0 FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA CURSO DE BACHAREL EM PSICOLOGIA Janayna Bomfim da Silva Sabryna Darlyng Gomes de Paiva NO PALCO DA SAÚDE MENTAL EM CARUARU: Ambulatório e CAPS, lugar de passagem ou permanência? CARUARU 2012 1 Janayna Bomfim da Silva Sabryna Darlyng Gomes de Paiva NO PALCO DA SAÚDE MENTAL EM CARUARU: Ambulatório e CAPS, lugar de passagem ou permanência? Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP), como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Ma. Fabiana Josefa do Nascimento Sousa. CARUARU 2012 2 Catalogação na fonte Biblioteca da Faculdade do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE S586n Silva, Janayna Bomfim da. No palco da saúde mental: ambulatório e CAPS, lugar de passagem ou permanência? / Sabryna Darlyng Gomes de Paiva. – Caruaru: FAVIP, 2012. 87 f.:il Orientador(a) : Fabiana Josefa do Nascimento Sousa. Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do Vale do Ipojuca. 1. Saúde mental. 2. Reforma psiquiátrica. 3. Usuários. I. Paiva, Sabryna Darlyng Gomes de. II. Título CDU 159.9 [13.1] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 3 4 5 AGRADECIMENTOS Agradecemos a Deus por tudo que Ele nos permitiu nesta caminhada, pela força, pela fé e pela coragem. Aos nossos familiares pelo apoio, pela compressão das nossas ausências nos momentos em que precisamos nos debruçar sobre os estudos e por reconhecer nossa capacidade de realizar este trabalho. À nossa orientadora Prof.ª Ma. Fabiana Josefa do Nascimento Sousa, pelo incentivo, por compartilhar de seus conhecimentos conosco, por nos acolher nos momentos de angústias e por acreditar no nosso potencial. Especialmente à Prof.ª Ma. Maura Lima, pois o seu amor pela Luta Antimanicomial, nos despertou o desejo de também abraçarmos esta causa. À Prof.ª Ma. Geórgia Menezes pelo incentivo, pela credibilidade e pelas contribuições relevantes para este trabalho. À Prof.ª Ma.Aline Brandão de Siqueira pela disponibilidade de avaliar nosso trabalho e por nos acolher. A todos os professores da FAVIP que contribuíram de maneira singular para construção do nosso conhecimento ao longo do nosso caminho acadêmico. Aos nossos colegas de curso com quem convivemos e partilhamos momentos de discussões, construções e de aprendizado durante o processo de formação. Aos amigos que cativamos ao longo do curso, com quem dividimos momentos únicos de muitos risos e angústias, que fazem parte deste percurso. Desejamos cultivar essas amizades nessa nova fase que nos espera. Aos nossos amigos, por estarem sempre junto com paciência, cuidando, dando apoio e carinho e por reafirmarem, nos momentos de fraqueza, nosso potencial. Especialmente ao nosso amigo Luiz Alberto dos Santos, pela força, pela atenção, pelo carinho e consideração que nos foi dada. Ao grupo de estágio, por proporcionar momentos riquíssimos de trocas, risos, abraços, choro e até pequenos conflitos, que fazem parte do processo de amadurecimento. A toda equipe da Policlínica Batista, que sempre foi muito solícita conosco, nos acolhendo e nos recepcionando com muito amor. A toda equipe de profissionais do CAPS pela disponibilidade e grandes contribuições para a realização deste trabalho. 6 A toda equipe de profissionais do Ambulatório de Saúde Mental que nos receberam com imenso carinho, por se dispor em nos ajudar e pela imprescindível participação neste trabalho. Aos usuários, pois entendemos que vocês são a essência e o principal motivo da busca do conhecimento em saúde mental. Obrigada por partilhar conosco conteúdos tão sensíveis da vida de vocês. Aos familiares dos usuários, não só pela disponibilidade, mas também, pela confiança em nós depositada para falar sobre suas fragilidades e angústias advindas da convivência com o transtorno mental. À Janayna Bomfim da Silva (Duplinha), pelo convite, pela compreensão, pela amizade, por acreditar na minha capacidade de construir junto a você este trabalho. Pelo acolhimento, pelas suas palavras (intervenções) que foram tão grandiosas quanto esse trabalho. A você, meu muito obrigada! À Sabryna Darlyng Gomes de Paiva, pela amizade que foi sendo construída e fortalecida no decorrer dos anos, por ter aceitado o desafio da construção deste trabalho, pelos momentos de desespero, de alegrias e de muito aprendizado que partilhamos nesta trajetória. Obrigada Duplinha por fazer parte deste momento ímpar da minha vida. 7 "a psicanálise guarda uma íntima relação com a loucura. A função social, tanto de uma como de outra, é a ironia, dizia Lacan, pois ambas vão à raiz de toda relação social para anunciar e denunciar a verdade do desejo" (Luís Francisco Gonçalves de Andrade). "A loucura, porém, não está somente ligada às assombrações e aos mistérios do mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos, representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Aqui, portanto, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à verdade que ele distingue de si mesmo" (Michel Foucault). 8 RESUMO O presente trabalho surge a partir do desejo de refletir sobre as práticas de cuidado na área da saúde mental, compreendendo que não se trata apenas de uma substituição do modelo hospitalocêntrico pelo psicossocial, a mudança precisa ir além da estrutura física, pois, é necessário (re)inserir o(a) portador(a) de transtorno mental na família e na sociedade, resgatando a cidadania que lhe foi retirada. A Reforma Psiquiátrica no Brasil inspirada nos ideais de desinstitucionalização basaglianos é resultado de uma luta que envolve vários atores sociais. É a partir da consolidação da Lei 10.216/01 que é dado início a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos pelo modelo de Atenção Psicossocial. Neste trabalho inicialmente foi realizado um estudo bibliográfico com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre os entendimentos do fenômeno da Loucura e como os modelos de assistência à saúde mental foram se constituindo no decorrer da história. Posteriormente, foi realizada uma pesquisa de campo, de natureza qualitativa, tendo como objetivo identificar se os serviços de Saúde Mental oferecidos no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e no Ambulatório de Saúde Mental do município de Caruaru-PE são condizentes com a atual proposta da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Investigando como os usuários visualizam os cuidados recebidos nos serviços, identificando o lugar que a família tem ocupado no tratamento, bem como, verificando como se dá as relações de cuidado dos profissionais para com os usuários. Embora o resultado da pesquisa aponte iniciativas de melhorias, a análise revela o quanto os serviços na área da Saúde Mental do município necessitam avançar. Palavras-chave: Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, Usuários, Família, Profissionais, Cuidado. 9 ABSTRACT This study arouse from the desire to reflect about the practices in the area of mental health, including that not only a replacement for hospital model by the psychosocial model, the change must go beyond the physical structure, therefore it is necessary to (re ) enter carrier of mental disorder in the family and in society, rescuing him citizenship was withdrawn. The Psychiatric Reform in Brazil inspired by the ideals of deinstitutionalization basaglianos is the result of a fight involving many social actors. It is based on the consolidation of Law 10.216/01 that the started of the progressive replacement of psychiatric hospitals by the model Psychosocial Care. This work was initially conducted by the bibliographic study in order to deepen the knowledge about the understanding of the phenomenon of madness and how models of care mental health was constituting itself throughout history. Later we conducted a field research, qualitative in nature, aiming to identify whether the Mental Health services provided in CAPS (Center for Psychosocial Care) and the Mental Health Clinic at Caruaru-PE are consistent with the current proposal Brazilian Psychiatric Reform. Investigating how users see the care received in services, identifying the place that the families have been occupied in the treatment, as well as checking how is the relationship with care professionals for users. Although the search result point improvement initiatives, the analysis reveals how the services in the area of mental health of the municipality needs forward. Keywords: Mental Health, Reform Psychiatric, Users, Family, Professional, Care. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 2 METODOLOGIA ................................................................................................ 13 3 CAPÍTULO I ........................................................................................................ 16 1.1 As faces da Loucura ............................................................................................ 16 1.2 Ensaios sobre os modelos institucionais e suas transformações ao longo da história ....................................................................................................................... 19 1.3 O cenário da Reforma Psiquiátrica brasileira ...................................................... 26 4 CAPÍTULO II ...................................................................................................... 31 Usuários: protagonistas ou figurantes? ..................................................................... 31 5 CAPÍTULO III ..................................................................................................... 37 Família e a relação de cuidado, afinal, quando entrar em cena? ............................... 37 6 CAPÍTULO IV ..................................................................................................... 45 Criando e (re)inventando os papéis dos profissionais da Saúde Mental ..................... 45 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 57 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 60 APÊNDICES ........................................................................................................................ 65 ANEXOS .............................................................................................................................. 72 11 1 INTRODUÇÃO No decorrer da história, a Loucura transitou por diversos saberes, perpassando desde o discurso filosófico até o científico, onde neste último, ela passa a ocupar um lugar de doença. Entretanto é perceptível que o discurso da medicina mental está bastante enraizado no imaginário social, pois, o "louco" na atualidade, continua sendo enxergado pela maioria das pessoas através de uma ótica negativa, estigmatizada e segregadora (AMARANTE, 2007). No Brasil desde 1987, com o surgimento do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Santos - SP foi dado início ao processo de intervenção nos hospitais psiquiátricos. A Reforma Psiquiátrica no Brasil que inicialmente surgiu como “alternativa” para assistência em saúde mental, foi ganhando forças e espaços através de suas lutas. Dentre vários acontecimentos marcantes neste processo, é importante ressaltar a aprovação da Lei 10.216 e a convocação da III Conferência Nacional de Saúde Mental (III CNSM), ambos aconteceram no ano de 2001. É a partir desse momento que o CAPS passa a ser consolidado como modelo substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos no Brasil (BRASIL, 2005). A Reforma Psiquiátrica tem um grande desafio que exige imaginação, criatividade e reflexão crítica para lidar com a diversidade geográfica, política e social existente no Brasil. Franco Rotelli (apud AMARANTE, 2007) fala sobre a importância de pensar o campo da saúde mental não como um 'modelo fechado', mas, como um processo social complexo, que envolve vários atores sociais, que se movimenta e se transforma permanentemente. Uma reflexão sistematizada sobre este processo pode ser vista através das seguintes dimensões: Teórico-conceitual ou epistemológica - reflexão sobre o saber da psiquiatria sobre a loucura; Técnico-assistencial - criação de dispositivos assistenciais que cuida, acolhe e visa a autonomia do sujeito; Jurídico-político - rediscute e redefine os direitos humanos e sociais dos sujeitos em sofrimento mental; Sociocultural - ações estratégicas que envolvem a sociedade no intuito de desconstruir a concepção estigmatizada da loucura. Estas dimensões encontram-se entrelaçadas – formam um conjunto de transformações que contribuem para um novo olhar frente ao sujeito em sofrimento psíquico. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um dos serviços que foi criado com o objetivo de substituir progressivamente o modelo hospitalocêntrico e manicomial, numa perspectiva que vai além das práticas de saúde, busca desconstruir socialmente aquilo que se compreende da loucura como algo excludente, opressivo e reducionista. Os trabalhos desenvolvidos no CAPS estão centrados na promoção à saúde, na qualidade de vida e no resgate da cidadania do sujeito. Possuem equipe interdisciplinar em prol de estratégias de 12 cuidados - compreendendo que o saber não se limita apenas a uma categoria profissional, é um trabalho que está interligado com outras redes de serviços (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004a). O CAPS é em sua essência, um espaço onde o sujeito tem vez, a escuta é diferenciada, um lugar de sociabilidade e produção de subjetividades (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004a). Diferentemente do tratamento moral que consistia em transformar o louco em cidadão, em sujeito da razão e da vontade, inscrevendo-se nas regularidades exigidas pelo processo de trabalho e submetendo-se às regras coletivas instituídas no campo asilar (BIRMAN,1992). Compreende-se que a "loucura" não está para ser moldada aos padrões estabelecidos pela sociedade tal como foi nos séculos passados, é necessário respeitar os limites que cada ser humano possui, independente de classe social, religião, etnia, cultura ou estrutura psíquica. É preciso romper com os estereótipos imputados ao "louco", enxergá-lo enquanto sujeito de direito e difundir a ideia de resgate da cidadania preconizada pela Reforma Psiquiátrica (BEZERRA, 2007). Diante dos fatos apresentados, a pesquisa procurou responder ao seguinte questionamento: Será que os trabalhos desenvolvidos no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS e no Ambulatório de saúde mental na cidade de Caruaru estão caminhando de acordo com a atual proposta da Reforma Psiquiátrica no Brasil? A pesquisa teve como objetivos identificar se os serviços de saúde mental oferecidos no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e no ASM (Ambulatório de Saúde Mental) do município de Caruaru-PE condizem com a proposta da Reforma Psiquiátrica. Compreender bibliograficamente como se deu o percurso histórico da Saúde Mental. Investigar como os usuários visualizam os cuidados recebidos nos serviços de Saúde Mental do CAPS e do ASM. Identificar que lugar a família tem ocupado no tratamento do usuário, considerando que ela tem parte fundamental neste processo.Verificar como se dá as relações de cuidado dos profissionais para com os usuários do CAPS e do ASM. O lugar que a saúde mental ocupa hoje é sem dúvida um reflexo do percurso histórico da "loucura" ao longo dos anos. Atualmente, se vê um cenário totalmente diferente - se comparado ao surgimento da psiquiatria – no que diz respeito ao cuidado para com as pessoas em sofrimento psíquico. Apesar da substituição progressiva do modelo institucional hospitalocêntrico pelo psicossocial - na prática do cuidado, corre-se o risco de haver uma repetição do modelo clássico de psiquiatria, onde o tratamento estava centrado numa perspectiva de cura, na relação terapêutica baseada na tutela, na infantilização do sujeito, etc. É importante 13 identificar, de que maneira, os serviços oferecidos atualmente em saúde mental têm contribuído efetivamente para o tratamento do usuário. A realização desta pesquisa trouxe relevantes contribuições numa perspectiva social e acadêmica, pois através dela, foi possível dialogar sobre novas formas de pensar, de construir novos saberes e de provocar outras posturas dos profissionais e familiares diante dos modos de cuidados com os usuários. Bem como, corroborou com os bancos de dados da FAVIP como material de consulta e auxílio acadêmico. 2 METODOLOGIA Tendo em vista a relevância de aprofundar o conhecimento da realidade a ser pesquisada, foi feito um levantamento bibliográfico e um estudo de campo, visto que, a pesquisa bibliográfica é imprescindível para compreensão do percurso histórico, pelo "[...] fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente" (GIL, 1999, p.65). A experiência do estudo de campo proporcionou uma aproximação entre as investigadoras e a realidade estudada, e aprofundamento das questões levantadas. Optou-se por uma pesquisa qualitativa, pela importância da subjetividade dos atores participantes do trabalho, de acordo com Minayo (1993, p. 244) "a abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza". A pesquisa de campo foi iniciada após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAVIP (ver ANEXO A), e autorização da diretora administrativa do CAPS e da coordenadora do Ambulatório de Saúde Mental, mediante Carta de Anuência (ver ANEXO B e C). As entrevistas foram realizadas em dias que havia melhor disponibilidade dos entrevistados, teve duração entre os dias 30 de julho e 17 de agosto do ano vigente. Inicialmente as entrevistas foram realizadas no Ambulatório de Saúde Mental, concluindo-se em quatro visitas e posteriormente no Centro de Atenção Psicossocial sendo finalizada também em quatro visitas. O Ambulatório de Saúde Mental (ASM) está situado na Rua Martim Afonso, 267, São Francisco, Caruaru – PE. Telefone 3701-1400 ramal 220. Funciona de segunda à sexta das 7h às 18h. Está sob a coordenação de Edna Batista de Almeida e conta com equipe composta por 8 psiquiatras, 3 psicólogos e 2 assistentes sociais. Atende em média 2.000 usuários por mês, 14 prestando-lhes os serviços de acompanhamento psiquiátrico, distribuição da medicação prescrita, dentre outros. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS III) está localizado na Rua Rio Formoso, 64, Boa vista II, Caruaru – PE. Telefone: 3701-1387. Funciona 24 horas, 7 dias por semana. Atualmente está sob a gerência de Ana Luíza Valemtim (gerente clínica) e Jacira Eulina (gerente administrativa). Dispõe de uma equipe multiprofissional composta por: 4 enfermeiras; 4 psicólogos; 3 terapeutas ocupacionais; 3 assistentes sociais; 1 educador físico; 1 arte educador; 3 psiquiatras; 13 técnicos de enfermagem; 2 copeiras; 4 vigilantes; 2 auxiliares de serviços gerais e 1 auxiliar administrativo. Dentre os serviços oferecidos pelo CAPS III, os usuários podem contar com atendimentos em grupos: operativos; psicoeducativos; de família; educação e saúde; controle de ansiedade/relaxamento; "bom dia, boa tarde"; oficina de terapia ocupacional; oficinas laborais e intervenção medicamentosa. Atende em torno de 200 usuários por mês, por ser um serviço rotativo, toda semana ocorrem altas e novas admissões. Todas as informações do CAPS foram obtidas através da Srª Rita de Cássia Acioli Coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Caruaru. Quanto às informações do ASM foram obtidas através da coordenadora Edna Batista de Almeida. Embora o município conte com o Hospital Manoel Afonso que dispõe de leitos para emergência psiquiátrica, a pesquisa não foi realizada neste espaço, entendendo que o momento de atendimento à "crise" deve ser respeitado, privilegiando o cuidado à saúde do sujeito, desta forma a pesquisa só seria realizada com os familiares e com os profissionais. Utilizou-se a entrevista não estruturada na modalidade clínica, foram feitas cinco perguntas no formato de questionário (ver APÊNDICE A, B e C), permitindo que o(a) participante pudesse responder livremente, fazendo uso de sua própria linguagem e expressando os seus sentimentos. Para registro das respostas fez-se uso do gravador, com o consentimento prévio dos participantes - foi esclarecido que todo material gravado seria, após a transcrição, deletado para não haver risco algum de identificação dos mesmos - quatro profissionais participantes optaram por responder o questionário de forma escrita. Todos os voluntários foram informados sobre o conteúdo e objetivo da pesquisa, a autorização de sua participação foi formalizada através do TCLE (ver APÊNDICE D, E e F ). Segundo Minayo (2007) uma entrevista é uma forma singular na interação social, onde o entrevistado fala e reflete sobre a realidade que vivencia, relata com propriedade sobre informações que poderiam ser coletadas por outras vias, mas que certamente não teria a representação da realidade do sujeito. 15 As entrevistas por serem questões abertas, a técnica privilegiada para a análise dos dados é a de enunciação, de modo que, foi levada em consideração a subjetividade de cada entrevistado(a), compreendendo o discurso como um processo de elaboração singular. O índice estatístico não foi aplicado à pesquisa, pois, esta teve como intuito a exploração das opiniões dos entrevistados(as) sobre o tema que aqui se pretendeu a investigar (BARDIN,1979; MINAYO, 2006 apud GOMES, 2007). Em relação às falas dos(as) entrevistados(as) foram transcritas na íntegra, depois feitos alguns recortes, sendo preservado os vícios de linguagem, concordâncias verbais ou questões afins. Optou-se por não identificar nenhum(a) entrevistado(a) por nome fictício, letras, números, etc. Apenas foi mencionado o serviço no qual o(a) entrevistado(a) está inserido, para que não corresse o risco de haver algum tipo de associação nas falas dos(as) participantes, pois, por se tratar de um número relativamente pequeno de entrevistados(as) as pesquisadoras buscaram minimizar as possibilidades de identificação. A proposta era de realizar a entrevista com 10 usuários, 10 familiares e 10 profissionais vinculados aos serviços do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Ambulatório de Saúde Mental (ASM) na cidade de Caruaru. A amostra de entrevistados foi dividida igualmente para os dois campos de pesquisa, no entanto no CAPS, foram entrevistados apenas 4 profissionais e 4 familiares, pois, houve desistência de participantes. Os entrevistados de um modo geral foram selecionados a partir da disponibilidade, os profissionais tanto do ASM quanto do CAPS auxiliaram as pesquisadoras na indicação dos familiares e em se tratando dos usuários, indicaram os mais politizados, com menos impregnação de psicofármacos e mais orientados psiquicamente no momento da pesquisa. 16 3 CAPÍTULO I 1.1 AS FACES DA LOUCURA A loucura surge no final da Idade Média, logo após o desaparecimento da lepra, uma doença que causou temor em muitos países do ocidente pela grande proporção que tomou. Foram criados inúmeros leprosários para isolar os leprosos dos outros indivíduos, pois, estes eram tidos como sujeitos impuros, que não poderiam estar em convívio com a sociedade. Rapidamente a lepra desaparece, mas embora logo tenha desaparecido, a imagem negativa e excludente que se criou sobre os leprosos por muito tempo ainda ficou enraizada no imaginário social, um cenário que se repetirá após um longo tempo, com o louco. Com o rápido desaparecimento da lepra instaura-se um vazio que passa a ser ocupado por um novo fenômeno: a Loucura (FOUCAULT, 2010). De acordo com Foucault (2010), diferentemente dos leprosos, inicialmente o "louco" surge, como um sujeito sagrado, pois se acreditava que ele era dotado de um dom supremo. O delírio, os comportamentos diferentes, o tornava para os demais um enigma, acreditando-se, que este era um ser pertencente a uma dimensão divina. Por serem distintos, os loucos passaram a ser mantidos fora da cidade. Eram levados por embarcações, de onde nunca desembarcavam, sendo, portanto, prisioneiros, eternos navegantes, como marco desse movimento o referido autor aponta a Nau dos Loucos, que foi muito representada pela arte na Idade Média. O início da História da Loucura foi marcado por dois fenômenos: elemento trágico e elemento crítico. No elemento trágico a loucura era representada na figura, na arte e na literatura e era essencialmente considerada como portadora de um poder: o de possuir a verdade sobre os segredos do mundo, sobre os enigmas da vida. Ela é colocada no lugar de sacralidade e é considerada um importante instrumento de compreensão das mensagens divinas. O elemento crítico se apresenta quando a loucura cai no universo crítico da moral e passa a ser operada pelo discurso da moralidade (FOUCAULT, 2010). Segundo Machado (1981) a partir de então, ela sai do lugar do saber, do divino e não mais possui o poder de descobrir e revelar os segredos do mundo. Uma vez tirado o poderio do louco este é vestido com uma imagem que representa risco e denota perigo à sociedade, assemelhando-se aos leprosos. Logo em seguida, dá-se início a uma grande ruptura entre razão e desrazão e após essa ruptura, o "louco" é completamente retirado do pedestal que fora colocado por se 17 acreditar que ele detinha um poder que o tornava uma figura sagrada e passa a ser dominado pela razão que o torna sujeito da desrazão. De acordo com Amarante (1998), a visão crítica traz consigo a "morte" e a exclusão do louco, pode se dizer então, que é neste momento que a loucura começa a ocupar o vazio que a lepra deixou. Paralelo a esse movimento de domínio, ocorre no século XVII, a criação do Hospital Geral e embora o nome Hospital traga uma ideia de lugar de cuidados médicos, nesta época, este se tratava de uma instituição de correção moral. Inicialmente os Hospitais Gerais foram criados para impedir a disseminação da miséria, para acabar com a preguiça, bem como impedir todas as fontes de desordem. Os Hospitais Gerais eram também vistos pelos religiosos como Casas de Caridade, onde as pessoas prestavam algum tipo de ajuda aos internos, em busca de obter salvação e redimir-se com Deus. Logo em seguida o internamento ganha outro sentido: torna-se um meio de solucionar os problemas da pobreza e do desemprego. Os internados eram obrigados a trabalhar como forma de "correção moral", ao mesmo tempo se obtinha dessa maneira, mão de obra barata, um meio de trazer equilíbrio econômico (FOUCAULT, 2010). Após a criação dessas instituições, ocorre o Grande Enclausuramento. Trata-se do recolhimento em massa dos que eram classificados como desvio. A população que constituía essa massa fora divida entre quatro grupos: As desordens de ordem sexual – doentes venéreos; Profanação das coisas sagradas – suicidas, mágicos, feiticeiros; Libertinagem – os irracionais, subordinados a não-razão, movidos pelos desejos do coração; Por fim o quarto grupo é representado pela loucura (MACHADO, 1981). O louco, agora sujeito da desrazão, passa a ser considerado, junto aos pobres, malfeitores, prostitutas, mendigos, doentes venéreos, entre outros, também um desvio social. De certa forma o louco é absorvido por uma massa que o torna indiferente (FOUCAULT, 2010). No século XVIII, ocorre uma transformação nos Hospitais Gerais, iniciando-se um processo de separação dos internados, destinando-os, de acordo com a sua categoria, a um espaço específico, chamado de asilo. À medida que começa essas mudanças é que os Hospitais Gerais passam a ser considerados lugares de tratamento médico. Segundo Amarante (1998), é Philippe Pinel o precursor das primeiras transformações nos asilos: ele estabelece uma relação terapêutica, uma organização do espaço asilar, transformando-o em instituição médica, é ainda Pinel quem direciona a loucura para o discurso e prática médica. Através de seus estudos e observação, defende que esta se tratava de uma patologia, necessitando de cuidados específicos. 18 A partir do século XIX a loucura passa a ser percebida com um olhar científico, onde é transformada em objeto de conhecimento. Ela passa a ser vista por um viés patológico e é nomeada de doença mental. A loucura, ao ser transformada em objeto científico deixa de ser tratada como um desvio social e passa a ser tratada como doença mental. É a loucura transformada em doença mental quem funda a prática e o saber psiquiátrico (AMARANTE, 1998). A psiquiatria surge com uma perspectiva de "libertar" a Loucura dos estigmas que se havia fundado sobre ela. No entanto ela começa a repetir o mesmo comportamento social, pois ainda que lançasse sobre a loucura um novo olhar, este era também produtor de sofrimento. Ainda que Pinel tenha libertado os loucos do lugar de desvio social em que ele havia sido aprisionado, esse gesto "não possibilita a inscrição destes em um espaço de liberdade, mas, ao contrário, funda a ciência que os classifica e acorrenta como objeto de saberes/discursos/práticas atualizados na instituição da doença mental" (AMARANTE, 1998, p.26). O "louco" é retirado do lugar de desvio, de sujeito da desrazão e é transformado em alienado e isso significa, ao menos teoricamente, que se tratava de alguém passível de ser curado ou recuperado. Uma vez que o sujeito está alienado, significa dizer que este já esteve em sã consciência e está momentaneamente desorientado, podendo assim ser tratado e retornar ao seu estado de sanidade. Para que houvesse esse retorno, os alienados eram submetidos ao "tratamento" exercido nos asilos. É Philippe Pinel quem dá início a primeira psiquiatria, chamada de Alienismo (MACHADO, 1981). O alienado agora habitava no espaço asilar próprio a ele, chamado também de hospício, no entanto o que se buscava era o aprofundamento no estudo do fenômeno da alienação. Se em meio a massa que constituía o Grande Enclausuramento o louco fora absorvido tornando-se imperceptível, agora que está separado não há muita diferença. O modelo asilar começa a ser criticado, por ser responsável por grandes índices de cronificação, o tratamento oferecido nos hospícios era grande produtor de sofrimento e violência e não de cura, como se pretendia. Segundo Amarante (1998) a psiquiatria passa por uma fase de reformulação, tanto teórica, quanto prática no que tange aos seus objetivos, passando da esfera de tratamento mental para a de promoção de saúde mental. Inicia-se um processo de transformações no modo prático e teórico da psiquiatria. 19 1.2 ENSAIOS SOBRE OS MODELOS INSTITUCIONAIS E SUAS TRANSFORMAÇÕES AO LONGO DA HISTÓRIA Com o advento da Revolução Francesa irá se constituir gradativamente, uma política de saúde mental, e consequentemente se cristalizará na Lei de 30 de junho de 1838 que passa a ser a reguladora do regime dos alienados e marco representativo do nascimento da "Idade de Ouro" do alienismo. A Lei serviu de parâmetro para diversos países, impôs deveres às autoridades e traçou regras para retirada do alienado do seu espaço de convívio. O autor esclarece que, com a queda do poder Real o controle do comportamento passa a ser responsabilidade da Justiça e da administração local, de tal maneira que, ainda que o alienado estivesse sob os cuidados das suas famílias, estes deveriam ficar sob a preservação e fiscalização da autoridade pública. Ao médico foi atribuído o direito ao sequestro do alienado como uma proposta de cura é neste contexto que o louco recebe um novo status: o de doente (CASTEL, 1978). O Alienismo é a primeira modalidade de organização em psiquiatria e foi criada por Philippe Pinel. A alienação mental é o primeiro conceito usado pela medicina para dar nome a loucura, o termo alienação que vem do latim alienatio, "significa separação, ruptura, delírio, estar fora de si, fora da realidade" (LANCETTI, AMARANTE, 2006, p. 618). De acordo com o autor, Pinel começou a retirar do hospital todos aqueles que não estavam enfermos, para ele só os doentes deveriam permanecer, começou a separá-los e classificá-los de acordo com as enfermidades. A partir desse momento surge uma nova maneira de produção e construção da medicina mental. "[...] é como alienação mental que a loucura torna-se uma verdade positiva no novo espaço que lhe é designado. Será tomada como objeto bem discriminado, com contornos e manifestações bem marcadas" (BIRMAN, 1978, p. 4). Pinel era médico, admirador das ciências naturais e em especial inspirava-se em Lineu considerado o Pai da Botânica, eles comungavam da ideia que diante de um objeto a ser estudado, este necessariamente precisava ser retirado e isolado para não sofrer nenhum tipo de interferência. Logo, isolar do mundo exterior era condição necessária para o tratamento do alienado (CASTEL, 1978). Desde os primórdios, o alienismo fora alvo de muitas críticas, visto que, o isolamento e o tratamento moral iam de encontro de maneira paradoxal com os ideais da Revolução Francesa. O tratamento asilar demonstrava as suas fragilidades e ineficiências, pois a superlotação nos asilos, a violência e maus tratos que os internos sofriam, a dificuldade em 20 situar os limites entre a loucura e a sanidade, dentre outros tantos motivos, colocaram o hospital psiquiátrico e a própria psiquiatria em declínio (AMARANTE, 2007). Para o referido autor, as colônias dos alienados foram a primeira tentativa de resgatar o potencial terapêutico da instituição psiquiátrica, onde os alienados começaram a trabalhar com foices e enxadas e se recuperavam através do trabalho tido como 'terapêutico'. As colônias dos alienados eram construídas em vastas áreas agrícolas, onde os familiares eram contratados para cuidar dos internos. No Brasil as primeiras colônias surgiram após a Proclamação da República, foram criadas dezenas de colônias distribuídas por todo o país. Para se ter uma ideia da propagação desse modelo terapêutico a colônia de Juqueri em São Paulo chegou a ter 16 mil internos, pois, acreditava-se que através do trabalho era possível fortalecer o cérebro e fazer desaparecer os resquícios do delírio (AMARANTE, 2007). Ainda de acordo com Amarante (2007), apesar das colônias dos alienados terem ganhado uma grande proporção, essas se mostraram semelhantes aos asilos. O que a princípio parecia trazer uma contribuição ao tratamento do alienado, logo se tornaram instituições asilares que tinham como principal função a recuperação através do trabalho. Após a Segunda Guerra Mundial os europeus perceberam o quanto os hospícios se assemelhavam aos campos de concentração. É a partir deste momento que se inicia as primeiras experiências das reformas psiquiátricas. A Europa depois de um período de guerra precisava de homens saudáveis para a reconstrução dos países após a II Grande Guerra. Foi observado que o asilo psiquiátrico não estava cumprindo com a função de recuperação dos doentes mentais, pelo contrário, diante da precariedade dos serviços, estava agravando as doenças, o que significava um desperdício de mão de obra (AMARANTE, 1998). Diante da necessidade de mudanças significativas para a área da saúde mental, surge na década de 20 a Terapia Ocupacional, como campo de saber para habilitar as pessoas ao trabalho, a técnica utilizada era a praxiterapia. De acordo com Birman (1992, p. 84) "a praxiterapia1 [...] estabelecida por Simon, retomou o mito de que o trabalho seria a forma básica da transformação dos doentes mentais, pois mediante o trabalho se estabeleceriam um sujeito marcado pela sociabilidade da produção". A primeira proposta em tornar o hospital psiquiátrico em um local terapêutico aconteceu no Reino Unido, essa experiência recebeu o nome de Comunidade Terapêutica. 1 A praxiterapia é uma técnica de tratamento usada, comumente, com pacientes crônicos hospitalizados, consiste na utilização terapêutica do trabalho, onde são distribuídas tarefas de complexidade crescente (FRANCISCO, 2008). 