O ENSINO DO CONCEITO DE DERIVADA ATRAVÉS DO SOFTWARE WINPLOT: UM ESTUDO DE CASO NO CEFET RIO POMBA – MG VARGAS, Dênis Emanuel da Costa CEFET Rio Pomba SILVA, Natalia Moura Proença da CEFET Rio Pomba RESUMO: O texto expõe um relato de uma experiência no ensino de cálculo utilizando o software gerador de gráficos gratuito Winplot. A justificativa em se buscar novas metodologias de ensino para a disciplina de cálculo está no notório fracasso no processo de ensino-aprendizagem, visto o alto número de alunos não-aprovados. Essa experiência foi realizada com alunos do CEFET Rio Pomba que apresentaram, no currículo escolar, pelo menos uma não-aprovação na disciplina. Ela compõe-se de uma seqüência didática que objetiva a aprendizagem do conceito geométrico da derivada como inclinação da reta tangente. A metodologia utilizada nessa pesquisa foi a da observação dos registros escritos (questionários) e orais (diálogos) dos alunos pesquisados. Resultados dessa experiência são apresentados. PALAVRAS-CHAVE: Novas Tecnologias na Educação ; Ensino de Cálculo ; Winplot 1. Introdução Todas as pessoas em contato com as ciências exatas nas universidades e centros educacionais têm conhecimento do elevado número de reprovações na disciplina de cálculo diferencial e integral. Pesquisas quantitativas revelam dados que mostram esse cenário brasileiro, principalmente nas universidades públicas e centros federais de educação tecnológicas. Dados da Universidade de São Paulo – USP (BARUFI,1999), por exemplo, revelaram que a taxa de não aprovação em cálculo diferencial e integral foi de 43,8%, em 1995. Em (RESENDE,2003) constata-se a taxa média de 65% de não aprovação na disciplina de cálculo diferencial e integral da Universidade Federal Fluminense – UFF. Enfim, dados como esses são comuns na maior parte das turmas de cálculo diferencial e integral no Brasil. Uma pergunta imediata que surge após esses dados é a seguinte: qual o motivo dessa taxa de não-aprovação ser tão elevada? Em pesquisas, tais como as citadas acima, encontra-se um ponto em comum: professores apontam duas causas principais, a saber, a formação pré-universitária inadequada e o grande número de alunos por turma. Alunos, por sua vez, apontam a metodologia do professor como a principal causa neste notório fracasso do processo de ensino-aprendizagem. Um problema já identificado neste processo é o problema da compreensão conceitual de temas inerentes à disciplina (TUCKER e LEITZEL, 1993). O pesquisador e professor de cálculo Cláudio Dall’Anese percebeu esse problema no conceito de derivada, durante pesquisas sobre sua prática pedagógica (DALL’ANESE, 2000). Nessa pesquisa, ele trabalha o conceito de derivada através de uma seqüência didática com fichas e discute as respostas com os alunos. Ele observa se houve um ganho didático comparando as fichas antes e depois das plenárias de discussões. Assim como o professor Cláudio Dall’Anese, outros pesquisadores em Educação Matemática vêm trabalhando com os problemas que envolvem o ensino do cálculo. Dentre essas pesquisas, um número considerável versa sobre novas tecnologias para o ensino de cálculo. Novas tecnologias aplicadas ao ensino tornaram-se uma aliada na didática do cálculo através, principalmente, dos softwares do tipo CAS – Computer Algebric System e dos softwares geradores de gráficos. Estes softwares são capazes de fazer cálculos complexos, manipulação de dados numéricos, gráficos de funções e simulações. Diante do exposto acima, foi realizado um estudo de caso, na instituição de origem dos autores desse artigo, cujo enfoque era experimentar uma seqüência didática para o ensino do conceito de derivada com o auxílio de novas tecnologias. A idéia dessa pesquisa foi executar uma aula experimental para ensinar o conceito de derivada munido de um software gerador de gráficos. O presente artigo tem por objetivo relatar essa pesquisa. 