A execução de alimentos do relativamente incapaz Rolf Madaleno1 SUMÁRIO 1.O poder familiar. 2. A representação dos filhos. 3. A representação pelo Ministério Público nos alimentos. 4. O constrangimento da ação ou da execução alimentar. 5. O abuso do direito. 6. Bibliografia 1. O poder familiar O poder familiar encontra sua gênese no art. 229 da Constituição Federal, ao prescrever como deveres inerentes dos pais, os de assistirem, criarem e educarem os filhos menores, nisso sendo secundado pelo art. 22 do Estatuto da Criança e Adolescente, quando estabelece ser incumbência dos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores. Por sua vez, o art. 1.634 do Código Civil impõe aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 1 Advogado e Professor de Direito de Família e Sucessões na Graduação e Pós-Graduação da PUC/RS. Diretor Nacional do IBDFAM. www.rolfmadaleno.com.br Como dever prioritário e fundamental devem os pais antes de tudo, assistir seus filhos, no mais amplo e integral exercício de proteção, não apenas em sua função alimentar, mas mantê-los sob a sua guarda, segurança e companhia, e zelar por sua integridade moral e psíquica, e lhes conferir todo o suporte necessário para conduzi-los ao completo desenvolvimento e independência, devendo-lhes os filhos a necessária obediência. Sob o prisma do art. 1.634 do Código Civil, o dever dos pais de criarem os filhos menores deve ser compreendido como o ato de promover o seu sadio crescimento, e assegurar à prole, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art.227 da CF e 4° do ECA). Também é dever basilar dos pais o sustento de seus filhos menores, transmudandose com a maioridade em obrigação alimentar, sendo assente na doutrina que o dever alimentar tem origem distinta da obrigação de sustento, o primeiro vinculado ao poder familiar sobre os filhos menores e incapazes. No dever alimentar há ilimitada solidariedade familiar entre pais e filhos menores de dezoito anos, não emancipados, levando ao extremo de ser exigida a venda de bens pessoais dos pais para assegurar por todas as formas, o constitucional direito à vida, e envidados todos os esforços dos genitores para atenderem as necessidades dos filhos ainda menores ou incapazes. A maioridade civil não obsta de os filhos prosseguirem como credores de alimentos, só não mais pelo poder familiar, e com a presunção absoluta de necessidade dos alimentos, mas, doravante, gerando uma obrigação condicional de alimentos, decorrente da relação de parentesco e da continuação da necessidade alimentar, provavelmente porque estudam e perseguem seu preparo profissional. O dever de educar importa em preparar o filho para o exercício futuro da sua independência pessoal, qualificando-o para a vida profissional, com conhecimentos teóricos, práticos, formais e informais, todos eles imprescindíveis para a boa constituição física, mental, moral espiritual referida pelo art. 3°, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Crescem os filhos com o aprendizado ritual, compreendendo o desenvolvimento intelectual, pessoal e o ensino escolar (art. 53, do ECA), sem desconsiderar a capital importância da formação passada pelos pais na sua função de educarem seus filhos para o enfrentamento da vida, repassando seus ideários de vida, valores, morais, sociais e afetivos, com as correções de desvios porventura surgidos durante a caminhada para a maturidade e boa formação humana. É dever dos pais ter os filhos sob a sua companhia e guarda, pois eles dependem da presença e vigília dos pais, da sua proteção e contínua orientação dos genitores, porque dessa diuturna convivência decorre a natural troca de experiências, sentimentos, informações e, sobremodo, a partilha de afeto, não sendo apenas suficiente a presença física dos pais, mas essencial que bem desempenhem suas funções parentais. Estando os pais separados, nem por conta deste fato pode o ascendente não guardião se descurar do seu dever de participar efetivamente da vida afetiva e sentimental de seu filho, e ocorrendo de os pais se omitirem deste fundamental ditame da consciência e da natureza, mesmo pudesse estar ofertando estrutura moral em visitas espaçadas, ainda assim implicará em assumir a responsabilidade por irreparáveis efeitos negativos porventura surgidos na vida dos filhos, com repercussão por toda a sua vida e com nefastos sintomas na vida funcional da prole. Acrescenta Denise Damo Comel 2 estar inserto no dever de companhia dos filhos o aspecto da sua proteção contra os perigos a que ficam expostos quando estão longe dos pais, com amizades indesejadas e de péssimas influências, acarretando inclusive, a responsabilidade civil dos pais sobre os atos dos filhos, em consonância com o art. 932 do Código Civil, respondendo solidariamente pelo ressarcimento do dano causado pelo filho, 2 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar, São Paulo:RT,2003, p.111-112. o pai que não educa bem ou não exerce a vigilância sobre ele e possibilita a prática de algum delito.3 Surgindo divergência entre os pais, a discordância poderá ser suprida por demanda judicial, da qual qualquer dos progenitores recorre com espeque nos artigos 1.517, parágrafo único e 1.631, parágrafo único do Código Civil. 2. A representação dos filhos Para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos a lei civil reconhece a capacidade para a prática dos atos da vida civil, mas condiciona a prática e validade destes atos à assistência dos seus responsáveis, pais, parentes ou pessoas especificamente nomeadas pela lei ou declinadas por determinação judicial. São considerados como relativamente incapazes, eis que para esta faixa etária grassa o consenso da existência de ponderável grau de discernimento e amadurecimento da pessoa humana, mas que segue sendo destinatário de uma fiscalização por parte de seus responsáveis, usualmente os pais, detentores do poder familiar, por conta da sua visão de vida, experiência e maior tirocínio no trato das relações pessoais e profissionais, e cujos vínculos de ascendência parental e por sua plena capacidade civil os qualificam como as pessoas melhor versadas para assessorarem os relativamente incapazes no exercício dos atos da sua vida civil. Pondera Arnaldo Rizzardo 4 que “ nessa idade, o indivíduo, sem dúvida, já atingiu certo desenvolvimento, sendo que se encontra intelectualmente amadurecido para razoavelmente entender e medir ou aquilatar as conseqüências de seus atos, mas não em grau suficiente para agir com plena autonomia ou independência”. Para a integral validade dos atos das pessoas relativamente capazes é imprescindível a assistência do pai ou da mãe, titulares do poder familiar, ou do tutor, quando os genitores são destituídos do poder familiar, pois como estabelece o art. 1.690 3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil, São Paulo:Saraiva, Coord. AZEVEDO, Antônio Junqueira de, vol. 11, 2003, p.427. 