TÍTULO I
INTRODUÇÃO ÀS TÉCNICAS
DE EXECUÇÃO FORÇADA
CAPÍTULO I
AS VIAS DE EXECUÇÃO NO
PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Sumário: 1. Tutelas jurisdicionais. 2. Breve histórico da ação executiva. 3. As sucessivas reformas do CPC, que culminaram com a abolição da actio iudicati, no campo
do cumprimento das sentenças, e com a implantação em caráter geral da executio per
officium iudicis. 4. A modernização da execução do título extrajudicial. 5. Principais inovações da execução do título extrajudicial e direito intertemporal. 6. Vias de execução
disponíveis no moderno processo civil brasileiro. 7. Nova estrutura do presente livro.
1.
Tutelas jurisdicionais
Desde suas origens romanas o processo civil europeu continental, de onde deriva o
direito processual brasileiro, proporciona ao direito material, nas situações conflituosas,
dois tipos de tutela: uma de acertamento ou definição e outra de realização ou satisfação.
A primeira realiza-se por meio de um provimento denominado sentença, no qual o órgão
judicial declara a real situação jurídica dos contendores frente ao litígio deduzido em juízo.
A segunda conduz a um provimento que atua no plano material, provocando alterações na
esfera concreta do patrimônio dos litigantes, por meio de uma atividade denominada execução forçada. O órgão jurisdicional realiza concretamente a prestação que uma parte deveria
realizar em favor da outra. Substituindo o devedor, o juiz utiliza, coativamente, bens de
seu patrimônio para proporcionar a satisfação do direito subjetivo do credor.
Ao método usado pelo Poder Judiciário para definir a situação jurídica litigiosa dá-se o
nome de processo de conhecimento; e ao utilizado para satisfação forçada da obrigação inadimplida pelo devedor, atribui-se a denominação de processo de execução.
A instauração do processo, tanto de conhecimento como de execução, é provocada pela
parte interessada por meio do exercício do direito de ação – direito à prestação jurisdicional –
que se especializa em ação cognitiva, quando se busca a sentença, e ação executiva, quando
são os atos de satisfação material o que se pretende da jurisdição.
A história da ação executiva confunde-se com a do próprio processo e tem passado por
muitas vicissitudes ao longo da evolução do direito que se costuma apelidar de instrumental.
É o que abordaremos no item seguinte.
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Breve histórico da ação executiva
No primeiro estágio do direito romano, dito período clássico, o processo era desenvolvido em dois momentos distintos: iniciava-se perante o praetor e se completava perante o
judex. O praetor era um magistrado, agente estatal que detinha o imperium e que se encarregava dos negócios da Justiça. Não julgava, entretanto, os conflitos que lhe eram submetidos
por meio das actiones. Ouvidas as partes, nomeava-se um jurista, que assumia a função
de judex, cujo desempenho culminava com a sententia. Ao contrário do praetor, o judex não
era um agente estatal permanente, era um particular a que, no caso concreto, se confiava a
tarefa de julgar. O sistema era, portanto, arbitral, com nítida feição negocial. Considerava-se
a litis contestatio como o compromisso assumido pelos litigantes, em face do praetor, de
submeterem-se àquilo que fosse decidido pelo judex.
Como o judex não detinha o imperium, mas apenas o judicium, não tinha poder para
fazer cumprir sua sentença. Se o vencido deixava de cumpri-la voluntariamente, o vencedor
teria de voltar ao detentor do imperium para poder empregar a força na realização do comando sentencial. Para tanto, teria de propor uma nova actio, que se denominava actio iudicati. Esse sistema, intitulado ordo iudiciorum privatorum, exigia por sua estrutura negocial
e arbitral, essa dualidade de ações para alcançar-se a efetiva satisfação do direito subjetivo
violado: uma ação para acertar a existência do direito da parte, que se encerrava pelo pronunciamento do judex; e outra ação quando eventualmente o vencido não cuidasse de cumprir a
prestação que lhe impusera a sententia.
