® BuscaLegis.ccj.ufsc.br O nepotismo e a Súmula Vinculante nº 13 João Celso Neto* 1.A adoção, pelo Supremo Tribunal Federal, da Súmula Vinculante nº. 13 já deu muito o que falar, e vai continuar dando panos pra manga. Diferentemente das leis (e da própria Constituição), as Súmulas não prevêem uma regulamentação, algum texto adicional que "explique" ou "traduza" o espírito do decisum (não se deve deixar de considerar tratar-se de uma decisão judicial, a enriquecer a jurisprudência daquela Corte). Parte-se do pressuposto de que a matéria nela versada é auto-suficiente, autoexplicativa, auto-aplicável. Bastante em si própria ou por si só. 2.Por outro lado, sabe-se que o Judiciário só age quando provocado. No caso que deu origem à SV 13, em 20/08/2008 (DJE de 29/08/2008), julgou-se um Recurso Extraordinário relativo a duas situações em um Município do Rio Grande do Norte, Água Nova, RE nº. 579.951/RN, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandoswski, tendo por recorrente o MPE-RN, sobre cujo tema a Corte, em 19 de abril passado, reconhecera haver "repercussão geral da questão constitucional suscitada". Aquele RE, como dito, tratava de duas situações: seria legal ou haveria alguma inconstitucionalidade na nomeação de parentes de um Vereador e do Vice-Prefeito para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista (este, mediante contrato; aquele, por nomeação)? O Tribunal deu parcial provimento ao Recurso Extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que reputara constitucional e legal uma e outra das situações. Lê-se no Informativo nº. 516 do STF, a respeito desse julgamento, que o Pleno discutiu vários aspectos, como a inexistência de lei expressa impedindo tais nomeações e contratações, no que, aparentemente, se louvara o TJRN para decidir: Ressaltou-se que o fato de haver diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo não significaria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coibir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais, que não configuram meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial. Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa conduta. Aduziu-se que art. 37, caput, da CF/88 estabelece que a Administração Pública é regida por princípios destinados a resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade, sendo que, dentre eles, o da moralidade e o da impessoalidade exigem que o agente público paute sua conduta por padrões éticos que têm por fim último alcançar a consecução do bem comum, independentemente da esfera de poder ou do nível político-administrativo da Federação em que atue. Acrescentou-se que o legislador constituinte originário, e o derivado, especialmente a partir do advento da EC 1/98, fixou balizas de natureza cogente para coibir quaisquer práticas, por parte dos administradores públicos, que, de alguma forma, buscassem finalidade diversa do interesse público, como a nomeação de parentes para cargos em comissão ou de confiança, segundo uma interpretação equivocada dos incisos II e V do art. 37 da CF. Considerou-se que a referida nomeação de parentes ofende, além dos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, o princípio da eficiência, haja vista a inapetência daqueles para o trabalho e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem. Frisou-se, portanto, que as restrições impostas à atuação do administrador público pelo princípio da moralidade e demais postulados do art. 37 da CF são auto-aplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em conseqüência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que transgridam os valores fundantes do texto constitucional. Com base nessas razões, e fazendo distinção entre cargo estritamente administrativo e cargo político, declarou-se nulo o ato de nomeação do motorista, considerando hígida, entretanto, a nomeação do Secretário Municipal de Saúde 3.Em seguida, naquela mesma Sessão, foi aprovada a Súmula Vinculante nº. 13. Eis seu inteiro teor: A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. 