do Kosovo. […] Estou plenamente consciente das dificuldades que terão de ultrapassar, reiterando a minha total confiança no vosso Comandante e reafirmando a minha profunda convicção na vossa cuidada preparação e nas vossas inabaláveis lealdade e determinação. […] Homens e Mulheres do Agrupamento MIKE, a Bandeira Nacional é, como sabeis, um símbolo da Pátria, pelo que o Estandarte Nacional que a representa, e que está colocado à vossa frente, significa que por seu intermédio a Pátria está presente e vos contempla. Naquele pano verde e rubro estão eternizados feitos heróicos praticados pelos soldados portugueses nos vários cantos do mundo e está sintetizada uma História, de que devemos orgulharnos, sendo nossa obrigação e dever saber honrar e continuar com a mesma bravura e galhardia dos nossos antepassados, trilhando o caminho da honra e da glória. […] [T]enho a certeza de que Portugal pode contar com todos os militares do Agrupamento MIKE para continuarem na senda dos 5455 militares já projectados por esta Brigada, com o profissionalismo, a dedicação e o elevado espírito de missão e bem servir para representarem com dignidade o seu nome no Teatro de Operações do Kosovo saindo dignificado e prestigiado o Exército a que todos nos orgulhamos de pertencer. O aprontamento da Força e o «Exercício Pristina 082» A missão primária da Brigada de Intervenção permite definir como objectivo último a projecção de forças em operações de intervenção, portanto, centradas no combate; todavia, a realidade em que se enquadra o Agrupamento MIKE, bem como a força multinacional responsável por estabelecer e manter a segurança no Kosovo, vem conceder prioridade às operações de estabilização. Os objectivos e tarefas implementados no exercício final «Pristina 082» responderam a este conceito de missão, envolvendo o planeamento e controlo de operações de escalão Batalhão bem como operações de reserva, na AOR da KFOR. 22 Preparação e treino do Agrupamento MIKE, para a sua missão no Kosovo, no qual se insere o Exercício Pristina 082 No objectivo de preparar e treinar o Agrupamento MIKE para o exercício da sua missão no Kosovo, foi conduzido o aprontamento desta força, no qual se insere o Exercício Pristina 082, como exercício final, tendo decorrido de 24 a 31 de Julho, em Cabeceiras de Basto, distrito de Braga. Este exercício de forças no terreno teve por objectivo a validação dos níveis de treino operacional do Agrupamento MIKE/BrigInt/KFOR, inserindo-se no plano operacional da Brigada, sequenciado em ciclos semestrais. Cabeceiras de Basto foi o local escolhido para o desenrolar das operações, dado possuir características naturais que o aproximam do cenário real do Kosovo. A área do Concelho (cerca de 242 km²) foi, então, convertida na área de responsabilidade da KTM da KFOR (Tactical Reserve Manoeuvre Batallion). Nas serras e aldeias limítrofes de Cabeceiras de Basto, o cenário é tipicamente o do Portugal rural e desta zona nortenha, dominada pelas montanhas escarpadas, entrecortadas por vales verdejantes e pela Ribeira do Douro. Mas a paisagem duriense é também muito semelhante àquela que vemos no Kosovo (embora menos verde, ainda mais rochosa e agreste). Foi neste cenário que o Agrupamento MIKE executou múltiplas tarefas, de âmbito operacional, inerentes à sua missão futura no Kosovo. As acções desenvolvidas foram direccionadas para algumas áreas fulcrais de intervenção, designadamente as acções CIMIC – de cooperação civil-militar – em que se incluíram acções de divulgação do Exército e de apoio às populações da região de envolvência do exercício, para além de uma série de acções de nível operacional, tais como patrulhamentos, checkpoints e postos de controlo móveis, operações de cerco e busca, operações de vigilância, controlo de tumultos, escoltas e outras operações de protecção, recolha de informações, entre outras. Todas estas acções foram implementadas a partir de uma matriz de incidentes gerados para o efeito, tendo sido criadas forças de cenário capazes de espoletar a acção conducente a uma resposta o mais próximo possível do objectivo a atingir. A análise do tipo de reacção/resposta da força em actividade constituiu um indicador do nível de proficiência alcançado, de acordo com os objectivos a atingir, nos cenários mais prováveis de intervenção no TO. Revisitemos algumas das acções desencadeadas durante o Exercício Pristina 082, as quais subsumem diversas vertentes do treino operacional. As múltiplas vertentes do treino operacional – um empenhamento permanente Acções de cooperação civil-militar As acções de cooperação civil-militar (CIMIC) representam uma das faces mais visíveis do Exército junto do meio civil, podendo abranger um semnúmero de vertentes, desde a assistência humanitária (incluindo a prestação de cuidados médicos), à educação e formação, apoio logístico e administrativo, à manutenção da ordem e da segurança de civis e, de um modo geral, à defesa dos direitos humanos. No âmbito das acções CIMIC, assumiu particular relevância, durante o Exercício Pristina 082, a intervenção da equipa médico-sanitária junto das populações.Tendo sido celebrado um protocolo entre a Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e organismos de saúde local, foi implementado um projecto de telemedicina, cujo plano se insere no designado “Projecto de Desenvolvimento Integrado”, que inclui, nas suas valências, a prestação de apoio médico, em ambulatório, através de um posto móvel, guarnecido com pessoal especializado e dotado de equipamento adequado à realização de consultas médicas e de alguns exames complementares de diagnóstico. Em estreita ligação com os organismos locais de Cabeceiras de Basto, nomeadamente os ligados à área da Saúde, oAgrupamento MIKE/BrigInt/KFOR desenvolveu acções no terreno, com o deslocamento periódico de uma equipa constituída pela oficial médica –Tenente Ana Amaral – e por uma enfermeira aos locais habituais de actuação das equipas médicosanitárias civis da região. O espaço de actuação destas equipas abrangeu a área do Concelho, com cerca de 18 000 habitantes, sendo de realçar que a viatura do posto médico móvel, na qual trabalhou a equipa médica doAgrupamento MIKE, presta apoio a cerca de 1000 utentes. Em algumas das acções de apoio médico-sanitário, a médica doAgrupamento e as três enfermeiras da sua equipa foram acompa- O treino operacional do Agrupamento consubstanciou-se numa série de exercícios, na criação e resposta a incidentes 23 nhadas por jornalistas, que efectuaram reportagens nos locais onde se concentravam as populações para a sua consulta de rotina. Acções de controlo de tumultos A par das acções CIMIC, o treino operacional do Agrupamento foi constante, durante o Exercício Pristina 082, tendo-se consubstanciado numa série de exercícios, na criação e resposta a incidentes. Diversos deles envolveram o confronto entre “civis” (forças de cenário) e militares do Agrupamento, em diversos locais e contextos, nomeadamente os das manifestações pela reivindicação de direitos por parte das facções étnicas ou sociais em litígio, fosse a minoria sérvia ou a comunidade albanesa. A Escola Básica 2/3 de Cabeceiras de Basto, convertida em quartel, assistiu assim e reagiu a diversos ataques e incidentes, nomeadamente à Porta de Armas onde se concentraram os “manifestantes”. Estas “manifestações” constituíram também uma forma de exercitar a capacidade de negociação dos militares, que, em certas circunstâncias, celebraram compromissos com os “populares”, sendo veículo de diálogo com os poderes locais competentes. Frequentemente, eram injectados vários incidentes em simultâneo, frente ao Aquartelamento da KFOR, ou seja, à Escola, verdadeiramente transformada num aquartelamento militar em Pristina. Num desses incidentes, figurantes passando por populares albaneses concentraram-se à Porta de Armas, gritando insultos para os militares do Aquartelamento, enquanto lançavam objectos para o seu interior e faziam ouvir palavras de ordem reclamando a independência e a melhoria das condições de vida da população albanesa. Cerca de duas dezenas de elementos foram empenhados como forças de cenário, o que contribuiu para emprestar grande realismo ao incidente. A tensão foi-se intensificando até surgir a necessidade de intervenção de um pelotão de controlo de tumultos. Diversas arremetidas foram intentadas. A agressividade aumentou nas duas frentes – a dos “manifestantes” e a dos militares do Agrupamento MIKE, em acção na KFOR. Na pacata vila de Cabeceiras de Basto, como se de um filme de ficção se tratasse, concentraram-se populares às dezenas, incluindo feirantes, pois era dia de feira na vila, a qual tem lugar mesmo defronte do quartel/ escola. Diversos populares, cujo entusiasmo era visível, tentaram juntar-se às forças de cenário, dando a sua voz à “manifestação”. Choveram objectos e encenou-se um quadro muito vivo e dinâmico, a suscitar o interesse dos órgãos de comunicação locais que registaram o incidente com as suas câmaras 24 Figurantes passando por populares albaneses concentraramse à Porta de Armas, gritando insultos para os militares do Aquartelamento, enquanto lançavam objectos para o seu interior e gravadores. Também diversas pessoas, motivadas pela curiosidade de verem a sua praça transformada em campo de batalha, pegaram nos telemóveis e captaram imagens. A assistir estavam igualmente o Comandante da Brigada de Intervenção, o Presidente da Câmara de Cabeceiras de Basto, oficiais da Inspecção-Geral do Exército e muitos militares do Agrupamento MIKE e da Brigada de Intervenção. Entre a população houve sorrisos, porque a cena era fictícia, mas houve também formulações de “votos de felicidades”, entusiasticamente dirigidos aos nossos militares, para quando a missão fosse real no Kosovo. E aquilo que era um incidente, durante o qual se defrontavam militares e revoltosos, terminou com um forte aplauso da simpática população de Cabeceiras de Basto, que tão amistosamente recebeu os militares e que, além da excelente hospitalidade, manifestou grande sentido patriótico. Outras operações Outras vertentes de actuação da nossa Força consistiram, por exemplo, em operações de cerco e busca, quando denunciada a existência de locais onde presumivelmente se traficavam armas ou onde estariam guardados engenhos explosivos, obrigando à sua localização bem como à actuação das patrulhas competentes e de equipas de inactivação daqueles engenhos. De igual modo, registaram-se tentativas de entrada de viaturas contendo o mesmo tipo de engenhos, no interior Nas estradas acidentadas do Concelho circulavam, ao longo do dia, colunas militares, que eram surpreendidas por elementos emboscados, representando populares do Kosovo do Aquartelamento, como forma de testar diversos procedimentos de segurança. O Agrupamento MIKE foi chamado igualmente a proteger a área do Tribunal de Mitrovica, onde se registaram confrontos violentos, simulando um protesto contra a presença da comunidade internacional a norte do rio Ibar. Aquela área foi transposta, no cenário do Exercício, para a localidade de Veiga (concelho de Cabeceiras de Basto), para onde foi destacada a Companhia Bravo Coy. Esta companhia, destacada com uma parte do Estado-Maior do Agrupamento, instalou-se naquela localidade, com diversos módulos, nomeadamente o sanitário, de manutenção, alimentação e transmissões, sectores essenciais no teatro de operações. Simulando o aquartelamento dinamarquês em Mitrovica, a companhia tinha por missão assegurar a estabilidade do tribunal onde haviam ocorrido incidentes graves, para além de patrulhas e de outros procedimentos de rotina. Outros incidentes implementados foram as emboscadas a patrulhas militares. Nas estradas acidentadas do Concelho circulavam, ao longo do dia, colunas militares, que eram surpreendidas por elementos emboscados, representando populares do Kosovo, que atacavam as viaturas, disparando ou lançando pedras, enquanto proferiam reivindicações. Os militares optaram, geralmente, pela via do diálogo, acompanhado do reforço do patrulhamento local, um tipo de resposta adequado à situação vivida no Kosovo e também à missão de Paz em que se enquadra a nossa Força, a par de outro tipo de resposta, mais agressiva, tendente a travar a acção rebelde. Numa outra perspectiva, as estradas e povoações encontravam-se povoadas por crianças e adultos a acenarem simpaticamente às colunas – era o Povo Português, na sua essência, mas eram também os rostos curiosos e sorridentes das crianças louras que em terras kosovares dirigem calorosos cumprimentos aos militares portugueses. Rostos semelhantes, pátrias diferentes. Um mesmo sentido de Humanidade. Informação pública A designada “política de informação pública” é uma componente importante neste tipo de exercícios, conferindo visibilidade ao Exército e à Brigada, através da divulgação das suas actividades junto dos Órgãos de Comunicação Social locais e nacionais e da opinião pública em geral. Durante a realização do «Exercício Pristina 082» foram conduzidas diversas visitas de jornalistas ao interior do Aquartelamento e também às áreas de implementação de incidentes, no seu exterior. 25 Numa vertente experimental, foram injectados incidentes envolvendo hipotéticos jornalistas como forma de treinar condutas e abordagens a ter para com estes profissionais no Teatro de Operações, bem como procedimentos que envolvem a sua protecção e segurança. Os incidentes envolvendo jornalistas, para além de outros objectivos, permitiram dar seguimento a uma política activa de informação pública, de interacção entre a actividade do Agrupamento e do Exército, por um lado, e a sociedade civil, por outro. Trinta anos de escola – uma semana de quartel A Escola Básica 2/3 de Cabeceiras de Basto, com trinta anos de história, viu-se transformada em quartel durante uma semana. Ali foi conduzida uma visita às instalações do Agrupamento MIKE, respectivo Estado-Maior, bem como ao Estado-Maior da Brigada de Intervenção. A visita foi acompanhada por diversos Órgãos de Comunicação Social locais, que foram recebendo esclarecimentos por parte do Major-General Martins Ferreira e pelo Comandante do Agrupamento MIKE, Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues. A acompanhar a visita encontravam-se também alguns vereadores, deputados daAssembleia Municipal, membros da Protecção Civil e o Comandante dos Bombeiros. O percurso iniciou-se à Porta de Armas, com a simulação dos procedimentos regulamentares de segurança à entrada do aquartelamento da KFOR, onde se encontrava uma força de segurança imediata, para reagir a qualquer tentativa de flagelação, cumprindo os planos de segurança do aquartelamento com uma prontidão de 30 minutos. Já no interior da escola transformada em quartel, os visitantes passaram pelo Estado-Maior do Agrupamento, onde visitaram as diversas secções e infra-estruturas, como os alojamentos, salas de conferências, balneários, refeitório geral, posto médico, parque de viaturas e outras infra-estruturas, agrupadas em três áreas – comando, salas de trabalho e dormitório. Durante a visita, o Major-General Martins Ferreira e o Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues foram expondo aos visitantes aspectos relacionados com o planeamento e a conduta do «Exercício Pristina», bem como a sua implementação em Cabeceiras de Basto, concelho que, quer pelas suas características geográficas, quer pelas infra-estruturas e logística disponibilizadas pela Câmara Municipal, se constituiu como espaço ideal para a sua realização. Por outro lado, naquele espaço foi possível implementar o treino 26 em contacto com a população civil e com plena integração dos militares. Este aspecto foi importante para dar a conhecer um pouco das actividades e da missão do Exército, particularmente o seu empenhamento nas FNDs. O Comandante