265775 Órgão Classe Nº. Processo Impetrante Paciente Relator Des. : : : : : : SEGUNDA TURMA CRIMINAL HBC – HABEAS CORPUS 2006.00.2.010479-4 GLÓRIA HOSANA DE OLIVEIRA GABRIEL DE OLIVEIRA SILVESTRE ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS EMENTA PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. EXIGÊNCIAS DA LEI Nº 9.296/96. LEGITIMIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO. PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS. RENOVAÇÕES. POSSIBILIDADE. TRANSCRIÇÃO E APENSAMENTO AOS AUTOS PRINCIPAIS. 1. A licitude das interceptações telefônicas fica condicionada à presença dos requisitos de forma definidos na lei de regência. Para tanto, é preciso analisar se: a) o pedido foi formulado por pessoa a tanto legitimada; b) o pedido contém a demonstração de que sua realização é necessária à apuração da infração penal; c) a decisão judicial que permitiu a escuta está fundamentada; e d) o prazo para a interceptação foi observado, uma vez tendo sido comprovada a indispensabilidade desse meio de prova. 2. É possível permitir a renovação das interceptações telefônicas por prazo maior do que trinta dias, como vem entendendo o Supremo Tribunal Federal, uma vez que “se persistirem os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica e forem as prorrogações devidamente fundamentadas pelo magistrado, não há obstáculos para a renovação, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação” (STF, 2ª Turma, HABEAS CORPUS nº 84.388-SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, publ. DJ de 19/05/06, pág. 42). 3. Se, nos termos da lei, o conteúdo das conversas gravadas pode ser apensado aos autos até o momento que antecede a prolação da sentença, então não tem sentido proclamar a inépcia da denúncia ou a nulidade do ato judicial que a recebeu — nem de todo o processo, daí para a frente —, pelo fato de não constar 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 dos autos o laudo pericial da degravação das interceptações telefônicas. 4. Ordem de habeas corpus denegada. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores da SEGUNDA TURMA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Relator, VAZ DE MELLO e GETULIO PINHEIRO – Vogais, sob a presidência do Desembargador VAZ DE MELLO, em DENEGAR A ORDEM. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília-DF, 26 de outubro de 2006. Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS Relator 2 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 RELATÓRIO A douta Procuradoria de Justiça, em parecer do Dr. Antonio Ezequiel de Araújo Neto, assim resumiu a espécie, verbis: “Cuida-se de ordem de habeas corpus requerida pela Advogada Glória Hosana de Oliveira em favor de Gabriel de Oliveira Silvestre, o anulamento de ação penal instaurada perante o MM. Juízo de Direito da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais, da Circunscrição Judiciária Especial de Brasília-DF. Em síntese, alega a Impte. que a ação penal se fundou em prova ilícita (escuta telefônica); que a autorização judicial para a citada escuta apresenta ‘descabida e inusitada fundamentação’; que as diligências policiais ocorreram com afronta ao contraditório; e que a autoridade judiciária designou audiência sem a prévia juntada aos autos, dos laudos periciais respectivos. A petição inicial se acha instruída com as peças de fls. 11/96. A liminar requerida foi indeferida pelo r. despacho de fls. 101/102. Às fls. 105/106, vieram as informações da digna autoridade indigitada coatora instruías com as peças de fls. 107/167” Acrescente-se que o pronunciamento ministerial foi pela denegação da ordem. É o relatório. VOTOS O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS – Relator Senhor Presidente, quero registrar que, como sempre, ouvi com a merecida atenção a sustentação oral do eminente Advogado, Dr. Carlos 3 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 Gomes San Roman, que dignificou a magistratura e agora empresta o brilho do seu talento à advocacia. Trouxe voto escrito onde, acredito, serão respondidas as observações feitas por ele da tribuna. Como se viu do relatório, a impetrante sustenta que as escutas telefônicas que permitiram o