O MARQUES DE CONDOCET E OS PRIMEIROS PASSOS PARA A
INSTRUÇÃO PÚBLICA
SOUZA, Paulo Rogério de1 – UEM
[email protected]
ROCHA, Alessandro dos Santos2 – UEM
[email protected]
Eixo Temático: História da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo:
Ao focarmos os ideais que norteiam a escola contemporânea, nos deparamos com princípios
que visam o ensino público e que possam abranger o maior número de pessoas instruídas.
Tais ideais, necessários ao contexto atual não são novos, pelo contrário, estão sedimentados
na história da educação, e formaram-se em momentos oportunos, a exemplo do século XVIII,
inspirados por homens como o filósofo Marquês de Condocert. Contemporâneo aos resquícios
do Antigo Regime, Condorcet aponta na Comissão de Educação da Assembléia Legislativa
Francesa, uma modelo de educação nacional que pudesse instruir o novo homem para que
fosse capaz de regenerar a democracia numa pátria abalada pelo poderio do clero e da
nobreza. Nesse sentido, o texto ora apresentado discute os ideais que emergiram naquele
momento históricos para que pudessem atender aos preceitos revolucionários franceses e que
requeriam uma escola laica e pública para todos. O plano do filósofo em questão, intitulado
“Plano de Instrução Pública”, apresenta conceitos inovadores ao período, a exemplo da
perfectibilidade – caracterizada pela busca dos talentos inerentes ao sujeito – a educação para
todos e a educação para mulheres. O entendimento das questões apontadas desvela que a
escola pública, dentro do modelo atual, tem uma historicidade bem demarcada nos certames
da França Revolucionária. Resta dizer que a proposta vislumbrada, volta-se para a
obrigatoriedade do Estado em subsidiar a educação, de tal modo que o estudo dos princípios
filosóficos, aqui discutidos, pode ser utilizado em reflexões que propiciam debates
contemporâneos, lembrando que esta questão não é própria da filosofia e da história da
educação, mas da sociedade como um todo.
1
Paulo Rogério de Souza, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail:
[email protected]
2
Alessandro Santos da Rocha, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Docente
vinculado ao Departamento de Fundamentos da Educação – UEM. E-mail: [email protected]
6347
Palavras-chave: Marques de Condorcet. História da Educação. Educação laica. Esola
pública;
Introdução
No âmbito estrutural do conturbado século XVIII, o Estado francês apresentava
particularidades em sua divisão social, demarcada por três segmentos: o Clero ou Primeiro
Estado, Nobreza ou Segundo Estado e Burguesia e outros setores – composto por
trabalhadores rurais e urbanos, camponeses e servos, pequenos comerciantes e operários, etc.
– ou Terceiro Estado.
O Primeiro Estado ou Clero mantinha seu poder estatal através da exploração de suas
terras e pela cobrança do dízimo. Sua influência na corte ainda era muito presente nesse
contexto, haja vista a “sacralização” de alguns preceitos morais como a própria autoridade do
rei que se mantinha sobre a crença da autoridade do mesmo ser outorgada pela vontade de
Deus e sobre a proteção da Igreja.
Já o Segundo Estado ou Nobreza estava dividida entre a Grande Nobreza, que ocupava
privilégios junto ao rei e, os nobres provincianos que não usufruíam das mesmas regalias e
acabavam passando por dificuldades para se manter. Fatos que acabaram por tornar os nobres
provincianos partidários da revolução no momento em que esta eclodiu.
Já o Terceiro Estado composto pela Burguesia e pelos outros setores sociais –
principalmente os setores explorados pelo Clero que exigia o pagamento do dízimo, e pela
Nobreza que cobrava autos tributos e impostos pelo uso da terra – tinha como objetivo a
busca constante por uma maior participação na política, haja vista que sempre fora
marginalizada.
Diante desse quadro estrutural-organizacional francês no século XVIII deu-se um
descontentamento por parte do Terceiro Estado, uma vez que os privilégios concedidos pela
Monarquia ao Clero e à Nobreza, principalmente na organização política, acarretavam uma
barreira para a ampliação do poder político e econômico da Burguesia, na mesma esteira em
que empobrecia ainda mais os setores sociais radicados na exploração por parte de todos os
outros setores.
6348
O aumento na população urbana francesa também gerou vários conflitos internos entre
o Terceiro Estado descontente, a Nobreza e o Clero, sobretudo durante a sua segunda metade
do século XVII, período no qual a França tornara-se o país mais populoso da Europa. Isso
porque, a crescente população necessitava de trabalho para manter as mínimas condições
básicas de existência como alimentação e moradia.
