O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO EM COTEJO COM
AS AÇÕES COLETIVAS CONSTITUCIONAIS
Humberto Theodoro Júnior
1 Introdução
O mandado de segurança surgiu no direito constitucional brasileiro
numa fase histórica em que se assumia a consciência de que não
apenas o direito de ir e vir era merecedor da tutela por um remédio
jurisdicional específico contra as arbitrariedades dos agentes do Poder
Público, tanto que era frequente o desvio do habeas corpus, não sem
resistências, para reparação imediata e enérgica das violações de outros
direitos, a par da liberdade pessoal.
Coube à Constituição de 1934 o preenchimento da lacuna gerada
pela resistência ao emprego do habeas corpus fora dos casos da
liberdade de locomoção.
Surgia, então, o mandado de segurança que, de forma tão pronta e
enérgica, deveria restabelecer qualquer situação jurídica, que não
estivesse acobertada pelo habeas corpus, e que, não obstante se
revelasse evidente, viesse a sofrer violação por ilegalidade ou abuso de
poder por ato de qualquer autoridade pública.
Previa o art. 113 da referida Carta, no rol dos direitos e garantias
fundamentais, o mandado de segurança, que seria dado "para defesa de
direito,
certo
e
incontestável,
ameaçado
ou
violado
por
ato
manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade". Seu
processo seria o mesmo do habeas corpus, por expressa determinação
do mesmo dispositivo constitucional.
1
Esse caráter individual do mandamus foi conservado até que a
Constituição de 1988, já sob o influxo das ideias coletivizantes da última
quadra do Século XX, autorizou o emprego do mandado de segurança
para defesa coletiva de direitos, o qual poderia ser manejado por partido
político, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação,
em defesa dos interesses de seus membros ou associados (CF, art. 5º,
LXX). Surgia, assim, no direito público brasileiro, o mandado de
segurança coletivo, ao lado do tradicional mandado de segurança
individual.
2 Ampliação de Legitimação ou Criação de um Novo "Writ"?
A primeira indagação que se impôs depois da CF/88 foi sobre se o
mandado de segurança coletivo seria uma nova ação constitucional ou
apenas uma variante procedimental do writ já presente em nosso direito
público desde a Constituição de 1934.
É preciso lembrar que, a exemplo do habeas corpus, o mandado
de segurança, desde sua instituição pela Carta de 1934, foi sempre
descrito por caracteres ligados ao direito violado e à origem da lesão.
Ou seja: a utilização do mandado de segurança requer, de um lado, a
presença de um direito líquido e certo, e de outro, a lesão ou ameaça a
esse direito por ato ilegal ou arbitrário de autoridade ou agente no
exercício de alguma atribuição do Poder Público (CF, art. 5º, LXIX).
Nenhum elemento novo foi invocado pela CF/88 que evidenciasse
o intento de criar um writ substancialmente diverso daquele já existente
e definido pelo inciso LXIX. O inciso LXX do mesmo dispositivo
constitucional apenas cuidou de prever que o mandado de segurança
também poderia ser impetrado de forma coletiva através de partido
2
público, ou de organização sindical, entidade de classe ou associação,
com a específica destinação de defender "interesses de seus membros
ou associados".
Correta, portanto, a meu ver, a tese de Rodolfo de Camargo
Mancuso, compartilhada, entre muitos outros, por Calmon de Passos 1,
José Rogério Cruz e Tucci 2, Lourival Gonçalves de Oliveira
3
e Vicente
4
Greco Filho , segundo a qual "cuida-se de um mandado de segurança,
apenas diferenciado nisso que o direito líquido e certo ameaçado ou
violado por ato ilegal ou arbitrário de autoridade há que concernir à
sociedade como um todo ou uma certa coletividade (grupo, categoria,
classe,
para
usarmos
a
terminologia
do
Código
de
Defesa
do
Consumidor) e, por isso, a legitimação para agir opera em modo
extraordinário, comparecendo em juízo o substituto processual a que o
tipo de interesse metaindividual induz: partido político, sindicato,
entidade de classe, associação - CF, art. 5º, LXX" 5.
No dizer de Eduardo Arruda Alvim, o mandado coletivo representa
uma inovação constitucional "apenas quanto à legitimidade", que, em
lugar do titular dos direitos violados, passou a determinadas instituições
associativas
6
. Decorre disso que, tal como o mandado individual, o
coletivo também não se presta a atacar lei em tese, devendo sempre ter
1
CALMON DE PASSOS, J.J. Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção,
habeas data. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 7.
2
TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. São
Paulo: Saraiva, 1990, p. 35.
3
OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Interesse processual e mandado de segurança
coletivo. Revista Ajufe, n. 24/38, 1989.
4
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva,
1989, p. 168.
5
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Uma análise comparativa entre os objetos e as
legitimações ativas das ações vocacionadas à tutela dos interesses metaindividuais:
mandado de segurança coletivo, ação civil pública, ações do Código de Defesa do
Consumidor e ação popular. In: Uma vida dedicada ao direito: homenagem a Carlos
Henrique de Carvalho: editor dos juristas. São Paulo: RT, 1995, p. 517-518.
6
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Mandado de segurança. 2. ed. 2010, p. 376.
3
como objeto uma situação jurídica concreta. A lesão a ser reparada, no
entanto, haverá de ser avaliada pelo prisma coletivo e não individual 7.
Basicamente, a finalidade do mandado de segurança coletivo se
insere na política processual contemporânea voltada para a celeridade e
efetividade da prestação jurisdicional, dentro da qual se localiza o
mecanismo que permite a uma só decisão "atingir um universo maior de
interessados" 8.
Quanto à substituição processual instituída pela Constituição,
apresenta-se ela com uma feição um pouco diferente da substituição
regulada pelo CPC para as ações singulares: a) na substituição do CPC,
o resultado do processo tanto beneficia como prejudica o substituído; b)
na substituição do mandado de segurança coletivo, o resultado obtido
pelo
substituto
somente
pode
beneficiar
e
nunca
prejudicar
o
substituído.
3 Peculiaridades das Ações Coletivas
Mesmo não sendo o mandado de segurança coletivo um writ
diverso do mandado de segurança tradicional, configura uma espécie
distinta do remédio individual com traços diferenciadores impostos pelos
caracteres particulares de toda e qualquer tutela coletiva. É o que se
passa no tocante à legitimação extraordinária para sua propositura, da
qual decorrem repercussões sobre a estrutura do procedimento e sobre
o alcance e eficácia do respectivo julgamento. Dessa maneira, após a
CF/88, pode-se reconhecer a existência de duas espécies de mandado
de segurança no direito brasileiro: o individual, cujos traços básicos se
encontram explicitados no inciso LXIX do art. 5º da CF, e o coletivo,
7
8
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Idem, p. 377.
GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 167.
4
que, além dos elementos gerais decorrentes da descrição do mandado
singular se integra, também, das particularidades da tutela coletiva
engendrada para as ações coletivas como a ação popular, a ação civil
pública e a ação coletiva de defesa dos consumidores.
Por falta de explicitação na Constituição de dados que pudessem
facilitar a sujeição do mandado coletivo às particularidades das ações
coletivas já existentes, alguns pontos exegéticos se tornaram bastante
polêmicos,
principalmente
porque
o
legislador
infraconstitucional
demorou muito a promover a regulamentação da nova espécie do
mandamus.
