O desafio da ALTA GERÊNCIA Encontrar o melhor substituto e planejar a transição são as novas obrigações de quem ocupa qualquer cargo de chefia Por Frank Popoff 142 Embora ainda poucos líderes tendam a concordar com isso no Brasil, ajudar a eleger o sucessor certo talvez seja a principal obrigação de um presidente executivo, especialmente em época de mudanças, quando assegurar a continuidade de uma boa administração pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma empresa. Um sucessor qualificado, aliás, pode ser fundamental não só para a sobrevivência de uma organização, mas do sistema empresarial como um todo. Ironicamente, no entanto, a sucessão continua a ser a mais negligenciada das tarefas. Grandes corporações no mundo todo começam a discutir processos sucessórios que funcionem de forma contínua e sejam mais eficientes. Neste artigo, Frank Popoff, presidente do Conselho de Diretores da Dow Chemical Company, analisa o planejamento sucessório em todas as instâncias de poder e propõe uma estratégia sucessória que inclui, por exemplo, fazer a transição da prática de substituições em curto prazo para o desenvolvimento e retenção das pessoas por longo prazo, ou deixar de “bloquear” cargos e optar pela rotatividade nas funções-chave. O planejamento sucessório desempenha um papel fundamental na capacidade de uma empresa de implantar suas estratégias de longo prazo e alcançar resultados duradouros. Obviamente, a boa administração não acontece por acaso, e o planejamento sucessório é fundamental para sua continuidade. Todos os anos, reconhece-se o planejamento sucessório como um assunto sério. É uma das três responsabilidades prioritárias dos conselhos de administração, juntamente com a revisão/ratificação de estratégia e a avaliação do desempenho e remuneração da diretoria. A boa notícia é que o planejamento sucessório está atraindo bastante atenção. O ruim é que muitas companhias simplesmente não o estão compreendendo bem. A Ben & Jerry’s, em seu desafio à HäagenDazs nas grandes guerras dos sorvetes nos EUA, abordou o tema da sucessão do presidente executivo, o CEO, por meio de um concurso de ensaios denominado “Ei, eu quero ser seu CEO (Yo, I wanna be your CEO)”. O bom senso prevaleceu, entretanto, e a Ben & Jerry’s agora é dirigida por um experiente executivo. As manchetes empresariais hoje em dia estão repletas de embaraços gerenciais na forma de: CEOs que permanecem no cargo muito tempo e abafam os sucessores ou rivais potenciais; Diretorias divididas – e às vezes com excesso de membros – e frequentemente fora de sintonia com os interesses dos acionistas; Lutas internas por poder, que levam ao desperdício de talentos quando finalmente se escolhe um CEO; Prejuízo para o acionista, uma vez que uma procura demasiadamente pública de um dirigente atravanca as operações da empresa e solapa a confiança dos funcionários e do público. Por boas ou más razões, algumas excelentes empresas atraíram publicidade negativa pela forma de conduzir a sucessão de seus executivos – chegando até a abalar a fé de seus investidores. O problema não precisa necessariamente estar no CEO. Pode estar na diretoria, em algum diretor individualmente, Das muitas responsabilidades dos presidentes, assegurar um eficaz processo de sucessão é a principal HSM␣ Management␣ 4␣ setembro-outubro␣ 1997 Máximo Campos Leyba sucessão acionistas mais mobilizados ou nos autodenominados herdeiros – só para mencionar algumas fontes. Seja qual for a causa, a publicidade e o prejuízo ficam amplamente registrados. Perguntem à American Express, Chrysler, Eastman Kodak, Eli Lilly, Ford, GM, IBM, K-Mart, Sears ou W.R. Grace. E, se voltássemos aos anos 70, poderíamos acrescentar a Dow Chemical a essa lista, bem como uma legião de empresas menos visadas nas quais a turbulên- cia no topo ocasionou a troca do CEO ou um grave abalo nas relações dentro da diretoria. Eu gostaria de frisar que muitas das empresas mencionadas se recuperaram das adversidades, beneficiaram-se da experiência e se tornaram mais bem preparadas para enfrentar o futuro. Além disso, inúmeras são excelentes clientes e fornecedoras da Dow. É fácil apontar problemas e atribuir responsabilidades depois de ocorrido o fato, quando os espectadores se deliciam com mais uma companhia “lavando sua roupa suja” em público. Meu objetivo, porém, não é esse. Neste artigo, quero trocar algumas idéias sobre como abordar o planejamento sucessório de forma a evitar problemas e garantir que haja solução de continuidade para uma boa administração. Em primeiro lugar, devemos reconhecer a importância da tarefa. Se os CEOs não o fizerem, as diretorias e os investidores o farão. Em segundo lugar, precisamos superar a tendência atual de procurar um remédio único oriundo da sabedoria convencional. Ajudar a escolher o sucessor certo deve ser considerada, na verdade, a obrigação fundamental de um CEO. Embora isso se faça em conjunto com a diretoria, cabe ao presidente executivo a responsabilidade pela qualidade dos candidatos e pela atratividade da função. Dentre as muitas responsabilidades dos conselhos