No entanto, mesmo diante da crescente população urbana a indústria francesa, em
desenvolvimento, não criara as condições necessárias para absorver o grande excedente de
mão-de-obra que aumentava constantemente.
Neste momento de expansão econômica burguesa e dos constantes conflitos entre os
diferentes setores sociais, o absolutismo perdia seu espaço no comando da França, pois não
conseguia manter a unidade do Estado enquanto os traços do feudalismo iam cada vez mais
deixando de fazer parte na administração dessa sociedade:
O fator mais importante que deu origem ao descontentamento à escala nacional em
relação à ordem existente era o fato de os padrões sociais feudais absolutistas
dominantes já não serem compatíveis com a fase de desenvolvimento econômico já
não serem compatíveis com a fase de desenvolvimento econômico social e político
do país [...] Nem a Burguesia nem o campesinato nem o proletariado urbano
estavam dispostos a reconciliar-se com os padrões urbanos feudais (MANFRED,
1982, p. 15).
Os conflitos sociais entre os diferentes setores do Estado francês provocados pelas
desigualdades; a constante ameaça de dissolução da monarquia e os embates contra os
descontentes com o regime absolutista; o rompimento com o feudalismo em nome de uma
nova estrutura organizacional, tudo isso causou graves crises nas entranhas dessa sociedade,
tanto no âmbito político quanto no âmbito econômico, o que acabaria eclodindo na revolução
de 1789.
As tensões sociais e a reestruturação política e econômica na França do século XVIII,
geradas pelo processo revolucionário, mostravam que era um momento de transição do
feudalismo para o capitalismo, ocorrendo numa dinâmica vista como irreversível.
Essa conjuntura de mudanças propiciara aos homens dessa sociedade vislumbrar uma
nova forma de entender-se enquanto ser social, que foi apoiada pela idéia de homem livre, a
qual segundo os preceitos filosóficos da época, deveria ter suas ações apoiadas na moral e na
razão em busca de uma unidade social baseada no ideário capitalista:
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O século XVIII está impregnado de fé na unidade e imutabilidade da razão. A razão
é uma e idêntica para todo o indivíduo-pensante, para toda a noção, toda época, toda
cultura [...] das máximas e convicções morais, das idéias e dos julgamentos teóricos,
destaca-se um conteúdo firme e imutável, consistente, e sua unidade e sua
consistência são justamente a expressão da essência própria da razão (CASSIRER,
1992, p. 230).
O período foi favorável ao surgimento de pensadores que buscavam ordenar a
sociedade que parecia ter saído dos eixos. Era necessário estabelecer o progresso dentro de
modelos que valorizassem o pensamento humano. Nesse processo de transformação um
filósofo com uma forte presença na vida política francesa se destacou por suas idéias voltadas
ao ideal de homem engajado na ação política, enquanto ser moral dotado de razão e capaz de
transformar a sociedade, esse filósofo foi Marie-Jean-Antonine-Nicolas de Caritat, ou
marquês de Condorcet (1743-1994).
Desenvolvimento
Marie-Jean-Antonine-Nicolas de Caritat nasceu em Ribermont, era descendente de
família nobre. Foi educado no colégio Jesuíta da cidade de Reims e também no colégio de
Navarras na cidade de Paris. Dedicou-se aos estudos da Filosofia, utilizando-se para isso da
matemática. Foi professor e enciclopedista.
Com a revolução na França ele acaba por se envolver ativamente na vida política do
seu país. Suas idéias favoráveis à liberdade econômica, à tolerância religiosa e às reformas
legais e educacionais estavam ligadas ao ideário iluminista, em voga no plano intelectual do
período.
Condorcet também foi atuante como membro da Assembléia Legislativa PósRevolução, onde propôs um projeto para uma nova constituição, caracterizada por se voltar
aos ideais moderados dos Girondinos, contudo, suas propostas logo foram rejeitadas pelos
seus pares em favor dos Jacobinos, grupo com posturas revolucionárias mais radicais.
Neste momento de grandes transformações no cenário político da Europa, e
principalmente da França pós-revolução, o marquês de Condorcet percebeu algumas
necessidades para o homem do seu tempo e, consequentemente, vislumbrou certas
6350
estruturações na sua sociedade que considerava essenciais para formação desse novo homem,
inserido no contexto de mudanças que ocorreram e continuavam ocorrendo neste período de
transição.
