PRISCILLA BORGES KERBER
A IMUNIDADE PARLAMENTAR NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO: ABUSO OU NECESSIDADE
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para obtenção
do grau de bacharelado em Direito.
Orientador: Professor
Sérgio dos Santos.
Brasília
2007
Especialista
Mauro
Priscilla Borges Kerber
A Imunidade Parlamentar no Ordenamento Jurídico Brasileiro: abuso ou
necessidade
Monografia
apresentada
à
Banca
examinadora da Universidade Católica de
Brasília como exigência parcial para
obtenção do grau de bacharelado em
Direito sob a orientação do professor
especialista Mauro Sérgio dos Santos.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com
menção_____ (__________________________________________).
Banca Examinadora:
______________________________
______________________________
Integrante
Universidade Católica de Brasília
______________________________
Integrante
Universidade Católica de Brasília
À Santíssima Trindade, por ensinar que o amor supera
barreiras; à minha família, pelo esforço feito em prol da
realização dos meus sonhos; ao Alessandro, pela
dedicação carinhosa na construção de nossas conquistas;
aos amigos Kely Priscilla, Igor e Lincon; ao Leandro e
família, pela ajuda e atenção; e aos demais que de certa
maneira contribuíram para a realização deste trabalho e
ao orientador Mauro Sérgio, por estar sempre disposto a
ajudar.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus fonte inesgotável de toda sabedoria e conhecimento com o
qual contei em todos os momentos da minha vida.
A Mônica, minha mãe, por ensinar que os estudos formam conceitos que jamais se
esgotam; exemplo de esforço e superação.
A Patrícia, minha irmã, pela amizade acolhedora, sincera e alegre; exemplo de união
e amor.
A Maria, minha avó, por ajudar sempre a entender que não se desiste no primeiro
obstáculo; exemplo de força.
Ao Antônio, meu padrinho e tio, pelo jeito brincalhão e divertido, e pelas conversas
sérias; exemplo de carinho.
Ao Carlos, meu avô, por demonstrar o dom da caridade em relação aos irmãos;
exemplo de persistência.
A Glória, minha tia, anjo enviado por Deus para mostrar caminhos certos que
transformam as divergências em amor; exemplo de fé.
Ao Alessandro, meu namorado, pela simplicidade em seu modo de viver e pelo amor
que ensina; exemplo que o pouco faz muito.
“[...] enquanto ocupar a garantia da sua liberdade aderirá
inseparavelmente ao representante, como a sombra ao
corpo, como a epiderme ao tecido celular [...]"
(Rui Barbosa)
RESUMO
KERBER, Priscilla Borges. A imunidade parlamentar no ordenamento jurídico
brasileiro: abuso ou necessidade. 2007. 82 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília,
2007.
O presente trabalho versa sobre o exame do instituto conhecido como imunidade
parlamentar. A análise do tema tem como finalidade observar se a previsão no
ordenamento jurídico brasileiro do instituto em questão constitui um abuso ou uma
necessidade. Para tanto foi abordado aspectos referentes a imunidade material e
formal dos parlamentares. Além disso, a presente pesquisa tratou da imunidade não
só dos parlamentares federais, como também a relativa aos deputados estaduais,
distritais e vereadores. O estudo do tema foi desenvolvido com base na doutrina
nacional, assim como na jurisprudência brasileira, sobretudo do Supremo Tribunal
Federal.
Palavras-Chave: imunidade material, imunidade formal, abuso, necessidade.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................
CAPÍTULO 1- HISTÓRICO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR ....................................
1.1
Da separação dos poderes.........................................................................................
1.2
Imunidade parlamentar nas constituições brasileiras..................................................
1.2.1
Breves comentários sobre a manifestação constitucional no Brasil......................
1.2.2
Constituição política do império do Brasil de 1824...............................................
1.2.3
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891.......................
1.2.4
Constituição de 1934............................................................................................
1.2.5
Constituição de 1937............................................................................................
1.2.6
Constituição de 1946............................................................................................
1.2.7
Constituição de 1967............................................................................................
1.2.8
Emenda constitucional n.º 1/1969........................................................................
1.2.9
Constituição de 1988............................................................................................
CAPÍTULO 2 - IMUNIDADE PARLAMENTAR ..............................................................
2.1
A imunidade parlamentar na carta de 1988.................................................................
2.2
A imunidade material...................................................................................................
2.2.1
Objeto da imunidade material..............................................................................
2.2.2
Da natureza jurídica do instituto...........................................................................
2.2.3
Características da imunidade material..................................................................
2.2.4
Da abrangência da imunidade material................................................................
2.3
Da imunidade formal...................................................................................................
2.3.1
Do objeto e natureza jurídica da imunidade formal..............................................
2.3.2
Das características da imunidade formal..............................................................
2.3.3
Prisão do parlamentar..........................................................................................
2.3.4
Prerrogativa de foro do parlamentar.....................................................................
2.3.5
Do processo contra o parlamentar.......................................................................
2.3.6
Obrigação de testemunhar do parlamentar..........................................................
2.3.7
A imunidade e o estado de sítio...........................................................................
2.3.8
A imunidade parlamentar e a isenção do serviço militar.......................................
2.4
A imunidade dos deputados estaduais........................................................................
2.5
Imunidade dos deputados distritais.............................................................................
2.6
Imunidade dos vereadores..........................................................................................
CAPÍTULO 3 - A IMUNIDADE PARLAMENTAR: ALTERAÇÕES, NOVAS
PERSPECTIVAS E JURISPRUDÊNCIA CORRELATA................................................
3.1
Alterações da Emenda Constitucional n.º 35/2001......................................................
3.2
Nova perspectiva sobre a imunidade parlamentar......................................................
3.3
Imunidade parlamentar segundo entendimento dos tribunais brasileiros....................
3.3.1
Entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em relação a
imunidade material...............................................................................................
3.3.2
O inquérito policial e a imunidade formal..............................................................
3.3.3
Abrangência da expressão crimes comuns conforme decisão da Suprema
Corte....................................................................................................................
3.3.4
A imunidade formal e a possibilidade de extensão aos co-réus...........................
3.3.5
Prerrogativa de foro nas ações civis.....................................................................
3.3.6
Prerrogativa de foro conferida aos parlamentares afastados...............................
3.3.7
Prerrogativa de foro e o cancelamento da Súmula 394........................................
3.4
Entendimento dos tribunais em relação aos deputados estaduais, distritais e
vereadores..................................................................................................................
3.4.1
Imunidade material dos vereadores.....................................................................
3.4.2
Imunidade parlamentar dos deputados estaduais e distritais...............................
CONCLUSÃO.................................................................................................................
REFERÊNCIAS...............................................................................................................
9
INTRODUÇÃO
A concentração de poder nas mãos da monarquia aumentava cada dia mais
as arbitrariedades e abusos contra os cidadãos e aqueles que detinham uma parcela
do poder governante restrito às vontades do rei. Surge, com isso, como marco
histórico essencial à ruptura do absolutismo o Bill of Rights, na Inglaterra,
assegurando ao membro do parlamento que este não sofreria prisões arbitrárias
(freedom from arrest), bem como a liberdade para manifestar suas opiniões
(freedom of speach).
A necessidade de descaracterizar a concentração de poder nas mãos de um
só indivíduo fez nascer a teoria da separação dos poderes, a fim de que o poder
político fosse dividido em três esferas como maneira mais eficaz de coibir os abusos
de poder por parte de quem governa. A partir disso, estabeleceu-se o sistema de
freios e contrapesos “check and balances”, no sentido de conter os abusos de poder,
haja vista que um poder teria controle sobre o outro, necessariamente, se houvesse
excessos. Assim, cada poder (executivo, legislativo e judiciário) atuaria de forma
independente e harmônica.
Como ao Poder Legislativo coube a função precípua de legislar, surgiu a
necessidade de dotar os representantes do povo de certas garantias com a
finalidade de possibilitar o livre exercício de suas funções.
O tema da imunidade parlamentar, devido a sua importância, foi tratado em
todas as constituições brasileiras culminando com a Carta de 1988 que prescreve
que os membros do Poder Legislativo estão protegidos pela imunidade material no
que diz respeito as suas palavras, votos e opiniões, e pela imunidade formal,
garantindo que os parlamentares não seriam presos, salvo por flagrante de crime
inafiançável e o seu não processamento. Todavia, a imunidade parlamentar passou
a não satisfazer os anseios da população, pois o instituto por diversas vezes foi
utilizado com o fim de privilegiar o representante popular. Por isso, em tanto do tanto
foi promulgada a Emenda Constitucional n.° 35/2001, com o intuito de coibir a
impunidade e estabelecer mecanismos mais eficazes capazes de assegurar que os
membros do Poder Legislativo desempenhassem suas funções institucionais.
O presente trabalho, portanto, se propõe a examinar o instituto da imunidade
10
parlamentar, suas características e inovações dentro do ordenamento jurídico
brasileiro. Para que a partir disso, seja possível observar se a previsão legal da
imunidade parlamentar constitui um abuso ou uma necessidade.
A fim de melhor analisar o instituto da imunidade parlamentar e os principais
aspectos que o cercam, o presente trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O
capítulo I trata das origens históricas da imunidade parlamentar que, inicialmente,
relata o seu surgimento na esfera mundial; a teoria da separação dos poderes e por
fim a evolução do instituto nas constituições brasileiras.
O capítulo II esclarecerá a natureza jurídica, objeto, características e
abrangência
da
imunidade
material,
sendo
mencionadas
as
divergências
doutrinárias sobre o assunto e, em relação à imunidade formal, também será
demonstrada, a natureza jurídica, objeto, características, prisão do parlamentar,
prerrogativa de foro e processamento, sendo, ainda, apresentados tópicos
referentes à obrigação de testemunhar e outros temas conexos. Por fim, serão
analisadas as imunidades dos deputados estaduais, distritais e vereadores,
discutindo sobre suas diferenças e similaridades com os parlamentares federais.
No capítulo III, são mencionadas as alterações feitas após a promulgação da
Emenda Constitucional n.º 35/2001, sendo realizadas comparações entre os artigos
revogados e os vigentes, e, ainda, novas perspectivas referentes ao instituto e os
principais precedentes jurisprudenciais relativos ao objeto em estudo.
Para a elaboração deste trabalho monográfico, foi utilizado o método da
pesquisa bibliográfica, pesquisa esta que foi desenvolvida com base nos principais
doutrinadores nacionais que escrevem sobre o tema, bem como na jurisprudência
dos tribunais brasileiros, especialmente do Supremo Tribunal Federal.
11
CAPÍTULO 1- HISTÓRICO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR
O homem, desde os primórdios de seu desenvolvimento social, intelectual e
cultural, percebeu a necessidade de organizar suas atividades e proteger seus
interesses sociais e políticos. Assim, na organização do Estado o homem delegou a
representação dos seus anseios aos seus governantes, a fim de que o interesse
comum fosse realizado.1
Há uma discussão acerca da origem histórica da imunidade parlamentar, ora
a associar seu surgimento à formação das primeiras civilizações, ora à derrocada do
Absolutismo na Inglaterra.
De acordo com Paulo Figueiredo, as representações políticas e sociais
existiam desde as épocas primitivas, pois o homem neste período formava
associações, com a finalidade de discutir problemas relacionados ao seu povoado.
Assim sendo, essas associações escolhiam seus chefes, orientava-os em prol do
bem comum.2
Em Atenas os representantes do povo eram conhecidos como oradores. Eles
eram responsáveis pelas discussões legislativas em sua cidade-estado. Quando
estavam reunidos nas assembléias, contavam com o símbolo representativo da sua
inviolabilidade. Neste sentido, Fustel de Coulanges ensina que “o orador só subia à
tribuna com uma coroa na cabeça”3 com o propósito de defendê-lo contra possíveis
questionamentos de suas manifestações. Também, no Estado Romano os
representantes do povo que compunham o Senado eram conhecidos por sua
condição sacrossanta, ou seja, de nenhuma forma poderiam ser desrespeitados,
pois obedeciam a vontade dos deuses.4
Em sentido oposto e de forma majoritária, os autores que dissertam sobre o
Direito Constitucional entendem que o instituto da imunidade parlamentar teve sua
1 BASTOS, C. R. Curso de teoria do estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos
Editora, 2002, p. 53.
2 FIGUEREDO, P. O Poder Legislativo nas civilizações desaparecidas. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, n. 71, p. 43-94, jul./set. 1981.
3 COULANGES, F. A cidade antiga. São Paulo: Matrin Claret, 2002, p. 180.
4 MORAES, A. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 402.
12
origem na Inglaterra, a partir do Bill of Rights de 1689.5 Pois, segundo essa
declaração de direitos o membro do parlamento estaria livre de prisões arbitrárias
(freedom from arrest) e teria liberdade para manifestar suas opiniões (freedom of
speach).6 Nesse sentido afirma Carlos Maximiliano que ”teve origem na Inglaterra a
prerrogativa da imunidade parlamentar”.7
O modelo inglês acima descrito integrou a Constituição norte-americana de
1787, assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, a
fim limitar o poder absolutista,8 no qual o regime de governo era, inicialmente,
monocrático, ou seja, o poder de decisão se concentrava nas mãos de uma só
pessoa, ocasionando diversos abusos e arbitrariedades.9
Por conseguinte, com o enfraquecimento do absolutismo monárquico, o
sistema democrático evolui e se institui como opção crescente de governo, 10 de
modo que novas concepções de divisão de funções do Estado e maneiras de
representação popular foram idealizadas por diversos pensadores,11 dentre eles
Montesquieu e Rousseau.
1.1
Da separação dos poderes
Aristóteles, em A Política, delineou as primeiras análises sobre as formas de
governo e suas instituições, objetivando estabelecer um caminho viável de equilíbrio
na convivência social.12 Contudo, a teoria da separação dos poderes foi amplamente
debatida por Montesquieu,13 que em suas considerações afirmava que quem está no
poder tende a abusar dele e, para evitar isso, seria necessário que “o poder limite o
poder”;14 assim, a teoria da separação dos poderes tinha como objetivo
5 KURANAKA, J. Imunidades parlamentares. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 94.
6 MORAES, 2007, p. 402.
7 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1948. v. 2, p. 46.
8 FERREIRA, P. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993a, p. 399.
9 BASTOS, 2002, p. 127-129.
10 FERREIRA, 1993a, p. 84.
11 BASTOS, op. cit., p. 176.
12 ARISTOTELES. Política. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica_%28Arist%C3%B3Teles%29>. Acesso em: 12 maio
2007.
13 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 342.
14 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Cristina
13
descaracterizar a concentração de poder nas mãos de um só indivíduo e, portanto, a
divisão do poder político em três esferas seria a maneira mais eficaz de coibir os
abusos de poder por parte de quem o detém. Cabe, ainda, ressaltar que o poder do
Estado a ele pertence e a separação dos poderes é na verdade uma separação de
funções estatais – legislativa, executiva e judiciária – de atuação que visam o bem
da sociedade.15
Para tanto Montesquieu, em O Espírito das Leis, estabeleceu o sistema de
freios e contrapesos “check and balances”, com o intuito de conter o abuso de
poder, uma vez que um poder teria controle sobre o outro, necessariamente, se
houvesse excessos.16 Assim, o equilíbrio entre as funções legislativa, executiva e
judiciária seria eficaz, permitindo que cada poder atuasse de maneira independente
e harmônica.
17
Desse modo, o sistema de freios e contrapesos surge como modelo
de limitação ante a atuação dos representantes do Estado. Logo, os representantes
legitimados pela vontade popular, por meio do voto, são capazes de exercer com
eficiência suas missões institucionais.18 Assim, o princípio da soberania popular que
segundo Rousseau “é unicamente a base desse interesse comum que a sociedade
deve ser governada”
19
é alcançado. É importante salientar que a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, dada a importância da teoria em comento,
estabeleceu que só haveria Constituição se no seu texto estiver expressa a teoria de
Montesquieu.20
Sob essa perspectiva, as constituições ocidentais, inspiradas pelos ideais
liberais do século XVIII, adotaram em seus textos legais a teoria da separação dos
poderes, bem como o princípio da soberania popular como forma de garantir o
Estado Democrático de Direito. 21
Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 166.
15 BASTOS, C. R.; MARTINS, I. G. S. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 475.
16 OMMATI, F. Dos freios e contrapesos entre os poderes. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, ano 14, n. 55, p.58, jul./set. 1977.