2. Metodologia da Pesquisa e a Seqüência Didática Proposta Um dos softwares mais utilizados pelos professores de matemática para geração de gráficos é o Winplot, pois é gratuito, de fácil manuseio, não ocupa muito espaço de memória no computador e ainda possui recursos de animação. Por essa razão, foi escolhido o software Winplot para essa metodologia de ensino. Mas a simples presença do software não garante o sucesso da aprendizagem. Ele deve ser acompanhado de uma seqüência didática que viabilize a aprendizagem. “É possível entender que o aprender (memorização ou construção de conhecimento) não deve estar restrito ao software, mas à interação do aluno-software. Como foi mostrado por Piaget, o nível de compreensão está relacionado com o nível de interação que o aprendiz tem com o objeto e não com o objeto em si.” (VALENTE, 1999, p. 71). A seqüência didática foi regida pela apresentação de questões sob a forma de investigação, que visa ao aluno construir o seu próprio conhecimento, conforme (DALL’ANESE, 2000). O experimento contou com a participação de seis alunos voluntários, oriundos dos diversos cursos de graduação da instituição pesquisada. Todos esses alunos se enquadram na situação de não-aprovado em cálculo diferencial e integral, pelo menos uma vez. Isso foi um fator importante, pois permitiu uma comparação com o seu conhecimento prévio sobre derivada. Primeiramente foi feita uma entrevista escrita onde os alunos relataram suas experiências em cálculo. Dentre os motivos descritos pelos alunos de sua reprovação, a dificuldade de compreensão dos conceitos teve destaque. Quando se perguntou qual a derivada da função f ( x) = x3 − 2 x 2 − x + 1 , três alunos entrevistados acertaram a questão. Quando se perguntou o que essa nova função derivada f '( x) = 3 x 2 − 4 x − 1 fornecia de informação sobre a função f ( x) = x3 − 2 x 2 − x + 1 , nenhum aluno acertou. Isto é, constatou-se que os alunos sabiam algumas regras de derivação, mas não compreendiam o significado daquela operação. Isso demonstra a falha no processo conceitual da derivada, mostrada por (DALL’ANESE, 2000). Após esse questionário, os alunos foram até o computador onde estava o Winplot e interagiram com o pesquisador, induzido por perguntas e atividades. Esperava-se que, ao fim das atividades, o aluno pudesse demonstrar que produziu o conhecimento sobre o conceito de derivada. O pesquisador recolheu os dados gravando os diálogos e as respostas obtidas pelos alunos entrevistados. Ele já tinha preparado um arquivo com o Winplot, que pode ser visualizado na Figura 1. Os alunos trabalhariam com esse arquivo sob instruções do pesquisador. Neste arquivo estavam presentes os gráficos das funções f ( x) = x3 − 2 x 2 − x + 1 e f '( x) = 3 x 2 − 4 x − 1 . Aos três alunos que não se lembravam da derivada de f ( x) , foi dada uma rápida revisão sobre a regra de derivadas de polinômios. Após essa revisão, todos afirmaram relembrar a regra de derivação. Ainda assim, o Winplot possui um recurso de desenhar o gráfico da derivada de uma função dada. Também foi desenhada no Winplot a reta tangente à função f ( x) = x3 − 2 x 2 − x + 1 com seu ponto de tangência. A abscissa do ponto de tangência foi dada genericamente pela variável a. Logo, quando movimentavam a barra de rolagem da variável a, indicada na figura, o ponto de tangência se modificava, animando a reta tangente. Também foi desenhado no Winplot o ponto de coordenadas ( a, f '(a ) ) . Figura 1: Arquivo no Winplot criado pelo pesquisador Após a explicação do pesquisador sobre o que representa cada elemento do arquivo, aos alunos era pedido que movimentassem a barra de rolagem da variável a e observassem o que estava acontecendo na tela do Winplot. Todos então compreenderam o papel de cada um dos elementos. Neste momento, sabiam qual era o gráfico de f ( x) e f '( x) . Sabiam também que a reta era tangente à f ( x) em a e que os pontos “deslizavam” sobre as duas funções , f ( x) e f '( x) , com abscissa a. Foi pedido pelo