4.Como se sabe, a confusão estava apenas tendo início, e estamos ainda testemunhando os desdobramentos e as denúncias sobre os casos de nepotismo perpetrados e que estariam a esbarrar na dita "legislação positiva" que o STF teria (ou não) praticado. Os fóruns de debates e artigos doutrinários têm apontados casos e mais casos, questionando se o texto foi escorreito, se diz exata e precisamente o que deveria dizer, se dá margem a interpretações equivocadas, se houve excesso ou precipitação, ou mesmo se cabia uma súmula vinculante com base em tão pouca jurisprudência – além do RE que acabava de ser julgado (decisão unânime, ausentes os Ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa), foram considerados os seguintes precedentes: ADI 1521/RS (DJU de 17.3.2000); ADC 12 MC/DF (DJU de 1º.9.2006) e MS 23780/MA (DJU de 3.3.2006). 5.Uma das muitas questões refere-se ao alcance ou à legalidade de estender o parentesco colateral por afinidade ao terceiro grau. A pergunta concreta foi: Se o Código Civil estabelece que as relações de parentesco por afinidade serão limitadas até o 2º grau, o STF pode passar por cima da Lei que rege todas as relações de parentesco no ordenamento jurídico brasileiro? Bom, da forma que a súmula determina que sejam exonerados parentes por afinidade em 3º grau, os ministros do STF não estariam criando uma nova forma de parentesco que não está estabelecida no Código Civil? Na minha modesta opinião (eu que não sou dono da verdade nem doutrinador de referência), entendo que, em se tratando de parentesco por afinidade colateral, cessa o parentesco a partir do quarto grau. Dessa forma, parece legítima a proibição do STF/ SV 13. Essa minha opinião mereceu réplica, argumentando que o artigo 1.595 e seu parágrafo primeiro do CCB, de 2003, dispõem que "O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro", ou seja, o Código Civil limitaria o parentesco por afinidade até os irmãos do cônjuge ou companheiro. Isto é, o parentesco, segundo o Código Civil, só iria até o segundo grau, quando se fala em parentesco advindo da afinidade. É uma questão de interpretação. No art. 1.595 do NCCB, fala-se em ascendentes e descendentes. Deve-se ter em conta, ainda, o art. 1.594, que ensina como contar os graus de parentesco. Entendo que aquele disposto no final do par. 1º do art. 1.595 é um adendo, pois pareceria que o cunhado (correspondente a um irmão) não estava na regra geral. Com o parágrafo, ele ficou incluído, e seus descendentes também são parentes por afinidade (casamento ou união estável); e colateral "até o 4º grau" (art. 1.592). O sogro (equivalente ao pai) é parente de 1º grau; o cunhado, de 2º grau; o sobrinhoafim, de 3º grau e um sobrinho-neto afim, de 4º. grau. Para fazer aquela afirmativa, socorrera-me de Caio Mario da Silva Pereira, um dos meus gurus. Se eu estou errado, data venia, ele também deve estar. Ou eu o interpretei errado. O CCB de 2003 nasceu com as luzes daquele Mestre do Direito Civil. Além de Caio Mário, também há quem pense igual no STJ. Pesquisando no site do STJ, encontrei esse julgado já na vigência do NCCB: Recurso Especial nº 591.582 / SP Relator: Ministro Luiz Fux Órgão Julgador: Primeira Turma Data do Julgamento: 05/08/2004 Data da Publicação / Fonte: DJ de 30/08/2004 (Excertos do Voto): "a excepta é parente em linha colateral (sobrinha)". "a excepta defendeu-se, alegando que é parente do mencionado advogado, por afinidade, na linha colateral, mas de terceiro grau." – destaquei. Detalhe: a "excepta" é uma juíza de Direito, cuja suspeição fora argüida por ser parente do advogado de uma das partes. Ademais, custa-me admitir, por inadmissível ou inimaginável, que Ministros do STJ e do STF cometam erro tão bisonho e gritante de aludir a um parentesco (terceiro grau), se ele não existisse. Há, no CPC, referência explícita e textual a parentesco por afinidade colateral