ANAIS DO VI SENALIC – TEXTOS COMPLETOS | ISSN – 2175-4128
Organizadores: Carlos Magno Gomes; Ana Maria Leal Cardoso; Maria Lúcia Dal Farra
São Cristóvão: GELIC, Volume 06, 2015
A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO EM LITERATURAS INFANTO-JUVENIS
Juciene Silva de Sousa Nascimento
(UNEB/PPGE/UFES)
Cleonara Maria Schwartz
(PPGE/UFES)
1. A VIGÊNCIA TEMÁTICA E AS PROBLEMÁTICAS ATUAIS
A diversidade no Brasil é notória, há como negar que tal diversidade
perpassa o currículo escolar de forma direta, muitas vezes de maneira
inconsciente. A tendência natural, no espaço escolar, é a de querer padronizar
todos. Contudo, a escola acompanha as mudanças históricas, sociais, econômicas
e culturais da sociedade. A cada mudança, tensões e conflitos são evidenciados
em diversos setores. Ao falar do currículo baseado na tendência da diversidade,
Silva (2007) nos conduz à ideia de que
Um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois,
a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso
possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos
processos pelos quais as diferenças são produzidas através de
relações de assimetria e desigualdade. (SILVA, 2007, p. 88,89).
Sabe-se que o Brasil é formado a partir de raízes culturais distintas:
branco, negro e indígena, por isso, ao se tratar de diversidade étnica, um grande
desafio é a superação de estereótipos que conduzem ao preconceito. A sociedade
dita normas em relação ao corpo e o modelo europeu toma destaque,
considerando tudo que destoa do padrão impostas por práticas subjetivas vítimas
de preconceito.
Desde cedo, a criança negra, ao chegar à escola, experimenta
rejeição. Apelidos, piadas sobre sua cor, seu cabelo, seus costumes são
diariamente rechaçados, ironizados e/ou tratados com estranheza por outras
crianças, forçando-a a tentar se adequar aos padrões, aproximando da identidade
branqueada imposta pelas circunstâncias, como por exemplo, mudança nos
padrões estéticos. Gomes (2007, p. 247) apresenta uma posição positiva sobre
essa questão: “na escola, não só aprendemos a reproduzir as representações
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negativas sobre cabelo crespo e o corpo negro; podemos também aprender a
superá-las”.
Coube à educação, inserir meios de refletir sobre a realidade da
educação étnicorracial, sobretudo com a viabilidade do cumprimento da lei A Lei
10.639, de 09 de janeiro de 2003, a qual institui as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a fim de incluir no Currículo Oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade
da temática “História e cultura Afro-Brasileira”, principalmente nos âmbitos da
História, Arte e no estudo de Língua e Literatura.
Nessa perspectiva, trabalhar com a educação étnicorracial em Língua
e Literatura Portuguesa é resgatar o conhecimento da História, uma vez que esta
contribuirá no entendimento do processo de ensino aprendizagem dos
educandos, bem como uma forma de valorização da cultura, dita minoritária e,
por isso, esquecida nos seguimentos de formação social.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS, 1998, p. 32) dizem que:
“para viver em sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a diversidade étnica
e cultural que a constitui”. Dessa forma, percebe-se a importância de
compreender a história da cultura afro-brasileira como um dos fatores essenciais
na educação, porque faz parte da formação nacional brasileira. Para garantir a
inserção no currículo, o Ministério da Educação (2010, p.257) sanciona:
A Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003, altera a Lei nº.
9.394,de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da Rede de ensino a obrigatoriedade da
temática “História e cultura Afro-Brasileira”, e dá outras
providências.
Pensar nas possibilidades de estudar a cultura afro-brasileira no
âmbito da Língua e Literatura Portuguesa, de forma que contribua para a
formação do indivíduo de maneira construtiva, é garantir ao educando o
conhecimento e a informação, sendo isso apenas uma parte que lhe é de direito,
outorgada legalmente. Ao negro não lhe pode ser furtado o direito de ser
representado em quaisquer seguimentos, inclusive na Literatura.