oferecimento da denúncia foram feitas de modo irregular, vez que I) a decisão judicial que autorizou as interceptações carece de fundamentação; II) os pedidos de prorrogação não foram feitos dentro dos prazos fixados em lei; e III) não era indispensável esse meio de prova. Por causa disso, e uma vez nula a prova produzida por meio de escuta telefônica, nula é a denúncia e nulo é todo o processo daí para a frente. Este egrégio Colegiado ainda não se pronunciou sobre esse tema. É bem verdade que em outro habeas corpus, o de nº 2006.00.2.010615-3, em que figuram como impetrante e paciente as mesmas partes deste feito, ficou decidido que o processo penal deveria ficar suspenso e somente poderia prosseguir após a vinda aos autos do laudo de exame toxicológico e do laudo das degravações das escutas telefônicas. Não é isso o que se pede aqui. A pretensão da combativa defesa impetrante, repita-se, é ver proclamada a nulidade do processo desde o seu nascimento, forte no argumento de que as escutas telefônicas, que permitiram o oferecimento da denúncia, foram obtidas de forma ilícita. Como se sabe, o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução criminal”. Essa matéria é regulamentada, no plano infraconstitucional ordinário, pela Lei nº 9.296/96. Referido diploma legal estabelece, em harmonia com o querer constitucional, que a interceptação de comunicações telefônicas depende de ordem do juiz competente (art. 1º), não sendo admitida a interceptação quando “I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; e III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção” (art. 4 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 2º). A lei estabelece, ainda, que a escuta poderá ser determinada de ofício pelo juiz, bem como a requerimento da autoridade policial, na fase da investigação criminal, ou do representante do Ministério Público, tanto na investigação criminal, como na fase de instrução do processo (art. 3º). Em seu art. 4º, a lei fixa que o pedido de interceptação de comunicação telefônica deverá conter a demonstração de que sua realização é necessária à apuração da infração penal, devendo indicar os meios a serem empregados. O art. 5º dispõe que a decisão judicial será fundamentada, sob pena de nulidade, e deverá indicar a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, sendo renovável por igual período, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Se a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição. Cumprida a diligência, o resultado deverá ser encaminhado ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Uma vez recebidos esses elementos, o juiz determinará que os autos da interceptação sejam apensados aos autos principais, ciente o Ministério Público (art. 6º). O art. 8º estabelece que “a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial, ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal”. Para dizer acerca da alegada ilicitude das interceptações telefônicas, esta Turma haverá, então, de decidir quanto à presença, ou não, dos requisitos de forma definidos na lei. Para tanto, deverá analisar se: I. II. III. IV. o pedido foi formulado por pessoa a tanto legitimada; o pedido contém a demonstração de que sua realização é necessária à apuração da infração penal; a decisão judicial que permitiu a escuta está fundamentada; o prazo para a interceptação foi observado, uma vez tendo sido comprovada a indispensabilidade desse meio de prova. 5 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 Passa-se ao exame de cada um desses requisitos. I Os autos revelam que foi a autoridade policial quem representou pela realização da escuta telefônica. Esse pedido se vê por cópia às fls. 28/30. Houve, pois, o pedido para a interceptação, devidamente formulado por pessoa legitimada a fazê-lo. Nenhuma irregularidade, pois, quanto à legitimidade para postular a interceptação das comunicações telefônicas (art. 3º, inciso I, da Lei nº 9.296/96). II Para tanto pedir, a autoridade policial expendeu a seguinte fundamentação, in textu: “... ler fls. 28/30...” Os documentos que vieram com a inicial não trouxeram a íntegra dessa representação. Há sete folhas faltando (conferir fls. 29 e 30 dos