da Brigada de Intervenção promoveu um briefing, nas instalações do Agrupamento MIKE, começando por apresentar o respectivo organograma, estruturado por um EstadoMaior e por três companhias – Alfa, Bravo, Charlie –, nos seus diversos módulos e valências, particularmente os respeitantes ao pessoal, logística, manutenção e operações. Relativamente ao aprontamento, foram referenciadas as suas diversas fases, bem como os cursos e estágios frequentados pelos 290 militares em aprontamento, num total de 34. O Major-Genertal Martins Ferreira salientou que o «Exercício Pristina» constitui o culminar de seis meses de treino, correspondendo a fase final à avaliação, levada a cabo pela direcção e controlo do exercício. Alguns aspectos relacionados com o seu planeamento e execução foram também colocados em relevo, nomeadamente a sua inserção no plano de treino da Brigada de Intervenção, a missão da força no TO, no respeitante à prevenção de conflitos e, por último, a importância das lições aprendidas, na fase de avaliação de procedimentos. Relativamente à última fase do exercício, foram caracterizadas as principais acções espoletadas a partir dos 80 incidentes implementados, parte dos quais a assistência teve a oportunidade de acompanhar. Quase no final da visita, era tempo de passar pelo posto médico, cujos elementos eram já bem conhecidos pela população, pelo seu notável apoio no Concelho, a bordo do posto móvel. No local, aTenente MédicaAna Amaral explicou brevemente a constituição do posto em quatro áreas fundamentais – triagem, internamento, sala de tratamentos e sala de trabalho –, para além da tenda de isolamento (para os casos de doença infectocontagiosa) e três ambulâncias. Referiu-se também ao programa de vacinação que faz parte do aprontamento sanitário dos militares que partem em missão, não deixando de mencionar alguns números relativos à acção do posto médico durante o exercício, o qual só nos primeiros dois dias realizou 55 consultas. No final da visita, o Major-General Martins Ferreira concedeu uma entrevista à «Rádio Voz de Basto», durante a qual falou das novas tecnologias e valências do Exército na era da globalização, no empenhamento de forças nacionais em missões de apoio à Paz, mencionando números – os cerca de 5500 militares da Brigada, projectados em FNDs durante 10 anos. Falou também do «Exercício Pristina», na aferição de conhecimentos e práticas no terreno, no treino direccionado para as situações mais prováveis, não esquecendo as mais perigosas, como o combate, e referiu-se também à simbólica transformação da Escola Básica 2/3 em Quartel, espaço aberto a uma cultura de Defesa e ao conhecimento da missão do Exército e da Brigada de Intervenção, assinalando a excepcional receptividade aos nossos militares por parte da autarquia e da população de Cabeceiras de Basto. No plano das relações interpessoais estabelecidas entre militares e população civil, o Comandante da Brigada de Intervenção destacou que “com o apoio inexcedível da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto conseguimos animar a vida local. Penso que a população gostou.” Destacou ainda a ampla adesão das pessoas às exposições do Exército, patentes na Praça da República, bem como às actividades radicais e de divulgação, destacando que “temos hoje um Exército muito mais aberto, o que é o resultado de uma aposta no regime de voluntariado, e em cativar gente para as fileiras.” Dentro da área de actuação da Brigada de Intervenção – uma vasta mancha geográfica que se estende por 10 distritos e 90 concelhos – verifica-se que há épocas do ano em que a acção da Brigada se torna mais notória junto das populações, particularmente em períodos de incêndios, de cheias ou em catástrofes naturais. Pela sua experiência e coesão, a Brigada de Intervenção contribui para, também no teatro de operações do Kosovo, ser um motor de paz e de estabilidade de um território que tem vivido em conflito. O seu Comandante frisou que “temos já créditos firmados em todos os teatros. Não é por acaso que somos reserva táctica da KFOR – podemos ser empregues em todos os cenários.” Em resposta à questão sobre se existem riscos inerentes a esta missão, o Major-General Martins Ferreira referia que “há sempre um risco. Em Timor, em 2000/2001, apesar da nossa preparação, os incidentes aconteceram. Estas missões têm riscos. Preparados estão eles! A parte operacional correu muito bem e a força está preparada. Mas também costumo dizer «apesar de toda a preparação, que a sorte não nos falte!»”. O lugar da Cultura O «Exercício Pristina» foi direccionado em duas vertentes fundamentais – a vertente operacional propriamente dita e uma vertente cultural, com importante expressão, para o que contribuiu o ambiente socio-cultural de Cabeceiras de Basto e o excelente relacionamento entre a autarquia e os militares da Brigada de Intervenção. A Casa da Cultura de Cabeceiras de Basto é um pólo importante de cultura no Concelho, sendo um local sempre Na praça esteve também montada uma torre multiusos, na qual dezenas de crianças e jovens experimentaram as modalidades de slide e rappel aberto aos interessados pela História e Cultura regionais. Possui uma biblioteca de adultos e outra, infanto-juvenil, com as respectivas salas de leitura enquadradas no espaço da velha casa senhorial do Barão de Basto. À entrada da sala de leitura de adultos existe uma pequena e curiosa exposição permanente dos designados “livros de prazos”, que consistiam, em tempos idos, em registos de pagamento de bens e géneros, por parte de rendeiros e outros trabalhadores rurais, a soldo da aristocracia local. A biblioteca reúne um acervo importante de obras, abarcando diversas áreas do Saber, bem como jornais e revistas, entre os quais se encontram os catálogos das exposições temáticas que periodicamente têm lugar no Museu do Arco de Baúlhe (antiga estação dos caminhos-de-ferro daquela localidade), centrando-se em temas da história do Concelho, nomeadamente sobre os usos e costumes, as actividades agrícolas, os trajes, a música, a medicina popular, entre outros. Na Casa da Cultura esteve patente uma exposição de material de guerra, flâmulas, estandartes e 27 peças heráldicas alusivas à presença portuguesa nas FNDs, encontrando-se representados os múltiplos teatros de operações para onde a Brigada de Intervenção projectou forças, designadamente a Bósnia, o Kosovo, Timor e o Líbano. Esteve também exposto, no local, equipamento e fardamento em uso no Exército, podendo os visitantes visionar um filme sobre a Brigada de Intervenção, no seu breve mas rico historial, com as unidades que se encontram sob o seu comando, desde Chaves a Queluz. Em paralelo com esta exposição, esteve instalada, frente à Casa da Cultura, na Praça da República, uma exposição de viaturas militares que fazem parte da dotação da Brigada e são actualmente utilizadas no Kosovo, nomeadamente a Viatura Blindada de Rodas Pandur II 8X8, a Viatura Blindada de Rodas V-200 Chaimite e a Auto-Metralhadora V-150 Cadillac Gage. Na praça esteve também montada uma torre multiusos, na qual dezenas de crianças e jovens experimentaram as modalidades de slide e rappel. O Presidente da Câmara, Eng.º Joaquim Barreto, e o Comandante da Brigada de Intervenção, inauguraram a exposição na Casa da Cultura e visitaram a mostra de material bélico, num agradável percurso pela Praça da República com o seu jardim harmoniosamente planificado, tendo por enquadramento o antigo e magnificente mosteiro de S. Miguel de Refojos, com a sua igreja barroca. Uma visita, ainda que breve, pelos espaços com História, em Cabeceiras de Basto, não pode deixar de incluir a Igreja do Mosteiro de S. Miguel de Refojos, cuja existência, que alguns fazem recuar ao século VII, é dada como certa pelo menos desde o século XII, sendo os seus padroeiros descendentes de D. Gomes Mendes, que viveu no século XII. O Mosteiro terá sido fundado pelos seus antepassados, senhores das terras de Basto, igualmente fundadores do lugar de “Refúgios”, etimologia a que se associam os topónimos de “Refojos” e de “Refoyos”, cujo mais antigo nobre foi D. Mendo (séc. XI), ligado às cortes de D. Henrique e do primeiro rei de Portugal. Refira-se, a título de curiosidade, que a história desta família do norte de Portugal é narrada no romance de Aquilino Ribeiro A Casa Grande de Romarigães, sendo também referida (bem como a região circundante) em A bruxa do Monte Córdoba e em Noites de Lamego, de Camilo Castelo Branco. O monumento histórico foi um dos mais ricos e sumptuosos do Reino, pois as rendas de toda a região se repartiam entre o Mosteiro de Refojos e a Casa de Bragança, herança do nobre do século XIV Vasco Gonçalves, “o Barroso”, primeiro marido da que viria a casar com D. Nun’Álvares Pereira, D. Leonor de Alvim. Quanto à imponente igreja, foi reconstruída em 1690, em estilo barroco, de que sobressaem as duas torres e, no interior, a rica ornamentação em talha 28 dourada, bem como o coro duplo, a capela do Santíssimo Sacramento e a estátua de S. Miguel Arcanjo, entre outras preciosidades que vale a pena contemplar num percurso pela vila. A vertente cultural que enquadrou este exercício não se esgotou na visita às exposições e lugares históricos. Enquanto no terreno se ia desenvolvendo actividade operacional, tinham lugar diversas iniciativas de índole cultural e recreativa, em que as populações e os seus representantes no município iam acolhendo carinhosamente os militares. Foi o caso do «Encontro Anual de Cabeceiras de Basto», que reuniu na localidade de Veiga (concelho de Cabeceiras de Basto) 880 pessoas (maioritariamente idosos) do Concelho. O Major-General Martins Ferreira juntou-se ao encontro de convívio e lazer, organizado pela Câmara Municipal, ao lado do Presidente da Câmara, para participarem no programa social e recreativo que visa proporcionar o encontro entre as pessoas residentes nas freguesias daquele Concelho, anulando os efeitos do isolamento e da escassa mobilidade, dado tratar-se de uma população envelhecida. Este tipo de iniciativas, pela sua forte adesão, espelha bem a opção de reorientar os esforços para a integração e o apoio à terceira idade, dado que o paradigma mudou − da orientação para a educação passou-se a uma reorientação para estruturas de apoio e de acompanhamento a idosos, conforme salientava o Vice-Presidente da Câmara, Dr. Jorge Machado. Ali estiveram presentes individualidades como o padre Borga, que ofereceu um espectáculo musical, e a D. Dina Castro, mãe do escritor e jornalista Luís Castro, que passou por terras do Iraque como repórter de guerra e é autor de obras tão conhecidas como Repórter de Guerra e Por que adoptámos Maddie. A cultura está bem viva em Cabeceiras de Basto, terra de grandes tradições, onde se conciliam o popular e o erudito, o passado e o presente, um salutar regionalismo e o sentido de Pátria, tão arreigado naquelas gentes nortenhas, que tão bem souberam acolher os militares, apoiar a sua acção e contribuir para o cabal cumprimento da sua missão, ao serviço dessas mesmas populações, do Exército e do País. Distinghish Visitors Day do «Exercício Pristina 082» No dia 31 de Julho, a culminar o «Exercício Pristina 082», teve lugar o respectivo DVD (Distinghish Visitors Day), presidido pelo Tenente-General Pina Monteiro, Comandante Operacional. Do programa do DVD constaram diversas actividades, tendo em vista a divulgação do Agrupamento MIKE, a sua missão, constituição modular, efectivos e principais acções desenvolvidas durante o «Exercício Pristina 082», junto de altas entidades civis e militares, bem como de Órgãos de Comunicação Social. Do seu programa destacam-se uma palestra proferida pelo Major-General Martins Ferreira, no auditório da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, seguida das intervenções do então Chefe do Estado-Maior da Brigada de Intervenção, Tenente-Coronel Godinho, e do Comandante do Agrupamento MIKE, Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues. Seguiu-se uma visita à exposição patente na Casa da Cultura e uma visita à frente de trabalho presente no aeródromo de Cabeceiras de Basto, a cargo da Engenharia militar. O ponto alto do DVD centrou-se na cerimónia militar presidida pelo General Comandante Operacional, no Parque do Mosteiro, campo contíguo ao Mosteiro de S. Miguel de Refojos. Após a prestação da continência e demais honras militares à Alta Entidade, o Agrupamento MIKE entoou o seu hino, ao que ressoaram aplausos por parte da numerosa assistência civil presente no recinto. O Tenente-General Pina Monteiro dirigiu um discurso aos militares ao serviço de Portugal no Kosovo, reiterando a confiança depositada na Força e no seu Comandante e enaltecendo mais uma missão exigente, que serve os nobres interesses do País. As palavras do General Comandante Operacional foram secundadas pelo discurso dirigido aos militares do Agrupamento MIKE pelo seu Comandante, o Tenente-Coronel Jocelino Rodrigues. Por fim, teve lugar uma demonstração de capacidades do Agrupamento MIKE e, a terminar, um almoço de confraternização no Mercado Municipal da vila. JE Nota: Numa futura publicação, e sendo oportuno, far-se-á a narração do desempenho do Agrupamento MIKE no Kosovo. 29 Tenente RC Paulo Moreira 172 anos de história e um pouco mais A história da Academia Militar não começa em 1810. Por essa altura, o Ensino Superior Militar em Portugal já contava com quase 170 anos. Mas, por razões que rapidamente se entenderão, traz-se primeiro à memória o dia 4 de Abril daquele ano, quando chega a Queluz, ao Regimento de Cavalaria N.