É bom lembrar que nos primórdios do direito romano não havia um poder judiciário
organizado de forma autônoma diante dos outros poderes estatais. O praetor não julgava e o
judex sentenciava, mas não tinha poderes executivos. Daí o recurso ao processo dual em que
a actio se realizava por ato, puramente declaratório, de um árbitro (o judex); e a execução
forçada, quando necessária, reclamava a intervenção, em ação especial (actio iudicati),
do praetor (magistrado que realmente dispunha do imperium).
Essa duplicidade de ações em torno de um só litígio conservou-se no período formulário, em que o praetor assumiu maiores poderes na organização e encaminhamento da
causa, sem, entretanto, eliminar o feitio arbitral do julgamento. Já na era cristã, o império romano chegou a organizar a Justiça de forma autônoma e totalmente pública. A esse período
histórico deu-se o nome de extraordinatia cognitio, porque inicialmente o praetor passou
a assumir, em determinadas causas, o seu conhecimento e julgamento, eliminando a figura
arbitral do judex. Essa abolição foi gradual, mas com o passar dos tempos generalizou-se.
O praetor fundiu o imperium com o judicium e se tornou um juiz completo, nos mesmos
padrões que nos tempos atuais caracterizam o Poder Judiciário e os Juízes estatais.
No auge da evolução do processo romano já não mais se justificava o recurso a duas
ações para alcançar o cumprimento forçado da sentença, pois seu prolator era titular tanto do
imperium como do judicium. Somente por inércia histórico-cultural foi que se continuou a
usar a actio iudicati até a queda do império romano.
Na Idade Média, inicialmente, os novos dominadores do que antes fora o império
romano – os povos germânicos – tinham hábitos primitivos no tocante à tutela dos direitos
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violados. Os credores realizavam por suas próprias forças seus direitos inadimplidos. A execução forçada era privada e não dependia de prévia sentença judicial. Ao devedor é que,
discordando da execução promovida pelo credor, competia instaurar o processo de impugnação. Invertiam-se os termos, em relação ao direito romano: primeiro se executava para
depois se acertar o direito controvertido.
Mais tarde, sob influência da retomada dos estudos do direito romano nas universidades,
os germânicos aboliram a execução privada e aceitaram a necessidade do prévio acertamento
do direito do credor por meio de sentença, para só depois cuidar de sua realização forçada. Não
aceitaram, porém, que para se cumprir o comando da sentença condenatória tivesse o credor de
instaurar uma nova ação, como era da tradição romana. Aboliram, por completo, a actio iudicati. Em seu lugar, os glosadores do século XIII, liderados por MARTINO DE FANO, conceberam a doutrina do officium iudicis, segundo a qual o dever do juiz era não apenas o de julgar,
mas incluía, por seu próprio ofício, todas as medidas ou providências para que a condenação se
tornasse realidade. Independentemente dos percalços da actio iudicati, competia ao juiz determinar, por decorrência de seu ofício, as medidas de cumprimento forçado das sentenças. Esse
sistema recebeu a denominação de executio per officium iudicis.
Esqueceu-se durante vários séculos da velha actio iudicati romana. Só nos últimos
anos da Idade Média e nos primórdios da Era Moderna foi que, com o aparecimento dos
títulos de crédito, se voltou a cogitar da actio iudicati, para atribuir-lhes maior liquidez, em
atendimento às exigências do mercado. Equiparando-se a força do título de crédito à da sentença, poderia o credor ingressar em juízo diretamente nas vias executivas, obtendo desde
logo a penhora, sem necessidade de aguardar o trâmite complicado do prévio acertamento
em ação condenatória.