de terceiro grau. De acordo com esse meu entendimento defendido, contra o qual há inúmeras opiniões, na interpretação mais literal do que diz o CCB, quem não pode ser nomeado? Parentes naturais, consangüíneos: a)Linha Reta: 1º grau: filho(a) / pai (mãe) 2º grau: neto(a) / avô(ó) 3º grau: bisneto(a) / bisavô(ó) b) Linha Colateral: 2º grau: irmãos(ãs) 3º grau: tio(a) / sobrinho(a) Parentes por afinidade: c)Linha Reta: 1º grau: genro / sogro (sogra) e nora / sogro (sogra) 2º grau: genros / noras com genros / noras de um mesmo sogro / sogra 3º grau: cônjuges com os avós de seus cônjuges (adquire-se o mesmo grau de parentesco em linha reta do cônjuge consangüíneo considerado). d)Linha Colateral: cunhadio, somente (2º. grau). Como marido e mulher não têm parentesco entre si, não existe parentesco afim colateral em 1º. grau. Em 3º grau, é algo bem difícil de exemplificar, mas dá para imaginar. Com isso, quem pode ser nomeado (por não ser "até 3º grau")? Exemplos: primos(as); sobrinho(a)-neto(a) / tio(a)-avô(ó); e cuncunhados. Recuso-me a acreditar que os doutos Ministros do STF não conheçam as regras de parentesco do Código Civil brasileiro. Por isso, digo que foi consciente permitir que se nomeie um primo, tudo ao amparo da SV nº. 13 do STF aprovada em 20 de agosto de 2008. Comentário similar eu fizera há mais tempo, quando o Congresso discutiu (creio que na Legislatura anterior) um PL que, ao que me consta, é um dos muitos que ainda tramitam. 6.Embora, no enunciado da SV 13, não haja vedações expressas, começaram as notícias sobre os Ministérios Públicos estarem compelindo, por exemplo, Prefeitos a exonerarem parentes ocupantes de cargos – ainda que agentes políticos (Secretários Municipais) –, sob a alegação de caracterizar ato de improbidade administrativa, por nepotismo. Sobre os agentes políticos, não se poderia ter qualquer dúvida. Na própria Sessão de 20/08/2008, ressalvou-se a legalidade dessas nomeações. Um caso sempre lembrado é o de Robert Kennedy, irmão e Secretário (cargo equivalente a Ministro nos Estados Unidos) do Presidente John Kennedy. Não deve fazer mais de 10 dias que o STF julgou questão semelhante sobre um irmão de um Governador. E também foi reconhecido, por maioria, não haver qualquer inconstitucionalidade ou desobediência à SV 13. Naquele caso do RN, o Secretário Municipal é irmão de um Vereador. Ora, se o Vereador poderia ser Secretário, por que seu irmão não poderia? Porém a maior quantidade de dúvidas ou inconformismos é quanto a parentes que exercem cargos em comissão no mesmo ente público ou em entes públicos da mesma cidade. Pai e filho, irmão, marido e mulher, cunhados, tios e sobrinhos,. .., afinal, podem ou não exercerem cargos em comissão simultaneamente? Sustento que cada caso deva ser analisado separadamente. Se o pai estava no cargo e interferiu para que sua filha fosse nomeada, me parece evidente o nepotismo condenado e vedado. Veja também que o pai (ou a filha) pode ter um cargo em comissão mais elevado e nomear ou outro para um DAS mais baixo na mesma linha hierárquica, o que também configura o nepotismo. No caso, se quem nomeou pai e filha tem relação de parentesco até 3º grau com os dois nomeados, o nomeante cometeu nepotismo, e pode ser instado a exonerá-los (os dois). Fernando Henrique Cardoso tinha uma filha como assessora, embora houvesse um nível hierárquico entre pai e filha e chegou a nomear um ex-genro (talvez ainda genro) para dirigir uma Agência Reguladora. Itamar Franco tinha um sobrinho em seu staff (que morreu durante uma viagem oficial). Fernando Collor pôs um cunhado na Secretaria-Geral da Presidência. E Tancredo Augusto (filho) e Aécio (neto) iam ser nomeados para chefe de gabinete e assessor (o primeiro chegou a ficar algum tempo com Sarney; o segundo só saiu quando se candidatou a Deputado Constituinte, em 1986) para trabalharem com Tancredo Neves no Planalto. Talvez não tivesse causado maior furor e críticas a nomeação do filho e do neto de Tancredo pelo pai e avô (Aécio não é filho de Tancredo Augusto), se fosse um caso isolado (cargo de confiança deveria ser mesmo para pessoas de estrita confiança). 