º 11, um jovem fidalgo chamado Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, com idade próxima dos quinze anos, perguntando pelo Comandante, a quem prontamente revelou os seus propósitos, manifestando desejo de assentar praça como voluntário. O Comandante, avisado dos perigos das armas e considerando os iminentes confrontos com as tropas napoleónicas, procura guiar o proponente 30 na direcção da corte, destino mais favorável a alguém da sua condição. Obteve do rapaz esta resposta: “Senhor, não. […] Trago bem presente nos meus olhos as atrocidades dos inimigos da Pátria, para que o esqueça. Destes meus olhos me rolaram lágrimas de raiva, como punhos, quando há dois anos, os vi quase rotos e famintos, enlameados e sujos, atravessarem como maltrapilhos os nossos campos de Santarém em marcha sobre Lisboa. […] Senhor, eu não ambiciono riquezas, eu não quero carreira fácil. Senhor, eu quero cumprir o meu dever. E, agora, que em Espanha forças inimigas se juntam para pisar de novo esta terra de portugueses, eu quero bater-me, ainda que isso seja o fim da minha própria vida. Senhor, solicito-lhe, pois, que me aceite nesse Regimento para servir Portugal. Compenetre-se, Vossa Mercê, que outra honra não posso ter maior do que servir este Ideal que me abraza o coração.”1 Em 12 de Janeiro de 1837, com 41 anos, Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, Coronel e Visconde de Sá da Bandeira, assume o cargo de Ministro da Guerra. Para trás ficaram inúmeros combates nas Guerras Peninsulares, onde foi ferido várias vezes, escapando por pouco à foice da grande ceifeira quando, em 1814, no campo de Vieille, em França, foi quase mortalmente atingido. Resgatado em território inimigo, foi feito prisioneiro e internado, tendo sido libertado alguns meses depois, regressando então a Portugal. Provado o seu valor em campo de batalha, o militar entendeu aprofundar os seus estudos, passando pela Real Academia de Marinha, pela Real Academia de Fortificação e Desenho e pela Universidade de Coimbra, onde se dedica à Matemática e à Filosofia. A necessidade de exílio leva-o, em 1820, a Paris, onde aprende Química, e a Londres, onde estuda Engenharia. Forjado pelas Armas e erudito nas Ciências, tomando posse no Ministério da Guerra, cria, com legislação redigida pelo próprio, a Academia Politécnica de Lisboa e a Escola do Exército. Se numa os militares deveriam adquirir a necessária preparação militar, na outra aprenderiam as várias Ciências da Guerra. Mas a história desta instituição começa a contar-se desde tempos mais recuados, 196 anos antes daquele 12 de Janeiro de 1837. Num sábado, 1 de Dezembro de 1640, um grupo de fidalgos da baixa nobreza nacional, pondo fim à vida de D. Miguel de Vasconcelos, Secretário de Estado, e aprisionando a Duquesa de Mântua, que governava Portugal em nome do seu primo, D. Filipe III, termina com 60 anos de domínio espanhol sobre o País. D. João IV, escolhido para ocupar o trono português, aproveita as atribulações que envolvem a Coroa espanhola, dividida em atenções pela Guerra dos 30 Anos, a Revolta da Catalunha e a Guerra da Restauração – esta mantida com Portugal durante 28 anos, entre 1640 e 1668 –, para pôr ordem no País e para reorganizar o Exército. Entre outras medidas, D. João IV dá início ao Ensino Superior Militar criando, por Decreto de 13 de Maio de 1641, a Aula de Artilharia e Esquadria, a funcionar no Palácio Real, no Paço da Ribeira (actual Praça do Comércio). O pequeno passo dado por D. João IV foi o primeiro de um caminho que ainda perdura. Em 1790, D. Maria I cria a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, dando origem a uma escola com bases científicas de interesse militar onde seriam formados os futuros Oficiais de Artilharia, Engenharia, Infantaria e Cavalaria. A Academia proporcionava ainda a formação de civis – os Paisanos – que desejassem seguir a carreira de Engenheiros. Sem nunca ter saído de Lisboa, a Academia conheceu ali várias moradas, começando pelo Arsenal do Exército, em Santa Apolónia, seguindo para o Palácio da Regência e para o Palácio de Calhariz, até ao Real Colégio dos Nobres, onde se encontrava quando, em 1837, passou a designarse Escola do Exército, por ordem do Marquês de Sá da Bandeira. Em 1851, a Escola do Exército chega, finalmente, às instalações do Palácio da Bemposta, onde ainda permanece. A designação de Escola do Exército mantém-se entre 1851 e 1910, altura em que, por ocasião da Implantação da República e das reformas levadas a cabo pela mudança de regime, a Instituição passa a ostentar o título de Escola de Guerra, embora por pouco tempo. Em 1919, fruto de nova reorganização, a Academia foi conhecida como Escola Militar e, em 1938, recuperou o nome de Escola do Exército. Por fim, em 1959, como resultado da constante evolução e aplicação das Ciências no plano militar, é atribuído a este estabelecimento de Ensino Superior a sua definitiva e actual designação deAcademia Militar. Apesar das sucessivas mudanças de designação e dos seus diversos endereços ao longo da História, os seus objectivos, linhas de orientação e ideais não foram substancialmente alterados, mantendo-se também inalterada a sua divisa – Dulce et Decorum est pro Patria Mori (É doce e honroso morrer pela Pátria). Hoje, integrada no sistema de ensino universitário português, a Academia Militar é responsável pela formação superior dos oficiais para os quadros permanentes do Exército e da Guarda Nacional Republicana (GNR). 31 A missão específica da Academia Militar A cultura particular e secular do Exército – e das Forças Armadas em geral – reveste esta instituição de especificidades transversais em vários domínios, entre os quais o Ensino Superior. Como tal, o Ensino Superior Militar assume missões de carácter especial e até exclusivo, procurando assegurar, não só a formação dos chamados quadros superiores, mas a formação de quadros superiores militares, futuros oficiais dos quadros permanentes das Forças Armadas e da GNR, o que não é necessariamente a mesma coisa. Numa abordagem, ainda que bastante superficial, podemos atribuir à missão específica da Academia Militar a preparação científica e técnica dos oficiais, onde as matérias de fundo predominantemente militar se cruzam e complementam com outras de carácter mais geral, como a Matemática, várias Engenharias, a Administração ou a Saúde. A preparação física e a formação militar, indispensáveis para a edificação global dos oficiais, considerando o quotidiano da sua actividade e o exercício da hierarquia, ocupam igualmente um lugar de relevo no cumprimento da missão da Academia.AAcademia é ainda chamada a cumprir uma missão de formação moral, cívica e comportamental, realçando valores indissociáveis das tradições militares e inseparáveis da sua história e dos seus protagonistas, como o sentido do dever, a lealdade, a ordem e a disciplina, bem como os traços de carácter necessários às funções de comando. 32 Valores estes que, muitas vezes, têm como única reserva de futuro os usos e costumes das próprias Forças Armadas. A perseverança no cumprimento destas missões, influenciada pelas raízes ancestrais castrenses, assente numa sólida e exigente educação militar, distingue claramente a Academia Militar de outros estabelecimentos de Ensino Superior e sustenta a longevidade e o próprio futuro da Instituição. A tendência globalizante da sociedade actual, visível, neste campo, na recente reestruturação do ensino superior com a implementação do Processo de Bolonha, mereceu, compreensivelmente, alguma cautela aquando da sua adaptação ao Ensino Superior Militar. A homogeneidade curricular pretendida pela Europa, a harmonização científica dos cursos e a comparabilidade dos graus académicos, sem ter em conta questões identitárias e idiossincráticas que possam ser levantadas, encontrou no Ensino Superior Militar – entre outros – um pressuposto incontornável que não pode ser esquecido e que não tem correspondente algum na sociedade civil: a formação de indivíduos com a função única de Defesa da Pátria, ainda que com sacrifício da própria vida. O Dia da Academia Militar No dia 12 de Janeiro, data em que se completaram 172 anos desde a fundação da Escola do Exército, herdeira daAcademia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, celebrou-se o Dia daAcademia Militar, com uma cerimónia presidida pelo General Chefe do Estado-Maior do Exército, José Luís Pinto Ramalho. O evento, realizado na sede da Academia Militar, em Lisboa, contou com a presença de altas entidades militares e civis, destacando-se o Presidente da Câmara Municipal da Amadora, Dr. Joaquim Moreira Raposo, Generais antigos Chefes do Estado-Maior do Exército, Generais antigos Comandantes da Academia Militar, o Tenente-General Nelson dos Santos, Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Tenente-General Oliveira Cardoso, Vice-Chefe do Estado Maior do Exército, os Directores do Instituto de Defesa Nacional e do Instituto de Estudos Superiores Militares, respectivamente, o Prof. Doutor António José Barreiros Telo e o Vice-Almirante Álvaro Sabino Guerreiro, um Representante do Governo Civil de Lisboa, os Comandantes da Escola Naval – Contra-Almirante Luís Manuel Fourneaux Macieira Fragoso – e da Academia da Força Aérea – MajorGeneral José Manuel Pinheiro Serôdio Fernandes –, um representante do Director do Instituto de Ciências Policiais e de Segurança Interna, familiares do Marquês de Sá da Bandeira e antigos Professores daAcademia Militar. Do discurso do Comandante da Academia Militar, Tenente-General Fernando Manuel Paiva Monteiro, salientam-se as preocupações e as perspectivas de futuro do Estabelecimento, de onde se realçam a adaptação ao Processo de Bolonha, a integração da componente politécnica do ensino, a alteração do Estatuto e do Regulamento da Academia e a implementação de um programa Erasmus Militar. “[…] O nosso grande desafio nos últimos anos tem sido o da adaptação do Ensino Superior Militar aos princípios contidos na Declaração de Bolonha. É um processo que temos vindo a desenvolver mais intensamente nos dois últimos anos, na sequência da publicação dos Decretos-Lei 74/06, de 24 de Março, e 37/08, de 8 de Março, e que, naquilo que depende exclusivamente de nós, está terminado. […] Também já incorporámos na Academia a componente politécnica do Ensino Superior Militar, que resultou da extinção da Escola Superior Politécnica do Exército, aguardando-se a definição da estrutura de carreiras para que se planeie a formação adequada […]. A conclusão da transformação associada a Bolonha passará também pela alteração do Estatuto e Regulamento da Academia Militar, dos quais já elaborámos e apresentámos projectos, aguardando orientação do Ministério da Defesa Nacional para prosseguirmos com esta importante tarefa. Tem sido linha mestra da nossa actuação o reforço da nossa ligação à sociedade civil, muito especialmente ao meio universitário, o que se tem traduzido em diversas iniciativas, de [onde] saliento a realização dos mestrados e doutoramento em História, Defesa e Relações Internacionais em associação com o Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Mestrado em História com a Universidade dos Açores e os cursos de Competitive Intelligence frequentados por licenciados civis e oficiais das Forças Armadas e de Segurança, aos quais conferiremos também o grau de mestre. Prosseguimos a colaboração com várias instituições que reconheceram em nós capacidades e competências que constituem valor acrescentado para os seus quadros. De realçar, neste aspecto, os cursos de liderança ministrados a alunos da Universidade do Minho e da Universidade Nova de Lisboa. Pela primeira vez, organizámos um curso especialmente orientado para membros da Associação Nacional dos Jovens Empresários e ministrámos uma cadeira de liderança a 254 alunos dos cursos de Engenharia e Arquitectura no Instituto Superior Técnico. […] Estão em curso várias iniciativas no sentido da implementação de um programa Erasmus Militar com vários países da União Europeia e um intercâmbio semelhante com o Brasil, aguardandose apenas a definição do suporte político para tornar efectivas estas iniciativas. […] 33 Vivemos hoje numa época em que a palavra “crise” faz parte do nosso léxico diário. Esta crise, associada normalmente a aspectos de natureza económica e financeira, porventura foi precedida por uma outra muito mais profunda, de que pouco se fala, para a qual não se tem encontrado solução global, que é a crise de valores como a solidariedade, a tolerância, a honradez, a liberdade, a lealdade, a ética, o sentido do dever e da disciplina e a camaradagem, que a nós militares nos é tão cara. […] A preservação daqueles valores, a par do ministrar a elevada formação técnica e humanista, que habilita os futuros oficiais do Exército e da Guarda Nacional Republicana a exercerem a nobre missão de comandar, só se tornou possível pelo assinalável esforço e a dedicação de todos os que aqui prestam serviço, oficiais, professores, sargentos, praças e funcionários civis, pelo que a todos presto a minha homenagem e deixo mais uma palavra de incentivo.” De igual forma, o Chefe do Estado-Maior do Exército, na Mensagem que dirigiu aos presentes, salientou o cultivo de valores, o rigor, a exigência e o reconhecimento da excelência do ensino na Academia Militar, deixando um claro elogio à competência e ao espírito de missão de todos os que servem e serviram naquela Instituição. a sociedade civil através de mestrados, pósgraduações e intercâmbios com Universidades, e pela adopção de modelos e competências, na linha dos […] A nobre missão de formar os futuros líderes do Exército e da Guarda Nacional Republicana tem subjacente a responsabilidade inalienável de assegurar uma formação global equilibrada e continuamente actualizada, nas vertentes científica, comportamental, física e de adestramento militar, a par da criação de um distinto espírito de corpo. Só com Oficiais esclarecidos, altamente qualificados, dotados de sólidos princípios éticos e morais, com elevada capacidade de julgamento e competência técnica, e capazes de gerar sinergias, coesão e confiança, é possível liderar cidadãos, também eles cada vez mais qualificados e conscientes, em situações que poderão, no limite, envolver o risco da própria vida. […] A Academia Militar foi, é e terá que continuar a ser uma escola de reconhecida excelência. Esta excelência desenvolve-se e consolida-se pela modernização das infra-estruturas e equipamentos, processo que decorre com grande visibilidade, pelo acompanhamento curricular dos desafios tecnológicos da sociedade contemporânea, pela aposta na investigação, pela afirmação dos nossos conhecimentos específicos em áreas de interesse para Na noite do dia 12 de Janeiro cumpriu-se o tradicional jantar de confraternização de antigos alunos, onde compareceram cerca de 1200 Oficiais.JE 1 Transcrição do Anuário de 1956/1957, da Escola do Exército. 34 estudos sobre ensino superior que decorrem a nível nacional e europeu, que se verifiquem compatíveis com a escola de valores e de ciência necessária ao Exército.” Fotos: CAVE Coronel de Cavalaria João Esteves Pereira Foto: Tenente Paulo Moreira V ivemos num tempo em que, felizmente, a maioria dos jovens mantém ainda alguma fé no seu Exército, ao passo que muitos de nós tentamos desesperadamente não a perder. Anos e anos de desencantos vários, de desilusões por conjunturas diversas ou atraiçoados por estruturas perversas, chegamos a uma época em que, encandeados por esperanças no amanhã, deslumbrados com vãs promessas e, muitas vezes, sitiados pelos nossos próprios princípios, procuramos às cegas um farol que nos ilumine. Feliz da Nação que não tem que se empenhar para se armar. Mais meios serão canalizados para outras áreas. Mas, fruto da natureza humana, ai daquela que não se preparar para o conflito, que nem sempre se manifesta real, que nem sempre se revela objectivo. É a defesa da Nação, que se apresenta hoje em dia nas mais diversas formas, que não se poderá nunca 35 desprezar, seja ela feita dentro das fronteiras ou nos mais longínquos locais, tomando formas convencionais ou os mais recentes figurinos de alianças. Ela contribui para o fim último que é a segurança do Estado, ou seja, garantir uma das mais básicas necessidades, que é a segurança do seu povo. Navios, blindados ou aviões não são mais do que a mera panóplia instrumental que qualquer curta reciclagem colocará rapidamente ao serviço. Tudo tem o seu lugar: o equipamento, a táctica, a técnica, nada se devendo descurar. O acompanhamento do que de mais moderno se produz no mundo, bem como a forma como os exércitos mais modernos o utilizam, sempre foi e será o desafio que se nos coloca e de que sempre fomos paradigma. Mas materiais são coisas, e estas só existem até que outras, mais modernas e eficazes, as tornem obsoletas. O equipamento é sempre efémero. Hoje um, outro amanhã, mais antigo ou mais moderno, em maior ou menor quantidade, sempre em função do balanço entre as necessidades e as reais capacidades do país. Será sempre, portanto, um acto volitivo da Nação que, através dos seus (nossos) governantes, decide para que nível de ameaça nos devemos preparar e, portanto, que recursos o seu Exército deve possuir. Ao Exército compete fazer com que essa escolha não seja um acto irreflectido, menos consciente, ou tomado de ânimo leve. Já quanto aos recursos humanos, se pela quantidade somos igualmente reféns desta verdade, não poderemos alienar a nossa vontade, mantendo a capacidade própria de os formar com a qualidade que exigimos, moldando-os naquilo que, todos sabemos, deverão ser. Perdidos na interminável azáfama das discussões materiais, na azáfama da súplica constante por mais uns tostões no orçamento, paremos um pouco e respiremos fundo. Depressa concluiremos que tal só nos leva a um imenso rodopio.Anos de equipamentos obsoletos, de curtos orçamentos e de falta de pessoal são vicissitudes conjunturais que mais ou menos rapidamente poderão ser colmatadas. Mas quanto maior for o período de desrespeito pela nossa própria cultura