17 BASTOS, 2002, p. 181.
18 KURANAKA, 2002, p. 38.
19 ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social e Outros Escritos. São Paulo: Cultrix, 1976, p. 38.
20 KURANAKA, 2002, p. 54.
21 HORTA, R. M. Imunidades parlamentares. Revista de Direito Público, v. 3, n. 1, p. 33, jan./mar.
1968.
14
1.2
Imunidade parlamentar nas constituições brasileiras
1.2.1 Breves comentários sobre a manifestação constitucional no Brasil
Inicialmente, a manifestação constitucional brasileira foi desenvolvida a partir
do poder subordinado aos anseios do imperador. Porém, o modelo político e social
até então vigente tivera seus fundamentos balançados, pois a aristocracia brasileira
investida com os ideais revolucionários europeus lutou pela queda do poder
moderador a fim de ensejar, no Brasil, os princípios republicanos.22
Dentro das perspectivas de desenvolvimento do Brasil foram elaboradas sete
constituições ao longo da história deste país (alguns doutrinadores afirmam que na
verdade foram oito constituições, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº
01/1969 seria equivalente a uma nova constituição): a de 1824, 1891, 1934, 1937,
1946, 1967, 1969 e 1988. Vale registrar que nos parágrafos subseqüentes dar-se-á
enfoque aos artigos constitucionais relacionados ao instituto da imunidade
parlamentar, bem como aos assuntos correlatos.
1.2.2 Constituição política do império do Brasil de 1824
A primeira Carta Constitucional do Brasil tivera em seu texto a figura do
monarca como força motriz da vida política do Brasil Império. 23 A Carta
Constitucional de 1824 apesar de ter sido outorgada, estabeleceu em seu texto a
teoria da separação dos poderes de Benjamim Constant, a qual previa a existência
do Poder Moderador como quarto poder, além do legislativo, executivo e judiciário,
conforme art. 10 da referida Carta Política.24
Uma importante inovação desta Carta Magna foi a previsão, em seu texto, do
sistema bicameral do Poder Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados,
cujos componentes eram eleitos pelo voto censitário e pelo Senado que tinha seus
22 SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 73.
23 CUNHA, A. S. Todas as constituições brasileiras. São Paulo: Bookseller, 2001, p. 17.
24 BASTOS, 2000, p. 98.
15
integrantes nomeados pelo Imperador. A união destas duas Câmaras formava a
Assembléia Geral.25
O constituinte de 1824, estabeleceu no art. 26 do texto legal em análise que
“os Membros de cada uma das Camaras são inviolaveis polas opiniões, que
proferirem no exercicio das suas funcções”26, a fim de garantir que os integrantes da
Assembléia Geral tivessem plena liberdade na defesa dos interesses do povo
brasileiro, assegurando a estes a imunidade material. Posto isto, o parlamentar
quando no exercício de suas funções não responderia por suas palavras, votos e
opiniões.
27
Cuidou, ainda, a Constituição de 1824 no art. 27 ”nenhum Senador, ou
Deputado, durante a sua deputação, póde ser preso por Autoridade alguma, salvo
por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto de pena capital”28,
assim a prisão do parlamentar ficaria a cargo da licença de sua respectiva Casa,
salvo nos casos de pena capital. Em relação ao processo e à formação de culpa
contra o parlamentar caberia ao juiz que recebeu a denúncia levá-la ao
conhecimento da Casa da qual o parlamentar fazia parte. Com isso, caberia a cada
Câmara decidir sobre o prosseguimento ou não do processo, de acordo com o art.
28 do referido diploma legal que dispõe:
Se algum Senador, ou Deputado fòr pronunciado, o Juiz, suspendendo todo
o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva Camara, a qual
decidirá, se o processo deva continuar, e o Membro ser, ou não suspenso
no exercicio das suas funcções.29
1.2.3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
Em contraposição ao regime escravista que predominou durante a vigência
da Carta de 1824, acontece a proclamação da República em 15 de novembro de
1889. Com a República instituída, o Brasil, contou com renomados doutrinadores da
25 SILVA, 2007, p. 75.
26 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituicão
Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
27 NOGUEIRA, O. Constituições brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal, 2000. v. 1, p. 83.
28 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituicão
Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
29 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituicão
Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
16
época, entre eles Rui Barbosa, que participou diretamente do projeto de elaboração
da Constituição de 189130, que diferentemente da repartição de poderes
estabelecida pela Carta Imperial, o texto constitucional de 1891 suprimiu o poder
moderador, fazendo valer apenas a teoria da Separação dos Poderes de
Montesquieu, conforme estabelecera o seu art. 15.31
O poder centralizador existente desde a época da colonização do Brasil, com
a vinda da República fora repartido entre as províncias brasileiras existentes na
época e posteriormente transformadas em estados e administrados por um
Governador (chamado durante a República Velha de Presidente do Estado),
originando, assim, a política dos Governadores. Desta forma, a Constituição vigente
até então, a fim de adequar-se a nova situação política brasileira, teve seu texto
emendado em 1926. Com isso, os Deputados e Senadores passaram a ser vítimas
da política dos Governadores, pois suas eleições dependiam do prestígio político do
Governador.32
Porém, a política acima citada não teve continuidade, pois em 1930, Getúlio
Vargas, rompeu com a política dos Governadores. A partir deste momento, os
parlamentares passaram a representar a vontade do povo e não mais aos interesses
dos Governadores dos estados.33
Com efeito, a Constituição de 1891 estabeleceu nos arts. 19 e 20 a imunidade
parlamentar, com a finalidade de garantir a independência do Poder Legislativo.
34
Com relação à imunidade material, o art. 19 da referida Carta Política previa que “os
Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no
exercício do mandato”35, logo os Deputados e Senadores jamais poderiam ser
processados por suas manifestações. Porém, o mesmo não acontecia em relação à
imunidade formal, pois não impedia a punição do parlamentar, quando este cometia
crimes comuns.36 Quanto à prisão do parlamentar, somente era possível quando
30 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1993b, p. 58.
31 FERREIRA, loc. cit.
32 SILVA, 2007, p. 80.
33 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 342.
34 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição (1891). Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos
Santos, 1918, p. 299.
35 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao91.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
36 MAXIMILIANO, op. cit, p. 298.
17
havia prévia licença de sua respectiva Casa, salvo no caso de flagrante de crime
inafiançável. A pronúncia seguia para a Casa respectiva, pela autoridade
competente, para que essa decidisse sobre a continuidade do processo, conforme o
art. 20 da Carta em comento que estabelecia:
Os Deputados e Senadores, desde que tiverem recebido diploma até a nova
eleição, não poderão ser presos nem processados criminalmente, sem
prévia licença de sua Câmara, salvo caso de flagrância em crime
inafiançável. Neste caso, levado o processo até pronúncia exclusiva, a
autoridade processante remeterá os autos à Câmara respectiva para
resolver sobre a procedência da acusação, se o acusado não optar pelo
julgamento imediato.37
Resguardou a Constituição de 1891 a possibilidade do parlamentar decidir por
seu julgamento imediato.38
Também preocupou-se
o constituinte de 1891 em manter o livre
funcionamento do Congresso durante o estado de sítio, impossibilitando que a
imunidade de seus membros fosse suspensa durante a vigência desse período. 39
Ainda, visando manter a composição do Congresso, estabeleceu diploma legal em
comento que em tempos de paz não ficaria obrigado o parlamentar servir ao
exército, assim como fixou que o parlamentar não estaria obrigado a testemunhar.40
Apesar do esforço do Governo brasileiro em repudiar a política dos
governadores, esta não deixou de existir. Assim sendo, várias revoltas eclodiram no
Brasil, entre elas a constitucionalista em São Paulo. A fim de conter os protestos,
Getúlio Vargas, por meio do Decreto publicado em 3 de maio de 1932 convocou
eleições para a realização da Assembléia Constituinte, para estruturar uma nova
Constituição capaz de adequar-se a realidade do País.41
1.2.4 Constituição de 1934
A maior mudança trazida por esta constituição diz respeito a dissolução do
bicameralismo. Segundo o art. 22 da Constituição de 1934 fora atribuído ao Senado
37 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao91.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
38 KURANAKA, 2002, p.103.
39 MAXIMILIANO, op. cit., p. 300.
40 MAXIMILIANO, 1918, p. 300.
41 SILVA, 2007, p. 81.
18
apenas o papel de colaborador em relação às atividades desempenhadas pela
Câmara dos Deputados. Assim sendo, a Câmara dos Deputados ficou responsável
pelo Poder Legislativo.42 Dando ensejo a forma unitária do Poder Legislativo, nesse
sentido entende Paulo Bonavides que o período correspondente evidencia “o
enfraquecimento do Senado”.43
Apesar da inexistência do bicameralismo, os parlamentares da época
contaram com a figura da imunidade parlamentar. Com efeito, o art. 31 da
Constituição de 1934 previa que: “os Deputados são invioláveis por suas opiniões,
palavras e votos no exercício das funções do mandato”44, portanto os Deputados e
Senadores contavam com a proteção da imunidade material, pela qual o agente
político não podia ser responsabilizado por suas palavras, votos e opiniões.45
Conforme anotava Pontes de Miranda o parlamentar não poderia ser processado por
perdas e danos, pois a imunidade é “geral” capaz de abranger também a esfera
civil.46
Em relação à imunidade formal temos sua previsão expressa no art. 32 da
Carta em estudo que determinava que:
Os Deputados, desde que tiverem recebido diploma até à expedição dos
diplomas para a Legislatura subseqüente, não poderão ser processados
criminalmente, nem presos, sem licença da Câmara, salvo caso de
flagrância em crime inafiançável. Esta imunidade é extensiva ao suplente
imediato do Deputado em exercício. 47
De acordo com o artigo, o processo criminal contra Deputados e Senadores
dependia de prévia licença de sua respectiva Casa, salvo no caso de prática de
crime inafiançável.48 Ressalte-se que o texto legal estendeu ao suplente imediato tal
imunidade.49 Com relação aos co-réus a Constituição ora em análise não estendeu a
42 MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1936, p. 467.
43 BONAVIDES, P.; ANDRADE, P. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: Editora OAB,
2004, p. 332.
44 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
45 MIRANDA, 1936, p. 484.
46 Ibidem, p. 485.
47 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
48 MIRANDA, 1936, p. 487.
49 KURANAKA, 2002, p. 104.
19
imunidade formal a estes.50
Devido às revoltas que marcou a vigência da Constituição de 1891, o
constituinte de 1934 considerou imprescindível a participação de um satisfatório
contingente de militares, no intuito de manter a nova ordem imposta. Assim, o
parlamentar que mediante autorização da Câmara, participasse das Forças Armadas
ficaria sujeito às leis militares, consoante dispõe o art. 32, § 2º da Constituição de
1934.51 No que diz respeito ao estado de sítio, esta Carta Magna manteve a
imunidade parlamentar neste período.52
O período de vigência da Constituição de 1934 foi curto, pois os
representantes políticos brasileiros inspirados pelos ideais empregados por Hitler e
Mussolini, consideraram o regime democrático como sendo um risco as instituições
brasileiras. Com isso, a Constituição de 1934 foi revogada e o período denominado
Estado Novo surgiu, a partir da outorga da Constituição de 1937.53
1.2.5 Constituição de 1937
Com a vigência do Estado Novo Getúlio Vargas assume totalmente o controle
do Estado e, logo no começo do exercício de suas funções, tratou de dissolver a
Câmara e o Senado. Com isso, o Poder Legislativo e Judiciário ficou concentrado
nas mãos do Poder Executivo.54 Logo, o Poder Legislativo passou a ser conhecido
como Parlamento Nacional dividido em Câmara dos Deputados e Conselho
Federal.55
Segundo anota José Afonso da Silva, a Constituição de 1937 não fora
aplicada em seu texto integral, pois “[...] houve ditadura pura e simples, com todo o
Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República,
que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava”.56
Apesar da concentração do poder nas mãos do Presidente da República a
50 MIRANDA, 1936, p. 490.
51 MIRANDA, loc. cit.
52 Ibidem, p. 491.
53 SILVA, 2007, p. 82.
54 SILVA, loc. cit.
55 SILVA, loc. cit.
56 Ibidem, p. 83.
20
Constituição de 1937 trouxe em suas disposições a figura da imunidade
parlamentar. O art. 42 do texto legal em comento previa que “Durante o prazo em
que estiver funcionando o Parlamento, nenhum dos seus membros poderá ser preso
ou processado criminalmente, sem licença da respectiva Câmara, salvo caso de
flagrante em crime inafiançável”57, tratou portanto o artigo sobre a imunidade formal,
o qual estabelecia que no caso de prisão do parlamentar a sua respectiva Casa
deveria autorizar o ato, salvo nos casos de prisão em flagrante de crime
inafiançável, e em relação ao processo cabe também a Casa decidir sobre o seu
prosseguimento.58
Neste período, a imunidade material, no que diz respeito a opinião do
parlamentar, ou seja, sua liberdade de expressão não era válida nos casos de
difamação, calúnia, injúria, e em manifestações que ferissem a moral pública, pois
caso contrário responderiam civilmente e criminalmente59, conforme o disposto pelo
art. 43 da Carta em análise, o qual determinava que:
Só perante a sua respectiva Câmara responderão os membros do
Parlamento nacional pelas opiniões e votos que, emitirem no exercício de
suas funções; não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e
criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou
provocação pública ao crime.60
Findo o contexto da Segunda Guerra Mundial, os países repensaram suas
constituições e vários movimentos em prol do retorno da democracia foram surgindo
no mundo inteiro. No Brasil aconteceram vários protestos, entre eles, segundo José
Afonso da Silva, o Manifesto dos Mineiros, em favor de uma nova Constituinte capaz
de garantir o regime democrático.61
1.2.6 Constituição de 1946
57 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
58 KURANAKA, 2002, p. 105.
59 VERONESE, O. Inviolabilidade parlamentar do senador ao vereador. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 45.
60 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
61 SILVA, 2007, p. 83.
21
A Constituição de 1946 surge a partir da repulsa em relação ao Estado
Novo.62 Com isso, no intuito de atender os clamores sociais fora estabelecida em
1946 uma nova Constituição, com base nas Constituições de 1891 e 1934. Essa
Constituição restabeleceu o sistema bicameral a fim de trazer de volta o equilíbrio
político para a sociedade brasileira.63
Assim, os representantes políticos brasileiros puderam de forma real ser
abrangidos pela imunidade parlamentar e não apenas observar a sua existência sem
que fosse válida como acontecia em 1937. Com efeito, o art. 44 da Constituição de
1946 dispôs que: “Os Deputados e os Senadores são invioláveis no exercício do
mandato, por suas opiniões, palavras e votos”64, assim os parlamentares seriam
irresponsáveis penalmente e civilmente por suas palavras, votos e opiniões.65
O doutrinador Carlos Maximiliano observou que o texto de 1946 inovou, se
comparado a Constituição de 1891, em relação ao período de duração da imunidade
parlamentar, pois a Constituição de 1891 no art. 20 estabeleceu que os Deputados e
Senadores desde o recebimento do diploma até nova eleição não poderiam ser
presos ou processados sem a devida autorização de sua respectiva Câmara. 66 Já a
Constituição de 1946, determinou que a imunidade parlamentar seria válida até o
início da legislatura seguinte.67
Outra diferença da Constituição de 1946 em relação à Constituição de 1891
diz respeito à prisão no caso de crime inafiançável. Este diploma legal estabelecia
que a partir do recebimento da denúncia caberia ao juiz competente remeter os
autos a Câmara ou ao Senado, permitindo a possibilidade de o parlamentar optar
por julgamento imediato. Todavia, a Carta de 1946 estabeleceu que após a prisão
por crime inafiançável de parlamentar, o juiz competente em 48 horas remeteria os
autos a Casa respectiva.68
62 BONAVIDES, P.; ANDRADE, P. História constitucional do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1991, p. 349.
63 SILVA, op. cit., p. 85.
64 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
65 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1954, p. 51.
