TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2015.0000770986 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante GABRIELA DA SILVA PINTO, é impetrado MM. JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DO FORO CENTRAL. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, concederam a segurança para aplicar em favor de GABRIELA DA SILVA PINTO as medidas protetivas de urgência previstas no artigo 22, inciso III, alíneas a,b e c, da Lei nº 11.340/06, vencido o E. Desembargador Roberto Solimene, que a denegava e não declara.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SÉRGIO COELHO (Presidente) e ROBERTO SOLIMENE. São Paulo, 8 de outubro de 2015 ELY AMIOKA RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo VOTO Nº 718 MANDADO DE SEGURANÇA 2097361-61.2015.8.26.0000 COMARCA DE SÃO PAULO (VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA) IMPETRANTE: GABRIELA DA SILVA PINTO (JEAN CARLOS DA SILVA PINTO IMPETRADO: MM. JUIZ DO NOME SOCIAL NOME CIVIL) JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. IMPETRANTE BIOLOGICAMENTE DO SEXO MASCULINO, MAS SOCIALMENTE DO SEXO FEMININO. VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. SEGURANÇA CONCEDIDA. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por GABRIELA DA SILVA PINTO - nome social (JEAN CARLOS DA SILVA PINTO nome civil), contra ato do MM. Juiz da Vara Central de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, que indeferiu pedido de concessão de medidas protetivas em seu favor (fls. 01/11). Indeferida a liminar (fls. 56), vieram as informações solicitadas (fls. 59/65) e a Douta PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, no Parecer de fls. 67/70, opinou pela concessão da segurança. Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 718 2/6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo É o relatório. A segurança deve ser concedida. Narra a IMPETRANTE que manteve relacionamento amoroso com RAFAEL FERNANDO DA SILVA OLIVEIRA por cerca de um ano, e após o término da relação este passou a lhe proferir xingamentos e fazer ameaças. Diante registrou mantidas a as ocorrência ameaças, dos perante fatos, a solicitou a Autoridade a aplicação IMPETRANTE Policial das e, medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. O Juízo de origem, contudo, indeferiu as medidas pleiteadas alegando que estas têm por objetivo a prevenção motivada e por coibição de violência desigualdade de doméstica gênero em e face familiar da mulher, excluindo, assim, sua aplicação em favor da ora IMPETRANTE, que biologicamente pertence ao sexo masculino. Todavia, a lei em comento deve ser interpretada de forma extensiva, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim é que a Lei nº 11.340/06 não visa apenas a proteção à mulher, mas sim à mulher que sofre violência de gênero, e é como gênero feminino que a IMPETRANTE se apresenta social e psicologicamente. Tem-se que a expressão “mulher”, contida na lei em apreço, refere-se tanto ao sexo feminino Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 718 3/6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo quanto ao gênero feminino. O primeiro diz respeito às características biológicas do ser humano, dentre as quais GABRIELA não se enquadra, enquanto o segundo se refere à construção social de cada indivíduo, e aqui GABRIELA pode ser considerada mulher. A IMPETRANTE, apesar de ser biologicamente do sexo masculino e não ter sido submetida à cirurgia de mudança psicologicamente de como sexo, mulher, apresenta-se com social aparência e e traços femininos, o que se pode inferir do documento de identidade acostado mulher. às fls. 18, em Acrescenta-se, que por consta a oportuno, fotografia que ela de uma assina o documento como GABRIELA, e não como JEAN CARLOS. Ressalte-se, por oportuno, que o reconhecimento da transexualidade prescinde de intervenção cirúrgica para alteração de sexo. Os documentos acostados aos autos, IMPETRANTE como acima pertence ao mencionado, gênero deixam feminino, claro ainda que que a não submetida a cirurgia neste sentido. E esta Corte já decidiu, por exemplo, que a alteração do nome civil não exige a realização prévia de cirurgia para mudança de sexo: “RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL Pretensão da autora de alteração de prenome feminino para masculino apelante, Nome feminino que, em face da condição atual da a expõe ao ridículo Fotos que demonstram, verdadeiramente, que a aparência da autora é de um home Laudo psicológico que atesta a necessidade da retificação da Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 718 4/6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo pessoa Cível humana nº Possibilidade de modificação.” 0055269-67.2008.8.26.0576, 9ª Câmara (Apelação de Direito Privado, Rel. Des. Galdino Toledo Junior, j. em 03/02/2015). É, portanto, na condição de mulher, ex-namorada de RAFAEL, que a IMPETRANTE vem sendo ameaçada por este, inconformado com o término da relação. GABRIELA sofreu violência doméstica e familiar, cometida pelo então namorado, de modo que a aplicação das normas da Lei Maria da Penha se fazem necessárias no caso em tela, porquanto comprovada sua condição de vulnerabilidade no relacionamento amoroso. Nesse sentido são os ensinamentos de Maria Berenice Dias: “(...) Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que tenha identidade com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra ela no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência (...)” (DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 2ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010). Por fim, cumpre observar que o documento de fls. 81, juntado por RAFAEL, em que GABRIELA afirma ter reatado o relacionamento, em nada altera situação aqui tratada. Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 718 5/6 a TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo O constitucional que não Mandado admite de Segurança dilação é ação probatória, não cabendo ao agressor juntar aos autos documento assinado pela vítima a fim de afastar a necessidade das medidas pleiteadas. Caso seguimento da ação, deveria GABRIELA ter não pretendesse peticionado por o meio da esclarecimento, a Defensoria Pública, que a representa nestes autos. E apenas como assinatura aposta na Declaração de fls. 81 não coincide com a firmada no documento de identidade de GABRIELA, como se observa às fls. 18. Assim, aplicar em favor de concede-se GABRIELA DA SILVA a segurança PINTO as para medidas protetivas de urgência previstas no artigo 22, inciso III, alíneas “a”, “b” e “c”, da Lei nº 11.340/06. ELY AMIOKA RELATORA (assinatura eletrônica) Mandado de Segurança nº 2097361-61.2015.8.26.0000 - São Paulo - VOTO Nº 718 6/6