autos). Entretanto, e até onde é possível verificar, o pedido formulado pela autoridade policial deixa claro que a Polícia já tinha fortes indícios do envolvimento de Alexandre Fuão Lobo, de Ronaldo Vicente do Nascimento e do ora paciente com possível tráfico de drogas. Tal certeza, em princípio, poderia apontar para a desnecessidade da escuta telefônica para a apuração da infração penal. Vale notar, contudo, que a investigação policial queria avançar sobre tópicos ainda não esclarecidos, àquela altura. Tanto isso é verdadeiro, como é certo que a autoridade policial representante referiu-se, nas razões apresentadas para postular a interceptação telefônica, à existência de “outros traficantes ainda não identificados” (fls. 28). Essa pretensão de identificar outros envolvidos na alegada cadeia de tráfico ilícito de entorpecentes acabou trazendo, como resultado prático, o indiciamento de Luciano Pedro da Silva, vulgo “Cocar”, que acabou denunciado junto com os demais (fls. 21). O nome de Luciano chegou mesmo a aparecer em posterior pedido de prorrogação apresentado à autoridade judiciária processante (fls. 114/117). 6 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 Ora, se havia a necessidade de elucidar o nome de outros possíveis participantes do alegado esquema, e se tal necessidade veio exposta no pedido de interceptação telefônica, então é porque a autoridade policial desincumbiu-se a contento da tarefa, que lhe competia, de demonstrar que a realização da escuta era necessária à apuração da infração penal. Com isso, resta satisfeita, por igual, a exigência constante do art. 4º da lei de regência. III A exigência constante do art. 5º, da Lei nº 9.296/96, é de que a decisão, que autorize a realização das escutas telefônicas, esteja fundamentada. A ausência de fundamentação, e ainda segundo o dispositivo legal ora referido — que se afina com a exigência constitucional (art. 93, inciso IX) —, é causa de nulidade do ato judicial. Destaca-se, do ato que deferiu as interceptações, o seguinte trecho, litteris: “(...) Salienta, ainda, que não foram realizadas atividades normais de investigação, como vigilância e acompanhamento, ante o elevado grau de sensibilidade dos envolvidos quanto à repressão policial. Ouvido, o Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao pedido. Decido. A sociedade não pode ficar à mercê de traficantes que procuram, de todas as formas, dificultar o trabalho de investigação policial. O telefone fixo ou celular é um dos meios utilizados para dificultar essas investigações. Assim, dadas as dificuldades que esse tipo de investigação apresenta, tenho como presentes os pressupostos legais para autorizar as interceptações telefônicas. Defiro a interceptação das conversações realizadas nas linhas telefônicas (...)” (fls. 31/32). O que é que a autoridade policial terá querido dizer quando se referiu ao “elevado grau de sensibilidade dos envolvidos quanto à repressão policial”? Por certo não terá tentado dizer, a autoridade representante, que eram 7 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 pessoas sensíveis, emotivas, delicadas, que se comovem facilmente. Registre-se que todas essas palavras são dadas como sinônimas de “sensível” pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1ª edição, 2001, pág. 2.547). Ao contrário, é preferível apostar em que a autoridade representante tenha preferido dizer que os então indiciados, dado o seu elevado grau de sensibilidade, percebiam com grande facilidade a movimentação policial em seu redor, o que, claro, atrapalhava a elucidação dos fatos investigados. Essa possibilidade de utilização da palavra “sensibilidade” também é anotada pelo saudoso filólogo Houaiss, que a define como “faculdade de receber informações sobre as mudanças no meio (externo ou interno) e de a elas reagir através de sensações” (op cit, pág. 2.546). Ressalte-se que a respeitável decisão que deferiu a escuta telefônica considerou que “a sociedade não pode ficar à mercê de traficantes que procuram, de todas as formas, dificultar o trabalho de investigação policial”, ressaltando, ademais, “as dificuldades que esse tipo de investigação apresenta”. Ou seja, levou em consideração a