4 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.199. do Código Civil, os pais representam os filhos até os dezesseis anos e a partir desta idade os assistem até atingirem a maioridade aos dezoito anos, salvo venham a ser emancipados. A representação dos filhos nos seus atos da vida civil e assim também a sua assistência quando adquirem relativa capacidade é decorrência natural da sua inexperiência pessoal, porque ainda são imaturos e por isto precisam da intervenção dos pais para dar validade e consistência jurídica ao ato, a fim de não sofrerem quaisquer prejuízos com a vilania de pessoas menos escrupulosas. Existem, porém, alguns atos da vida civil com características de pessoalidade, e por isso podem ser exercidos a partir dos dezesseis anos e sem a assistência dos responsáveis, como são exemplos clássicos: o dever cívico de voto; o ato de testar; servir como testemunha; e o de requerer a nomeação de curador à lide quando seus interesses colidirem com os dos pais e tais atos só serão considerados nulos ou ineficazes se sofrerem a intervenção dos responsáveis. Há diferença conceitual entre a assistência e a representação, porque os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos são assistidos por seus pais, estabelecendo o art.1.690 do Código Civil, ser da competência dos pais representarem os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados. Já a representação decorre da total incapacidade de o sujeito declarar a sua vontade, ou de realizar um negócio jurídico em razão da sua menoridade, ou sendo maior de idade, por causa de enfermidade, ou deficiência mental, 5e como arremata Arnaldo Rizzardo6 “se a representação é legal, e envolve, v.g, os filhos, o pressuposto está na paternidade e na maternidade, enquanto um dos requisitos verifica-se no exercício do poder familiar. Já os efeitos compreendem a exigência da obediência dos filhos, o seu sustento, guarda e educação, dirigir-lhes a criação e formação, tê-los em sua companhia, dentre vários outros discriminados no art. 1.634 e outros dispositivos do Código Civil”. 5 6 RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geraldo Código Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro:Forense, p.421. Idem, ob. cit., p.426. Como ensina Fábio Maria de Mattia existe a representação7 “quando uma manifestação de vontade emana não de quem deve fazê-la, mas de outra pessoa e os efeitos se produzem, contudo, como se a manifestação de vontade emanasse da primeira pessoa”. Na seara de atuação do direito familiar qualquer conflito de interesse entre o representante e o representado, embora fosse incontroverso o representante atuar em abono aos interesses do representado, ainda assim a sua vontade pode ser contrariada porque devem prevalecer os interesses dos filhos sob o poder familiar. Estes efetivos interesses de representação são associados aos incondicionais deveres de sustento, guarda e educação, pois compete aos pais dirigirem a criação e a formação dos filhos e nem sempre nas crises conjugais e familaires, geradoras de processos conflitivos de cunho alimentar, prevalece a soberana vontade do representado ou assistido. Contudo, a necessidade de os filhos anuírem nos atos jurídicos de mera assistência8 por já serem relativamente capazes tem dado margem a profundas injustiças verificadas sob o influxo da autoridade parental, como sucede nos episódios de pais separados e presente a inadimplência alimentar de genitor não guardião e devedor de alimentos. Não tem sido nada incomum o ascendente guardião ficar impedido de executar a cobrança dos alimentos porque o filho credor da pensão, psicologicamente intimidado pelo pai se recusa terminantemente a firmar com o seu genitor assistente a necessária procuração judicial 7 MATTIA, Fábio Maria de. Aparência de representação, São Paulo: Editora CD,1999, p.1. “Alimentos em atraso. Mãe de menor impúbere. Legitimidade para reclamar alimentos. Outorga de procuração por instrumento particular. Legalidade (art. 1.289 do CC). Transação homologada. Impossibilidade de alteração do conteúdo material. Cálculo correto. Sentença homologatória. Título executivo. Recurso improvido. I – Encontrando-se o menor sob a guarda materna, legitima-se a genitora para a execução de alimentos em nome daquele e por ele. II – É jurídico a mãe, representando o filho, outorgar procuração por instrumento particular (art.1.289 do CC) para execução dos alimentos. O mandato não é outorgado pelo filho, mas por sua representante, que tem condições legais para tanto, e até mesmo se dispensa procuração se a genitora desfruta de habilitação profissional para postular em juízo (advogada). III – Com a transação homologada, solve-se o litígio originário, e a simples vontade das partes exclui a solução jurisdicional. IV – A sentença homologatória de alimento corporifica título executivo (art. 584, III do CPC), capaz, por conseguinte, de autorizar cada espécie de execução que comporte a obrigação ajustada. Não cabe justificar a impossibilidade de pagamento, em regra (art. 741, I a VII do CPC). Compete ao devedor provar que a quantia não é devida. Conhecido. Negou-se provimento. Unânime”. (Apelação Cível 1998.01.1.033914-9 (Reg. AC 117.428) 3ª Câmara Cível do TJDF, rel. Des. Nírio Gonçalves, DJU 15/09/1999). 8 para o advogado ajuizar em seu nome uma execução alimentar, especialmente quando é eleita a via processual da coerção pessoal, porque o filho credor de alimentos não quer ser responsável pela segregação do ascendente devedor de alimentos. Isto quando os filhos não são compelidos a firmarem falsas declarações ou recibos de quitação dos alimentos executados alegando já havê-los recebido diretamente do pai devedor e assim frustrando a sua cobrança judicial, em inconciliável confronto direto com a genitora guardiã, que se vê impotente para efetivar a necessária cobrança do crédito alimentar tão essencial à subsistência dos filhos sob a sua guarda física, e sem nenhuma reação legal assiste impotente, ser abortada a execução alimentar ajuizada quando ainda representava a prole ou a partir dos 16 anos dos filhos credores de alimentos. Não pode também ser desconsiderado que muitas vezes a representante do menor já tomou emprestado de parentes, amigos e terceiros, o dinheiro necessário para alimentar sua descendência, lhe sendo tirado abruptamente o direito de cobrar os valores já despendidos pela caridade e compreensão alheia, por conta deste insidioso expediente de forjar a quitação pelo constrangimento da assistência dos filhos na representação processual do processo de execução dos alimentos devidos e não pagos pelo genitor alimentante.9 9 “Pensão alimentícia. Maioridade dos alimentandos. Descabe o seu pagamento diretamente aos beneficiários da pensão alimentícia, ainda que tenham completado a maioridade. Servindo a verba para atender as despesas como moradia, alimentação, higiene, entre outras, deve ser administrada por quem detém a guarda dos filhos, tendo-os em sua companhia, por ser o responsável para prover-lhes a subsistência. Agravo improvido”. (Agravo de Instrumento nº 598323335, da 7ª Câmara Cível do TJRS, rela. Desa. Maria Berenice Dias, j. em 14/10/1998). A relatora Desa. Maria Berenice Dias acresce em seu voto que: “Ainda que tenham atingido a maioridade, descabe entregar a verba alimentar diretamente aos alimentandos, já que não se pode privar quem tem os filhos em sua companhia da administração do numerário. Inquestionável que menores ainda não têm condições de priorizar despesas e atender pessoalmente os encargos que dizem com o próprio sustento. De outro lado, é de imaginar-se, além do desgaste que a situação ensejaria, a enorme sobrecarga da mãe que, certamente, passaria a atender com numerário próprio a todas as despesas com que não concordassem os filhos”. Esta decisão foi reforçada pelo agravo interno assim ementado: “Agravo interno. Decisão mantida, por seus próprios fundamentos. A homologação da desistência de um dos exeqüentes de verba alimentar não importa, necessariamente, na extinção do crédito alimentar a ele pertinente, considerando a forma como foram estipulados os alimentos, de forma global, sem individualizar o montante de cada beneficiário. Tudo vai depender de serem os alimentos entendidos como intuitu familiae ou intuitu personae, o que deve ser objeto de definição