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Assim, a literatura infantojuvenil pode ser utilizada em sala de aula
como uma maneira de adentrar em temáticas e exercícios práticos do cotidiano
dos aprendizes, como questões sociais, políticas, econômicas, reflexões que
envolvam as práticas culturais que esquadrinham o movimento da vida em
sociedade. Ademais, as obras literárias, destinadas ao público infanto-juvenil,
também podem ser um viés para o desenvolvimento de competências e
habilidades, as quais auxiliarão na efetividade das ações em situações diversas,
cujas especificidades apresentam problemas e conflitos cotidianos que urgem
soluções e a busca de alternativas para possíveis resoluções psicológicas, políticas,
sociais, culturais e econômicas em estágios distintos da existência.
No que tange à literatura afro-brasileira, especificamente, é possível
afirmar que esta pode ser capaz de auxiliar os indivíduos, pertencentes à fase
infanto-juvenil, a se encontrarem com a cultura do outro e a se identificarem em
sua própria cultura, em um movimento de alteridade, reconhecendo-se e sendo
reconhecido. Além de lhe ser proporcionada a oportunidade de dialogar sobre as
questões
da diversidade,
multiculturalismo, equilibrando
concepções e
ponderando traços identitários a partir daquilo que lhe é representado. Dessa
forma, o estudo da literatura dessa natureza pode proporcionar a compreensão
de questões que afetam as “populações consideradas minorias ou marginalizadas
sócio-economicamente[que] não são geralmente representadas em textos
literários, ou então, sua representação nem sempre corresponde à realidade
vivida por estes grupos” (NAIDITCH, 2009, p. 26), omitindo suas características ou
provocando o não-reconhecimento de suas idiossincrasias pela maioria social.
Partindo desses pressupostos, é vigente a necessidade de se verificar
como os programas governamentais em educação têm subsidiado a outorga da lei
10.639/03, no tangente à Literatura infanto-juvenil, constituindo-se na
sistematização das ações para uma pesquisa verticalizada sobre os aspectos
identitários afro-brasileiros representados nos livros de literatura chancelados por
tais programas.
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2. A LITERATURA COMO SISTEMA SIMBÓLICO DISCURSIVO
Ao adentrarmos no campo teórico literário, é possível pensar que,
como uma arte, a literatura é influenciada pelas condições e fatores sociais que a
circunda, distinguindo-se das outras artes não apenas na forma, mas também na
matéria de sua expressão: as palavras. Isso posto, compreenderemos, aqui, o
caráter utilitário da prosa, cuja essência está em servir-se das palavras,
coadunando com as palavras de Jean-Paul Sartre (2004, p. 18), ao afirmar que
A arte da prosa se exerce sobre o discurso, sua matéria é
naturalmente significante: vale dizer, as palavras não são, de
início, objetos, mas designações de objetos. Não se trata de
saber se elas agradam ou desagradam por si próprias, mas sim
se indicam corretamente determinada coisa do mundo ou
determinada noção.
Dessa forma, a linguagem prosaica articula e informa a respeito do
mundo e os sujeitos que nele estão inseridos, prolongando os sentidos em relação
a outros fins. A linguagem pode ser percebida quando o outro a emprega no curso
de uma atividade, “seja de mim sobre os outros, seja do outro sobre mim”
(SARTRE, 2004, p. 19). Logo, faz-se necessário a percepção prévia de que existe
uma finalidade empreendida do prosador em através da necessidade do recurso
discursivo.
No ato da fala, o sujeito tende a posicionar-se a partir de um lugar
social, direcionando seu discurso a outrem. Assim, no movimento entre
interlocutores, no momento do desenvolvimento discursivo, são alocados
processos históricos e sociais, como também representações ideológicas dos
indivíduos, cuja produção de fala, significam-se, revelando suas intencionalidades.