A partir de então, e até o século XVIII, existiram na Europa duas vias executivas:
uma singela, para o cumprimento da sentença, que se resumia no mandado de execução
expedido como consequência automática da condenação; outra sob a forma de ação de
execução, sujeita às exigências de um processo completo, inclusive no tocante à eventualidade de contraditório sobre o direito do exequente, por iniciativa do devedor, após o ato
inicial da penhora.
No século XIX, sob influência do Código de Processo Civil de Napoleão, entendeu-se
que, do ponto de vista técnico, era conveniente unificar as vias executivas. Desapareceu a
executio per officium iudicis e implantou-se a ação executiva como procedimento único
tanto para os títulos judiciais como para os extrajudiciais.
Se os títulos de créditos saíram prestigiados nessa sistemática processual, as sentenças
sofreram grande perda de efetividade. Ao se exigir que o credor, vitorioso no processo de conhecimento, tivesse que iniciar um novo processo para alcançar a satisfação de seu direito já
revestido da autoridade da coisa julgada, a sentença condenatória foi reduzida a um mero
acertamento declaratório: declaração do direito violado e da prestação a que ficava sujeito
o violador. Encerrando-se a prestação jurisdicional com tal sentença, praticamente a sentença condenatória em nada diferia das declaratórias, principalmente num processo como o
brasileiro que admite a ação declaratória mesmo depois de violado o direito (CPC, art. 4o,
parágrafo único).
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Pela inadequação da actio iudicati para atender à premência do cumprimento de várias condenações, o direito processual teve de manter e ampliar os casos de procedimentos
especiais unitários – como o das ações possessórias, ação de depósito, ação de nunciação de
obra nova, de despejo etc. – em que a sentença era qualificada como predominantemente
executiva, para justificar a imediata expedição de mandado de cumprimento, sem passar
pelos percalços da ação autônoma de execução.
As sentenças, após restauração da actio iudicati, passaram a figurar em dois grupos, no
tocante ao modus procedendi de seu cumprimento: a) as que, em regime de ações especiais,
cumpriam-se de plano, dentro da mesma relação processual em que foram prolatadas, nos
moldes da executio per officium iudicis; b) as que, no regime ordinário, submetiam-se a uma
nova ação para alcançar a execução forçada (actio iudicati).
3.As sucessivas reformas do CPC, que culminaram com a
abolição da actio iudicati, no campo do cumprimento das
sentenças, e com a implantação em caráter geral da executio
per officium iudicis
Tal como acontecera na Idade Média, a total submissão do cumprimento da sentença
condenatória a uma nova e autônoma ação, provocou, na prática, uma frustração social, que,
de várias maneiras o direito processual procurou contornar. Na Europa, as reformas adotaram o rumo da desjudicialização dos atos executivos que, confiados a agentes administrativos ou parajudiciais, poderiam ser iniciados e encerrados sem a participação do juiz e da
secretaria do juízo. Ao juiz ficaria reservado um controle eventual e a distância. Somente em
casos de litígios incidentais, como os embargos, é que se daria a intervenção judicial1.
Em Portugal, implantou-se, por reforma recente do Código de Processo Civil, uma
nova sistemática para a execução forçada. Mesmo mantendo a dualidade de ações para condenar e executar, procurou-se dar aos atos executivos uma ligeireza maior, colocando-os fora
da esfera judicial comum onde o desenvolvimento do processo depende fundamentalmente
de atos do juiz. Na moderna concepção do direito português, optou-se por deixar o juiz mais
longe das atividades executivas. Reservou-se-lhe uma tarefa tutelar desempenhada à distância. Sua intervenção não é sistemática e permanente, mas apenas eventual. No exercício
1
“Em alguns sistemas jurídicos, o tribunal só tem de intervir em caso de litígio, exercendo então uma função de tutela. O
exemplo extremo é dado pela Suécia, país em que é encarregue da execução o Serviço Público de Cobrança Forçada,
que constitui um organismo administrativo e não judicial” (...) “Noutros países da União Européia, há um agente de
execução (huissier em França, na Bélgica, no Luxemburgo, na Holanda e na Grécia; sheriff officer na Escócia) que,
embora seja um funcionário de nomeação oficial e, como tal, tenha o dever de exercer o cargo quando solicitado, é
contratado pelo exequente e, em certos casos (penhora de bens móveis ou de créditos), actua extrajudicialmente...”,
podendo “desencadear a hasta pública, quando o executado não vende, dentro de um mês, os móveis penhorados (...)”.
