04/12/2015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Consulta de 1º Grau Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul Número do Processo: 1.15.00237685 Comarca: Canoas Órgão Julgador: 3ª Vara Cível : 1 / 1 Julgador: Elisabete Maria Kirschke Despacho: Vistos. Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde ¿ ABRASUS e Sindicato Médico do Rio Grande do Sul ¿ SIMERS ajuizaram a presente ação civil pública com o objetivo de obter provimento liminar no sentido de que fosse determinado ao Município que mantivesse a condição de assistência a toda a população atendida, abstendose de reduzir os serviços e infraestrutura no Hospital Universitário, para atendimento do SUS, e, caso já efetivada a redução, o retorno ao status quo ante. No mérito, pediu que a parte requerida se abstivesse de reduzir serviços e infraestrutura no Hospital Universitário, condenandoa a restabelecer a oferta de serviços e estrutura disponibilizados em outubro de 2014. Alegou haver notícia divulgando eventual redução de 70 leitos do SUS. Realizada audiência de tentativa de conciliação, resultou inexitosa, admitindo a parte demandada que já houve a redução mencionada na inicial há alguns dias. É o breve relato. Decido. A interpretação conjugada das disposições constitucionais, insertas nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, impõe o inafastável reconhecimento de que o atendimento a necessidades essenciais, mormente as arroladas como direitos fundamentais do homem, não depende de lei infraconstitucional específica, na medida em que há íntima relação com a efetivação dos direitos fundamentais, postulado básico e lógico do Estado Democrático e de Direito. Domina na jurisprudência o entendimento de que o Estado ¿ União, Estadosmembros e Municípios ¿ tem o dever constitucional de atender a demanda por saúde pública. Por outro lado, o Supremo Tribunal já assentou a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário para assegurar a implementação de políticas públicas previstas em lei, reconhecendo a inexistência de ofensa ao princípio constitucional de separação dos poderes, conforme segue: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AUMENTO DE LEITOS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ? UTI. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE NÃO SE CONFIGURA SUBSTITUTIVA DE PRERROGATIVA DO PODER EXECUTIVO. DETERMINAÇÃO DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA EXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 03/12/2013, Segunda Turma) (grifouse). DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido¿ (AI 734.487AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 20.8.2010). (o grifo é meu). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos ¿ possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública ¿ foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do `mínimo existencial¿ e da `reserva do possível¿, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento¿ (RE 642.536AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 27.2.2013). No mesmo sentido, inclusive abordando o mesmo caso originário do Rio Grande do Sul, também o STJ se pronunciou: ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físicopsíquica das pessoas é valor éticojurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratandose, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em http://www.tjrs.jus.br/versao_impressao/impressao.php 1/2 04/12/2015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul regra geral, descabe ao Judiciário imiscuirse na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médicohospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bomsenso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp. 1068731/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 17/2/11). (grifouse) Analisando o caso concreto, cumpre assinalar ser fato notório que a estrutura disponível para as demandas da saúde, notadamente em se tratando de leitos hospitalares, é insuficiente para o atendimento de todos os usuários, o que leva centenas de cidadãos a buscarem diariamente, no Poder Judiciário, o atendimento do direito fundamental à saúde, para obtenção de leitos em caráter de urgência ou para realização de procedimento eletivo, forçados estes últimos a esperar durante meses, e até anos, em uma longa e penosa fila. De acordo com os documentos juntados pela parte autora ao processo, extraídos do Portal do CNES ¿ Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, verificase que o processo de redução de leitos disponíveis no Hospital Universitário, para atendimento pelo SUS, vem ocorrendo gradativamente desde outubro de 2014, quando havia 472 unidades disponíveis. Hoje, entretanto, verificase a existência de apenas 358, não computada a última e mais recente redução, admitida em audiência pelo Município de Canoas, de 70 leitos. Em contrapartida, não restam dúvidas de que houve um incremento no recebimento de verbas públicas pelo demandado, a título de cofinanciamento hospitalar, atingindo a cifra de R$ 47.839.564,15, de janeiro a outubro de 2015, num montante superior de R$ 14.159.118,59 aos R$ 33.680.445,56, recebidos no mesmo período de 2014. Ante o exposto, considerando que já efetivada a noticiada redução de mais 70 leitos no Hospital Universitário de Canoas, defiro o pedido liminar para o efeito de determinar ao demandado que (a) se abstenha de reduzir ainda mais os serviços e infraestrutura do referido nosocômio, (b) determinandolhe a obrigação de fazer, consistente em restabelecer a existência de, pelo menos, 50% de tais unidades num prazo máximo de 90 dias, retomando sua integralidade em 180 dias. O prazo para contestação fluirá a partir da publicação da presente decisão. Intimemse. Data da consulta: 04/12/2015 Hora da consulta: 16:04:45 Copyright © 2003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Departamento de Informática http://www.tjrs.jus.br/versao_impressao/impressao.php 2/2