De acordo com os estudos Foulcaultianos (2008), é possível
compreender a proposição de que o ato discursivo deve ser concebido como um
conjunto de enunciados que podem pertencer a campos distintos, obedecendo,
no entanto, a normas de funcionamento, estando estas inseridas na propriedade
discursiva e se impõem aos que falam ou tentam falar a partir de um espaço
discursivo. Nesse sentido,
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O discurso, assim concebido, não é a manifestação,
majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que
conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em que
podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua
descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de
exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares
distintos. (FOUCAULT, 2008, p. 61)
Nota-se, aqui, que o discurso não deve ser compreendido como um
pronunciamento simplório, mas como um construto histórico e social interligado
ao contexto sob o qual é desenvolvido, cujas ideologias nele presentificadas serão
determinadas pelo contexto político-social de onde oriundam suas vozes.
Dessa maneira, ao dizer, o escritor prosaico desvenda a situação por
seu próprio projeto de mudá-la; desvendando-a a si mesmo e aos outros para
mudá-la. A cada palavra dita pelo prosador, este se engaja mais no mundo e, ao
mesmo tempo, passa a emergir dele um pouco mais, uma vez que o ultrapassa na
direção futura. Logo, “o prosador é um homem que escolheu determinado modo
de ação secundária [...]. O escritor ‘engajado’ sabe que a palavra é ação: sabe que
desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar”
(SARTRE, 2004, p. 20).
A literatura só poderá ser reconhecida enquanto movimento
discursivo. Logo, para que este surja, faz-se necessário a concretização da leitura,
durando tal movimento apenas enquanto essa leitura durar. Assim, o ato de
escrever torna-se um apelo ao leitor para que este transponha à existência
objetiva o desvendamento que foi empreendido por meio da linguagem e do
discurso. “E como essa criação dirigida é um começo absoluto, ela é operada pela
liberdade do leitor, naquilo que essa liberdade tem de mais puro”(SARTRE, 2004,
p. 39).
Configura-se, aqui, uma relação intrínseca entre o que é escrito pelo
indivíduo e o que é significado pelo sujeito interlocutor de tal escrita, uma vez que
como para-realidade, a literatura deve ser examinada a partir do modo como a
realidade paralela se organiza, sendo que “o universo para-real não está no texto,
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o que seria confundir-se com ele enquanto objeto, mas num espaço que o texto
engendra com a cumplicidade do leitor” (MOISÉS, 2000, p.27).
Ao reconhecermos o objeto literário como um dos sistemas
simbólicos, exercendo o papel de instrumento de conhecimento e comunicação
vinculado ao contexto em que está inserido, acaba por exercer um poder
estruturante, uma vez que é estruturada. Essa relação nos faz compreender o fato
de como a realidade se apresenta literariamente pode, em seu movimento,
exercer o poder simbólico, cuja especificidade é “um poder de construção da
realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato
do mundo (e, em particular, do mundo social)” (BOURDIEU, 2012, p. 9).
Resta dizer, de acordo com estudos supracitados, que a literatura
exerce papel fundamental na formação do sujeito, no seu reconhecimento
enquanto pertencente a uma engrenagem política, histórica e social, cuja
participação é reiterada no saber ser e no saber fazer sua história, sendo
proposição da arte literária a liberdade do leitor. Espera-se com isso que ao
representar a figura negra na literatura, a contribuição principal seja levá-lo a
libertar-se de estereótipos, preconceitos e de tantos outros ranços históricos
ainda existentes no discurso de indivíduos que preferem não legitimar tal
liberdade.
3. PROPOSIÇÕES PÓS-COLONIALISTAS SOBRE AS DISCUSSÕES EM TORNO DA
REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NA LITERATURA
Ao selecionar os princípios norteadores para essa pesquisa, as ideias
propostas por Homi K. Bhabha (2013) e Stuart Hall (2013) são de extrema
relevância, por apontar a partir das teorias pós-coloniais as categorias que
auxiliarão na análise dos dados coletados nas obras literárias infantojuvenis que
tratem as temáticas étnicorraciais, cujas especificidades poderão abrir caminhos
para a noção de representação do negro nesta literatura. Diante disso, trataremos
de explorar as principais discussões pós-colonialistas dos autores em relação ao
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Hibridismo, o Entre-lugar, a Diferença, a Ambivalência, a questão da Agência
Narrativa, a noção de Discursividade e Re-inscrição das minorias.