argumentação expendida pela autoridade policial representante e, com base no argumento exposto, deferiu a interceptação das comunicações telefônicas. Há de se admitir que a digna Juíza prolatora da decisão ora em análise terá sido talvez bastante econômica em sua fundamentação. Mas não se pode dizer que a decisão judicial peque pelo vício da ausência de fundamentação. Fundamentação há, como se viu, em quantidade (e qualidade) suficientes, daí porque não se pode ter por desfundamentada a douta decisão em exame. Fundamentada a decisão, inviável proclamar a sua nulidade. A conclusão, quanto a esse ponto, é no sentido de ter restado preenchida a exigência do art. 5º da lei de regência. IV O último ponto que falta analisar é o referente ao prazo da escuta telefônica. A lei fixa, no art. 5º, que a interceptação poderá ser feita por quinze dias, cabendo renovação por igual prazo. Para a renovação, a lei exige, ainda, a demonstração de que é indispensável esse meio de prova. 8 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 Os autos revelam que a autoridade policial formulou representação pela interceptação telefônica (fls. 28/30) — o que foi deferido, por quinze dias — e que, depois disso, foram feitos mais dois pedidos de renovação (fls. 41/48 e 50/52) — que também restaram deferidos, com o prazo de quinze dias para cada um dos pedidos. Anote-se que a escuta telefônica foi deferida em 09/05/06 e que os pedidos de prorrogação foram deferidos, respectivamente, nos dias 04/06/06 e 29/06/06. À primeira análise, poder-se-ia concluir pela irregularidade desses deferimentos. E o argumento, para tanto, seria o de que o prazo máximo seria de trinta dias e não de quarenta e cinco dias, como acabou ocorrendo no presente caso. O colendo Supremo Tribunal Federal apreciou essa matéria recentemente, no julgamento do Habeas Corpus nº 84.388-SP (STF, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, publ. DJ de 19/05/06, pág. 42). Pela pertinência das razões expostas no douto voto do eminente Relator, que lastreou a votação pela unânime, nessa parte, pede-se venia para reproduzi-las na íntegra, litteris: “O impetrante alega, inicialmente, a nulidade das escutas telefônicas em virtude do excesso de prazo, sob o argumento de que o art. 5º da Lei 9.296/1996 estabelece o limite de duração em 15 dias, prorrogável uma única vez por igual período. A redação do referido dispositivo legal é a seguinte: ‘Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução de diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual período de tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.’ Entendo, no entanto, que essa aparente limitação do prazo para realização das interceptações telefônicas não constitui óbice à renovação do pedido de interceptação telefônica por mais de uma vez. Isso porque, se persistirem os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica e forem as prorrogações devidamente fundamentadas 9 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 pelo magistrado, não há obstáculos para a renovação, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Há forte posicionamento da doutrina nesse sentido. Luiz Flávio Gomes, por exemplo, assim se manifesta sobre o tema: ‘A interceptação telefônica é medida excepcional e tem por fundamento a sua necessidade para a obtenção de uma prova. O fundamental, assim, não é tanto a duração da medida, senão a demonstração inequívoca da sua indispensabilidade. Enquanto indispensável, enquanto necessária, pode ser autorizada. A lei não limitou o número de vezes, apenas exige a evidenciação da indispensabilidade. É o prudente arbítrio do Juiz que está em jogo. Mais tecnicamente falando: é a proporcionalidade. No instante em que se perceber que a interceptação já não tem sentido, desaparece a proporcionalidade. Logo, já não pode ser renovada. E se for, é nula.’ (GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Interceptação telefônica. RT, p. 219). Vicente Greco Filho, por seu turno, afirma o seguinte: ‘[...] a lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo.’ (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 31) Cito, ainda, Luiz Francisco Torquato Avolio: ‘É criticável a limitação, pois desde que permaneçam os pressupostos para a concessão inicial da medida, esta poderia ser renovada perante o juiz, em períodos iguais e sucessivos, indeterminadamente, como previu o Projeto Miro Teixeira. Não é o prazo que importa, mas a correta limitação da finalidade da interceptação. Imagine-se um crime de lavagem de dinheiro, com remessa ilegal de capitais para o exterior, que pode ser praticado ao longo de meses, ou o próprio tráfico de drogas, que envolve operações sucessivas, até ‘fechar’ o cartel. 10 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 Daí que, como também entendem Luiz Flávio Gomes e Antonio Scarance Fernandes, poderá o juiz, com base no princípio da proporcionalidade, renovar a duração da interceptação tantas vezes quantas se fizerem necessárias.’ (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas ambientais e gravações clandestinas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 189) A questão há de ser examinada pelo ângulo da razoabilidade. Uma autorização judicial com o restrito prazo de 30 dias (na hipótese de se admitir uma única renovação) não teria efetividade alguma em nosso país. Em primeiro lugar, porque existe todo um trâmite a ser superado a fim de que a decisão jurisdicional seja cumprida a contento. Além disso, há de se considerar que as interceptações telefônicas foram autorizadas para investigação de organização criminosa extremamente complexa, que envolve, entre outros, magistrados e policiais federais. A investigação, denominada ‘Operação Anaconda’, apurou o cometimento de diversos ilícitos penais, alguns deles de extrema complexidade. Não seria razoável, portanto, a limitação das escutas telefônicas a apenas 30 dias, pois, pelo que consta dos autos, todas as prorrogações foram devidamente fundamentadas e feitas dentro do prazo, presentes, à época, todos os requisitos que as autorizavam. Entendimento contrário levaria à total ineficácia da medida, que, atualmente, se apresenta como importante instrumento de investigação e apuração de ilícitos. Aliás, por ocasião do julgamento do HC 83.515, de relatoria do eminente presidente desta Corte, ministro Nelson Jobim, o Pleno abraçou a tese da viabilidade de múltiplas renovações das autorizações de interceptação pelo prazo de 15 dias”. Ao contrário do que parece, pois, não há óbice a que sejam renovadas as autorizações para a escuta telefônica por prazos que excedam a trinta dias. Assim, nenhum vício inquina de nulidade as prorrogações posteriores, daí 11 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 porque, à luz da interpretação da Suprema Corte, não se verifica qualquer mácula à exigência constante do art. 5º, da Lei nº 9.296/96. É bem certo que a impetração questionava a higidez da prisão em flagrante. Isso, de fato, foi reconhecido pelo ilustrado juízo processante, que, como se vê às fls. 166/167, proclamou que “o flagrante restou contaminado, porque não obedecidas as formalidades legais, eis que os policiais adentraram às residências dos acusados GABRIEL, RONALDO e LUCIANO, sem arrolarem testemunhas do povo, sem portarem Mandados de Busca e Apreensão e, acima de tudo, em horário incompatível com o permissivo legal, vez que tarde da noite, tanto no que se refere a RONALDO quanto a LUCIANO, numa verdadeira afronta à lei”. O culto Juiz entendeu, além disso, que “nenhum dos acusados foi apanhado em verdadeira situação flagrancial, consoante a regra do artigo 302, do Código de Processo Penal”, por isso que relaxou a prisão dos acusados Ronaldo Vicente do Nascimento, Luciano Pedro da Silva e do ora paciente. Note-se, todavia, que o relaxamento da prisão se deu por defeitos insanáveis do auto de prisão em flagrante. Em nenhum momento se pode atribuir o relaxamento da prisão a possíveis defeitos decorrentes das escutas telefônicas. Os vícios acaso existentes na prisão em flagrante não contaminam a produção da prova autorizada pelo juízo. Além disso, a circunstância de a denúncia ter imputado fatos aos réus com apoio nas escutas telefônicas nem de longe arranha a validade formal do ato de acusação. É que, como se disse no início deste voto, uma vez realizada a degravação das escutas telefônicas e entregue o resultado da interceptação ao juiz, este determinará que os autos da interceptação sejam apensados aos autos principais, dando ciência ao Ministério Público (art. 6º, da Lei nº 9.296/96). A apensação do relatório com a transcrição das conversas obtidas a partir da interceptação telefônica, na dicção do art. 8º, do multicitado diploma legal, “somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial, ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal”. 