7.Situação um tanto diferente é a de um homem convidado para assumir um DAS num Ministério onde sua mulher (servidora do quadro efetivo e concursada) já ocupava um DAS. Um não vai ser subordinado ao outro, o único vínculo comum sendo o Ministro, chefe de todos, em linhas distintas. Não foi ela quem o indicou; muito menos quem o nomeou (não detinha poder para tanto, sendo, por exemplo, o DAS do marido mais alto que o dela). Uma debatedora, do Paraná, escreveu com extremo cabimento: Acho que primeiro é preciso definir objetivamente o que seja nepotismo, para, então, consolidar o entendimento pela sua absoluta vedação. Ou seja, a Súmula passa longe da tão almejada Segurança Jurídica, que aliás, é salutar para o desenvolvimento do País. Acho que a Academia Jurídica deve oferecer uma resposta à interpretação da Súmula 13, vez que se levantam dúvidas quando se pretende aplicá-la na prática. Isso porque, a interpretação para aplicação da Súmula, não raro, chega a caracterizar inúmeras injustiças É realmente nepotismo o pai e filho que trabalham num mesmo órgão público em CG mesmo quando um não tenha sido o nomeante? É preciso analisar cada caso? Quais seriam os critérios que devem ser observados nesta análise? Eu não digo que pai e filho não possam ocupar cargos em comissão simultaneamente no mesmo órgão. Se ambos são servidores públicos efetivos, concursados, nada impede que sejam designados para exercerem cargos em comissão, funções gratificadas e coisa do gênero. O que, a meu ver, configura o nepotismo, como sabido e exaustivamente discutido, é a nomeação de pessoas sem vínculo algum com o serviço público, mas cuja principal ou única "qualificação" seja o parentesco com quem o nomeou. Isto é: somente foi nomeado (ainda que extremamente competente) por conta do parentesco, caracterizando um protecionismo um privilégio odiento e condenável. Imoral. 8. Vejamos alguns exemplos reais, mais ou menos recentes: - um Deputado ou Senador nomeia para seu gabinete em Brasília, para exercer cargo em comissão, um irmão, a mulher ou um filho que muita vez sequer vem trabalhar, permanecendo em sua cidade do estado que o parlamentar representa; - um ocupante de alto cargo (Ministro, Secretário, Diretor de Departamento,. ..) nomeia a mulher, um tio, um sobrinho, um cunhado, sem vínculo com a repartição ou o serviço público, para ser seu chefe de gabinete (mesmo que venha trabalhar); - o presidente de autarquia acerta com o de outra autarquia a nomeação da mulher (um filho, um sobrinho, um tio, um cunhado, o pai,. ..) nesse outro órgão, e, em troca, nomeia para o que preside parente daquele que nomeou o seu – nepotismo cruzado). Todos esses exemplos mostram que o nomeado jamais o seria se não fosse o fato de o nomeante (ou indicante) estar exercendo um cargo público. Não faltam críticas à circunstância de a SV 13 ter excluído da vedação a nomeação para cargos públicos os ditos "agentes políticos". Com essa brecha, o governador do Paraná e o Prefeito do Rio de Janeiro, rapidamente, criaram cargos de secretária, ditos de natureza política, para nomear a esposa de um e a irmã do outro, que seriam exoneradas pela regra da SV 13 (cargos em comissão). O que consterna e desmoraliza, a meu ver, é o abuso. Se um governador tem um irmão excelente médico, poderia nomeá-lo para ser seu Secretário de Saúde. 