21 Maxwell Jones foi o principal líder desse modelo, desenvolveu um trabalho envolvendo toda a equipe hospitalar. Entendia a função terapêutica como tarefa de todos, ou seja, o próprio interno, os familiares, os profissionais e a comunidade participavam diretamente do tratamento. A comunidade terapêutica traz como inovações o trabalho em grupo, a implantação de reuniões diárias e assembleias gerais, provoca uma transformação na dinâmica asilar. Entretanto, as reformas propostas não conseguem ir além dos muros do hospital, pois este, ainda permanecia como centro do modelo de atendimento à saúde mental (AMARANTE, 1998, 2007; LANCETTI, AMARANTE, 2006). A Psicoterapia Institucional ou Coletivo Terapêutico como François Tosquelles, fundador dessa experiência preferisse chamar, aconteceu na França no período do pós Segunda Guerra (AMARANTE, 2007). Tosquelles ao se refugiar na França começou a trabalhar no Hospital Psiquiátrico Saint Alban - local que nos primeiros anos, tornou-se um espaço de resistência ao nazismo e de transformações nos cuidados aos loucos ali internados. Reuniu vários ativistas marxistas, freudianos e surrealistas, o que posteriormente viria revolucionar a prática psiquiátrica francesa (FLEMING, 1976 apud AMARANTE, 1998). Ao olhar de Tosquelles as próprias instituições possuíam características doentias, e questionava, como poderia tratar um sujeito inserido numa estrutura que apresenta claros sinais de doença? Ele propõe uma atenção ao funcionamento da instituição, pois acredita que através do cuidado e do resgate do poder terapêutico do hospital, é possível a cura da doença mental. Tanto nas Comunidades Terapêuticas quanto na Psicoterapia Institucional o lugar do tratamento continuou sendo a instituição (AMARANTE, 1998; 2007). Conforme o autor, dentre as características relevantes desse modelo, é possível citar as críticas feitas às práticas psiquiátricas segregadoras e a supremacia dos médicos, a oposição ao modelo tradicional hierárquico e à verticalidade das relações dentro das instituições. Mostra que o trabalho desenvolvido é numa perspectiva do conceito de transversalidade, ou seja, na Psicoterapia Institucional amplia-se as possibilidades terapêuticas através de atividades de animação, ateliês, reuniões, festas, oficinas de trabalho, etc. Entretanto, vale ressaltar que, apesar de compreender que toda a equipe do hospital teria uma função terapêutica no tratamento do louco, o saber psiquiátrico continuou sendo hegemônico. A reforma institucional proposta pela Psicoterapia Institucional previa que além do trabalho era necessário instituir a pedagogia da sociabilidade, cujo objetivo, era inserir o louco no contrato social. Na verdade, "[...] a loucura continuava a ser representada como "ausência de obra", pois apenas na sua conversão ortopédica nas práticas do bem dizer e do bem fazer 22 os loucos poderiam ser reconhecidos como sujeito da razão e da verdade" (BIRMAN, 1992, p.85). A Psiquiatria de Setor aconteceu na França inspirado nas ideias de Lucien Bonnafé, tinha o objetivo de transformar as condições asilares do pós guerra, a ideia revolucionaria, consistia em levar a psiquiatria à população. "Trata-se portanto de uma terapia in situ: o paciente será tratado dentro do seu próprio meio social e com o seu meio, e a passagem pelo hospital não será mais do que uma etapa transitória do tratamento" (FLEMING, 1976, apud AMARANTE, 1998, p. 34). O hospital era dividido em vários setores correspondentes as regiões da comunidade – área geográfica e social. Havia uma relação entre a origem cultural e geográfica dos usuários e o pavilhão onde seriam tratados. A equipe multidisciplinar que cuidava do paciente internado, o acompanhava mesmo após receber alta, ou seja, dava continuidade ao tratamento, investindo no vínculo estabelecido desde o hospital. É importante destacar que é nesse modelo que o tratamento deixa de ser exclusivo do saber médico psiquiatra, surgindo assim, o trabalho em equipe, no qual pode-se visualizar até os dias atuais (AMARANTE, 2007). Na prática, a experiência francesa de setor, apesar de ir além dos muros do hospital psiquiátrico, os serviços externos estavam ligados à instituição, de tal modo que não se conseguiu fazer uma transformação cultural com a psiquiatria. Nunca foi colocada em pauta, junto aos pacientes, a psiquiatria enquanto instituição (ROTELLI, 1994). Em 1955, nos Estados Unidos, é realizado um levantamento sobre as condições de assistência nos hospitais psiquiátricos do país e o departamento de saúde mental sofre um grande impacto com os resultados dessa pesquisa, pois foram expostas as péssimas condições de assistência, os maus tratos e a violência que os pacientes sofriam. Oito anos após o presidente Kennedy lançou um decreto que deu novo rumo à política de assistência psiquiátrica do país: os principais objetivos era reduzir as doenças mentais e promover o estados de saúde mental das comunidades. Pela primeira vez, se ouve falar em políticas de Promoção de Saúde na história da saúde mental (BIRMAN, COSTA, 1994). A Psiquiatria Preventiva surge nos Estados Unidos num período em que o país além de estar passando por um momento de turbulência nas políticas de assistência psiquiátrica, passa também por sérios problemas sociais devido à Guerra do Vietnã, bem como o surgimento de gangs, do movimento black power, o crescimento do envolvimento com drogas, entre outras movimentações sociais. O Preventivismo, que tem como fundador e principal autor Gerald Caplan, se propõe a intervir nas causas e (ou) no surgimento das doenças mentais, buscando assim, não somente prevenir, mas também promover a saúde mental social. Teoricamente esse 23 novo modelo, é uma crítica à psiquiatria clássica, no entanto emergiu nos Estados Unidos quase que como um meio de “salvação” para os problemas que o país enfrentava (AMARANTE, 2007). Caplan inspirou sua teoria no modelo da História Natural das Doenças, postulado por Leavell e Clark. Birman e Costa (1994) afirmam que, de acordo com esse modelo, existem três fases da formação e desenvolvimento da doença até a sua resolução e consequentemente, três níveis de intervenção: Prevenção Primária – intervenção nas condições possíveis de formação da doença mental, condições etiológicas que podem ser de origem individual e (ou) do meio; Prevenção Secundária – intervenção que busca a realização de diagnóstico e tratamento precoce da doença mental; Prevenção Terciária - que se define pela busca da readaptação do paciente à vida social, após a sua melhoria. A prevenção Secundária e Terciária, em nada difere do modelo assistencial já existente, de acordo com Caplan apud Amarante (1994) o elemento principal da Psiquiatria Preventiva é a prevenção primária, pois esta busca a promoção de saúde enquanto que as outras "já faziam parte do sistema psiquiátrico basicamente curativo: diagnosticar, tratar e readaptar" (AMARANTE, 1994, p. 55). O Preventivismo incorpora à sua teoria também o conceito de crise de Caplan, classificados por Birman e Costa (1994) como Crises Evolutivas – geradas a partir de processos normais do desenvolvimento físico, emocional ou social; Crises Acidentais – causadas por acontecimentos inesperados, que denotem ameaça de perda ou risco. A crise é vista como uma grande causa do adoecimento mental, contudo se houver uma intervenção preventiva no momento da crise, esta pode ser transformada numa oportunidade de crescimento e de promoção de saúde (AMARANTE, 2007). A prática do Preventivismo é caracterizada com a busca por identificar nas comunidades pessoas que apresentassem comportamentos anormais, ‘suspeitos’, para tal existia um conceito de ordem social e todos os que fugissem à esta ordem era considerado um sujeito em potencial de adoecimento mental, necessitando assim de intervenções preventivas, que de acordo com o diagnóstico a que era submetido, seriam feitas conforme um dos níveis de prevenção. Esta prática de enquadrar o indivíduo num estado ‘pré-patológico’ porque este não corresponde à um comportamento social esperado acarreta numa prática não mais de promoção de saúde, mas sim de psiquiatrização da vida e de ajustamento social (AMARANTE, 1998). A Psiquiatria Preventiva contribuiu para a desinstitucionalização, - conhecida como política de desospitalização americana - trazendo uma gama de programas de prevenção para 24 evitar o internamento ou mesmo dar alta aos pacientes dos hospitais psiquiátricos, porém não obteve sucesso, pois causou um aumento significativo da demanda nos serviços de assistência, bem como nos próprios hospitais psiquiátricos (BIRMAN, COSTA, 1994). Rotelli et al. (2001, p.21) aponta ainda que "a desinstitucionalização, portanto, entendida e praticada como desospitalização, produziu o abandono de parcelas relevantes da população psiquiátrica". Na década de 60, surge na Inglaterra a Antipsiquiatria com um grupo de psiquiatras e psicanalistas, dentre eles se destacam David Cooper e Ronald Laing. O movimento da Antipsiquiatria não se trata de um novo modelo reformador, mas sim de um rompimento com os paradigmas tradicionais da psiquiatria, Cooper e Laing questionam não só a prática, mas também o saber psiquiátrico sobre a loucura e especificamente sobre a esquizofrenia (AMARANTE, 1998). De acordo com Meyer (1975) este movimento denuncia os valores e a prática psiquiátrica, e traz um ideal bastante discursivo sobre a forma de conceber a loucura, pois para a Antipsiquiatria, esta se apresenta como algo externo ao indivíduo: está entre e não dentro dos indivíduos, sendo assim é resultante de uma violência advinda da sociedade e (ou) da família, e que posteriormente sofrerá também com o tratamento psiquiátrico vigente, pois na medida em que a loucura é vista como uma atitude de libertação e a medicalização mascara e oculta o comportamento que fala do seu adoecimento, essa seria também uma forma de violência. A partir dessa nova visão e das críticas feitas ao valor do saber médico na compreensão e tratamento da doença mental, Cooper e Laing dão início a uma nova forma de tratamento sem uso de medicação, baseada na fala, no discurso, no delírio do doente mental: criaram as Comunidades Terapêuticas e a Psicoterapia Institucional. O primeiro hospital a receber esse novo modo de tratar foi o Hospital Psiquiátrico Público de Shenley, em Londres, colocando em prática uma unidade psiquiátrica independente chamada de Pavilhão "Vila 21", onde um grupo de jovens esquizofrênicos, que nunca haviam sido submetidos a nenhum tratamento. Tentou criar um ‘lugar de vida’, onde eram promovidas reuniões com médicos, pacientes e enfermeiros, no intuito de anular a hierarquia e a disciplina hospitalar, quebrando assim a resistência a mudanças (AMARANTE, 1998). O referido autor aponta que esta experiência permitiu a Cooper verificar que o percentual de recaídas diminuiu de forma bastante significativa comparado ao método tradicional. A Antipsiquiatria passa a criticar também a ordem social e familiar, atribuindo a esta última a grande causa da loucura, pois o núcleo familiar manifesta fortemente uma 25 estrutura opressora e patogênica da organização social. "O louco é, portanto, uma vítima da alienação geral, tida como norma, e é segregado por contestar a ordem pública e colocar em evidência a repressão da prática psiquiátrica" (AMARANTE, 1998, p. 44). Amarante (2007) explica que no campo da Antipsiquiatria não existe a doença mental enquanto objeto natural, ou seja, o sujeito não adoece espontaneamente, há um fator que desencadeia a doença, sendo esta uma relação do sujeito com o ambiente social. Não havendo, portanto, um adoecimento natural como considera a psiquiatria clássica, não existe, para a Antipsiquiatria, uma proposta de tratamento da doença mental no sentido clássico da ideia de terapêutica. A terapêutica do modelo antipsiquiátrico se pauta no princípio de permitir que o sujeito vivencie sua experiência, onde o sintoma expressado configura uma possibilidade de reorganização interior, dessa forma o tratamento se dá por si só, cabe somente ao terapeuta a função de ajudar o sujeito neste processo. Ainda na década de 60 se inicia a Psiquiatria Democrática na Itália, na cidade de Gorizia, com Franco Basaglia. Ao se deparar com a realidade chocante de um manicômio desta cidade, Basaglia começa, juntamente com sua equipe, um processo de desinstitucionalização. Inicialmente o trabalho desenvolvido neste hospital é inspirado nos ideais da Comunidade Terapêutica e da Psicoterapia Institucional, de acordo com Barros (1994), instigue-se práticas repressivas, retirando da rotina institucional atividades como: banhos coletivos, eletrochoques, impregnação de medicamentos, dentre outras. Posteriormente a desinstitucionalização toma um sentido muito mais amplo e sua prática e sua essência atravessa o significado reducionista de desospitalização (AMARANTE, 1998). Rotelli et al. (2001) afirma que a desinstitucionalização é um movimento prático de transformação que coloca em questão não só a instituição enquanto muros e grades, mas também e principalmente o lugar que a psiquiatria ocupa como centro do saber e da prática. O movimento italiano se opõe totalmente ao modelo manicomial e propõe a negação dessa instituição, e como afirma Amarante (2007, p. 56) essa negação é entendida "não apenas como a estrutura física do hospício, mas como o conjunto de saberes e práticas, científicas, sociais, legislativas e jurídicas que fundamentam a existência de um lugar de isolamento e segregação e patologização da experiência humana". Para Basaglia, o modelo clássico da psiquiatria produz o distanciamento do portador de sofrimento psíquico do seu espaço social e transforma o transtorno mental em objeto, ou seja, o foco não é acolher e cuidar do sujeito, e sim isolar para tratar a doença. Portanto inserir novos modelos assistências nos hospitais e nas comunidades não seria suficiente para transformar o cenário da saúde mental, era necessário 26 trazer novas formas de reflexão sobre a própria psiquiatria quanto ao objeto, o saber e o método (AMARANTE, 1998). Dez anos após a Psiquiatria Democrática chega à Trieste, uma cidade também localizada na Itália, porém um pouco maior que Gorizia. É nesta cidade que as ideias de Franco Basaglia se intensificam e ganham força, causando grandes mudanças na assistência a saúde mental, mudanças essas que ganham repercussão mundial, pois o modelo basagliano servirá como referencial para as políticas de saúde mental. Basaglia inicia o processo de desconstrução dos manicômios, fechamento de pavilhões, de hospitais e paralelamente a esta ação foram constituídos novos espaços, bem como novos serviços e dispositivos substitutivos para lidar com o transtorno mental. São construídos vários Centros de Saúde Mental (CSM) e distribuídos em várias regiões da cidade, embora esse novo serviço remonte a ideia de que foram inspirados na experiência de reforma americana ou francesa, são em sua essência programas substitutivos diferentes, pois os CSM criados por Basaglia atuam construindo junto a sociedade novas formas de tratar os indivíduos em sofrimento psíquico e também redirecionando o lugar social do transtorno mental, que anteriormente estava ligado a ideia de perigo, erro, incapacidade, entre outros adjetivos negativos (AMARANTE, 2007). Além dos Centros de Saúde Mental, Basaglia criou outros serviços substitutivos, tais como: grupos-apartamentos - residências para usuários, onde poderiam morar sozinhos ou acompanhados de um técnico em caso de necessitarem; cooperativas de trabalho - outra via de cuidado e de abertura de possibilidades de reinserção ao mercado de trabalho. Como fruto desse grandioso trabalho realizado por Basaglia e seus ajudadores é aprovada a Lei 180, inspirada fundamentalmente em suas ideias, a Lei ficou conhecida também como "Lei Basaglia" (AMARANTE, 1998). Basaglia (apud AMARANTE, 1994), afirma que o mal encoberto da psiquiatria estava em ter separado a loucura do sujeito e da sociedade, e ter construído sob esta separação sua cientificidade e seus aparatos legislativos e administrativos, o modelo italiano trouxe uma desconstrução desses aparatos e estabeleceu uma relação com o sujeito em sofrimento psíquico considerando o todo e não só a parte (doença). 1.3 O CENÁRIO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA De acordo com Amarante (1998), a reforma psiquiátrica no Brasil, enquanto processo, surge no fim da década de 70 com o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), sendo este o protagonista na formulação teórica e na organização de novas práticas 27 no campo da saúde mental. Embora desde a criação do Hospício de Pedro II, já houvesse inquietações com as práticas psiquiátricas e projetos de mudanças para as instituições. O MTSM nasce do episódio conhecido como a 'crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM)', órgão do Ministério da Saúde responsável pelas políticas de saúde do subsetor de saúde mental, que segundo Amarante (1998) foi deflagrada a partir da denúncia realizada por três médicos bolsistas do Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII), que registraram no livro de ocorrências do plantão do pronto-socorro as irregularidades, tornado públicas as condições trágicas daquele hospital. O MTSM recebe o apoio do Movimento da Renovação Médica (REME) e do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) que inicialmente transita entre um projeto de transformação psiquiátrica e organização corporativa. Para o referido autor, o MTSM possui uma estratégia proposital: resiste à institucionalização do movimento, como uma resposta a 'desinstitucionalização' do saber e da prática psiquiátrica e do modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. "[...] é o primeiro movimento em saúde com participação popular, não sendo identificado como um movimento ou entidade da saúde, mas pela luta popular no campo da saúde mental" (AMARANTE, 1998, p. 57). A Articulação Nacional da Luta Antimanicomial é outra expressão do movimento que tem como inspiração a experiência de Franco Basaglia Movimento Antipsiquiatria. A partir da experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e em sua crítica radical ao manicômio, o II Congresso Nacional do MTSM, que aconteceu em Bauru SP, em 1987, é adotado o lema 'por uma sociedade sem manicômios' que retoma a questão da violência, utilizando estrategicamente a expressão 'manicômio', comumente reservada ao manicômio judiciário, no intento de mostrar que não existe diferença entre este e o hospital psiquiátrico. Neste mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental no Rio de Janeiro, momento em que usuários e familiares ganham destaque no cenário das políticas de saúde mental - embora tenham tido participação desde 1979, mas é a partir deste contexto que a loucura e o sofrimento psíquico deixam de ser exclusivamente uma questão que diz respeito ao médico, administradores e técnicos da saúde mental (AMARANTE, 1998). Ainda em 1987 surge o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil em São Paulo, inicia-se em 1989 um processo de intervenção em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta em Santos – SP, local de maus tratos e mortes de pacientes. A intervenção ganhou uma repercussão nacional e demonstrou de maneira inequívoca que a Reforma Psiquiátrica é possível e exequível (BRASIL, 2005). Posteriormente, incide a criação dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), surge o Projeto de Lei 3.657/89 do Deputado Paulo 28 Delgado "que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país" (BRASIL, 2005, p.7). De acordo com informações do Ministério da Saúde (2005), após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional a referida Lei é sancionada e recebe modificações. A promulgação da Lei Federal 10.216, dá um novo rumo à assistência em saúde mental, propondo um tratamento de base comunitária e execução dos direitos das pessoas com transtornos mentais, entretanto em relação à extinção progressiva dos manicômios se apresenta de maneira mais sutil. No ano de 2001 ocorreram dois eventos importantes para a Reforma Psiquiátrica no Brasil, primeiro a aprovação da Lei 10.216 em seguida a convocação da III Conferência Nacional de Saúde Mental (III CNSM) que de acordo com o Ministério da Saúde: [...]consolida a Reforma Psiquiátrica como política de governo, confere aos CAPS o valor estratégico para a mudança do modelo de assistência, defende a construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, e estabelece o controle social como a garantia do avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil (BRASIL, 2005, p. 10). Na III CNSM foram apresentadas propostas inovadoras para o modelo assistencial e para a expansão dos serviços alternativos. Contou com a relevante participação dos movimentos sociais, dos usuários e dos familiares (BRASIL, 2005). O CAPS, serviço de atendimento em saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS) criado como modelo substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos no Brasil, conta atualmente com cinco tipos "diferentes" - podendo variar desde a especificidade da demanda à população do município. De