66 MAXIMILIANO, 1954, p. 52.
67 MAXIMILIANO, loc. cit.
68 MAXIMILIANO, loc. cit.
22
Cabe lembrar, ainda, que no caso de processo criminal contra parlamentar
deveria este ser autorizado por sua respectiva Casa, de acordo com o art. 45 que
previa “Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os
membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de
crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua
Câmara”69. Em relação à concessão da imunidade formal ao primeiro suplente do
parlamentar, conforme o art. 45, § 3.º da Constituição citada, anota Carlos
Maximiliano que o texto legal foi falho ao tentar estender ao primeiro suplente a
imunidade parlamentar.70
É importante salientar que o constituinte de 1946, a fim de evitar que as
atividades legislativas fossem interrompidas, isentou os Deputados e Senadores do
serviço militar, não permitiu que a imunidade parlamentar fosse suspensa durante a
vigência do estado de sítio. Garantiu, ainda, que o parlamentar não fosse obrigado a
testemunhar.71
Durante a vigência da Constituição de 1946, o comando militar revolucionário
tomou força e suprimiu o ordenamento jurídico vigente, sendo o novo regime
instaurado em 1964. Com a conquista do poder, o regime instaurado cassou
mandatos, efetuou prisões políticas, suspendeu direitos políticos e depôs o
Presidente da República. Com isso, o regime autoritário impôs vários atos
complementares, bem como institucionais, tal como o Ato Institucional n.º 4, que
estabeleceu regras para o Congresso Nacional votar uma nova Constituição. Com
isso, em 24.01.1967 entrou em vigor a Constituição de 1967.72
1.2.7 Constituição de 1967
A Constituição em questão sofreu forte influência da Constituição de 1937,
pois como ocorria no período correspondente ao Estado Novo, o Poder Executivo
concentrou grande parte dos poderes constitucionais em suas mãos, e além do
69 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
70 MAXIMILIANO, 1954, p. 57.
71 MAXIMILIANO, loc. cit.
72 SILVA, 2007, p. 86.
23
mais, diminuiu os direitos e garantias individuais.73 Apesar da concentração dos
poderes nas mãos do Presidente da República, segundo observa Pontes de
Miranda, a Constituição de 1967 respeitou a imunidade parlamentar prevista nas
Constituições de 1934 e 1946, 74conforme se pode verificar no art. 34 da Carta em
comento “Os Deputados e Senadores são invioláveis no exercício de mandato, por
suas opiniões, palavras e votos”.75
No que se refere à imunidade formal, a Constituição de 1967 manteve o
pedido de licença a ser concedido pela Casa a que pertencer o parlamentar nos
casos de prisão ou de processo, mediante voto secreto. Esta regra também era
aplicada nos casos de concessão para integrar as forças armadas, de acordo com o
art. 34, § 3º e § 4º da Carta de 1967. 76 Entretanto, exceção era feita no caso do
Poder Judiciário solicitar o comparecimento do parlamentar como testemunha, e
este, sem motivo, não comparecia; tal fato fazia com que ele não fosse abrangido
pela imunidade, de acordo com o art. 34, § 5º da Constituição de 1967.77
Ao contrário das Constituições anteriores, exceto a de 1937, a Carta política
de 1967 limitou a liberdade de expressão, pois o indivíduo, independentemente da
ocupação que exercia não poderia opor-se, nem mesmo proferir opiniões, palavras
ou votos contrários segundo menciona Pontes de Miranda “ao Estado, todopoderoso que era”.78 Vejamos o que prevê o artigo 151 da Constituição de 1967,
abaixo descrito:
Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28
do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem
democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos
direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal
Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem
prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais
ampla defesa.79
73 Ibidem, p. 87.
74 MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.
t. 3, p. 5.
75 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
76 MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.
t. 4, p. 109.
77 Ibidem, t. 4, p. 107.
78 Ibidem, p. 634.
79 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao67.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
24
Em relação ao art. 151 descreve, ainda, Pontes de Miranda, in verbis: “[...]
somente os eleitos para os cargos federais é que estão incluídos na regra jurídica do
art. 151, parágrafo único, de jeito que as constituições estaduais não podem inserir
regra jurídica equivalente”.80
Por conseguinte, no intuito de negar a Constituição de 1967 fora
desencadeado no Congresso Nacional manifestações favoráveis a criação de uma
nova Constituição.81 Em 13.12.1962 fora editado o Ato Institucional n.º 5 rompendo a
ordem constitucional então vigente, e o Presidente que falecera ter sido substituído
pelos Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, que colaboraram para a
formação de um novo texto constitucional.82
1.2.8 Emenda constitucional n.º 1/1969
Diante do grande número de atos institucionais e complementares editados
durante a vigência da Constituição de 1967, segundo Pinto Ferreira correspondente
ao total de “dezessete atos institucionais e setenta e um atos complementares”83, foi
proposto que estes atos fossem reunidos em um único texto legal, assim surge a
Emenda Constitucional n.° 1/1969. Com efeito, José Afonso da Silva menciona que
a emenda n.º 1/1969 é considerada como uma nova constituição, afirmando o
entendimento majoritário da doutrina.84
No período marcado pelo regime militar, foram criadas forças contrárias ao
sistema de Governo vigente, assim foi desenvolvido um quadro social marcado pela
concentração, por um lado, dos oposicionistas ao regime ditatorial e do outro o
Estado repressor.85 Dentre os indivíduos que lutavam contra a concentração de
poder existiam os integrantes partidários do Movimento Democrático Brasileiro e até
mesmo da própria ARENA, bem como estudantes, sendo que todos estes tomavam
80 MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.
t. 5, p. 623.
81 FERREIRA FILHO, M. G. Comentários à Constituição Brasileira: emenda constitucional n. º 1
de 17 de outubro de 1969. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1, p. 33-39.
82 SILVA, 2007, p. 87.
83 FERREIRA, 1993b, p. 71.
84 SILVA, op. cit., p. 87.
85 Ibidem, p. 33-39.
25
às ruas no intuito de protestar contra o regime autoritário institucional.86
Quanto à imunidade parlamentar, essa ainda existe neste período, com
algumas alterações. A imunidade material nesse período fora restrita, assim como
ocorreu na Constituição de 1937. Como exemplo, tivemos o caso do Deputado
Márcio Moreira Alves do Movimento Democrático Brasileiro, que ao proferir discurso
no parlamento foi considerado injurioso pelas Forças Armadas. Assim, os militares
solicitaram licença para processar o Deputado em questão, pedido esse negado
pela Câmara.87 Em sinal de represália fora decretado recesso do Poder Legislativo
mediante ato complementar n.º 38, instituído pelo Poder Executivo, que assumiu as
atribuições do Poder Legislativo.88
Nesse período, o parlamentar que cometesse crimes contra a honra não teria
a inviolabilidade eficácia, mas tal garantia constitucional teria validade em relação à
opinião, palavras e votos, desde que proferidas no exercício do mandato, conforme
expressa o art. 32 do texto constitucional em estudo, o qual determinava que: “Os
deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões,
palavras e votos, salvo no caso de crime contra a honra”.89
O art. 32, § 3º estabelecia que: “Nos crimes comuns, imputáveis a deputados
e senadores, a Câmara respectiva, por maioria absoluta, poderá a qualquer
momento, por iniciativa da Mesa, sustar o processo”90, dispunha o artigo sobre a
imunidade formal, cuja previsão legal
permitia que a mesa da Câmara dos
Deputados sustasse o processo a qualquer momento por maioria absoluta nos
crimes comuns cometidos pelos parlamentares. A mudança em relação às demais
Constituições diz respeito ao fato dos parlamentares terem seu julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 32, § 4°. Completa o §5º que o
Procurador-Geral da República pode suspender o mandato do parlamentar, no caso
de crime contra a segurança nacional, até decisão final do Supremo Tribunal
86 FERREIRA FILHO, 1972, v. 1, p. 33-39.
87 Ibidem, p. 33-39.
88 FERREIRA FILHO, loc. cit.
89 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
Acesso em: 20 jul. 2007.
90 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda
Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
Acesso em: 20 jul. 2007.
26
Federal. 91
A Emenda Constitucional n.º 1/1969 não prevaleceu como sistema
constitucional brasileiro, pois os movimentos de revolta contra o sistema de Governo
autoritário, não tivera suas forças reprimidas, tendo em vista que o povo brasileiro
insatisfeito com o regime autoritário instalado, lutou pela prevalência do estado
democrático de direito, que conforme menciona José Afonso da Silva estava “em
busca do reequilíbrio da vida nacional”.92
Antes de tecer comentários sobre a Constituição de 1988, há que salientar
que por vários momentos da vigência das diversas Constituições brasileiras a
liberdade brasileira fora posta em risco, tendo em vista que em 1937, 1967 e com a
Emenda Constitucional n.º 1/1969 prevaleceu um regime autoritário devido a
concentração do poder nas mãos do Presidente da República. Assim, a
independência do Poder Legislativo não foi realizada efetivamente nas Cartas
Políticas citadas e nem mesmo prevaleceu a soberania popular, pois os Deputados
e Senadores não podiam defender de forma livre o interesse do povo.
Por outro lado, as Constituições de 1934, 1946 e 1891, não limitaram a
predominância da imunidade material. Portanto, os representantes do povo tinham
livre manifestação do pensamento, podendo exercer seus mandatos de maneira a
garantir a independência do Poder Legislativo, evidenciando os ideais defendidos no
século XVIII.
1.2.9 Constituição de 1988
Assim a Emenda Constitucional n.º 26/1985, proposta pelo Presidente José
Sarney, reuniu os parlamentares com o fito de deliberarem sobre uma nova
constituição brasileira capaz de assegurar os clamores sociais.93 Nasce, portanto, a
Constituição de 1988 que em suas disposições foi capaz de garantir a teoria da
repartição de poderes, que conforme demonstrado no estudo acima não prevaleceu
em alguns momentos do constitucionalismo brasileiro. Assim, com a nova
91 KURANAKA, 2002, p. 111.
92 SILVA, 2007, p. 88.
93 SILVA, 2007, p. 89.
27
Constituição a imunidade material, muitas vezes, limitada pelas Constituições
ditatoriais garantiu a liberdade de expressão dos parlamentares, e além do mais por
meio da imunidade formal, ficou estabelecido que os parlamentares não seriam
presos, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, a fim de evitar que prisões
arbitrárias fossem realizadas, dentre outras previsões.
Vale salientar que os próximos capítulos esboçam de maneira detalhada o
instituto da imunidade parlamentar a ser desenvolvido com base na Constituição de
1988 e nas alterações trazidas pela Emenda Constitucional n.º 35/ 2001.
28
CAPÍTULO 2 - IMUNIDADE PARLAMENTAR
2.1 A imunidade parlamentar na carta de 1988
A Constituição de 1988 assegurou aos parlamentares a imunidade material e
formal por meio do Estatuto dos Congressistas que segundo José Afonso da Silva
significa “conjunto de normas constitucionais que estatui o regime jurídico dos
membros do Congresso Nacional”.94 O Estatuto dos Congressistas está previsto nos
arts. 53 ao 56 da Carta Magna, sendo que a imunidade parlamentar objeto dessa
dissertação tem sua previsão no art. 53 da referida Carta Política.
2.2
A imunidade material
A imunidade material tem sua previsão no caput do art. 53 da Constituição
Federal, que assim prescreve: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”95
A doutrina especializada utiliza-se de diversas expressões para nomear a
imunidade material. Assim, enquanto Raul Machado Horta associa a referida
nomenclatura à imunidade real, inviolabilidade ou irresponsabilidade,96 Mirabete
anota que a imunidade material pode ser identificada como imunidade substantiva,
absoluta
ou
simplesmente
como
inviolabilidade.97
Apesar
das
diversas
denominações, vale registrar que este estudo fará referência ao termo genérico
imunidade material, pois desta forma tal expressão foi utilizada desde as
constituições anteriores para designar que os parlamentares teriam assegurada sua
liberdade de expressão.
94 SILVA, 2007, p. 535.
95 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 18 jul. 2007.
96 HORTA, 1968, p. 35.
97 MIRABETE, J. F. Manual de direito penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 83.
29
Em relação ao conceito da imunidade material, Horta a define como sendo o
instituto que visa proteger os membros do Poder Legislativo por suas palavras,
opiniões e votos proferidos no exercício do mandato.98 Em sentido semelhante
Carlos Maximiliano menciona o instituto como sendo “[...] prerrogativa que assegura
a mais ampla liberdade da palavra, no exercício das funções, e os protege contra
abusos e violências por parte dos outros poderes constitucionais”. 99
A imunidade material impede a propositura de ação penal ou civil contra
Deputados e Senadores por quaisquer de suas palavras, votos e opiniões, de
acordo com o caput do art. 53 da Constituição Federal. Portanto, os parlamentares
não respondem por crimes de opinião, por delitos contra a honra, incitação ao crime,
apologia ao crime, dentre outros, previstos no Código Penal. Para Mirabete, os
congressistas são imunes “pelos ilícitos definidos na Lei de Imprensa, na Lei de
Segurança Nacional ou em qualquer outra lei penal especial”.100
2.2.1
Objeto da imunidade material
Segundo Horta, o objeto da imunidade parlamentar está relacionado “à
proteção do Poder Legislativo e ao exercício independente do mandato
representativo”.101 Com isso, os Deputados e Senadores, por meio de suas palavras,
votos e opiniões, defendem os interesses de suas respectivas Casas Legislativas e
garantem a livre manifestação de suas idéias contra os abusos e pressões dos
outros Poderes do Estado, garantindo a relação harmônica entre as instituições do
governo.102
2.2.2 Da natureza jurídica do instituto
Em relação à natureza jurídica da imunidade material, vale registrar que os
doutrinadores não a define de forma homogênea, conforme se pode verificar a
98 HORTA, R. M. Direito constitucional. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 581.
99 MAXIMILIANO, 1948, v. 2, p. 44-45.
100 MIRABETE, 2004, p. 84.
101 HORTA, 1968, p. 31.
102 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição Brasileira de 1891. Rio de Janeiro: Jacinto
Ribeiro dos Santos, 1973, p. 290.
30
seguir: (a) André Ramos Tavares considera a imunidade material como exclusão do
próprio crime;103 (b) Manoel Gonçalves Ferreira Filho expõe que o instituto em
análise exclui a antijuridicidade em relação ao exercício do mandato;104 (c) José
Afonso da Silva menciona que a inviolabilidade exclui o cometimento do crime;105 (d)
Para Antônio Edying Caccuri, a imunidade material constitui uma prerrogativa, a qual
põe a salvo o parlamentar de qualquer incriminação;106 (e) Luis Alberto e Vidal
Serrano observaram que a imunidade material exclui a responsabilidade penal;107 (f)
Aníbal Bruno relata como sendo causa pessoal de isenção de pena;108 (g) Vicente
Sabino Júnior entende que a imunidade material significa causa de exclusão de
criminalidade;109 (h) Para Magalhães Noronha, a imunidade material revela uma
causa de irresponsabilidade;110 e, (i) Heleno Fragoso define como causa pessoal de
exclusão de pena.111
O Supremo Tribunal Federal através do inquérito 2.282/DF, publicado em
24/11/2006, entendeu que a natureza jurídica da imunidade material está
relacionada a exclusão de crime, pois, segundo voto do Ministro Carlos Britto, não
se pode falar que existe crime no caso em que seja válida a imunidade material, pois
a inviolabilidade é excludente de crime, ou seja, “[...] quem está coberto pela
inviolabilidade não comete crime”.112 Portanto, conforme defende Raul Machado
Horta “a inviolabilidade se relaciona com atos funcionais e exclui, para tais atos, a
qualificação criminal”.113
2.2.3 Características da imunidade material
103 TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1077.
104 FERREIRA FILHO, M. G. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 176.
105 SILVA, 2007, p. 535.
106 CACCURI, A. E. Imunidades parlamentares. Revista de Informação Legislativa, São Paulo,
ano 19, n. 73, p. 51, jan.-mar. 1982.
107 ARAÚJO, L. A. D.; NUNES JÚNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 357.
108 BRUNO, A. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152.
109 SABINO JÚNIOR, V. Direito penal: parte geral. São Paulo: Sugestões Literárias, 1967, p. 103.
110 NORONHA, E. M. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 90.
111 FRAGOSO, H. C. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 130.
112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno - Inquérito n.º 2282-9/DF. Autor Allan Kardec Ribeiro
Galardo. Indiciado Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ
de 24.11.2006. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 15 ago. 2007.
113 HORTA, 2002, p. 581.
31
Horta lembra que a imunidade material é absoluta, permanente e de ordem
pública.114 Com base nessa classificação, essas características serão analisadas de
acordo com a ordem exposta pelo autor.