9. Em suma, o que merece a abominação e o repúdio é o favorecimento descabido, a nomeação somente para engordar a receita familiar. Pressupõe-se que o nomeado não trabalha, apenas recebe (ou nem isso, pois, quantas vezes, é o nomeante que fica com o dinheiro da gratificação). Houve um presidente da Câmara dos Deputados que, dizem, nomeou até um neto de 10 anos para ser seu assessor. Isso é demais, vergonhoso. Não se pode deixar de imaginar que alguns casos serão curiosos. Digamos que o Min. Marco Aurélio seja Presidente da República e surja uma vaga em Tribunal Superior a que concorra sua esposa (que é Desembargadora no TJDFT). Ele estaria impedido de nomeá-la? Ou que a esposa (ou o marido) de um(a) servidor(a) que exerce cargo em comissão seja nomeada(o) Ministra(o) ou dirigente da entidade a cujo quadro pertence seu (sua) cônjuge. Terá que exonerá-lo(a)? Por que? que culpa tem esse cônjuge ou que pecado cometeu? vai ficar afastado do serviço público somente porque deu o "azar" de ter o outro cônjuge nomeado? Isso se estende a filhos, irmãos, tios, sobrinhos, pais, mães, etc. E se for eleito(a) Prefeito ou Governador? Minha esposa é servidora pública concursada do quadro efetivo de um Ministério. Se uma filha nossa fizer concurso público e for empossada nesse Ministério, estaria ela impedida ou proibida de algum dia ocupar cargo em comissão, por méritos próprios? Um outro debatedor perguntou: Sou funcionário efetivo do Poder Legislativo, ocupo há mais de 20 anos cargo em comissão, e hoje tenho uma cunhada Deputada Estadual, empossada posteriormente à minha nomeação ao CC. Há nepotismo? Devo ser exonerado? 10. Outra questão diz respeito a quem nomeia, isto é, quem assim ao ato. Nem sempre é o parente, que configuraria o nepotismo, quem assina. Creio que há um mal-entendido sobre quem é o nomeante. Os casos mais comuns, criticados e objeto de comentários estão no Legislativo. Ora, não é o Deputado nem o Senador quem nomeia um sobrinho, um filho, a mulher ou um irmão. Isto é, não é ele quem assina o ato. Há de haver um Diretor-Geral da Casa ou um Chefe de Departamento de RH que se encarrega desse procedimento. Mas o nomeado vai trabalhar no gabinete de seu parente ou do de outro parlamentar (no nepotismo cruzado) e essa circunstância não afasta a prática nefanda e condenável (agora, vedada pela SV 13). Ou seja, não é o parente do nomeador físico (quem assina o ato) que não pode ser nomeado, mas o parente de quem tenha influência para indicar ou vai se beneficiar com a nomeação (como já dito, quantas vezes, o nomeado nem aparece lá no serviço). Citei o caso do irmão do Vice-Prefeito que foi contratado como motorista (contrato temporário), e o STF mandou descontratar. Ele sequer precisava ser motorista do irmão, mas o nepotismo foi considerado evidente (veja-se que nem era um cargo em comissão). Na Sessão Plenária do STF e em recente artigo lido em jornal, foi evocada uma famosíssima carta, a de Pero Vaz de Caminha, ao Rei D. Manuel, pedindo que nomeasse um sobrinho seu.... foi tido como o nascedouro, em Portugal, do nepotismo. 11. Claro que alguém, por méritos próprios, pode e deve ser o que bem entender e puder, ocupar cargos, se estiver à altura de sua competência. Não se critica isso. O que se condena é a nomeação "somente por ser parente" (protegido, nepote...), quase sempre sem méritos, exceto o grau de parentesco. Algo completamente diferente é a esposa de alguém sair do recinto do lar onde sempre esteve para chefiar o gabinete ou ser assessora de seu marido somente porque ou enquanto ele é Deputado, Senador, Ministro, Secretário,... sabendo-se que, ao findar seu mandato ou exercício, ela voltará para casa, de onde não deveria ter saído para ocupar cargo em comissão, se é que chegou a sair... A ex-esposa do Deputado Ciro Gomes é Senadora pelo Ceará e foi candidata a Prefeito de Fortaleza. Suponho que ingressou na carreira política e foi eleita para o primeiro cargo público (talvez haja começado como Senadora) graças ao prestígio dele. Como seu irmão, que hoje é o governador do Estado e antes foi Deputado Estadual, se não me engano. Não seria isso uma forma não alcançada de nepotismo? E a ex-Governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus (Garotinho)? Por que ela pôde ser candidata, se a legislação a considerava inelegível? Tenho uma razão muito forte para jamais me candidatar a nada: já citei antes que minha esposa é servidora pública federal, concursada (aprovada em primeiro lugar). Se eu viesse a ocupar algum cargo de projeção, em primeiro lugar, não poderia contar com seus excelentes serviços a meu dispor (a L. 8.112 veda que eu seja seu chefe imediato). E vai ser extremamente desagradável saber que não usufruir dessa excelência, enquanto outro vai poder ou continuar usufruindo deles, porque todo mundo vai achar que ela só está no cargo porque é minha esposa. 