acordo com o Ministério da Saúde (2004a), os CAPS são diferenciados em: CAPS I – Atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, em municípios com população de abrangência entre 20.000 e 70.000 habitantes. Funciona das 8h às 18 h de segunda a sexta-feira; CAPS II – Atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, em municípios com abrangência entre 70.000 e 200.000 habitantes. Funciona das 8h às 18h de segunda a sexta-feira (Pode ter um terceiro período, funcionando até às 21 horas); CAPS III – Atendimento diário e noturno de adultos, durante sete dias da semana, atendendo à população de referência acima de 200.000 habitantes com transtornos mentais severos e persistentes. Funciona 24 horas, diariamente, também nos feriados e fins de semana; 29 CAPSi – Atendimento diário a crianças e adolescentes com transtornos mentais, municípios com população acima de 200.000 habitantes. Funciona das 8h às 18h de segunda a sexta-feira (Pode ter um terceiro período, funcionando até às 21h); CAPSad – Atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas. Esse tipo de CAPS possui leitos de repouso com a finalidade exclusiva de tratamento de desintoxicação. Municípios com população acima de 100.000 habitantes. Funciona das 8h às 18 h de segunda a sexta-feira (Pode ter um terceiro período, funcionando até às 21 horas). Embora os CAPS possuam algumas características específicas de acordo com a demanda, de um modo geral, são instituições destinadas a atender portadores de transtornos mentais, que trabalham numa perspectiva de promoção de saúde, autonomia do sujeito, integração social e familiar, atendimento médico e psicológico. A Portaria SNAS nº 224/1992, apresenta as normas para o atendimento ambulatorial do SUS. "O atendimento em saúde mental prestado em nível ambulatorial compreende um conjunto diversificado de atividades desenvolvidas nas unidades básicas/centros de saúde e/ou ambulatórios especializados, ligados ou não a policlínicas, unidades mistas ou hospitais" (BRASIL, 2004b, p.243). A maneira estrutural da hierarquização, regionalização da rede, e a acepção da população de referência da unidade assistencial são definidas pelo órgão gestor local. No que concerne aos serviços ofertados para os pacientes nestas unidades de saúde, contará com equipes multiprofissionais para desenvolver as seguintes atividades: atendimento individual (consulta, psicoterapia, dentre outros); atendimento grupal (grupo operativo, terapêutico, atividades socioterápicas, grupos de orientação, atividades de sala de espera, atividades educativas em saúde); visitas domiciliares por profissional de nível médio ou superior; atividades comunitárias, especialmente na área de referência do serviço de saúde. Dentre as atividades supra mencionadas, poderão ser executadas por profissionais de nível médio: atendimento em grupo (orientação, sala de espera); visita domiciliar; atividades comunitárias. No ambulatório especializado, a equipe deverá ser composta por diferentes categorias de profissionais especializados: médico psiquiatra, médico clínico, psicólogo, enfermeiro, assistente social, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, neurologista e pessoal auxiliar, etc. A 30 composição de equipe e suas respectivas atribuições também são definidas pelo Órgão Gestor Local (BRASIL, 2004b). 31 4 CAPÍTULO II USUÁRIOS: PROTAGONISTAS OU FIGURANTES? PENSAMENTO LIVRE Autor: Marcinho Silva Fiquei preso as convicções, a tudo que é normal Às tradições uma repetição quase infinita Respostas decoradas para toda vida Pensamentos soltos, pensamentos livres Te acorda da inércia te revive Libertas das amarras da prisão da prisão mental Te torna um ser livre, uma alma imortal Para ter uma mente possante, Não tem que ser normal... (SILVA, 2011, p. 90). Este capítulo traz a percepção dos usuários sobre os serviços de saúde mental no qual estão inseridos, pretendendo explanar como se dão as relações de cuidado entre os cuidadores e o sujeito em sofrimento psíquico. Buscando também problematizar a medicalização que se mostra pelo discurso dos entrevistados, como a principal forma de contribuição dos serviços para seu tratamento. O sujeito portador de transtorno mental sempre é falado, aqui a proposta é proporcionar um espaço de fala e expressão dos sentimentos e pontos de vista dos usuários sobre o tratamento que recebe nos serviços. O sujeito portador de transtorno mental viveu por longos anos, enclausurado, preso, privado de seus direitos humanos e de 'ser humano', destituído do poder de sua própria vida, sofrendo todas as formas de violência física e mental (FOUCALT, 2010). De acordo com Mostazo e Kirshibaum (2003, p. 787) "o sujeito constrói significados para o tratamento psiquiátrico de acordo com os sentidos ou símbolos atribuídos pela história social". O tratamento psíquico desde a desinstitucionalização deixa de ser uma prática restrita à medicina psiquiátrica e dá abertura não somente para outros profissionais como também à participação da comunidade e da família, no entanto ainda se vê que os usuários ainda mantém o ideal de que o principal colaborador do seu tratamento é o médico/psiquiatra (BICHAFF, 2001). Embora as noções que o portador de transtorno psíquico tem sobre o tratamento remetam ao que se construiu historicamente de como foi tratado no passado, o discurso dos usuários trazem de forma muita clara as mudanças no cuidado que recebem nos dispositivos 32 de assistência em saúde mental. O tratamento que recebem, segundo suas falas, se distanciou bastante do tratamento acima mencionado, descrito por Foucault (2010): "[...] aqui no CAPS, sentimos muito bem, por sermo bem atendido e o tratamento é ótimo pra nós" (Usuário do CAPS). "No momento tá sendo bem pra mim porque eu tô sendo bem acompanhado aqui e sempre eles perguntam a eu se eu tô sendo bem acompanhado em casa ai eu sempre fico agradecido porque tô sendo bem apoiado" (Usuário do CAPS). "Até agora eu acho bom. Eles não me tratam ruim não. Nenhum me tratou mal não. Faz tempo que eu me trato e eles me tratam bem" (Usuário do CAPS). Os novos serviços de assistência psiquiátrica, dentre eles os CAPS e os Ambulatórios de saúde mental, surgem após diversas reformulações e reformas do modelo clássico da psiquiatria, num contexto de luta pela cidadania. O percurso da Reforma Psiquiátrica do Brasil demonstra que esta está pautada no desejo de devolver a autonomia, cidadania e novas formas de tratamento que não violentem e que não neguem aos sujeitos em sofrimento psíquico os direitos humanos que são dignos de todo e qualquer cidadão (AMARANTE, 1998). A partir da década de 50, quando se insere o uso da medicação acentuada, como forma de tratamento psiquiátrico, a medicina passa a determinar o que é normal e o que é patológico, partindo dessa prática de normatização ela exerce certa forma de controle social, de forma muito mais sutil e sem imposição a medicalização ‘controla’ os sujeitos (FERRAZA et al., 2010). O que seria apenas um recurso terapêutico passa a ser a base, a primeira via de intervenções, no entanto de acordo com Cordeiro (1985 apud FERRAZA et al., 2010), o medicamento está muito distante de representar uma forma interventiva: na medida em que substitui o diálogo por uma prática que enaltece o saber médico e medicaliza os problemas, o foco passa a ser novamente a doença e visualiza-se, portanto, a doença isolada do sujeito. Na atualidade há uma diversidade de propostas de práticas interventivas nos serviços psicossociais em saúde mental: oficinas, grupos terapêuticos, escuta individual, dentre outras, porém, no discurso dos usuários, percebe-se que eles visualizam a medicação como pedra angular do seu tratamento: 33 "[...]eu adoro, vim pra cá, pego os meus medicamentos tudo direitinho, pego lá no posto também[...]" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). "Na Tamarineira eu achei o tratamento muito rigoroso, que é mais base de injeção e aqui é tudo sobre o medicamento em comprimido, ai o paciente sofre bem menos do que lá, no caso, na Tamarineira de lá". (Usuário do CAPS). "Pra mim aqui tá sendo ótimo porque a minha medicação eu recebo aqui, eu recebo pra oito dias a medicação, e isso é a contribuição aqui que eu recebo do CAPS" (Usuário do CAPS). As outras formas de intervenção aparecem apenas no discurso de três usuários: "O tratamento tá sendo 100%, até agora esse momento, tá ficando ainda melhor com a doutora que saiu agora (refere-se a profissional de técnicas de relaxamento), de ioga [...]" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). "[...] pra o meu tratamento acho que é muito importante, assim, tá vindo, tá participando dos grupos, tá convivendo com outras pessoas, conhecendo novas pessoas, novos profissionais agora né? E acho que é isso" (Usuário do CAPS). O vínculo e a troca de afeto, estabelecidos entre os usuários e seus cuidadores sempre estão presente, os profissionais muitas vezes são adotados como referencial de família, essa representação facilita o processo de tratamento e ajuda os usuários no enfrentamento das dificuldades advindas do transtorno, pois propostas terapêuticas focadas no investimento afetivo desviam a doença como centro da vida do sujeito (BRASIL, 2007). Rosa (2001) reforça dizendo que a própria pessoa do cuidador torna-se um instrumento de trabalho, uma vez que ele se envolve subjetivamente na tarefa de cuidar. Esse envolvimento sem dúvida é sentido por quem recebe esse cuidado permeado de afeto: "São como uma família pra mim porque sem eles, primeiramente Deus, segundo a minha família e eles eu acho que eu não tava nem 34 falando, que eu tava muito mal e quando eu cheguei aqui, ah! eu tô uma maravilha, até hoje tá tudo muito bem, muito bom pra mim" (Usuário do CAPS). "Me sinto amada, eles faz com que nós não tenha nenhum preconceito" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). É importante salientar sobre a questão do cuidado que a tarefa de cuidar do outro pode causar vulnerabilidade a quem cuida: um dos principais riscos apontados é a ocorrência de síndromes desenvolvidas pelo trabalho, Codo (1999 apud ROSA 2001) aponta o burnout, como a principal síndrome que acomete os profissionais que estão envolvidos diretamente com a prestação de cuidados que exige contato pessoal de forma direta e intensa. De acordo com Rosa (2001) em contextos, como o da saúde mental é constante a vulnerabilidade à sentimentos de impotência, de incapacidade, estresse e atitudes negativas em relação ao trabalho. Faz-se necessário, portanto, que os cuidadores estejam atentos aos cuidados de si, para que possa estar bem para cuidar do outro, pois não estar bem implica uma deficiência na execução do trabalho, que pode ser transferida, uma vez que na relação de cuidado existe a troca de afeto e afetação, para o sujeito que sofre mentalmente essa deficiência pode ser interpretado como falta de condições para cuidar. Como fala essa usuária: "tem que se tratarem primeiro, eu digo assim, tratar psicologicamente, para ter paciência com a pessoas, porque isso interfere também no tratamento da gente" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). Os serviços de assistência em saúde devem servir de auxílio aos usuários para que eles possam enfrentar as dificuldades advindas do problema mental, a família é inserida pelos serviços no tratamento entendendo que esta faz parte do processo terapêutico: O tratamento da doença mental deve começar dentro de casa, com o envolvimento familiar, para que todos desmistifiquem conceitos e consigam acolher o membro com a patologia, entendendo este como sujeito de direitos e deveres, sendo assim sujeito de sua própria história; a família propicia o espaço de cuidados que abrange sentimento de pertença, aceitação e favorece para que o indivíduo sinta-se amado [...] (SANTOS 2009, p. 26). 35 Os usuários corroboram com essa afirmativa: "Recebo muito apoio. [...] eles me apoia, eles me compreende quando eu tô doente, eles reconhecem quando eu tô assim, com as minhas crises eles me deixam afastada porque sabe se fazer algum tipo de pergunta eu sou agressiva, e isso aí eles me respeita muito e eles compreendem também, eles procuram o melhor pra mim" (Usuário do CAPS). "[...] antes ele num reconhecia minha doença não, pensava que era eu que ‘tava’ com safadeza, mas agora no momento eles tão me ajudando bastante, tão cuidando de mim e tão me apoiando" (Usuário do CAPS). Ainda de acordo com a referida autora, a família é a principal instituição social provedora de cuidado, pois se afirma nas relações afetivas, de carinho, de amor que o ser humano necessita para viver, é também a família que estabelece o vínculo para que o indivíduo viva em sociedade: "Ela (refere-se a mãe) é fundamental, ela me ajuda bastante e é melhor que a medicação" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). "É um grau a mais minha família me apoiando, porque invés de eu pensar negativo eles me ajuda, me leva pra passear e aí eu levo pensamento positivo pra ficar com ele guardado em casa e por onde eu andar eu já fico confiado na minha família" (Usuário do CAPS). Existe ainda a predominância do que a Clínica Ampliada (BRASIL, 2007) conceitua como "medicalização da vida", que trata de como a doença toma o centro da vida do sujeito, tirando, portanto, os espaços de novas vivências, de amplitude do pensamento e também no sentido de medicação mesmo, de como os usuários colocam a intervenção medicamentosa como base não só do tratamento nos serviços, como também do relacionamento familiar: "De todas as maneiras: é horário de remédio, tudo direitinho, tendeu? Assim, não pode passar hora, ela já me incentiva: "olhe, cuidado, não faça isso tome remédio na hora certa", às vezes esquece ai ela vai 36 lembra: "tomou remédio?" (refere-se ao apoio da família no tratamento)" (Usuário do CAPS). "Sim. Lembra da hora dos remédios" (Refere-se ao apoio da família no tratamento) (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). "Cuidado nos medicamentos minha esposa tem para comigo, e realmente é um tratamento que ela nunca se esquece de dar o meu remédio nas horas certas e exatas nos dias certos" (Usuário do CAPS). "a própria medicação me preparou" (Usuário do Ambulatório de Saúde Mental). A visão dos usuários sobre os serviços assistenciais de saúde mental, ainda estão muito atrelados às vivências construídas historicamente sobre as formas de tratar a doença mental. O saber ainda é idealizado na figura do médico e o tratamento se concentra no uso da medicação. Como assinala Mostazo e Kirshibaum (2003) o tratamento que os usuários recebem se configura em duas premissas: tratar é ser medicado pelos profissionais e tratar é ser cuidado pela família. Retomando ao início desse capítulo, que fala sobre a libertação, vêse que os usuários que compõem esta pesquisa, não experimentaram ainda esse ‘pensamento livre’, não se mostram, parecem estar escondidos, em busca ainda da cura, de ser normal, ideal simbolizado pela medicação. 37 5 CAPÍTULO III FAMÍLIA E A RELAÇÃO DE CUIDADO, AFINAL, QUANDO ENTRAR EM CENA? A FÁBULA-MITO DO CUIDADO (Fábula de Higino) Cuidado, ao atravessar um rio, viu uma massa de argila, e, mergulhado em seus pensamentos, apanhou-a e começou a modelar uma figura. Enquanto deliberava sobre o que fizera, Júpiter apareceu. Cuidado pediu que ele desse uma alma à figura que modelara e facilmente conseguiu. Como Cuidado quis dar o seu próprio nome à figura que modelara, Júpiter o proibiu e ordenou que lhe fosse dado o seu. Enquanto Cuidado e Júpiter discutiam, apareceu Terra, a qual igualmente quis que o seu nome fosse dado, a quem ela dera o corpo. Escolheram Saturno como juiz e este equitativamente assim julgou a questão: Tu, Júpiter, porque lhe deste a alma, Tu a receberás depois de sua morte. Tu, Terra, porque lhe deste o corpo, Tu o receberás quando ela morrer. Todavia, porque foi Cuidado quem primeiramente a modelou, que ele a conserve enquanto ela viver. E, agora, uma vez que, entre vós, existe uma controvérsia sobre o seu nome, que ela se chame Homem, porque foi feita do humus [da terra] (COSTA apud ROCHA, 2011, p.7). "Qual é a existência-base da vida humana? É o sentimento, é o afeto, é o cuidado" (BOFF, 2009, p. 82). Partindo da provocativa da fábula de Higino e do questionamento de Boff, o qual ele mesmo responde, este capítulo discorre sobre a relação do cuidado da família para com os sujeitos em sofrimento psíquico, identificando que lugar esta tem ocupado no tratamento. De acordo com Schrank e Olschowsky (2008) a família é entendida como uma unidade de cuidado, onde são estabelecidos os primeiros vínculos e as primeiras relações afetivas, que são estruturantes e de fundamental importância para a formação do indivíduo. Desde o nascimento o ser humano necessita de cuidados para se constituir enquanto sujeito, tanto cuidados básicos de sobrevivência como de alimento e higiene, como também de afeto, de amor. Boff (2009) situa o cuidado como uma relação amorosa que garante ao indivíduo a subsistência e abre espaço para o seu desenvolvimento. O ser humano é, portanto, essencialmente cuidado, pois só se constitui fundamentalmente a partir deste. Corroborando com a fábula de Higino, o dever de cuidar do homem é acertadamente conferido a Cuidado, pois de acordo com Boff (2008) se o ser humano não receber cuidado, desde o nascimento até a morte, este se desestrutura, definha, perde o sentido e morre. Trazendo esta construção sobre o cuidado para o âmbito da saúde mental, esta perda de sentido e morte remete ao que Goffman (2001) denominou de “mortificação do eu”, embora o autor se refira a este processo como consequência de uma realidade manicomial, esta ‘mortificação’ por se tratar de uma anulação da singularidade, da subjetividade, de 38 enquadrar a vida do sujeito permanentemente em regras e padrões, pode se dizer, portanto que em qualquer contexto que o sujeito sofra essas privações e que ele seja negado, ocorre a perda de sentido e a ‘morte’. No latim o cuidado é designado pela palavra cura, tendo ainda, muitas outras significações, se faz pertinente destacar o de “tratamento das doenças” (ROCHA, 2011). A fala de um(a) familiar confirma o sentido que o autor traz quando diz que: "O importante é o carinho é o afeto o amor [...]