na origem, antes de obter manifestação da instância recursal. Desproveram unânime”. (Agravo de Instrumento nº 70006431969, da 7ª Câmara Cível do TJRS, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 04/06/2003). Porém ao cabo dos julgamentos a demanda terminou julgada no caminho completamente inverso, com o seguinte aresto: ”Apelação. Execução de Alimentos. Desistência. Ante a desistência da execução pelos reais credores (filhos agora maiores e capazes), conforme lhes faculta o art. 569 do CPC, não há como dar-lhes 3. A representação pelo Ministério Público nos alimentos Os menores de idade não podem intervir e nem atuar pessoalmente nas manifestações da vida jurídica, porque suas capacidades de articulação e de compreensão dos atos da vida civil não se encontram suficientemente amadurecidos. Com o advento da atual legislação a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando então a pessoa adquire a plenitude de sua capacidade e fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Enquanto relativamente incapazes e não emancipados, a representação ou a assistência dos filhos é ostentada pela autoridade parental de seus genitores, tendo o poder paterno do Código Civil de 1916, cedido lugar ao poder familiar da codificação em vigor. Paulo Lôbo10 diz haver se convertido o poder familiar em um ônus dos pais, em virtude da parentalidade ser sempre voltada ao interesse dos filhos, estando a representação dos pais predeterminada pela lei, para suprir a falta de capacidade do representado e sob a fiscalização ministerial quando em trânsito judicial. Na ação de alimentos a participação do Ministério Público é obrigatória, devendo intervir nos processos com interesses de incapazes, como fiscal da lei e como parte quando toma a iniciativa de promover a ação alimentar em nome do incapaz.11 seguimento, visto que embora irrenunciáveis os alimentos, autoriza a lei o não-exercício do direito (art.1.707, CCB). O fato de a genitora dos apelados, que não é parte no processo, entender que lhe é devido valor por conta de eventuais despesas feitas para manutenção dos filhos, quando se encontravam sob sua guarda, não a legitima para continuar postulando tais alimentos em nome deles. A impropriedade do prosseguimento dessa execução é palmar, pois, admitindo-se que viesse a ocorrer o pagamento, é evidente que o montante seria destinado aos alimentados (e não à mãe deles!), os quais, maiores e capazes, poderiam fazer o que quisessem com o numerário, inclusive devolvê-lo ao genitor ! Nada impediria, aliás, que eles dessem quitação desse valor, o que, em última análise, é o que reiteradamente fizeram ao longo do feito, o que, por si só, impõe a extinção da execução. Se a genitora entende ser credora de alguma verba, que trate de, em nome próprio, ajuizar demanda contra ele. Esse crédito, entretanto, não desfruta de natureza alimentar, mas, sim, meramente indenizatória. Proveram unânime”. (Apelação Cível n° 70012266888, da 7ª Câmara Cível do TJRS, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 31/08/2005). 10 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar, In Direito de Família e o novo Código Civil, Coord. DIAS, Maria Berenice e PEREIRA,Rodrigo da Cunha, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.144. 11 Artigo 82 do CPC. Compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há interesses de incapazes; II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; III - ..... A intervenção do Ministério Público independe da idade do alimentando e da sua capacidade civil, pois sua atuação é necessária em qualquer modalidade de demanda alimentar, tanto de conhecimento para o arbitramento da pensão alimentícia, como na ação de revisão dos alimentos, e igualmente na fase de execução dos alimentos, devendo ser assegurado ao Ministério Público a manifestação processual como custos legis e também quando propõe a ação de alimentos em nome do incapaz.12 Segundo Cristiano Chaves de Farias,13 o Ministério Público “atua como órgão agente (parte autora) ou como órgão interveniente (custos legis). Como agente, atuará como parte autora (em substituição processual, fazendo exceção à regra do artigo 6º do CPC) nas hipóteses de defesa da própria sociedade e de substituto processual de determinados direitos”. No rol das proposições de substituição processual do Ministério Público, previsto na esfera específica do art. 127 da Carta Política de 1988, dos chamados direitos individuais e indisponíveis, encontra-se o direito personalíssimo aos alimentos, cabendo ao Ministério Público garantir, quando for o caso, o império da norma constitucional.14 Conforme Sérgio Porto, o Promotor Público15 como substituto processual visa a preservar um interesse particular de enorme repercussão na vida social. Contudo, este não é um entendimento pacificado, mas controverso, porque seria excepcional a atuação concedida ao Ministério Público nas ações de alimentos, na condição de substituto processual, orientando-se uma parcela da doutrina e da jurisprudência por descartar a tutela ministerial, como substituto processual na promoção da ação alimentar. Para Yussef Said Cahali16 “não parece ser este o melhor entendimento, prevalecendo, de resto, a jurisprudência no sentido de que o representante do Ministério Público (como Curador Geral ou como Curador da Família ou dos incapazes) não tem 12 Por todos CAHALI, Yussef Said, Dos alimentos, 5ª ed.,São Paulo:RT, 2006, p.778. FARIAS, Cristiano Chaves de. A legitimidade do Ministério Público para a ação de alimentos: Uma questão constitucional, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre:Síntese/IBDFAM, vol. 8, 2001, p.40. 14 Idem, ob. cit., p.41. 15 PORTO, Sérgio. Doutrina e prática dos alimentos, 1ª ed., Rio de Janeiro: AIDE, 1985, p.75. 16 Op. cit., p.780. 13 qualidade para propor ação de alimentos, como também a ação de investigação de paternidade, ou qualquer outra, em nome de menores que estejam sob o poder familiar, sob a guarda e responsabilidade de qualquer dos genitores, pois a estes ou àqueles cabe a representação em juízo”.17 Portanto, seria da iniciativa pessoal do interessado, ou por seu representante legal, provocar a relação jurídica processual, valendo-se de profissional habilitado, de sua livre escolha ou indicado pelo juiz onde não houver serviço da Defensoria Pública. Destarte, é da iniciativa do credor da pensão alimentícia reclamar através de advogado, os alimentos necessários, mesmo quando se trate de incapaz, cuja presença em juízo, como antes já foi visto, é procedida por representação de seus responsáveis. Nem mesmo haveria legitimação processual absoluta do Promotor da Infância e da Juventude, à luz do art. 201, III, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), quando estabelece ser da incumbência do Ministério Público “promover e acompanhar as ações de alimentos”, naqueles procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, porque somente quando o menor está fora do poder familiar, destituídos seus genitores da sua representação legal, poderá ser então substituído pelo Ministério Público na postulação do crédito alimentar. 