J.B. SILVA, J.T. DEL RIO, H.F. FERNANDES, S. DINIZ & M. FRIDMAN SEGUNDA SEÇÃO ORTOPEDIA GERAL Carpectomia proximal do carpo na artrose radiescafolunar* JEFFERSON BRAGA SILVA1, JUAN TORRES DEL RIO2, HILDO FREIRE FERNANDES2, SILVANA DINIZ3, MONIK FRIDMAN4 RESUMO Foram analisados 20 pacientes submetidos a carpectomia proximal do carpo. As seqüelas da pseudartrose do escafóide e necrose avascular do semilunar, acompanhadas sempre de artrose radiescafolunar, foram as indicações em igual número de casos. A melhora significativa da dor, mobilidade e força e retorno à mesma atividade profissional foram observados em 90% dos casos. A carpectomia proximal do carpo poderá ser considerada alternativa terapêutica para pacientes portadores de seqüelas traumáticas do carpo, com artrose radiescafolunar, em que será possível obter melhora funcional comparativamente ao estado pré-operatório. Unitermos – Artrose radiescafolunar; carpectomia proximal; pseudartrose do escafóide; Kienböck SUMMARY Proximal row carpectomy in radio-scaphoid-lunate bone arthrosis The authors analyzed twenty patients who were submitted to proximal row carpectomy. The sequelae of scaphoid nonunion and osteonecrosis of the lunate bone, always followed by radio-scaphoid-lunate bone arthritis, were the indications in all cases. There was a significant pain relief, an increase in motion and strength, and 90% of the patients returned to their previous professional activities. The proximal row carpectomy can be considered an alternative therapy for those patients with post traumatic sequelae of the wrist, with radio-scaphoid-lunate bone arthritis, where it is possible to obtain a functional improvement in the postoperative condition. Key words – Radio-scaphoid-lunate bone arthritis; proximal row carpectomy; non-union of the scaphoid; Kienböck INTRODUÇÃO Ollier(15), no século XIX, propôs a ressecção artroplástica, sem interposição, dos três ossos proximais do carpo: escafóide, semilunar e piramidal, às destruições articulares de origem tuberculosa. Apesar de numerosas publicações(1,2,6-9,13,14,17-21,23) com quantidade significativa de casos e seguimento pós-operatório considerável, essa intervenção sempre foi considerada de “exceção”. Vinte pacientes foram submetidos a carpectomia proximal entre 1993 e 1996 e os resultados foram avaliados segundo a força, mobilidade, dor e retorno à atividade profissional. MATERIAL E MÉTODOS * Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. São Lucas-PUCRS, e na Clín. SOS-Mão, Porto Alegre, RS. 1. Preceptor de Resid. Méd. do Hosp. São Lucas-PUC e Diretor da Clín. SOS-Mão, Porto Alegre, RS. 2. Estag. em Cir. da Mão e Microcir. – Clínica SOS-Mão, Porto Alegre, RS. 3. Estag. do Curso de Extensão Univ. em Cir. da Mão e Microcir. do Hosp. São Lucas-PUC-RS, Porto Alegre, RS. 4. Chefe do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. São Lucas-PUC-RS. Endereço para correspondência: Jefferson Braga Silva, Clínica SOS-Mão, Rua Dona Laura, 354/301 – 90430-090 – Porto Alegre, RS. Tel./Fax: (051) 330-6184. 894 Vinte pacientes (15 masculinos) e com idade média de 35 anos (extremos de 20-40), foram analisados descritivamente. O intervalo, desde o trauma inicial ou aparecimento da sintomatologia (dor e déficit funcional), até a realização do procedimento de carpectomia proximal, foi em média de três anos. A mão dominante foi acometida em 15 pacientes. O tempo médio de seguimento pós-operatório foi de 26 meses. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 – Novembro, 1997 CARPECTOMIA PROXIMAL DO CARPO NA ARTROSE RADIESCAFOLUNAR Fig. 2 – Caso 1. Carpectomia proximal (AP). Fig. 1 – Caso 1. Kienböck. Quanto à etiologia, dez pacientes apresentavam pseudartrose do escafóide, com necrose do pólo proximal e artrose radiescafóide. Os demais apresentavam necrose avascular do semilunar (Kienböck), estágio III de Delcoux, igualmente com artrose, ao nível da radiolunar. Quanto à atividade manual, 80% eram trabalhadores manuais leves e 20% manuais pesados. Não encontramos sinais radiológicos nem achados transoperatórios indicativos de artrose da superfície articular proximal do capitato. Técnica cirúrgica O procedimento foi sempre realizado sob garrote pneumático e anestesia do tipo bloqueio axilar. A incisão foi em sua totalidade dorsal e arciforme à concavidade interna. Secciona-se longitudinalmente o ligamento anular posterior do carpo (LAPC) ao nível do terceiro compartimento dorsal. A esse nível é identificado o nervo interósseo posterior e devidamente ressecado. A capsulotomia é realizada por uma incisão longitudinal, estendendo-se até a articulação mediocárpica. A ressecção artroplástica inicia-se pelo semilunar, com flexão máxima do carpo. Especial atenção à superfície articular do capitato, que deverá ser protegida e preservada. Segue-se a ressecção do piramidal e finalmente o escafóide. O cuidado na ressecção menos fragmentada possível desses Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 – Novembro, 1997 Fig. 3 – Caso 1. Carpectomia proximal (perfil). ossos deve prevalecer, pois os ligamentos volares do carpo deverão ser preservados. A sutura por planos, cápsula, LAPC e pele finalizará a intervenção. Salienta-se que a cápsula deverá ser suturada sem ressecção ou tensão, a fim de evitar qualquer rigidez pós-operatória. A imobilização por tala gessada volar, por período de 21 dias, autorizará a flexo-extensão ativa digital precoce. A terapia pós-imobilização deverá ser enfatizada fundamentalmente no ganho da mobilidade articular e força. 