Local de incidência do ISS – As incríveis divergências do STJ
No dia 11 de março de 2014, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou
duas ações que tratavam do mesmo assunto: definir o sujeito ativo do ISS, ou
seja, definir o local de incidência do imposto. O primeiro caso dizia respeito ao
ISS de operações de leasing, e o segundo caso discutia-se o imposto de uma
clínica médica.
As decisões foram as seguintes:
Leasing
1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, submetido à
sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008, firmou a
compreensão no sentido de que: "(b) o sujeito ativo da relação tributária, na
vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador
(art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente
prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se
comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira
com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento
- núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo".
2. Na hipótese dos autos, as operações de leasing foram celebradas em
período anterior a 31/07/03 (fls. 374/383), com entidade arrendadora sediada
em Barueri/SP, consoante se depreende do documento de fl. 20, não
possuindo legitimidade para exigir o tributo em questão o município ora
recorrente, localizado no Rio Grande do Sul.
AgRg no REsp 1062930 / RS – Rel. Min. Sergio Kukina – DJ 11/03/2014 – 1ª
Turma.
Clínica Médica
1.
Ao julgar o REsp. 1.117.121/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe
29.10.2009, representativo da controvérsia, esta Corte assentou o
entendimento de que a competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL
406/68, era do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela
LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador
do serviço (art. 3o). Precedentes: AgRg no AREsp 136.263/SP, Rel. Min.
FRANCISCO FALCÃO, DJe 24.08.2012, e AgRg no REsp. 1.280.592/MG, Rel.
Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 12.04.2012.
AgRg no REsp 1350902 / SE – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJ
11/03/2014 – 1ª Turma
Acobertado nas vênias possíveis e devidas, ousamos dizer que as
incongruências nas duas decisões acima são assombrosas, com todo o horror
de tal adjetivação. Vejamos:
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Primeiro - Na decisão do leasing o Relator declara: “A Primeira Seção (...)
firmou a compreensão no sentido de que o sujeito ativo da relação tributária, na
vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador”.
Na decisão da clínica o Relator declara: “... esta Corte assentou o
entendimento de que a competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL
406/68, era do local da prestação do serviço”.
Afinal, ao tempo da DL 406/68 o local de incidência era na sede do
estabelecimento prestador, ou do local da prestação do serviço?
Segundo – Na decisão do leasing o Relator declara: “a partir da LC 116/03, é
aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é
perfectibilizada (...)”.
Na decisão da clínica o Relator declara: “o que foi alterado pela LC 116/2003,
quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço
(...)”.
Afinal, ao tempo da LC 116/03 o local de incidência passou a ser aquele onde o
serviço foi prestado ou no local da sede do prestador do serviço?
Acreditamos ser de utilidade interna prestar algumas informações aos
Ministros, para que suas assessorias não se percam no emaranhado
jurisprudencial daquela Corte, às vezes confundindo jurisprudência restrita com
jurisprudência plena.
Ao tempo do DL 406/68, embora o dispositivo legal declarasse o local do
estabelecimento prestador como local da prestação do serviço (com exceção
dos serviços de construção civil), o STJ (RE n. 54.002-0/PE), cujo relator foi o
Ministro Demócrito Reinaldo, decidiu que “é o local da prestação do serviço que
indica o Município competente para a imposição do tributo”. No mesmo teor, a
decisão no RE n. 51.797/SP, cujo relator foi o Ministro José Delgado, ao
declarar que “para o ISS, quanto ao fato gerador, considera-se o local onde se
efetivar a prestação do serviço”. E mais uma para não se prolongar: “Embora a
lei considere local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador (art.
12 do Decreto-lei n. 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em
cujo território se realizou o fato gerador” (RE n. 130.792/CE).
Não há assim qualquer dúvida de que o STJ, ao tempo do DL n. 406/68,
assumiu a posição de que o local de incidência do ISS era onde ocorria o fato
gerador. Desta forma, está correta a primeira parte da decisão relativa à clínica
médica e totalmente equivocada a primeira parte da decisão relativa ao leasing.
E agora, ao tempo da LC n. 116/03, a decisão amplamente utilizada, como se
fosse a base das interpretações posteriores, foi a decorrente do RE n.
1.117.121/SP, cujo relator foi a Ministra Eliana Calmon. Importante observar
que foi exatamente esta a decisão que deu amparo ao Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho ao julgar o caso da Clínica.
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Pois a ementa de tal decisão foi a seguinte:
“1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do
local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003,
quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço
(art. 3º)” (REsp 1.117.121/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJE 29.10.2009).
Todavia, em julgamento posterior, já em 2011, cujo relator foi o Ministro
Humberto Martins, a expressão “sede do prestador do serviço”, utilizada pela
Ministra Eliana Calmon, foi corrigida para melhor se adequar aos termos da lei.
Vejamos:
“2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 12, "a",
do Decreto-Lei n. 406/68, entendia que a competência tributária para cobrança
do ISS era da municipalidade onde o serviço era prestado.
3. Com o advento da Lei Complementar n. 116/2003, a competência passou a
ser o local do estabelecimento prestador do serviço, considerando-se como tal
a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a
atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada
como sede ou filial da pessoa jurídica (arts. 3º e 4º).
4. Precedentes: REsp 1.195.844/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, julgado em 1.3.2011, DJe 15.3.2011; REsp 1.160.253/MG,
Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 10.8.2010, DJe 19.8.2010;
REsp 1.139.903/GO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
3.8.2010, DJe 17.8.2010; REsp 1.175.980/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 2.3.2010, DJe 10.3.2010; REsp 1.117.121/SP,
Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 14.10.2009, DJe
29.10.2009; AgRg no Ag 903.224/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 11.12.2007, DJ 7.2.2008, p. 307”.
(REsp 1245310/MG – Re. Min. Humberto Martins - DJe 25/05/2011)
E sendo assim, a decisão do leasing padece de lamentáveis incongruências,
pois sendo um caso do tempo de vigência do DL 406/68, o local de incidência
teria de ser o da prestação do serviço, e a decisão segue caminho exatamente
contrário, como se verifica no seu item 2.
E no tocante à decisão do ISS da Clínica, por evidência cristalina, o local de
incidência seria o da unidade econômica ou profissional onde o serviço foi
prestado, independentemente de ser sede da pessoa jurídica.
Já é momento de os Ministros do STJ repensarem o assunto e assumirem uma
posição clara e uniforme, sem tais contradições internas.
Roberto A. Tauil
Março de 2014.
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