“A Alemanha e a Áustria também têm a figura do agente de execução (Gerichtsvollzieher); mas este é um funcionário
judicial pago pelo erário público ...; quando a execução é de sentença, o juiz só intervém em caso de litígio (...); quando
a execução se baseia em outro título, o juiz exerce também uma função de controlo prévio, emitindo a fórmula executiva, sem a qual não é desencadeado o processo executivo” (JOSÉ LEBRE DE FREITAS. A ação executiva depois
da reforma. 4a ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 25, nota 54).
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dessa função de tutela e de controle, o juiz interfere no procedimento “em caso de litígio
surgido na pendência da execução” (art. 809, 1-b), ou quando deva proferir em alguns casos
despacho liminar sobre atos executivos (arts. 809-1-a, 812 e 812-A), resolver dúvidas (art.
809-1-d), garantir a proteção de direitos fundamentais ou de matéria sigilosa (arts. 833-3,
840-2, 842-A, 847-1, 843-3, 850-1, 861-A-1), ou assegurar a realização dos fins da execução
(arts. 856-5, 862-A, nos 3 e 4, 866-C-1, 893-1, 901-A nos 1 e 2, 905-2).
Não cabe ao moderno juiz português, em regra, “ordenar a penhora, a venda ou o pagamento, ou extinguir a instância executiva”. Tais atos, sem embargo de eminentemente executivos, “passaram a caber ao agente de execução (art. 808, nos 1 e 6)”. É a um profissional
liberal, ou a um funcionário judicial (oficial de justiça) que a lei lusitana atribui o desempenho de um conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal. Tal como o huissier francês,
o solicitador de execução em Portugal “é um misto de profissional liberal e funcionário
público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade
no processo executivo”2 .
No Brasil, após o Código de 1973 ter consagrado a completa separação entre o processo de conhecimento e o processo de execução, registrou-se, ao longo de sua vigência, um
movimento reformista com o nítido propósito de minimizar os inconvenientes notórios da
satisfação do direito da parte somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória e
ainda sujeita aos evidentes percalços da abertura de uma nova relação processual.
Foi assim que nos últimos anos do século passado e nos primeiros do século atual, o legislador brasileiro procedeu a profundas reformas no Código de Processo Civil e, em quatro
etapas, está logrando abolir por completo os vestígios da indesejável dualidade de processos
para promover o acertamento e a execução dos direitos insatisfeitos.
Num primeiro momento, a Lei no 8.952, de 13.12.94, alterou o texto do art. 273 do
CPC, acrescentando-lhe vários parágrafos (que viriam a sofrer adições da Lei no 10.444, de
07.05.2002), com o que se implantou, em nosso ordenamento jurídico, uma verdadeira revolução, consubstanciada na antecipação de tutela. Com isso fraturou-se, em profundidade, o
sistema dualístico que, até então, separava por sólida barreira o processo de conhecimento e
o processo de execução, e confinava cada um deles em compartimentos estanques. É que,
nos termos do art. 273 e seus parágrafos, tornava-se possível, para contornar o perigo de
dano e para coibir a defesa temerária, a obtenção imediata de medidas executivas (satisfativas do direito material do autor) dentro ainda do processo de cognição e antes mesmo de ser
proferida a sentença definitiva de acolhimento do pedido deduzido em juízo. É certo que essa
antecipação é provisória, não ocorre em todo e qualquer processo, e pode vir a ser revogada.