organizacional, de inobservância das mais básicas regras de ética, de desprezo pela nossa própria idiossincrasia, mais fundo será o buraco donde, um dia, teremos de sair. E o resto? E os bens não tangíveis que foram conseguidos ao longo dos anos e mantidos de geração em geração? Esses, não espera a Nação que os percamos. Porque há coisas que, para além de se compreenderem, têm de se interiorizar. E uma vez perdidos, não se recuperam rapidamente. E são valores que não custam e para os quais não é necessário reforços no orçamento. Mas, uma vez perdidos, levam 36 gerações a readquirir. Desesperam os comandantes de hoje com a falta de meios para fazer com que as subunidades funcionem, para proporcionarem aos comandos seus subordinados os equipamentos e a massa humana necessária para que cada um se sinta realizado a fazer aquilo para que foi formado e treinado, a fazer aquilo que mais gosta, ou seja, no fundo, a cumprir a sua missão. Nestes tempos difíceis que correm, é imperioso que cada um se mantenha ocupado e, nesse contexto, mais do que nunca, não se esqueça de todos os que dele dependem. Que a nenhum falte que fazer. Que se mobilizem os músculos e os neurónios. Que aquilo que se faça e que poderá não constituir muito, se faça bem e em consciência, para ficarmos também bem connosco. Não se iludam aqueles que procuram desesperadamente agradar aos seus chefes. Tentem antes fazerem-se compreender e serem reconhecidos pelos seus subordinados. Não há compensação maior do que sermos respeitados por quem temos abaixo de nós. Porque nada é mais verdadeiro do que a maneira como os que de nós dependem nos vêem.Assim como nada há de pior do que o respeito coagido. Respeitar os superiores e considerar os subordinados sempre foi um dos pilares dos nossos princípios. Não permitam que, à semelhança da política, a tendência para temer os primeiros e ignorar os segundos vingue também no nosso Exército. Não há pior do que desiludir os que de nós dependem. Fazê-los sentirem-se defendidos até nos piores momentos é aquilo que se espera e se exige do comandante. Piores momentos, que podem não ser necessariamente momentos de guerra, pois é também na paz que se deve demonstrar carácter e capacidade de liderança. É na paz que nos devemos interrogar “se iríamos ou não com ele para a guerra”. Comandantes em todos os escalões, nestes anos de aparentes dificuldades, têm de se apoiar nestes princípios, têm de se manter orientados, para não deixarem os seus também desnorteados. As Unidades são hoje assoberbadas com inúmeras tarefas e solicitações, muitas vezes com tempo escasso para planeamento e preparação. Não deixemos que as preocupações daí derivadas consigam ofuscar o respeito pelos princípios e tradições. Porque aquele que não respeita as suas tradições, pouco se respeitará a si próprio. O Exército Português, longe de ser o maior, é, porém, para nós, o melhor à face daTerra. Conscientes das nossas dificuldades como povo e como Nação, humildemente cientes de que nem só de vitórias se fez a nossa história, sabemos também o quanto custou vencer tantas batalhas e criar esta idiossincrasia. Foto: arquivo JE Lembrem-se dos jovens capitães acabados de formar que em África depressa tiveram de crescer para liderar os seus homens Servir Devemos dizer o que nos vai na alma. Verbalizar o que sentimos no momento e local próprios. Com respeito pela hierarquia. Com a educação que a todos nos devemos obrigar. Não podemos deixar nada por dizer. Utilizarmos a nossa capacidade de raciocinarmos e dar a conhecer aos chefes a nossa opinião é dar-lhes a possibilidade de saberem o que sentem os subordinados. Também a isto se chama lealdade. O Chefe deve estar aberto a ouvir opiniões diferentes das suas para que do contraditório surjam as melhores decisões. Convençam-se de que o chefe que não promove esta cultura e relacionamento, raramente acerta nas decisões, apenas excepcionalmente consegue imbuir o seu espírito aos demais e frequentemente acaba sozinho. Não aceitem maneirismos dos vossos subordinados. Perante qualquer estudo de situação, não permitam nunca que estes adivinhem a vossa opinião. Se o fizerem, rapidamente acabarão sozinhos a tomar decisões, ao passo que o vosso EstadoMaior, em vez de se desenvolver pelo estudo e análise dos problemas e pela formulação duma opinião para a sua solução, se transformará num grupo de incapazes, sendo que a responsabilidade será de quem lhes permitiu adoptar tais posturas. Não se desculpem, porém, na sua (má) qualidade, como por vezes há a tendência. Incutir nos subordinados o espírito de iniciativa, fomentar o àvontade para expressarem, sem restrições, a sua opinião, permitir e incentivar a liberdade para mostrar outros caminhos, eis ao que se obriga hoje um líder. Todos ouvidos, modalidades de acção ponderadas e uma vez tomada a decisão, a todos se deve exigir defendê-la, com a mesma convicção como se fossem os próprios a tomá-la. Tanto como em qualquer outra organização, também no Exército, Instituição de vincada rigidez disciplinar, as decisões devem ser partilhadas. Para obrigarem todos. Para que todos se sintam coresponsabilizados e, acima de tudo, para que, uma vez mudado o comando, uma vez chegados aos lugares de decisão, os substitutos não enveredem por caminhos contrários à rota que vinha sendo tomada do antecedente. Por outro lado, temos de ouvir-nos a nós próprios. Ouvindo a Instituição, não precisaremos de ninguém para nos reorganizar. Basta ouvir o pulsar do Exército. Escutem bem, estejam atentos, que depressa descobrirão o que é necessário mudar, depressa concluirão qual o caminho a seguir. Em todos os cargos de chefia e em todos os escalões de comando se exige um “sentido de Instituição”. Não trabalhar apenas para aquilo que é visível a curto prazo. Não trabalhar apenas para a vigência do seu comando, mas para o futuro da organização. Não trabalhar apenas para a fachada, 37 Nas Unidades A Administração da Justiça é talvez a actividade que mais exige do comandante, que maior sensibilidade requer e que constitui o paradigma do comando de Unidades militares, particularidade única do comando de tropas e que a distingue do comando de outras forças civis ou paramilitares. O espírito de corpo e a proficiência de uma Unidade são consequência directa da ligação pessoal entre os vários escalões de comando. Essa ligação pessoal será tanto mais perfeita e harmoniosa quanto melhor e mais conscientemente as regras de relação mútua forem cumpridas por todos. Os comandantes de Unidade, através de reuniões de comando ou por outros processos julgados convenientes, procurarão um ajustamento destes critérios. É a Justiça a área de maior responsabilidade, pois é o recurso dado pelo Estado ao comandante, para punir (podendo chegar à privação da liberdade individual) e para louvar os seus homens. E se para as punições se requer numa maior sensibilidade, um critério rigorosíssimo, sempre sustentado nos regulamentos e uma maior sensatez, já dos louvores tendem alguns comandantes a esquecer-se. Porque alguns os julgam um sinal de fraqueza do comando, que se quer forte e como tal visto pelo escalão superior. Outros, fruto da doentia noção que têm de que 38 Foto: GabCEME com a preocupação de mostrarmos aquilo que não somos. Devemos valorizar mais a canalização que a torneira. Há que assumir as responsabilidades a todos os níveis. Lembrem-se dos jovens capitães acabados de formar, que em África depressa tiveram de crescer para liderar os seus homens, pelos quais eram os únicos responsáveis, em locais inóspitos, durante meses a fio e em ambiente hostil. Não deixem os vossos subordinados cair na atonia do dia-a-dia, na apatia rotineira dos horários a cumprir, na letargia de quem nada tem a esperar ou a agir, na sonolência de quem já toda a esperança perdeu. Não os deixem cair na rotina estéril dos 30 dias passados à espera do novo salário. Não os amordacem, não os ultrapassem, deixemnos ser eles mesmos, deixem-nos crescer e aprender com os próprios erros, deixem-nos também cair e deitem-lhes a mão para os levantar. A actividade enriquece mais do que a prudência. Não os refreiem, não os dominem, deixem-nos ser eles próprios com tudo aquilo que têm para dar. O comportamento é um espelho no qual todos reflectimos o que somos. Não esqueçam que a virtude é difícil de se manifestar, precisa de alguém que a oriente e dirija, mas que os vícios são aprendidos sem mestre. Há que procurar a melhor solução para permitir que a instrução, tanto das tropas como dos quadros, seja garantida pelos nossos melhores sargentos “quem para os seus dá, para si pede”. Os louvores constituem o reconhecimento e o incentivo para aqueles que o merecem, isto é, são um factor de distinção para aqueles que se esforçam no cumprimento das missões que lhes são atribuídas. A sua errada utilização tem resultados contrários aos objectivos que perseguem, incluindo-se neste caso a sua não utilização. Nesta área, requer-se ainda um cuidado muito especial com as condecorações. Se a atribuição de algumas medalhas se faz quase automaticamente, como é o caso da de Comportamento Exemplar, desde que cumpridos os requisitos, outras situam-se na área de iniciativa do Comandante, para recompensar serviços e qualidades. Se o alerta do próprio, relativamente a estas últimas, deve ser percebido como uma incorrecção, já relativamente às primeiras deve ser entendido de forma diversa. O Estado-Maior não fez o seu trabalho e o próprio Comandante é responsável pelo facto. O Comandante deve admitir a pertinência e corrigir a situação. Se hoje sabemos da nossa história, é porque alguns tiveram a preocupação de a contar, outros de a escrever, para que pudesse passar de geração em geração e tornar-se o guia que em tantas ocasiões mais falta faz. É com ela que aprendemos, com os erros cometidos para que não se repitam, com as vitórias conseguidas para que se possam melhorar. A história das Unidades é feita na Ordem de Serviço. Não descurem a elaboração cuidada deste documento preciosíssimo. É a base do registo histórico da vida da Unidade em todas as suas áreas e a fonte de todos os registos nos processos individuais dos militares da Unidade. Foto: Tenente Paulo Moreira O espírito de corpo e a proficiência de uma Unidade são consequência directa da ligação pessoal entre os vários escalões de comando Registos individuais que, em tantas e tantas Unidades do nosso Exército, especialmente nas operacionais, ao exigir uma actividade de escrituração, tem sido por vezes lamentavelmente relegada para segundo plano, como se se tratasse de uma obrigação de menor importância, onde apenas os ineptos eram colocados, tendo-se assim perdido tantos e tantos dados importantíssimos. Dados que, quando somos jovens nada interessam, e de que só mais tarde nos apercebemos da falta que por vezes fazem. Deverão os comandantes, a todos os níveis, preocupar-se particularmente com a formação dos seus quadros. Eis mais uma área em que se exige um “sentido de instituição”. Tendem alguns comandantes a protelar a formação dos seus melhores homens, principalmente a de longa duração. Obviamente, porque lhes são fundamentais no seu dia-a-dia, não os querendo perder, por vezes por longos períodos. Se há comandantes que assim agem, há ainda outros, que vão mais além, nomeando os mais fracos, os que mais facilmente podem dispensar, em detrimento dos que realmente merecem. Quando tal acontece, é não só o Exército que perde, pois vê os seus melhores homens serem prejudicados (e disso os comandantes têm consciência), mas também na Unidade se gera um sentimento de injustiça, de culto da mediocridade (de que muitos comandantes não se apercebem!), que a muito curto prazo deixa as suas marcas. Tendem também alguns comandantes a esquecer os seus funcionários civis, não os tratando como verdadeiramente merecem. Esquecem-se que, na maioria dos casos, são eles os elementos fundamentais que normalmente se encontram em lugareschave das Unidades.Além disso, são elementos que garantem perenidade, muito para além dos militares do Quadro, sempre em constante rotação, encontrando-se na sua grande maioria nas mesmas Unidades há dezenas de anos. Como se tal não fosse suficiente para lhes devermos o devido respeito e consideração, por vezes não estamos suficientemente sensibilizados para evitarmos situações de dependência e subordinação funcional destes em relação ao pessoal em RV/RC, incluindo de algumas Praças. Há que fomentar em permanência a identidade da Unidade. Quer através das tradições particulares de cada uma, quer através de cerimónias, quer através de actividades lúdicas. Inventem se for preciso. Cada um tem de sentir-se na melhor Unidade do Exército. Se assim não for, estão irremediavelmente condenados ao fracasso. Um dos factores que neste capítulo mais contribui é o do fardamento. Ele dá identidade à Unidade através dos seus distintivos, sendo um factor de orgulho para todos os militares que os usam. Se cada um não sentir orgulho em usálos, é porque não tem consideração pela sua Unidade e, quando isso acontece, há que reflectir nos factores a montante. Cada um tem de sentir-se protegido pela sua cadeia de comando e desejoso de o evidenciar aos seus camaradas. Tal atitude provoca, em primeiro lugar, a desresponsabilização, é o primeiro passo para perpetuar procedimentos incorrectos, não contribui em nada para a formação permanente e apenas concorre para a inoperância e incompetência generalizada a longo prazo. Neste aspecto, muito há ainda a fazer na atribuição de tarefas e responsabilidades, particularmente aos sargentos. Em alguns casos, de que é exemplo a Cavalaria, os sargentos têm responsabilidades acrescidas, não se podendo contudo afirmar que seja a regra geral no Exército. Particularmente na instrução, e até na acção de comando, estamos convictos que muito mais se pode pedir a esta classe, muito mais agora com a exigente formação de base que possuem. Julgamos não ser arriscado se sugerirmos que os sargentos deveriam ser a base da instrução do Exército. Há que procurar a melhor solução para permitir que a instrução, tanto das tropas como dos quadros, seja garantida pelos nossos melhores sargentos, experientes e com características pedagógicas, evitando que jovens e inexperientes oficiais RV/RC, comandantes de pelotões de instrução, passem por situações delicadas e até, por vezes, caricatas. 