Assim, para que o parlamentar desempenhe suas funções institucionais de
maneira independente foi garantida a total irresponsabilidade penal e civil por suas
palavras, opiniões e votos, desde que sejam proferidas no exercício do mandato e
em razão deste. Evidencia-se, assim o caráter absoluto do instituto.115
Com efeito, tal garantia tem seu início a partir da diplomação do parlamentar,
de acordo com o art. 53, § 1º da Constituição Federal, sendo que mesmo após o
término do mandato não pode, o congressista, ser responsabilizado por suas
palavras, opiniões e votos;116 pois, segundo observa Mirabete, a inviolabilidade é
garantia inerente ao mandato e tem como característica sua duração perpétua no
tempo.117 Considera-se, ainda, tal prerrogativa como sendo de ordem pública, ou
seja, sua finalidade pressupõe satisfazer o interesse da sociedade brasileira, motivo
pelo qual não cabe ao parlamentar renunciá-la, pois a imunidade material não visa a
obedecer aos interesses individuais.118
Vale destacar que a total irresponsabilidade penal e civil não pressupõe que o
parlamentar ficará imune às sanções disciplinares previstas no Regimento Interno,
pois, observa Carlos Maximiliano, “[...] a imunidade é uma garantia contra influência
ou ingerências exteriores; não contra a ação preventiva ou repressiva da Mesa”.119
Portanto, de acordo com a doutrina dominante, a imunidade material abrange a
esfera civil e penal.120 Em sentido contrário e de maneira minoritária, Alexandre de
Moraes menciona que a imunidade material estende-se à esfera civil e penal e,
ainda, o parlamentar não poderia sofrer “nenhuma sanção disciplinar”.121
O Constituinte de 1988, com o propósito de garantir a autonomia para cada
Casa do Congresso Nacional, estabeleceu que caberia à Câmara e ao Senado a
114 HORTA, 2002, p. 582.
115 KURANAKA, 2002, p. 120.
116 HORTA, op. cit., p. 582.
117 MIRABETE, 2004, p. 84.
118 MORAES, A. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 409.
119 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição Brasileira de 1891. Rio de Janeiro: Jacintho
Ribeiro dos Santos, 1918, p. 294.
120 SILVA, 2007, p. 535. No mesmo sentido entendem Raul Machado Horta (2002, p. 582), André
Ramos Tavares (2007, p. 1078), Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2006, p. 176), Luiz Alberto David e
Vidal Serrano (2006, p. 344).
121 MORAES, 2006, p. 407.
32
função privativa de elaborar seus Regimentos Internos, conforme estabelecem os
art. 52, XII e art. 51, III da Constituição Federal. Convém lembrar que o art. 59, VII
da Constituição Federal, dispõe que o Regimento Interno será instituído através de
Resolução, cuja promulgação dar-se-á por determinação do Presidente da
respectiva Casa.122 Assim, o Regimento Interno do Senado Federal, em seu art. 19,
I, dispõe que fica vedado ao Senador usar expressões descorteses e insultuosas em
suas manifestações por meio de palavras, opiniões e votos. Caso não prevaleça a
referida regra caberá ao Presidente da respectiva Casa utilizar-se das medidas
disciplinares previstas no art. 22 do regimento respectivo, in verbis:
Art. 22. Em caso de infração do art. 19, I, proceder-se-á da seguinte
maneira:
I – o Presidente advertirá o Senador, usando da expressão “Atenção!”;
II – se essa observação não for suficiente, o Presidente dirá “Senador F...,
atenção!”;
III – não bastando o aviso nominal, o Presidente retirar-lhe-á a palavra;
IV – insistindo o Senador em desatender às advertências, o Presidente
determinará sua saída do recinto, o que deverá ser feito imediatamente;
V – em caso de recusa, o Presidente suspenderá a sessão, que não será
reaberta até que seja obedecida sua determinação.123
Entretanto, em caso de reincidência da desobediência ao art. 22, IV será
considerado desacato ao Senado, conforme art. 23 do regimento interno em
questão, fato que constituirá relatório do acontecido a ser deliberado pela Mesa, de
acordo com o art. 24, II do Regimento Interno. Desse modo, a Mesa decidirá pelo
arquivamento do relatório ou pela formação de comissão, conforme prevê o art. 24,
II alíneas “a” e “b” do referido Regimento. Formada a comissão, seu relator irá
propor “censura pública ao senador” ou “instauração de processo para a perda do
mandato”, de acordo com o art. 24, V, alíneas “a” e “b” da norma supra mencionada.
Em relação à aplicabilidade das sanções aos parlamentares que forem contra
o decoro parlamentar, há previsões expressas no Código de Ética e Decoro
Parlamentar, Resolução n.º 25/2001, conforme faz alusão o art. 244 do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados. Nesse sentido, o art. 4º, I, da Resolução
25/2001, descreve conduta punida com a perda do mandato, a ver:
Art. 4 Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar,
puníveis com a perda do mandato:
I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do
122 SOARES, O. Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 380.
123 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Regimento interno: Resolução nº 93, de 1970. Brasília:
Senado Federal, 2007. v. 1. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf> Acesso em: 20 jul. 2007.
33
Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);124
Caso o deputado tenha conduta que resulte em agressões físicas ou ofensas
morais contra outro parlamentar, de acordo com o art. 5.º, III da Resolução em
análise, poderá, também, sofrer punições como o descrito pelo art. 10 da Resolução
25/2001, abaixo:
Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória
ou incompatível com o decoro parlamentar:
I - censura, verbal ou escrita;
II - suspensão de prerrogativas regimentais;
III - suspensão temporária do exercício do mandato;
IV - perda do mandato.125
Portanto, a possibilidade de sanção disciplinar prevista no Regimento Interno
das Casas Legislativas não visa descaracterizar a liberdade intelectual do
parlamentar na defesa de suas idéias, pois tem como fundamento garantir que a
missão institucional de zelar pelo interesse da sociedade seja obedecida. A
imunidade garante, na verdade, que o parlamentar seja imune aos ataques
repressores de outros poderes.126
Alcino Pinto Falcão pondera que a imunidade parlamentar destina-se a
assegurar a Câmara e não o seu membro, pois considera que este é um mero
beneficiário.127 Tendo em vista que a imunidade material pertence ao cargo e aos
atos funcionais conexos a ele, o instituto não assegura particularmente o indivíduo
que foi eleito.128 Nesse sentido, preleciona Carlos Maximiliano que “a imunidade
parlamentar foi estabelecida por motivos políticos, tendo em vista o interesse
público, e não o particular; não constitui direito subjetivo, e sim objetivo; não é
privilégio individual, fizeram-na prerrogativa de uma coletividade independente e
vigilante”.129 Assim, o parlamentar não pode renunciar ao instituto, uma vez que não
pertence a ele a prerrogativa, mas ao Poder Legislativo.
Conforme o entendimento dado pelo Inquérito n.º 510-0/143/DF130, com voto
124 BRASIL. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação - Legislação
Informatizada. Resolução da Câmara dos Deputados nº 25, de 2001. Institui o Código de Ética e
Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 26
out. 2001. Suplemento, p. 4 (Republicação). Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/legin.html/textos/visualizarTexto.html?ideNorma=32049
6&seqTexto=36619&PalavrasDestaque=>. Acesso em: 20 jul. 2007.
125 BRASIL, loc. cit.
126 VERONESE, 2006, p. 75
127 FALCÃO, A. P. Da imunidade parlamentar. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955, p. 15.
128 HORTA, 2002, p. 584.
129 MAXIMILIANO, 1948, v. 2, p. 55.
130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno-Inquérito n.º 510/DF. Autor Max Freitas Mauro.
Indiciado Gerson Camata. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ de 14.4.1991, p. 92. Disponível em:
34
do Ministro Celso de Mello, podemos enfatizar que a imunidade material constitui
prerrogativa de caráter institucional e não subjetiva, a qual visa garantir a
independência do Poder Legislativo. Sendo assim, o instituto vale em razão do cargo
e do exercício do mandato, não podendo em razão disso o parlamentar renunciar tal
imunidade.
2.2.4 Da abrangência da imunidade material
A imunidade material apresenta dois aspectos: o formal e o material. O
aspecto formal do instituto está relacionado a sua abrangência espacial, fato que
não causa polêmica na doutrina, pois conforme entendimento unânime a
inviolabilidade estende-se aos atos funcionais praticados dentro ou fora do
parlamento. No entanto, a doutrina ao tratar do aspecto material, ou seja, sobre a
abrangência da inviolabilidade em relação às atividades parlamentares não é
homogênea.131 Dessa forma, o presente estudo foi direcionado apenas para a
limitação material da inviolabilidade.
A doutrina em questão, ao tratar sobre o aspecto material do instituto, propõe
dois posicionamentos. De um lado existe uma corrente majoritária favorável ao
entendimento de que a imunidade material abrange os atos funcionais realizados no
exercício do mandato, bem como aqueles exercidos em função das matérias de
cunho institucional. Em sentido contrário, uma corrente minoritária defende que o
instituto estende-se as atividades parlamentares que não estejam diretamente
ligadas ao exercício do mandato e até mesmo aqueles atos praticados sem a
convocatória da respectiva Casa Legislativa, utilizam como fundamento de suas
argumentações a supressão, pela Carta Política de 1988, da expressão “no
exercício do mandato”.132
De acordo com a linha de raciocínio da corrente majoritária, Carlos
Maximiliano entende que palavras, votos e opiniões, mesmo quando manifestados
de maneira escrita ou oral ficam limitados ao exercício do mandato, ainda que
ocorram dentro ou fora do Parlamento. Evidencia, ainda, que o instituto abrange as
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 20 jul. 2007.
131 KURANAKA, 2002, p. 124.
132 DOTTI, R. A. Imunidade parlamentar. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.
22, n. 6, p. 278-279, abr./jun. 1998.
35
funções dos parlamentares exercidas em razão de suas atribuições nas comissões
investigativas exemplificam a atividade extraparlamentar, a qual é protegida pela
inviolabilidade. Com isso, palavras, opiniões e votos proferidos em palestras,
comícios, meetings, não ligados a discussões tratadas em suas Casas Legislativas,
sujeitariam o parlamentar a processo criminal e cível.133
Pontes de Miranda, também, afirma que a imunidade material está restrita
àquilo que o parlamentar discursa ou escreve no exercício do mandato, nas suas
respectivas Casas ou até mesmo fora delas, desde que a serviço do Parlamento.
Assim sendo, o deputado ou o senador não poderá responder a processo. Porém,
caso o parlamentar pronuncie em debates ou escreva em jornais ou livros algo que
não esteja relacionado à matéria disciplinada pela Câmara, este responderá a
processo criminal.134 Da mesma maneira, Horta expõe que a imunidade parlamentar
protege o parlamentar por suas palavras, opiniões e votos, desde que proferidos no
exercício do mandato.135
Em sentido contrário, representando a corrente minoritária, Duguit, autor
citado por Horta, anota que a inviolabilidade não alcança apenas os atos praticados
pelos parlamentares no exercício de suas atribuições, mas também as reuniões com
os seus eleitores, os pronunciamentos feitos sem relação com matérias tratadas no
Parlamento.136 Nesse mesmo sentido, Nelson Jobim, por meio do Inquérito 5100/143/DF, observou que o texto constitucional ao suprimir a expressão “no exercício
do mandato” objetivou ampliar a abrangência da imunidade material, pois, para o
Ministro “[...] a atividade política dos parlamentares abrange uma gama de funções e
tarefas de natureza vária. É nos partidos, cuja responsabilidade é maior que a dos
parlamentares; é nas eleições; é nos debates na mídia, etc”.137
Todavia, ficou firmado que apesar de a Constituição não prever a expressão
“no
exercício
do
mandato”,
palavras,
opiniões
e
votos
proferidos
pelos
parlamentares devem ter ligação com o exercício do mandato. 138 A respeito disso, o
Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que os discursos
133 MAXIMILIANO, C. Comentários à Constituição Brasileira de 1981. Rio de Janeiro: Jacinto
Ribeiro dos Santos, 1973, p. 293.
134 MIRANDA, P. de. Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1953. t. 1, p. 485.
135 HORTA, 1968, p. 35.
136 DUGUIT apud HORTA, 2002, p. 583.
137 DOTTI, 1998, p. 280.
138 MORAES, 2006, p. 408.
36
parlamentares, realizados fora de suas respectivas Casas, porém em razão de
assuntos lá tratados, são abrangidos pela imunidade material, evidenciando, assim,
a necessidade de nexo causal entre as manifestações parlamentares e o
desempenho das suas atribuições institucionais relacionadas às matérias discutidas
no Parlamento.139
Com relação ao depoimento prestado pelo parlamentar nas Comissões
Parlamentares de Inquérito, observa Alexandre de Moraes que os deputados e
senadores têm suas manifestações abrangidas pela imunidade material, bastando
que seja comprovado o nexo causal entre suas manifestações e a atividade
parlamentar.140
No que diz respeito à expressão “quaisquer” trazida pela Emenda
Constitucional n.º 35/2001 prevista no art. 53 da Carta Magna, prepondera André
Ramos Tavares sobre o perigo que ela pode trazer, tendo em vista que se analisada
em seu sentido literal conota a idéia de ser o parlamentar absolutamente inviolável,
mesmo que seja fora do exercício de seu mandato. 141 Contudo, a limitação em
relação à extensão da imunidade parlamentar acima citada, vale também para a
expressão “quaisquer” usada no art. 53 da Constituição Federal, pois a atividade
parlamentar quando manifestada dentro ou fora do Parlamento, deve estar ligada ao
exercício do mandato, bem como ser exercida em razão da matéria de interesse do
Poder Legislativo; nesse sentido, observa Horta, que o acréscimo, pela Emenda
Constitucional n.º 35/2001, da referida expressão na supramencionada Emenda são
“[...] alterações que nada acrescentam a peculiar extensão da proteção dispensada
às opiniões, palavras e votos pela inviolabilidade assegurada aos Deputados e
Senadores”.142
Portanto, pode-se depreender da corrente majoritária e da jurisprudência dos
tribunais que ambos são favoráveis ao entendimento de que a imunidade material
abarca as manifestações ocorridas dentro ou fora do parlamento, devendo, no
entanto, guardar relação com o exercício do mandato e, no que tange as
manifestações extraparlamentares, devem estas, necessariamente, guardar relação
139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- Inq-AgR 874/BA. Relator: Ministro Carlos Velloso.
DJ
de
26.05.1995.
Disponível
em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 14 jul. 2007.
140 MORAES, op. cit., p. 409.
141 TAVARES, 2007, p. 1078
142 HORTA, 2002, p. 600.
37
com as matérias institucionais.
2.3
Da imunidade formal
Na lição de Pinto Ferreira, a imunidade formal compreende a proteção
conferida ao deputado ou senador contra abusos e violências por parte dos outros
poderes do Estado, bem como proteger o sistema representativo e a independência
entre os poderes, evitando, com isso, que ocorram prisões arbitrárias e processos
tendenciosos.143
A nomenclatura estabelecida para a imunidade formal também pode ser
escrita pela doutrina como imunidade processual, relativa, improcessabilidade ou até
mesmo imunidade propriamente dita.144 Vale salientar que as diversas expressões
usadas para designar a imunidade formal possuem o mesmo significado, ou seja,
visam garantir que o parlamentar não seja retirado do exercício de suas funções por
inimizades políticas ou divergências ideológicas.
A imunidade formal está prevista no art. 53, § 1º ao § 5º da Carta Política de
1988, que assim dispõem:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional
não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre
a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo
voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa
Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o
mandato. 145
143 FERREIRA, P. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 398.
144 MIRABETE, 2004, p. 83.
145 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição
Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 19 jul. 2007.
38
Ao contrário do que acontece com a imunidade material, o instituto em análise
“não exclui o crime, antes o pressupõe, mas impede o processo”, segundo menciona
José Afonso da Silva.146 Portanto, ao analisar a imunidade formal devemos observála em relação à prisão, prerrogativa de foro e ao processo, mas antes disso serão
considerados o objeto, a natureza jurídica e as características do instituto.