18 17 A legitimidade processual de o Ministério Público intentar ação de investigação de paternidade tem previsão expressa na Lei nº 8.560/92, como substituto processual, na forma do art. 6º do CPC, pois incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, reza o artigo 127 da Constituição Federal e como explica o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, no voto vencedor que proferiu no acórdão nº 598293876, da 7ª Câmara Cível do TJRS, em 25/11/1998, sendo vencida a relatora, a Desa. Maria Berenice Dias: “(...) a Lei nº 8.560/92 trata a questão da paternidade sob o prisma registral e, portanto, a legitimação do Ministério Público dá-se na defesa do interesse público, e não do interesse privado do infante. É possível afirmar, pois, que nas ações investigatórias, o Ministério Público age em nome próprio na defesa da ordem jurídica, pois é de ordem pública a questão relativa à filiação. A Lei nº 8.560/92, portanto, não legitima o órgão ministerial para representar um interesse privado, ainda que se trate do interesse do menor, porquanto a própria Carta Magna veda ao Ministério Público, até mesmo, a representação judicial de órgãos públicos (art. 129, inc. IX) e, mais do que isso, proíbe expressamente o exercício da advocacia.” Assim pronunciou-se o STJ, no REsp 218493/PR, Quarta Turma, DJU de 12/02/2001, relator Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado em 07/11/2000: “Investigação de paternidade processual civil. Processual civil legitimidade ativa do Ministério Público. Lei nº 8.560/92. Tem o Ministério Público legitimidade extraordinária para postular a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento, nos termos do art. 2º, parágrafos 4º e 5º, da Lei nº 8.560/92, de sorte que desnecessária a prévia intimação da genitora para que procure o serviço de assistência judiciária ofertado pelo Estado. Recurso especial conhecido e provido”. 18 Op. cit., p.783. Portanto, a capacitação processual do Curador da Infância e da Juventude estaria adstrita aos menores com menos de dezoito anos de idade, em estado de abandono, porque não tutelados por seus pais, que seriam os seus representantes naturais. A essa conclusão chegou o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 89.661-0, sendo relator o Min. Barros Monteiro, julgado em 27/08/1996: “Ação de alimentos. Ministério Público. Substituto processual. Ilegitimidade. Estatuto da Criança e do Adolescente. Tratando-se de menor que se encontra sob a guarda e responsabilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ação de alimentos como substituto processual. Maioria”. Excepcionalmente, é concedida pelo art. 22, inciso XIII, da Lei Complementar 40, capacidade postulatória ao órgão do Ministério Público para prestar assistência judiciária aos necessitados, onde não houver serviço próprio de assistência judiciária, sem restrição da idade, e esta ressalva a lei não faz ao enunciar ser função do Promotor Público promover as ações de alimentos, quando inviável a atuação da assistência judiciária. Especialmente naquelas Comarcas onde não existe serviço da Defensoria Pública, sendo comum o amparo conferido pelo Promotor de Justiça para viabilizar o ingresso da demanda de alimentos do alimentando sem acesso a advogado. A legitimação do Ministério Público para patrocinar as causas de alimentos das pessoas beneficiárias da assistência judiciária gratuita, em Comarcas onde inexiste a atuação da Defensoria Pública, condiz com a essencial atividade jurisdicional do Ministério Público, prevista no art.127 da Carta Federal de 1988, ao lhe incumbir a defesa dos interesses individuais indisponíveis. Para Belmiro Pedro Welter19o Ministério Público age dentro das suas funções institucionais, elencadas no art.129 da Constituição Federal. Essa atribuição concedida ao Ministério Público para atuar como substituto processual assegura no campo do pleito alimentar do alimentando hipossuficiente e sem alcance ao serviço gratuito da sua representação judicial, o princípio constitucional de irrestrito acesso ao Poder Judiciário, 19 WELTER, Belmiro Pedro. Investigação de paternidade, 1ª ed.,Porto Alegre: Síntese, tomo I, 1999, p.97. na solução de suas controvérsias jurídicas, sempre quando marcadas pela característica da indisponibilidade e da ausência de serviço jurídico da Defensoria Pública.20 Direitos indisponíveis, explica Pedro Roberto Decomain,21 “são aqueles dos quais seus titulares, pessoalmente ou através de eventuais representantes, legais ou convencionais, não podem validamente abdicar.” A atribuição do Ministério Público desenhada pelo art.127 da Constituição Federal de 1988 é, portanto, fundamental para materializar os princípios da dignidade humana, da alimentação e de uma paternidade responsável, todos esculpidos nos arts. 226, 227, 229 e 230 da Lei Maior e assim preservar a ordem jurídica e resguardar a paz social.22 Em defesa intransigente da legitimidade processual ativa do Ministério Público na ação de alimentos, Cristiano Chaves argumenta ter sido entregue ao parquet a incumbência da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF), e configurando os alimentos matéria de natureza indisponível, por simples exercício lógico, se vislumbra a plena legitimidade da Instituição para promover, em juízo ou fora dele, procedimentos tendentes a garantir e efetivar tal direito (indisponível)”.23 20 De acordo com SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos, da ação à execução, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.74: “Ainda, os trabalhos desenvolvidos pelas Defensorias Públicas são insuficientes para atender a demanda cada vez mais crescente de litígios, obrigando a constatação de que, não obstante a lei permitir a gratuidade judiciária, muitas vezes as pessoas não buscam a tutela jurisdicional por inexistência de profissionais habilitados que atuem de forma gratuita.” Não fica difícil medir a importância da atuação do Ministério Público naquelas Comarcas onde não foi instalada a Defensoria Pública e sequer existe serviço similar de assistência judiciária, prestada por faculdades de direito ou advogados abnegados. Para esses casos o Ministério Público tem a obrigação constitucional de ingressar com a demanda alimentar, porquanto cumpre seu relevante papel de servir como elo de real acesso do jurisdicionado que, necessitado e desassistido, embora demande por interesse privado, reclama por direito absolutamente indisponível. A jurisprudência tem se mostrado coerente com tal pensar: “Ministério Público. Inclui-se em suas atribuições a de promover ação de alimentos em prol de necessitados onde não houver órgão estatal encarregado de prestar assistência judiciária”. (Agravo de Instrumento nº 589031715, 5ª Câmara Cível do TJRS, relator Des. Sérgio Pilla da Silva, julgado em 24/10/1989). 21 DECOMAIN, Pedro Roberto. Declaração e investigação de paternidade, o papel do Ministério Público, Florianópolis: Obra Jurídica, 1996, p.54. 22 PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p.76-77. 