DESPACHO SEJUR N.º 068/2015 (Aprovado em Reunião de Diretoria em 04/03/2015) Interessado: Conselho Regional de Medicina do Paraná – CRM/PR Expedientes n.º 925/2015. Assunto: Análise jurídica. Competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. Prática profissional de homeopatia. Inconstitucionalidade. I – DA SITUAÇÃO FÁTICA Trata-se de Ofício n.º 010/2015, do CRM/PR, no qual solicita orientação do CFM sobre possível campanha de aprovação de leis municipais para a legalização das terapias naturais nos municípios brasileiros. Colacionou cópia de comunicação encaminhada por médico, bem como folder que busca a legalização em âmbito municipal das terapias naturais e minuta de projeto de lei. É o relatório. Passo a analisar. II – DA ANÁLISE JURÍDICA Em que pese haver certa divergência na doutrina, certo é que na vigência da Constituição Federal de 1988, o município ganhou posição de destaque no federalismo brasileiro, sendo elevado à condição de ente federado, com clara ampliação de sua autonomia política, administrativa e financeira. Hely Lopes Meirelles (2007, p. 109), compartilha do mesmo entendimento e afirma que: A Constituição Federal integrou o Município na Federação (art.s 1º e 18), considerando-o entidade estatal de terceiro grau, pondo, assim, termo à polêmica, até então existente, sobre se o Município era ente político-administrativo ou simplesmente administrativo. Agora essa discussão está eliminada pois a Câmara é considerada Poder Legislativo, e a Prefeitura, Poder Executivo, independentes e harmônicos entre si, à semelhança dos Poderes da União e dos Estados. Desse modo, considerando que os Municípios possuem competência política, a própria Carta Magna estabeleceu sua competência legislativa no art. 30, incisos I e II, senão vejamos: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (...) Nessa linha, como visto, compete aos municípios legislar essencialmente sobre assuntos de interesse local, bem como suplantar a legislação federal ou estadual naquilo que lhe couber, ou seja, naqueles temas de interesse local e que não sejam de competência legislativa privativa da União e dos Estados. Portanto, há o estabelecimento do denominado Princípio do Interesse Local, o qual encontra respaldo na Constituição da República, especificamente em seu artigo 30, I, que determina a possibilidade do Município legislar sobre assuntos de interesse local. Nesse sentido, há diversos precedentes do STF que reconhecem a competência municipal para legislar sobre os assuntos de interesse local, a saber: "Os Municípios têm autonomia para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas, pois a Constituição lhes confere competência para legislar sobre assuntos de interesse local." (AI 622.405-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-5-2007, Segunda Turma, DJ de 15-6-2007.) No mesmo sentido: AI 729.307-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 27-102009, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009; RE 189.170, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 1º-2-2001, Plenário, DJ de 8-8-2003; RE 321.796-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 8-10-2002, Primeira Turma, DJ de 29-112002;RE 237.965-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 10-2-2000, Plenário, DJde 31-3-2000; RE 182.976, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1212-1997, Segunda Turma, DJ de 27-2-1998. Vide: ADI 3.731-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 29-8-2007, Plenário, DJ de 11-10-2007. Todavia, no caso dos autos, discute-se a possibilidade de o município legislar sobre a regulamentação de profissão ou atividade profissional que tenha competência para praticar atos de saúde em terapias naturais e homeopáticas. Nesse sentido, nessa análise perfunctória e baseada apenas nos documentos encaminhados pelo CRM/PR, tal pretensão afigura-se flagrantemente inconstitucional, eis que o art. 22, inciso I, da CF/88, dispõe que compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho. Novamente, seguimos orientação firmada pelo STF, verbis: "A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios." (RE 313.060, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-11-2005, Segunda Turma, DJ de 24-2-2006 Assim, ainda que o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal estabeleça que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o mesmo dispositivo define que devem ser atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, sendo que esta lei inevitavelmente será federal, pois, como dito, somente a União pode legislar sobre regras de trabalho. SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br Ademais, o Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que a regra é a liberdade profissional, todavia, naqueles casos em que a profissão possua potencialidade lesiva à população, necessário se faz a presença de lei e regulação do Estado sobre a atividade. Segue a ementa do julgado: “Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão.” (RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de 10-10-2011.) No mesmo sentido: RE 795.467-RG, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 5-6-2014, Plenário, DJE de 24-6-2014, com repercussão geral; RE 635.023-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012; RE 509.409, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 31-8-2011, DJE de 8-9-2011. Como se vê, o STF reconheceu que a profissão de músico prescinde de controle estatal, pois não possui qualquer face lesiva. Todavia, a prática de terapias de saúde naturais ou homeopáticas, por lógica, envolve a identificação de doenças, realização de diagnóstico, bem como a prescrição de tratamentos e medicamentos, atividades que se forem feitas por pessoas leigas e desprovidas de formação específica, tendem a possuir nítido potencial lesivo à saúde da população brasileira, em especial dos habitantes dos municípios que permitem a realização de tais práticas e não possuem o conteúdo informacional adequado. Por derradeiro, apenas para fortalecer a argumentação, deve-se deixar claro que, no Brasil, somente o profissional médico, devidamente inscrito nos Conselhos Regionais de Medicina possui competência legal para realizar determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico, bem como promover atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas, atividades que lhe são privativas, conforme a Lei n.º 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), sendo ilegal o exercício de identificação de doenças e a prescrição de tratamentos por qualquer outra profissão que não possua que permita tal prática. III - CONCLUSÃO Face o exposto, este SEJUR ESCLACERE que: a) Nessa análise perfunctória e baseada apenas nos documentos encaminhados pelo CRM/PR, define-se que a possibilidade de o município legislar sobre a regulamentação de profissão ou atividade profissional que tenha competência para praticar atos de saúde em terapias naturais e homeopáticas, afigura-se flagrantemente inconstitucional, eis que o art. 22, inciso I, da CF/88, dispõe que compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho; b) Tal assunto não se circunscreve dentre aqueles que se dizem como de interesse local dos municípios; SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br c) Somente o profissional médico, devidamente inscrito nos Conselhos Regionais de Medicina possui competência legal para realizar determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico, bem como promover atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas, atividades que lhe são privativas, conforme a Lei n.º 12.842/2013 (Lei do Ato Médico). Este é o parecer, s.m.j. Brasília-DF, 10 de fevereiro de 2015. Rafael Leandro Arantes Ribeiro Advogado do Conselho Federal de Medicina OAB/DF n.º 39.310 DE ACORDO: José Alejandro Bullón Chefe do Setor Jurídico SGAS 915 Lote 72 | CEP: 70390-150 | Brasília-DF | FONE: (61) 3445 5900 | FAX: (61) 3346 0231| http://www.portalmedico.org.br