Os apontamentos que serão realizados versarão as discussões póscolonialistas como já citado, as quais propõem a inferência da necessidade de se
repensar a História a partir dos estudos sobre as minorias, levando em
consideração aquilo que pode ter ficado oculto pelos registros oficiais. Ademais,
faz-se necessário pontuar as conjecturas em relação à identidade, sob o prisma de
que estas se encontram fragmentadas na pós-modernidade, estando o sujeito
negro também inserido nesta. Da mesma forma, seremos servidos pelos Estudos
Culturais, pelas noções de Diferenças Culturais, Hibridismo e Diáspora, uma vez
que tais fenômenos situam a existência dos entre-lugares dos sujeitos nas
sociedades atuais, proposições muito semelhantes à corrente anterior.
Tais problemáticas nos conduzem a reflexões preponderantes sobre
o objeto da pesquisa, em que a primeira nos leva a pensar nas questões étnicas
situadas no mundo contemporâneo a partir da perspectiva de que, hoje, as
identidades encontram-se fragmentadas, isto é, as relações globais, as
intersecções humanas, bem como as relações econômicas e culturais fundem-se e
confundem-se, fragmentando característicos identitários que outrora foram
considerados sólidos, reunindo traços diversificados ao passo que configura novas
identidades hibridizadas, assim como discute Stuart Hall:
[...] Um tipo de mudança estrutural está transformando as
sociedades modernas no final do século XX. Isso está
fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos
tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.
Estas transformações estão também mudando nossas
identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido
de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou
descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento –
descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo
social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de
identidade” para o indivíduo. (HALL, 2006, p. 9).
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Se essas identidades são passivas de questionamentos e discussões,
com a finalidade de re-inscrição no fazer histórico do sujeito pós-moderno, logo
poderemos, também, repensar as questões étnicorraciais sob esse prisma, já que,
embora vítima de opressão, esquecimento e estereotipação na História, o negro
conquistou vários resultados positivos, provenientes de lutas seculares na esfera
social. Assim, as perspectivas de análise da representação da figura negra na
literatura infantojuvenil, de obras que tenham sido chanceladas pelo governo
para serem utilizadas nas escolas, em atenção à Lei 10.639/03, serão pautadas na
representatividade do negro situado nos entre-lugares, nos intertícios das
relações humanas, cujas identidades não se encontram mais solidificadas,
tampouco puras, mas fragmentadas e reestruturadas no curso da pósmodernidade.
Nesse sentido, interessa aqui analisar tais representações narrativas
na tentativa de evidenciar um negro cuja história e cultura contribuíram para a
formação de uma nação híbrida, sendo sua subjetividade também hibridizada na
medida em que suas experiências e/ou vivências embatiam ou conflitava com
outras.
A problemática levantada por Bhabha (2013), sobre como as
estratégias de representações chegam a ser formuladas no âmbito das pretensões
concorrentes de comunidades. Como possibilidades, podemos considerar as
conjecturas de que: 1) a linguagem corrobora as questões de recentes crises
sociais; 2) a representação da diferença é distinta do reflexo de traços culturais ou
étnicos preestabelecidos; 3) O “direito” de se expressar a partir da periferia é
alimentado pelo poder de se re-inscrever; 4) os embates da diferença cultural têm
tanta possibilidade de serem consensuais quanto conflituosos; 5) as diferenças
sociais como signo da emergência da comunidade concebida como projeto
(revisão, reconstrução das condições políticas do presente). Dessa forma, para
que a comunidade cultural étnica seja revisada, reconstruída sócio-politicamente,
a linguagem literária poder servir de agente representativo dessas formas de
existência social.
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A literatura mundial, como estudo do modo pelo qual as culturas se
reconhecem através de suas projeções de alteridade, converte-se em um ato
crítico, como uma produção em que sua principal característica é a representação
discursiva. A linguagem e o discurso não ocorrem isolados, assim como afirma Hall
(2013, p. 316-317),
[...] As ideias e conceitos não ocorrem, nem na linguagem nem
no pensamento, daquela forma única e isolada, com seus
conteúdos e referências irrevogavelmente fixos. A linguagem,
em seu sentido mais amplo, é o veículo do raciocínio prático,
do cálculo e da consciência, por causa das formas pelas quais
certos significados e referências têm sido historicamente
confirmados. Mas seu poder de convencimento depende da
“lógica” que conecta uma proposição a outra na cadeia de
significados; onde as conotações sociais e o significado
histórico estão condensados e reverberam um no outro.