39 40 Quadro do Tenente-General Luiz Alcide D’Oliveira, Fotografado pelo Sargento-Ajudante Sousa Ao comandante, pede-se que apenas comande o seu próprio escalão. Ultrapassar escalões subordinados pode ser mais fácil, pode até ser tentador, mas tem graves inconvenientes, dos quais o mais grave é a desmotivação e a desresponsabilização dos escalões ultrapassados. A menos que a situação exija uma acção imediata, deverão os comandantes de pelotão chamar a atenção dos sargentos comandantes de secção e procurar que as Praças sintam e interiorizem a acção de comando destes elementos. Não devem os capitães comandar directamente os pelotões, nem os coronéis as companhias. Se o comando intermédio ultrapassado tiver brio, manifestar-se-á contra esta situação. Se não o tiver, até agradecerá e esperará que a situação se repita. Comandar efectivamente, é exigente ao ponto de impor que sejamos amigos, confidentes, educadores dos nossos subordinados. Não nos podemos limitar a decorar os seus nomes. Quando fazemos este esforço, é sinal que passamos demasiado tempo no gabinete. Tratar os subordinados pelos nomes tem que ser fruto da vivência diária, tem que ser consequência e não objectivo a atingir. Mas mais do que tratá-los pelos nomes, há que saber os seus problemas, há que conhecer as suas preocupações, há que auxiliá-los, mesmo que para isso tenhamos que sacrificar parte do nosso descanso diário. Afinal de contas, ao ingressarem no Exército, passarão a maior parte da sua vida nos quartéis, a caserna será o seu quarto, os irmãos serão os seus camaradas e os comandantes farão muitas vezes o papel de pais. A única forma de cativar e manter os nossos soldados nas fileiras é conseguir proporcionar-lhes uma ocupação agradável, um trabalho cativante, um bom ambiente e nunca esquecer as suas condições de vida. As casernas, os bares, os refeitórios, os ginásios e as cozinhas têm que ser alvo constante de obras de melhoramento e conservação, que deverão ser acompanhadas por revistas periódicas dos comandantes. Afinal, é no quartel que os militares permanecerão a maior parte do tempo. Neste aspecto, nos Regimentos, é bom manter as tradicionais revistas semanais, não apenas às casernas, mas especialmente às áreas mais sensíveis, as arrecadações de material de guerra, os depósitos, os refeitórios, etc. A revista continua a ser a melhor arma para resolver os problemas de arrumação, de limpeza, de controlo de material, especialmente o destinado ao abate. Embora não esteja actualmente contemplado no RGSUE, é bom que se continue a usar o Livro de Revista, que formaliza o acto e lhe dá solenidade. Quando patenteadas todas as preocupações do Comandante, rapidamente o serão também para os subordinados. A identidade das organizações confirma-se também através das suas próprias tradições Na área do moral e bem-estar, deverá ser uma preocupação permanente o acompanhamento dos doentes em internamento, quer no interior quer no exterior do quartel. É bom fazer sempre acompanhar as baixas à urgência por um camarada, ou mesmo um sargento de pelotão, que seja o elo de ligação para necessidades pessoais e informação, quer para a família, quer para a Unidade. Uma das áreas mais críticas numa Unidade é a estruturação dos serviços diários, as respectivas escalas, a sua equidade, a sua organização e a sua publicação. Deverão os graduados saber sem dúvidas não só os seus deveres, mas também os das praças à sua responsabilidade. A Parada da Guarda é, não apenas uma tradição, mas um cerimonial que tem em vista sensibilizar os militares que nela tomam parte para a responsabilidade do serviço que vão desempenhar. Como tal, assume um papel fundamental no controlo do pessoal, na confirmação das tarefas a realizar e no conhecimento presencial de todo o pessoal de serviço. O número do pessoal de serviço diário à Unidade deverá ser o menor possível, garantindo-se que cada um sinta estar ocupado, ter uma tarefa a realizar e a sua função ser imprescindível. Se tal não acontecer, será apenas mais um sacrifício a cumprir. O comandante ocupa o lugar de maior evidência na Unidade. A sua visibilidade é permanente. Não tenham ilusões aqueles que julgam que o comandante pode por vezes passar despercebido. Tudo aquilo que faz ou deixa de fazer é imediatamente apercebido por algum elemento da Unidade e, consequentemente, por toda a Unidade. Se o comandante entra tarde, estão criadas as condições para que muitos lhe sigam os passos. Se não faz a sua preparação física, dificilmente conseguirá fomentá-la. Se não acompanha as subunidades nos exercícios no campo, não pode esperar grandes resultados da instrução. Se não cumpre horários, nunca os poderá exigir. A identidade das organizações confirma-se também através das suas próprias tradições. Felizmente, as do nosso Exército têm vindo a ser mantidas (algumas a muito custo), sendo a nossa missão transmiti-las aos vindouros. Escolhemos estas duas, por serem emblemáticas e por julgarmos fazerem parte das que mais dificilmente se têm mantido, havendo também muitos comandantes que erradamente as menosprezaram: as honras à entrada do comandante e a amostra da alimentação. Não sendo necessário justificar esta escolha, servem elas apenas como exemplos das actividades que hoje em dia têm mais importância cerimonial do que significado prático, mas que importa preservar. O Dia da Unidade é a data consagrada à comemoração histórica. O programa das festividades deve dar realce ao facto histórico que se comemora e evidenciar as figuras e os feitos que prestigiaram a Unidade. Deve ainda congregar, não só os militares presentes na Unidade, mas todos os que por ela passaram, devendo ser a sua maior cerimónia. Deve estar vocacionada para comemorar a data mais significativa e deverá ser aproveitada para convidar entidades e pessoas com maior ligação à Unidade. Não deverá nunca ser utilizada para promover a pessoa do Comandante. Revestida de todo o simbolismo que a data encerra, as cerimónias dever-se-ão pautar não apenas pela dignidade, mas também pela austeridade, em consonância com o dia-a-dia da Unidade, sob pena de muitos não o entenderem (ou entenderem perfeitamente!), e não se devendo evidenciar aquilo que não se é no dia-a-dia. Na alocução do comandante a eloquência será sempre apreciada. Já não tanto o será um discurso longo, sem sentido para aqueles que o ouvem ou muito menos crivado de auto-elogios. Em vez de se optar por elencar tudo aquilo que se fez, (que deverão ser os superiores hierárquicos a apreciar), porque não dizer aquilo que não se conseguiu, traçando até uma linha de rumo e objectivos a perseguir no futuro? Actividades que não conseguem envolver a maior parte dos elementos da Unidade (a não ser pelo trabalho que dão), que servem apenas a uma minoria muito restrita, que não motivam o pessoal envolvido na preparação, ou que nada representam para a Unidade, deverão ser de todo afastadas. Evitem perder-se na procura frenética de agarrar tudo quanto possa dar visibilidade e promova a (vossa) imagem, nem que tal nada tenha a ver com a Unidade. Há muitos que parecem esquecer-se de quão críticos éramos desde a Academia Militar. Relembremos aqueles que criticávamos, aqueles que ocupavam lugar permanente no nosso anedotário, aqueles que ao longo da nossa carreira escarnecemos, satirizámos e que por vezes foram alvo da nossa ira. Vejamos se por acaso a história não se repete, porque a idade não perdoa e requer a nossa maior atenção. Também eles, naquela altura, não tinham consciência do ridículo e muito menos do quão crítica é a juventude, ou seja, os nossos subordinados. Eles tudo vêem, mais do que julgamos, compreendem e muito rapidamente perdem o respeito pelo comandante, a quem apenas temerão pelos galões que tem nos ombros. E não há coisa pior para um comandante. Atentem os comandantes com a vossa postura nas cerimónias, especialmente no Dia da Unidade. O relacionamento com os superiores hierárquicos, se por vezes é simples pelas facilidades concedidas, é muitas vezes crítico e sempre sintomático de uma relação. Deverá ser pautado pelo respeito que deverá existir naturalmente, mas também por um ambiente de verdade e de franca abertura nos dois sentidos. É um acto de dever e revelador de lealdade dizer sempre aquilo que se pensa. Infelizmente esta ideia é partilhada por alguns, que a utilizam erradamente, na forma como o fazem. Confrontar o superior com situações desagradáveis ou sugerir algo de difícil decisão em situações de aperto ou na presença de subordinados, normalmente está condenada ao insucesso. Refreiem os ânimos e esperem a oportunidade mais propícia. Não dizer o que lhe vai na alma, não mostrar educadamente, mas claramente as suas discordâncias, o sempre concordar, o nunca argumentar, no fundo agir como um yes man, provocará o desrespeito tanto de superiores como de subordinados. Cada um dos nossos homens merece a nossa maior atenção. Não há casos perdidos, nem tão pouco esforços inglórios. Ao comandante compete sempre defendê-los acima de tudo, apesar de por vezes o termos de fazer contra tudo e contra todos. A nós compete-nos defendê-los de agentes externos, porque simplesmente são os nossos homens, nem que depois os tenhamos que responsabilizar internamente, na exacta medida em que o mereçam. Este conceito deverá estar sempre presente em todos os postos e em todas as situações, mesmo naquelas em que não se vislumbram justificações.A nós compete-nos assumir os erros dos nossos subordinados perante o escalão superior, mesmo nos mais pequenos pormenores. 41 Viver, servindo Há duas tragédias na vida: uma, a de não satisfazermos os nossos desejos, a outra, a de os satisfazermos. Tudo é quimérico na ambição, pois tudo é efémero na vida.A ambição cega a razão e não permite ouvir a razão alheia. O difícil não é subir, mas subir, continuando a ser quem somos. A liderança é a capacidade de conseguir que as pessoas façam o que não querem fazer e que, para além disso, acabem por gostar de o fazer. A liderança é uma poderosa combinação de estratégia e de carácter. Mas se tivermos de passar sem um, que seja a estratégia. Tal como a vida, poder, dinheiro e saúde são valores fugazes. Todos usamos a mesma faixa de estrada de sentido único que nos leva ao fim da vida. Ninguém volta para trás, ninguém se cruza na faixa contrária. Vamos todos para lá, não vem ninguém para cá. Uns mais rápido, outros mais lentamente, porém todos atingiremos aquela meta. 42 Foto: Tenente Paulo Moreira Pormenores que depois serão resolvidos internamente. Nada mais satisfaz um soldado do que ver o seu comandante defendê-lo, ainda que a seguir ele saiba que tem de assumir a responsabilidade pelos seus actos. Nunca permitir que haja repreensões por elementos externos à Unidade, nem que para isso tenhamos que ser nós os repreendidos. Na Unidade apenas o Comandante é responsável e apenas ele deverá repreender. No entanto, poderão ser mais benevolentes, deixando cair este princípio por ocasião de elogios aos vossos subordinados por elementos exteriores. A logística da Unidade deverá constituir uma área de especial preocupação. Nela deverão ser colocados elementos especialmente vocacionados e nunca aqueles que sobram. Os procedimentos com viaturas e os deveres dos condutores cada vez mais tendem a ser esquecidos. Tratar primeiro da viatura, lavar, efectuar a manutenção, atestar e só depois pensar nas necessidades pessoais, é um conceito ainda hoje interiorizado nas Unidades de Cavalaria, que chegam do tempo dos cavalos e que deverá ser mantido a todo o custo. Mais do que um princípio, deverá ser visto como um dogma. O controlo dos materiais, o seu estado de operacionalidade, a sua distribuição, as folhas de carga e os procedimentos com aumentos, abates, autos, etc., são apenas alguns exemplos daquilo que deverá constituir uma preocupação permanente do comandante. Mas mais do que ser apenas isso, deverá o mesmo aproveitar para o mostrar em todas as oportunidades. Disso se aperceberão os subordinados e lhe darão a importância devida. Apesar de serem comandantes, apesar da idade e dos galões, não se considerem gastos fisicamente. Nunca percam a juventude, não deixando que os vossos subalternos tenham compaixão de vós Qual estrada mais diversa, de tapete vermelho ou de seixos cortantes, ninguém fica pelo caminho onde a desorientação é impossível. Vida, qual estalagem, em que uns frequentarão hotéis de luxo, outros simplesmente se sujeitarão às intempéries ou à escassez de alimentos e ao pouco abrigo que a primeira árvore da estrada lhes dará. Mas até estes desafortunados, tal como todos os outros, tentarão sempre prolongar a sua estadia. Tendem alguns a perpetuar a sua passagem por aqui tentando atingir o cume, pelo nome, pelo poder, pela vã glória de mandar. Tudo passam, todos ultrapassam, tanto espezinham como se deixam espezinhar, confundindo a liderança com o poder. Mas que interessa ser lembrado depois da morte se por essa altura não existimos? Que interessa ser nome de rua ou ter estátua na praça, se nunca o saberemos? As compensações que valem são as terrenas. Aquelas de que possamos ter consciência. E quais são essas? São as que são justas, são as que são merecidas, aquelas que resultam espontaneamente do reconhecimento (dos superiores e principalmente dos subordinados). São aquelas que se atingem naturalmente, que são consequência e que nunca constituíram objectivo pessoal a atingir. Acima de tudo e apesar de serem comandantes, apesar da idade e dos galões, não se considerem gastos fisicamente. Nunca percam a juventude, não deixando que os vossos subalternos tenham compaixão de vós. Provem-lhes que conseguem fazer mais coisas do que eles imaginam e provavelmente muitas que eles próprios não conseguirão. Não percam a irreverência própria. Nunca deixem de fazer as coisas próprias dos jovens. Não é por serem comandantes que enveredam por um dia-adia mais repousado. Não se deixem cair na rotina, muito menos que o formalismo que a vossa posição implica tome conta de vós. Não acabem os dias adormecendo no sofá ou a ver televisão. Não ponderem muito. Ajam. Não receiem que vos chamem tolos. A única diferença que a idade nos dá em relação à juventude, é a possibilidade de fazermos tolices mais conscientemente. Assim poderemos distinguir as verdadeiras tolices, daquelas que apenas o parecem. Ao comandante incumbe ainda a formação dos seus homens, principalmente a educação dos seus mais jovens subordinados, oficiais e sargentos a quem têm de ser transmitidos todos estes valores, dos quais são os guardiães, pois sobre eles recai a passagem do testemunho. Não percam a capacidade de auto-crítica. Evitem a visão egocêntrica do mundo. Não abusem do “eu fui”, “eu fiz”, pois também outros foram e fizeram, na maior parte das vezes, até melhor do que nós. Em conclusão: nada de novo! Afinal, não são mais do que conceitos básicos, princípios elementares que todos sabem, que constituíram a base da nossa formação e que fomos sedimentando com a experiência adquirida na vivência diária do nosso percurso profissional. Difícil é mantê-los presentes, lutar contra a acomodação, exigir mais e melhor. Implica esforço, determinação e, acima de tudo, o compromisso pessoal em honrar a Instituição que um dia escolhemos servir.JE 43 Texto e Fotos: Tenente RC Ana Rita Carvalho U m grupo de Alunas do Instituto de Odivelas viajou, recentemente, até à Cidade de Coimbra para, numa visita no âmbito da História de Portugal, da nossa Cultura e Artes, apreciar in loco algumas das belezas arquitectónicas e alguns dos lugares carismáticos da Cidade do Conhecimento. A visita de estudo foi organizada pela Reitoria da Universidade de Coimbra, peloArquivo Histórico da mesma Universidade, dirigido pela Professora Doutora MariaAzevedo Santos, e pelo Comandante da Brigada de Intervenção, Major-General Martins Ferreira, tendo 44 contado com os apoios do Museu da Ciência, da Associação Académica de Coimbra, e com o inestimável apoio por parte da Brigada de Intervenção, dos mosteiros de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova. A monumentologia da Cidade de Coimbra, rica como é e diversificada em termos de estilos, de épocas e de modelos artísticos, constitui um indelével testemunho da história da cidade que foi sede de Corte, em alternância com Lisboa, e a primeira cidade universitária do País. Coimbra e a sua Universidade, com o importantíssimo acervo documental contido nos seus arquivos, particularmente no seu Arquivo Geral, constitui um documento vivo da própria História nacional. A visita iniciou-se peloArquivo Geral da Universidade de Coimbra. Esta Universidade, como é sabido, possui uma história multissecular, remontando ao século seguinte ao da própria fundação de Portugal, mais concretamente a Março de 1290. Em 1 de Março era assinado em Leiria, por D. Dinis, o documento Scientiae thesaurus mirabilis, que institui a Universidade e solicita confirmação ao Papa. A confirmação papal é dada por Nicolau IV, em 9 de Agosto de 1290, e nela se reconhece o Studium Generali, com as faculdades de Direito Canónico, Direito Civil, Medicina,Artes e, naturalmente, Teologia. A Universidade instalou-se primeiramente em Lisboa, tendo sido posteriormente transferida para o Paço Real da Alcáçova, em 1308. Um ano depois recebeu os seus primeiros