Mas, quando deferida em relação a todo o pedido da inicial, uma vez obtida a condenação do
réu na sentença final, não haverá o que executar por meio de actio iudicati. A sentença definitiva encontrará, em muitos casos, o autor já no desfrute do direito subjetivo afinal acertado.
A sentença, dessa forma, apenas confirmará a situação já implantada executivamente pela
decisão incidental proferida com apoio no art. 273.
2
2
JOSÉ LEBRE DE FREITAS. A ação executiva depois da reforma cit., no 1.6, p. 27-28.
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A inovação do art. 273 a um só tempo desestabilizou a pureza e autonomia procedimental do processo de conhecimento e do processo de execução. Em lugar de uma actio que
fosse de pura cognição ou de uma actio iudicati que fosse de pura realização forçada de um
direito adrede acertado, instituiu-se um procedimento híbrido, que numa só relação processual procedia às duas atividades jurisdicionais. Em vez de uma ação puramente declaratória
(que era, na verdade, a velha ação condenatória), passou-se a contar com uma ação interdital, nos moldes daqueles expedientes de que o pretor romano lançava mão, nos casos graves
e urgentes, para decretar, de imediato, uma composição provisória da situação litigiosa, sem
aguardar o pronunciamento (sententia) do iudex.
Dessa maneira, a reforma do art. 273, ao permitir genericamente o recurso à antecipação de tutela, sempre que configurados os pressupostos nele enunciados, na verdade abalou,
em profundidade, o caráter declaratório do processo de conhecimento. De ordinária a ação
de conhecimento se tornou interdital, pelo menos em potencial.
O segundo grande momento de modernização do procedimento de execução de sentença no processo civil brasileiro ocorreu com a reforma do art. 461 do CPC. Pela redação
que a Lei no 8.952, de 13.12.94, deu a seu caput e parágrafos (complementada pela Lei no
10.444, de 07.05.2002), a sentença em torno do cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer deve conceder à parte a “tutela específica”; de modo que sendo procedente o pedido, o juiz “determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento”. Para alcançar esse desiderato, dever-se-á, conforme o caso, adotar medida
de antecipação de tutela e poder-se-ão observar medidas de coerção e apoio, como multas,
busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de
atividade. Enfim, o credor deve ter acesso aos atos de satisfação de seu direito, desde logo,
sem depender do complicado procedimento da ação de execução de sentença. Em outras
palavras, as sentenças relativas a obrigação de fazer ou não fazer não se cumprem mais
segundo as regras da actio iudicati autônoma, mas de acordo com as regras do art. 461 e
seus parágrafos, como deixa claro o texto atual do art. 644, com a redação dada pela Lei no
10.444, de 07.05.2002.
Num terceiro e importante momento da sequência de inovações do processo civil brasileiro, deu-se a introdução no CPC do art. 461-A, por força da Lei no 10.444, de 07.05.2002.
Já então, a novidade se passou no âmbito das ações de conhecimento cujo objeto seja a
entrega de coisa. Também em relação às obrigações de dar ou restituir, a tutela jurisdicional
deverá ser específica, de modo que o não cumprimento voluntário da condenação acarretará,
nos próprios autos em que se proferiu a sentença, a pronta expedição de mandado de busca e
apreensão ou de imissão na posse (art. 461-A, § 2o). Não cabe mais, portanto, a actio iudicati
nas ações condenatórias relativas ao cumprimento de obrigações de entrega de coisas. Tudo
se processa sumariamente dentro dos moldes da executio per officium iudicis.
Por fim, concluiu-se o processo de abolição da ação autônoma de execução de sentença com a reforma da execução por quantia certa, constante da Lei no 11.232, de 22.12.2005.
Também as condenações a pagamento de quantia certa, para serem cumpridas, não
mais dependerão de manejo da actio iudicati em nova relação processual posterior ao encerramento do processo de conhecimento.