Coube
à
Lei
nº
12.016/09
o
preenchimento
da
lacuna
regulamentar, com a consequente superação das divergências em que
se embatiam a doutrina e a jurisprudência, quanto à maneira de
estender ao mandado de segurança coletivo a disciplina e os princípios
próprios das ações coletivas.
4 Principais Controvérsias Anteriores à Lei nº 12.016/09
Antes da Lei nº 12.016/09, já fora assentado que a modalidade
coletiva do mandado de segurança não poderia ser analisada apenas a
partir da legitimação ativa conferida constitucionalmente a entidades que
atuariam não como titulares dos direitos materiais tuteláveis, mas como
substitutos processuais (isto é, como litigantes em nome próprio, mas
em defesa de direito alheio). Era necessário, na verdade, precisar todas
as consequências da configuração de um mandado de segurança
destinado a proteger, por obra de um legitimado extraordinário, direitos
pertencentes a variadas pessoas.
5
Tornou-se certo que, sendo modalidade ou espécie de mandado
de segurança, teria o mandado de segurança coletivo que observar o
feitio de ação sumária fundada no pressuposto da liquidez e certeza do
direito a tutelar, ao mesmo tempo que haveriam de se observar as
exigências de sua particular função de ação coletiva.
Tinha-se como óbvio que o mandado coletivo não poderia ser
visualizado como mero instrumento de um litisconsórcio ativo. Sua
correta utilização somente seria viável se fosse tratado como portador
das necessárias características de uma ação que tratasse coletivamente
a controvérsia, por meio de juízos generalizantes e impessoais, levando
em conta, portanto, o traço comum dos plúrimos interesses defendidos
pelo substituto processual e não propriamente a titularidade individual
de cada membro da coletividade defendida. Para enfrentar semelhante
desafio, tornava-se indispensável "aliar a aplicação subsidiária das
normas do mandado de segurança individual às regras e aos princípios
que regem a ação coletiva" - como advertia Teori Albino Zavascki 9.
Essa busca de conciliação das regras clássicas do mandado de
segurança individual com as regras e princípios da ação coletiva gerou,
como era previsível, um grande número de problemas e questões, nem
sempre solucionados a contento, nem muito menos de maneira uniforme,
pela doutrina e jurisprudência.
Entre as controvérsias mais notórias merecem ser lembradas:
a) O mandado de segurança coletivo protegeria direitos ou simples
interesses coletivos?
9
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela
coletiva de direitos. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 211.
6
b) Seria ele destinado a tutelar tanto os direitos coletivos, como os
difusos e os individuais homogêneos?
c) A atuação das associações haveria de se limitar ao seu objetivo
institucional?
d) Até onde iria o interesse coletivo tutelável por iniciativa dos partidos
políticos?
e) Teria o Ministério Público legitimidade para impetrar o mandado de
segurança coletivo?
Tentar-se-á, em seguida, divisar de que modo o advento da Lei nº
12.016/09 contribuiu para a solução desses problemas, ou pelo menos
para revelar uma tomada de posição do legislador a seu respeito, ainda
que não tenha sido a melhor ou a ideal.
5 Direitos e Interesses Coletivos
A
discussão
sobre
se
o
mandado
de
segurança
coletivo,
diversamente do individual, poderia (ou não) tutelar tanto o direito como
o interesse, nasceu do fato de no inciso LXIX, o art. 5º da CF cuidar da
defesa do direito líquido e certo do impetrante singular, enquanto no
inciso LXX o mandado coletivo é previsto como instrumento de entidades
associativas para "defesa dos interesses de seus membros".
Para a corrente liderada por José Cretella Júnior não se pode
interpretar o dispositivo constitucional como endereçando o mandado de
segurança coletivo à proteção de simples interesses, mas apenas
daqueles que, tendo merecido a tutela da lei, se apresentam como
direitos. É que enquanto o interesse reside na pretensão da parte, em
7
sua perspectiva individual passível de ser divisado em favor de todas as
pessoas, o direito representa a pretensão protegida pela norma jurídica.
O direito, portanto, dentro do gênero interesse é algo mais do que a
simples pretensão ou o puro interesse.
Daí sua conclusão de que "o interesse, por si só, não enseja
possibilidade de impetração de mandado de segurança, quer singular,
quer coletivo, a não ser que o interesse se classifique como qualificado",
caso em que se erigiria à categoria de direito, deixando de ser simples
interesse
10
.
Havia, porém, aqueles que entreviam na dicção constitucional uma
abertura para o emprego do mandado de segurança para além dos
direitos, tutelando, portanto, também os interesses, desde que se
apresentassem como legítimos
11
.
Alguns consideravam despicienda a distinção entre interesses e
direitos, porque a Constituição, em vários dispositivos teria dispensado
proteção indiscriminada a uns e outros
12
. E outros, enfim, viam no inciso
LXX do art. 5º da CF o emprego da expressão interesse (agora coletivo)
como consubstanciando, efetivamente, um direito
13
.
10
CRETELLA Jr., José. Os writs na Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1996, p. 94.
11
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Mandado de segurança e controle jurisdicional.
São Paulo: RT, 1992, p. 213-214 apud SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas
de Souza. Considerações sobre a legitimação ativa no mandado de segurança
coletivo. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 171, p. 345, maio 2009.
12
GRINOVER, Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação, objeto e
coisa julgada. Revista de Processo, n. 58, p. 75-84, abr./jun. 1990.
13
SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 348. Para
Kazuo W atanabe, para as ações coletivas e, especialmente, para o mandado de
segurança coletivo, "interesses" e "direitos" devem ser havidos como sinônimos,
quando amparados pela ordem jurídica (cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código
brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 800).
8
5.1 A Posição Adotada pela Lei nº 12.016/09
Ao regulamentar o inciso LXX do art. 5º da CF, o art. 21 da Lei nº
12.016 teve o cuidado de explicitar o direito passível de tutela pela via
do mandado de segurança coletivo, tanto pelos partidos políticos como
pelas organizações sindicais, entidades de classe e associações:
a) os partidos políticos, com representação no Congresso Nacional,
podem usar o writ coletivo: (I) para defesa dos interesses legítimos do
partido relativos a seus integrantes; ou (II) para defesa dos interesses
legítimos da própria instituição relativos, portanto, à finalidade partidária
(Lei nº 12.016, art. 21, caput);
b) as organizações sindicais, entidades de classe e associações
constituídas e em funcionamento há, pelo menos, um ano, terão
legitimidade para impetrar o mandado coletivo em defesa de direitos
líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou
associados (art. 21, caput, 2ª parte);
c) sejam aqueles defendidos pelos partidos políticos, sejam aqueles
tutelados pelas demais entidades associativas, o objeto do mandado de
segurança coletivo deverá corresponder a: (I) direitos coletivos, ou (II)
direitos individuais homogêneos (art. 21, parágrafo único), o que torna
mais clara a inserção do writ na categoria das ações coletivas,
sujeitando-o, por conseguinte, às regras básicas e aos princípios
fundamentais dessas ações.