administrativos, nenhuma é mais importante que garantir uma sucessão eficiente. No entanto, entre as tarefas-chave tratadas pelos conselhos, a sucessão, devido a sua relativa raridade, é a mais negligenciada. Depois de abordar o processo do que considero um exercício bem-sucedido de planejamento sucessório – só o tempo dirá se tenho razão –, gostaria de compartilhar com vocês algumas reflexões sobre a sucessão de um CEO e o aprimoramento de candidatos para posições de direção em toda a companhia. O segredo, a meu ver, é tornar o planejamento sucessório através do desenvolvimento de pessoas um HSM␣ Management␣ 4␣ setembro-outubro␣ 1997 ➙ 143 valor central da cultura corporativa. Ao proceder assim, não só você estabelece um processo de planejamento sucessório para todos os níveis hierárquicos, inclusive a presidência, mas também assegura uma oferta contínua de candidatos qualificados. Assim, a estratégia de sucessão na maioria das empresas deve abranger seis transições: de um evento anual para um processo contínuo; de uma estratégia de substituição de curto prazo para uma estratégia de desenvolvimento e retenção de pessoas de longo prazo; de uma ênfase em “quem temos” para uma ênfase em “o que necessitamos”; de bloqueio de cargos para a rotatividade apropriada nos cargos-chave; de uma força de referência insuficiente para um conjunto de talentos disponíveis; e de uma avaliação subjetiva para uma ênfase em resultados e mensurações. De um evento anual a um processo contínuo. As empresas precisam criar um ambiente de “pensamento contínuo” em sucessão, em vez de um “planejamento anual” de sucessão. Pode-se conseguir isso dedicando maior atenção a: Reuniões mais frequentes da alta gerência em vez de revisões anuais ou semestrais; Mais tempo dedicado ao acompanhamento nas reuniões de staff normais; Ênfase nos assuntos que envolvem pessoas e sucessão no planejamento de negócios; Incorporação dos objetivos de sucessão na avaliação e gerenciamento de desempenho (por exemplo, 144 O planejamento sucessório pelo desenvolvimento de pessoas deve ser um valor central na cultura corporativa As empresas precisam criar uma atmosfera na qual possam contratar talentos externos para preencher deficiências de qualificação importantes, independentemente da criação de novas vagas Saiba mais sobre Frank Popoff Frank Popoff é desde 1992 presidente do Conselho de Diretores da Dow Chemical Company, sediada em Midland, Michigan, EUA. Foi presidente executivo, ou CEO, da Dow entre dezembro de 1987 e novembro de 1995, quando renunciou aos 60 anos de idade, seguindo a política da companhia. Em sua carreira, passou pelo cargo de vice-presidente executivo, com responsabilidade administrativa pelas áreas internacionais, produção/operações globais e relações globais com funcionários. cada diretor deve estar criando no mínimo um sucessor como seu substituto potencial). De uma estratégia de substituição de curto prazo para uma estratégia de desenvolvimento e retenção de longo prazo. O fundamental aqui é um equilíbrio entre a necessidade de substitutos imediatos e a necessidade de uma oferta constante de talentos disponíveis. O benefício evidente se reflete na consideração por parte dos funcionários de seu desenvolvimento e melhoria contínua. De uma ênfase em “quem temos” para uma ênfase em “o que necessitamos”. As empresas precisam criar uma atmosfera na qual se possam contratar talentos externos para preencher deficiências críticas de qualificação, independentemente da abertura de novos empregos. As culturas corporativas variam. Embora a Dow seja uma empresa que predominantemente promove a prata da casa, ela também utiliza para aprimoramento dos funcionários, diretores ou acionistas o benefício e vigor oriundos da correspondência entre uma contratação externa e uma clara necessidade interna. Do bloqueio de cargos a uma rotatividade apropriada dos cargoschave. Como todos reconhecemos que as pessoas são nosso principal ativo, é de suma importância que promovamos e recompensemos diretores voltados para as pessoas, em vez de enfatizar a capacitação técnica em detrimento da gerencial. Se todos os nossos diretores forem bons em gerenciar pessoas, eles podem rotineiramente avaliar o potencial dos detentores dos cargos-chave, elaborar planos de ação apropriados, evitar o bloqueio de cargos e gerar uma rotatividade adequada. De uma força de referência insuficiente para um conjunto de talentos disponíveis. Novamente, o envolvimento da gerência de linha na criação de planos de desenvolvimento específicos para determinados indivíduos e o estabelecimento de sua responsabilidade no acompanhamento dos mesmos são vitais para a criação de uma força de referência. Na Dow, criamos o Prêmio Genesis para reconhecer o desenvolvimento das pessoas. Num ambiente de pessoas tecnicamente qualificadas e de profissionais altamente competentes, o programa do Prêmio Genesis serve para nos fornecer dados sobre quem se destaca no desenvolvimento de pessoas. De uma avaliação subjetiva para HSM␣ Management␣ 4␣ setembro-outubro␣ 1997 ➙ 145 HSM␣ Management␣ 4␣ setembro-outubro␣ 