2.3.1
Do objeto e natureza jurídica da imunidade formal
A imunidade formal guarda relação consoante anota Horta com os “atos
estranhos” ao exercício do mandato, ao contrário da imunidade material, a qual
guarda relação com os atos funcionais dos parlamentares no exercício do
mandato.147 Para tanto o Constituinte de 1988 assegurou conforme dispõe o art. 53,
§ 2.º que o parlamentar não será preso, salvo nos casos de prisão em flagrante de
crime inafiançável, bem como permitiu a suspensão do andamento da ação.148
A imunidade formal possui natureza jurídica processual, pois não tem como
finalidade o referido instituto impedir a aplicação da norma penal, mas sim viabilizar
que o processo criminal contra o deputado ou senador, por crimes comuns
cometidos após a diplomação, seja paralisado até o término do mandato.149
2.3.2 Das características da imunidade formal
A imunidade formal tem como característica amparar o interesse público, ou
seja, o parlamentar no desempenho de suas atribuições, uma vez que este
desempenha o interesse da sociedade e age em prol desta. Assim, o poder de
legislar não pode ser interrompido em função de processo arbitrário, ensejando com
isso o caráter público do instituto.150 Dessa maneira, a imunidade formal, assim como
a material não diz respeito a um direito subjetivo, ou seja, não existe em razão da
146 SILVA, J. A. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 420.
147 HORTA, 1968, p. 35.
148 SILVA, op. cit., p. 419.
149 MIRANDA, 1953, t. 1, p. 484.
150 MORAES, A. Constituição do Brasil interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 1069.
39
pessoa do parlamentar, mas sim em função do Parlamento, que, segundo Mirabete,
é o titular da imunidade parlamentar.151
Conforme observa Horta a imunidade formal ao contrário da imunidade
material é temporária, ou seja, possui eficácia temporal limitada, pois tem início e fim
estabelecidos pela Constituição.152 De acordo com o art. 53, § 5º da Constituição
Federal a sustação do processo contra o parlamentar será válida enquanto durar o
mandato do deputado ou senador.
De acordo com José Afonso da Silva153 o instituto em questão possui caráter
relativo, pois anota que o parlamentar ao praticar crime comum terá um processo
instaurado contra ele, após o recebimento da denúncia sem depender da licença de
sua respectiva Casa. Observa, ainda, que mesmo que seja concedida a sustação do
processo, o parlamentar, ao final de seu mandato responderá pelo crime que
cometeu, pois a imunidade formal não exclui o crime, apenas impede o processo.
Portanto, conforme a imunidade formal, o parlamentar será processado de
qualquer maneira como os demais cidadãos brasileiros, salvo quando estiver
exercendo seu mandato, pois o processo neste período poderá ser suspenso até o
final do mandato do parlamentar, diferentemente da imunidade material a qual
persiste mesmo após o término do mandato parlamentar. Outra característica da
inviolabilidade consiste no fato desta excluir o crime, portanto sendo impossível a
formação de processo, desde que observada às condições já elencadas quando
falamos do instituto, ao contrário da imunidade formal que não impede a aplicação
da regra penal.
Feitas as considerações acima serão comentados assuntos relacionados a
prisão, prerrogativa de foro e processo do parlamentar, pois conforme fora dito a
imunidade formal deve ser analisada sobre esses aspectos.
2.3.3 Prisão do parlamentar
O art. 53, § 2º da Constituição Federal dispõe que os parlamentares não
poderão ser vítimas de atos que cerceiam sua liberdade, assim, a imunidade formal
151 MIRABETE, 2004, p. 83.
152 HORTA, 1968, p. 35.
153 SILVA, 2005, p. 420.
40
aplicar-se-á aos deputados e senadores nos casos de prisão penal e civil, salvo
flagrante de crime inafiançável. Portanto, não poderá ser decretada a prisão do
parlamentar por ser depositário infiel, e nem mesmo quando for devedor de
alimentos, a fim de garantir que sua liberdade funcional não seja prejudicada.154
Convém ressaltar que os congressistas não terão sua prisão decretada no
período correspondente ao início de sua diplomação até o término de seu mandato,
de acordo com o art. 53, § 1º da Constituição Federal, salvo nos casos de flagrante
de crime inafiançável.
Segundo argumenta Moraes155, o parlamentar não terá decretada, salvo no
caso de flagrante de crime inafiançável, “qualquer tipo de prisão processual ou
penal”, seja ela provisória, definitiva ou civil. Em especial, comenta o autor, que não
é possível a prisão do parlamentar em função de decisão judicial com trânsito em
julgado, pois, para ele, a Constituição permitiu apenas a sua prisão em caso de
flagrante de crime inafiançável. Em razão disso, entende que conceder a
possibilidade de prisão em razão de sentença transitado em julgado seria uma
distorção ante o preceito de independência do Poder Legislativo.
Em sentido contrário entende o Supremo Tribunal Federal, pois considera
admissível a execução de penas privativas de liberdade em caráter definitivo, sendo,
portanto, favorável a possibilidade de ser decretada a prisão de parlamentar em
razão de decisão judicial com trânsito em julgado, de acordo com a Revista
Trimestral de Jurisprudência n.º 70/607.156
Nos casos em que o deputado ou senador cometer crimes que sejam
passíveis de liberdade provisória, conforme observa José Afonso da Silva157, estes
não podem ser presos, pois teriam de obedecer à mesma regra dos crimes
afiançáveis, de acordo com o art. 5º, LXVI da Constituição Federal. Em sentido
semelhante observa Mirabete158 que não haverá prisão do parlamentar quando este
tiver praticado crime afiançável.
Todavia, com relação ao flagrante de crime inafiançável, o parlamentar
poderá ser preso. Neste caso, os autos deverão ser remetidos à Casa a que ele
154 MORAES, A. de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 1069.
155 MORAES, op. cit., p. 1070.
156 MORAES, 2005, p. 1070.
157 SILVA, 2005, p. 420.
158 MIRABETE, 2004, p. 85.
41
pertence no prazo de vinte e quatro horas para que esta delibere por voto da maioria
absoluta de seus membros a respeito da admissibilidade ou não da prisão.
Preleciona Moraes159 que a imunidade formal será aplicada no caso de flagrante de
crime inafiançável de forma a depender da decisão da respectiva Casa aceitar ou
não a prisão, de acordo com o art. 53, § 2.º da Constituição Federal.
O Regimento Interno do Senado Federal, no que diz respeito à prisão no caso
de flagrante de crime inafiançável, prevê no art. 291, I, alínea “c” que a deliberação
sobre a prisão do parlamentar, bem como a autorização para a formação de culpa
será mediante votação secreta da respectiva Casa.
Não obstante, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados dispõe que no
caso de prisão por flagrante de crime inafiançável, caberá a Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania ordenar a apresentação à Câmara do
parlamentar preso, que permanecerá sob a custódia desta até o pronunciamento
sobre o relaxamento ou não de sua prisão, conforme art. 251, I, alínea “a” do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
2.3.4 Prerrogativa de foro do parlamentar
A prerrogativa de foro tem como objeto a proteção do mandato parlamentar.
Consiste na garantia de que os deputados e senadores serão julgados e
processados perante o Supremo Tribunal Federal, conforme previsto pelo art. 53, §
1º da Constituição Federal. Essa prerrogativa pode ser entendida como uma
garantia constitucional em favor do cargo exercido pelo parlamentar quando esse,
segundo o entendimento do Ministro Celso de Melo160, “sofre persecução penal
instaurada pelo Estado”.
Nesse sentido, Moraes161 argumenta que a prerrogativa de foro estende-se as
infrações penais comuns estabelecidas no art. 102, I, alínea “b” da Carta Política de
1988, sendo válida quando existir a “atualidade do mandato”. Com maior
abrangência tratou o Supremo Tribunal Federal sobre esse tema, de acordo com o
159 MORAES, op. cit., p. 1070.
160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- Inquérito n.º 1376-4/MG. Relator: Ministro Celso de
Mello. Agravante Vittorio Medioli. Agravado Ministério Público Federal. DJ de 16. 03. 2007. Disponível
em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 12 ago. 2007.
161 MORAES, 2005, p. 1064.
42
Informativo do Supremo Tribunal Federal n.º 153, entendeu que a prerrogativa de
foro deve ser aplicada quando o parlamentar cometer infrações penais, eleitorais e
até mesmo contravenções penais.
Tendo em vista que a imunidade formal tem sua eficácia temporal iniciada
com a diplomação do parlamentar e finda com o término do mandato, convém
esclarecer que o término do exercício da função legislativa faz com que os autos
referentes à prática de crime comum sejam enviados ao juízo de primeiro grau.162
Assim, a Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal foi cancelada, pois concedia à
prerrogativa de foro a ex-parlamentares, e, segundo menciona Damásio de Jesus163,
esta concessão viola o princípio da igualdade e do Estado democrático, haja vista
que não mais se encontram, os parlamentares, em exercício de mandato.
Ainda, o Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula 451 definiu que não
se estenderia a competência especial por prerrogativa de função ao crime cometido
após a cessação definitiva do exercício funcional.
2.3.5 Do processo contra o parlamentar
A proteção conferida pela imunidade formal objetiva garantir que, no
desempenho de suas atribuições, os parlamentares não sejam intimidados por
processos que tenham como motivação, segundo anota Horta, “[...] rancor pessoal
ou paixão política”, que podem conotar a intenção de ferir a independência do
congressista no desempenho das funções típicas e atípicas do Poder Legislativo.
Outro fundamento utilizado para explicar a necessidade da aplicação da imunidade
formal diz respeito ao fato de o parlamentar não ser afastado do desempenho de
seu mandato por qualquer razão, exceto quando houver “motivo grave” 164.
Moraes165 explica que a imunidade formal no que tange ao processo do
parlamentar tem seu começo a partir do vinculum iuris estabelecido entre o eleitor e
o congressista, o qual estabelece que o parlamentar integra ao corpo do Estado
como agente público, sendo conhecido esse vínculo como diplomação. Deste modo,
a imunidade formal só terá efeito após a diplomação.
162 MORAES, loc. cit.
163 JESUS, D. E. Código de processo penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 114.
164 HORTA, 2002, p. 587.
165 MORAES, 2005, p. 1073.
43
Todavia, o art. 53, § 3.º da Constituição Federal com a alteração feita pela
Emenda Constitucional n.º 35/2001 prevê que o processo criminal será iniciado sem
a necessidade da licença da respectiva Casa. Ou seja, quando proposta a ação
penal contra o parlamentar por este ter cometido crimes após a diplomação cabe ao
Supremo Tribunal Federal ao receber a denúncia ou a queixa-crime instaurar o
processo criminal e apenas comunicar a Casa a que pertence o congressista sobre
a ação.166
Porém, o Supremo Tribunal Federal ao receber a denúncia dará ciência à
Casa a que pertence o parlamentar e, por iniciativa do partido político, desde que
este tenha representação em sua respectiva Casa, mediante voto da maioria
absoluta de seus membros, pode determinar que o processo criminal contra o
parlamentar seja suspenso até o término do seu mandato, de acordo com o art. 53,
§ 3.º da Constituição Federal. Vale destacar que o pedido de sustação deve ocorrer
antes da decisão final do Supremo Tribunal Federal, pois proferida esta, conforme
observa José Afonso da Silva, não será admitida a suspensão do processo
criminal.167 Assim, a Casa Legislativa a que pertence o congressista, desde o
recebimento, pela Mesa Diretora, do pedido de sustação do processo criminal contra
parlamentar feito pelo partido político com representação nesta, terá o prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias para votar a respeito da procedibilidade ou
não do pedido de sustação, conforme art. 53, § 4.º da Constituição Federal. Dessa
forma, caso seja concedida a sustação do processo criminal a Constituição Federal
por meio do art. 53, § 5.º estabeleceu que a prescrição também deverá ser suspensa
até o fim do mandato parlamentar. A finalidade da previsão legal do artigo em
questão baseia-se na tentativa do Constituinte de 1988 evitar a impunidade.
Em relação ao inquérito policial ou ação penal ocorridos contra o parlamentar,
antes da diplomação, vale ressaltar que não ensejará a aplicação da imunidade
formal no que diz respeito ao processo. Caberá apenas a delegação de competência
ao Supremo Tribunal Federal para julgar e processar o deputado ou senador,
enquanto durar o mandato.168
166 SILVA, 2005, p. 420.
167 Ibidem, p. 421.
168 MORAES, 2005, p. 1072.
44
2.3.6 Obrigação de testemunhar do parlamentar
Em regra, os deputados e senadores devem prestar depoimentos que sejam
essenciais à instrução do processo criminal ou cível.169 Contudo, não são obrigados
a testemunhar acerca de “informações recebidas ou prestadas em razão do
exercício do mandato” e nem mesmo sobre as pessoas que confiaram ou receberam
informações, conforme o previsto no art. 53, § 6.º da Constituição Federal. Tal
previsão legal objetiva assegurar a fonte utilizada pelo parlamentar para recolher
informações importantes que sejam relevantes ao interesse público.170
Assim, quando o parlamentar for convocado para comparecer à Justiça este
ato deverá acontecer mediante convite com hora e data marcada, sendo que o
convite deverá ser compatível com as atividades realizadas pelo parlamentar, a fim
de evitar que seu desempenho institucional seja prejudicado.171
2.3.7 A imunidade e o estado de sítio
O art. 53, § 8.º da Constituição Federal prevê que os parlamentares durante o
Estado de Sítio não terão suas imunidades interrompidas. No entanto, as
prerrogativas parlamentares poderão ser suspensas mediante voto de dois terços
dos membros da Casa respectiva, quando seus atos forem exercidos fora do recinto
do Congresso Nacional e incompatíveis com a execução da medida.
Horta172 defende a extensão da imunidade formal ao parlamentar na vigência
do Estado de Defesa, apesar da Constituição Federal não fazer nenhuma referência,
pois para ele esta medida extraordinária possui o mesmo objetivo da medida de
Estado de Sítio prevista no art. 53, § 8.º da Carta Política de 1988, tendo em vista
que ambas possuem normas gerais que são aplicáveis em casos excepcionais, de
acordo com o art. 140 da Constituição Federal.
169 SILVA, 2005, p. 421.
170 MORAES, 2005, p. 1081.
171 SILVA, op. cit., 421.
172 HORTA, 2002, p. 601.
45
2.3.8 A imunidade parlamentar e a isenção do serviço militar
Visando garantir que os parlamentares não fossem distanciados de suas
atividades
institucionais
do
Poder
Legislativo
em
razão
da
interferência
desnecessária do Poder Executivo, que é o chefe das Forças Armadas,
estabeleceu-se que os deputados e senadores não seriam obrigados a obedecer a
regra impositiva de prestar serviço militar, conforme determina o art. 143 da
Constituição Federal.173
Assim, ficou disposto pelo art. 53, § 7.º da Constituição Federal que os
parlamentares, em relação a incorporação às Forças Armadas, mesmo que esteja o
Brasil em tempo de guerra, dependerá de prévia licença de sua respectiva Casa.
2.4
A imunidade dos deputados estaduais
Primeiramente, deve-se salientar que as imunidades dos deputados estaduais
e distritais e dos vereadores não foram tratadas em conjunto com as imunidades dos
membros do Congresso Nacional, pois visou o Constituinte de 1988, segundo
observa Alberto Zacharias Toron, obedecer ao princípio federativo brasileiro, assim
sendo, a matéria fora prevista na parte da Organização político-administrativa do
Estado Brasileiro.174
A imunidade parlamentar dos deputados estaduais, conforme menciona José
Afonso da Silva175, será de competência do poder constituinte de cada estado, desde
que esteja em consonância com o modelo federal previsto pelo art. 53 da Carta de
1988. Para tanto, a redação da Constituição Federal foi, segundo Horta176, “imitada e
copiada nas Constituições Estaduais, a fim de que o Instituto seja aplicado dentro de
finalidades idênticas”, ou seja, de acordo com o art. 25 da Constituição Federal, as
Constituições Estaduais devem ser espelhadas na imunidade parlamentar federal, a
fim de garantir a independência do Poder Legislativo, conforme o art. 27, § 1.º da
Constituição Federal.
173 TAVARES, 2007, p. 1080.
174 TORON, A. Z. Inviolabilidade penal dos vereadores. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 295.
175 SILVA, 2005, p. 295.
176 HORTA, 1968, p. 46.
46
Nesse sentido, menciona Oswaldo Trigueiro que “desde que não podem
legislar sobre matéria penal, ou mesmo processual – reservadas à competência
privativa da União – os estados devem limitar-se a reproduzir o Direito Federal, com
as adaptações necessárias e indispensáveis. Daí, encontra-se, em todas as
Constituições estaduais, o mesmo sistema de garantia do mandato legislativo”
177
,
conforme o art. 22, I da Constituição Federal.