5.2 Legitimação do Partido Político
Ao indicar a legitimação ativa das associações para o mandado de
segurança coletivo, a CF endereçou-a à "defesa dos interesses de seus
9
membros ou associados" (art. 5º, LXX, b). Com relação aos partidos
políticos,
não
surgimento
houve
de
explicitação
várias
correntes
semelhante,
o
que provocou
interpretativas
jurisprudência, algumas ampliativas outras restritivas
na
doutrina
o
e
14
.
A Lei nº 12.016/09 optou por uma visão mais ampla e mais
coerente com o texto constitucional, em cujo seio não há limitação a que
os partidos políticos somente possam usar o remédio processual do art.
5º, LXX, da CF em defesa de direitos de seus membros ou filiados.
Já observava Teori Albino Zavascki que a natureza do partido
político é substancialmente diversa daquela das demais entidades
associativas a que se confere legitimação para impetrar o mandado de
segurança coletivo. Enquanto estas justificam sua existência pela
destinação
de
atender
aos
interesses
ou
necessidades
de
seus
associados, os partidos políticos não têm sua razão de ser na satisfação
de interesses ou necessidades particulares de seus filiados, nem são
eles o objeto das atividades partidárias. "Ao contrário" - ressaltava
Zavascki - "das demais associações, cujo objeto está voltado para
dentro de si mesmas, já que ligado diretamente aos interesses dos
associados,
os
partidos políticos visam a
objetivos externos, só
remotamente relacionados a interesses específicos de seus filiados"
15
.
Pela Lei nº 9.096/95, com efeito, o objetivo institucional do partido
político
é
"assegurar,
autenticidade
do
no
sistema
interesse
do
representativo"
regime
e
democrático,
"defender
os
a
direitos
fundamentais definidos na CF" (art. 1º).
14
Entre os que limitavam o mandado à tutela dos interesses individuais dos membros
do partido, podem-se citar Hely Lopes Meirelles e Carlos Mário da Silva Velloso (Cf.
ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., p. 215). Sobre outras posições conflitantes, Cf.
ZANETI Jr., Hermes. Mandado de segurança coletivo: aspectos processuais
controvertidos. Porto Alegre: Fabris, 2001, p. 113-123.
15
ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., p. 216.
10
Nessa ordem de ideias, o objeto das atenções partidárias situa-se
no âmbito da coletividade, sem distinguir a condição de filiado ou não
daqueles que haverão de ser beneficiados pela atividade da agremiação
política. Por isso, na concepção de Zavascki, a defesa coletiva a cargo
dos partidos políticos não deveria restringir-se apenas aos interesses de
seus filiados. É que o interesse coletivo, sempre que inserido na
"finalidade partidária" (Lei nº 9.096, art. 21, caput) mereceria ser
incluído no âmbito dos direitos fundamentais, para contar com a tutela
do mandado coletivo manejável pelos partidos políticos
16
.
Já na vigência da regulamentação atual, Luiz Rodrigues Wambier
e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos incluem-se entre os que
defendem o cabimento da defesa, por mandato coletivo impetrado por
partido político, dos direitos difusos, sem embargo de o art. 21 da Lei nº
12.016/09 a eles não se referir
17
.
Se é verdade, porém, que os partidos políticos podem defender
direitos fundamentais em prol de toda a comunidade, e não apenas de
seus membros, isto, porém, não implica que, necessariamente, possa
fazê-lo pela via sumária do mandado de segurança. Já estava assentado
na
jurisprudência
fundamentais,
pela
anterior
via
do
à
Lei
nº
mandado
12.016/09
de
que
segurança,
os
direitos
somente
se
submeteriam à tutela postulável pelos partidos, no âmbito de seus
quadros
18
.
16
"Em outras palavras, podem ser tutelados pelo partido político, por mandado de
segurança, os direitos ameaçados ou violados por ato de autoridade, ainda que
pertencentes a terceiros não filiados, quando a sua defesa se compreenda na
finalidade institucional ou constitua objetivo programático da agremiação" (grifamos)
(ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., p. 217).
17
W AMBIER, Luiz Rodrigues; VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. O mandado
de segurança na disciplina da Lei nº 12.016, de 07.08.2009. Revista de Processo, n.
177, p. 204, nov. 2009.
18
"Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de
segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em
questões políticas, ainda assim quando autorizado por lei ou pelo estatuto" (STJ, 1ª
Seção, MS 197/DF, Rel. p/acórdão Min. Garcia Vieira, ac. 08.05.90, RSTJ 12/215).
No mesmo sentido: STJ, 1ª Seção, MS 256/DF, Rel. Min. Pedro Acioli, ac. 08.05.90,
DJU 04.06.90, p. 5.045; STJ, 1ª Seção, MS 1.235/DF, Rel. Min. Antônio de Pádua
11
Mas é de se reconhecer que a regulamentação da Lei nº 12.016
vai além dos interesses dos filiados, para permitir que os partidos
políticos usem o mandado de segurança coletivo também na defesa da
comunidade, naquilo que corresponda à sua finalidade estatutária ou
institucional. Mas isto não deve ser entendido como uma franquia a que
qualquer direito difuso ou coletivo seja defendido pelos partidos políticos
através do mandado de segurança coletivo. Como espécie que é do
mandado de segurança em geral, há de sujeitar-se aos requisitos
preconizados pela CF no inciso LXIX de seu art. 5º, quais sejam: (a) o
ato ilegal ou abusivo de autoridade; e (b) a ofensa a direito líquido e
certo. Mesmo atuando de forma coletiva, o direito violado tem de
apresentar, portanto, como líquido e certo, vale dizer, demonstrado por
prova pré-constituída.
Entretanto, podendo agir em defesa de toda a comunidade, dentro
das suas finalidades institucionais, o partido político acaba podendo
defender direitos ou interesses difusos o que será feito pela via do
mandado de segurança coletivo, se existir prova pré-constituída da lesão
coletiva
19
.
Ribeiro, ac. 17.12.91, DJU 13.04.92, p. 4.968; STJ, 2ª T., RMS 1.348/MA, Rel. Min.
Américo Luz, ac. 02.06.93, DJU 13.12.93, p. 27.424; STF, 1ª T., RE 196.184/AM,
Relª Minª Ellen Gracie, ac. 27.10.04, DJU 18.02.05, p. 6; RTJ 194/1.034. Esse
também é o pensamento de Hely Lopes Meirelles e dos atualizadores de sua obra,
Arnoldo W ald e Gilmar Ferreira Mendes: "o partido político só pode impetrar
mandado de segurança coletivo para a defesa de seus próprios filiados, em questões
políticas, quando autorizado pela lei e pelo estatuto, não lhe sendo possível pleitear,
por exemplo, os direitos da classe dos aposentados em geral, ou dos contribuintes,
em matéria tributária" (MEIRELLES, Hely Lopes; W ALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar
Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 32. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, n. 19, p. 128).
19
Athos Gusmão Carneiro entende que a restrição à defesa de direitos coletivos ou
individuais homogêneos se aplica apenas quando em jogo interesses dos filiados.