23 FARIAS, Cristiano Chaves de. ob. cit., p.41. O autor transcreve inúmeros julgados configurativos da legitimidade processual ativa do Ministério Público, como v.g.: “O curador de família e sucessões, função exercida pelo Promotor de Justiça, tem competência para propor ação de alimentos em nome do incapaz.” TJ/SP, Ac. un. 3ª Câm. Cív., in RT 570:101. Ou ainda julgado catarinense e assim ementado: “A função do Ministério Público na ação de alimentos não se exaure no simples custos legis. Diante da impotência natural Acresce à atribuição constitucional do agir ministerial como agente, o reforço expresso no art. 201, da Lei nº 8.069/90 (ECA), ao autorizar o Ministério Público a aforar ação de alimentos na proteção integral da criança ou do adolescente, sem qualquer ressalva ou condição, não cometendo ao intérprete discutir o alcance da norma, 24 muito mais quando o STJ já se pronunciou exatamente neste sentido, através dos votos dos Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do REsp 89.661/MG, na 4ª Turma, em 27/08/1996 e publicado no DJU de 11/11/1996.25 E a legitimação ministerial para a ação de alimentos, como forma de garantia constitucional de acesso à justiça, proclama amiúde, aos mais necessitados, o tratamento igualitário com o efetivo acesso ao Judiciário, sendo irrelevante a existência de serviço de Assistência Judiciária Gratuita, por se tratar de legitimidade concorrente do Ministério Público em aforar ação alimentícia no interesse individual e indisponível de criança ou adolescente, não estando estampada em lei alguma, qualquer ressalva à atuação ministerial condicionada à existência ou não de serviço de assistência judiciária gratuita. Ademais de tudo, não é outra a dicção da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), em seu art. 32, inciso II, ao determinar que “compete aos Promotores de Justiça, dentro das esferas de atribuições: (.....) II – atender a qualquer do povo, tomando as providências cabíveis”, como pode ser observado, independente da condição social e econômica do jurisdicionado, e muito menos condicionado à inexistência de serviço específico de assistência judiciária gratuita em sua Comarca. Entrementes, a maior lição a ser extraída da importância da atuação ministerial na preponderante defesa dos interesses do incapaz sobressai da certeza de o direito alimentar, do incapaz e dos direitos objetivamente indisponíveis deste, legitimado, como substituto processual, está o órgão ministerial a pleitear, em nome próprio, direito daquele na forma do art. 6º da lei processual civil, independentemente de se tratar de menor totalmente desassistido e de existir ou não na comarca o serviço de assistência judiciária gratuita, incogitável seria anular-se o processo...” (TJ/SC, Apelação Cível 47221 – Comarca de Sombrio, rel. Des. Alcides Aguiar, publ. DJ/SC nº 9.313, de 05/09/1995, p.12). 24 Idem, p.43. 25 Segundo transcrição recolhida do citado artigo de Cristiano Chaves de Farias, p.43, nota 6 de rodapé: “Não é apenas nos casos de abandono, perda ou suspensão do pátrio poder que a lei atribui ao Ministério Público promover em juízo a defesa dos interesses difusos, coletivos ou mesmo individuais de crianças e adolescentes. A sua competência é ampla, pois a proteção do Estatuto se estende a todos os casos de ameaça ou violação aos direitos do menor, e para lutar por eles após o Ministério Público, dando-lhe as atribuições elencadas no art. 201.” decorra este direito do ato de seu arbitramento judicial, quer se trate de executar alimentos fixados e não pagos, o legislador sempre teve em mira a relevância da fundamental subsistência do alimentando civilmente incapaz, para que possa vir a receber seu crédito, atuando o Ministério Público em prol do direito de sobrevivência do credor alimentar. 4. O constrangimento da ação ou da execução alimentar A capacidade civil foi reduzida para os dezoito anos de idade (art.5º do Código Civil). Desse modo, no campo do crédito alimentar o menor totalmente incapaz é judicialmente representado em juízo por seus genitores e assistido por seus pais quando relativamente incapaz. Como afirmam Ennecerus, Kipp e Wolff: 26 “o pensamento, a vontade, a consciência do dever e da responsabilidade dos próprios atos são no homem, o resultado de um desenvolvimento gradual” e o Direito brasileiro reconhece a capacidade civil da pessoa ao completar os dezoito anos, quando adquire maturidade suficiente para produzir por sua livre iniciativa e por sua exclusiva vontade os atos da vida civil, e cessa desde então, a potestade familiar. Enquanto menores os filhos, aos genitores compete a guarda e a direção nos atos da vida civil, até porque, o direito de guarda supõe justamente o direito de vigilância da prole enquanto incapaz, sendo tarefa dos pais proibirem todas as relações havidas por perigosas ou inoportunas aos filhos e de velarem por sua instrução e pela sua formação. Porque incapazes para a prática pessoal dos seus direitos, a representação ou a assistência processual dos menores absoluta ou relativamente incapazes é a solução jurídica para ampliar o âmbito de atuação de quem ainda não alcançou em razão de sua menoridade a sua representação na sociedade e o exercício autônomo dos atos de sua vida. A incapacidade, quando absoluta, considera aqueles que pela idade ou pela saúde são totalmente inaptos à prática dos atos da vida civil, e conforme Rafael Garcia 26 ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor e WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, tomo I, Barcelona: Bosch Casa Editorial, Parte General, 1953,p.354-355. Rodrigues,27relativamente incapazes são aqueles não totalmente desprovidos de capacidade de exercício de direito ou de fato, situando-se numa linha intermediária dentre os com capacidade plena e aqueles totalmente impossibilitados de praticarem os atos da vida civil. Amiúde, a representação do incapaz ou sua assistência, quando relativa à sua incapacidade, se dá na esfera jurídica, ostentado os pais, em princípio, a representação legal dos filhos menores e não emancipados. A vontade do relativamente incapaz, embora juridicamente relevante para gerar efeitos jurídicos, sob pena de anulação (art. 171, do Código Civil) necessita do acompanhamento do assistente para certos atos.28 Conforme lição de Alfonso Ventoso, 29 o poder familiar é exercido pelos pais em pé de igualdade, fruto da progressiva participação da genitora na direção da família. A atuação solidária dos progenitores no exercício do poder familiar perde sentido quando os pais atingem destinos e projetos diferentes na elaboração de suas vidas pessoais, diante do desmanche do casamento, havendo desta ruptura implicações na guarda da prole. Advindo a separação dos pais e na esteira dela a custódia dos filhos, surge na configuração judicial dos direitos da descendência a busca do crédito alimentar. Desse modo a assistência ou mesmo a representação absoluta dos filhos por seus genitores, no exercício conjunto do poder familiar intenta não apenas a proteção das crianças e adolescentes e dos incapazes, como também resguardar a boa-fé de terceiros que com eles contratam. Quando os pais atuam conjuntamente no interesse dos filhos, suprimindo a incapacidade quando ela é absoluta, ou complementando a autonomia de vontade quando ela é relativa, de hábito esta intervenção dos pais é voltada para a organização da família e no interesses da prole. 27 RODRIGUES, Rafael Garcia. A pessoa e o ser humano no novo Código Civil, In A parte geral do novo Código Civil, estudos na perspectiva civil-constitucional, Rio de Janeiro:Renovar, Coord. TEPEDINO,Gustavo, 2002, p.18. 28 Idem, op. cit., p.19. 