Portanto, o Estatuto dos deputados estaduais estabelecido por cada
Constituição Estadual deverá trazer em seu texto legal as mesmas regras previstas
para a imunidade material e formal dos congressistas federais. 178 Nesse contexto,
decidiu a Suprema Corte que a tese proposta pela Súmula n.º 3, que estabelecia a
aplicabilidade da imunidade material e formal aos deputados estaduais e distritais
ficaria adstrita aos limites da Justiça do estado, não teria mais eficácia, pois a partir
da vigência da Constituição Federal de 1988 a regra cabível à imunidade
parlamentar dos deputados estaduais seria tratada como aquelas estabelecidas aos
membros do Congresso Nacional.179
No que diz respeito à prerrogativa de foro, cabe a Constituição Estadual
elucidar que os deputados serão julgados pelo Tribunal de Justiça, pois, de acordo
com o art. 125, § 1.º da Constituição Federal, cabe a Constituição Estadual definir a
competência dos Tribunais dos estados. No entanto, com relação aos crimes
praticados em desfavor de bens, serviços ou interesses da União o foro competente
será o Tribunal Regional Federal.180 Nesse mesmo contexto, entendeu o Supremo
Tribunal Federal.181 Vale salientar, que ainda que o crime praticado por deputado
estadual tenha ocorrido fora do seu estado, onde desempenha suas atribuições será
competente o Tribunal de Justiça do estado de sua respectiva diplomação.182
Em relação aos crimes dolosos contra a vida praticados pelos referidos
177 TRIGUEIRO, O. Direito Constitucional Estadual. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 160.
178 MORAES, 2005, p. 710.
179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno - Recurso Extraordinário n.º 456679/DF. Recorrente
Ministério Público Federal. Recorrido Antonio Nabor Areias Bulhões e outro. Relator: Ministro
Sepúlveda Pertence. DJ de 07.04.2006. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 15 ago. 2007.
180 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
141.
181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n.º 69465 / RS. Impetrante José Francisco Oliosi da
Silveira. Coator Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Impetrado Mário Limberger. Relator:
Ministro Paulo Brossard. DJ de 23.03.2001. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 20 ago. 2007.
182 MIRABETE, J. F. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.
334.
47
deputados, a Súmula 721 do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a
competência constitucional do Tribunal do Júri deverá prevalecer sobre o foro por
prerrogativa de função determinado pela Constituição estadual.
2.5
Imunidade dos deputados distritais
De acordo com o art. 32 da Constituição Federal, o Distrito Federal será
regido por Lei Orgânica e a ele são atribuídas as competências legislativas
reservadas aos municípios e aos estados, conforme dispõe o art. 32, § 1.º da
referida Carta. Assim, serão aplicadas aos deputados distritais as regras previstas
no art. 27 da Carta de 1988 – das normas constitucionais referentes a imunidade
formal e material dos deputados estaduais – em observância a determinação do art.
32, § 3.º do referido texto legal.
2.6
Imunidade dos vereadores
Em respeito ao princípio federativo brasileiro, foi concedida ao vereador a
imunidade material, de acordo com o art. 29, VIII da Constituição Federal. As regras
da inviolabilidade conferidas aos membros do Congresso Nacional são válidas para
os vereadores, ou seja, eles são protegidos penal e civilmente por suas palavras,
opiniões e votos desde que seja no exercício do mandato ou em função deste.183
Vale registrar que a imunidade material dos vereadores tem eficácia em relação a
suas palavras, opiniões e votos, desde que aconteçam dentro da circunscrição do
Município.184
Portanto, não concedeu o legislador constituinte de 1988 a imunidade formal
aos vereadores, e nem mesmo a possibilidade de previsão de tal garantia pelas
Constituições Estaduais, ou pela Lei Orgânica, uma vez que compete à União
legislar sobre direito penal, processual dentre outros, conforme art. 22 da
Constituição Federal.185
183 TORON, 2004, p. 301.
184 MORAES, 2005, p. 742.
185 MORAES, loc. cit.
48
Outra garantia constitucional assegurada aos vereadores diz respeito a
prerrogativa de foro, pois, conforme anota Alexandre do Moraes, a Constituição
Federal poderá dispor que será competente o Tribunal de Justiça para processar e
julgar os vereadores, de acordo com o art. 125, § 1.º da Constituição Federal.186
Em relação aos crimes contra a vida cometidos pelos vereadores, registra
Damásio de Jesus, será competente o Tribunal do Júri para julgá-los e não o
Tribunal de Justiça.187 O Superior Tribunal de Justiça por meio do Habeas Corpus
11.749/PI decidiu no mesmo sentido da afirmativa feita pelo autor, in verbis:
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO.
PRERROGATIVA
DE
FUNÇÃO
CONFERIDA
A
VEREADOR.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. A prerrogativa de função
atribuída pela Constituição estadual a Vereador, para ser processado e
julgado pelo Tribunal de Justiça, não prevalece sobre a competência do
Tribunal do Júri calcada na Carta Magna.188
186 MORAES, loc. cit.
187 JESUS, 2005, p. 116.
188 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 11749/PI. Paciente Djalma da Costa e
Silva Filho. Impetrante José Eduardo Rangel de Alckmin e outro. Impetrado Tribunal de Justiça do
estado do Piauí. Relator: Ministro Felix Fischer. DJ de 20.06.2000. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=11749&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=
2>. Acesso em: 15 ago. 2007.
49
CAPÍTULO 3
- A IMUNIDADE PARLAMENTAR: ALTERAÇÕES,
PERSPECTIVAS E JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
NOVAS
O capítulo que se segue trata de assuntos relacionados a imunidade
parlamentar e, para isso, serão analisadas as alterações trazidas com a vigência da
Emenda Constitucional n.º 35/2001, pois visa tal tópico demonstrar os principais
aspectos no que diz respeito à mudança constitucional do instituto tão aclamada
pelo povo brasileiro em prol de solucionar os desvios utilizados pelos parlamentares,
os quais descaracterizavam o preceito fundamental do instituto que é proteger a
independência do Poder Legislativo. Em seguida, serão evidenciadas novas
perspectivas relativas a outros temas conexos com as alterações promovidas pela
reforma constitucional e, por último, serão elencadas jurisprudências relacionadas a
diversas características do objeto ora em estudo.
3.1
Alterações da Emenda Constitucional n.º 35/2001
Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 35/2001, a mídia,
atendendo aos clamores sociais, questionou de maneira incisiva a necessidade, nos
dias atuais, da imunidade parlamentar. Assim, foi promulgada a Emenda
Constitucional n.º 35, em tanto do tanto de 2001, a qual prevê novo texto ao art. 53
da Constituição Federal. A Senadora Heloísa Helena, na época em que fazia parte
do Bloco do Partido dos Trabalhadores do estado de Alagoas, pronunciou que
“Afinal, o que acaba ficando no imaginário popular como sinônimo de imunidade é a
impunidade”.189
Vale registrar que vários acontecimentos foram responsáveis pela indignação
do povo brasileiro, tais como a violação do painel eletrônico do Senado por seus
membros, Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda.190 Outro acontecimento
189 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro /PA):
pronunciamentos. Brasília, 09 nov. 2001. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=319611>. Acesso em: 13
ago. 2007.
190 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Jader Barbalho (PMDB - Partido do Movimento
Democrático Brasileiro /PA): pronunciamentos. Brasília, 02 maio 2005. Disponível em:
50
foi o caso dos parlamentares que ficaram conhecidos como “pianistas”, pois no dia
da votação em sua respectiva Casa Legislativa acontecia de um parlamentar votar
pelo outro, e segundo afirma Osmar Veronese, foram realizadas em 1991
investigações de Deputados e em 1998 de Senadores do Maranhão sobre as
irregularidades noticiadas, porém nenhuma sanção foi aplicada aos parlamentares
envolvidos.191 Com relação aos crimes comuns praticados pelos parlamentares, vale
lembrar que em João Pessoa foi encontrado o corpo, em 1998, de uma estudante de
apenas vinte anos de idade que teria como suspeito de sua morte, após análise da
polícia local, deputado estadual e, ademais, sobre o caso foram solicitadas por duas
vezes licença para a Assembléia Legislativa respectiva para processar o
parlamentar em referência, no entanto ambas foram indeferidas. Outro aspecto
relacionado à imunidade formal diz respeito à pesquisa realizada pelo Deputado
Nelson Pelegrino do Partido dos Trabalhadores (Bahia), a qual constatou que do ano
de 1995 a 1999 dos 137 pedidos de licença para processar criminalmente os
Deputados e Senadores, 109 foram indeferidos.192 Esses acontecimentos, dentre
inúmeros outros, levaram o povo brasileiro a desacreditar na proteção constitucional
conferida aos parlamentares.
Cabe, primeiramente, enfatizar que em desfavor da antiga redação do art. 53
da Carta de 1988 existiram vários pronunciamentos no Congresso Nacional, ora em
favor da supressão da imunidade formal, ora em defesa da Instituição que tanto foi
criticada pela mídia em razão dos atos praticados por seus membros. Como
exemplo podemos mencionar o pronunciamento do Senador Álvaro Dias do Partido
da Social Democracia Brasileira (Paraná), o qual proferiu discurso no sentido de
alertar aos membros do Congresso Nacional para a importante missão institucional
de atender as reivindicações sociais favoráveis a supressão da imunidade
parlamentar, uma vez que tal instituto não correspondia a realidade social brasileira,
objetivando assim cumprir o dever de representação dos anseios populares.193 O
Senador Bernardo Cabral do Partido da Frente Liberal (Amazonas) indagou a
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=314746>. Acesso em: 13
ago. 2007.
191 VERONESE, 2006, p. 65.
192 PIOVESAN, Flávia. Prerrogativa ou privilégio? Folha de São Paulo, São Paulo, 4 jul. 2001.
Caderno Opinião, p. A-3.
193 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia
Brasileira/PR): pronunciamentos. Brasília, 07 maio 2001. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=314796>. Acesso em: 20
ago. 2007.
51
atenção da Instituição acerca da importância da sociedade distinguir a figura do
parlamentar em relação ao cargo ocupado por ele. Defendeu a necessidade de
separar os maus parlamentares de sua Casa respectiva sem prejudicar a imagem do
Parlamento.194 Com relação ao trâmite do projeto sobre a imunidade parlamentar, o
Senador Antônio Carlos Magalhães defendeu em discurso proferido a aceleração na
apreciação da proposta de emenda proposta, a fim de evitar que os brasileiros
conheçam a instituição pelo fato de não processar seus membros.195
Apesar de a Emenda Constitucional ser promulgada no ano de 2001, várias
outras propostas foram feitas no intuito de alterar o artigo relativo a imunidade
parlamentar; a respeito disso, o Senador Álvaro Dias, integrante do Partido da Social
Democracia Brasileira (Paraná), proferiu discurso no Senado Federal demonstrando
que a necessidade de mudança em relação a imunidade parlamentar foi argüida
desde 1984, pois nessa época o próprio Senador citado apresentou proposta no
sentido de que mudanças no texto legal referente a imunidade parlamentar fossem
feitas, sendo a referida proposta apensada a 24 outras relativas ao mesmo tema,
não logrando êxito nenhuma delas, tendo em vista que foram arquivadas em 1997.
Porém, o sentimento nacional de impunidade fez com que o tema retornasse a ser
motivo de propostas de emenda à Constituição. Vários foram os projetos de
alteração, entre eles a proposta de emenda a Constituição n.º 2, de 1995, que no
Senado Federal foi numerada como 610 de 1998. Portanto, conforme afirma o
Senador em comento a sugestão de alteração em torno da imunidade parlamentar é
antiga.196
Nesse contexto, surge a Emenda Constitucional n.º 35/2001, a qual elencou
diversas mudanças, principalmente, no que diz respeito a imunidade formal, pois
existiam atos praticados pelos parlamentares que ficavam impunes.197 Posto isso,
194 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM):
pronunciamentos. Brasília, 14 ago. 2001. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=316964>. Acesso em: 15
ago. 2007.
195 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Jader Barbalho (PMDB - Partido do Movimento
Democrático Brasileiro/PA): pronunciamentos. Brasília, 02 maio 2005. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=314746>. Acesso em: 15
ago. 2007.
196 BRASIL. Congresso. Senado Federal. Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia
Brasileira/PR): pronunciamentos. Brasília, 07 maio 2001. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Pronunciamento/detTexto.asp?t=314796>. Acesso em: 20
ago. 2007.
197 CRUZ, M. Imunidade parlamentar: o que muda com a EC n.º 35/2001. Informativo Jurídico
Consulex, ano 16, n. 16, p. 5, abr. 2002.
52
analisaremos as principais alterações trazidas com a emenda citada em relação à
imunidade parlamentar.
Foi inserida no caput do art. 53 a expressão “por quaisquer”, bem como “civil
e penalmente”, evidenciando a abrangência penal e civil da imunidade material. A
redação do antigo § 4.º foi reescrita no § 1.º, pelo qual estabelece a competência do
Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os Deputados Federais e
Senadores. O vigente § 2.º do art. 53 da Carta de 1988 foi construído a partir da
união entre os § 1.º e §3.º do texto anterior, sendo que não foi incluída no texto legal
vigente a necessidade de licença da respectiva Casa para que o parlamentar seja
processado criminalmente, a autorização para a formação de culpa e o voto secreto.
Foram acrescentados ao art. 53 do referido texto legal o § 3.º ao § 5.º, os quais
regulam a sustação do andamento da ação contra o parlamentar. E por fim, o § 6.º
ao § 8.º abrangeram a antiga redação dos § 5.º ao § 7.°.198
A Suprema Corte, no que diz respeito à aplicabilidade da nova regra
constitucional estabelecida pela Emenda Constitucional n.º 35/2001 entendeu que
esta suprimiu a necessidade de licença prévia da Casa Legislativa a que integra o
parlamentar para que a persecutio criminis tenha continuidade, ainda que a infração
tenha sido praticada pelo parlamentar antes da vigência da referida Emenda.199
Outro aspecto inovador da Emenda Constitucional n.º 35/2001 diz respeito a
deliberação sobre a prisão do parlamentar, a qual deixou de ser realizada mediante
voto secreto, pois conforme menciona Alexandre de Moraes o julgamento dos
parlamentares deve ocorrer mediante a votação nominal, pois seria a maneira de
realizar “os princípios da soberania popular e da publicidade consagrados,
respectivamente, no parágrafo único do art. 1.º e no art. 37, caput, da Constituição
Federal e consagradora da efetividade democrática”.200 Afirmativa também defendida
por Horta.201
A Emenda Constitucional n.º 35/2001 trouxe várias inovações ao texto
constitucional, tais como a extinção do pedido de licença da respectiva Casa para
198 VALADÃO, M. A. P. Imunidade parlamentar. Revista Jurídica Consulex, v. 122, n. 6, p. 21, fev.
2002.
199 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq n. 1.637-3 SP*. Ementa: Imunidade parlamentar em
sentido formal. Advento da EC nº 35/2001. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 02 abr. 2002.
DJU de 8.4.2002. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=imunidade%20parlamentar&numero=2
66&pagina=38&base=INFO>. Acesso em: 22 ago. 2007.
200 MORAES, 2006, p. 412.
201 HORTA, 2002, p. 601.
53
processar os deputados e senadores, sendo assim observado o preceito
constitucional que nenhuma lesão ou ameaça de direito poderiam ficar sem a
apreciação do poder judiciário, a supressão do voto secreto, entre outras alterações.
Entretanto, apesar das mudanças no texto da Constituição, novas questões vêm
sendo suscitadas sobre o instituto por meio da Reclamação 2138-6/DF, bem como
através de propostas de emendas constitucionais, temas a serem abordados a
seguir.
3.2
Nova perspectiva sobre a imunidade parlamentar
Mesmo após as mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional n.º
35/2001, surgiram no âmbito jurídico novos questionamentos, entre eles a dúvida
relacionada às infrações cometidas por agentes políticos a serem definidas na Lei de
crimes de responsabilidade ou de improbidade administrativa, e a delegação destas
à competência do Supremo Tribunal Federal. Teve origem tal questionamento a
partir da Reclamação 2.138-6/DF, ainda sob análise da Suprema Corte, proposta
contra a sentença do juiz federal de primeira instância, a qual condenou o MinistroChefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República às
penalidades previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da Constituição
Federal.202
A partir da Reclamação citada surgiram vários recursos interpostos por
agentes políticos no sentido de declarar a incompetência do juízo de primeiro grau
para julgá-los acerca de ações de improbidade administrativa, tendo como objetivo
declinar a competência dos julgamentos para o Supremo Tribunal Federal, assim
como
classificar
as
infrações
cometidas
por
eles
dentre
os
crimes
de
responsabilidade.203
Sobre o assunto ora em questão, os Ministros Gilmar Mendes, Maurício
202 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 2.138-DF. Improbidade Administrativa e Competência –
1. Relator: Ministro Nelson Jobim. Brasília, DF, 20 nov. 2002. Informativo, Brasília, n. 291, nov.
2002. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=2138&numero=291&pagina=8&base=I
NFO>. Acesso em: 10 set. 2007.