895 J.B. SILVA, J.T. DEL RIO, H.F. FERNANDES, S. DINIZ & M. FRIDMAN Fig. 6 – Caso 2. Resultado funcional – extensão. Fig. 4 – Caso 2. Seqüela de pseudartrose do escafóide. Fig. 7 – Caso 2. Resultado funcional – flexão. QUADRO 2 Kienböck Pré-operatório Pós-operatório Fig. 5 – Caso 2. REM – necrose 2/ 3 superfície óssea. Flexão Extensão Desv. rad. Desv. ulnar 15º 38º 10º 35º 5º 5º 5º 5º Quanto à mobilidade média pós-operatória obtivemos ganho significativo (quadros 1 e 2). Com relação à força, igualmente, aumento significativo foi constatado. A medicação foi realizada ao dinamômetro de Jamar; membro superior junto ao corpo e cotovelo a 90º. Uma média aritmética simples de três medições foi considerada (quadros 3 e 4). QUADRO 1 Pseudartrose do escafóide QUADRO 3 Pseudartrose do escafóide RESULTADOS Pré-operatório Pós-operatório 896 Flexão Extensão Desv. rad. Desv. ulnar 08º 40º 00º 40º 5º 5º 10º 10º Pré-operatório Pós-operatório Mão acometida Mão contralateral 16kgf 21kgf 28kgf 28kgf Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 – Novembro, 1997 CARPECTOMIA PROXIMAL DO CARPO NA ARTROSE RADIESCAFOLUNAR QUADRO 4 Kienböck Pré-operatório Pós-operatório Mão acometida Mão contralateral 15kgf 20kgf 30kgf 30kgf É importante salientar que o incremento na força e mobilidade foi gradual e progressivo, atingindo um platô ao sexto mês, independente da etiologia. A melhora da dor, segundo a escala de Hutckinson(7), foi de 40% em relação ao pré-operatório. O retorno à mesma atividade profissional foi observado em 90% dos casos, independente da etiologia e da atividade profissional anterior ao trauma. DISCUSSÃO A ressecção artroplástica da primeira fileira de ossos do carpo, citada desde o século XIX, continua sendo considerada por muitos autores como procedimento de “exceção” e até mesmo preterindo-o em favor da artrodese total do carpo. Várias publicações com resultados satisfatórios revelamna como boa alternativa para tratamento de lesões degenerativas ou seqüelas traumáticas do carpo(1,2,4,7-10,12,17,18). Em nossa série as indicações restringiram-se à pseudartrose do escafóide e à necrose avascular do semilunar (Kienböck), estágio III de Delcoux, todos os casos acompanhados de artrose do compartimento externo (radiescafóide, radiolunar e/ou radiescafolunar). Na análise desses casos obtivemos resultados satisfatórios com ganho de mobilidade, força e melhora significativa da dor, os quais corroboram os dados da literatura. A melhora da dor em pós-operatório imediato acreditamos que se deve à ressecção do nervo interósseo posterior. A recuperação da força, constatamos, faz-se progressivamente. Isso deve-se provavelmente ao encurtamento de aproximadamente 1 a 1,5cm na altura do carpo(3,11), no qual os tendões flexores ficariam maiores em relação ao suporte ósseo, adaptando-se posteriormente. E quanto ao ganho de mobilidade progressiva, deve-se ao fato de adaptação da neo-articulação capitato-rádio. Braun(2) relata bons resultados na carpectomia proximal realizada na urgência, apresentando como indicações as fraturas-luxações e amputações transcarpianas. Não incluímos nesta série um caso de amputação, pois desejávamos analisar uma série homogênea. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 – Novembro, 1997 Dap(5) analisou uma série de 36 pacientes que foram submetidos à artrodese total do carpo. Os resultados foram considerados medíocres, ressaltando-se que 41% deles tiveram perda de força, 78% apresentavam persistência de dor e somente 20% retornaram a sua atividade profissional. Quanto à substituição total da articulação por implante(6, 13,16), infelizmente não dispomos até o momento de modelo que se adapte às indicações pós-traumáticas. As degenerações decorrentes dessa são diferentes daquelas da artrite reumatóide. Não houve indicações de carpectomia proximal para casos de instabilidade do carpo(12,22). Não encontramos artrose pós-carpectomia proximal entre o capitato e o rádio, provavelmente devido a nosso tempo de seguimento pós-operatório. Em outras séries(12,18) observouse que 20% dos casos, em cinco anos, desenvolveram artrose rádio-capitato, mas que não influenciaram no resultado funcional. Salomon & Eaton(17) relatam excelentes resultados de ressecção parcial do capitato proximal com interposição de fáscia ou cápsula dorsal, nos casos de artrose capitato-rádio póscarpectomia em cinco anos. Não temos experiência com esse procedimento. Em conclusão, acreditamos que a carpectomia proximal do carpo poderá ser considerada como boa alternativa para o tratamento de seqüelas traumáticas do carpo, na presença de artrose radiescafolunar, obtendo melhora funcional comparativamente ao estado pré-operatório. REFERÊNCIAS 1. 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