As transformações do século XVIII foram responsáveis por trazer a tona uma
revolução que não mexeria apenas nas bases econômicas e sociais da França, mas também
alterariam as mentalidades dos homens do período por meio da exigência de inovações
pedagógicas. Tais inovações deveriam reformar o homem, permitindo com que o mesmo
pudesse participar das determinações políticas que antes eram destinadas apenas aos que se
encontravam no Primeiro e no Segundo Estado. Certo é que, as condições francesas presentes
no Antigo Regime não permitiam o acesso democrático, no sentido estrito da palavra, ao
conhecimento reflexivo, haja vista que qualquer levante contrário aos resquícios feudais,
poderiam punir a ordem vigente.
Ocorrerá, a partir de meados do século XVIII, uma intensificação do pensamento
pedagógico e da preocupação com a atitude educativa. Para alguns filósofos e
pensadores do movimento francês, o homem seria integralmente tributário do
processo educativo a que se submetera. A educação adquire, sob tal enfoque,
perspectiva totalizadora e profética, na medida em que através dela, poderiam
ocorrer às necessárias reformas sociais perante o signo do homem pedagogicamente
reformado. [...] Das relações mestre e discípulo às determinações políticas do ato
pedagógico, tudo isso seria considerado decorrente de um fator preliminar,
concernente à identificação dos mecanismos propulsores do aprendizado humano.
(BOTO, 1996, p. 21-22)
O frenesi revolucionário colocava em xeque a ignorância, que impregnava aos homens
que não se punham a pensar sobre o enaltecimento do espírito através da reflexão crítica.
Nesse sentido, ao pensar sobre a sociedade, os homens aproximariam seu feito à soberania e,
somente assim, se tornaria cidadão. De acordo com o autor Jussemar Weiss, Condorcet
postula que todos devem participar do corpo de cidadãos, e para isso era necessário pensar
numa instrução pública que trouxesse a racionalização:
Para Condorcet, a ação política, que se inaugurava com a Revolução Francesa,
exigia outras habilidades do espírito, exigia a reflexão crítica, o retorno, uma
reflexão sobre o erro, como forma de se proteger dos enganos. O Corpo político
pressupõe um retorno à abstração como alavanca da ação e nunca um ativismo cego.
A reflexão sobre o povo legislador parte do pressuposto de que nenhuma pessoa
pode ser excluída do corpo de cidadão, já que todos são seres racionais, capazes de
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racionalizar sua vontade. Passo a passo, Condorcet vai aproximando sua idéia de
soberania, ou seja, da natureza da legitimidade da autoridade na democracia, a sua
teoria da instrução publica. (WEISS, 1999, p. 16)
Por sua influência no meio político Condorcet foi nomeado presidente do Comitê de
Instrução Pública da Assembléia Legislativa Francesa. Neste cargo ele teve a oportunidade de
elaborar um projeto para um traçado de escolarização capaz de, por um lado, fazer justiça para
as camadas menos privilegiadas da população, e ser, ao mesmo tempo, racionalmente
projetado para todas as classes que compunham a sociedade.
A iniciativa de Condorcet voltada para educação fez com que fosse considerado o
ícone do sistema educacional francês, como afirma Vial:
Nós não o vemos apenas como o autor de um Plano de Instrução Pública ao qual o
século XIX fez largos empréstimos. Em nosso entendimento, seu melhor e mais
durável título de glória advém de ele haver sido, em nosso país, o verdadeiro teórico
da educação nacional (...) o promotor da educação laica, o ‘doutor’ da pedagogia
democrática e liberal (VIAL, 1970, p. 18).
Dentre seus objetivos, Condorcet pretendia formar um homem novo e firmado em
ideais que pudessem respaldar a revolução que se vislumbrava. Para tal, apregoava que seus
princípios eram precursores de uma sociedade verdadeiramente democrática, onde todos
poderiam ter participação política, desfavorecendo assim, principalmente, a nobreza que até
então detinha o poder. Para responder às necessidades que postulava para aquela sociedade,
Condorcet defendia que o meio mais viável era a educação.
Seguindo tal perspectiva, Condorcet acreditava na escolarização capaz de suprir a
formação dos princípios que formam uma nacionalidade. E para que todos tenham acesso a
mesmo, partiu em defesa do ensino gratuito como base da “justiça eterna” e apresentou um
plano de Instrução Pública como um dever do Estado para com os cidadãos:
A instrução pública é um dever da sociedade para com todos os cidadãos. Em vão
seria declarado que todos os homens têm os mesmo direitos, em vão seriam
respeitadas as leis se não respeitassem esse primeiro princípio da justiça eterna, se a
desigualdade das faculdades morais impedisse o maior número de pessoas de gozar
esse direito em toda sua plenitude (CONDORCET, 2001, p. 81).