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Ao condenar-se ao cumprimento de obrigação de quantia certa, o juiz, na verdade, assinará na sentença o prazo em que o devedor haverá de realizar a prestação devida3. Ultrapassado dito termo sem o pagamento voluntário, seguir-se-á, na mesma relação processual em
que a sentença foi proferida, a expedição do mandado de penhora e avaliação para preparar a
expropriação dos bens necessários à satisfação do direito do credor (novo art. 475-J).
4.
A modernização da execução do título extrajudicial
A tarefa legislativa de remodelação da atividade executiva não se restringiu ao cumprimento da sentença (Lei no 11.232, de 22.12.2005). Também o regime da execução dos títulos
extrajudiciais passou por grande renovação, toda ela voltada para um programa de simplificação e agilização, e, consequentemente, de maior efetividade da tutela ao crédito do exequente.
As principais inovações ocorreram, fundamentalmente, na disciplina da citação, da penhora e da expropriação dos bens penhorados (Lei no 11.382, de 06.12.2006).
Dessas últimas reformas também se beneficiou a técnica do cumprimento da sentença, já que essa via executiva, embora tratada no Livro I do CPC como simples incidente do
processo de conhecimento, se vale, subsidiariamente, dos procedimentos expropriatórios
regulados pelo Livro II. Toda a execução forçada civil, de tal sorte, restou aprimorada pela
conjugação das reformas do CPC implantadas pelas Leis nos 11.232 e 11.382.
5.Principais inovações da execução do título extrajudicial
e direito intertemporal
A Lei no 11.382, de 06.12.2006, inspirada nas mesmas garantias de efetividade e economia processual que orientaram a remodelação do cumprimento da sentença, prosseguiu,
em seguida, na reforma da execução do título extrajudicial, o único que, realmente, passou a
justificar a existência de um processo de execução completamente autônomo frente à atividade cognitiva da jurisdição.
Segundo esclarece a Exposição de Motivos do Ministro da Justiça Márcio Thomaz
Bastos, que sustentou o projeto do qual originou a Lei no 11.382, de 06.12.2006, as posições
inovadoras adotadas, com vistas ao aprimoramento da execução dos títulos extrajudiciais4,
são basicamente as seguintes:
a) ampliação do prazo para o pagamento para três dias e realização (pelo oficial de
justiça) da penhora e da avaliação em uma mesma oportunidade;
b) embargos do devedor em prazo maior (quinze dias), sem depender de prévia segurança do juízo a defesa do executado, e em regra sem efeito suspensivo;
3
4
O art. 475-J introduzido no CPC pela Lei no 11.232, de 22.12.2005, fixa em 15 dias o prazo para cumprir a sentença que
condena a pagamento de quantia certa. No caso de condenação ilíquida, dito prazo será contado da decisão que fixar o
quantum debeatur no procedimento de liquidação da sentença (arts. 475-A a 475-H).
Conforme se vê da Exposição de Motivos, o projeto foi de iniciativa original do Instituto Brasileiro de Direito Processual, sob a coordenação final dos processualistas Athos Gusmão Carneiro (do STJ), Sálvio de Figueiredo Teixeira
(do STJ) e Petrônio Calmon Filho (da Procuradoria de Justiça do DF).
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c) possibilidade de pagamento do débito exequendo em até seis parcelas mensais,
com o depósito inicial de trinta por cento do valor do débito;
d) adoção da adjudicação pelo próprio credor como meio preferencial para realização do crédito;
e) previsão de alienação dos bens penhorados por iniciativa particular ou através de
agentes credenciados;
f) utilização da hasta pública somente em último caso, simplificados seus trâmites,
permitindo-se ao arrematante o pagamento parcelado do preço do bem imóvel, mediante garantia hipotecária;
g) abolição do instituto da ‘remição’, com sua absorção pela adjudicação;
h) limitação do formalismo ao estritamente necessário, na linha de condutas que já
vinham sendo preconizadas pela doutrina e pelos tribunais;
i) modernização das regras relativas à penhorabilidade e impenhorabilidade de
bens, mormente no tratante à penhora de dinheiro.