Quando se tratar de interesses gerais de toda a coletividade que se relacionem com
a finalidade partidária, como os direitos fundamentais à liberdade de pensamento ou
de culto e o sigilo de comunicação, a liberdade de locomoção, ou a discriminação
racial, religiosa, etc., o partido político estaria legitimado à defesa de direitos
difusos, muito além dos interesses ordinários de seus filiados (Anotações sobre o
mandado de segurança coletivo, nos termos da Lei nº 12.016/09. Revista de
Processo, n. 178, p. 27, dez. 2009). Esse, também, é o pensamento de Cássio
Scarpinella Bueno, desde que o mandado impetrado pelo partido vise à tutela de
12
5.3 A Legitimação de Outras Entidades Associativas
A Constituição originariamente já havia previsto que a organização
sindical, a entidade de classe e a associação poderiam impetrar a
segurança coletiva "em defesa dos interesses de seus membros ou
associados" (art. 5º, LXX).
Uma polêmica, no entanto, surgira: o writ coletivo poderia tutelar
qualquer interesse dos associados da impetrante, ou apenas aqueles
compatíveis com seus objetivos institucionais? Construíram-se teses nos
dois sentidos:
a) Para Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, a legitimação dos
sindicatos e entidades associativas que, ordinariamente, se limita à
defesa coletiva dos direitos dos associados, como membros de uma
categoria, teria sofrido ampliação no caso do mandado de segurança
coletivo, para abranger interesses difusos, que transcendem à categoria,
além dos coletivos e dos direitos individuais homogêneos
Marta Casadei Momezzo
20
. Também
21
, Elizabeth Nogueira Calmon de Passos
Marta Maria Gomes da Silva e Lucas de Souza Lehfeld
23
22
,
eram de
opinião que a vinculação do mandado coletivo à finalidade institucional
da
entidade
associativa
não
fora
prevista
nas
disposições
constitucionais, de modo que, para justificar a tutela coletiva in casu
seria suficiente a presença de interesses comuns dos associados. Nesse
direitos relativos à ordem democrática nacional e aos direitos fundamentais, bens
que devem ser protegidos pelos partidos, segundo a Lei nº 9.069/95 (BUENO, Cássio
Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança: comentários sistemáticos à Lei
12.016, de 7-8-2009. São Paulo: Saraiva, 2009, n. 54, p. 123-124). É o que pensa,
ainda, Eduardo Arruda Alvim (Mandado de segurança, cit, p. 401-403).
20
GRINOVER, Ada Pellegrini. Mandado de segurança coletivo, cit., p. 79.
21
MOMEZZO, Marta Casadei. Mandado de segurança coletivo: aspectos polêmicos.
São Paulo: LTr, 2000, p. 56.
22
PASSOS, Elizabeth Nogueira Calmon de. Mandado de segurança coletivo. Revista
de Processo, n. 69, p. 168, jan./mar. 1993.
23
SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 358-361.
13
sentido chegaram a decidir o STF e o STJ, mas não de forma unânime
24
;
b) Para Teori Albino Zavascki, no entanto, a exigência de que o objeto
do mandado de segurança coletivo guarde correlação temática com os
fins institucionais da entidade associativa é uma decorrência necessária
da substituição processual (legitimação extraordinária) que a lei lhe
conferiu. O autor de qualquer ação tem de demonstrar interesse para ser
havido como legitimado a agir em juízo. Além do interesse do
substituído, tem de ocorrer, portanto, o interesse do substituto, sem o
qual este não poderá defender, em nome próprio o direito alheio, quando
a lei permitir que o faça
No
caso
associativa
se
do
25
.
mandado
legitima
a
de
segurança
defender
coletivo,
coletivamente
os
a
entidade
interesses
individuais de seus associados porque, segundo seus estatutos, esses
interesses se vinculam à sua finalidade institucional. Constata-se, de tal
maneira, uma comunhão de interesses entre a associação e seus
associados.
Explica o autor que é exatamente em razão do interesse jurídico
da associação, fixado na relação de pertinência entre o direito material
dos associados afirmado em juízo e os fins institucionais da impetrante,
que o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, segundo
jurisprudência sumulada, "dispensará qualquer espécie de autorização
individual ou de assembleia"
26
.
24
Cf. em SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 359360; acórdãos num e noutro sentido.
25
ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., n. 8.4, p. 217-218.
26
ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., p. 218. Explica o autor: "Sem elo de referência
entre o direito afirmado e a razão de ser de quem o afirma, faltará à ação uma das
suas condições essenciais, pois o sistema jurídico não comporta hipótese de
demandas de mero diletantismo, e isso se aplica também ao substituto processual"
(ZAVASCKI, Teori Albino, op. cit., loc. cit.). A Súmula nº 629 do STF tem o seguinte
enunciado: "a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe
em favor dos associados independe da autorização destes".
14
De igual pensamento são, entre outros, Athos Gusmão Carneiro
José Rogério Cruz e Tucci
Scarpinella Bueno
28
, José Cretella Júnior
29
27
,
e Cássio
30
. E a regulamentação contida na Lei nº 12.016/09
veio justamente em apoio à opinião majoritária ora exposta, ao dispor,
textualmente, que:
a) a defesa efetuada pela entidade associativa, por meio de mandado de
segurança coletivo deverá ser em favor de "direitos líquidos e certos da
totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos
seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades" (art. 21,
caput);
b) dispensa-se, para tanto, "autorização especial" dos associados (art.
21, caput, in fine).
Ademais, ao definir os direitos dos membros ou associados
suscetíveis de defesa pela segurança coletiva, a Lei nº 12.016/09 teve o
cuidado de esclarecer que deverão eles ser coletivos ou individuais
homogêneos: os coletivos hão de ter como titular o grupo ou categoria
tutelada pela entidade associativa (item I do parágrafo único do art. 21);
e os individuais homogêneos deverão decorrer da atividade ou situação
específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros da
impetrante (item II, idem).
27
CARNEIRO, Athos Gusmão. Anotações sobre o mandado de segurança coletivo.
Ajuris, n. 54, p. 61, mar. 1992.
28
CRUZ e TUCCI, José Rogério. Class action e mandado de segurança coletivo. São
Paulo: Saraiva, 1990, apud SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza,
op. cit., p. 355.
29
CRETELLA Jr., José. Os writs na CF/88: mandado de segurança, mandado de
segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, habeas corpus, ação
popular. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1996, p. 85-86.
30
BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de segurança: comentários às Leis
1.533/1951, 4.384/1964 e 5.021/1966 e outros estudos sobre mandado de segurança.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 327.
15
Não há dúvida, portanto, que o objeto do mandado de segurança
coletivo, quando impetrado por sindicato, associação ou entidade de
classe, tem de versar sobre direitos dos associados correlacionados com
a finalidade estatutária da instituição associativa.
A interpretação doutrinária, superveniente à Lei nº 12.016 é
induvidosa: para a propositura da segurança coletiva por associação não
é necessário que se defenda um direito ou interesse da "categoria", mas
direitos dos associados "que sejam pertinentes às finalidades da
associação". Portanto, o que a nova lei deixa bem claro é que "haverá
de o objeto do mandado de segurança guardar, sim, vínculo com os fins
próprios da entidade impetrante"
31
.
Se são direitos e interesses dos associados ou da categoria que a
entidade associativa defende, fica evidente que, em princípio, os direitos
coletivamente defendidos pelo mandado de segurança através das
associações somente serão classificáveis como coletivos stricto sensu
ou individuais homogêneos.