. O importante do tratamento é isso, porque se eles têm tratamento ativo não tiver amor em casa, carinho e afeto, não serve de nada!" (Familiar do CAPS, grifo nosso). Tudo ou todo aquele que denota cuidado é capaz de envolver o sujeito afetivamente, Boff (2009) afirma ainda que é o cuidado que gera a preocupação, fazendo surgir a responsabilidade: "eu cuido dela, dou banho nela, ajeito ela, troco roupa nela, tenho a maior paciência com ela, mas o marido não tem, só quem tem é eu mesmo, pra vir trazer, vir buscar ela, tratar dela em casa, ela num, você sabe que pessoas assim não tem a cabeça certa né, aí eu tenho que dar um banho nela, ajeitar ela, lavo roupa dela que ela não sabe mais fazer essas coisas, antigamente ela sabia, agora não sabe mais, eu tenho o maior cuidado com ela e tenho paciência também" (Familiar do CAPS). As primeiras relações sociais são estabelecidas através da família, é este primeiro grupo social que dá origem a todos os outros grupos e instituições existentes, pois as práticas exercidas no social são baseadas nos valores, crenças e no conhecimento adquirido através da família. A família é um sistema universal e eterno, que se apresenta como via de socialização para o sujeito e nenhum outro sistema pode substituí-la (SOUZA, 1997). Lacan afirma que: entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. Se as tradições espirituais, a manutenção dos ritos e dos costumes, a conservação das técnicas e do patrimônio são com ela disputados por outros grupos sociais, a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadamente chamada materna. Com isso ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico [...] ela transmite estruturas de comportamento e de representação cujo jogo ultrapassa os limites da consciência (2002, p. 13). 39 De acordo com Souza (1997) existem papéis que são intrínsecos à família, como o de preservação da integridade física e emocional, de proteção, de cuidado, no entanto na história da saúde mental, por muitos anos a família ficou privada de desempenhar esses papéis. Os sujeitos em sofrimento psíquico eram isolados do convívio sócio familiar, primeiro porque a figura do "louco" representava perigo e ameaça, e por isso eram mantidos internos nos hospitais psiquiátricos, segundo porque em um dado momento passou-se a considerar que as causas do adoecimento psíquico estariam associadas às relações familiares (COLVERO et al., 2004). Na segunda metade do século XX, iniciam-se os movimentos de reforma, que já foram abordados no Capítulo I, surgindo novos modelos de assistência psiquiátrica e é nas Comunidades Terapêuticas que se veem os primeiros passos de inserção da família no tratamento do seu parente. Posteriormente surgem novas propostas de tratamento pautadas no conceito de desinstitucionalização. Como consequência desse processo surgem novos dispositivos de acolhimento, tais como CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), Residências Terapêuticas, entre outros, onde o doente mental deve deixar os hospitais e ser cuidado junto à comunidade. A lógica que rege esses novos serviços é a da inclusão (AMARANTE, 1998). É a partir dessa nova concepção de cuidado que a família passa não só a fazer parte, mas ser parte ativa do processo de reinserção e inclusão do portado de sofrimento psíquico tanto no próprio seio familiar quanto na sociedade. É devolvida para a família a responsabilidade do cuidado, da proteção, da preservação, no entanto, nem sempre esse movimento acontece de forma que ofereça uma estrutura tanto ao usuário quanto aos familiares, onde estes se deparam com uma realidade difícil e delicada, a qual não fora previamente preparada para lidar: "[...] Tinha cento e vinte e três na clínica, quando souberam que iam fechar tudim correu [...] a que não correu foi eu e mais duas, porque nós lutemos, nós fomos pra secretaria, nós fomos pra todo canto a gente foi, atrás de conseguir aqui (referiu-se ao CAPS), pra ele passar pela médica e pros outros das menina, mas se a gente não tivesse ido atrás não teria conseguido. Olhe, nós fomos pra secretaria, saiu em jornal, fomos pra televisão, fomos pra todo canto a gente foi. E vamo qualquer hora que precisar, porque eu vou, quero nem saber" (Familiar do CAPS). 40 De acordo com Borba et al. (2008) a presença do sofrimento psíquico no âmbito familiar implica em mudanças da rotina, de hábitos e atitudes da família, que exigem portanto uma necessidade de ajustes. A convivência com o indivíduo portador de sofrimento psíquico é permeada de dificuldades e desdobramentos que se refletem na qualidade de vida dos familiares em diversos aspectos: financeiro, físico e psíquico, enfraquecimento do cuidado próprio para atender a demanda do parente. "[...] É muito difícil porque, é muito complicado, porque eu não posso trabalhar pra cuidar dela" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). "A gente tem que saber, tem que saber lutar, porque assim, a mente deles são assim: quando a gente tá ajeitando eles, aí na mente pensa que a gente tamo judiando, é ao contrário, tá entendendo? Aí pronto, eles têm, é assim pra, pra eles dar um murro em você é ligeiro [...]" (Familiar do CAPS). "[...] eu tô aqui desde as cinco [...] da manhã, esperando a doutora chegar, já é onze horas da manhã, esperando a doutora chegar, poderia ter mais médicos pra poder ajudar mais pacientes, pra puder não ficar nisso, né? Esperando os doutores e tal, deveria ter mais cuidado, principalmente no caso deles que precisam de acompanhamento, aí tá deplorável a situação, mas é o que temos, né?" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). Outra questão que se mostra bem presente no cotidiano familiar é a falta de comprometimento mútuo, geralmente o cuidado recai sobre o parente mais próximo do familiar doente e devido a falta de apoio, a tarefa de cuidar torna-se um peso: "Porque assim, como só somos nós duas, aí não tem como deixar ela só, aí eu tenho que chamar uma vizinha pra tomar conta dela" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). Outro familiar reforça a questão da falta de apoio como principal via de sobrecarga: "[...] a família dela... Eu não posso dizer assim que abandou né, mas que, ela só conta comigo, pra um tudo. Ela é filha única, a mãe, a 41 mãe, num vou dizer assim que não quer saber da filha né, que é mãe quer saber né, mas, só que não é uma pessoa que teja em convívio com ela, passa muito tempo pra ter aproximação dela [...]. Eu disse a ela, ô minha fia, olha, quando tem reunião no CAPS é preciso familiar dela frequentar a reunião, aí eu como sou o marido, aí eu sou pai, mãe, marido, tudo pra ela, aí eu tenho que enfrentar, toda reunião, é eu que enfrento e você não tá nem aí, era obrigação sua de ir lá" (Familiar do CAPS). Responsabilizar a família no cuidado do usuário implica um conjunto de práticas que exigem dedicação e comprometimento. De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004a), o CAPS tem dentre os seus objetivos o de incentivar a participação da família no cotidiano do serviço da melhor maneira possível, os familiares são convidados a participar juntamente com os usuários nas atividades que são realizadas e dessa forma se envolverem ativamente no tratamento, são chamados para assembleias e reuniões onde podem expor opiniões, tirar dúvidas, conhecer a fundo o trabalho desenvolvido no serviço. A proposta de intervenção psicossocial visualiza os familiares como parceiros no processo terapêutico, no entanto essa parceria se apresenta, pelos familiares, enfaticamente através da manutenção da medicação: “Olha, pra falar a verdade pra você, eu não acho que ela tá melhor de nada [...]. Já tem quatro anos que ela tá aqui, não tô vendo melhora de jeito nenhum nela, não é pelo tratamento, é pelo marido dela que não deixa ela tomar medicamento, para tomar às vezes tem que tomar na casa da vó dele, às vezes ele não gosta, não quer que ela vá na casa da vó, ela fica sem tomar os medicamento, tá entendendo? Tudo por conta dele, que ele não quer que ela tome remédio. Ai fica difícil né, ela tem que vir tomar aqui, ai de segunda a sexta eu trago ela” (Familiar do CAPS). "No tratamento é dedicação, né? Tá sempre ali, cuidar na hora de tomar a medicação, só" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). 42 Colvero, Costardi, Rolim (2004) apontam que comumente o familiar participa do tratamento do usuário, apenas como 'informante' das alterações advindas do transtorno mental, e seguem passivamente às prescrições estabelecidas pelo profissional: "[...] o importante é eu, né? Que os médico passa os medicamento, aí eu é quem indico os dias dela pegar os remédio, ela, aí tem dia que eu, que ela esquece, eu lembro, aí nói vem pegar os medicamento, porque ela não pode faltar sem os medicamento" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). Borba et al., (2008) sinaliza a importância da atenção dos serviços para com o familiar que cuida de um parente com transtorno mental. A sobrecarga do cuidado acarreta uma fragilização da família, portanto a atenção para esta é fundamental e de extrema importância para o tratamento do usuário, salientando que os serviços devem acolher a demanda familiar, dar um suporte, orientar, 'preparar', ajudar o familiar a lidar com a doença e suas vicissitudes, pois, diante das dificuldades que se mostram na demanda do cuidado, outras áreas acabam sendo afetadas, e para que o parente doente seja bem cuidado é preciso que o cuidador esteja bem: "[...] a gente tem que tá bem, pra puder cuidar da pessoa que tá doente" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). "Bom, né fácil não né, a pessoa tomar conta de doente né, é difícil. Agora, a pessoa tem que ter paciência com os paciente e muita paciência, porque os paciente tem uma hora tá bonzinho, dá pra pessoa levar, de repente muda, fica 'imburrando', tudo mais, aí a pessoa... Eu mermo no meu caso, eu tô me segurando na ponta dos 'calcanhá', porque se me avexar uma coisinha o quengo, vai terminar eu vim pra aqui tomar uns 'gardenalzim' também, que a idade já tá lá em cima, eu já tive muito problema no decorrer da vida e hoje em dia vivo tomando conta da minha esposa, aí ela, é só eu e ela em casa, aí pronto, aí tem que ter maior paciência né, mas é difícil, é difícil tomar conta de paciente, né fácil não" (Familiar do CAPS). Navarini e Hirdes (2008) defendem que a partir do momento em que a família não participa do tratamento do usuário junto aos serviços, o cuidado permanece no modelo 43 tradicional da psiquiatria onde o profissional dita as regras e atuam de acordo com seus pressupostos, direcionando o tratamento a partir do que ele considera ser o melhor para o usuário, não levando em consideração, portanto, a subjetividade dos sujeitos envolvidos no processo de tratamento. De certa forma, é tirada novamente a autonomia do sujeito, pois ainda que este não esteja em suas faculdades mentais para que possa decidir ou expor de que forma os serviços podem contribuir para sua melhora, os familiares podem fazer esse papel. Outro fator que remete ao modelo tradicional é o tratamento medicamentoso, sabe-se que a medicação faz parte do tratamento, porém, esta se apresenta como âncora no tratamento. As outras atividades como oficinas, grupos, atendimento psicológico individual, atividades que trabalham as questões subjetivas, motoras, físicas, quase inexiste no discurso dos familiares: "[...] o tratamento dele aqui eu acho que não é ruim, é um tratamento bom, agora depende dos pacientes, porque cada paciente é diferente um do outro né, você sabe né, cada um é diferente. O paciente tem que querer se ajudar primeiramente né, tomar a medicação direitinho, na hora certa" (Familiar do CAPS). "o medicamento que ela, sempre eu procuro o medicamento dela, né? Às veze ela precisa de uma comida eu levo, né? Que ela num pode andar, a minha cuidar, cuidar é assim mesmo que eu posso fazer" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). "[...] enquanto ela tá controlada e tomando a medicação, ali não me dar trabalho de jeito nenhum" (Familiar do Ambulatório de Saúde Mental). Borba et al.(2008) afirma que é incontestável a importância de trazer a família para atuar junto aos serviços, mas é fundamental que esta atividade não seja praticada sem que haja um suporte. Ao se propor a inserção da família no tratamento do portador de transtorno psíquico, uma série de questões são relevantes de serem pensadas e trabalhadas: o sentimento da família, o conhecimento sobre a doença do seu parente, o aviso e o preparo prévio para receber esse familiar adoecido, quando da alta, para que não ocorra posturas de abandono, como traz este(a) familiar: "A importância da família é assim, eles tem que aprender a conviver com a família, né, porque tem muitas famílias que abandona, aqui 44 mesmo (refere-se ao CAPS) tem três que a família abandonou, e tão direto aqui, [...] abandonado que a família não quis, agora é aquele tipo, eu não critico as família não, entendeu? Eu não critico, apesar de tudo eu não critico, porque assim, tem pessoas que realmente, ela não tá, como é que se diz? Ela não tá disposta pra tomar conta, ela não vai aguentar, entendeu como é?" (Familiar do CAPS). O referido autor conclui que os serviços devem estar atentos para a realidade da família para que esta não se sinta sozinha, ao contrário, esta deve se sentir segura reconhecendo sua capacidade de ajudar seu parente a lidar com o sofrimento que o adoecimento mental traz. As limitações e o sofrimento que usuário sofre, são sentidas também pela família e esse sentir muitas vezes é perpassado pela sensação de desespero, pela preocupação, pela ansiedade, contudo a família traz em si esse lugar de acolhimento e de cuidado. 45 6 CAPÍTULO IV CRIANDO E (RE)INVENTANDO OS PAPÉIS DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL Neste capítulo serão apresentados os resultados sobre o olhar dos profissionais do Centro de Atenção Psicossocial e do Ambulatório de Saúde Mental e suas práticas de cuidado, as dificuldades encontradas no tratamento dos usuários, dentre outros. A psiquiatria do século XVIII pautada nas ideias de Pinel, compreendia a "loucura" como um erro ou como perda da razão, o tratamento valorizado era apenas através do remédio, este, tinha a função de eliminar os sintomas (CORBISIER, 1992). Na atualidade o tratamento em saúde mental do ponto de vista de alguns profissionais, ainda está muito atrelado à medicalização: "[...] a gente dá um suporte de medicação, de psicólogo, essas coisas, eles pegam a medicação aqui, passam pelo psiquiatra e pegam medicação aqui, então quer dizer, são vários usuários que tem acesso aqui à saúde mental. Com certeza o transtorno mental ele tem sido assim, bem amparado por nós, pelos psiquiatras e assim, fazemos o possível para que atenda a todos" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). O pensamento freudiano trará uma revolucionária concepção da "loucura", ao constatar que: "[...] o delírio é uma forma de dar sentido a uma experiência psíquica. Sendo assim, não há o que ser corrigido. Há o que ser escutado. Não há o que ser abolido. Há o que ser recuperado. Há o que ser construído" (CORBISIER, 1992, p. 10). A grande contribuição de Freud consiste em escutar o sujeito, no entendimento do(a) profissional: "[...] saúde mental é uma escuta, é você chegar [...] sentar e conversar e você tentar mediar conflitos, né. Não é somente uma doença que tá ali" E continua: "Enquanto profissional você tem que proporcionar pra essas pessoas uma melhora, [...] do estado emocional, e assim, você vê, muitas pessoas também do PSF, na atenção básica que usam o mesmo 46 diazepínico, porque tem um sofrimento, porque tem um problema em casa, e aí acaba que é medicalizar somente, não é trabalhar nessas questões, então a pessoa vai passar o resto da vida tomando uma medicação, que aí, acaba que poderia ser minimizado por um espaço de fala, né, por você tentar encontrar outras formas de lidar com aquele usuário, de você tentar minimizar aquele sofrimento [...]" (Profissional CAPS). A Lei nº 10.216/01 é um marco na história da Reforma Psiquiátrica no Brasil, reza em seu Art. 1º que: Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que se trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e o grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. (BRASIL, 2004b, p. 17, grifo nosso). Na compreensão do(a) profissional o cuidado com o usuário do serviço de saúde mental: "Entendo que acima de tudo o respeito, né? Pelo usuário. O direito que eles tem, porque isso nem é meu, nem é do psiquiatra, nem é da gerente, isso é deles, a saúde mental é deles e pra eles, então o que lhe pode fazer, o que se puder fazer pra eles serem 100% assistido. Porque é um direito deles [...] Não é da prefeitura municipal, a saúde mental [...] não é do Estado, não é do país, é do usuário, ele tem 100% de direito a tudo do que eles fazem, aqui eles não estão pedindo favor, é um direito deles" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). No Art. 2º da referida Lei diz que nos atendimentos em saúde mental, em seu Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: "II- ser tratada com humildade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando pela recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade" (BRASIL, 2004b, p. 17). Dito de outra maneira pelo(a) profissional: 47 “Direitos e Deveres iguais. Humanização. Orientação familiar, compreensão quanto a realidade e os cuidados gerais. Estímulos para melhorar a qualidade de vida” (Profissional CAPS). No entendimento de outro(a) profissional se resume aos: "Cuidados básicos de atenção à saúde" (Profissional do Ambulatório de Saúde Mental). De acordo com o Ministério da Saúde, o CAPS tem como objetivo proporcionar "atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários" (BRASIL, 2004a, p.13). “[...] é olhar o usuário como um todo, né. Você não esquecer de nenhuma parte mesmo, de trabalhar família, trabalhar perspectivas de futuro, que eles são, como eu falei, são muito além do que aquele CID, né, eles têm muitas possibilidades, lógico que com algumas limitações, mas eles tem capacidade de conviver em comunidade totalmente, tem capacidade de ter um relacionamento familiar, agora tudo isso tem que ser trabalhado, [...] trabalhar vínculo, de você trabalhar propostas, num sei, de repente emprego, de reinserir no mercado de trabalho, ou então de inserir. De você reinserir em grupo de amizade, grupo de convivência, trabalhar questão de saúde mesmo, porque às vezes eles ficam esquecidos disso né. De achar que somente tem que cuidar do mental e acaba que, não é cuidado o físico, e a gente precisa olhar também essa questão que eles precisam também né, do biológico, assim, do físico e, trabalhar várias questões” (Profissional CAPS). O Ambulatório de Saúde Mental é uma unidade especializada que compõe a rede de estratégias de cuidado aos usuários portadores de transtornos mentais. Os atendimentos podem ser marcados pelos próprios usuários ou estes podem ser encaminhados através das Unidades Básicas de Saúde. De acordo com a Portaria 3.088/11 (ver ANEXO D), Art. 6º, Parágrafo I, Alínea a: Unidade Básica de Saúde - serviço de saúde constituído por equipe multiprofissional responsável por um conjunto de ações de saúde, de âmbito individual e coletivo, que 48 abrange promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver a atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. A Unidade Básica de Saúde como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial tem a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais, ações de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais pontos da rede. Segundo dados obtidos através da Coordenação do Ambulatório, há uma média de atendimento mensal de 2.000 usuários, a maioria reside na cidade de Caruaru, entretanto, atende também uma parcela dos municípios circunvizinhos. Na opinião de alguns profissionais entrevistados, o alto índice de atendimento diário, é um dos indicativos que afetam a qualidade dos serviços prestados, vejamos: "[...] se houvesse uma disponibilidade maior, uma atenção maior, o paciente seria, eu entendo que ele seria mais bem atendido[...] Eu acho assim, limitado o tempo, limitada a disponibilidade das pessoas, entendesse? Do amor a profissão e do amor ao próximo e da atenção que o ser humano necessita, porque na maioria deles há uma carência, eu vejo neles de uma escuta[...] às vezes o profissional [...] não tem tempo, e outra também, não tem essa paciência, alguns tem! Alguns aqui, eu tiro o chapéu, mas alguns assim, no geral [...] deixam um pouquinho a desejar" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). Alverga e Dimenstein (2005, p.63), chamam a atenção para os desafios encontrados nos serviços de saúde mental e destacam a importância dos profissionais agirem como sujeitos éticos, compreendendo a necessidade de um exercício permanente de transformação, de invenção, de criatividade. Para eles, é preciso retirar-se do lugar de especialista e se apropriar de um lugar de acolhimento, "[...] onde a loucura deixe de ser exterior a nós e possa ser vivida como a própria vida (a loucura faz parte de nós)". Não basta apenas criar novos dispositivos e/ou equipes, pois, o trabalho deve está pautado a novas práticas de cuidar, de sentir, de estar na relação com outro. "[...]se as pessoas aprendesse mais, assim, a amar ao que fazem, a levar a sério o que fazem, realmente o tempo em que passaram em estudos em pesquisas, levassem isso à prática, a coisa seria outra, 49 mas há uma resistência, porque você num depende só do seu querer, há uma rede [...]" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental) "Ainda há uma deficiência, as pessoas às vezes ainda são muito profissionais e esquecem o lado humano um pouquinho. A vida exige isso também né? Mas a gente tem que centrar, voltar, ver que nós somos seres humanos e como nós desejaríamos ser atendidos numa situação que se estivéssemos na, na situação que esses pacientes se encontram" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). Machado e Lavrador (2002, p.2) falam sobre os: [...]'desejos de manicômios', que se expressam através de um desejo em nós de dominar, de subjugar, de classificar, de hierarquizar, de oprimir e de controlar. Esses manicômios se fazem presentes em toda e qualquer forma de expressão que se sustente numa racionalidade carcerária, explicativa e despótica. Embora haja uma substituição progressiva na estrutura dos serviços prestados à saúde mental, sabe-se que o pensamento manicomial ainda se faz presente nas instituições, e pode se apresentar com uma nova roupagem, de maneira mais sutil, mas que podem causar uma outra maneira de 'aprisionamento' (MACHADO, LAVRADOR, 2002). “[...] a meu ver tem alguns pacientes que foram institucionalizados, né, porque tem pessoas aqui que tão há sete anos no CAPS, e aí acaba que: qual é realmente a proposta do CAPS? É reinserir. Então é você estabilizar o usuário, você proporcionar coisas fora, né. Não de você tá há sete anos no serviço fazendo acompanhamento duas, três, quatro vezes por semana, e aí acaba que esse usuário não teve remissão dos sintomas? Não teve uma melhora do quadro? E por que ele tá aqui?” (Profissional CAPS). A intervenção profissional em saúde mental é um desafio diário que demanda criatividade e inquietações diante do que está posto, visto que, não existem fórmulas mágicas ou sequer um modelo pronto a seguir. "É possível construir [...] outras formas de lidar com a loucura, acolhendo sua alteridade, abrindo portas em todos os sentidos e desobstruindo a produção desejante" (MACHADO, LAVRADOR, 2002, p.3). "O usuário de Saúde Mental ele é muito carente, carente de tudo. [...] Carente economicamente, ele é carente de família, de afeto, ele é 50 carente de tudo. Então é muito delicado na verdade lidar com essas pessoas: ao mesmo tempo em que eles precisam de afeto a gente também tem que dar um determinado limite pra que eles não se tornem dependentes da gente" (Profissional CAPS). Na opinião de outro(a) profissional: "Nós temos que ter muita atenção, carinho e assim, trata-lo com um carinho bem especial, porque eles são muito abandonados, a gente sente neles que a carência é maior que a própria doença" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental, grifo nosso). De acordo com Amarante (2007), os serviços na perspectiva da atenção psicossocial devem ser compreendidos como dispositivos estratégicos, de acolhimento, de cuidados, de trocas sociais. Que tenham como foco a pessoa e não a doença, um espaço que proporcione a sociabilidade e a produção de subjetividades. "Atenção psicossocial é olhar o sujeito como um todo na verdade, né, assim, de você ver a questão biológica, social, de você ver como é que tá a questão mental mesmo, né, de proporcionar coisas mínimas, pra esse usuário, que fazem uma toda diferença olhando no conjunto, na verdade, [...] você não limitar somente ao saber médico, você não limitar somente à patologia, de você saber que aquele usuário é muito além do que a doença representa, do que um CID representa [...]" (Profissional do CAPS). Na voz de outro(a) profissional: "Atenção Psicossocial é um serviço que promove a socialização do usuário com sua família, sociedade e sua autonomia como cidadão" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). Segundo o Ministério da Saúde (2007), no Projeto Terapêutico Singular (PTS) a equipe de profissionais se reúne para discutir o caso clínico do usuário, com a finalidade de propiciar uma ação integrada de estratégias de cuidados, considerando a singularidade do sujeito, ou seja, entendendo que o tratamento vai além do diagnóstico psiquiátrico e da medicação. 51 "[...] quando a gente faz uma triagem de um usuário aqui, a gente vai na intenção de detectar problemas psíquicos, sociais e físicos também, tudo tá dentro do atendimento e a gente faz um projeto terapêutico singular baseado nessa entrevista e nas dificuldades que ele têm" (Profissional CAPS). De acordo com o Ministério da Saúde (2004a), o CAPS é um articulador de cuidados, numa perspectiva clínica e nas estratégias de reabilitação psicossocial. Os projetos terapêuticos devem ser desenvolvidos a partir das possibilidades individuais de cada usuário, promovendo a (re)inserção social, criando trocas afetivas, vínculos, provocando o protagonismo do sujeito. As atividades devem ir além do espaço físico do CAPS, sendo articuladas com a comunidade, com o trabalho e com a vida em sociedade. Ou seja, é um trabalho que envolve familiares, usuários, técnicos e comunidade, e que precisa ser questionado e avaliado permanentemente. "[...] eu acho que tá deixando um pouquinho a desejar ainda sabe, essa questão de família, né. Essa questão de, como eu falei, de fora o CAPS. O CAPS não se, quer dizer, o trabalho, né, não se resumir à esses muros aqui, que é o mesmo modelo, né hospitalocêntrico, e de você trabalhar com os usuários a perspectiva de futuro, reinserção social realmente. Assim, a meu ver, ainda não tá sendo trabalhado isso, sabe. Eu acho que tá engatinhando muito devagar, né, na verdade, porque o CAPS já tem uma história longa, tem quase dez anos, nove anos e assim, tem pessoas que tão, como eu falei, aqui há sete anos, então, o que é reinserção? O que é reinserir? É você colocar ele numa modalidade e vim pra cá pro CAPS, e fora como é que tá sendo?" (Profissional do CAPS). Colvero, Costardi, Rolim (2004) ressaltam que as mudanças nos serviços de saúde mental são recentes, e a sociedade de um modo geral, mais especificamente a família, ainda está habituada ao modelo hospitalocêntrico, onde o cuidado estava focado no saber dos técnicos e dos especialistas, o tratamento se dava através da internação compulsória e da medicalização dos sintomas. Na atualidade a política de assistência, trabalha um novo modelo de intervenção, o usuário, quando há uma necessidade de internação, acontece de forma breve, a continuidade do tratamento se dá na rede extra hospitalar, com o apoio familiar e da 52 comunidade. Entretanto, compreende-se que nem sempre, o usuário pode contar com a participação da família, pois, diante das 'novas' demandas de cuidado, alguns familiares ainda não participam ativamente do processo: "os paciente vem, quando vem, tem alguém para acompanhar ? Não tem. Aí como é que um profissional pode passar uma medicação pra um paciente desse? Sem um acompanhamento, sem um amparo familiar?" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). "[...]principalmente o idoso ele é só. Na maioria, eu vejo, eu sempre questiono isso, olhe, porque num teve ninguém que pudesse vir? "Não minha filha só sou eu e ainda cuido de outra pessoa, de um deficiente, de um filho deficiente ou um filho com um problema de saúde mental também" [...]" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). No CAPS acontecem as Assembleias ou Reuniões de Organização do Serviço, nestes encontros são reunidos técnicos, usuários, familiares e convidados para discutir problemas e sugestões, avaliar o funcionamento dos serviços, cujo objetivo é construir propostas e melhorias para os serviços oferecidos (BRASIL, 2007). Mais uma vez pode ser percebida a dificuldade da inserção da família no tratamento do usuário: "Antes, quando o CAPS abriu, nós tínhamos carro que fazíamos as visitas domiciliar quando os parentes não vinham às nossas reuniões mensais, depois a gente perdeu esse carro, por questões políticas. Agora com a mudança para CAPS III teve uma grande melhoria, a gente tá com o carro de volta, então a gente consegue estar fazendo a ligação com PSF que a gente não tinha isso antes, que é proposta de todo CAPS, mas tinha essa deficiência. Então agora a gente tem a ligação com os PSFs, a gente tem o carro pra fazer a visita domiciliar quando eles não vem, como eu já citei, na reunião de família mensal. Então agora a gente tem conseguido de fato fazer isso" (Profissional do CAPS). No decorrer da história a família ocupou vários lugares no tratamento do sujeito em sofrimento psíquico, tomando como exemplo a época em que prevalecia o conhecimento da Medicina Mental: o "alienado" deveria ser isolado do contexto familiar, pois entendia-se que 53 a família era a propiciadora da alienação mental - Esquirol em sua época, apresentou vários casos para refutar que os pacientes recuperavam a razão quando não estavam em casa, outra forma de justificar o isolamento era que o alienado não seria um bom exemplo principalmente para os familiares mais frágeis, tais como crianças e jovens (BIRMAN,1978). No entanto, o tratamento numa perspectiva psicossocial entende que a participação familiar é muito relevante, visto que, na maioria das vezes, é o principal elo do usuário com o mundo (BRASIL, 2004a). No entendimento dos (as) profissionais: "os pacientes daqui de saúde mental, eles não tem assim o amparo familiar, isso faz com que eles fiquem mais debilitados, entendeu?" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). "o paciente ele tem assim um desfalque muito grande de apoio familiar, entendeu? Aí a gente tenta, tenta ajudar da melhor maneira possível, mas, assim mesmo o nosso apoio sem o apoio familiar fica muito difícil" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). É importante lembrar que o trabalho desenvolvido no CAPS não pode ser numa perspectiva de dependência do usuário, muito menos, que o tratamento seja por toda a vida (BRASIL, 2004a): "[...] depois que estão aqui (refere-se ao usuário) a gente também sente a dificuldade de dar alta, porque eles não querem sair" (Profissional CAPS). O CAPS deve está inserido numa rede de serviços com objetivo de contribuir para o processo de reconstrução e/ou fortalecimento dos laços sociais, familiares e comunitário. Nestas relações de trocas é produzida a autonomia do usuário e a sua inclusão social, pois, compreende-se que o trabalho continum de cuidados, aproxima as pessoas e minimiza as diferenças (BRASIL, 2004a). Na percepção do(a) profissional as dificuldades para execução de seu trabalho está na: "[...] adesão do usuários ao tratamento, mais espaço na sociedade, compreensão dos demais serviços em relação ao nosso. Preconceito e falta de interesse no apoio (refere-se ao 'apoio matricial' que deve trabalhar compartilhando (Profissional CAPS). as responsabilidades dos casos)" 54 Outra dificuldade apontada no CAPS: "A gente sente a dificuldade sim quando eles chegam ao nosso serviço que eles não querem ficar, acham que a gente tá dizendo que eles são loucos, [...] também se assustam com os outros usuários [...]" (Profissional CAPS). No ambulatório os profissionais entendem que: "Não, no momento aqui não tem dificuldade nenhuma graças a Deus, uma equipe muito boa e nós só temos a agradecer” (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). "eu num acho dificuldade nenhuma não, na verdade eu acho é prazeroso trabalhar com pessoas assim, pessoas que precisam mesmo de ajuda" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). "Eu não considero que existam dificuldades para a execução do meu trabalho, pois o serviço me dá bastante autonomia e liberdade para o desempenho deste" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). Na visão deste(a) profissional existem dificuldades, e pontua: "Sim, há umas limitações que estão sendo formadas gradativamente, entre elas a carência de profissionais" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). O Hospital Psiquiátrico de Caruaru, mais conhecido como 'Dr. Veloso', local de internação psiquiátrica desde 1966, instituição privada conveniada ao Sistema Único de Saúde, surgiu para atender a demandas dos pacientes portadores de transtornos mentais - da cidade e circunvizinhança - em decorrência da ausência de outros serviços psiquiátricos (OLIVEIRA, 2010). De um modo geral, na opinião deste(a) profissional o fechamento do hospital contribuiu com a Reforma Psiquiátrica na cidade: “Depois das mudanças, [...] depois do fechamento do “Veloso”, quando o CAPS se tornou CAPS III que foi em novembro, ele tem sido satisfatório com a Reforma Psiquiátrica” (Profissional CAPS). 55 Na concepção dos profissionais entrevistados quando questionados sobre se os serviços atuais são satisfatórios para o tratamento dos usuários, estes responderam que: "[...] eu tenho visto evolução, pelo menos tem se tentado, tem se feito reuniões, tem se sentado pra ver como melhor atender, ainda não chegou no que é pra ser, mas, tão cooperando pra isso" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). “O município está estruturando sua rede de assistência à saúde mental para atender de maneira satisfatória o portador de transtorno mental” (Profissional CAPS). "Eu entendo assim, que tende a melhorar, deveria ser assim mais aprofundado, mais social mesmo, que às vezes fica assim só nas entrelinhas e na prática há uma certa deficiência [...]" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). “O CAPS é um serviço que já existe há mais ou menos 8 anos no município. De inicio era CAPS II, atualmente passou para CAPS III. O seu funcionamento esta de acordo com a proposta de CAPS e vem obtendo resolutividade” (Profissional CAPS). "[...]a assistência social ela tem dado uma força, assim, o que eu vejo de um esforço muito grande, da parte da assistência mesmo, de ajudar realmente de procurar os direitos de realmente entender, porque tem que entender e saber os direitos que eles precisam [...]dando maior apoio, o que ela pode fazer, ela sempre tá ajudando, sempre tá melhorando" (Profissional Ambulatório de Saúde Mental). Desinstitucionalização está além da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos pela rede de serviços de atenção psicossocial. Desinstitucionalizar não tem fim, não tem ideal, precisa ser inventado incessantemente. Trata-se de um exercício cotidiano de reflexão e crítica sobre os valores estabelecidos como naturais ou verdadeiros, que diminuem a vida e 56 reproduzem a sociedade excludente na qual estamos inseridos (ALVERGA E DIMENSTEIN, 2005). Desinstitucionalizar é um processo permanente que deve ser discutido e problematizado sempre que tratar de propostas políticas e de práticas de saúde mental, sucessivamente envolvendo usuários, familiares, profissionais e todas as pessoas imbuídas na causa da Luta Antimanicomial. 