6352
Visualizado como um dever social, a educação instituía-se como direitos relatados
num plano que buscava dar voz aos postulados revolucionários franceses, que buscavam a
igualdade social através de políticas públicas de escolarização. Condorcet elabora um plano
que, concomitantemente, atrairia as esferas sociais marginalizadas pelo Antigo Regime.
Plano esse que deveria incluir todas as classes da sociedade, até mesmo as menos
privilegiadas. Ou seja, seu objetivo era instruir tanto os membros das classes mais ricas como
os membros das classes mais empobrecidas o que tornaria os homens iguais, pois para
Condorcet não seriam as leis que fariam dos homens iguais, mas somente pela educação os
homens poderiam atingir essa igualdade.
Esta obrigação consiste em não deixar que subsista nenhuma desigualdade que
ocasione dependência [...] basta para a manutenção da igualdade de direitos que esta
superioridade não traga dependência real e que cada um esteja suficientemente
instruído para exercer, por si mesmo e sem se submeter cegamente a razão do
próximo, aquilo cujo a posse lhe é garantida por lei (CONDORCET, 2001, p. 82).
Para ele a desigualdade entre os homens e a submissão do mais fraco pelo mais forte
se dava através da ignorância. Ignorância que somente a Instrução poderia combater e
consequentemente reverter essa injustiça. Condorcet compreendia que conhecimento, via
instrução, era capaz de formar o homem emancipado, sem ser dirigido por uma consciência
ou razão alheia, dito de outro modo, livre das amarras religiosas que ainda se faziam presente.
Uma das principais propostas para educar o homem do seu tempo, levantada por
Condorcet, era referente à necessidade de tornar o ensino laico, tirando assim a rédeas e a
tutela da educação das mãos da Igreja, até então a detentora desse direito. Por esse motivo
Francisque Vial o considera: “... o promotor da educação laica, o ‘doutor’ da pedagogia
democrática e liberal” (1970, p. 18). Para isso era imprescindível a criação da escola pública.
A proposta de Condorcet, a de tornar a Instrução Pública, fora deveras marcante, não
só por ter sido primeira vez em que se falava de uma escola pública, mas também pela
sistematização que o autor fez de como deveria ser aplicada esta instrução para que se
cumprisse a sua função, que seria: salvaguardar a todos os cidadãos a igualdade de Direitos e
a liberdade.
6353
De acordo com as reflexões do filósofo, a Instrução pública era a única maneira que
poderia valer para unir as diferentes classes sociais – ricos e pobres – através da
universalidade da educação como direito e obrigação do cidadão. Nas palavras do próprio
Condorcet:
Entendemos que o poder público devia dizer aos cidadãos pobres: a fortuna de
vossos pais apenas pôde proporcionar-vos os conhecimentos mais indispensáveis;
mas asseguram-se-vos os meios fáceis de os conservar e ampliar. Se a natureza vos
deu talento, podeis desenvolvê-lo, a fim de que não se perca, nem para vós nem para
a pátria. Assim, a instrução deve ser universal, isto é, estender-se a todos os
cidadãos. (CONDORCET, 1943, p. 9)
Mas para o marquês de Condorcet a instrução também precisava ser obrigação e dever
do Estado. O Estado deveria dar os subsídios para as condições necessárias para a aplicação
dessa educação ajudando no processo de formação do novo homem do seu tempo, sendo seu
principal papel: “[...] tornar a educação, não só tão igual e tão universal, mas também tão
completa como as circunstâncias o permitam.” (CONDORCET, 1943, p. 7), proporcionando
assim, com essa instrução, igualdade de direitos ao todos os homens e a possibilidade de que
cada indivíduo cumprisse o seu dever diante da sociedade da qual faziam parte.
Dessa forma, também propunha que seria somente através da Instrução que todos os
homens poderiam desenvolver seus talentos, numa busca para atingir a perfectibilidade dos
seus dons. Esse conceito de perfectibilidade que Condorcet apresentou fora influenciado pelo
ideário filosófico platônico de “transformação do mundo pelas idéias”.
Ao atingir a perfectibilidade através de uma formação física, intelectual e moral, o
homem acharia a sua natureza e poderia se relacionar com seus pares num mundo onde todos
fossem iguais e irmãos, podendo assim exercer com justiça seu papel de cidadão dentro da sua
sociedade:
Cultivar, enfim, em cada geração, as faculdades físicas, intelectuais e morais e
contribuir dessa forma para o aperfeiçoamento geral e progressivo da espécie
humana, derradeira meta a que deve visar toda a instituição social, tal será ainda o
objetivo da instrução e este é, para o poder público, um dever imposto pelo interesse
comum da sociedade e pelo da Humanidade inteira (CONDORCET, 1943, p. 6).
6354
Ainda na esteira do pensamento de Condorcet, a Instrução deveria levar cada homem a
tornar-se um modelo de cidadão. Todos os homens eram iguais – segundo ele num patamar
que superava a própria igualdade que a lei deveria salvaguardar –, e deveriam ter seus talentos
trabalhados e explorados através da Instrução. Desta maneira a educação não podia ficar
restrita a uma classe da sociedade.
De acordo com a proposta educacional prevista por Condorcet, “o ensino seria
dividido em escolas primárias, escolas secundárias, institutos, liceus e Sociedade
Nacional das Ciências e das Artes”. (BOTO, 2003, p. 745, grifo do autor).
A estrutura foi pensada pelo marquês de modo progressivo, onde primeiramente, na
escola primária, os educandos teriam acesso a conhecimentos gerais, que favorecessem ao
sujeito guiar sua própria vida. Para tal, o indivíduo iria aprender a ler, a escrever e contar.
Dentre outros saberes, a escola deveria ensinar pesos, medidas, métrica e outros
conhecimentos necessários para aquela sociedade. Não fugiria dos ideais escolares o ensino
das leis nacionais, caras ao desenvolvimento da moral, o que denota a preocupação com a
cidadania, orientada ainda por momentos festivos que pudessem assegurar memórias de um
civismo caro aos novos tempos que se aviltavam.
Uma educação onde todos pudessem ter oportunidade de alcançar o maior grau de
instrução que as condições francesas pudessem efetivar, esse era o princípio do projeto
educacional de Condorcet. Dentro de tal projeto, previa-se uma sistematização que buscasse
inserir o maior número de indivíduos, inclusive os de idade mais avançada e que não mais
freqüentavam as escolas. Assim, postulava a necessidade de conferências públicas voltadas
para os cidadãos no âmbito da escola. De tal modo, seria possível ampliar os conhecimentos
já existentes e, iria além, buscaria indivíduos desprovidos de qualquer ensinamento formal
anterior.
Para esse fim de formação do homem em busca da sua perfectibilidade, ou seja, na
busca de um cidadão ideal para uma sociedade idealizada, Condorcet propôs uma divisão
sistematizada em três partes do processo de Instrução pública:
1º. A instrução comum: ensinar a todos os diversos conhecimentos;
2º. Despertar disposições particulares de cada um emprega-las para vantagem geral;
3º. Formação específica para profissão escolhida.
6355
Somente através da Instrução pública que Condorcet acreditava ser possível a
formação do novo homem. E esse homem, que o filósofo vislumbrava, deveria buscar a
perfectibilidade da sociedade usando para tal fim a racionalidade, a moralidade, a
intelectualidade, que seriam alcançados por uma educação sistematizada. E através dela
acharia a sua natureza e educando-a para atingir o seu estado perfeito até a formação do
cidadão ideal.
Há um outro ponto de muita relevância na proposta de Instrução de Condorcet e que
chama a atenção no seu universalismo: o de que sua instrução não deveria voltar-se somente
para a formação da criança e/ou do homem, mas ele também propunha que a educação
deveria estar voltada para a instrução das mulheres:
A propósito: Condorcet – que também se caracterizou como um dos veementes
defensores da instrução feminina, em todos os seus níveis – havia destacado, em
outros escritos que, se o dever de igualdade requeria que as mulheres
compartilhassem da mesma instrução oferecida aos homens, caberia à sociedade
pensar no papel que o conhecimento poderia ter na vida da mulher (BOTO, 2003, p.
746).
Para ele, somente através da instrução as mulheres ajudariam na formação das
crianças: “Evidentemente a instrução feminina teria por função primeira a boa educação das
crianças às quais, como mães, elas se dedicariam” [e assim introduziriam nas famílias] “uma
pureza e uma felicidade necessárias aos costumes familiares” (BOTO, 2003, p. 747). Era na
família que a mulher começaria cumpriria um papel de essencial importância no processo
formador dos filhos.
Mas essa não era a única justificativa para a proposta de uma educação da mulher para
Condorcet. A questão para o autor da educação da mulher se fazia necessária, pois se a
educação deveria ter um caráter universal devia ser concedida a todos os cidadãos, inclusive
para elas:
[...] tratava-se de uma dedução lógica do princípio da natureza – que quis todos
iguais e que distribuiu com seus próprios critérios (naturais) os talentos,
independentemente de fortunas, independentemente de privilégios de castas e
independentemente do gênero. Condorcet defendia as mulheres, talvez, por razões
lógicas... (BOTO, 2003, p. 747)
6356
Pois a igualdade deveria ser de toda a parte, mas deveria se encontrar inicialmente
dentro da família, que Condorcet entendia ser a base de essencial importância na constituição
e formação dos indivíduos.
Assim, ao contemplar todas as classes sociais e todos os gêneros, independente da
idade, a Instrução tornada pública pelas vias de manutenção e sustentação do Estado, atingiria
as condições necessárias para educar e formar um novo homem idealizado por Condorcet,
capazes de alcançar o ideal proposto pelos princípios revolucionários de Igualdade, Liberdade
e Fraternidade em sua plenitude. O que possibilitaria estruturar uma sociedade democrática
forjada na perfectibilidade teorizada pelo “[...] ‘doutor’ da pedagogia democrática e liberal”
(VIAL, 1970, p. 18).
Considerações finais
Desta forma, após analisar as proposta supracitadas de Condorcet, pode-se entender
que, apesar do autor não seguir estritamente o ideário da classe burguesa, ele mantém em seu
pensamento dois pilares essenciais para a educação capitalista: justiça – apoiada no estado de
direito de igualdade de todos – e perfectibilidade – princípios ligados ao ideal platônico e que
segundo uma proposta capitalista procurava conduzir – ou segundo Marx “alienar” – o
individuo numa proposta de transformação do mundo pelas idéias e não pelas ações, evitandose os conflitos entre classes e as crises do Capital.
O marquês de Condorcet vislumbrava que a perfeição era algo a ser buscada como
justo sentido da existência ou ainda como conceito ético de humanidade: mudando-se o
homem/cidadão através da Instrução poderia chegar-se a sociedade perfeita.
Para ele a Instrução possibilitaria ao homem achar sua natureza, tornando-se um ser
racional e moral, permitindo se regenerar da ignorância que provocava a desigualdade social,
fazendo com que todos fossem iguais e irmãos, cada qual realizando sua tarefa na sociedade
conforme seu talento, numa igualdade de direito e de formação intelectual. Cabe lembrar que,
a sociedade francesa necessitava de uma educação pública nacional para que não deixasse
florescer na sociedade as forças que não fossem condizentes com o seu avanço.
Enfim, não podemos concluir esse texto sem fazer proximidades com o propósito
educacional existente na atualidade. Certamente, uma abordagem nesse sentido incorre quase
6357
que inevitavelmente no anacronismo, haja vista os contextos históricos diferenciados. Mas
não há como negar que no século XVIII, Condorcet trabalhava com a utopia de uma escola
pública estatal. Deveras, a escola pensada pelo filósofo estava pautada na universalidade,
gratuidade e no laicismo, categorias que fundamentam o direito subjetivo de todo cidadão,
nos mais diferentes espaços, inclusive no Brasil. Dito de outro modo, as idéias de Condorcet
não se perderam no tempo, ainda ecoam nos setores progressistas das mais diversas
sociedades.
REFERÊNCIAS
BOTO, Carlota. A Escola do Homem Novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa. São
Paulo: Editora Unesp, 1996.
BOTO, Carlota. Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública,
laica e gratuita: o relatório de Condorcet. Revista Educação e Sociedade. vol.
24, no.84, Campinas, Set. 2003. p. 735-762.
CASSIRER, Ernest. A filosofia do Iluminismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
CONDORCET, Jean Antonio Nicolas de Caritat. Cinco memórias sobre la intrucción
pública y otros escritos. Madrid: Ediciones Morata, 2001.
________. Instrução pública e organização do ensino. Porto: Educação Nacional, 1943.
MANFRED, A. Z. A concepção materialista da Revolução Francesa. São Paulo: Global
Editora, 1982.
VIAL, Francisque. Condorcet et l’éducation démocratique. Genève: Slatkine, 1970.
WEISS, Jusemar. Paulo Freire, Condorcet e a educação pública. In: BATISTA, Jane Batista.
A Educação e os Espaços Formativos. Porto Alegre: Editora Fapa, 1999. p. 13.
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