12.Aqui em Brasília, enorme parcela da população é servidor público. Minha filha, também do serviço público, vai ter que ficar desempregada? Esposa e filhas parem de trabalhar no serviço público, pois seria nepotismo? Já disse que penso que parentes podem ser, ao mesmo tempo, ocupantes de cargos em comissão desde que a nomeação não o seja por motivos mesquinhos. O nepotismo proibido é (ou só é considerado nepotismo) alguém nomear ou ter influência para nomear parentes para cargos públicos aos quais não chegariam se não fosse o QI ("quem indicou"). O condenado e proibido é alguém nomear parente até 3º grau para cargo público somente por ser parente (sem méritos ou condições pessoais de exercê-los - às vezes, de fato nem os exerce, apenas recebe os vencimentos). Quantos irmão são servidores públicos, quantos marido e mulher se conheceram no serviço público, etc. 13.Outro ângulo debatido no STF dizia respeito a, nas cidades menores, todos poderem ter algum grau de parentesco. E não haver muitas opções, quando se quer formar uma equipe, inevitavelmente, tendo que nomear alguém consangüíneo ou afim. Eleitos o Prefeito, seu Vice e os Vereadores, inicia-se o provimento da máquina administrativa propriamente dito, ou seja, a escolha de nomes que irão compor aquela administração. Nessa arrumação de uma administração, esbarra-se, freqüentemente, na falta de pessoal técnico, superior e qualificação positiva. Os nomes selecionados podem surgir independentemente de parentescos. Mas, se a escolha recair em quem guarde algum parentesco, torna-se alvo de severas críticas. 14.Em resumo e para concluir, o nepotismo, uma praga antiga e conhecida, dispensa explicação. De minha parte, não acho que pai, filha, esposa, genro, tio trabalharem no mesmo órgão seja, apenas por isso, nepotismo. Coisa bem diferente (e isso seria nepotismo) é um prefeito nomear seu filho para ser seu chefe de gabinete, a esposa para ser secretária e a filha para ser assessora. Certamente, o seu substituto vai trocar todo mundo na hora em que assumir. Outras formas deploráveis, que não se enquadram em nepotismo, são igualmente condenáveis. Em 1992, fui requisitado de uma paraestatal da qual era empregado para exercer um DAS 1 em um Ministério. Mudou o Secretário (foi nomeado um exdeputado que não se reelegera) sob quem eu iria ficar, embora não diretamente, e ele pegou minha vaga e nomeou um cabo eleitoral dele, que jamais saiu de Santa Maria ou São Borja (não me lembro em que cidade gaúcha o ex-deputado tinha um curral eleitoral). O cargo era em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. Há centenas de cidades onde as pessoas competentes para exercer determinados cargos são em número reduzido. Se forem parentes entre si, o parentesco não deve ser impedimento. Contudo, e aí vem o porém, há muita gente de olho no cargo e capaz de insinuar protecionismo ou alegar que determinado cargo em comissão está sendo ocupado de forma a ferir a SV 13. Se quem nomeia entender assim, como os cargos são de livre nomeação e exoneração, pode meter a caneta e dispensar de uma penada um ou todos. E, repito, não vejo direito positivo que dê garantia de reverter a exoneração pela via judicial. Como também eu já escrevi, o que enoja é a nomeação somente para aumentar a receita familiar, e muitas vezes o nomeado nem trabalha. O Deputado ou o Senador nomeia um filho ou sobrinho que nem vem pra Brasília; ele fica com a gratificação a se somar a seu subsídios de parlamentar. Alguns Ministros ou Secretários também arranjam nomeações para esposas, filhos ou genros que sequer conhecem o Ministério ou a Secretaria, não têm a menor noção do cargo que ocupam, só sabem que dá uns bons 4 ou 6 mil reais por mês no bolso. Aliás, encontrei, em um fórum de debates sobre o tema, essa transcrição (cuja fidelidade não fui conferir) de discussão travada no julgamento da ADC n.