203. CARVALHO, Rosimayre Gonçalves de. A ação de improbidade administrativa e os agentes
políticos. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 19, n. 4, p. 27, abr. 2007.
54
Corrêa, Ilmar Galvão, Ellen Gracie e César Peluso são favoráveis ao entendimento
de que as infrações praticadas por Ministro de Estado são classificadas dentro da
Lei de crimes de Responsabilidade - Lei n.º 1079/50 -, cuja ação contra o agente
político mencionado poderá ser proposta apenas ante o Supremo Tribunal Federal,
de acordo com o art. 102, I, alínea “c” da Constituição Federal. 204 No entanto, em
relação aos pedidos fundamentados nos votos dos Ministros acima referidos, feitos
pelos parlamentares, observou o Ministro Carlos Velloso que “extrai-se que a
almejada classificação do ato imputado como sendo exclusivamente crime de
responsabilidade não aproveita aos parlamentares, pois não há conduta típica
correspondente na lei especial”.205 Vale ressaltar que a discussão jurídica acerca da
possibilidade dos crimes de improbidade administrativa dos parlamentares serem
classificados como sendo aqueles previstos na Lei de Crimes de Responsabilidade
através da analogia feita em função das prerrogativas dos Ministros de Estado e
Prefeitos, no sentido de conferir ou não aos membros do Parlamento a prerrogativa
de foro ante o Supremo Tribunal Federal, mesmo não sendo o objeto da referida
Reclamação continua sob análise da Suprema Corte até o presente momento.
A imunidade parlamentar em relação a nova perspectiva tratada pelo
Congresso Nacional, podemos citar que na Câmara dos Deputados encontra-se sob
espera de parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - CCJC
proposta de Emenda à Constituição n.º 407/2005 e, junto a esta estão apensadas as
propostas n.º 119/2007 e 78/2007. Visam as referidas propostas excluir do então
vigente art. 53 da Constituição Federal a prerrogativa de foro garantida aos
parlamentares, propondo em seu lugar que os deputados e senadores, mesmo no
exercício de seus respectivos mandatos, sejam julgados e processados civilmente e
criminalmente perante o juízo de primeira instância, a fim de que estes equiparem-se
aos demais brasileiros.206
Importante salientar que a mídia de maneira incisiva vem criticando a
aplicabilidade da imunidade parlamentar aos congressistas nos casos de reeleição,
pois questionam o fato de sua nova candidatura favorecer o parlamentar que teve
seu processo criminal suspenso devido a possibilidade deste, novamente,
204 Ibidem, p. 29
205 Ibidem, p. 33
206 BRASIL. Câmara. Proposta de Emenda à Constituição no 407, de 2005. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/349314.pdf>. Acesso em: 29 set. 2007.
55
beneficiar-se do instituto após a sua nova diplomação.207
3.3
Imunidade parlamentar segundo entendimento dos tribunais brasileiros
A Constituição Federal e os outros textos legais são interpretados pela letra
normativa em conjunto com o entendimento dos Tribunais que tem como função
direcionar o pensamento jurídico de maneira coerente e certa nos momentos em que
a regra ou a lide não apresentam soluções claras. Assim sendo, surgem as
jurisprudências com a finalidade de dirimir os conflitos sociais da melhor maneira, a
fim de garantir a pacificação da vida em sociedade.
3.3.1 Entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em relação a
imunidade material
A Suprema Corte entende que a imunidade material estende-se às palavras,
opiniões e votos proferidos no exercício do mandato e, quando estes forem
realizados fora do parlamento devem guardar relação com a função legislativa,
desempenhada em razão da missão institucional. Obedecendo a estes critérios, os
parlamentares não poderão responder penalmente e civilmente por suas
manifestações.208 Portanto, os pronunciamentos proferidos pelos parlamentares
devem ter relação com a atividade destes, uma vez que se faz necessário defender
os interesses do Parlamento, nesse sentido o Supremo Tribunal Federal por meio do
Inquérito n.º 396/DF decidiu:
EMENTA: Imputação de ofensa desferida, fora do recinto das sessões, por
Deputado Federal, à honra do Senador, em razão de entrave que estaria
sendo oposto, pelo último, à tramitação de projeto de lei.
Reconhecimento da Imunidade material (inviolabilidade), conferida pelo art.
53 da Constituição de 1988, dada a vinculação existente, no caso concreto,
entre o discurso questionado e a atividade parlamentar do representado.
Punibilidade que se julga extinta, em face do texto constitucional
207 DANTAS, J. Foro privilegiado. Correio Braziliense, 14 ago. 2006. Caderno Direito e Justiça, p. 2.
208 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 226643/DF. Recorrente Maurici
Mariano. Recorrido Ruy Carlos Gonzalez. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, DF, 20 ago. 2004.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22
ago. 2007. Nesse mesmo sentido: Inquérito 2282/ DF, Inquérito 1588/ DF, RTJ 166/133, RE 210917/
RJ, RE 220687/MG, Inquérito 1710/ SP.
56
superveniente (abolitio criminis).209
Ainda em relação ao nexo causal mencionou o Supremo Tribunal por meio do
Informativo n.º 355 que:
A garantia de imunidade parlamentar, em sentido material, prevista no art.
53, caput, da CF, com a redação dada pela EC 35/2001, visa assegurar a
liberdade de opinião, palavras e votos dos parlamentares federais, em
qualquer local, mesmo que fora do recinto da respectiva Casa Legislativa,
desde que suas manifestações sejam proferidas no exercício do mandato
ou em razão dele ("Os deputados e senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos"). Com base
nesse entendimento, a Turma manteve acórdão de tribunal de justiça local
que condenara o recorrente, deputado federal à época, ao pagamento de
indenização por dano moral, por entender inexistente nexo causal entre sua
atividade de parlamentar e as declarações proferidas contra o recorrido, no
sentido de que este seria incompetente, vagabundo e dado a orgias.
Precedentes citados: RE 210917/RJ (DJU 18.6.2001); RE 220687/MG (DJU
de 28.5.99); Inq 874 AgR/BA (DJU de 26.5.95); Inq 1710/SP (DJU de
28.6.2002). RE 226643/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 3.8.2004.(RE226643).210
Em relação aos pronunciamentos dos deputados e senadores dentro das
Casas do Congresso ou em qualquer de suas repartições e, nas deliberações nas
Comissões, entende o Supremo Tribunal Federal que não se torna necessário
analisar a existência de nexo causal, uma vez que tal requisito será obrigatório
apenas quando o parlamentar encontrar-se fora do parlamento. 211 Nesse contexto,
vale registrar a ementa correspondente ao Inquérito n.º 1958/AC, in verbis:
EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A
PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA,
COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTA CONCEDIDAS À
IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E
FORA DO PARLAMENTO. A palavra “inviolabilidade” significa
intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de
crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre
da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art.
53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou
a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda
Constitucional n.º 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que
as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente
nessas última ofensas irrogadas fora do Parlamento é de perquirir da
chamada “conexão como exercício do mandato ou com a condição
parlamentar” (INQ 390 e 1. 710). Para os pronunciamentos feitos no interior
209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno - Inquérito n.º 396/DF. Autor Humberto Coutinho de
Lucena. Indiciado Fábio Feldmann. Relator: Ministro Octavio Gallotti. DJ de 20.04.1990. Disponível
em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22 ago. 2007.
210 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC/84223. Imunidade parlamentar e nexo de causalidade.
Relator: Ministro Carlos Velloso. Informativo, Brasília, n. 355, 06 ago. 2004. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=imunidade%20parlamentar&numero=
355&pagina=16&base=INFO>. Acesso em: 10 set. 2007.
211 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito n.º 655/ DF. Autor Volnei Abreu Ávila. Indiciado
Múcio Homero Rocha Pires de Oliveira e outros. Relator: Ministro Maurício Corrêa. DJ de 29.08.2003.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22
ago. 2007.
57
das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou
a conexão com o mandato, dado que acobertados com o manto da
inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o
parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.
No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando,
portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas
concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a
citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da
Imunidade material. Denúncia rejeitada.212
Portanto, os atos parlamentares alheios ao exercício do mandato parlamentar,
bem como aqueles que não são exercidos em razão da função institucional não
devem ser abrangidos pela imunidade material, a respeito vejamos trecho do voto do
Ministro Sepúlveda Pertence proferido no Inquérito n.º 1905/DF, o qual manifesta
que “Assim, já na vigência da EC 35/01, o Plenário reafirmou o que antes já
assentara no sentido da exclusão do âmbito da inviolabilidade parlamentar das
ofensas proferidas em eventos de propaganda eleitoral”.213
O Inquérito 2134/Pará ilustra o tema acima citado, pois trata de uma queixacrime oferecida pelo Prefeito do Pará em desfavor do Deputado Federal Wladimir
Afonso da Costa Rabelo, em razão de afirmações feitas por ele através do programa
de televisão “Comando Geral”, no qual exercia a função de apresentador. Apesar de
suscitada a imunidade material em favor do Deputado citado, entendeu a colenda
Corte que as palavras proferidas pelo Deputado Federal ocorreram em razão do
exercício de sua profissão de jornalista e, que não guardavam relação com o
exercício do mandato parlamentar, posto isto, decidiu o Supremo Tribunal Federal
pela instauração de processo penal contra o Deputado por incurso nos crimes de
difamação e injúria realizados em desfavor de funcionário público no exercício de
suas funções, de acordo com o arts. 21, 22, 23, II da Lei 5.250/67.214
212 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito 1958/AC. Autor Ministério Público Federal.
Indiciado João Correia Lima Sobrinho. Relator: Ministro Carlos Velloso. DJ de 18.02.2005. Disponível
em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22 ago. 2007.
213 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno- Inquérito n.º 1905/DF. Autor Eduardo Passos
Pedrosa. Indiciado Valdemar Costa Neto. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ de 24.04.2004.
Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22 ago. 2007.
Nesse mesmo sentido Inquérito n.º 503, 24.05.1992, RTJ 148/73, Inquérito n.º 1400, 4.12.2002, HC
n.º 83644/ BA, 27.02.2004 e Informativo n.º 293/ STF.
214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- Inquérito n.º 2134/ Pará. Autor Edmilson Brito
Rodrigues. Acusado Wladimir Afonso da Costa Rabelo. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. DJ de
02.02.2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>.
Acesso em: 21 ago. 2007.
58
3.3.2 O inquérito policial e a imunidade formal
A Suprema Corte, no que diz respeito a instauração de inquérito em
decorrência de investigação criminal feita pela polícia judiciária contra os
congressistas, decidiu que a imunidade formal não pode ser argüida pelo
parlamentar a fim de que não seja realizado o inquérito, pois este deverá ser
instaurado independentemente da concessão da respectiva Casa Legislativa.215
3.3.3 Abrangência da expressão crimes comuns conforme decisão da Suprema
Corte
O art. 102, I, alínea “b” da Constituição Federal estabelece que compete ao
Supremo Tribunal Federal, originariamente, processar e julgar os membros do
Congresso Nacional por infrações penais comuns e, conforme entende a Corte
Suprema, a expressão “crimes comuns”, além dos delitos previstos no Código Penal
brasileiro, estende-se aos crimes eleitorais, bem como as contravenções penais.216
Portanto, prevalecerá a competência do Supremo Tribunal Federal quando o
Deputado Federal e Senador cometerem crimes eleitorais, contravenções penais e
até mesmo os crimes dolosos contra a vida.217
3.3.4 A imunidade formal e a possibilidade de extensão aos co-réus
A Suprema Corte entendeu que a prerrogativa de foro em razão da imunidade
formal concedida aos deputados e senadores não aproveita aos co-réus do
processo criminal, assim contra eles a ação penal tramitará normalmente perante a
Justiça comum, ao contrário do que ocorre com os parlamentares que podem ter
215 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- Reclamação n.º 511-9/PB. Reclamante José Luiz
Barbosa Ramalho Clerot e outro. Reclamado Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Paraíba.
Relator: Ministro Celso de Mello. DJ de 15.09.1995. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 21 ago. 2007.
216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- Reclamação n.º 511-9/PB. Reclamante José Luiz
Barbosa Ramalho Clerot e outro. Reclamado Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Paraíba.
Relator Ministro Celso de Mello. DJ de 15.09.1995. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 21 ago. 2007.
217 MORAES, 2006, p. 418.
59
seus processos suspensos, no Supremo Tribunal Federal, a pedido de sua
respectiva Casa.218 Nesse sentido, menciona Alexandre de Moraes que a suspensão
de processo criminal contra parlamentar não aproveita aos co-réus, uma vez que o
processo contra o não parlamentar deverá ser remetido a Justiça comum.219
3.3.5 Prerrogativa de foro nas ações civis
Em decisão de 1º.10.1999, o Supremo Tribunal Federal afirmou que sua
competência originária por prerrogativa de foro diz respeito apenas às ações de
caráter penal. Assim, a ação de natureza civil proposta em desfavor de parlamentar
não pode ser julgada pela Colenda Corte, que firmou entendimento de que “A
competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um
complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e
ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a
possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em
numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da
República”.
220
A respeito, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que no caso
de ação civil proposta em desfavor de Deputado Federal deverá ser julgada pela
Justiça Comum e não pelo Supremo Tribunal Federal.221
3.3.6 Prerrogativa de foro conferida aos parlamentares afastados
O art. 56, I da Constituição Federal permite que o Deputado Federal e
Senador sejam investidos nos cargos de Ministro de Estado, Governador de
Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de
Capital ou chefe de missão diplomática temporária, sem que percam seus
218 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento ou de petição criminal n.º 27890.
Órgão Julgador Segunda Turma. Relator: Ministro Victor Nunes. DJ de 14.06.1963. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 22 ago. 2007.
219 MORAES, 2006, p. 417.
220 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno - Pet-AgR n.º 1738/MG. Agravante Sindicato dos
Fiscais e Agentes fiscais de tributos do estado de Minas Gerais - SINDIFISCO/MG. Agravado Hélio
Calixto da Costa. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ de 01.10.1999. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 23 ago. 2007.
221 SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/jurisprudencia/emendas_tribunal.asp>. Acesso em: 23 ago. 2007.
60
mandatos. A respeito, o Supremo Tribunal Federal proferiu entendimento no sentido
de que o afastamento do Deputado Federal, assim como do Senador suspende a
imunidade formal, mas subsiste para eles a prerrogativa de foro.222
Em 24. 08. 2007, a Suprema Corte analisou a possibilidade de o parlamentar
afastado responder perante a Câmara dos Deputados por quebra de decoro
parlamentar em função das regras estabelecidas no Regimento interno da Câmara
dos Deputados. No caso em questão, o ex-Ministro de Estado, José Dirceu, estava
sendo investigado pelo suposto suborno feito a parlamentares, no intuito de que
projeto de lei fosse aprovado a favor do Governo. Posto isto, o Partido Trabalhista
Brasileiro representou junto a Mesa da Câmara dos Deputados, dando início ao
Processo Disciplinar n.º 4 e, a partir disso o Deputado José Dirceu impetrou
mandado de segurança a fim de impedir seu julgamento pelo Conselho de Ética e
Decoro parlamentar e a possível cassação de seu mandato, alegando que estava
exercendo a função de Ministro de Estado. Assim, decidiu o Supremo Tribunal
Federal em conhecer, pelo voto majoritário de seus membros, o mandado de
segurança impetrado por José Dirceu, pois entendeu que por exercer o cargo de
Ministro de Estado deve este estar sujeito a Lei de Improbidade Administrativa ou de
Responsabilidade.223
3.3.7 Prerrogativa de foro e o cancelamento da Súmula 394
A Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal garantia a continuidade da
prerrogativa de função, mesmo após o término do mandato, a parlamentares e
ministros que cometessem crimes no exercício de suas funções.224 Porém, de
maneira unânime, a Suprema Corte cancelou tal entendimento por considerar a
prerrogativa de foro como uma garantia constitucional válida em razão do cargo
222 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno - Inquérito 1070/TO. Autor Ministério Público Federal.