6 Os Direitos Difusos e o Mandado de Segurança Coletivo
Como já visto, a Constituição instituiu o mandado de segurança
coletivo cuidando de explicitar apenas os legitimados à sua impetração,
sem definir quais os direitos líquidos e certos que por ele seriam
tutelados.
Logo se concluiu que, sendo um novo processo coletivo, haveriam
de ser por ele protegidos os direitos adequados à tutela das ações
coletivas. Todos eles, ou apenas algumas categorias dentre aquelas que
31
TAVARES, André Ramos. Manual do novo mandado de segurança. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 176. No mesmo sentido: BUENO, Cássio Scarpinella, op. cit.,
2009, p. 126-127.
16
já contavam com a cobertura da ação civil pública e da ação coletiva de
defesa dos consumidores? Não se chegava a uma resposta unívoca.
Duas correntes exegéticas se formaram: (I) uma que restringia a
segurança coletiva aos direitos coletivos e individuais homogêneos do
grupo vinculado à instituição associativa legitimada pela Constituição,
excluindo, portanto, os direitos difusos; (II) outra que ampliava sua
aplicação a todos os direitos de feitio coletivo, sem discriminar os
difusos:
a) A corrente restritiva baseava-se no caráter do mandado de segurança
concebido sempre como instrumento de direitos individualizados em
condição concreta de liquidez e certeza. Ao permitir a sua impetração de
forma coletiva, ter-se-ia de condicioná-la à característica da liquidez e
certeza dos direitos agrupados, o que seria dificilmente verificável nos
casos de direitos difusos. Para estes a tutela constitucional adequada e
satisfatória seria aquela da ação civil pública, e não a do mandado de
segurança coletivo
32
.
b) A outra corrente não via incompatibilidade entre a exigência de
liquidez e certeza e as particularidades dos direitos difusos, de maneira
que o mandado de segurança coletivo se prestaria não só à defesa dos
direitos coletivos stricto sensu, mas também dos difusos
33
. Na verdade,
a proteção constitucional realizável por via da segurança coletiva não
seria restrita aos direitos coletivos especificamente considerados, "mas
32
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Mandado de segurança individual e coletivo:
legitimação e interesse. Ajuris, nº 45, p. 32, mar./1989; CARNEIRO, Athos Gusmão.
Anotações sobre o mandado de segurança coletivo. Ajuris, nº 54, p. 55, mar./1992;
DINAMARCO, Pedro da Silva. A sentença e seus desdobramentos no mandado de
segurança individual e coletivo: In: BUENO, Cassio Scarpinella, et al. (Coords.).
Aspectos polêmicos do mandado de segurança: 51 anos depois. São Paulo: RT,
2002, p. 693; BULOS, Uadi Lamêgo. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: RT,
1996, p. 64.
33
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Partidos políticos e mandado de segurança coletivo,
RDP, n. 95, p. 38, jul./set. 1990; GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit., p. 79; MORAES,
Alexandre de. Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 174; SILVA,
Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 350-353.
17
sim de todos os direitos coletivos, sejam eles difusos ou individuais
homogêneos"
34
.
A controvérsia foi enfrentada pela Lei nº 12.016/09, que, ao
regular o regime do mandado de segurança coletivo, previu que os
direitos por ele protegidos, mormente quando se trata das associações,
são os coletivos e os individuais homogêneos (art. 21, parágrafo único).
Ficaram, portanto, fora de seu alcance os direitos difusos, com o que se
deu guarida a exegese restritiva. Os direitos difusos, quando violados ou
ameaçados, haverão de ser tutelados pela ação civil pública e não pelo
mandado do segurança coletivo.
Sem embargo da clareza do texto regulamentar, continuam a
existir vozes a defender que os direitos difusos estão tutelados pelo
remédio constitucional coletivo, já que, ao instituí-lo, não teria a Carta
feito qualquer discriminação entre direito coletivo e direito difuso
Não
me
parece
que
a
Lei
nº
12.016
tenha
35
.
incorrido
em
inconstitucionalidade ao excluir os direitos difusos da área do mandado
de segurança coletivo. A Constituição previu um remédio coletivo de
tutela, mas nada dispôs quanto aos direitos a que a tutela se aplicaria.
Nada impedia que o legislador ordinário cuidasse da matéria, à luz de
critérios que, a seu juízo, atendessem não só ao caráter coletivo da
demanda, mas também às peculiaridades dos direitos tradicionalmente
protegidos pelo mandado de segurança. Dessa conjugação foi que
resultou a definição dos direitos coletivos merecedores de tutela
mandamental, sem que entre eles figurassem os direitos difusos.
34
SILVA, Marta Maria Gomes; LEHFELD, Lucas de Souza, op. cit., p. 353.
REDONDO, Bruno Garcia; OLIVEIRA, Guilherme Peres de; CRAMER, Ronaldo.
Mandado de segurança. Comentários à Lei nº 12.016/2009. São Paulo: Método, 2009,
p. 152; BUENO, Cássio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança, cit., 2009,
p. 130-131.
35
18
Isto, naturalmente, não equivale a deixar os direitos difusos ao
desamparo da tutela das ações constitucionais, pois para sua especial e
particular proteção a própria Constituição cuidou de instituir a ação civil
pública (CF, art. 129, III). Ao não incluí-los, portanto, na esfera do
mandado
de
segurança
infraconstitucional
foi
coletivo.
uma
O
que
interpretação
fez
o
sistemática
legislador
das
ações
constitucionais, que redundou numa opção política de definir para o
mandado de segurança coletivo um objeto que não se superpusesse por
completo
sobre
a
ação
civil
pública.
Como
inexiste
disposição
constitucional que defina o objeto da ação mandamental coletiva, aberta
ficou a tarefa definidora para o legislador ordinário. A meu ver, isto se
fez sem violar regra ou princípio constitucional algum.
Se
há
vozes
discordantes
do
critério
adotado
pela
lei
regulamentadora, há também opiniões conspícuas que aplaudem o
esforço de delimitar, com precisão, o âmbito do mandado de segurança
e o da ação civil pública:
"O correto enquadramento dos casos de cabimento do mandado de
segurança e da ação civil pública é extremamente relevante, na medida
em que são marcantes as diferenças em termos de legitimidade ativa e
passiva, procedimento e competência para julgamento. O acatamento de
mandado de segurança com características de ação civil pública nos
parece implicar violação ao devido processo legal e afastamento do juiz
natural - garantias constitucionais essenciais ao Estado Democrático de
Direito."
36
36
MEIRELLES, Hely Lopes; W ALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de
segurança e ações constitucionais. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 124, nota
266. Na ótica desses autores está correta a opção da Lei nº 12.016 porque, sendo
pressuposto do mandado de segurança a existência de direito líquido e certo dos
substituídos (sócios ou membros da entidade legitimada em substituição processual),
não se teria como admitir "a utilização do mandado de segurança coletivo para
defesa de "interesses difusos", cuja proteção haveria de dar-se pela ação civil
pública" (op. cit., p. 123-124).