Isso nos esclarece o fato de que em qualquer momento de criação
literária existem referências pré-estabelecidas pelo tempo, pelo espaço, pelas
relações sociais e culturais. Logo, a condicionalidade temporal torna-se o risco dos
discursos sociais, sustentando a prerrogativa de que a tradição diz respeito ao
tempo e não ao conteúdo (BHABHA, 2013). Para tanto, localizar o sujeito cultural
dentro da instância narrativa pode ser um movimento de extrema relevância a fim
de que se encontre o sujeito descentrado, deslocado, no qual está instaurada a
problemática da diferença cultural, o que faz da diferença cultural uma categoria
enunciativa.
4. CONSIDERAÇÕES
Como veículo de disseminação, a literatura está inserida em um
tempo e em um enunciado, promovendo a representação das margens da nação
moderna. Nessa perspectiva, a metáfora transporta o significado de casa (nação),
de sentir-se em casa (pertencer), por isso a localidade da cultura da nação
ocidental está mais em torno da temporalidade do que sobre a historicidade, logo
as estratégias complexas de identificação cultural funcionam em nome do povo e
da nação.
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O poder da suplementaridade não está na negação das contradições
sociais preestabelecidas do passado ou do presente, mas sim na renegociação dos
tempos, dos termos, das tradições. Isto é, não se trata, aqui, de negar a função
histórica que exerceu o estereótipo, de fobia e fetiche, reconhecimento e recusa,
em relação ao sujeito negro, o qual por séculos testemunhou sua raça sendo o
signo da diferença negativa nos discursos coloniais, vendo sua pele como
representação da diferença cultural e racial estereotipada como inferioridade
degenerativa, mas de reinscrever esse sujeito em seu tempo. Para tanto, a
proposta dessa tese coaduna com a ideia de Bhabha (2013, p. 258), ao dizer que a
função pedagógica da modernidade
Introduz no presente enunciativo da nação um tempo
diferencial e iterativo de reinscrição através do princípio não
naturalista da nação moderna, que está representado na
vontade de nacionalidade, cuja memória histórica é unificada
e assegurado o consentimento de cada dia, sendo esta a
articulação do povo-nação. Estranho esquecimento da história
do passado nação. É esse esquecer que constitui o começo da
narrativa da nação.
A partir desse princípio, esperamos constituir uma análise singular da
representatividade do negro na literatura infantojuvenil e, mediante seus
resultados, promover a reinscrição supracitada sob o olhar dos estudos culturais,
o qual incita a atenção às minorias de forma que estas sejam identificadas como
integrantes da engrenagem social na modernidade. Sendo assim, a ideia de que o
sujeito negro de hoje pode ser identificado e representado com uma identidade
híbrida, configurada nos deslocamentos diaspóricos de suas experiências do
presente, torna-se latente no seio do discurso narrativo.
REFERÊNCIAS
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. Myriam Ávila (et.al). 2ª Ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2013.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 16ª Ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
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BRASIL. Ministério da Educação. História Geral da África: África desde 1935.
Brasília: UNESCO, 2010.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros
curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF,
1998.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2008.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Trad. Adelaine La
Guardia Resende [et al.]. 2ª Ed. Belo Horizonte/MG: Editora UFMG, 2013.
____________. A identidade cultural na pós-modernidade.11ª ed.. Rio de
janeiro: DP&A, 2006.
MOISÉS, Maussaud. Conceito de literatura. In:A criação literária: poesia. 14ª Ed.
São Paulo: Cultrix, 2000.
NAIDITCH, Fernando. Literatura multicultural e diversidade em sala de aula. In:
Educação. Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 25-32/abr. 2009.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura?. Trad. Carlos Felipe Moisés. 3ª Ed. São
Paulo: Editora: Ática, 2004.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de
currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
11
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