pesquisador que movimentasse a variável a e encontrasse os pontos em que a reta tangente ficava horizontal. Todos conseguiram encontrar os tais pontos. Para ilustrar essa atividade, transcreve-se abaixo um dos diálogos com um dos participantes: Pesquisador: - O que aconteceu com o ponto que deslizava sobre a função derivada nos pontos, que você descobriu, onde a reta tangente é horizontal? Você pode descrever o que eles têm em comum? Aluno 1: - Percebi que eles ficam em cima do eixo x. Pesquisador: - Mas o que dizemos quando uma função corta o eixo x? Ela vale quanto nos pontos onde o seu gráfico corta o eixo x? Aluno 1: - Zero? Pesquisador: - Sim. Vale zero. Mas diga pra mim, certinho, qual função que vale zero? Aluno 1: - A função derivada. Pesquisador: - Portanto, você pode estabelecer uma relação entre as duas retas horizontais e o fato de que a derivada vale zero? Aluno 1: - Bom, a derivada vale zero quando a reta tangente é horizontal. Pesquisador: - Só pra concluir, então. A derivada vale zero nos pontos da função principal cuja reta tangente é horizontal. Aluno 1: - Isso. A primeira atividade foi concluída com sucesso. Todos os alunos tiveram a mesma conclusão: a derivada vale zero nos pontos da função principal cuja reta tangente é horizontal. A partir desse momento, quatro desses alunos disseram lembrar que a derivada estava associada à reta tangente, mas nenhum ainda se lembrava de que modo esses elementos estavam associados. Passou-se, então, para a próxima atividade. A segunda atividade era encontrar, do menor para o maior, o primeiro e o último valor de a para os quais a reta tangente ficava decrescente. Nesta atividade, o pesquisador teve que intervir, pois três alunos não conseguiram concluir a atividade sozinhos. Dois deles se confundiram e disseram que uma reta que estava crescente era decrescente. Foi encontrada aqui também falha na conceituação de retas crescentes e decrescentes. O pesquisador teve que mostrar, no Winplot, quando uma reta era crescente ou decrescente. Após isso, conseguiram delimitar um intervalo onde só haviam retas tangentes decrescentes. Foi pedido (e ensinado como o fazer) a eles que fixassem esse intervalo. Depois de fixado o intervalo, os alunos, novamente, movimentaram a reta dentro desse intervalo. O pesquisador pediu para eles que observassem a trajetória do ponto que estava sobre a função derivada e observassem em qual parte da função derivada o ponto estava deslizando. Transcreve-se, abaixo, outro dos diálogos com um dos participantes: Pesquisador: - Em qual parte da parábola o ponto deslizou enquanto você movimentava a reta tangente? Aluno 2: - Ele passou na parte de baixo da parábola. Pesquisador: - De baixo de que? Aluno 2: - Do eixo x. Pesquisador: - Qual o sinal de uma função quando ela está abaixo do eixo x? Aluno 2: - Negativo. Pesquisador: - Então, isso significa que a função derivada é negativa nesse intervalo, não é isso? Aluno 2: - Isso. Pesquisador: - Mas o que esse intervalo tem de especial? Aluno 2: - Como assim? Pesquisador: - Como é que você definiu esse intervalo? Aluno 2: - Bom, defini como o primeiro e último valor onde a reta tangente era decrescente. Pesquisador: - Deslize o ponto novamente. É verdade que nesse intervalo só existem retas decrescentes? Aluno 2: - Sim. Pesquisador: - Portanto, o que você conclui sobre a relação entre as retas tangentes serem decrescentes nesse intervalo e o local onde o ponto sobre a função derivada passou? Aluno 2: - Que neste intervalo, onde as retas tangentes eram decrescentes, o ponto passou na parte de baixo da parábola. Pesquisador: - Vou só melhorar essa frase pra você. O que você quis dizer foi que, no intervalo que só tinham retas tangentes decrescentes, a derivada foi negativa. Debaixo do eixo x dizemos que a função é negativa, não foi isso que vimos anteriormente? Aluno 2: - Isso. Quando a reta tangente ficou decrescente a derivada foi negativa. A segunda atividade