19
Lembram José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo
que, já antes da Lei nº 12.016/09, a jurisprudência dominante era pelo
não cabimento do mandado de segurança coletivo para tutela dos
interesses difusos. Por isso, a regulamentação infraconstitucional nada
mais fez do que incorporar a orientação pretoriana, limitando o writ à
esfera dos direitos coletivos e individuais homogêneos. Em última
análise, "a vedação da utilização do mandado de segurança para tutela
de interesses difusos parte do pressuposto de que é incabível assegurar
um direito líquido e certo para um grupo indeterminado de pessoas"
Observa
André
Ramos
Tavares
que,
37
.
anteriormente
à
regulamentação do mandado de segurança coletivo, grassava na
doutrina uma verdadeira celeuma em torno de seu alcance. A Lei nº
12.016/09, no entanto, foi incisiva na definição dos "direitos protegidos"
ou "tuteláveis" pela modalidade coletiva do mandamus, limitando-os às
categorias dos direitos coletivos e dos individuais homogêneos. Desse
modo, não há mais o que discutir: "Restaram afastados pela Lei os
denominados interesses difusos, tendo em vista que se optou pelo
conceito restritivo de direito coletivo. Consagrou-se, pois [na Lei nº
12.016/09] a posição que, na doutrina, vinha encabeçada por Cruz e
Tucci"
38
.
37
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de. Mandado de Segurança
individual e coletivo: comentários à Lei 12.016/09. São Paulo: RT, 2009, n. 21.3, p.
208. Também Fernando da Fonseca Cajardoni, embora se filiasse, antes da Lei nº
12.016/09, à corrente que advogava a tese ampliativa da abrangência da segurança
coletiva, se mostra convicto de que a regulamentação operada pela referida lei optou
claramente pela tese da jurisprudência dominante, "no sentido de que o mandado de
segurança coletivo só se presta à defesa dos interesses cujos titulares sejam
individualizáveis por grupos (coletivos) ou de per si (individuais homogêneos)" (Com.
ao art. 21 da Lei nº 12.016/09. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; SILVA, Márcio
Henrique Mendes da; FERREIRA, Olavo A. Vianna Alves. Comentários à Nova Lei de
Mandado de Segurança. São Paulo: Método, 2009, p. 108.
38
TAVARES, André Ramos. Manual do novo mandado de segurança, cit., p. 168-169.
Sem embargo da clareza do texto legal, cujo objetivo foi o de conciliar a defesa de
direito líquido e certo própria do mandado de segurança em qualquer de suas
modalidades com as particularidades das ações coletivas, Cassio Scarpinella Bueno
insiste em defender o cabimento do writ em face de qualquer modalidade de
interesse coletivo, inclusive, pois, os interesses difusos (A nova Lei do Mandado de
Segurança, cit., 2009, n. 57, p. 130-132). Seus argumentos, porém, seriam válidos de
20
Insistir em que a restrição da Lei regulamentadora estaria
ofendendo a garantia constitucional representada pelo mandado de
segurança coletivo é tarefa exegética infrutífera. Já muito antes da Lei
nº 12.016/09, o STF assentara que os interesses difusos deveriam ser
defendidos pelos instrumentos da tutela coletiva preexistentes (ação
popular e ação civil pública) e não pelo novo mandado de segurança
coletivo
39
. O tema chegou até mesmo a figurar em jurisprudência
sumulada: "O mandado de segurança não substitui a ação popular"
(Súmula-STF nº 101). Se a ação popular (remédio tutelar de direitos
difusos da comunidade) não pode, na ótica do STF, ser substituída pelo
mandado de segurança, também não pode sê-lo a ação civil pública, que
igualmente se apresenta, na ordem constitucional, como remédio próprio
para esse tipo de interesse coletivo
40
.
Se o legislador infraconstitucional agiu com respaldo em tese
majoritariamente consagrada pela jurisprudência e doutrina, para definir
que o mandado de segurança coletivo não ultrapasse a defesa dos
lege ferenda (antes da Lei nº 12.016), não de lege lata (isto é, depois de o legislador,
bem ou mal, ter traçado a disciplina da matéria, de forma restritiva, como o fez).
39
"Em impetração de Estado-membro da Federação em defesa de interesses da
população local, contra ato do Presidente da República, o Tribunal Pleno do STF
decidiu que a tutela dos interesses difusos da população do Estado estaria
processualmente restrita às hipóteses previstas na LACP (Lei nº 7.347/85), e a
impetração de mandado de segurança coletivo está sujeita à enumeração taxativa do
art. 5º, LXX, da CF (partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe, e
associações): MS 21.059-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Fonte: DVD Magister,
versão 33, ementa 10022764, Editora Magister, Porto Alegre, RS, e RTJ 133/652"
(MEIRELLES, Hely Lopes; W ALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de
segurança, cit., p. 124, nota 266).
40
"O Ministério Público tem impetrado alguns mandados de segurança na qualidade
de defensor de direitos difusos, de guardião da ordem jurídica em geral. Algumas
decisões judiciais admitem esta modalidade de impetração (no STJ: RMS 5.895-DF,
Rel. Min. Assis Toledo, DJU 05.02.96, p. 1.410, e RDR 4/225; RMS 9.889-MG, Rel.
Min. Gilson Dipp, DJU 15.03.99, p. 264). Como mencionado, entendemos que se um
determinado ato é atentatório a direitos difusos, e não a direitos individuais, o
Ministério Público poderá intervir para reprimi-lo, mas não pela via do mandado de
segurança, e, sim, através de ação civil pública. Do contrário se estaria consagrando
um mandado de segurança coletivo anômalo, fora das hipóteses previstas
expressamente na Constituição (art. 5º, LXX)" (MEIRELLES, Hely Lopes; W ALD,
Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira, op. cit., loc. cit.).
21
direitos coletivos e individuais homogêneos dos integrantes da pessoa
jurídica legitimada à sua impetração, não há, praticamente, perspectivas
favoráveis à pretensão de interpretar-se a previsão constitucional de
forma ampliativa, para nela incluir, também, os direitos difusos
41
. Nessa
quadra, a inclusão dos direitos difusos no âmbito do mandado de
segurança coletivo estaria a reclamar reforma do direito positivo e,
talvez, até mesmo reforma constitucional.
Em síntese, a Lei nº 12.016/09 acolheu a tese que vinha sendo
preconizada por ampla e respeitada corrente doutrinária, para deixar
assentado, de forma definitiva, que os direitos difusos "podem ser
protegidos pela ação civil pública, mas não pelo mandado de segurança
coletivo"
42
.
7 O Ministério Público e o Mandado de Segurança Coletivo
O mandado de segurança coletivo foi objeto de previsão pela
Constituição, com expressa atribuição ativa a certas instituições, quais
sejam os partidos políticos, as organizações sindicais, as entidades de
classe e as associações (CF, art. 5º, LXX, a e b).
Não obstante a clareza da disposição constitucional, surgiram
opiniões doutrinárias favoráveis ao seu uso também pelo Ministério
Público, quando envolvidos direitos sociais cuja defesa coletiva lhe é
atribuída, também por previsão constitucional.
41
"Dificilmente interpretação diversa, com base em disposições constitucionais há de
vingar, até porque, como asseverado anteriormente, a jurisprudência anterior à Lei nº
12.016/09 já se inclinava pela negativa de cabimento do MS coletivo em prol dos
direitos difusos" (GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 109).
