ESTADO, SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTOS SOCIAIS
ANOS 30: CONSTRUÇÃO DO ESTADO MODERNO
“Modernizando-se conservadoramente e ‘pelo alto’, o Brasil
ingressará em fase propriamente capitalista-industrial com
uma frágil sociedade civil e sem democracia, destituído de um
pensamento liberal-democrático consistente, sem hegemonia
burguesa e sem um movimento operário organizado com
autonomia e consciência de si” (Nogueira, 1998, p.67).
A TRAJETÓRIA DA CIDADANIA NO BRASIL
Pirâmide invertida de Marshall: 1) Direitos Sociais
2) Direitos Políticos
3) Direitos Civis
1930-1945: Grande momento da Legislação trabalhista e
previdenciária
–
–
–
–
–
–
–
–
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio -1930
Departamento Nacional do Trabalho- 1931
Carteira de Trabalho -1932
Jornada de oito horas e regulamentação do trabalho feminino
Direito de férias- 1933-1934
Salário Minimo -1940
Justiça do trabalho -1941
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)-1943
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAPs (baseados em categorias
profissionais) – década de 1930
Corporativismo
“Cidadania regulada” (Wanderley dos Santos)
Benefícios desiguais
Clientela previdenciária estratificada
“Pré-cidadãos”: mercado informal, autônomos, domésticas e
trabalhadores rurais
Política social como privilégio
Sindicatos: Decreto de 1931: personalidade jurídica pública; “órgão
consultivo e técnico” do governo; unicidade sindical; delegados do
governo dentro do sindicato
Dilema do movimento operário: liberdade sem proteção ou proteção
sem liberdade
“Peleguismo sindical”
Leis de 1939 e 1943: proibiam greves
 “O resultado foi duplo: um conjunto confuso de normas operando
padrões desiguais de proteção e uma clientela hierarquizada,
prisioneira de mediações corporativas interpostas à barganha política
e incapaz de uma atuação reivindicatória mais consistente com o
objetivo de alcançar melhorias no sistema”
 “Os trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das
leis sociais e não de sua ação sindical e política independente”.
 Direitos vistos como favor
 Cidadania : passiva e receptora
 Modelo de proteção: meritocrático-particularista
 1945-1964: a vez dos direitos políticos
– Eleições presidenciais e legislativas- 1945
– Nova Constituição de 1946
– Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) – organização nacional unificada
de trabalhadores
– União Nacional dos Estudantes (UNE)
– Ação Popular (AP)
– Ligas Camponesas -1955
– Estatuto do Trabalhador Rural -1963
– Confederação dos Trabalhadores na Agricultua (Contag) -1964
– Práticas eleitorais com fraudes (só 1 sapato antes da eleição)
– Manutenção da legislação social
 1964-1974 : Direitos civis e políticos atingidos
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
Atos Institucionais
Destacamento de Operações de Informações (DOI)
Centro de Operações de Defesa Interna (CODI)
Censura à imprensa
Proibição de greves
Partidos regulados e controlados pelo governo
Prisões arbitrárias
Violabilidade do lar e da correspendência
Violada integridade física – torturas
Demissões arbitrárias; Cassação de Mandatos
Esvaziamento dos movimentos sociais
Sindicalização obrigatória e controlada
 Investimento nos Direitos Sociais:
– Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)-1966
 Unificou todos os institutos (IAPs)
 Estado centraliza as decisões
 Fim das negociações
–
–
–
–
Tecnocracia legitima ações
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)-1966
Banco Nacional de Habitação (BNH)
Ministério da Previdência e Assistência Social – 1974
 Deslocamento rumo à universalização dos direitos sociais.
• Universalização dos serviços impregnada pela lógica
privatizante (estimulada pela insuficiência do atendimento
público):
 Aumento da demanda:
crescimento econômico faz surgir mais
assalariados; novos filiados – todas as categorias
 Privatização:
terceirizações, particularização dos programas via
convênio-empresa, Estado compra serviços do mercado (contratação de
hospitais e credenciamento de prestadores de serviço)
 Parcerias: substituem investimento nas unidades próprias
 Pouco investimento: na saúde, de 1% para 2,5% do PIB, entre 1950 e
1976; de 27 hospitais para 42, entre 1966 e 1985
 “Universalização excludente”: universalização acompanhada
de mecanismos de racionamento que expulsam diversos
segmentos sociais (atendimento precário, filas)
 Crescem planos privados
 Serviço público para pobres
 1974-1985: voltam os direitos civis e políticos
–
–
–
–
–
–
–
Revogação do AI-5
Fim da Censura Prévia
Volta dos exilados políticos
Restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos
Abolido o bipartidarismo forçado -1979
Eleições diretas para governadores de estados- 1982
Resistência ao governo militar:
MDB, Igreja Católica, Ordem dos Advogados (OAB), Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), artistas e intelectuais
– Campanha pelas Diretas -1984
A CIDADANIA APÓS A REDEMOCRATIZAÇÃO
• Direitos Sociais ampliados:





•
SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
Salário mínimo para aposentados e pensionistas
Pensão para deficientes físicos e maiores de 65 anos
Licença Paternidade
Educação Fundamental
Direitos políticos fortalecidos:
 Eleição direta para presidente -1989
 Registro provisório de partidos políticos
 Extinta a exigência de fidelidade partidária
 Surgimento do MST -1985
 Movimento pela Ética na Política (CNBB, OAB, Conselho Federal
de Economia, Associação Nacional de Docentes etc.)
 Impeachement de Fernado Collor de Mello -1992
 CPI do Orçamento
 Central de Movimentos Populares – 1993
 Comissão Permanente de Direitos Humanos – criada na Câmara
Federal em 1994
 Intensificação dos movimentos em várias áreas de interesse:







Ética na política
Ação de cidadania
Luta pela moradia e reforma urbana
Luta pela terra e política agrícola
Luta dos assalariados do campo e da cidade
Luta pela construção de identidades e pelos direitos humanos
Luta pelo meio ambiente e desenvolvimento sustentável
• Direitos Civis: recuperados








Constituição de 1988: Constituição Cidadã
Liberdade de expressão, de imprensa e de organização
Habeas Data
Racismo é crime inafiançável
Tortura é crime inafiançável e não-anistiável
Lei de Defesa do Consumidor
Programa Nacional de Direitos Humanos – 1996
Juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminosas – 1995
• Problemas:
 Conhecimento (Educação fator decisivo)
 Garantias (segurança individual, integridade física X violência)
 Acesso ( três categorias: doutores, cidadãos simples e “elementos”)
• Desafio:
 Desigualdade impede direitos civis e constituição de uma sociedade
democrática
ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL PERIFÉRICO?
•
Welfare State: países centrais . Quando? “Anos dourados” do
capitalismo
•
Até anos 70: Welfare State frágil na América Latina. Por quê?
 Ponto de vista estrutural: universalização e equidade não são prioritárias;
exclusão e desigualdade presentes
 Ponto de vista institucional e organizacional: alto grau de centralização,
dificuldade na regulação e na implementação de políticas nos níveis
subnacionais de governo, comportamento corporativista; fraca tradição
participativa da sociedade, ineficácia do gasto, má focalização dos
objetivos, baixa efetividade social
Resultados:
 Pouca transparência,
diferenças sociais
baixa
accountability,
agravamento
de
 Estado de Bem-Estar não se estruturou por completo
 O Brasil se modernizou: consolidou seu parque industrial, vai se
tornando uma economia competitiva, já produz tecnologia avançada,
possui uma agressiva indústria cultural. Mas, não se tornou uma
sociedade mais justa, equilibrada e harmoniosa.
 Não nos tornamos um povo melhor: estamos mais carentes, mais
pobres, mais cruamente cortados por desigualdades gritantes.
ESPERANÇA
Padrão econômico atual impõe mudança: equidade é questão
econômica
•
Caráter estratégico da educação, saúde e distribuição da renda para o crescimento
da produtividade.
•
Estratégia de integração internacional e regional das economias nacionais ( pobreza
aumenta os riscos ambientais e sociais)
•
Valor da democracia e amplitude dos direitos
•
Constituição Cidadã acolhe demanda por maior equidade e participação
•
Descentralização participativa na gestão pública : maior espaço para a sociedade
•
Ampliação dos canais de participação no nível local: conselhos de políticas públicas,
orçamentos participativos, mesas de concertação, redes de políticas públicas,
mecanismos de monitoramento e prestação de contas etc.
SOCIEDADE CIVIL MAIS ATIVA?
 Ceticismo de muitos:
• Estadania (José Murilo de Carvalho)
• “Democracia delegativa” (O’Donnel)
• “Sociedade frágil, amorfa, desestruturada, gelatinosa, com traços de
familismo, clientelismo, nepotismo, jeitinho” (Da Matta)
 Otimismo de outros:
• Ao lado disso tudo, novos valores e atitudes: cidadania ativa, cultura
política mais participativa e cidadã (Elenaldo Teixeira)
 Década de 90:
• Movimentos sociais: perderam seu encanto radical e boa parte de sua
capacidade de aglutinação e vigor reivindicativo.
• Outros atores entraram em cena:
• Participação cidadã: não se trata de prestação de serviço social, nem de
defesa de interesses específicos, ou afirmação de identidades sociais.
• Objetivos são mais amplos: embora sua atividade seja esssencialmente
política (atividade pública e de interação com o Estado), distingue-se da
atividade política stricto sensu, uma vez que se sustenta na sociedade e
não se reduz nos mecanismos institucionais nem busca o exercício do
poder; novas aglutinações sociais que querem implementar novas
modalidades de democratização das decisões e de repartições mais
igualitária dos benefícios sociais e econômicos. (Lúcio Kowarick).
ALTERNATIVAS
Conselhos:
 estruturas formalizadas, criadas por Lei, com normas estabelecidas por seus
membros (Regime Interno) e relativa autonomia, não sendo propriamente
órgãos estatais: esfera pública.
Problema:
 papel decisório (os profissionais têm mais peso do que os usuários);
responsabilização pelas decisões tomadas: é possível responsabilizar os
representantes da sociedade civil por participarem nas decisões?
Alternativa:
 ao lado dos Conselhos, devem atuar fóruns, plataformas, conferências (espaço
público).
Redes de Organização da Sociedade Civil:
•
Redes movimentalistas (Doimo): base local, com critérios de participação de
natureza consensual e solidária; ampliação da base territorial por via de projetos
financiados por ONGs.
•
Organização em Redes: Rede Nacional de Agricultura Sustentável (14 ONGs),
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (30 entidades), Rede de
Direitos Humanos (462 entidades).
Fóruns:
Fórum Nacional de Ação daCidadania -1994:
•
“…o fórum tem entre seus objetivos manter um espaço aberto à discussão
política sobre linhas gerais capazes de orientar ações da cidadania; será
deliberativo apenas nas questões procedimentais; é um espaço de discussão,
proposição e indicação de ações convergentes; organiza- se como rede e não
como organização centralizada, sem caráter representativo ou decisório” (Fórum
Nacional de Ação da Cidadania).
Elementos da rede: horizontalidade, diversidade, articulação, intercâmbio,
informalidade, democracia.
Novos elementos da rede (por conta das mudanças sociais e tecnológicas):
transversalidade: relações são múltiplas e contraditórias
•
•
•
•
•
•
Equidade: as diferenças são consideradas e podem enriquecer o processo
Articulação global: ultrapassa a base local
Intercâmbio: independente da proximidade física, à distância
Informalidade: passa a conviver com a formalidade; procedimentos interativos
são fixados por meio de meios telemáticos e eletrônicos.
Problema: custo dos equipamentos: possibilidades são ainda hoje privilégio de
determinados grupos, mas várias organizações, constituidas como redes
sociais, aliam seus encontros e relações interpessoais à conexão com a internet,
servindo-se de organizações provedoras sem fins lucrativos como a Associação
para o Progresso das Comunicações (APC), a GreenNet etc.
Em 1989: Ibase criou a AlterNex, integrada à Rede Nacional de Pesquisa e à
APC, possibilitando a conexão de várias organizações sem fins lucrativos à
internet. Resultado do Movimento Democratização da Comunicação.
UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE?
 Nova Institucionalidade (Vera Telles): elaboram-se regras procedimentais
flexíveis para reger as ações de forma autônoma, mas não em caráter
irrevogável, modificáveis se novo consenso assim determinar, num
processo permanente, instituinte e inovador.
 Sociedade civil: tematiza novas questões, cria novos espaços de
participação, faz surgir novas formas de organização e interlocução com os
poderes públicos.
 Nova cultura política: uma “linguagem dos direitos”, não no sentido de uma
concessão do Estado, mas como prática, linguagem e representação; como
uma reinvenção que brota da luta entre interesses diferenciados em
confronto/diálogo em espaços públicos (Evelina Dagnino).
 Nova cultura política: ampliação da ação comunicativa no espaço público e
ação estratégica das organizações leva a um impacto nas instituições e nos
valores da sociedade.
 Mudanças em dois planos: a) no plano dos valores: atualização das
concepções de justiça social e amadurecimento do pensamento social que
reconhece que a melhoria da efetividade do gasto social é condição para a
construção dos direitos da cidadania; b) no plano institucional:
descentralização da prestação dos serviços sociais, aumento relativo da
participação social e formidável ampliação do campo e da experimentação
de parcerias entre os setores público, privado lucrativo e, principalmente,
privado sem fins de lucro, organizações não-governamentais. (Sonia
Draibe)
 Ponto positivo: criação de espaços de interlocução e decisão entre Estado
e sociedade.
Problemas:
•
Experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre
os atores.
•
Fragilidade organizativa, caráter espontaneísta. Falta de avaliação dos
seus efeitos.
•
Heterogeneidade das entidades da sociedade civil, falta de articulação,
interesses particularistas, falta de capacitação dos conselheiros ou de
delegação de poder dos representantes de governo.
•
Descentralização
complementares.
e
participação
não
são
termos
necessariamente
Participação: eficaz?
Com que qualidade?
NECESSIDADE
 Participação do cidadão: não se dê apenas em atos de protestos ou
simbólicos, mas se constitua numa atividade permanente de controle sobre
as ações dos seus representantes e na exigência de accountability e
responsabilização dos gestores de recursos públicos.
 Não basta mero apelo à ética: são necessários instrumentos de controle
externo, cívico, e a capacitação dos cidadãos para exercê-los (a OAB
propõe que sejam criados centros de combate à impunidade, dispensandose apoio jurídico aos cidadãos para que esses impetrem ações populares
contra atos que afetam a moralidade pública).
 Investimento em educação para cidadania.
“A cena municipal , em muitos casos, está
sendo hoje condicionada por uma espécie de
derradeira dissolução do modo de vida
tradicional. O futuro está em aberto, devendo
ser decidido pelos atores que souberem
promover intervenções compatíveis com os
novos tempos” (Nogueira, p.2)
Download

ESTADO, SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTOS SOCIAIS