1997 uma ênfase em resultados e mensurações tangíveis. Estabelecemos medições específicas para avaliar os resultados sucessórios. Algumas delas que se mostraram úteis são: A porcentagem de cargos-chave que possuem no mínimo dois sucessores possíveis; A porcentagem de cargos-chave preenchidos externamente; A porcentagem de planos de ação de desenvolvimento implantados; O grau em que o processo contribui positivamente para os resultados empresariais. Nos cem anos de história da Dow, tivemos nove CEOs. Ao fundador seguiram-se três membros da família Dow, cada um com um mandato relativamente longo e bem-sucedido. Durante as quatro últimas décadas, tivemos quatro CEOs de fora da família. O nosso quinto, que assumiu o cargo em 1º de novembro de 1995, vem se destacando. Historicamente, tivemos um conselho administrativo formado predominantemente por membros da empresa. Embora isso tenha mudado significativamente, esses diretores nos deixaram um legado no tocante aos mandatos dos CEOs e diretores. A Dow tem uma política que vem nos atendendo bem, que diz que todos os diretores executivos, inclusive o CEO, devem deixar um cargo administrativo aos 60 anos ou cinco anos após sua última promoção significativa, o que ocorrer mais tarde, embora permaneçam no conselho administrativo. A esses antigos diretores executivos chamamos de “diretores em desaceleração” – um termo deselegante para um conceito útil. Nossa política determina que nos cinco anos restantes de seu mandato, até atingirem os 65 anos de idade, esses diretores não tenham responsabili- 146 dades de gerência de linha e sua remuneração seja anualmente diminuída até seu salário de aposentadoria aos 65 anos (a propósito, eles não recebem nenhuma remuneração de diretores). Esses antigos membros da direção são alguns dos melhores e mais experientes executivos que já conheci. Durante a carreira, eles também se tornaram acionistas consideráveis. Após anos de serviços prestados à empresa, indivíduos como os antigos CEO, CFO (diretor financeiro), diretor de pesquisa, diretor industrial e chefe das operações internacionais “sabem onde estão enterrados todos os corpos”, para usar uma metáfora. Eles estão familiarizados com todos os fatos e mitos da empresa. Juntamente com os membros do conselho de administração (que podem ou não estar na modalidade de desaceleração), eles desempenham um papel importante ao assegurar uma seleção apropriada a partir do conjunto de talentos, não só para a sucessão do CEO, mas também para os outros cargos executivos principais. Eles também podem trazer ao conselho um conhecimento da empresa que raramente existe. Esses diretores em desaceleração, juntamente com o CEO, possuem uma capacidade especial de avaliar os “herdeiros internos” e trabalhar com eles para assegurar uma transição suave ou procurar lá fora, de maneira objetiva, caso os talentos internos não sejam suficientes. Felizmente, nunca foi necessário na Dow procurar no mercado – nem será, se seguirmos a estratégia de transição sucessória aqui descrita. Credibilidade em jogo Eu poderia (e talvez até devesse) parar por aqui, mas quero citar uma Na Dow, todos os diretores devem deixar o cargo aos 60 anos ou cinco anos após sua última promoção significativa, o que ocorrer mais tarde outra razão para que se tente garantir que apenas as melhores pessoas ocupem os cargos mais altos das empresas no mundo. Com o passar do tempo, as empresas parecem ser consideradas com maior desconfiança pelo público em geral. Atualmente, muitas pessoas são da opinião de que “as empresas são ruins, e quanto maiores, piores”. As críticas às empresas atingiram níveis inusitados. Nos EUA, parecem aumentar constantemente. Não só a mídia e os auto-intitulados defensores dos consumidores, mas também membros de setores governamentais, sindicais e educacionais e até alguns membros do clero estão apontando suas armas contra o mundo empresarial norte-americano. Com certeza, alguns elementos desse mundo empresarial não ajudam em nada. Por mais justificáveis que estas medidas possam ser, a terceirização, o downsizing e a remuneração nababesca de executivos só jogam mais lenha na fogueira que está “chamuscando as casacas corporativas” dos Estados Unidos. As alegações sobre o egoísmo corporativo e os interesses especiais estão na crista da onda. Em suma, as empresas são tidas cada vez mais como parte importante dos problemas atuais, não como base para soluções através de uma economia forte. Parece que muitas pessoas esqueceram que a grandeza dos EUA se fundamentou numa cooperação singular entre a democracia de Thomas Jefferson e a economia da livre iniciativa, com boas pessoas e sólida liderança no comando. Isso me traz de volta ao meu tema. A liderança empresarial atual se depara com uma série de novos desafios à medida que entramos numa economia cada vez mais globalizada. Nossos sucessores não só atenderão os interesses de suas empresas e acionistas como também abordarão tópicos vitais para a criação de um clima propício para as empresas, as nações e o mundo. ◆ HSM␣ Management␣ 4␣ setembro-outubro␣ 1997 © Prism