57 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas entrevistas realizadas no ambulatório com os usuários e familiares, foi percebido pelas pesquisadoras que o CAPS ainda é um dispositivo desconhecido pela maioria dos entrevistados, e o mais agravante é que até mesmo pelos usuários que possuem transtornos mentais severos e/ou persistentes. Foi observado que tanto no Ambulatório de Saúde Mental quanto no CAPS, que os pacientes entrevistados não apontaram nenhuma dificuldade para o tratamento, embora ainda visualizem a figura do médico psiquiatra como referência profissional para seu tratamento. Os usuários, principalmente do CAPS, trazem também uma percepção positiva sobre o cuidado e a forma com que são tratados. A medicalização se apresenta ainda como uma forma de controle da doença e também como uma perspectiva de cura, já as demais atividades terapêuticas não são percebidas nas falas dos usuários entrevistados. Os usuários trouxeram enfaticamente a medicação como base do tratamento, poucas foram as falas que trouxeram outras formas de contribuições dos serviços para o tratamento. A participação da família e a relação estabelecida no âmbito familiar são apresentadas como um grande suporte para lidar com as dificuldades, as limitações e os empasses que o adoecimento mental traz. No que diz respeito à relação de cuidado, a família tem se mostrado mais presente no discurso dos usuários com o papel principal de administração da medicação. A família no atual modelo de atenção à saúde mental tem sido cada vez mais requisitada a fazer parte das estratégias de cuidados, diferentemente de outros momentos como na época do Alienismo que já foi excluída do tratamento e apontada como a causadora das patologias, ou mesmo por se eximir por não saber como lidar com a situação (BIRMAN, 1978; COLVERO, COSTARDI, ROLIM, 2004). Diante do que foi exposto pelos usuários, profissionais ou mesmo na fala dos familiares, existe em sua maioria um distanciamento da família no tratamento do usuário. Distanciamento este, que perpassa por vários fatores, dentre eles pode-se citar: a sobrecarga de atividades; o não saber lidar com o outro no momento da crise; por estarem habituados a atribuir todas as demandas de cuidados aos profissionais; o adoecimento psíquico que também acomete estes familiares; a falta de confiança no modelo assistencial que para alguns ainda é recente; por acreditar que a medicação traz a solução de 'todos' os problemas, etc. O Estado reconhece a família como o principal elo estabelecido entre usuário e a sociedade, cada vez mais atribuindo responsabilidades, por outro lado, possui este, o dever de dar subsídios para estes familiares. Se faz necessário criar estratégias de aproximação entre os familiares e os serviços, dando apoio e orientando. Uma fala muito 58 recorrente nas entrevistas com os profissionais é justamente a dificuldade que eles têm em executar suas atividades profissionais quando estas estão associadas a parceria com os familiares, ou seja, num tratamento que deveria se estender além do CAPS ou Ambulatório, muitas vezes, fica limitado apenas ao serviço. Quando o usuário recebe o apoio da família, predominantemente, o cuidado recai apenas sobre um membro da família, um(a) cuidador(a) e geralmente uma mulher, ou seja, uma esposa, uma filha, uma mãe. É importante ressaltar que nos locais da pesquisa o conceito de família independe da sua composição - ele é amplo, na verdade, utilizando das palavras de Sarti (1996), são da família aquele com o qual se pode contar, se pode confiar, ou seja, o modelo de família que circula nestes espaços é constituído por parentes consanguíneos, por cônjuges, por amigos (que se constroem dentro ou fora dos serviços), por profissionais, etc. Os profissionais de saúde mental em suas rotinas de trabalho lidam constantemente com pessoas em sofrimento psíquico. Suas atuações demandam um 'saber lidar' que não se encontram nos 'manuais de técnicas', mas que requerem destes, criatividade, inovação e desprendimento para se lançar na relação com este outro. Relação esta, pautada numa ética originária do grego ethos, cujo significado apresenta-se como modos de ser, compreendendo que é, estar além da dimensão das práticas institucionais e tradicionais, significa dizer ser necessário implicar-se no desafio diário de lidar como os sofrimentos, com o inusitado, com tudo àquilo que causa estranhamento pelo simples fato de não existir respostas prontas diante do que se apresenta (ANDRADE, MORATTO, 2004). Embora haja muitas lacunas nos serviços pesquisados, vale ressaltar que existem alguns profissionais que realmente estão engajados na causa, que compreendem bem as propostas da Reforma Psiquiátrica e que buscam ultrapassar as limitações existentes na saúde pública. Foram profissionais que expressaram muito desejo de mudanças e de rupturas diante da realidade vivenciadas por eles, sabem de fato 'a quê e a quem' se destina o trabalho deles. Profissionais estes, que fazem circular novas ideias, que provocam nos colegas que ainda estão impregnados com os 'desejos de manicômios' um novo pensar e novas posturas. Outros profissionais (em conversa que antecediam o registro da pesquisa) apresentaram muita disponibilidade para lidar com seres humanos, possuem muita sensibilidade, o que é muito importante! No entanto, precisam entender mais sobre as políticas de saúde mental, 'o quê e para quem' os serviços se destinam. No que concerne às estruturas físicas dos dois campos de pesquisa, há uma precariedade principalmente em relação ao espaço físico. No ambulatório de saúde mental, os usuários e/ou familiares aguardam horas em pé numa fila quilométrica pelo atendimento, 59 expostos à sol, chuva, sereno, frio, calor, fome, sede, etc. Em relação ao CAPS, até a finalização da pesquisa, funcionava ao mesmo tempo e no mesmo espaço: o CAPS III que tem atendimento 24 horas e sete dias na semana, o CAPSad, o departamento de vetores e a Residência Terapêutica (servindo de moradia para dois usuários que estiveram internados por muitos anos no Hospital Psiquiátrico Alberto Maia de Camaragibe-PE e após o fechamento da instituição não tinham para onde ir), ressaltando que todos esses serviços estavam funcionando na mesma estrutura física de quando era um CAPS II. As pesquisadoras foram comunicadas de maneira informal por alguns profissionais, que para o Ambulatório de Saúde Mental existe um projeto de melhorias, onde inclui a ampliação do espaço físico, pois toda a área que atualmente é ocupada pela Secretária de Saúde e Círculo Operário será destinada aos serviços na área da saúde mental do município. Quanto ao CAPS, segundo informações dadas também pelos profissionais, o departamento de vetores já havia mudado de local e só restavam alguns poucos animais, o serviço de Residência Terapêutica estava sendo inaugurado ainda no mês de agosto, o CAPSad também sairia de lá, mas não nos foi informada a previsão, e que, após todas as mudanças, o prédio passaria por uma ampliação para melhor atender aos usuários. Entretanto, enquanto as mudanças não aconteciam, o dispositivo estava tumultuado com a superlotação de profissionais, usuários e familiares circulando e tentando atender as demandas ali existentes. Compreende-se aqui que não se trata de eleger um responsável pelo cuidado, mas diz de responsabilidades mútuas envolvendo usuários, familiares, comunidade e profissionais dos mais diversos campos do saber. Todos estes, precisam se envolver e se desprender da culpabilização do outro, pois não se trata de querer responder à relação causa e efeito do transtorno mental, nem tampouco de se negar a patologia existente, mas sobretudo, de identificar formas subjetivas para que o sujeito possa lidar com o sofrimento psíquico. Assim nas palavras de Basaglia apud Amarante (2007) colocar a "doença entre parênteses" significa dar ênfase a produção de conhecimentos a partir da vivência de cada sujeito, não reduzi-lo ao transtorno mental. A intervenção psicossocial busca provocar mudanças na vida dos sujeitos, entretanto, é necessário que estes se percebam no processo e que desejem tais transformações, é preciso (re)estabelecer vínculos afetivos e somar forças. A mudança só ocorre a partir do momento que o grupo sente a necessidade, tem a consciência e o desejo de mudar (NEIVA, 2010). Para que tais mudanças aconteçam, uma via importante neste caminhar é investir no âmbito sociocultural, discutindo em sociedade, problematizando o que está posto, fazendo com que 60 todos percebam que o cuidado em saúde mental deve ser exercitado em todos os âmbitos da sociedade - é um exercício da cidadania. Diante do que foi discutido neste trabalho, as pesquisadoras compreendem que frente a tantas questões relevantes que foram evidenciadas, faz surgir novas provocativas que certamente darão margens para novas pesquisas. Pois, é perceptível que enquanto usuários, familiares, profissionais, pesquisadores, etc., temos muito ainda para aprender, construir e aprimorar na área da saúde mental. É preciso ficarmos sempre atentos para que as mudanças ocorridas nestes serviços não sejam a reprodução do modelo manicomial vestido do psicossocial, ou seja, um modelo aparentemente de Atenção Psicossocial, mas que acaba 'enCAPSulando'2 o sujeito, impedindo que este possa de fato ser o protagonista de sua própria história. 2 O neologismo 'enCAPSulando', aqui é utilizado no sentido de provocar uma discussão a respeito das formas mascaradas de aprisionamento que podem ocorrer dentro dos serviços ditos psicossociais. Este termo comumente é utilizado pelos militantes da Luta Antimanicomial como uma crítica aos CAPS que não funcionam de acordo com a Reforma Psiquiátrica. 61 REFERÊNCIAS ALVERGA, Alex Reinecke de; DIMENSTEIN, Magda. A loucura interrompida nas malhas da subjetividade. In: AMARANTE, P. (Org.). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial 2. Rio de Janeiro: NAU, 2005. p.45-66. AMARANTE, Paulo (Org.) Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. 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Rio de Janeiro: Agir, 1997. 65 APÊNDICES APÊNDICE A – Questionários para entrevistas com Usuários do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru APÊNDICE B – Questionários para entrevistas com Familiares do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru APÊNDICE C – Questionários para entrevistas com Profissionais do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para usuários do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para familiares do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru APÊNDICE F – Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para profissionais do Ambulatório de Saúde Mental e do Centro de Atenção Psicossocial de Caruaru 66 APÊNDICE A SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP QUESTIONÁRIO PARA USUÁRIOS 1. Qual(is) a(s) contribuição(ões) dos serviços prestados pelo CAPS/Ambulatório de saúde mental de Caruaru para o seu tratamento? 2. Você já fez uso de algum outro serviço para o seu tratamento? Relate de forma breve a sua experiência. 3. Em seu tratamento você recebe apoio da sua família? De quê maneira? 4. Qual a importância da sua família no seu tratamento? 5. Como você se sente cuidado pelos profissionais do serviço de saúde mental de Caruaru? 67 APÊNDICE B SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP QUESTIONÁRIO PARA FAMÍLIA 1. Para você como é cuidar de uma pessoa da família que é portadora de transtorno mental? 2. Através dos serviços prestados pelo CAPS/Ambulatório de Saúde Mental de Caruaru, você consegue perceber evolução no tratamento do(a) seu(ua) parente? 3. Qual a importância da família no tratamento? 4. Você acha que os serviços de saúde mental que o município de Caruaru disponibiliza têm sido satisfatório para o tratamento do seu(ua) parente? 5. Você sente alguma dificuldade em cuidar do seu parente com problema mental? Se sim, qual? 68 APÊNDICE C SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP QUESTIONÁRIO PARA PROFISSIONAIS 1. O que você enquanto profissional da saúde mental compreende da Atenção Psicossocial? 2. O modelo atual de assistência à saúde mental em Caruaru tem sido satisfatório para o cuidado ao usuário? 3. Existem dificuldades para execução do seu trabalho? Se sim, quais as principais? 4. A partir da proposta de intervenção do CAPS que tem dentre os objetivos promover a interação social e familiar do usuário, você consegue visualizar isto na prática? 5. Como você enquanto profissional da saúde mental entende como deve ser o cuidado com o usuário? 69 APÊNDICE D TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP O Sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa intitulada PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, que tem como pesquisadoras: Janayna Bomfim da Silva e Sabryna Darlyng Gomes de Paiva, sob a orientação da professora Fabiana Josefa do Nascimento Sousa. Neste estudo nós queremos saber que mudanças a substituição do hospital psiquiátrico pelo CAPS/UNIDADE DE SAÚDE MENTAL, trouxe para sua vida. Sua participação é muito importante. Se você desistir de participar não tem problema. Se tiver alguma dúvida estamos aqui para explicar quantas vezes forem necessárias. Somente poderá participar desta pesquisa o usuário que no momento da aplicação do questionário, estiver orientado psiquicamente e estiver com menos impregnação de psicofármaco. Você não corre nenhum risco em participar. Sua identidade será mantida em sigilo. Você não receberá nenhuma remuneração financeira para participar. Nós conversaremos um pouco e faremos algumas perguntas. Usaremos o gravador (com seu consentimento) para só depois transcrevermos a nossa conversa. Eu, ____________________________________________, portador do documento de Identidade ____________________ fui informado (a) dos objetivos do estudo: PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Pesquisadoras: Sabryna Darlyng Gomes de Paiva (Endereço: Rua Padre Antônio Vieira CEP: 55010-270 – Caruaru – PE, Fone: (81) 9176-1892 /9824-7199. E-mail: [email protected] / Janayna Bomfim da Silva (Endereço: Rua Venceslau Bráz, 95, Boa Vista, Caruaru – PE, CEP: 55038-680 Fone: (81) 9158-2339/9644-5704 E-mail: [email protected] Pesquisadora responsável: Fabiana Josefa do Nascimento Sousa (CRP 02/ 14846 – RG 2314076 – CIC 02882460473) e-mail: [email protected] Caruaru, _____ de ______________________ de 20___ . Participante ______________________________ Testemunha (RG) _____________________________ Testemunha (RG) 70 APÊNDICE E TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP O Sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa intitulada PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, que tem como pesquisadoras: Janayna Bomfim da Silva e Sabryna Darlyng Gomes de Paiva, sob a orientação da professora Fabiana Josefa do Nascimento Sousa. Neste estudo nós queremos saber como você participa do tratamento do seu parente nos Serviços de Saúde Mental em Caruaru. Sua participação é muito importante. Se você desistir de participar não tem problema. Se tiver alguma dúvida estamos aqui para explicar quantas vezes forem necessárias. Você não corre nenhum risco em participar. Sua identidade será mantida em sigilo. Você não receberá nenhuma remuneração financeira para participar. Nós conversaremos um pouco e faremos algumas perguntas. Usaremos o gravador (com seu consentimento) para só depois transcrevermos a nossa conversa. Eu, ____________________________________________, portador do documento de Identidade ____________________ fui informado (a) dos objetivos do estudo: PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Pesquisadoras: Sabryna Darlyng Gomes de Paiva (Endereço: Rua Padre Antônio Vieira CEP: 55010-270 – Caruaru – PE, Fone: (81) 9176-1892 /9824-7199. E-mail: [email protected] / Janayna Bomfim da Silva (Endereço: Rua Venceslau Bráz, 95, Boa Vista, Caruaru – PE, CEP: 55038-680 Fone: (81) 9158-2339/9644-5704 E-mail: [email protected] Pesquisadora responsável: Fabiana Josefa do Nascimento Sousa (CRP 02/ 14846 – RG 2314076 – CIC 02882460473) e-mail: [email protected] Caruaru, _____ de ______________________ de 20___ . Participante ______________________________ Testemunha (RG) _____________________________ Testemunha (RG) 71 APÊNDICE F TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP O Sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa intitulada PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, que tem como pesquisadoras: Janayna Bomfim da Silva e Sabryna Darlyng Gomes de Paiva, sob a orientação da professora Fabiana Josefa do Nascimento Sousa. Neste estudo nós queremos compreender como se dá a execução do seu trabalho e a relação do cuidado para com os usuários dos serviços de Saúde Mental no município de Caruaru - PE. Sua participação é muito importante. Se você desistir de participar não tem problema. Se tiver alguma dúvida estamos aqui para explicar quantas vezes forem necessárias. Você não corre nenhum risco em participar. Sua identidade será mantida em sigilo. Você não receberá nenhuma remuneração financeira para participar. Nós conversaremos um pouco e faremos algumas perguntas. Usaremos o gravador (com seu consentimento) para só depois transcrevermos a nossa conversa. Eu, ____________________________________________, portador do documento de Identidade ____________________ fui informado (a) dos objetivos do estudo: PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO SOBRE O SERVIÇO DE SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE CARUARU, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Pesquisadoras: Sabryna Darlyng Gomes de Paiva (Endereço: Rua Padre Antônio Vieira CEP: 55010-270 – Caruaru – PE, Fone: (81) 9176-1892 /9824-7199. E-mail: [email protected] / Janayna Bomfim da Silva (Endereço: Rua Venceslau Bráz, 95, Boa Vista, Caruaru – PE, CEP: 55038-680 Fone: (81) 9158-2339/9644-5704 E-mail: [email protected] Pesquisadora responsável: Fabiana Josefa do Nascimento Sousa (CRP 02/ 14846 – RG 2314076 – CIC 02882460473) e-mail: [email protected] Caruaru, _____ de ______________________ de 20___ . Participante ______________________________ Testemunha (RG) _____________________________ Testemunha (RG) 72 ANEXOS ANEXO A – Parecer favorável a pesquisa emitido pelo Comitê de Ética ANEXO B – Carta de Anuência do Centro de Atenção Psicossocial ANEXO C – Carta de Anuência do Ambulatório de Saúde Mental ANEXO D – Portaria 3088/11 73 ANEXO A 74 ANEXO B 75 ANEXO C 76 ANEXO D PORTARIA Nº 3.088, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011 Legislações - GM Seg, 26 de Dezembro de 2011 00:00 PORTARIA Nº 3.088, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011 Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições que lhe conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e Considerando a Lei No- 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências; Considerando a Lei No- 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; Considerando a Lei No- 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde; Considerando as determinações da Lei No- 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental; Considerando Lei No- 10.708, de 31 de julho de 2003, que institui o auxílioreabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações. Considerando o Decreto No- 7179, de 20 de maio de 2010, que institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas; Considerando as disposições contidas no Decreto No- 7508, de 28 de junho de 2011, que dispõe sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação Interfederativa; Considerando a Política Nacional a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, publicada em 2003; Considerando a Portaria GM/MS No- 336, 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); 77 Considerando a Portaria GM/MS No- 816, de 30 de abril de 2002, que instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas; Considerando as diretrizes previstas na Portaria GM/MS No- 1190, 4 de junho de 2009, que institui Plano Emergencial de ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas (PEAD); Considerando a Portaria GM/MS No- 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); Considerando a ?Portaria GM/MS, No- 1.600, de 7 de julho de 2011, que reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde (SUS); Considerando Portaria GM/MS No- 2.488, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); Considerando as recomendações do Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial, realizada em 2010; Considerando a necessidade de que o SUS ofereça uma rede de serviços de saúde mental integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender as pessoas com demandas decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas; e Considerando a necessidade de ampliar e diversificar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) para a atenção às pessoas com necessidades decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas e suas famílias, resolve: Art. 1º Instituir a Rede de Atenção Psicossocial com a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Art. 2º Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial: I - Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas; II - Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; III - Combate a estigmas e preconceitos; IV - Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; 78 V - Atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; VI - Diversificação das estratégias de cuidado; VII - Desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania. VIII - Desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos; IX - Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares; X - Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado; XI - Promoção de estratégias de educação permanente; e XII - Desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular. Art. 3º São objetivos gerais da Rede de Atenção Psicossocial: I - Ampliar o acesso à atenção psicossocial da população em geral; II - Promover a vinculação das pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos de atenção; e III - Garantir a articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências. Art. 4º São objetivos específicos da Rede de Atenção Psicossocial: I - Promover cuidados em saúde especialmente grupos mais vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em situação de rua e populações indígenas); II - Prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras drogas; III - Reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e outras drogas; IV - Promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia solidária; V - Promover mecanismos de formação permanente aos profissionais de saúde; VI - Desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de danos em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil; 79 VII - Produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede; VIII - Regular e organizar as demandas e os fluxos assistenciais da Rede de Atenção Psicossocial; e IX - Monitorar e avaliar a qualidade dos serviços através de indicadores de efetividade e resolutividade da atenção. Art. 5º A Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos seguintes componentes: I - Atenção Básica em Saúde; II - Atenção Psicossocial Especializada; III - Atenção de Urgência e Emergência; IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório; V - Atenção Hospitalar; VI - Estratégias de Desinstitucionalização; e VI - Reabilitação Psicossocial . Art. 6º São pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial em cada componente, os seguintes serviços: I - Na atenção básica em saúde: a) Unidade Básica de Saúde - serviço de saúde constituído por equipe multiprofissional responsável por um conjunto de ações de saúde, de âmbito individual e coletivo, que abrange promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver a atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. A Unidade Básica de Saúde como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial tem a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais, ações de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais pontos da rede. b) Equipes de Atenção Básica para populações em situações específicas: - Equipe de Consultório na Rua - equipe constituída por profissionais que atuam de forma itinerante, ofertando ações e cuidados de saúde para a população em situação de rua, considerando suas diferentes necessidades de saúde. No âmbito da Rede de Atenção Psicossocial é responsabilidade da Equipe do Consultório na Rua ofertar cuidados em saúde 80 mental para (i) pessoas em situação e rua em geral; (ii) pessoas com transtornos mentais e (iii) usuários de crack, álcool e outras drogas, incluindo ações de redução de danos, em parceria com equipes de outros pontos de atenção da rede de saúde, como Unidades Básicas de Saúde, Centros de Atenção Psicossocial, Prontos-Socorros, entre outros. Quando necessário, a equipe de Consultório na Rua poderá utilizar as instalações das Unidades Básicas de Saúde do território. - Equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório: oferece suporte clínico e apoio a esses pontos de atenção. Essa equipe multiprofissional coordena o cuidado e presta serviços de atenção à saúde de forma longitudinal e articulada com os outros pontos de atenção da rede; c) Centro de Convivência - é unidade pública, articulado às Redes De Atenção à Saúde, em especial à Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população em geral espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e na cidade. Os Centros de Convivência são estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos mentais e pessoas que fazem uso de crack, álcool e outras drogas, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade e em variados espaços da cidade. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família - é constituído por profissionais de saúde de diferentes áreas de conhecimento, que atuam de maneira integrada, sendo responsável por apoiar as Equipes de Saúde da Família, as Equipes de Atenção Básica para populações específicas e equipes da academia da saúde , atuando diretamente no apoio matricial e, quando necessário, no cuidado compartilhado junto às equipes da(s) unidade(s) na(s) qual(is) o Núcleo de Apoio à Saúde da Família está vinculado, incluindo o suporte ao manejo de ituações relacionadas ao sofrimento ou transtorno mental e aos problemas relacionados ao uso de crack, álcool e outras drogas. II - Na atenção Psicossocial Especializada: Centro de Atenção Psicossocial - constituído por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo, e não-intensivo. O trabalho no Centro de Atenção Psicossocial é realizado prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, reunião diária de equipe), de forma articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das demais redes. O cuidado é desenvolvido através de Projeto Terapêutico Individual, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário e sua família. A ordenação do cuidado estará sob a responsabilidade do Centro de Atenção Psicossocial ou da Atenção Básica, garantindo permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal do caso. Os Centros de Atenção Psicossocial estão organizados nas seguintes modalidades: a) CAPS I: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e também com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias; indicado para municípios com população acima de 20.000 habitantes; 81 b) CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, podendo também atender pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, conforme a organização da rede de saúde local; indicado para municípios com população acima de 70.000 habitantes. c) CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS Ad; indicado para municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. d) CAPS AD: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de caráter comunitário, indicado para municípios ou regiões com população acima de 70.000 habitantes. e) CAPS AD III: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades de cuidados clínicos contínuos. Serviço com no máximo 12 leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população acima de 200.000 habitantes. f) CAPS i: atende crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço aberto e de caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de 150.000 habitantes. III - Na atenção de urgência e emergência: a) Os pontos de atenção da Rede de Atenção às Urgências - SAMU 192, Sala de Estabilização, UPA 24 horas, as portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde, entre outros - são responsáveis, em seu âmbito de atuação, pelo colhimento, classificação de risco e cuidado nas situações de urgência e emergência das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas; b) Os Centros de Atenção Psicossocial realizam o acolhimento e o cuidado das pessoas em fase aguda do transtorno mental, seja ele decorrente ou não do uso de crack, álcool e outras drogas, devendo nas situações que necessitem de internação ou de serviços residenciais de caráter transitório, articular e coordenar o cuidado. IV - Na atenção residencial de caráter transitório: a) A Unidade de Acolhimento é um ponto de atenção que oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamento 24 horas, em ambiente residencial, para pessoas com necessidade decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório. Otempo de permanência na Unidade de Acolhimento é de até seis (06) meses. O acolhimento neste ponto de atenção será definido exclusivamente pela equipe do Centro de Atenção Psicossocial de referência que será responsável pela elaboração do projeto terapêutico singular do usuário, considerando a hierarquização do cuidado, priorizando a atenção em serviços comunitários de saúde. 82 As Unidades de Acolhimento estão organizadas nas seguintes modalidades: - Unidade de acolhimento Adulto, destinados a pessoas que fazem uso do Crack, Álcool e Outras Drogas, maiores de 18 (dezoito) anos; e - Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil, destinadas a adolescentes e jovens (de doze até dezoito anos completos). b) Serviços de Atenção em Regime Residencial, dentre os quais Comunidades Terapêuticas - serviço de saúde destinado a oferecer cuidados contínuos de saúde, de caráter residencial transitório por até nove (09) meses para adultos com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Esta Instituição funciona de forma articulada com (i) a atenção básica -que apoia e reforça o cuidado clínico geral dos seus usuários - e com(ii) o Centro de Atenção Psicossocial que é responsável pela indicação do acolhimento, pelo acompanhamento especializado durante este período, pelo planejamento da saída e pelo seguimento do cuidado, bem como, participar de forma ativa da articulação intersetorialpara promover a reinserção do usuário na comunidade. V - Na Atenção Hospitalar: a) Enfermaria especializada para atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas em Hospital Geral, oferece tratamento hospitalar para casos graves relacionados aos transtornos mentais e ao uso de álcool, crack e outras drogas, em especial de abstinências e intoxicações severas. O cuidado ofertado deve estar articulado com o Projeto Terapêutico Individual desenvolvido pelo serviço de referência do usuário e a internação deve ser de curta duração até a estabilidade clínica. O acesso aos leitos neste ponto de atenção deve ser regulado com base em critérios clínicos e de gestão por intermédio do Centro de Atenção Psicossocial de referência. No caso do usuário acessar a rede por meio deste ponto de atenção, deve ser providenciado sua vinculação e referência a um Centro de Atenção Psicossocial, que assumirá o caso. A equipe que atua em enfermaria especializada em saúde mental de Hospital Geral deve ter garantida composição multidisciplinar e modo de funcionamento interdisciplinar. b) O Serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas oferece suporte hospitalar, por meio de internações de curta duração, para usuários de álcool e/ou outras drogas, em situações assistenciais que evidenciarem indicativos de ocorrência de comorbidades de ordem clínicae/ou psíquica, sempre respeitadas as determinações da Lei No- 10.216, de 2001, e sempre acolhendo os pacientes em regime de curtíssima ou curta permanência. Funciona em regime integral, durante 24 horas diárias, nos sete dias da semana, sem interrupção da continuidade entre os turnos. Em nível local ou regional, compõe a rede hospitalar de retaguarda aos usuários de álcool e outras drogas, observando o território, a lógica da redução de danos e outras 83 premissas e princípiosdo SUS. VI - Nas Estratégias de Desinstitucionalização: O componente Estratégias de Desinstitucionalização é constituído por iniciativas que visam a garantir às pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em situação de internação de longa permanência, o cuidado integral por meio de estratégias substitutivas, na perspectiva da garantia de direitos com a promoção de autonomia e o exercício de cidadania, buscando sua progressiva inclusão social.. Os Serviços Residenciais Terapêuticos - que são pontos de atenção desse componente - são moradias inseridas na comunidade, destinadas a acolher pessoas egressas de internação de longa permanência (dois anos ou mais ininterruptos), egressas de hospitais psiquiátricos e hospitais de custódia, entre outros. § 1º O hospital psiquiátrico pode ser acionado para o cuidado das pessoas com transtorno mental nas regiões de saúde enquanto o processo de implantação e expansão da Rede de Atenção Psicossocial ainda não se apresenta suficiente. Estas regiões de saúde devem priorizar a expansão e qualificação dos pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial para dar continuidade ao processo de substituição dos leitos em hospitais psiquiátricos. § 2º Programa de Volta para Casa é uma política pública de inclusão social que visa contribuir e fortalecer o processo de desinstitucionalização, instituída pela Lei 10.708/2003, que provê auxílio reabilitação para pessoas com transtorno mental egressas de internação de longa permanência. Art. 7º O componente Reabilitação Psicossocial da Rede de Atenção Psicossocial é composto por iniciativas de geração de trabalho e renda/empreendimentos solidários/cooperativas sociais. Parágrafo único. As ações de caráter intersetorial destinadas à reabilitação psicossocial, por meio da inclusão produtiva, formação e qualificação para o trabalho de pessoas com transtorno mental ou com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas em iniciativas de geração de trabalho e renda/empreendimentos solidários/ cooperativas sociais. Tais iniciativas devem articular sistematicamente as redes de saúde e de economia solidária com os recursos disponíveis no território para garantir a melhoria das condições concretas de vida, ampliação da autonomia, contratualidade e inclusão social de usuários da rede e seus familiares. Art. 8º A operacionalização da implantação da Rede de Atenção Psicossocial se dará pela execução de quatro fases: I - Desenho Regional da Rede de Atenção Psicossocial; II - Adesão e diagnóstico; III - Contratualização dos Pontos de Atenção; e 84 IV - Qualificação dos componentes. I - FASE 1: Desenho Regional da Rede de Atenção Psicossocial: a) realização pelo Colegiado de Gestão Regional e pelo CGSES/ DF, com o apoio da SES, de análise da situação de saúde das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, com dados primários, incluindo dados demográficos e epidemiológicos, dimensionamento da demanda assistencial, dimensionamento da oferta assistencial e análise da situação da regulação, da avaliação e do controle, da vigilância epidemiológica, do apoio diagnóstico, do transporte e da auditoria e do controle externo, entre outros; b) pactuação do Desenho da Rede de Atenção Psicossocial no Colegiado de Gestão Regional (CGR) e no CGSES/DF; c) elaboração da proposta de Plano de Ação Regional, pactuado no Colegiado de Gestão Regional e no CGSES/DF, com a programação da atenção à saúde das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, incluindo as atribuições, as responsabilidades e o aporte de recursos necessários pela União, pelo Estado, pelo Distrito Federal e pelos Municípios envolvidos. Na sequencia, serão elaborados os Planos de Ação Municipais dos Municípios integrantes do CGR; e d) estímulo à instituição do Fórum Rede de Atenção Psicossocial que tem como finalidade a construção de espaços coletivos plurais, hetero?gêneos e múltiplos para participação cidadã na construção de um novo modelo de atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, mediante o acompanhamento e contribuição na implementação da Rede de Atenção Psicossocial na Região. II - FASE 2: Adesão e Diagnóstico: a) apresentação da Rede de Atenção Psicossocial no Estado, Distrito Federal e Municípios; b) apresentação e análise da matriz diagnóstica conforme o Anexo I desta Portaria na Comissão Intergestores Bipartite - CIB, no Colegiado de Gestão da Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal - CGSES/DF e Colegiado de Gestão Regional - CGR; c) homologação da região inicial de implementação da Rede de Atenção Psicossocial na CIB e CGSES/DF; e d) instituição de Grupo Condutor Estadual da Rede de Atenção Psicossocial, formado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES), Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS) e apoio institucional do Ministério da Saúde (MS), que terá como atribuições: 1. mobilizar os dirigentes políticos do SUS em cada fase; 2. apoiar a organização dos processos de trabalho voltados a 85 implantação/implementação da rede; 3. identificar e apoiar a solução de possíveis pontos críticos em cada fase; e 4. monitorar e avaliar o processo de implantação/implementação da rede. III - FASE 3: Contratualização dos Pontos de Atenção: a) elaboração do desenho da Rede de Atenção Psicossocial; b) contratualização pela União, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município dos pontos de atenção da Rede de AtençãoPsicossocial observadas as responsabilidades definidas para cada componente da Rede; e c) instituição do Grupo Condutor Municipal em cada Município que compõe o CGR, com apoio institucional da SES. IV - FASE 4: Qualificação dos componentes: a) realização das ações de atenção à saúde definidas para cada componente da Rede, previstas no art.6° desta Portaria; e b) O cumprimento das metas relacionadas às ações de atenção à saúde que deverão ser definidas na matriz diagnóstica para cada componente da Rede serão acompanhadas de acordo com o Plano de Ação Regional e dos Planos de Ações Municipais. Art. 9º Para operacionalização da Rede de Atenção Psicossocial cabe: I - a União, por intermédio do Ministério da Saúde, o apoio à implementação, financiamento, monitoramento e avaliação da Rede De Atenção Psicossocial em todo território nacional; II - ao Estado, por meio da Secretaria Estadual de Saúde: apoio à implementação, coordenação do Grupo Condutor Estadual da Rede de Atenção Psicossocial, financiamento, contratualização com os pontos de atenção à saúde sob sua gestão, monitoramento e avaliação da Rede De Atenção Psicossocial no território estadual de forma regionalizada; e III - ao Município, por meio da Secretaria Municipal de Saúde: implementação, coordenação do Grupo Condutor Municipal da Rede de Atenção Psicossocial, financiamento, contratualização com os pontos de atenção à saúde sob sua gestão, monitoramento e avaliação da Rede De Atenção Psicossocial no território municipal. Art. 10 Os critérios definidos para implantação de cada componente e seu financiamento por parte da União, serão objetos de normas específicas a serem publicadas pelo Ministério da Saúde. Art. 11 Fica constituído Grupo de Trabalho Tripartite, coordenado pelo Ministério da Saúde, a ser instituído por Portaria específica, para acompanhar, monitorar, avaliar e se 86 necessário, revisar esta Portaria em até 180 dias. Art. 12 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA