GRUPO 7.1 MÓDULO 16 Índice 1. A Ética racional kantiana ............................................3 2 Grupo 7.1 - Módulo 16 1. A ÉTICA RACIONAL KANTIANA Sabe-se que uma das preocupações centrais de Kant foi com relação ao problema teórico e sua investigação sob as condições e possibilidades da produção do conhecimento, do que resultou a chamada “inversão copernicana” kantiana. Este problema teórico apresentado está relacionado diretamente à outra preocupação fundamental para Kant: o problema prático, ou seja, a fundamentação de uma ética. Na verdade, Kant, ao discutir o problema teórico, já estava preocupado com subsidiar a fundamentação de uma ética. Para tanto, era necessário responder questões do tipo “O que devo fazer?” e, ainda, “Por que devo fazer desse modo e não de outro?”. Segundo esclarece Porta: Trata-se pois, em última instância, de fundamentar a objetividade do dever, isto é, sua universalidade e sua necessidade. Entretanto, como já sabemos, universalidade e necessidade não podem ser fundadas empiricamente (2002, p.118). Ou seja, a observação empírica pode nos informar a respeito de como as pessoas agem e se comportam, mas não pode dizer por que elas devem se comportar dessa forma. Assim, não é possível fundar a universalidade e a necessidade com base na experiência. “Logo, se é possível universalidade e necessidade na esfera da ética, ela só pode ser fundada de um modo não empírico, ou seja, a priori” (2002, p.119). Dessa forma, a questão sobre um conhecimento a priori passa a ser central na discussão ética de Kant. Lembrando que o conhecimento a priori é o conhecimento não empírico, o conhecimento universal e necessário produzido pela razão. Assim, Kant busca uma fundamentação racional para a ética. No decorrer dos tempos, as respostas à pergunta “Por que devo?” tiveram algumas variações, mas em geral apontavam para um motivo externo às pessoas: Deus, a tradição, a autoridade paterna etc. Kant (apud Porta, 2002, p.121) elabora uma resposta que segue outro caminho; ele afirma: [...] “devo” – porque sou um ser racional. Eu não preciso perguntar a ninguém o que devo nem por que devo, mas unicamente a mim mesmo enquanto ser racional. A fonte última do dever não é outra coisa que a razão; a moralidade é a autolegislação de um ser racional. A razão, enquanto razão prática, dita a sua própria lei. Ela não toma esta lei de nenhuma instância transcendente a ela, mas apenas de si mesma. A razão é, pois, a verdadeira fonte da objetividade prática. Porta esclarece que esta é apenas uma parte da resposta, e embora seja uma parte fundamental, ainda não está completa. Conforme foi exposto, as leis práticas, segundo Kant, têm como fonte a razão, mas essas leis não são em si mesmas imperativas, elas não dizem “Faça isso” ou “Tu deves”. Como compreender, portanto, que elas assumem uma forma imperativa na concepção de Kant, como, por exemplo, “Tu deves”? A resposta kantiana é, ao mesmo tempo, consequente e surpreendente: na realidade, eu não “devo” porque sou um ser racional, mas sim porque sendo racional, não sou um ser total ou 3 Grupo 7.1 - Módulo 16 exclusivamente racional, mas também sensível (ou seja, submetido a impulsos e paixões). Um ser absolutamente racional seguiria a lei ética de modo espontâneo. Esta legalidade não seria para ele um “dever”. Contudo, para um ser que não é absolutamente racional, ou seja, que eventualmente pode entrar em contradição com a razão, a lei adquire o caráter de um imperativo (Porta, 2002, p.121). Para se entender o pensamento ético de Kant, é importante compreender a relação fundamental que ele elabora entre liberdade e legalidade. O ser livre não é aquele que age sem lei alguma, mas aquele que impõe a si mesmo sua própria lei. Em consequência, um ser livre é um ser racional e vice-versa. A vontade é um modo de causalidade próprio dos seres racionais. A liberdade é uma propriedade da vontade. O que é livre, ou não, é a vontade. A vontade é livre quando se autodetermina. Uma vontade livre é uma vontade autônoma. Vontade livre e vontade submetida às leis morais são, para Kant, a mesma coisa. A lei moral não é outra coisa que a legalidade de uma vontade livre (Porta, 2002, p.122). Entende-se, portanto, que o agir moral implica autodeterminar a vontade, agir segundo a razão, o que significa seguir o imperativo “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (Kant, 1980, p.129). O ponto central do imperativo kantiano é que se deve querer que uma máxima, isto é, uma intenção subjetiva da ação, possa ser convertida em lei universal. As coisas que existem no mundo possuem valores relativos, possuem valores para nós; já as pessoas possuem um valor em si. “O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (Kant, 1980, p.135). Esse valor em si é absoluto, daí que as pessoas não podem ser empregadas como meios para quaisquer outros fins. A existência dos imperativos categóricos depende de tomar as pessoas como fim em si mesmas, pois essa é a condição para a existência de valores absolutos. Porque se as pessoas não possuírem um valor em si, nada mais possuirão. Dessa forma, temos a formulação de outro imperativo categórico kantiano: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (1980, p.135). O ser humano é dotado de um valor intrínseco, que é a dignidade. As coisas que têm um preço permitem uma troca entre equivalentes, mas quando algo não permite uma troca de equivalentes, significa que ela está acima de qualquer preço; significa então, segundo Kant, que ela possui dignidade, portanto é merecedora de respeito. O ser humano, além de dignidade, é um ser dotado de autonomia, um ser capaz de se guiar por uma vontade absolutamente boa. E o que significa isso? É absolutamente boa a vontade que não pode ser má, portanto quando a sua máxima, ao transformar-se em lei universal, se não pode nunca contradizer. A sua lei suprema é pois também este princípio: Age sempre segundo aquela máxima cuja universalidade como lei possas querer ao mesmo tempo [...] (Kant, 1980, p. 141). 4 Grupo 7.1 - Módulo 16 A vontade é uma causalidade própria dos seres racionais. A liberdade da vontade é a autonomia. Daí vem uma vontade livre, que é uma vontade que obedece às leis morais. Dessa forma, a autonomia da vontade pressupõe escolher máximas passíveis de universalização. O ser humano é livre, não quando age sem lei, mas sim quando é capaz de agir seguindo as próprias leis que foram ordenadas pela sua própria razão. Por isso, na perspectiva kantiana, ser livre é ser racional, é agir segundo os mandamentos da razão. 5 Grupo 7.1 - Módulo 16