Nota-se, numa visão geral da nova execução, a abertura para oportunidades de atuação
das partes com maior autonomia e mais significativa influência sobre os atos executivos e a
solução final do processo. Com isso, reconhece o legislador, acompanhando o entendimento
da melhor doutrina, que as partes não são apenas figurantes passivos da relação processual,
mas agentes ativos com poderes e deveres para uma verdadeira e constante cooperação na
busca e definição do provimento que, afinal, pela voz do juiz, virá pôr fim ao conflito jurídico. Aliás, ninguém mais do que as partes tem, na maioria das vezes, condições de eleger,
ou pelo menos tentar eleger, o melhor caminho para pacificar e harmonizar as posições antagônicas geradoras do litígio, endereçando-as para medidas consentâneas com a efetividade
esperada da prestação jurisdicional.
Em matéria de direito intertemporal, deve-se levar em conta que a sistemática criada
pela Lei no 11.382, de 06.12.2006, ficou sujeita a uma vacatio legis de quarenta e cinco dias,
contados da data de sua publicação (art. 1o da Lei de Introdução), de maneira sua efetiva
entrada em vigor se deu a partir de 21 de janeiro de 2007.
Durante os quarenta e cinco dias da vacatio legis, os procedimentos de execução dos títulos extrajudiciais continuaram a observar os ritos primitivos do Código de Processo Civil.
Após a entrada em vigor da Lei no 11.382/2006 sua observância impõe-se de imediato, tanto
para os processos novos como para aqueles ainda em curso. Respeitar-se-ão, todavia, os atos
executivos já consumados sob o regime anterior.
O mandado de citação, por exemplo, já expedido, será cumprido para pagamento em 24
horas, sob pena de penhora. O prazo de três dias, instituído pela Lei nova, aplicar-se-á aos
mandados expedidos já na sua vigência.
Quanto ao prazo para os embargos, que agora se conta desde logo a partir da citação,
somente será aplicado aos casos em que o ato citatório ocorrer já na vigência da lei nova. Particularidades a respeito do tema, serão cogitadas no item 347.
Em relação à multa instituída pela Lei no 11.382/2006, para os embargos protelatórios
(art. 740, parágrafo único), em se tratando de sanção ou pena, a regra não pode ser aplicada a
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embargos ajuizados antes da lei que a instituiu, ainda que se possa reconhecê-los como efetivamente protelatórios (ver, adiante, o item no 351).
A dispensa de penhora para manejo dos embargos é de aplicação imediata, pouco importando a data do início da execução. Sem, entretanto, a segurança do juízo, os novos embargos não suspenderão o curso da execução. Também o pedido de parcelamento da dívida
exequenda aplica-se a qualquer execução por quantia certa, com base em título extrajudicial,
desde que ainda não se tenha posto o processo em fase de arrematação.
As novas preferências e modalidades de atos expropriatórios incidirão sobre as execuções em andamento, cuja arrematação não tenha tido início segundo o sistema anterior.
A remição de bens por cônjuge e parentes do executado continuará sendo possível sempre
que a arrematação e a adjudicação se consumarem segundo o texto primitivo do Código. A
substituição da remição por adjudicação será cabível apenas quando o procedimento expropriatório ainda não tiver principiado nos moldes da legislação pretérita.
As regras de impenhorabilidade ou de relativização da penhorabilidade são de incidência imediata, alcançando até mesmo as penhoras já praticadas, como se reconhece na
jurisprudência (STJ, Súmula no 205).
6.
Vias de execução disponíveis no moderno processo civil brasileiro
O Código de Processo Civil, após a Lei no 11.232, de 22.12.2005, prevê duas vias de
execução forçada singular:
a) o cumprimento forçado das sentenças condenatórias, e outras a que a lei atribui
igual força (arts. 475-I e 475-N);
b) o processo de execução dos títulos extrajudiciais enumerados no art. 585, que se
sujeita aos diversos procedimentos do Livro II do CPC.
Há, ainda, a previsão de execução coletiva ou concursal, para os casos de devedor
insolvente (arts. 748 a 782).
A reforma da Lei no 11.232/2005 não atingiu as execuções singulares especiais por dívidas da Fazenda Pública e pelas obrigações de alimentos, que se conservaram nos padrões
antigos de separação das duas ações: uma para condenar, outra para executar
Dessa maneira, o direito processual consegue adequar-se ao direito material, proporcionando-lhe instrumentos de tutela variáveis e compatíveis com as características dos
direitos substanciais em crise e amoldados, com praticidade, à situação em que deverão ser
tutelados e efetivados.
Tratando-se, pois, de título executivo judicial, a execução forçada singular, no direito brasileiro contemporâneo, afastou-se do padrão romano da actio iudicati e filiou-se ao
sistema medieval da executio per officium iudicis, no qual destacam-se os seguintes dados
fundamentais5:
5
Exposição de Motivos do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos no Projeto que se converteu na Lei no 11.232, de
22.12.2005.
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Humberto Theodoro Júnior
a) a efetivação forçada da sentença condenatória far-se-á como etapa final do processo de conhecimento, após um tempus iudicati, sem necessidade de um “processo autônomo” de execução;
b)a liquidação de sentença, quando necessária, dar-se-á por meio de incidente do
processo de conhecimento, de modo que deixa de existir a antiga ação incidental
liquidatória. Não haverá mais citação e o julgamento do incidente dar-se-á por
decisão interlocutória, sujeita a agravo de instrumento e não mais apelação;
c) desaparecem os embargos à execução, como ação incidental, devendo as eventuais objeções do devedor serem veiculadas mediante simples impugnação, cuja
decisão desafiará agravo de instrumento;
d) o Livro II do Código de Processo Civil passa a regrar somente as execuções por
título extrajudicial. Suas normas, todavia, aplicar-se-ão subsidiariamente ao procedimento de “cumprimento da sentença” institucionalizado pela Lei no 11.232,
de 22.12.2005.
Por seu turno, a reforma que a Lei no 11.382, de 06.12.2006, introduziu na execução do
título extrajudicial (Livro II do CPC), acabou por aprimorar também o sistema de cumprimento da sentença, pois os atos executivos que o integram são regidos, subsidiariamente,
pelas normas do processo de execução autônomo (art. 475-R).
No quadro atual do processo civil brasileiro, a execução forçada nem sempre exige
o exercício de uma ação autônoma e específica. A ação executiva, com tais características,
ficou praticamente restrita aos títulos extrajudiciais. Para os títulos judiciais, pode, em regra,
acontecer como incidente do processo em que a sentença for proferida. Uma só relação processual cumpre a função cognitiva e a função executiva (arts. 475-I e segs.).
7.
Nova estrutura do presente livro
Para adequar-se à sistemática renovada da execução forçada do processo civil brasileiro, nosso livro “Processo de Execução”, a partir de sua 24a edição, teve o título alterado
para “Processo de Execução e Cumprimento da Sentença” e teve sua estrutura remodelada
da seguinte maneira:
a) numa primeira parte, que compreende os Capítulos II a XXXIII, serão tratados os
temas do Processo de Execução, que constituem o objeto do Livro II do Código de
Processo Civil, aplicáveis aos títulos extrajudiciais especificamente e, em caráter
subsidiário, aos títulos judiciais;
b) na segunda parte (Capítulos XXXIV a XLIII) far-se-á a abordagem da execução
forçada do título executivo judicial, doravante submetida ao regime denominado
de “cumprimento da sentença” (Livro I, Título VIII, Capítulo X).
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introdução às técnicas de execução forçada as