PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado – 34ª Câmara TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 34a Câmara – Seção de Direito Privado Julgamento sem segredo de justiça: 04 de maio de 2009, v.u. Relator: Desembargador Irineu Pedrotti. Embargos Infringentes nº 1.152.541-01/8 Comarca de Limeira Embargante: U. A. S. S. A. Embargada: D. L. EMBARGOS INFRINGENTES. PRESCRIÇÃO. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). AÇÃO DE COBRANÇA. Esta Câmara solidificou entendimento no sentido de que o prazo prescricional para requerer indenização proveniente do seguro obrigatório DPVAT é o de 10 anos. Em 11 de janeiro de 2003, com a vigência do novo regramento sobre a prescrição, ainda não havia fluído mais da metade do prazo da lei anterior, o que fez incidir a partir daí o prazo de 10 anos do artigo 205 c.c. artigo 2.028, ambos do Código Civil de 2002. Voto nº 12.725. Visto, U. A. S. S. A. interpôs Embargos Infringentes contra o v. Acórdão de folhas 113 a 121, sob a proposição afirmativa de que deve prevalecer o voto do 3º Juiz, vencido, Doutor Emanuel Oliveira, “... que confirmou a sentença de primeira instância, julgando extinta a ação pelo transcurso do prazo prescricional regulado pelo art. 206, § 3º, IX, do Código Civil vigente ...” (folha 139), proferido na Ação de Cobrança que lhe move D. L., caracteres e qualificação das partes nos autos. A Embargada apresentou impugnação (folhas 207/215); a Relatora Sorteada, Desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery autorizou o processamento (folha 216). Relatados os embargos, decide-se. O decurso do tempo é um acontecimento natural de inigualável interesse para o Direito, porque o poder de ação em regra constitui direito subjetivo não eterno nem imutável: nasce, vive e desaparece. Prescrição, prejudicial de mérito, no sentido jurídico consiste na forma pela qual a pretensão de um direito se extingue, tendo em conta o não exercício dela por certo lapso de tempo. Pode-se dizer, então, que corresponde à extinção de um direito em razão do curso do prazo imposto por lei, onde houve negligência da parte interessada. A lei consagra a prescrição para que as ações atinjam a um fim e, assim, seja concedido aos homens ambiente de tranqüilidade e de segurança, fatores sem os quais a vida seria inevitavelmente insuportável e, que, somente são encontrados no direito e na justiça pelo rigor das leis. Parafraseando Clóvis Beviláqua, conclui-se que a prescrição é uma regra de ordem de harmonia e paz, imposta pela necessidade da certeza das relações jurídicas. O interesse do titular do direito, que ele foi o primeiro a desprezar, não pode prevalecer contra o interesse mais forte da paz social. Desta forma o grande fundamento da prescrição é o interesse público, a estabilidade das relações jurídicas. Trata-se de matéria de ordem pública e, por isso, expressamente regulada em lei com condições e formas de aplicação. Para acolher ou afastar esse império legal exigese decisão fundamentada. Embargos Infringentes nº 1152541018 – Voto nº 12725 -1- PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado – 34ª Câmara Não ocorreu a prescrição, uma vez que algumas Câmaras desta Corte solidificaram entendimento no sentido de que o prazo prescricional para requerer indenização proveniente do seguro obrigatório DPVAT é o de 10 anos: “AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT) - Não se tratando de seguro de responsabilidade civil, mas sim de seguro de danos, o seguro DPVAT, que ostenta indiscutível caráter social, é hodiernamente regido, no que concerne à prescrição, pela regra geral do art. 205 do Cód. Civil - Prescrição afastada - RECURSO PROVIDO.” 1 “Cobrança de seguro obrigatório DPVAT. Prescrição afastada. Prazo de dez anos, regido pelo art. 205 do CC de 2002 ...”. 2 “Seguro obrigatório – Julgamento antecipado da lide – Prescrição reconhecida em primeiro graus, afastada em segundo grau (...) Não estando abrangido pela definição do seguro de responsabilidade civil constante do art. 787, o seguro obrigatório do sistema DPVAT tampouco se inclui no prazo prescricional previsto no art. 206, § 3º, todos do CC de 2002. Prescrição no prazo de dez anos (art. 205 do CC de 2002), não concretizada. Extinção afastada para prosseguir o processo com abertura de oportunidade para a produção de provas.” 3 O tema objeto da devolução não apresenta sabor de novidade e em caso semelhante já foi objeto de deliberação contrária às pretensões da Embargante: “... Não se há negar que é de dez anos o prazo prescricional do seguro DPVAT. Criado pela Lei Federal 6.194/74, o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) tem por missão indenizar as vítimas de acidentes provocados por veículos que circulam por vias terrestres. É seguro obrigatório, de sorte que a obrigatoriedade garante às vítimas de acidentes o recebimento de indenizações, mesmo que os responsáveis pelo desastre não sejam identificados e punidos. Quantos brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, conhecem a operacionalização do seguro DPVAT? Poucos. Curiosamente, a maioria dos proprietários de veículos automotores de via terrestre que paga referido seguro não tem ciência de sua destinação. Destarte, pode-se concluir, com segurança, que as vítimas de acidentes que não fazem valer, imediatamente, seu direito ao recebimento do seguro DPVAT não agem assim por negligência, mas por cabal ignorância da lei de regência. Por outro lado, o artigo 206, § 3º, IX, do Cód. Civil ostenta a seguinte redação: ‘Prescreve em 3 (três) anos: a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório’. E o que é o seguro de responsabilidade civil obrigatório a que alude o legislador? A seu respeito, dispõe o art. 787, ‘caput’, do Cód. Civil: ‘No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de 1 - TJSP – Ap. s/ Rev. 1.198.240-0/3 – 34ª Câm. – Rel. Des. ANTONIO (Benedito do) NASCIMENTO – J. 10.11.2008. 2 - TJSP – Ap. s/ Rev. 1.138.616-0/0 – 30ª Câm. – Rel. Des. LUIZ FELIPE NOGUEIRA – J. 19.11.2008. 3 - TJSP – Ap. s/ Rev. 1.122.781-0/3 – 30ª Câm. – Rel. Des. LINO MACHADO – J. 21.1.2009. Embargos Infringentes nº 1152541018 – Voto nº 12725 -2- PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado – 34ª Câmara perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro’. Empenhado em fixar o alcance teleológico de referido dispositivo legal, obtempera Claudio Luiz Bueno de Godoy: ‘No artigo presente, o Código Civil de 2002 tratou e regulamentou o que sempre chamou de seguro de responsabilidade civil. Ou seja, o segurado assume a obrigação de garantir o pagamento de perdas e danos que o segurado acaso tenha de fazer em benefício de terceiro. Portanto, contrata-se a cobertura da indenização que, eventualmente, o segurado venha a ser obrigado a compor diante de terceiro lesado. O risco envolve, assim, não só o pagamento de danos emergentes, como também o de lucros cessantes, que, na forma do art. 402, compõem as perdas e danos. O prejuízo a ser coberto pode abranger, ainda, danos pessoais e extrapatrimoniais que a conduta do segurado provocou ao terceiro vitimado’4. Irretorquível, neste diapasão, que, rigorosamente falando, o seguro DPVAT não exibe o apanágio dos seguros de responsabilidade civil, sendo, isto sim, seguro de danos. Visando a aprofundar o debate, vale a pena evocar o escólio de Ayrton Pimentel, Ernesto Tzirulnik e Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti: ‘Muito comumente se inclui entre os seguros obrigatórios de responsabilidade civil o seguro de proprietários de veículos automotores de via terrestre, o chamado seguro DPVAT. Bem examinado, o seguro em questão, apesar de sua nominação, não é de responsabilidade civil, e sim de danos, vez que a indenização deve ser paga à vítima independentemente da apuração de responsabilidade. Para que fosse de responsabilidade civil, o seguro DPVAT só deveria operar quando existisse situação capaz de engendrar a responsabilização do segurado, o que não é o caso. A pacificação jurisprudencial de abatimento deste seguro da indenização devida pelo responsável não lhe transmuda a natureza, apenas lhe imprime caráter indenizatório e o abatimento é permitido porque o seguro é custeado pela parte responsável pela indenização. O seguro DPVAT, por não se enquadrar como seguro obrigatório de responsabilidade civil, e sim seguro obrigatório de danos, prossegue regido por legislação especial’5. Relevante registrar, ainda dentro de tal ordem de idéias, que a teor do art. 5º, ‘caput’, da Lei Federal 6.194/74, ‘o pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado’. E, à luz da lei de regência, o próprio condutor do veículo, e único responsável pelo acidente, desde que dele seja vítima, faz jus ao recebimento da indenização. Cumpre ter presente, neste passo, que o seguro DPVAT é um seguro de natureza social. Assim, ao aplicar a legislação que o vivifica, não pode o magistrado se olvidar que, a teor do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, deve o juiz, na aplicação da lei, atender ‘aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. Sobre os fins sociais da lei, dilucida Maria Helena Diniz: ‘Poder-se-á dizer que não há norma jurídica que não deva sua origem a um fim, a um propósito, a um motivo prático. O propósito, a finalidade, consiste em produzir na realidade social determinados efeitos que são desejados por serem 4 - GODOY, Claudio Luiz Bueno de. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código civil comentado. São Paulo: Manole, 2007, p. 657. 5 - PIMENTEL, Ayrton; TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz Bezerra. O contrato de seguro de acordo com o novo código civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147. Embargos Infringentes nº 1152541018 – Voto nº 12725 -3- PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado – 34ª Câmara valiosos, justos, convenientes, adequados à subsistência de uma sociedade, oportunos, etc. A busca desse fim social terá um papel dinâmico e de impulsão normativa. Se assim não fosse, a norma jurídica seria, na bela e exata expressão de Rudolf von Ihering, um ‘fantasma de direito’, uma reunião de palavras vazias. Sem conteúdo substancial esse ‘direito fantasma’, como todas as assombrações, viveria uma vida de mentira, não se realizaria, e a norma jurídica - é ainda o mestre de Gottingen quem diz - foi feita para se realizar. A norma não corresponderia a sua finalidade; seria, no seio da sociedade, elemento de desordem e instrumento de arbítrio. Viveria numa ‘torre de marfim, isolada, à margem das realidades, auto-suficiente, procurando em si mesma o seu próprio princípio e o seu próprio fim. Abstraindo-se do homem e da sociedade, alhear-seia de sua própria finalidade e de suas funções, passaria a ser uma pura idéia, criação cerebrina e arbitrária. Deveras, a norma se encontra no meio social, ora sofrendo injunções de fatores sociais, ora sobre eles reagindo e orientando. Os fins a serem atendidos são impostos à norma jurídica pela realidade social concreta. Sociologicamente, poder-se-ia até dizer que são os fins sociais que criam a norma jurídica. A norma social está imersa no social e uma simbiose se opera entre ambos’6. Observa-se na jurisprudência, mormente naquela que vem sendo contruída no seio deste Egrégio Tribunal de Justiça, propensão a fixar em 10 anos, nos termos do art. 205 do Cód. Civil, o prazo da prescrição da pretensão para recebimento da indenização DPVAT: ‘Seguro DPVAT - Típico seguro de ‘danos’ - Evolução histórica e legislativa Hipótese não se subordinando à disciplina do art. 206, § 3º, IX, do CC, que versa sobre seguros obrigatórios de 'responsabilidade civil' - Modalidades de seguro obrigatório que não se confundem, haja vista o respectivo elenco, expresso no art. 20 do Decreto-lei 73/66 - Prescrição da pretensão para recebimento da indenização DPVAT se inserindo, portanto, na regra geral do art. 205 do CC, de dez anos - Prazo não consumado na espécie - Sentença de proclamação da prescrição afastada’.7 ‘O prazo de três anos de que trata o artigo 206, § 3º, inciso IX, do Código Civil, refere-se às hipóteses elencadas nas alíneas "b", "c" e "m", do Decreto-Lei nº 73/66, aplicando-se, para o seguro DPVAT, à míngua de qualquer artigo específico, a regra geral do artigo 205’.8 Digno de nota, nesta alheta, excerto de declaração de voto do eminente Desembargador Palma Bisson, integrante deste Tribunal de Justiça: ‘A idéia de ser decenal esse prazo, por força da distinção entre o seguro de responsabilidade civil e o seguro de dano, me seduz sobremaneira, pois dela resulta um direito de ação temporalmente mais duradouro - e que ainda não se escoara no ajuizamento, em 25.09.2006 (fls. 02), da presente cobrança -, em linha de princípio mais consentâneo com o marcante fim social e previdenciário do DPVAT, como não vêm se cansando de repetir os tribunais pátrios’.9 E se é decenal, na perspectiva do atual Código Civil, a prescrição para o 6 - DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 171-172. 7 - TJSP - 25ª Câmara de Direito Privado - Apelação sem Revisão 1109819-0/6 - Comarca de São José do Rio Preto - Rel. Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli - J. 22/4/2008. 8 - TJSP - 35ª Câmara de Direito Privado - Apelação sem Revisão 1122873-0/1 - Comarca de Limeira - Rel. Des. Artur Marques - J. 22/10/2007. 9 - TJSP - 36ª Câmara de Direito Privado - Apelação sem Revisão 1096458-0/7 - Comarca de São José do Rio Preto - J. 18/10/07. Embargos Infringentes nº 1152541018 – Voto nº 12725 -4- PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado – 34ª Câmara recebimento do seguro DPVAT, o lógico corolário é a constatação de que a pretensão de Domingos Maximiniano de Oliveira não foi, efetivamente, sepultada pela prescrição.” 10 Em 11 de janeiro de 2003, com a vigência do novo regramento sobre a prescrição, ainda não havia fluído mais da metade do prazo da lei anterior, o que fez incidir a partir daí o prazo de 10 anos do artigo 205 c.c. artigo 2.028, ambos do Código Civil de 2002. “Agravo de Instrumento - Ação de cobrança securitária (DPVAT) - Direito pessoal - Prescrição - Prazo de vinte anos (art. 177 do Código Civil de 1916) Redução para dez anos (art. 205 do Código Civil atual) - Decurso de menos da metade do tempo estabelecido na lei revogada - Regência pelo Código Civil de 2002 - Exegese do art. 2.028 - Fluência a partir da data de entrada em vigor do novo Código (11.01.03).” 11 Em face do exposto, rejeitam-se os embargos. IRINEU PEDROTTI Desembargador Relator. 10 - TJSP – EI 1.155.254-1/6 – 34ª Câm. – Rel. Des. ANTONIO (Benedito do) NASCIMENTO – J. 15.12.2008. 11 - TJSP – AI 1.084.409-0/8 – 30ª Câm. – Rel. Des. ORLANDO PISTORESI – J. 14.2.2007. Embargos Infringentes nº 1152541018 – Voto nº 12725 -5-