42
CARNEIRO, Athos Gusmão. Anotações sobre o mandado de segurança coletivo,
nos termos da Lei 12.016/09. Revista de Processo, n. 178, p. 15, dez. 2009.
22
Certo é, contudo, que a doutrina, por ampla maioria, e com
respaldo na jurisprudência, já vinha entendendo, antes da Lei nº
12.016/09, que o rol dos legitimados constante do art. 5º, LXX, da CF,
era taxativo, "de modo a não admitir a impetração coletiva a não ser
pelas pessoas lá indicadas"
43
.
Há lições anteriores e posteriores à regulamentação do mandado
coletivo em favor de extensão de sua legitimação também ao Ministério
Público, como, entre outras, a de Cássio Scarpinella Bueno
Nelson Nery Júnior
44
e a de
45
.
No entanto, a circunstância de a Constituição atribuir ao Ministério
Público, como o faz em relação a diversas outras entidades, a tutela dos
interesses
sociais
e
coletivos,
não
torna
certo
que
esta
seja
necessariamente realizada pela via do mandado de segurança coletivo.
O próprio Estado, que é o primeiro tutor dos interesses sociais e
coletivos, não é legitimado ao exercício daquele remédio constitucional.
Tampouco o são os outros diversos titulares da ação popular e da ação
civil pública. Para desempenho da tutela coletiva a cargo do Ministério
Público, a ordem jurídica, constitucional e infraconstitucional, já instituiu
a ação civil pública e o inquérito civil. Poderia a esses remédios
processuais ser acrescido o mandado de segurança coletivo, sem
dúvida. Isto, porém, dependeria de vontade político-legislativa, que teria
liberdade de fazê-lo ou não fazê-lo, sem que tal configurasse ofensa às
funções e encargos constitucionais do Ministério Público, ou do poder
Público em geral.
43
GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 102. O próprio STF "já apontou que
o rol do art. 5º, LXX, da CF é fechado" (MS 21.059-1/RJ, Pleno, DJU 19.10.90, p.
11.486) como registra o citado autor (op. cit., loc. cit.).
44
CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, por exemplo, ensina que "o silêncio do art. 21,
caput, da Lei nº 12.016/09 não afasta a legitimidade ativa do MP para a impetração
do mandado de segurança coletivo. Ela, embora não seja prevista expressamente
pelo inciso LXX do art. 5º da CF decorre imediatamente das finalidades institucionais
daquele órgão" (op. cit., 2009, n. 56, p.127).
45
NERY Jr., Nelson. Mandado de Segurança coletivo. Revista de Processo, n. 57, p.
54.
23
Talvez fosse melhor terem sido o Ministério Público e o Estado
incluídos entre os credenciados ao manejo da segurança coletiva.
Entretanto, como registra Fernando da Fonseca Cajardoni, "convém
destacar que, se mesmo antes da lei já prevalecia, na doutrina e
jurisprudência superior
46
, o entendimento pela negativa da legitimação
de outros entes, agora, com a lei sendo expressa neste sentido, há mais
razão, ainda, para reconhecer a prevalência da tese limitativa, sem
prejuízo da crítica que pode ser feita ao legislador a respeito"
47
.
8 Mandado de Segurança Coletivo e Coisa Julgada
Uma das características do mandado de segurança é a de não
produzir sempre a coisa julgada material. Se o direito líquido e certo
afirmado pelo impetrante é reconhecido e tutelado pela sentença, ou se
é negado por ela, ter-se-á uma sentença de mérito e aperfeiçoada estará
a coisa julgada material, nos moldes dos arts. 467 e 468 do CPC. Se,
porém,
a
segurança
for denegada
por não
ter
restado
provado
suficientemente o direito invocado como causa petendi, não se terá a
coisa julgada, a não ser no seu aspecto formal. Por isso, não ficará
inibido o impetrante frustrado de renovar sua demanda pelas vias
ordinárias (Lei nº 12.016/09, art. 19).
Essas características, engendradas originariamente para o regime
do mandado de segurança individual, prevalecem, também, para o
mandado de segurança coletivo.
46
"O STF, inclusive, já apontou que o rol do art. 5º, LXX, da CF é fechado, de modo
que Estados-membros, MP ou qualquer outro ente legitimado para a ação civil
pública (art. 5º da Lei nº 7.347/85), não têm legitimidade para impetrar mandado de
segurança coletivo, devendo se valer das outras ações coletivas pertinentes especialmente a ação civil pública - para a tutela das pretensões coletivas"
(GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 102).
47
GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 102-103.
24
No terreno da ação civil pública, padrão da tutela coletiva, e
antecedente jurídico processual do mandado de segurança coletivo, o
sistema da coisa julgada tem regras e princípios bem distintos daqueles
presentes no processo civil comum e na legislação tradicional do
mandado de segurança individual. Sua sistemática é, basicamente, a
seguinte:
a) a sentença de procedência da demanda tem eficácia benéfica além
das partes do processo, alcançando todos os indivíduos que possam se
integrar no universo dos titulares dos direitos tutelados (CDC, art. 97 e
segs.). Nisso consiste a chamada eficácia erga omnes ou ultra partes,
que vem a se revestir da autoridade de coisa julgada na ação civil
pública (CDC, arts. 103, I, II e III)
48
;
b) se a ação civil pública é dada como improcedente por falta ou
insuficiência
de
prova,
não
há
coisa
julgada
material,
e
sua
repropositura se torna possível, ainda sob a forma coletiva, desde que
se disponha de prova nova (CDC, art. 103, I);
c) mesmo quando se forma a coisa julgada coletiva, pela improcedência
do
pedido
formulado
é
defendido
pelo
substituto
processual,
os
indivíduos integrantes do grupo substituído pela entidade autora não
ficam prejudicados pelo fracasso da ação coletiva, se nela não figuram
como assistentes. Poderão, portanto, manejar suas ações individuais,
malgrado a improcedência da demanda coletiva (CDC, art. 103, § 2º);
d) pelo art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterado pela Lei nº 9.494/97, a
eficácia erga omnes da coisa julgada formada pela ação civil pública se
limita ao território de competência do juízo que decidiu a causa.
48
Dessa eficácia benéfica só não aproveitará aquele que não aderiu de forma alguma
ao destino da ação coletiva e insistiu em não desistir de sua ação singular, mesmo
ciente da ação coletiva (CDC, art. 104)
25
O mandado de segurança coletivo, embora integrado no universo
das ações coletivas, segue, em matéria de coisa julgada regime próprio,
distinto daquele traçado pelo CDC e que rege, nesse passo, também a
ação civil pública, e que dele se afasta em alguns pontos, a saber:
a) a eficácia da sentença do mandado de coletivo nunca é erga omnes
em toda extensão, no sentido que a coisa julgada ficará sempre limitada
aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante (Lei nº
12.016/09, art. 22, caput)
49
;
b) terceiros não integrantes da coletividade autora, ainda que titulares
de pretensão igual, não serão beneficiados pela coisa julgada formada
no julgamento do writ coletivo
50
;
c) mesmo integrando o grupo ou categoria substituído pelo impetrante, a
sentença concessiva da segurança coletiva não beneficiará aquele que
preferiu usar a segurança individual, e dela não desistiu nos trinta dias
posteriores à ciência da impetração coletiva (Lei nº 12.016, art. 22, §
1º). Nesse ponto, a sistemática do mandado de segurança se afasta do
regime da ação civil pública, porque em relação a esta a lei não exige
que haja desistência da demanda individual, bastando ao interessado
suspendê-la. Isto lhe permite retornar o curso da ação singular, caso
ocorra a improcedência da coletiva. Tal não será viável no mandado de
segurança, porque tendo desistido da impetração singular, quase
sempre estará privado da oportunidade de repropô-la, em decorrência do
prazo decadencial do art. 23 da Lei nº 12.016/09;
49
TAVARES, André Ramos. Manual do novo mandado de segurança, cit., p. 178.