foi concluída também com sucesso, mesmo tendo maior influência do pesquisador. Foi perguntado para os alunos onde eles esperavam encontrar o ponto que estava sobre a derivada quando a reta tangente era crescente. Cinco desses alunos disseram que esperavam encontrar o ponto na parte positiva da função derivada. Pediu-se aos alunos para deslizar a barra de rolagem da variável a e observar se sua conjectura estaria certa. Foi feita essa atividade e todos os cinco alunos que conjeturaram viram que estavam certos. Até aqui os alunos sabiam que a derivada tinha o sinal positivo quando a reta tangente era crescente e negativo quando era decrescente. Também sabiam que a reta tangente era horizontal quando a derivada valia zero. Foi realizada, após essas atividades, uma aula expositiva dada pelo pesquisador aos seis alunos, onde ele definiu a derivada como f '( x) = lim h→0 f ( x + h) − f ( x ) e mostrou que a h derivada era a inclinação da reta tangente. Também com o Winplot, mostrou, dinamicamente, alguns exemplos sobre inclinação da reta tangente no mesmo arquivo acima. Para ilustrar essa aula, relata-se, aqui, um desses exemplos. Pesquisador: - Nesse arquivo do Winplot, temos as funções f ( x) = x3 − 2 x 2 − x + 1 e f '( x) = 3 x 2 − 4 x − 1 . Mostrei a vocês que a derivada é a inclinação da reta tangente. Por exemplo, o que significa o valor f '(1) = 3.12 − 4.1 − 1 = −2 ? (O pesquisador, nesse momento, coloca o valor de a = 1, que é a abscissa do ponto de tangencia). Alguns Alunos: - Significa que o ângulo, esse ai, (Um aluno aponta para a projeção do data-show), tem tangente igual a – 2. No dia seguinte à aula experimental acima citada, foi dada, aos seis alunos participantes, uma avaliação sobre o conceito de derivada. Pediu-se para encontrar a derivada da função f ( x) = x 4 + 5 x3 − 3 x + 2 e o valor de f '(2) . Todos os seis alunos acertaram essas duas questões. Quando perguntados o que esse valor significa, quatro alunos responderam, aproximadamente, isso: o ângulo α (fizeram uma figura) é tal que tg (α ) = f '(2) . Perguntou-se, também, como eles esperavam encontrar a reta tangente à f ( x) em x = 2 . Nesta pergunta, todos responderam que a reta seria crescente, uma vez que f '(2) > 0 . 3. Conclusão O objetivo central dessa pesquisa foi de investigar qual o ganho, para o processo de ensino-aprendizagem, ao utilizar a seqüência didática proposta acima. A análise dos diálogos entre pesquisador e alunos e dos registros escritos permite concluir que ocorreu a aprendizagem do conceito de derivada pela maioria do grupo. A contribuição do Winplot foi fundamental, pois, além de permitir a análise dinâmica dos gráficos, melhorou também a visão gráfica dos alunos. Isso porque, em seus relatos, eles disseram não serem capazes de esboçar o gráfico de uma função simples, tão pouco a reta tangente. No questionário final, foi observada essa capacidade bem mais desenvolvida. Finalizando, o grupo mostrou que sabe interpretar geometricamente a derivada de uma função, embora alguns erros ainda persistem, provocados principalmente, pela falta de domínio de conteúdos da educação básica. 4. Referências BARUFI, M. C. B. A Construção/negociação de Significados no Curso Universitário Inicial de Cálculo Diferencial e Integral. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo – USP. DALL'ANESE, C. Conceito de Derivada: Uma proposta para seu ensino e aprendizagem. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica - SP. REZENDE, W. M. O ensino de Cálculo: Dificuldades de Natureza Epistemológica. São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo – USP. TUCKER, A. C.; LEITZEL, J.R.C. A report to the community. In: LEITZEL, J. R. C. and TUCKER, A. C. (Eds). MAA Reports, Washington: MAA, 1995. p. 97. VALENTE, J. A. Análise dos diferentes tipos de softwares usados na Educação. 1999. Disponível em: <http://www.ulbra.tche.br/~magda/edumat/aswvalente.pdf >. Acesso em: 19 novembro 2007.