estatutos, sob a nomenclatura de Charta magna privilegiorum. Conheceu, desde a sua primitiva instalação em Lisboa, cinco transferências, entre Lisboa e Coimbra, até à sua definitiva transferência para Coimbra, em 1537, no reinado de D. João III. Os segundos estatutos foram outorgados no ano de 1431, no reinado de D. João I e continham disposições sobre a frequência, exames, graus, propinas e já sobre o traje académico. Mais tarde, sob a égide de D. Manuel I, em 1503, a Universidade viu aprovados os seus terceiros estatutos, os quais continham disposições sobre o reitor, as disciplinas e salários dos mestres, as provas académicas, aí se dispondo preceitos relativos à cerimónia do acto solene de doutoramento. Não por acaso, desde o A célebre torre da Universidade, a “cabra”, como é designada pelos estudantes reinado de D. Manuel I, os reis de Portugal passam a usar o título de “Protectores” da Universidade, possuindo igualmente o poder de nomear os mestres e de emitir novos estatutos. Já na dinastia filipina, a Universidade viu regulamentados novos estatutos, estes de 1591, que legislavam nomeadamente sobre os serviços do cartório. A merecerem grande realce, na História da Universidade, estão os designados Estatutos Pombalinos, ratificados em 28 de Junho de 1772, pelo Rei D. José I, os quais marcam o início de uma profunda reforma na Universidade, sob a influência do Iluminismo, que privilegiava o ensino e investigação nas áreas das Ciências da Natureza e das Ciências Exactas. Já no século XIX, em 1836, ocorre a fusão entre a Faculdade de Cânones e de Leis, na Faculdade de Direito, em pleno auge do Liberalismo. Após a implantação da República, em 1911, a Universidade de Coimbra acolhe novos estatutos e implementa bolsas de estudo, com vista a alargar a frequência do Ensino Superior. É desta data a criação da Faculdade de Letras, herdeira da extinta Faculdade de Teologia, bem como da Faculdade de Ciências, que herdou o legado conjunto das Faculdades de Matemática e de Filosofia. Durante o século XX, a Universidade viria ainda a conhecer novos estatutos, já quase em final de século, em 1989, como reflexo das várias reformas implementadas no ensino após o 25 de Abril, mantendo-se em vigor os estatutos então publicados. No Arquivo Histórico, alunas, professoras e militares do Instituto de Odivelas foram recebidas com muita cordialidade por uma equipa de profissionais, desde a Directora do Arquivo Histórico da Universidade, Professora Doutora Maria Azevedo Santos, pela Dr.ª Catarina Freire, guia, pela Dr.ª Ludovina Capelo, arquivista, pela Dr.ª Ana Goulão, Relações Públicas da Universidade de Coimbra, e ainda pela Dr.ª Inês Coelho, pertencente ao Gabinete de Comunicação e Identidade, e pelo aluno David Ferreira da Silva, Coordenador-Geral da Direcção-Geral da AssociaçãoAcadémica de Coimbra e responsável pelo pelouro das Relações Externas. Inaugurado em 1948, o Arquivo geral da Universidade de Coimbra congrega, num mesmo espaço, o cartório da primitiva Universidade de Coimbra (única em Portugal, durante séculos) e o arquivo distrital. Ali se reúnem todos os estatutos, livros de exames, livros de matrícula e de provisões, e documentos do dia-a-dia da Universidade. Recolhe igualmente os documentos provindos dos cartórios da região, passando a englobar o Arquivo Distrital, a partir de 1917, através de um acordo celebrado entre a 45 Reitoria da Universidade e a Inspecção das Bibliotecas e Arquivos. O Arquivo Distrital continha, desde o século XVIII (mercê da expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal), o acervo documental relativo aos bens da Companhia de Jesus, então incorporados na fazenda da Universidade. Ao arquivo Distrital juntam-se documentos emanados do Governo Civil, da Assembleia Distrital, de associações, irmandades, confrarias, mosteiros, conventos, e até mesmo do Instituto de Medicina Legal, ocupando actualmente 10 km de pergaminho e papel, pelo que é considerado o segundo arquivo do país, em importância e volume, logo a seguir à Torre do Tombo. A Universidade possuiu, desde o início, escrituras e documentos no seu cartório ou arquivo, os quais estavam confiados ao reitor e que regulamentavam a sua vida interna. Em 1540 o rei ordenou-lhe que mandasse fazer uma arca com três fechaduras, reunindo os documentos presentes no arquivo, cabendo as respectivas chaves ao rei, ao reitor e ao arquivista geral. Essa arca, em ferro, resistiu até aos dias de hoje, tendo encerrado um verdadeiro relicário em bulas, cartas régias, alvarás e muitos outros documentos. Nessa arca-cartório se encerraram documentos que actualmente constituem o espólio do Arquivo Histórico da Universidade, alguns dos quais puderam ser apreciados durante a visita, sob as orientações preciosas da Dr.ª Ludovina Capelo, arquivista da universidade de Coimbra. Exemplo desses documentos é o Livro Verde (assim chamado por possuir encadernação desta cor, no original), facsimile do original, que continha algumas centenas de documentos, como bulas, concessões, cartas régias, etc., entre os quais 22 escritos em Latim. Ali repousou também o Bulário de Santa Cruz de Coimbra, em cópia do século XVI, contendo informação do século XII, elaborada pelos frades, de que se destacam 66 bulas, cinco breves e duas cartas. A arca encerrou igualmente os Estatutos de D. Manuel, os Estatutos dos Filipes e os Estatutos Pombalinos de D. José I (1772), incluindo importantes documentos da Universidade de Évora (que esteve nas mãos dos Jesuítas desde 1559 a 1759). Outro tipo de documentos contidos na arca são forais (de que pudemos observar o Foral de D. Manuel I, atribuído a Guardão), livros de matrícula dos alunos, entre os quais alguns ilustres, comoAntónio José deAlmeida, 6.º Presidente da Primeira República e, em resumo, um acervo documental riquíssimo que abrange, por exemplo, também documentos relativos ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, inicialmente instalado num local designado por Celas de Além da Ponte, cuja existência remonta a 1174. Este convento, como a maior parte dos monumentos nacionais, sofreu grande abalo com as Invasões Francesas, existindo um relato 46 Biblioteca Joanina, situada nas dependências da Universidade segundo o qual as freiras, na impossibilidade de por outra forma colocarem os seus bens a salvo, enterraram os bens do Convento, incluindo os documentos escritos, tendo a façanha, mau grado, sido descoberta pelos invasores, pelo que, em 1810, a Madre Superior elabora um documento justificando as necessidades do convento. Este documento esteve guardado na arca desde que a última freira, D. Maria José de Carvalho, faleceu, em 1885. Para além destes, estiveram patentes na exposição didáctica organizada para esta visita de estudo documentos tais como livros paroquiais, contendo acentos de baptismo e casamento; o Estatuto dos Colégios das Ordens Militares de S. Bento, etc. Puderam ainda ser vistos, num outro registo, trabalhos manuais executados pelas freiras de Santa Clara. A propósito desta importante Ordem Religiosa com implantação secular em Coimbra e da qual existe um importante espólio documental noArquivo Histórico da Universidade, foi divulgado ao público presente um importante estudo realizado em parceria com a Brigada de Intervenção, que veio à estampa sob o título de Sant' Anna – Três séculos de Convento, um século de Quartel, da autoria de Jorge Alves Ferreira e José Mourato Caldeira. Após a visita aoArquivo Geral era tempo de visitar a Reitoria da Universidade, nomeadamente as Salas de Armas e a Sala do Exame Privado, bem como a mística Sala dos Capelos. No átrio da Reitoria, as alunas puderam observar dois dos ícones da cidade estudantil – a célebre torre da Universidade, a “cabra”, como é designada pelos estudantes, a qual conta com 34 metros de altura e é obra do arquitecto Ludovice, em estilo mafrense; e aVia Latina, colunata neoclássica, edificada no século XVIII, sendo adornada por esculturas de Laprade e tendo ao centro o busto de D. José I, ladeado por duas figuras alegóricas. Na Sala do Exame Privado, asAlunas receberam e retribuíram cumprimentos, na figura da Comandante de BatalhãoAluna, ao vice-Reitor da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Fernando Seabra Santos. Na Sala Grande dosActos ou Sala dos Capelos, antiga Sala do Trono, acompanhadas pela Directora do Arquivo Histórico da Universidade e pelo Comandante da Brigada de Intervenção, as alunas puderam contemplar, com deslumbramento, a galeria dos Reis de Portugal, representados em quadros a óleo. Aí se encontram representados os monarcas de todas as dinastias, à excepção da filipina. Mas a Sala dos Capelos é sobretudo conhecida por ser o lugar onde se realizam, com toda a pompa e dignidade, as provas públicas para a obtenção de Doutoramento e Agregação, dois dos patamares mais elevados da hierarquia universitária, para além de outras insignes cerimónias da vida académica coimbrã.Ali defenderem as suas teses ilustres personalidades da vida académica e política; ali recebeu o grau de Doutor Honnoris Causa uma figura de relevo internacional, como Xanana Gusmão. Mas também ali, em tempos mais recuados, ressoaram vozes inolvidáveis como a deAlmeida Garrett e de outros notáveis, que clamaram em favor dos ideais liberais, pois que esta célebre sala foi palco de actividades de carácter político e literário, tais como saraus e os designados “outeiros”. Tendo em vista que a Universidade é o centro nevrálgico da vida em Coimbra, pode considerar-se que, decorrida uma história longa, de mais de sete séculos e de múltiplas reformas, decorrentes da natural evolução da sociedade e da política portuguesas, a Universidade de Coimbra mantém inegavelmente, nos nossos dias, a qualidade, o rigor e o carisma que fizeram dela um dos principais pólos irradiantes do saber, em Portugal, na Europa e internacionalmente, pois que é uma das mais antigas e prestigiadas universidades do Mundo. À visita à Sala dos Capelos seguiu-se uma visita à Biblioteca Joanina, situada nas dependências da Universidade, dando para o pátio da Faculdade de Direito. Trata-se de uma obra-prima da arquitectura barroca europeia, estilo Rococó construída no âmbito das reformas universitárias consonantes com a difusão das correntes iluministas em Portugal e tendo em vista constituir a biblioteca universitária de Coimbra. Começou a construir-se no ano de 1717, tendo ficado concluída em 1728, embora a decoração, em talha dourada, e os frescos, sejam posteriores e já contemporâneos da Reforma Pombalina.A biblioteca foi edificada no exterior do primitivo perímetro islâmico, sobre o antigo cárcere do Paço Real. Nela se abrem três amplas salas, a partir de um portal exterior, também em estilo Barroco, encimado por um grande escudo nacional contemporâneo do reinado de D. João V. As três salas comunicam entre si através de um corredor, tripartido por arcos, e tendo ao fundo, em moldura oval e na convergência das magnificentes galerias que a compõem, um retrato do rei D. JoãoV, atribuído ao pintor italiano Dominico Duprà. As estantes que revestem integralmente as paredes, em duas galerias, encontram-se decoradas com motivos chineses (na primeira sala, em contraste, ouro sobre fundo verde; na segunda, em contraste, ouro sobre fundo vermelho; e na terceira, em ouro sobre fundo negro). O mobiliário, de que sobressaem as pesadas mesas de madeira exótica com belíssimos embutidos, é feito a partir de madeiras brasileiras e orientais de grande valor, tendo estado a sua concepção a cargo de Francesco Gualdini. Já a pintura e douradura das estantes é obra do português Manuel da Silva. Merecem ainda ser observados os frescos e pinturas do tecto e cimalhas, da autoria do pintor António Simões Ribeiro e do dourador Vicente Nunes. A biblioteca encontra-se aberta ao público, particularmente a estudiosos que ali continuam a realizar investigação, e tem igualmente sido o espaço eleito para a realização de exposições, concertos e visitas turísticas de nacionais e estrangeiros que, para além de poderem contemplar a beleza arquitectónica deste monumento e apreciar a obra de magnificente gosto barroco, podem ainda consultar alguns dos raros exemplares ali encerrados. Desta bela biblioteca registem-se dois aspectos muito curiosos – nela tornam-se desnecessários os desumidificadores que nos habituámos a ver nestes espaços, pois que as madeiras das suas paredes têm a capacidade de absorver a humidade sem que de tal resulte deterioração; e um outro aspecto, extremamente insólito e digno da atmosfera romanesca de um qualquer livro de aventuras, que é o facto de o espaço ser habitado por morcegos, animal que, durante a noite, assegura a exterminação de insectos e parasitas do papel, tendo o seu merecido repouso diurno, por detrás das vetustas estantes. Percorrida a maravilhosa biblioteca, era tempo de tirar a primeira “fotografia de família”, nas escadarias da Reitoria, imediatamente antes de a comitiva seguir para o Comando da Brigada de Intervenção, para um lauto almoço no também histórico Quartel de Santana. 47 Conventos de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova, ambos situados na margem esquerda do rio Aí alunas, professoras e militares foram recebidas pelo Major-General Martins Ferreira, no seu gabinete que é, como observou uma das professoras presentes, uma “autêntica galeria de arte”, pois revestem as suas paredes alguns dos melhores trabalhos resultantes do Encontro de Artes, uma das muitas iniciativas culturais realizadas anualmente nos claustros do Quartel. Já durante a tarde, as Meninas de Odivelas e suas acompanhantes fizeram a travessia do Mondego, para irem visitar os conventos de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova, ambos situados na margem esquerda do rio. O primeiro foi mandado edificar por D. Isabel de Aragão, a Rainha Santa, em 1314, no local do primitivo convento de monjas clarissas, o Convento de Celas de Além-da-Ponte, fundado em 1283 por D. Mor Dias. Nesse local, a Dr.ª Lígia Gambini, do IPPAR, conduziu uma visita guiada, na qual explicou, entre outros aspectos da história da fundação do mosteiro, que a direcção das obras foi inicialmente incumbida ao mestre-empreiteiro Domingos Domingues, responsável pelo claustro diocesano de Alcobaça. A conclusão da igreja e a construção dos claustros caberia, já depois da morte daquele mestre, a Estêvão Domingues, tendo a mesma igreja sido sagrada em 1330. D. Isabel mandou construir, em terreno contíguo à igreja, um hospício para recolhimento de pobres e um paço para si mesma, onde após a morte de D. Dinis se recolheu. Diversos aspectos da arquitectura deste mosteiro o singularizam relativamente a outros monumentos nacionais construídos em estilo Gótico. Estão neste 48 caso a dimensão da igreja e dos claustros, progredindo para Sul, bem como o facto, anódino nas ordens mendicantes, de as naves serem abobadadas em pedra, em vez de em madeira. No entanto, a proximidade do rio Mondego ditou uma história conturbada a esta construção monástica de rara beleza, pois, dada a subida das águas e o constante transbordamento do rio, originaram cheias constantes, ocasionando a submersão de parte da igreja e dos claustros. Tanto assim foi que no século XVI o claustro estava já permanentemente alagado, pelo que no séc. XVII (1612 e 1616) foi necessário construir um piso superior exterior e um intermédio ao longo das naves, retirando grandeza e esplendor ao templo gótico, até que em 1677 se procedeu definitivamente à transferência das monjas para o convento de Santa Clara-a-Nova, em posição altaneira, no Monte da Esperança, na mesma encosta esquerda do Mondego. As ruínas do convento estiveram submersas durante séculos, o que, se contribuiu para o desmoronamento dos claustros, por outro lado possibilitou a preservação do património submerso, até que, entre 1995 e 1999, teve lugar um trabalho arqueológico, a partir do bombeamento das águas, permitindo que se realizassem escavações que puseram a descoberto as estruturas arquitectónicas subterradas, nomeadamente a igreja e os claustros. Descobriram-se então, para além deles, múltiplos utensílios e objectos que testemunham da riqueza de que o mosteiro era dotado, por nele professarem senhoras da alta aristocracia, isto apesar de se tratar de uma ordem mendicante. Descobriram-se igualmente túmulos e ossadas que Nas escadarias da Reitoria, Meninas de Odivelas, professoras e militares permitiram conduzir investigações muito curiosas, como por exemplo, relativas às doenças de que padeciam as freiras. Mercê da importância das descobertas e, no âmbito de um projecto de recuperação e requalificação do mosteiro, foi lançado, em 2002, o “Concurso internacional para o projecto de valorização do mosteiro e terrenos envolventes”, que contempla a construção de um edifício, no qual terá lugar um núcleo museológico e de investigação. Já no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, recordouse um pouco da sua história. Em 1677 dera-se a transferência da comunidade eclesiástica residente em Santa Clara-a-Velha para este novo mosteiro. A sua construção iniciou-se em 3 de Julho de 1649, tendo a igreja ficado concluída em 1679. Em 1677 realizou-se uma grande procissão para trasladação do corpo da Rainha Santa para esta nobre igreja, como foi esclarecido pela guia presente no local, Dr.ª Carolina Morais, tendo o altar-mor recebido o túmulo de prata e cristal a 3 de Julho de 1696. Na cabeceira da igreja é ainda possível observar a estátua policroma da Rainha Santa, obra do escultor Teixeira Lopes (século XIX). O retábulo do templo é revestido a talha dourada, em estilo Barroco. Do lado esquerdo do altar, encontramse telas alusivas à vida da Rainha Santa, nomeadamente a sua entrada para a Ordem das Clarissas (correspondente feminino da Ordem de S. Francisco), onde é retratado o simbólico corte de cabelo, figurando o despojamento dos bens terrenos, uma cena da vida conventual, em que a rainha se destaca, em oração, e por último, a representação da sua morte, sobre um leito rodeado de monjas em lamentação, sobrevoadas por anjos. Do lado direito do altar-mor encontram-se telas representando cenas bíblicas. Para além do túmulo da Rainha Santa, a igreja encerra ainda os túmulos góticos da infanta D. Isabel, filha de D.Afonso IV, e a filha de D. Pedro, Regente e Duque de Coimbra. Quanto ao antigo túmulo da Rainha Santa, trazido de Santa Clara-a-Velha, datado do séc. XIV e obra de mestre Pero, foi depositado no coro baixo da igreja. Da riqueza artística desta igreja fazem parte ainda diversos retábulos vindos de Santa Claraa-Velha e trabalhos em talha dourada bem como pinturas maneiristas. Na sacristia encontra-se uma belíssima escultura, em tamanho real, da Rainha Santa acompanhada por um mendigo, na designada “escultura de roca” (espécie de escultura oca, com suporte de madeira e ferro revestidos de cerâmica porcelanosa). Para além deste espaço, os claustros, de estilo barroco e de grandes dimensões, merecem menção quer por constituírem um importante exemplar do estilo Barroco, quer por ali ter funcionado o antigo Batalhão dos Serviços de Saúde, ali se situando actualmente o Museu Militar. Mas para lá do valor arquitectónico dos monumentos e peças de arte, há um substrato histórico e mesmo mítico, quer por detrás deles se revela.Assim, foram escutados atentamente pelas jovens alunas alguns dos milagres mais conhecidos da Rainha Santa, como o célebre milagre das rosas, representado na sua iconografia mais corrente, ou o da conversão das pétalas em moedas de oiro. Parte da biografia da Rainha Santa foi revisitada e recontada, pela guia, que aproveitou para informar sobre algumas das tradições da cidade, particularmente das suas festas anuais a 4 de Julho (data da morte da Rainha), incluindo a magnífica procissão que transporta a imagem até ao centro da cidade, onde permanece durante três dias, regressando depois à sua casa, no alto do monte, de onde fica a contemplar a cidade e as belas águas do Mondego, ao fundo. Finda a visita ao templo da Rainha Santa, era tempo de regresso e despedida, não sem um quê de saudade, palavra que naquela cidade parece adquirir uma ressonância mais funda, pois como afirmava a Directora doArquivo Histórico, no decorrer da visita, “chega a sentir saudades de Coimbra quem nunca cá viveu”.JE 49 Texto e Fotos:Coronel de Infantaria Fernando José Reis P assaram dois anos e parece que foi ontem. A memória não esquece os momentos vividos naquela rua de Díli, por onde cerca de 100 homens e mulheres caminhavam desarmados e sob a protecção da bandeira da ONU quando, em menos de um minuto, tudo se transformou num inferno. O dia 25 de Maio de 2006, em Díli, Timor-Leste, foi um dia triste, escrito com sangue de timorenses, que nunca deveria ter acontecido, onde irmãos dispararam, sem razão aparente, contra irmãos indefesos, semeando a morte, a dor, a angústia e o luto. Resultado de ódios criados e fomentados não se sabe por quem, ou talvez se saiba… Culminar de um período de instabilidade, iniciado pelo descontentamento de pouco mais de 500 militares das F-FDTL, originários, geograficamente, na sua quase totalidade, da parte ocidental de Timor. Foi o mais grave acontecimento desde 1999, com milhares de desalojados e refugiados, casas e bens destruídos, pessoas perseguidas apenas por serem loromunu ou lorosae, de oeste ou de leste, destrinças nunca antes evocadas num país com 16 etnias, mas que serviram para dividir o povo timorense. Relembro o que se passou nesse dia como 50 participante activo desse grave incidente, consciente de que, apesar das lamentáveis mortes havidas, muitas foram evitadas. O texto que se segue constou das minhas declarações à Comissão Especial Independente de Inquérito para Timor-Leste, criada sob os auspícios do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ao inquérito elaborado no seio da UNOTIL, sobre os incidentes de 25 de Maio de 2006. Manhã de 25 Cerca das 10 horas do dia 25 de Maio, e face a notícias de grupos de jovens armados com armas tradicionais a causar problemas na área de Comoro, resolvi sair do aquartelamento da UNOTIL, no “Obrigado”, e dar uma volta por essa área para verificar a situação no terreno, pois as notícias que chegavam eram escassas. Fui acompanhado do meu adjunto, Tenente-Coronel David Mann, de nacionalidade australiana, utilizando a viatura dele. Dirigimo-nos em direcção à estrada dos Coqueiros, passando pela rua do Tropical e pela Catedral de Díli. Na referida estrada, alguns grupos O dia 25 de Maio de 2006, em Díli, Timor-Leste, foi um dia triste, escrito com sangue de timorenses, que nunca deveria ter acontecido, onde irmãos dispararam, sem razão aparente, contra irmãos indefesos, semeando a morte, a dor, a angústia e o luto de jovens, acenando para nós de forma amigável, estavam armados de catanas, lanças e fisgas. À frente, virámos em direcção ao supermercado Leader e depois para estrada de Cômoro, em direcção ao aeroporto. No entanto, quando nos aproximávamos do cruzamento, parámos devido a alguns tiros dados para o ar por alguns polícias que se faziam transportar em 3 viaturas. Parei e perguntei ao graduado, em português, o que estavam a fazer, ao que me respondeu que andavam a patrulhar e a intenção dos tiros era afugentar os grupos de jovens. Ainda perguntei se estavam coordenados com as F-FDTL nas patrulhas, ao que responderam que sim. A nova pergunta, se estavam a receber ordens superiores ou se tinham contactos, nomeadamente, com algum comandante ou com o Comandante da PNTL, Paulo Martins, responderam que já não tinham contactos com ele havia alguns dias.Alertei que os tiros podiam assustar a população e que deviam evitar fazê-lo. Pareciam não saber bem o que andavam a fazer, algo desorientados e sem comando. Um deles, sem motivo aparente, usava uma máscara antigás. Seguimos então para a estrada do aeroporto, fizemos a rotunda, sem nada notar de anormal (relembro que, no dia anterior, a estrada para Taci Tolo estava bloqueada pelas F-FDTL) e seguimos em frente, passando pelo Leader e o mercado de Comoro, onde vimos mais alguns grupos de jovens com armas tradicionais e uma viatura tipo jeep, de cor branca, parada, com alguns elementos fardados de camuflado, suponho que das F-FDTL, a conversar com os locais. Resolvemos então não seguir directamente para o “Obrigado”, como inicialmente tínhamos previsto, e dar mais uma volta, pelo que virámos à direita, a seguir ao antigo aeroporto, e passámos mais uma vez pela estrada dos Coqueiros. Os grupos de jovens armados mantinham-se nos locais anteriores e ao virarmos para a estrada que vai dar ao Leader, mais ou menos ao meio desta, à direita, vimos colunas de fumo vindas de uma casa. Parámos e perguntámos aos locais se sabiam de quem seria a casa, tendo um rapaz que seguia de mota e com uma câmara fotográfica informado que seria a casa do Ismael Babo, 2.º Comandante da PNTL. Resolvemos então deslocar-nos para o local, onde já se encontravam os bombeiros e duas ou três viaturas da UNPOL e onde tivemos conhecimento de que, além da casa do Babo, a do seu irmão também já tinha ardido. Por coincidência, também se encontravam no local os elementos da PNTL com quem tínhamos travado diálogo anteriormente. Pouco tempo depois deixámos o local, seguindo um pouco atrás das viaturas da PNTL, e dirigimonos novamente para o cruzamento do Leader com a estrada de Comoro, com a intenção de regressar ao “Obrigado”, pois tinha uma reunião de segurança prevista para as 11H00. Chegados ao cruzamento, demos prioridade às viaturas da PNTL, que entretanto viravam à esquerda, em direcção ao aeroporto, intenção que alteraram, pois antes da ponte de Comoro resolveram voltar para trás. Seguindo atrás das viaturas da PNTL, de repente, uma dezena de metros a seguir ao Leader e antes do desvio à esquerda que vai dar ao Sagres Garden e à estrada marginal, somos alvo de uma emboscada por parte de alguns militares de camuflado, suponho que das F-FDTL, que fazem fogo directo sobre as viaturas da PNTL e o pessoal que nelas ia. Reagimos prontamente, na medida do possível, face ao tiroteio que entretanto se verificou entre as duas partes, indo de marcha-atrás até ao cruzamento e retirando para a estrada em frente ao Leader. Verificámos que as viaturas da PNTL tinham conseguido, também, retirar para a zona da ponte de Comoro e que o tiroteio cessara. Resolvi então voltar ao local, em velocidade bastante moderada, passando pelo local da emboscada. Verifiquei não haver elementos feridos na estrada ou no passeio. Um dos militares atacantes estava em posição de atirador sentado, no meio do separador das faixas, 51 Flagelação e rebentamentos no aquartelamento do Comando Distrital de Dili da PNTL apontando para a sua frente, para a direita do Leader, e fez sinal para avançarmos e seguirmos. Notei que havia mais alguns elementos na berma da estrada, no lado oposto, que se faziam transportar na viatura branca já mencionada. Seguimos em frente e regressámos ao “Obrigado.” Apenas alguns dias depois notámos que a nossa viatura tinha sido atingida por um projéctil, no lado interior direito do guarda-lamas dianteiro, possivelmente vindo dos elementos militares emboscados. Flagelações Chegados ao “Obrigado”, passava já das 11 horas, fomos surpreendidos pelos disparos e rebentamentos que se ouviam mesmo junto às nossas instalações, vindos do quartel do Comando Distrital de Díli da PNTL e que fazia parede com a UNOTIL. Dirigi-me, com o meu adjunto e mais alguns elementos da UNPOL, para junto do muro que separa 52 as nossas instalações das da PNTL, para ver se entendíamos o que se estava a passar, nomeadamente quem atacava quem. Entretanto alguns elementos femininos da PNTL, 2 ou 3, conseguiram fugir e entrar nas nossas instalações e, através de um tradutor, soubemos que as F-FDTL eram a força atacante. Pedido de socorro O tiroteio prosseguia com intensidade e tivemos conhecimento, junto ao portão exterior do centro de comunicações, que o comando geral da PNTL também estava a ser atacado, o que foi confirmado cerca das 13H00 através de um comunicação rádio recebida de 1 dos 5 elementos da UNPOL que se encontravam no interior das instalações, que informou estarem sob fogo intenso das F-FDTL, vindo de Sul, Oeste e Este, com rebentamento de granadas no interior das instalações. Houve também informação de que os elementos da PNTL que ali se encontravam estariam dispostos a renderem-se, mas não conseguiam contacto com as forças atacantes. Diálogo com o SRSG A situação era grave. O ataque só cessaria com a rendição ou eliminação dos sitiados, o que provocaria grande número de mortos e feridos, incluindo os elementos da UNPOL. Foi com esta percepção que resolvi dirigir-me ao gabinete do SRSG, Sr. Hasegawa, acompanhado pelo meu adjunto, Tenente-Coronel David Mann, a quem expus a situação e o que poderia resultar destes ataques se não houvesse uma intervenção ou uma acção da nossa parte, nomeadamente, tentar negociar um cessar-fogo e salvar o maior número de vidas. Aleguei as minhas boas relações com o Brigadeiro Matan Ruak, oferecime para a missão e mencionei que, ao encontro das forças atacantes deveriam apenas ir militares, pois a maioria dos elementos da UNPOL usavam fardamento similar ao da PNTL, o que poderia causar confusões e pôr em risco as nossas vidas.Após alguma hesitação, o Sr. Hasegawa deu autorização, pelo que me dirigi de imediato para a minha viatura, altura em que vesti o colete à prova de bala, acompanhado pelo TenenteCoronel David Mann e por mais um militar do meu QG, o Major Ian Martin, Neo-zelandês, a quem pedi para nos acompanhar. No percurso entre o gabinete do SRSG e o meu, informei o responsável da UNPOL, o Comissário Saif Malik, do que ia fazer. Tentou que viesse comigo alguém da UNPOL ao que o informei que seria melhor irem apenas militares pelas razões já antes apresentadas ao SRSG. No momento de deixar as instalações da UNOTIL, um elemento da UNPOL insistiu em acompanhar-nos, por ordem do Comissário Malik, o que não autorizei. Saída das instalações da UN À saída do “Obrigado”, e quando virámos à direita, lembrei-me que talvez fosse melhor assinalar de modo mais visível a nossa presença, por motivos de segurança, pelo que pedi ao Major Ian, que vinha na retaguarda, para retirar da caixa do jeep uma pequena bandeira da UN com uma haste de ferro, para que o Tenente-Coronel Mann, que vinha ao meu lado, a pudesse empunhar pela janela da viatura. Seguimos pela rua da Provedoria/Ministério do Trabalho e Solidariedade em direcção ao Quartel da PM, em velocidade moderada, e ali chegados pedi para falar com o Brigadeiro Matan Ruak. Foi-nos pedido que esperássemos até obterem autorização do General e depois fomos autorizados a avançar. Parámos a viatura e eu e o Tenente-Coronel Mann dirigimo-nos a pé para o edifício onde funcionou, em tempos, o comando da PKF e depois o Comando das F-FDTL, ao encontro do Brigadeiro Matan Ruak. Negociação com o Brigadeiro Matan Ruak O Brigadeiro Matan Ruak encontrava-se acompanhado por alguns militares, entre eles o Coronel Lere. Expliquei que os elementos da PNTL nos tinham informado por rádio, através de um dos elementos da UNPOL que ali se encontrava, que se queriam render, tinham alguns feridos e que não conseguiam contactar com eles, pelo que pedi um cessar-fogo que permitisse retirar em segurança, quer os elementos da PNTL quer os da UNPOL. O General aceitou prontamente, mas com a condição de que todos teriam de sair das instalações da PNTL sem armas, dando a entender que os que ficassem seriam alvo de novo ataque. Comprometi-me que os que se rendessem viriam sem armas, seriam acompanhados por nós os três e