29 VENTOSO, Alfonso. La representacion y disposicion de los bienes de los hijos, Madrid:Editorial Colex, 1989, p.79. Separados os genitores, o poder de direção será exercido por aquele genitor com o qual o filho passa a conviver permanentemente, depois de formulada a ruptura fática ou jurídica do casamento. Com o conflito conjugal pai e mãe podem vir a acentuarem suas divergências e a disputarem a atenção dos filhos, embora normalmente estejam apenas dissimulando o verdadeiro foco das suas velhas discussões e que justamente resultaram na separação do casal. Culpas e responsabilidades são maldosamente transportadas para os filhos, terminando a própria prole por temer perder o amor do genitor alimentante e como pondera Maria Tereza Maldonado: 30(...) “a permanência de guerra e conflitos e a falta de estabilidade de quem fica com os filhos são os fatores que mais contribuem para as dificuldades emocionais de crianças e adolescentes.” A inadimplência propositada da pensão alimentícia dos filhos gera o genitor guirdão previsíveis dificuldades de administração e de manutenção dos compromissos dos filhos, com o atraso das contas e cobranças vindas de todos os quadrantes. Tal quadro obriga ao ingresso da execução de alimentos, verdadeiro calvário processual do alimentando,31com soluções judiciais conhecidamente morosas, tendentes a minarem as resistências do genitor assistente, que vê e convive com nítida estratégia de enfraquecimento de sua autoridade parental, sendo os filhos constrangidos a demoverem do ingresso, ou a desistirem da ação executiva e aliviarem o peso da culpa maldosamente plantada em suas mentes, por terem promovido a demanda executiva de prisão civil do ascendente devedor alimentar. Muitas vezes os filhos são seduzidos por recompensas financeiras, como a promessa de compra do primeiro automóvel, viagens, computadores ou roupas de grife, entre tantos outros atrativos de consumo, todos ofertados no propósito de inviabilizar a execução processual que prescinde da assinatura da procuração do credor relativamente incapaz junto com o seu genitor assistente, como pressuposto processual indissociável para o ingresso da ação de execução de alimentos. 30 MALDONADO, Maria Tereza. Casamento, término e reconstrução, Petrópolis:Vozes, 1986, p.166. Vide Revista Brasileira de Direito de Família, MADALENO, Rolf. O calvário da execução de alimentos, Porto Alegre: Síntese – IBDFAM, vol. 1,abril,maio,junho,1999, p.32-43. 31 Cessando a menoridade aos dezoito anos completos, embora seja pouco provável assistir no cotidiano das famílias a real emancipação profissional da prole, o legislador fugiu ainda mais da realidade do direito familiar brasileiro, pois tornou mais difícil a cobrança e o efetivo recebimento do crédito alimentar dos filhos que, embora adultos pelo fator idade, seguem morando com um de seus genitores e dependendo financeiramente do ascendente provedor para a conclusão de sua formação estudantil, universitária e profissional. Na prática, a redução da idade como fator de reconhecimento da capacidade civil do alimentando apenas confere ao filho destinatário dos alimentos o direito de ele receber diretamente a sua pensão alimentícia e sua total autonomia na eventual execução de sua pensão. Se, à primeira vista, isto pode parecer salutar para o exercício de administração das finanças pessoais do filho credor de alimentos, no enfrentamento fático não serão poucas as dificuldades e os constrangimentos causados pela prematura ascensão da maioridade civil aos dezoito anos de idade. É função da pensão alimentícia atender aos diferentes compromissos de manutenção e de subsistência do credor de alimentos, desde os custos com alimentação, moradia, saúde, vestuário, passando pelo ensino fundamental e, se possível, sua formação universitária e profissional. As despesas com habitação, transporte, moradia e saúde costumam ser administradas pelo genitor guardião do credor dos alimentos, prática capaz de criar inúmeras dissensões processuais geradas a partir de ressentimentos conjugais, quando o alimentante põe em dúvida a boa aplicação da pensão alimentar. Ao ascendente guardião é tomado o encargo de orçar, compor e prover as despesas dos filhos e de administrar o orçamento doméstico em caixa único, gerenciando seus recursos pessoais e o montante da pensão alimentícia. Por conta dos insepultáveis conflitos afetivos e parentais, abundam discordâncias, atrasos e crônicas situações de inadimplência da pensão alimentar, a gerarem uma profunda instabilidade na administração e manutenção das necessidades básicas e de todas as conhecidas prioridades que surgem na manutenção e educação do credor de alimentos. Dessas crises usualmente infundadas de desconfiança da administração da pensão alimentícia, tem sido a genitora guardião da prole o alvo preferido das acusações de desvio, malversação e incompetência na administração da verba alimentar, e já na fase da incapacidade relativa do alimentando, seguido surgem verdadeiras campanhas de desmoralização e de perda de credibilidade da capacidade de gestão da genitora, com promessas sedutoras, formuladas pelo alimentante, no sentido de antecipar a independência financeira do filho, e convencê-lo de que ele deveria passar a receber diretamente a sua pensão, tirando-a da administração materna. A prole é convencida a não referendar qualquer movimento processual de ação ou de execução alimentar e com esta tática fica a guardiã inerte e impotente para executar as pensões em atraso, porque o filho relativamente capaz precisa assinar a procuração judicial em conjunto com seu genitor assistente, detentor da sua custódia legal. O assédio e a tentativa de manipulação da prole relativamente incapaz, de quem os provedores buscam o desestímulo na execução das pensões porventura em atraso, costuma criar insuperáveis constrangimentos, pois os pais se fazem vítimas da ameaça de prisão de uma execução por coação pessoal. Não é nada raro deparar com o ascendente guardião se valendo de empréstimos de terceiros para cobrir a defasagem pensional, ou buscando em suas reservas pessoais, se existentes, quando não raro superficiais e escassas, os recursos emergenciais para evitar ocorra solução de continuidade nos estudos e nos compromissos financeiros enfrentados na criação e a formação dos filhos. À luz dessas evidências afigura-se um grande equívoco exigir na ação de arbitramento dos alimentos e muito mais durante a fase de eventual execução das pensões impagas, firmem os filhos relativamente incapazes a procuração judicial em abono à assistência do genitor guardião. Tal exigência serve apenas para tolher o direito e para dificultar as relações familiares já suficientemente agravadas pela falta de dinheiro e pelos problemas gerados pela inadimplência alimentar, seja ela justificada ou não. Filhos de um lado sendo estimulados a não promoverem a cobrança executiva da pensão porque se tornam moralmente responsáveis pelo possível confinamento do pai e, no outro extremo, sendo pressionados pela falta da pensão, gerando dívidas e as cobranças de todas as pessoas próximas, porque a falta de dinheiro impossibilita o pagamento dos compromissos inarredáveis de alimentação e outras igualmente imprescindíveis como o são as mensalidades escolares, os cursos extracurriculares, a saúde, o vestuário, cobranças de condomínio e por vezes locação, tudo a gerar dívidas e causar na esteira desse caos o constrangimento das admoestações dos vizinhos de condomínio, insatisfeitos com o não pagamento do rateio condominial, afora e sobremodo, a aflição do ascendente guardião em não poder contar com o dinheiro destinado a prover o sustento dos filhos. Isto quando os filhos não são convencidos a firmarem falsa quitação das pensões atrasadas, sempre sob a promessa de vantagens, aceno de gratidão pela lealdade conquistada diante do frágil dependente, que já sofre de longa data do sentimento de rejeição, ou apenas se vê encalacrado pelo simples, mas invencível temor referencial. Inquestionavelmente, a maioridade dos filhos não é suficiente para privar da administração do ascendente guardião os recursos financeiros oriundos da pensão alimentícia, porque os filhos nesta idade ainda não se mostram realmente independentes, embora apresentem independência jurídica ao alcançarem aos dezoito anos completos. Morando todos na mesma habitação sob a administração do genitor guardião, não comete até pelo bom senso e pela necessária paz familiar, permitir à prole emancipada pela maioridade civil ditar as condições e as prioridades das despesas da casa, ou passando os filhos maiores a atenderem pessoalmente os encargos da casa materna, cujo orçamento doméstico inclui as despesas do seu sustento. É fácil imaginar o desgaste acarretado por esta situação, se seguissem os filhos totalmente dependentes dos cuidados maternos e da usual administração do lar pela genitora, em contraste com a pretensão de reivindicarem o direito de ordenar o destino de cada uma das despesas do lar familiar. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul mensurou os estragos originados de uma situação semelhante, decidida no Agravo de Instrumento nº598323335, do qual foi relatora a desembargadora Maria Berenice Dias, mantendo a pensão sob a administração da genitora responsável pela subsistência dos filhos.32 À luz dessa incontestável realidade de inaceitável manipulação da prole, onde figura o genitor alimentante pretendendo ativamente impor atitudes omissivas à prole credora de alimentos impagos durante a fase de assistência na incapacidade relativa e até mesmo quando atinge a idade adulta dos dezoito anos completos e existem créditos alimentares ou execução alimentícia pendente, porque em qualquer uma dessas hipóteses, ao acatá-las judicialmente o julgador cria uma situação de constrangimento à prole, ou de um excesso de poder do filho ainda residente com o ascendente guardião, porque põe nas mãos do menor e relativamente capaz, a responsabilidade de decidir sobre a continuação da execução de alimentos das pensões alimentícias insaldadas, pois sendo destinatário dos alimentos a lei exige a outorga conjunta de assistente e assistido da procuração, e sabidamente, poucas vezes terá o filho credor de pensão a isenção mental suficiente para executar o pai alimentante. Portanto, enquanto dependente apenas na legalidade jurídica e não no plano fático, não há porque aceitar supostas quitações de pensões ditas pagas pelo devedor alimentar diretamente aos filhos credores, e arrimado na fria processualística brasileira o juiz ordenar a mecânica extinção do processo de execução alimentar.33 32 Agravo de Instrumento nº 598323335, 7ª Câmara Cível do TJRS: “Pensão alimentícia. Maioridade dos alimentandos. Descabe o seu pagamento diretamente aos beneficiários da pensão alimentícia, ainda que tenham completado a maioridade. Servindo a verba para atender as despesas com moradia, alimentação, higiene, entre outras, deve ser administrada por quem detém a guarda dos filhos, tendo-os em sua companhia, por ser o responsável para prover-lhes a subsistência. Agravo improvido”. Nem deve ser aceita qualquer proposta de compensação indiscriminada de pagamentos efetuados diretamente aos filhos, como demonstra CAHALI, Yussef Said no seu livro Dos alimentos, São Paulo:RT, 1993, p.97: “O genitor não pode pretender abater da dívida o valor correspondente a pagamentos efetuados diretamente aos menores, se determinado que o cumprimento da obrigação alimentícia seria feito através da mãe, que tem os filhos sob a sua guarda”. 33 Entrementes, revertendo sua posição precedente, a mesma 7ª Câmara Cível do TJRS na Apelação Cível nº 70012266888, sendo relator o Des. Luiz Felipe Brasil Santos, decidiu em 31/08/2005 que: ” Apelação. Execução de Alimentos. Desistência. Antes a desistência da execução pelos reais credores (filhos agora maiores e capazes), conforme lhes faculta o art. 569 do CPC, não há como dar-lhes seguimento, visto que embora irrenunciáveis os alimentos, autoriza a lei o não-exercício do direito (art.1.707, CCB). O fato de a genitora dos apelados, que não é parte no processo, entender que lhe é devido valor por conta de eventuais despesas feitas para manutenção dos filhos, quando se encontravam sob sua guarda, não a legitima para continuar postulando tais alimentos em nome deles. A impropriedade do prosseguimento dessa execução é Mesmo no espectro da incapacidade relativa não se afigura justo o genitor pretender abater da dívida alimentícia os valores correspondentes a pagamentos efetuados diretamente aos menores, quando a gestão dessas despesas pertence à genitora guardiã. Não é justo deva prevalecer a suposta vontade do filho, quando, por exemplo, no transcorrer da execução de alimentos ele atinge a maioridade civil, sendo aceita a sua singela vindicação de desistência da ação. Se deve ser acolhida tão estranha e súbita desistência, esta só poderia surtir efeitos a partir do implemento da maioridade e não retroativamente,34 e muito menos para extinguir uma dívida que deveria ter sido paga durante a menoridade do alimentando e que não foi paga, não sendo correto concluir que o decurso do tempo seja um desleal aliado do devedor, laborando em parceria com a natural letargia da burocracia processual, exsurgindo com o lapso temporal um repentino e inusitado perdão judicial do débito alimentar de um devedor renitente, que nunca cumpriu rigorosamente com o acordo ou com a sentença alimentar. Melhor agiria o legislador na preservação psíquica dos filhos quando ainda residem com um dos pais e enquanto ainda credores de pensão alimentícia, mesmo como estudantes, embora já maiores de idade, se dispensasse a outorga de procuração nas palmar, pois, admitindo-se que viesse a ocorrer o pagamento, é evidente que o montante seria destinado aos alimentandos (e não à mãe deles!), os quais, maiores e capazes, poderiam fazer o que quisessem com o numerário, inclusive devolvê-lo ao genitor! Nada impediria, aliás, que eles dessem quitação desse valor, o que, em última análise, é o que reiteradamente fizeram ao longo do feito, o que, por si só, impõe a extinção da execução. Se a genitora entende ser credora de alguma verba, que trate de, em nome próprio, ajuizar demanda contra ele. Esse crédito, entretanto, não desfruta de natureza alimentar, mas sim, meramente indenizatória. Proveram unânime”. E repetiu este mesmo entendimento no Agravo de Instrumento nº 70013382783, em que foi relator o Des. José S. Trindade, julgado em 22/12/2005, com esta ementa: ”Agravo de Instrumento. Execução de Alimentos. Desistência. Maioridade. A exeqüente, ao completar a maioridade, pode desistir da execução do débito alimentar, inclusive daquele referente ao período em que era ainda menor. Art. 1.707 do CC e art. 589 do CPC. Precedente jurisprudencial. Preliminares rejeitadas. Agravo de instrumento desprovido”. 34 “Execução de Alimentos. Legitimidade. Tratando-se de débito alimentar referente a período em que os alimentandos eram menores e estavam sob a guarda da genitora, dispõe esta de legitimidade para prosseguir na execução mesmo que os filhos venham a atingir a maioridade. Apelo desprovido”. (Apelação Cível nº 70006074967, 7ª Câmara Cível, TJRS, relatora Des. Maria Berenice Dias, julgado em 25/06/2003). E ainda: “Execução de Alimentos. Maioridade. A maioridade do alimentando não afeta a legitimidade da genitora para prosseguir com a demanda de cobrança que diz com créditos vencidos enquanto assistia o credor. Agravo desprovido”. (Agravo de Instrumento nº 70007431539, 7ª Câmara Cível do TJRS, relatora Des. Maria Berenice Dias, julgado em 18/02/2004). demandas de cobrança de alimentos atrasados, cujo montante, provavelmente, já foi suprimido pelos ingentes esforços do guardião, valendo-se de recursos próprios, ou de créditos adiantados por terceiros para suprir a obrigação alimentar do devedor, tornando-se o genitor o verdadeiro credor dos alimentos impagos e executados em nome do filho relativamente capaz ou recém emancipado. E, se porventura pudesse ser afirmado não existir na legislação brasileira alguma disposição desobrigando a outorga de procuração pelo filho relativamente incapaz, a ser assistido por seu genitor na ação ou execução de alimentos, conviria considerar a concepção editada pelo art. 227 da Constituição Federal, ao dispor novo padrão de valor em relação à criança e ao adolescente, também ressaltado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 18, da Lei nº 8.069/90),35ao consignar como alicerce da estrutura constitucional, ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, colocando-o a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.36 E ninguém poderá dizer de sã consciência que um filho cuja pensão foi negligenciada, não estará sendo discriminado, explorado, violentado em seu direito e em sua dignidade, com crueldade e opressão, ao lhe exigir por cega devoção ao amor paterno 35 Art. 18. É dever de todos velarem pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. 