Se o art. 21, parágrafo único, da Lei nº 12.016/09 indica como tuteláveis pelo
mandado de segurança coletivo apenas os direitos coletivos e os individuais
homogêneos, "é compreensível que a coisa julgada, uma vez formada, restrinja-se
aos 'membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante'. Por definição os
direitos daquela tipologia pertencem a pessoas determinadas ou determináveis"
(BUENO, Cássio Scarpinella. A nova Lei do Mandado de Segurança, cit., 2009, n. 58,
p. 133)
50
26
d) o fato de inexistir, na regulamentação específica do mandado de
segurança coletivo, previsão expressa similar à da ação civil pública,
sobre
a
possibilidade
de
renovação
de
sua
propositura
quando
denegado por insuficiência de prova, tal se mostra cabível segundo a
regra geral do § 6º, do art. 6º, da Lei nº 12.016, norma traçada
originariamente para o mandado individual, mas que se estende,
naturalmente, também ao coletivo;
e) o § 1º do art. 22 da Lei nº 12.016/09 prevê, sem dúvida, quando a
impetração é procedente, a extensão da coisa julgada benéfica a todos
os membros do grupo ou categoria substituídos. Silencia-se, contudo,
sobre os efeitos maléficos da improcedência da impetração coletiva. No
regime da ação civil pública, a res iudicata somente opera para
beneficiar, nunca para prejudicar os substituídos na demanda coletiva.
Não há razão para ser diferente no mandado de segurança coletivo, já
que este reconhecidamente deve integrar a classe das ações coletivas
51
. Uma vez que não há litispendência entre o mandado de segurança e
as ações individuais (Lei nº 12.016, art. 22, § 1º), parece necessário
concluir que, fiel à sistemática das ações coletivas, o insucesso da
impetração do mandado de segurança coletivo não deve inibir os
membros
do
grupo
ou
categoria
interessados
a
manejar
ações
individuais em torno das pretensões coletivamente rejeitadas. Em outros
termos: a coisa julgada, no mandado de segurança coletivo, tal, como
nas demais ações coletivas, só beneficia e não prejudica os indivíduos
integrantes da comunidade envolvida na impetração
52
;
51
"No mandado de segurança, muito embora não seja permitida a tutela dos
interesses difusos, aplica-se o regime da coisa julgada regulado pelo CDC, que
constitui o diploma fundamental sobre a disciplina dos interesses coletivos, no âmbito
material e processual" (MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de, op.
cit., n. 22.1, p. 218).
52
Explica Eduardo Arruda Alvim que o art. 22, caput, da Lei nº 12.016/09, ao
determinar que a coisa julgada no mandado de segurança coletivo repercuta sobre os
membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante, tem a força de revelar
quais são os limites subjetivos da res iudicata, isto é, quais são as pessoas incluídas
na esfera da coisa julgada coletiva. Mas os limites objetivos não foram determinados
pela Lei nº 12.016/09, ou seja, dita lei não explicitou quais seriam as questões de
mérito que, uma vez solucionadas na ação mandamental coletiva, se submeteriam à
27
f) por outro lado, a limitação territorial de eficácia da coisa julgada
imposta pelo art. 16 da Lei nº 7.347/85 (redação da Lei nº 9.494/97),
aplicável à generalidade das ações coletivas, não tem pertinência com o
mandado de segurança coletivo. É que a Lei nº 12.016/09 tem regra
própria para a matéria, constante do seu art. 22, no qual se dispõe que a
coisa julgada do mandado coletivo atuará em face dos membros do
grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Assim, não importa o
domicílio
desses
membros
procedência do mandamus
g)
ainda
em
relação
para
se
beneficiarem
dos
efeitos
da
53
;
aos
jurisprudência tanto do STF
associados
54
da
como do STJ
55
entidade
impetrante,
a
tem se pronunciado pela
desnecessidade, no mandado coletivo, de apresentação do "rol dos
associados" reclamado pelo regulamento da ação coletiva comum
56
.
eficácia de coisa julgada para todos os envolvidos no processo. Daí porque se pode
adotar a tese de Eduardo Arruda Alvim, de que há uma lacuna no regime da coisa
julgada do mandado de segurança coletivo, a qual pode ser suprida pelo regime geral
das ações coletivas, vale dizer, pelo art. 103 do CDC, assim sintetizado: a) a
procedência beneficia todo o grupo ou categoria substituído pelo impetrante; b) a
improcedência não prejudica os interesses individuais dos integrantes do grupo ou
categoria.
53
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Mandado de segurança, cit., p. 398 e 422.
54
"Não aplicação, ao mandado de segurança coletivo, da exigência inscrita no art.
2º-A da Lei nº 9.494/97, de instrução da petição inicial com a relação nominal dos
associados da impetrante e da indicação dos seus respectivos endereços. Requisito
que não se aplica à hipótese do inciso LXX do art. 5º da Constituição. Precedentes:
MS 21.514, Rel. Min. Marco Aurélio - Fonte: DVD Magister, versão 33, ementa
10018076, Editora Magister, Porto Alegre, RS, e RE 141.733, Rel. Min. Ilmar Galvão
- Fonte: DVD Magister, versão 33, ementa 10021930, Editora Magister, Porto Alegre,
RS" (STF - Pleno, MS 23.769/BA, Relª Minª Ellen Gracie, ac. 03.04.20, DJU 30.04.04,
p. 33, RTJ 191/519).
55
"O STJ firmou compreensão segundo a qual o art. 3º da Lei nº 8.073/90, em
consonância com o art. 5º, XXI e LXX, da Constituição Federal, autorizam os
sindicatos a representarem seus filiados em Juízo, quer nas ações ordinárias, quer
nas seguranças coletivas, ocorrendo a chamada substituição processual, razão por
que torna-se desnecessária a autorização expressa ou a relação nominal dos
substituídos. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada" (STJ - 5ª T., REsp
780.660/GO, Rel. Min.Arnaldo Esteves Lima, ac. 06.09.07, DJU 22.10.07, p.353 Fonte: DVD Magister, versão 33, ementa 11408620, Editora Magister, Porto Alegre,
RS; STJ - 1ª T., REsp 624.340/PE, Rel. Min. José Delgado, ac. 29.06.04, DJU
27.09.04, p. 260, RSTJ 185/143).
56
ARRUDA ALVIM, Eduardo. Mandado de segurança, cit, p. 398.
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o mandado de segurança coletivo em cotejo com as ações coletivas