viríamos em direcção ao “Obrigado”. Perguntei ainda o que queria fazer com as armas recolhidas, ao que me respondeu que não as queria e que eu as poderia levar comigo para a UNOTIL. Durante a nossa conversa, o edifício à porta do qual nos encontrávamos estava a ser atacado pela retaguarda. De imediato, deu ordens aos seus oficiais para cessarem o fogo, tendo eu e o Tenente-Coronel Mann seguido para a viatura que ainda se encontrava perto da entrada principal da PM. Ali chegados, e quando nos preparávamos para partir, apareceu uma viatura da UNPOL com os agentes Quadrados e Santana a quem demos indicação para nos seguirem, sem perceber muito bem a razão da sua presença, contrária ao que havia sido combinado com o SRSG e com o responsável da UNPOL. Desconhecia eu que estes elementos da UNPOL tinham saído do “Obrigado” antes de mim, pela estrada de Balide, de acordo com as instruções do Comissário Saif Malik e do DRSRG Anis Bajwa, movimento este de que não fui informado, o mesmo acontecendo, com certeza, com o SRSG, Sr. Hasegawa, pois se o soubesse tê-lo-ia referido quando o contactei no gabinete. Seguimos para o comando da PNTL, novamente em marcha moderada, seguidos pela viatura da UNPOL e com a bandeira da ONU bem visível. No Comando da PNTL Parámos à entrada da porta principal das instalações e fomos de imediato recebidos pelo ComandanteAfonso de Jesus, Oficial de Operações e 53 Inicio do movimento da coluna então no Comando, que se encontrava na entrada das instalações, armado, com mais alguns elementos da polícia, também armados e entrincheirados.Apesar do conhecimento mútuo, dissemos quem éramos e ao que íamos, perguntando se era verdade que se queriam render, disseram que sim. Explicámos que o Brigadeiro Ruak aceitava o pedido de rendição, mas apenas com a condição de saírem desarmados, pelo que se fosse essa a sua vontade viriam comigo até ao “Obrigado”, em coluna, sob a protecção da UN e com a palavra do Brigadeiro Ruak de que nada lhes aconteceria. O mesmo não poderia assegurar aos que resolvessem continuar nas instalações. Pedi então aos elementos presentes que informassem os restantes e que se apressassem, enquanto era pedida a ambulância para socorrer os elementos feridos. Houve uma maioria de elementos que prontamente entregaram as armas e os mais renitentes foram convencidos pelos restantes. Fiz sempre questão de salientar que a entrega do armamento era voluntária e que comigo só iria pessoal 54 desarmado. As armas, desde pistolas a espingardas e lança granadas, munições e outro equipamento de que eram portadores, com excepção de algumas facas de mato, foram primeiro colocadas no chão e depois transferidas para a caixa da minha viatura, sempre controladas pelo Major Ian Martyn. Entretanto surgiram mais viaturas da UNPOL, com o Comissário Malik à frente. Na altura insurgi-me contra a sua presença pois, além de não ter sido avisado, não tinha sido mencionado ao Comandante das F-FDTL a sua vinda, pelo que a sua chegada extemporânea poderia representar um perigo para todos nós. Face a um certo descontrolo da situação com a chegada dos elementos da UNPOL, entupindo a entrada/saída das instalações com as viaturas e a deixarem que entrassem para as viaturas elementos armados, informei o Comissário Malik que eu estava no comando da operação, do que já se tinha passado e o que se iria passar de seguida e que agradecia que todos ajudassem. A chegada destes elementos acabou por ser benéfica, pois deu mais confiança aos elementos da PNTL, permitiu ganhar tempo e organizar a coluna com mais segurança. Entretanto, tomei conhecimento de que o TenenteCoronel Mann mais um elemento da UNPOL, enquanto procedíamos à recolha das armas, se tinham dirigido para junto dos dois contendores que bloqueavam a rua, à direita da entrada principal da PNTL, ali colocados aquando do congresso da FRETILIN, e onde se encontravam vários elementos armados, alguns com metralhadora, a maior parte fardados de camuflado, outros semi-fardados, e que, presume-se, fariam parte da força atacante. Tentaram dialogar com eles em inglês e português e a reacção foi positiva pois os elementos apresentavam as armas em baixo, sem intenção aparente de as usar. Este grupo já tinha sido contactado anteriormente pela patrulha da UNPOL que depois viemos a encontrar junto às instalações da PM. Tudo leva a crer que no lado oposto ao Comando da PNTL estariam mais elementos afectos às forças atacantes. Organização da coluna Por dispormos de pouco tempo após a entrega de todas as armas e face à impossibilidade de todos, mais de 100 elementos, seguirem nas viaturas, além de que poderia ser suspeito para os elementos das F-FDTL, que poderiam duvidar da existência ou não de armas, decidi que iríamos para a estrada onde formaríamos uma coluna apeada, comigo à frente, e colocaríamos as viaturas disponíveis, a ladear a coluna, para melhor protecção. Só então avançaríamos rua acima, em direcção às instalações da ONU, no “Obrigado”. Formou-se então a coluna, com frente de três, tendo sido chamada a atenção para não olharem para os lados, evitando provocações e situações delicadas, bem como para não correrem, mas andarem a passo normal. Apesar dos receios de alguns, foilhes dito mais de uma vez que estavam sob a protecção da UN, que tinha a palavra do Brigadeiro Ruak de que ninguém abriria fogo e que eu próprio iria na frente deles empunhando uma bandeira da UN. Depois de as viaturas ladearam a coluna, acompanhada, na traseira, por uma ambulância, estávamos prontos a avançar. Ao longo do percurso não se vislumbrou qualquer elemento das F-FDTL, com excepção do cruzamento do Ministério da Justiça com a estrada que conduzia ao QG das F-FDTL, onde se encontravam pelo menos 3 militares armados.Antes de iniciarmos o movimento, o Tenente-Coronel Mann e alguns elementos da UNPOL dirigiram-se para o local, falaram com os militares sobre o que se estava a passar, os quais asseguraram não terem intenções de qualquer acção contra a coluna. Estes afastaramse para os lados, ficando os elementos da ONU perto deles. Tinham as armas em baixo, pelo que aparentemente não tinham qualquer intenção de fazer fosse o que fosse contra nós, em atitude semelhante aos que se encontravam bem perto de nós, nos contentores. Iniciámos então o movimento, seriam quase 14 horas. Ataque à coluna Iniciado o movimento, em forma compacta, com o pessoal apeado ladeado pelas viaturas, fomo-nos aproximando do referido cruzamento. Ao passar por ali, e já em frente ao Ministério da Justiça, olho para o meu lado direito e vejo um elemento da F-FDTL, que aí se encontrava, procurar ostensivamente alguém no meio do grupo apeado, sensivelmente no último terço, apontar a arma e abrir fogo. Nesse momento foi o descontrolo total, muitos polícias caíram uns sobre os outros, outros fugiram em várias direcções, outros entraram nas viaturas que rapidamente dispersaram. Entretanto, outros elementos, pelo menos dois, das F-FDTL, também abriram fogo, disparando indiscriminadamente, tiro a tiro e a curta distancia, para os corpos caídos e amontoados no meio da estrada. Perante os nosso gritos de apelo e ao fim de algum tempo, pararam o tiroteio e encaminharam-se na direcção do aquartelamento da PM. O morticínio foi enorme, duas ou três dezenas de corpos jaziam por terra, o sangue escorria pela estrada, corpos esventrados, gritos lancinantes dos feridos, um espectáculo em que os nossos olhos nem queriam acreditar, talvez ainda espantados, não só pelo que aconteceu, mas também por nada nos ter acontecido, depois de tanto silvar de projécteis e ricochetes à nossa volta. Do tiroteio resultaram, de imediato, nove mortos e 28 feridos, entre os elementos da PNTL, e dois feridos entre o pessoal da UNPOL, um deles com certa gravidade. A prestação de socorros foi imediata por parte de todos nós e de alguns populares e repórteres que entretanto se aproximaram. As nossas viaturas, que entretanto regressaram ao local, com a ajuda de algumas ambulâncias que entretanto surgiram, recolheram os feridos e os mortos e transportaramnos para o “Obrigado” e para o hospital. Entretanto resolvi partir em perseguição dos atiradores, no que fui seguido pelo Tenente-Coronel Mann, com a intenção de os identificar, tendo-os seguido de perto até ao local onde se encontrava o Brigadeiro Matan Ruak, isto apesar do ar ameaçador de pelo menos um deles, o causador do tiroteio. Chegados à presença do Brigadeiro Matan Ruak, 55 insurgi-me com o que tinha acontecido e pedi explicações, pois tinha tido a palavra dele de que não haveria retaliações sobre os elementos da PNTL que seguissem comigo, eles acreditaram e seguiramme e agora tínhamos vários mortos e feridos. O General não sabia o que dizer, surpreso que estava com o incidente. A consternação nos elementos presentes era visível, nomeadamente no Brigadeiro Ruak e no Coronel Lere, que pediram repetidamente e sentidamente desculpa, dizendo que os culpados seriam castigados. Ordenou que viessem à sua presença os elementos que tinham estado no tiroteio, comparecendo três pouco tempo depois, sem armas, perante mim, o Brigadeiro Ruak, o Coronel Lere e o Tenente-Coronel David Mann. Dois deles apresentaram cara de arrependimento e pediram desculpa, com excepção de um deles, que reconheci como o que iniciou o tiroteio. O General disse-lhes que tinham desobedecido (falou em tétum e depois traduziu em português e inglês), referiu que os elementos que vinham na coluna estavam todos desarmados e que a ONU é amiga, e que não deveriam ter disparado sobre a coluna. Quis na altura entregar-me os indivíduos, ao que respondi que não tinha condições para os levar para o “Obrigado”, nomeadamente porque se iriam confrontar com as vítimas, mas que continuava a confiar na sua palavra e se algum dia fosse necessário identificá-los, tinha a certeza que ele o faria. Soube mais tarde que o Major Ian, na altura conduzindo a minha viatura na retaguarda da coluna, aquando do tiroteio e com a entrada na mesma de alguns elementos da PNTL que vinham na coluna, tentou recuar em direcção às instalações da PNTL, sendo obrigado, no entanto, face a alguns tiros vindos do local dos contentores, a inverter a marcha e dirigirse para o “Obrigado”. Na minha opinião, o Brigadeiro Ruak nada teve a ver com o incidente; acredito que não deu ordem de fogo sobre a coluna e que este se deveu ao descontrolo de alguns dos seus militares, em quem confiou, talvez, demasiadamente. Regresso ao “Obrigado” Regressámos ao local do incidente, de onde a maior parte dos feridos e mortos já tinham sido retirados e após a saída do último corpo, eu, o Tenente-Coronel Mann e o UNPOL espanhol Quadrados, dirigimo-nos a pé para a UNOTIL. Eram quase três horas da tarde. Nas instalações da UNOTIL a confusão era geral. O posto de socorros e os meios disponíveis eram escassos para acorrer a tantos feridos, tendo os mais graves sido evacuados para o hospital. Os restantes elementos da PNTL ficaram instalados no edifício da UNPOL. 56 Sobreviventes da coluna refugiados na UNOTIL Pouco depois realizou-se um briefing, que contou com a presença do Ministro Ramos Horta e do Bispo de Díli, onde os acontecimentos foram relatados por mim e pelo Comissário Malik. Soube na altura que dois policiais que vinham na coluna, durante do tiroteio, se tinham refugiado nas instalações da PNTL e que estavam a pedir por rádio para alguém os ir buscar. Por volta das 5 horas da tarde, com autorização do DSRSG e aproveitando a presença do Bispo de Dili e a segurança da sua companhia e da sua viatura, voltei às instalações da PNTL para resgatar os dois elementos que pediram ajuda. Tentativa infrutífera pois ninguém apareceu ou respondeu. Os elementos da PNTL ali refugiados, cerca de 72 e aos quais já se tinham juntado mais alguns que pediram refúgio no “Obrigado”, foram evacuados no dia 26 por helicópteros MI8, ao serviço da ONU, para as instalações do aeroporto de Comoro, perante a recusa dos pilotos e contrariando a ideia inicial de os evacuar para os distritos de origem. No dia 28 foram evacuados mais 70 elementos da PNTL, que entretanto se tinham refugiado nas nossas instalações. No mesmo dia 28 iniciou-se a evacuação para Darwin de 160 elementos do staff da ONU e seus dependentes, ficando em Díli o pessoal considerado essencial. A segurança das instalações da ONU em Díli foi reforçada nos dias 25 e 26 por alguns elementos da UNPOL e do Grupo de Observadores Militares, utilizando armas recolhidas à PNTL, cessando aquando da chegada das forças australianas ao “Obrigado”, entretanto desembarcadas em Díli. Os inquéritos Realizaram-se dois inquéritos, um a nível interno da missão, e reportado exclusivamente aos acontecimentos de 25 de Maio, e outro pela Comissão Especial Independente de Inquérito para Timor-Leste, criada sob os auspícios do Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, mais abrangente e analisando os antecedentes e possíveis consequências de toda a crise. Foram considerados provados pelo Colectivo de Juízes, 8 crimes de homicídio consumados (foram sempre referidos 9 em todos os relatórios sobre o incidente), com dolo directo, 95 crimes de homicídio na forma tentada (os sobreviventes da coluna da PNTL) e ainda 8 crimes de homicídio na forma tentada com dolo eventual (os elementos da ONU). Dos 12 arguidos, 4 foram condenados com penas entre os 10 e os 12 anos, e 8 absolvidos.JE O julgamento Em 7 de Novembro de 2007 prestei declarações, por videoconferência, ao Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso de Díli, no julgamento do processo do massacre de Caicoli, em 25 de Maio de 2006. Quando do reconhecimento dos arguidos, consegui identificar dois dos militares que vieram à minha presença e do Brigadeiro Ruak após o tiroteio, um deles o que deu o primeiro tiro. Glossário: F-FDTL – Forças de Defesa de Timor-Leste. PM – Polícia Militar. PNTL – Polícia Nacional de Timor-Leste. QG – Quartel-General. SRSG – Sigla inglesa de Representante Especial do Secretário-geral. UNOTIL – Sigla inglesa para Gabinete das Nações Unidas em Timor-Leste. 57 PASSATEMPOS DE OUTROS TEMPOS in Jornal do Exército n.º 2 de 1960 Soluções do número anterior: 1 - Não se vê a chapa do couce da espingarda. 2- Uma das botas do soldado que está de pé é branca. 3 - A mão esquerda segura a espingarda mais acima. 4 -A espingarda que está encostada à árvore não tem gatilho. 5 - A perna esquerda do soldado deitado está menos tapada pela outra. 6 -A árvore mais pequena está deslocada para a direita. 7 - A platina do soldado de pé está ao contrário. 8 - Não se vê a parte de baixo do cantil. Soluções deste número: 1 - O barco à vela tem bandeira. 2 - O canhão tem um tapa-bocas diferente. 3 - O barco só tem um banco. 4 - Há uma nuvem sobre o moinho. 5 - A árvore tem três ramos. 6 - As caixas têm pegas. 7 - O condutor tem óculos. 8 - A torre tem emblemas. Pretendo assinar o Jornal do Exército Para encomendar basta fotocopiar o cupão e enviar para E STADO -MAIOR DO EXÉRCITO – Secção de Logística, Rua dos Remédios, n.º 202 – 1140-065 LISBOA Nom e: ____________________________________________________ Profissão: _________________ Morada: ______________________________________________________________________________ Código Postal: __________________ Localidade: ___________________ Telefone: _______________ (Só para Militares) Posto: _________________ Ram o das FA: _______________ NIF: _____________ Assinatura Anual – Continente e Ilhas: € 20.00 - Via Aérea: Países Europeus € 45.00 - Restantes Países € 65.00 Para pedido de números atrasados, ou encadernações, contacte-nos para: Largo S. Sebastião da Pedreira - 1069-020 Lisboa, Tel: 213 567 700 ou via email: [email protected] P ARA P AGAMENTO DA M INHA ASSINATURA T RANSFERÊNCIA BANCÁRIA: Nacional 0781 0112 0112 0011 6976 9 – D.G.T. 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