36 Foi como decidiu o TJDF na Apelação Cível 1998.01.1.033914-9, 3a T – Rel. Des. Nívio Gonçalves – DJU 15.9.99: “Alimentos em atraso. Mãe de menor impúbere. Legitimidade para reclamar alimentos. Outorga de procuração por instrumento particular. Legalidade (art..1.289 do CC [1916] ).Transação homologatória. Título executivo. Recurso improvido. I- Encontrando-se o menor sob a guarda materna, legitima-se a genitora para a execução de alimentos em nome daquele e por ele. II- É jurídico a mãe, representando o filho, outorgar procuração por instrumento particular (art. 1.289 do CC de 1916) para execução de alimentos. O mandato não é outorgado pelo filho, mas por sua representante, que tem condições legais para tanto, e até mesmo se dispensa procuração se a genitora desfruta de habilitação profissional para postular em juízo (advogada). III- Com a transação homologatória, solve-se o litígio originário, e a simples vontade das partes exclui a solução jurisdicional. IV- O cálculo deve sempre obedecer à peculiaridade da sentença de alimento. V- A sentença homologatória de alimento corporifica título executivo (art.584, III do CPC), capaz, por conseguinte, de autorizar cada espécie de execução que comporte a obrigação ajustada. Não cabe justificar a impossibilidade de pagamento, em regra (art.741, I a VII do CPC). Compete ao devedor provar que a quantia não é devida. Conhecido. Negou-se provimento. Unânime.” e em nome de sua aparente autonomia, seja constrangido na maioria das vezes, a desistir de seu direito alimentar, coagido moralmente a barganhar pelo dever de lealdade imposto pelo ascendente devedor de alimentos, diante da exigência do sinete da procuração judicial. 5. O abuso do direito Como anteriormente visto, os pais tem em relação aos filhos um dever constitucional de sustento, assegurando à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e com igual prioridade a saúde mental, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, dentre outros direitos igualmente fundamentais. E uma das maneiras essenciais de atender estas necessidades básicas e estruturantes da vida de um descendente em formação é lhe assegurando o inteiro e pontual direito alimentar, especialmente quando os pais se encontram separados e vige um vínculo jurídico de pensão alimentar. Quando um genitor não-guardião falta com estas suas obrigações parentais e, especialmente quando ele se olvida do seu dever alimentar porque coloca seus dependentes como instrumento das suas recolhidas e mal resolvidas dissensões afetivas, imaginando estar pagando alimentos em excesso ou conjeturando malversação materna na gestão destes recursos e disto extrai a ilação, usualmente falsa, de ser vítima de uma conspiração alimentar, com efeito, que este genitor abusa do direito do dependente dos alimentos. Também abusa do direito do menor aquele genitor que simplesmente se vale da carência afetiva proveniente da ausência do seu pai e sob os auspícios de uma reaproximação acena em contrapartida, com a cobrança de um dever de lealdade, e exige que seu filho, credor de alimentos, se omita de outorgar procuração para a cobrança executiva dos alimentos devidos e deste modo inviabilizando a execução alimentar. Qualquer dessas posturas cuida de verdadeiro abuso do direito praticado pelo devedor alimentar, quem se esconde por detrás de uma suposta exigência formal da procuração do relativamente incapaz, como se o Judiciário não fosse capaz de perceber esta armadilha que inibe e constrange o credor de alimentos de receber sua pensão alimentícia que, aliás, já foi despendida pelo genitor guardião, tornando-se este o real credor do valor executado, eis que precisou cobrir o déficit alimentar causado pela voluntária inadimplência do alimentante e não porque não pudesse pagar, mas que se vale destas firulas legais para obter um ganho pessoal e não para proteger o direito do alimentando relativamente incapaz. O alimentante executado não exerce efetivamente, o direito e a real proteção do menor ao lhe negar a pensão alimentícia, condição de sua subsistência e vida digna, e, por isto, o exercício de um direito fundamental, valendo-se do vil argumento de que o filho, antes por ele ameaçado, já havia sido condicionado a não outorgar procuração, sob pena de perder o “amor” paterno. Esta bárbara e incoerente exigência formal de procuração do assistido relativamente capaz, como pode ser visto, entre outros julgados, foi rechaçada na apelação cível n°70025228743, da 8ª Câmara Cível, relatada pelo Des. José Siqueira Trindade,37 fazendo com que prevalecesse o direito e o bom senso, e assim desmascarando este velho e batido expediente que aos 16 anos de idade, inviabiliza a cobrança executiva do fragilizado, alienado e vulnerável credor de alimentos, que pensa estar conquistado o amor e o afeto de seu insensível genitor. 6. Bibliografia CAHALI, Yussef Said, Dos alimentos, 5ª ed.,São Paulo:RT, 2006. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar, São Paulo:RT,2003. DECOMAIN, Pedro Roberto. Declaração e investigação de paternidade, o papel do Ministério Público, Florianópolis: Obra Jurídica, 1996. 37 “Apelação Cível. Execução de alimentos. Maioridade do Alimentando no Curso da Ação. Legitimidade da Representante. A genitora do alimentando/credor tem legitimidade para cobrar a dívida de alimentos relativamente às pensões vencidas durante a menoridade do filho.” ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor e WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil, tomo I, Barcelona: Bosch Casa Editorial, Parte General, 1953. FARIAS, Cristiano Chaves de. A legitimidade do Ministério Público para a ação de alimentos: Uma questão constitucional, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre:Síntese/IBDFAM, vol. 8, 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil, São Paulo:Saraiva, Coord. AZEVEDO, Antônio Junqueira de, vol. 11, 2003. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar, In Direito de Família e o novo Código Civil, Coord. DIAS, Maria Berenice e PEREIRA,Rodrigo da Cunha, Belo Horizonte: Del Rey, 2001. MADALENO, Rolf. O calvário da execução de alimentos, Porto Alegre: Síntese – IBDFAM, vol. 1,abril,maio,junho,1999. MALDONADO, Maria Tereza. Casamento, término e reconstrução, Petrópolis:Vozes, 1986. MATTIA, Fábio Maria de. Aparência de representação, São Paulo: Editora CD,1999. PORTO, Sérgio. Doutrina e prática dos alimentos, 1ª ed., Rio de Janeiro: AIDE, 1985. RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003. RODRIGUES, Rafael Garcia. A pessoa e o ser humano no novo Código Civil, In A parte geral do novo Código Civil, estudos na perspectiva civil-constitucional, Rio de Janeiro:Renovar, Coord. TEPEDINO,Gustavo, 2002. SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos, da ação à execução, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. VENTOSO, Alfonso. 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