º 12/DF, em que se pleiteava a declaração de constitucionalidade da Resolução n.º 7 do CNJ: O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE): Sustento, Ministro Cézar Peluso, que a questão do parentesco definida no Código Civil é para efeitos civis e, aqui, visa-se a vigência absoluta do princípio da impessoalidade. Não teremos a impessoalidade efetiva se deixarmos em aberto - como o Conselho fechou – a possibilidade da nomeação dos chamados parentescos por afinidade; porque a impessoalidade será rompida exatamente por esse caminho. O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO: Entra na mesma ratio juris, ou seja, o problema não é de definir quais são os parentes para efeitos civis, mas definir quais aquelas pessoas que, sob a classe de parentela, tendem a ser escolhidas, não por interesse público, mas por interesse de caráter pessoal Não faço nenhuma restrição, Senhor Presidente. O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR): Senhor Presidente, também é justo. Se Vossas Excelências entendem que a resolução nada mais fez do que transformar o terceiro grau de parentesco num simples critério de inibição, eu concordo. O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Há uma relação familiar, ainda que, para os efeitos do Código Civil, não seja chamada de parentesco. 15.O fato comum hoje é: se a autoridade tiver medo, e não quiser correr risco algum, vai exonerar todos, mesmo quando não fosse necessário, pois a SV 13 não seria aplicável. Com cargos de livre nomeação e exoneração ("ad nutum") é assim mesmo, não vejo o que fazer, exceto na esfera política. O Governo do Distrito Federal também está anunciando que vai fazer o mesmo, isto é, exonerar um dos parentes ou manter somente um com cargo em comissão. Em um Município paulista, foi baixada, não sei se depois da SV 13, a seguinte legislação: Os cargos em comissão e função de confiança na administração pública serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstas em lei. 1º - Ficam proibidas nomeações ou contratações e a manutenção de nomeações ou contratações para cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, da Administração Pública direta ou indireta deste Município, de cônjuge ou companheiro, de parentes naturais ou civis nas linhas reta e colateral, até o terceiro grau, do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal, dos Secretários Municipais, dos Vereadores, bem como dos Diretores, Gerentes ou ocupantes de cargos equivalentes na Administração Pública Municipal indireta. 2º - A proibição se estende, nas mesmas condições, a parentes de cônjuges ou companheiros, até o segundo grau dos agentes públicos mencionados no parágrafo. 3 º- Configurá ato de improbidade administrativa e, quando for o caso, constituirá infração político-administrativa, a inobservância a qualquer título, do disposto no § 1º, sujeito ao artigo 67, seus parágrafos e incisos. Posso estar completamente enganado, mas leis como essa parecem-me um açodamento, um querer adivinhar, agradar, enquadrar-se, a partir de uma interpretação potencialmente equivocada, porque tomada apressadamente. Como se diz no popular, "quem tem, tem medo", e muitos governantes estão com medo de serem denunciados como se acobertassem pretensos e alegados nepotismos, mesmo que não seja nepotismo. E optam pela exoneração de um deles ou de todos. Por serem cargos de livre nomeação e exoneração "ad nutum", afinal, nada pode ser feito, legalmente, para evitar essas exonerações. * advogado em Brasília (DF) Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11876> Acesso em: 28 out. 2008.