12 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 Assim é que, finda a instrução, o juiz deverá ordenar providências tendentes a escoimar o processo de eventuais nulidades, permitindo às partes, pois, no caso concreto, que se manifestem sobre o conteúdo das degravações. Tudo, claro, com observância do rigor necessário à preservação do sigilo constitucional, nos termos do Capítulo II, da Lei nº 9.034/95, como quer o art. 34, inciso IV, da Lei nº 10.409/02. Ora, se, nos termos da lei, o conteúdo das conversas gravadas pode ser apensado aos autos até o momento que antecede a prolação da sentença, então não tem sentido proclamar a inépcia da denúncia ou a nulidade do ato judicial que a recebeu — nem de todo o processo, daí para a frente —, pelo fato de não constar dos autos o laudo pericial da degravação das interceptações telefônicas. Rememore-se, por derradeiro e a propósito, que o processo está suspenso, em relação ao paciente, por deliberação deste egrégio Colegiado, até que sejam enviados ao Juízo o laudo de exame toxicológico e o laudo das transcrições das conversas captadas pelas interceptações telefônicas. Isso, como se disse, foi o resultado do julgamento do HBC nº 2006.00.2.010615-3, julgado por esta colenda 2ª Turma Criminal. No âmbito do presente habeas corpus, entretanto, não se vislumbra qualquer constrangimento, muito menos ilegal, que mereça ser afastado pela via heróica. Esse, aliás, foi o posicionamento da douta Procuradoria de Justiça. Em sendo assim, rogando a mais respeitosa venia e renovando homenagens ao digno advogado impetrante, que, com sua altiva atuação profissional, abrilhantou, da tribuna, o julgamento que ora ocorre, denego a presente ordem de habeas corpus. É como voto. O Senhor Desembargador VAZ DE MELLO – Presidente e Vogal Tive a oportunidade de ouvir atentamente a exposição de motivos de S. Ex.a, o eminente Advogado, como, também, do eminente Desembargador Relator. Ambas as falas me sensibilizaram, mas o relato feito por S. 13 HBC-2006.00.2.010479-4 265775 Ex.a, o eminente julgador, não me trouxe outra alternativa senão acompanhar aquilo que profundamente demonstrou. Acompanho o eminente Relator. O Senhor Desembargador GETULIO PINHEIRO – Vogal Senhor Presidente, também recebi dois memoriais dos defensores do ora paciente, em que sustentam, em síntese, a ocorrência da conhecida “teoria dos frutos da árvore envenenada”. Ilegal ou ilícita a escuta telefônica, contaminadas estariam todas as provas dela derivadas. Ocorre que o eminente relator, no início de seu voto, referiu-se à existência de indícios antes de determinada ou autorizada a escuta telefônica que permitiriam, em tese, o oferecimento de denúncia. A escuta telefônica seria apenas mais um reforço. Conforme bem salientou o eminente relator, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.o 84.388, bem explicitou a possibilidade de se prorrogar diligência dessa natureza, verberada pelo impetrante na petição inicial desse habeas corpus. Ouvi a leitura da decisão proferida pela autoridade coatora, em que estão expostos todos os fundamentos necessários ao deferimento daquela medida, à luz do que dispõe o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Desse modo, pelo menos neste instante, não vejo como conceder a ordem para trancar a ação penal. Primeiro porque, conforme disse, há outras provas nos autos que permitiriam o oferecimento de denúncia; porque o juiz, no momento oportuno, irá avaliar essa prova para proferir sua decisão. Se porventura desfavorável ao réu, caberá ainda a este tribunal decidir a respeito da procedência ou não da imputação feita aopaciente. Acompanho o eminente relator. DECISÃO Denegou-se a Ordem. Unânime. 14 265775 HBC-2006.00.2.010479-4 15