Indiciado João Batista de Jesus Ribeiro. Relator: Sepúlveda Pertence. DJ de 11.10.2001. Disponível
em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 23 ago. 2007.
Com o mesmo entendimento Inquérito n.º 777/ TO, DJ de 01.10.1993.
223 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- MS-MC n.º 25579/DF. Impetrante José Dirceu de
Oliveira e Silva. Impetrado Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e Conselho de Ética e Decoro
parlamentar da Câmara dos Deputados. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ de 24.08.2007.
Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02
set. 2007.
224 JESUS, 2005, p. 115.
61
ocupado e não pela pessoa que o exerce. Assim, o Tribunal citado decidiu ser
competente o juízo de primeiro grau para julgar e processar Deputado Federal
quando findo seu mandato.225
Com efeito, em relação aos atos e decisões praticados na vigência da súmula
394, observa Damásio de Jesus que estes não podem ser prejudicados,
ocasionando assim o efeito ex nunc para as decisões judiciais, bem como aos atos
praticados.226 A respeito, a Colenda Corte decidiu que as regras constantes da
Emenda Constitucional n.º 35/2001 teriam aplicação imediata, mesmo para os
crimes cometidos antes da entrada em vigor da referida emenda, assim sendo “Os
preceitos que lhe compõe a estrutura normativa revestem-se, ordinariamente, de
eficácia ex nunc”.227
3.3.8. A inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002
Após o cancelamento da súmula 394 do Supremo Tribunal Federal foi
publicada a Lei 10. 628/ 2002, acrescentando os §§ 1.º e 2.º ao art. 84 do Código de
Processo Penal, a qual garantia a prorrogação da prerrogativa de foro aos agentes
políticos mesmo depois de findo o seu mandato e, ainda, objetivou a referida lei
igualar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil, com a ação penal
prevista na Lei de Crimes de Responsabilidade, no intuito de estabelecer o referido
Tribunal como foro competente para julgar e processar as ações de improbidade,
bem como as que digam respeito a ex-ocupantes de cargos públicos. A Suprema
Corte no que diz respeito à inovação trazida pela Lei 10.628/2002 considerou-a
como forma de reação legislativa ao cancelamento da súmula 394, assim sendo
declarou a lei citada inconstitucional por meio de decisões proferidas nas Ações
Direta de Inconstitucionalidade n.º 2797/DF e n.º 2860/DF.228
225 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno- questão de ordem- Inquérito n.º 687/SP. Autor
Ministério Público Federal. Indiciado Jabes Pinto Rabelo. Relator: Ministro Sidney Sanches. DJ de
09.11.2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>.
Acesso em: 26. 08. 2007.
226 JESUS, 2005, p. 115.
227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade Parlamentar Processual e Incidência Imediata da
EC 35/2001 (Transcrições). INQ N. 1.637-3 SP*. Ementa: [...] Relator: Min. Celso de Mello. Brasília,
DF, 02 abr. 2002. DJU de 8.4.2002. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=imunidade%20parlamentar&numero=2
66&pagina=38&base=INFO>. Acesso em: 02 set. 2007.
228 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno-ADI n.º 2797/DF. Requerente Associação Nacional
62
A Corte Suprema, em relação à tese argüida em favor de sua competência
para julgar os membros do Congresso Nacional, por analogia, em função dos crimes
de responsabilidade não foi aceita, pois considerou o referido Tribunal, que não se
pode atribuir aos Deputados e Senadores a prática de crimes de responsabilidade. 229
Em relação ao julgamento de ação de improbidade administrativa, decidiu, o
Supremo Tribunal Federal que esta possui natureza civil e, assim, não cabe
conhecê-la.230 No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento
ao recurso especial n.º 793197/SP, o qual requereu a competência do Supremo
Tribunal Federal para julgar a Ação Civil Pública intentada contra Paulo Salim Maluf.
Tal recurso não logrou êxito, pois considerou o Superior Tribunal de Justiça que não
cabe delegação de competência ao Supremo Tribunal Federal em razão de
prerrogativa de foro para a ação de improbidade administrativa e nem mesmo para a
Ação Civil Pública, ainda que o ex- prefeito de São Paulo tenha sido eleito para o
cargo de Deputado Federal, tendo em vista o efeito vinculante produzido pela
decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002. Portanto, ficou
estabelecido que o julgamento da referida ação ficaria a cargo do Juízo Cível da
Comarca de São Paulo.231
3.4
Entendimento dos tribunais em relação aos deputados estaduais,
distritais e vereadores
Neste momento, o estudo será direcionado para os principais entendimentos
jurisprudenciais acerca da imunidade parlamentar dos deputados estaduais, distritais
dos Membros do Ministério Público. Requerido Presidente da República e Congresso Nacional.
Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ de 19.12.2006. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02 set. 2007.
229 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno-ADI n.º 2797/DF. Requerente Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público. Requerido Presidente da República e Congresso Nacional.
Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ de 19.12.2006. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 02 set. 2007.
230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Improbidade Administrativa e Prerrogativa de Foro – 2. ADI
2797/DF e ADI 2860/DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 15.9.2005. Informativo,
Brasília, n. 401, set. 2005. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=improbidade%20administrativa&nume
ro=401&pagina=15&base=INFO>. Acesso em: 02 set. 2007.
231 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sala de Notícias. Negado pedido de Maluf para ser
julgado por foro especial. Brasília, 25 set. 2007. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85034>. Acesso
em: 26 set. 2007.
63
e vereadores, haja vista a importância de mencionar os aspectos que diferenciam
estes parlamentares dos federais, já abordados.
3.4.1 Imunidade material dos vereadores
A Suprema Corte, no que diz respeito à imunidade material dos vereadores,
entende que o parlamentar gozará da garantia prevista no art. 29, VIII da
Constituição Federal quando suas palavras, opiniões e votos forem proferidos no
exercício do mandato e em função deste,232 instituto que será aplicado, também no
caso de discursos proferidos no interior da Câmara dos Vereadores em julgamento
de Comissão processante.233 Entretanto, a imunidade material limita-se à
circunscrição do Município.234
Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, compete ao
Tribunal de Justiça julgar e processar os vereadores, tendo em vista que estes são
possuidores de simetria em relação aos deputados estaduais. No Habeas Corpus n.º
57340/RJ foi julgada nula a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, uma vez
que a Constituição estadual do Rio de Janeiro seria o foro competente para decidir a
lide.235 No entanto, quando o vereador praticar crimes dolosos contra a vida a
competência será delegada ao Tribunal do Júri, assim sendo não prevalecerá a
prerrogativa de foro delegada aos Tribunais de Justiça.236
232 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n.º 74125/PI. Paciente Francisca das Chagas Trindade.
Coator Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Relator: Ministro Francisco Rezec. DJ de
11.04.1997.
Disponível
em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 28 ago.
2007.
233 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n.º 75621/PR. Paciente Adilson Ramires Rabelo.
Impetrante Juarez Ayres de Aguirre Filho. Coator Tribunal de Alçada do Estado do Paraná. Relator:
Ministro Moreira Alves. DJ de 27.03.1998. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 28 ago.
2007.
234 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC n.º 9857/SP. Paciente Benedito Faustino Taubaté
Guimarães. Recorrente Luis Roberto Melo Fernandes. Recorrido Tribunal de Alçada Criminal do
Estado de São Paulo. Relator: Ministro Felix Fischer. DJ de 27.08.2001. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=imunidade+formal+e+vereador&&b=ACOR&
p=true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 28 ago. 2007.
235 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n.º 57340/RJ. Paciente Antonio Porto Filho. Impetrante
Luiz Carlos da Silva Neto. Impetrado Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado do Rio
de Janeiro. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DJ de 15.05.2007. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=vereador+e+tribunal+de+justi%E7a&&b=AC
OR&p=true&t=&l=10&i=8>. Acesso em: 28 ago. 2007.
236 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n.º 11. 749/PI. Paciente Djalma da Costa e Silva Filho.
Impetrante José Eduardo Rangel de Alckmin e outro. Coator Tribunal de Justiça do estado do Piauí.
64
3.4.2 Imunidade parlamentar dos deputados estaduais e distritais
A regra estabelecida a imunidade parlamentar dos deputados estaduais e
distritais define que estes serão julgados pelos Tribunais de Justiça. No entanto, em
decisão ímpar, o Supremo Tribunal Federal indeferiu, por maioria, o habeas corpus
impetrado pelo Presidente da Assembléia Legislativa do estado de Rondônia. No
caso em questão, o referido presidente foi preso em razão do flagrante do crime de
formação de quadrilha, assim sendo alegou nulidade de sua prisão tendo em vista a
imunidade parlamentar conferida a este em razão do art. 27, § 1.º da Constituição
Federal. Aduziu, ainda, a incompetência da autoridade coatora, qual seja o Superior
Tribunal de Justiça para julgá-lo.237
Assim, a Suprema Corte manteve decisão do Superior Tribunal de Justiça, a
qual determinava o julgamento do parlamentar citado em razão da conexão entre os
processos, uma vez que estavam envolvidos na investigação também membros do
Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas do estado pelos crimes de quadrilha,
corrupção, exploração de prestígio, lavagem de dinheiro entre outros. Entendeu o
Supremo Tribunal Federal que em razão da “anomalia institucional”, a Assembléia
Legislativa não seria capaz de deliberar sobre a prisão ora questionada, visto que
quase a totalidade desta, ou seja, dos vinte e quatro membros da Assembléia, vinte
e três238 estavam sob investigação criminal e, com isso “`a excepcionalidade do
quadro haveria de corresponder a excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar
os princípios e regras constitucionais, sob pena de se prestigiar regra de exceção
que culminasse na impunidade dos parlamentares”.
Relator: Ministro Félix Fischer. DJ de 14.08.2000. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=11749&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=
2>. Acesso em: 28 ago. 2007.
237 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89417/RO. “Operação Dominó”: Princípio do Juiz
Natural e Imunidade Parlamentar – 1. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Informativo, Brasília, DF, n.
437, 22 ago. 2006. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=imunidade%20parlamentar&numero=
437&pagina=3&base=INFO>. Acesso em: 28 ago. 2007.
238 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n.º 89417/RO. Paciente José Carlos de Oliveira.
Impetrante Bruno Rodrigues. Coator relatora da representação n.º 349/RO do Superior Tribunal de
Justiça. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. DJ de 15.12.2006. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 28 ago. 2007.
65
CONCLUSÃO
Como visto, a imunidade parlamentar teve sua origem fundada pela
necessidade de a sociedade contrapor-se ao poder monárquico, no intuito de instituir
a democracia como modelo político-social. Assim, a figura do Parlamento tornou-se
primordial para expressar, de maneira independente, a vontade dos povos.
A teoria da separação dos poderes surgiu como modelo de formação do
Estado, no sentido de descaracterizar a concentração de poder nas mãos de uma
única pessoa e, através do sistema de freios e contrapesos, ficou garantido que um
poder limitaria o outro quando os excessos fossem cometidos, objetivando proteger
os parlamentares de possíveis abusos e arbitrariedades vindas das autoridades
representantes das outras esferas de Poder (Executivo e Judiciário). Para tanto, tal
preceito foi estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro no art. 2º da Constituição
Federal, a fim de viabilizar a independência entre os Poderes do Estado. Vale
destacar que a reciprocidade entre os poderes do Estado – Executivo, Legislativo e
Judiciário – reflete respeito mútuo às prerrogativas conferidas a seus membros.
No Brasil, por diversas vezes a independência do Poder Legislativo foi
suprimida e, em conseqüência disso, a imunidade parlamentar de seus membros,
uma vez que na vigência das Constituições brasileiras de 1937, 1967 e da Emenda
Constitucional n.º 1/1969 ocorreu uma concentração das três funções do Estado nas
mãos do Poder Executivo. Logo, os deputados e senadores não defendiam de forma
livre o interesse do povo e, quando o faziam eram presos. Em contraposição a estas
Constituições surge a Carta Política de 1988, pela qual ficou assegurada a
imunidade parlamentar aos membros do Poder Legislativo, para protegê-los no
desempenho de suas funções institucionais a permitir que agissem de maneira livre
e independente em defesa dos interesses do povo.
O sentimento de impunidade vigente no país diante das condutas irregulares
dos deputados e senadores levou o Congresso Nacional rever a prerrogativa
constitucional que assegurava o desempenho das atividades de seus membros.
Assim, surge a Emenda Constitucional n.º 35/2001, renovando principalmente a
imunidade formal no que diz respeito ao pedido de licença para processar e julgar os
parlamentares, pois muitas vezes beneficiava o congressista por critério político,
constituindo-se a imunidade como critério pessoal e, assim, estabeleceu como nova
66
regra a possibilidade de suspensão do processo por prática de crime comum após a
diplomação, desde que ocorra mediante iniciativa de partido político com
representação na Casa a que integra o parlamentar acusado, antes da decisão final
do Tribunal competente, como forma de garantir que a instauração do processo
independa da autorização da Casa da qual faz parte. Em relação à imunidade
material há previsão expressa que o instituto abranja tanto a esfera penal como a
civil.
A imunidade material instituída pelo art. 53 da Constituição Federal visa
garantir que as manifestações dos parlamentares sejam protegidas contra
repressões dos outros poderes, a fim de assegurar-lhes o exercício independente do
seu mandato representativo, bem como os interesses do Poder Legislativo. O
instituto guarda relação com o cargo exercido pelo deputado e senador, sendo
considerado como de ordem objetiva e não subjetiva (em razão da pessoa). Como é
previsão legal de ordem pública, em conseqüência não pode o parlamentar
renunciá-la. A prerrogativa conferida aos parlamentares estende-se após o término
do mandato, mas apenas, por óbvio, às condutas praticadas durante o seu exercício.
Ainda, em relação à imunidade material, vale lembrar que esta não permite
que o parlamentar seja responsabilizado penal e civilmente por suas palavras,
opiniões e votos, desde que proferidos no exercício do mandato e em razão deste.
No que diz respeito aos atos funcionais realizados fora do Parlamento, estes, por
certo, devem ser conexos às matérias tratadas pelo Poder Legislativo. Com relação
aos discursos feitos dentro do Parlamento, a aplicação da imunidade material é
imediata, sendo sujeita, apenas, a represálias de caráter disciplinar por parte de sua
respectiva Casa legislativa.
A imunidade formal visa garantir que o parlamentar não seja retirado do
exercício de suas funções em razão de prisões arbitrárias ou de processos
tendenciosos fundados em inimizades criadas por causa da defesa do interesse
público. A referida imunidade é relativa, pois não impede a aplicação da norma
penal, ou seja, não exclui o crime, apenas pressupõe que o processo contra o
parlamentar por crimes comuns, cometidos após a diplomação, seja suspenso até o
término do mandato, a fim de que sua atividade legislativa não seja prejudicada.
Conforme ficou demonstrado, o instituto existe em função do parlamento e não da
pessoa do parlamentar, sendo, portanto de ordem objetiva e temporária, ou seja,
67
válido enquanto durar o mandato do deputado ou senador.
Após a alteração feita pela Emenda Constitucional n.º 35/2001, o processo
criminal contra o parlamentar deverá ser iniciado sem a licença de sua respectiva
Casa. Ou seja, compete ao Supremo Tribunal Federal apenas comunicar a Casa a
que pertence o congressista sobre a ação e, por iniciativa do partido político, com
representação na Casa, mediante voto da maioria absoluta de seus membros, pode
a Casa determinar que o processo criminal contra o parlamentar seja suspenso até o
término do seu mandato, sendo suspensa também a prescrição. Logo, findo o
mandato parlamentar, a conduta irregular deste não ficará sem sanção, visto que
após o término de mandato seu antigo detentor será julgado pelo juízo de primeiro
grau.
A imunidade parlamentar dos deputados estaduais e distritais é aplicada em
consonância com a imunidade conferida aos parlamentares federais, ou seja, ambos
são protegidos pelas imunidades material e formal. Já os vereadores são protegidos
apenas pela imunidade material e tão-somente dentro dos limites da circunscrição
de seu Município.
Os recursos dos parlamentares interpostos em razão da Reclamação n.º
2138/DF ante o Supremo Tribunal Federal na busca de conceber, por analogia, que
as condutas de improbidade administrativa dos parlamentares sejam classificadas
como aquelas previstas na Lei de Crimes de Responsabilidade, utilizando como
argumento as prerrogativas dos Ministros de Estado e Prefeitos, não podem ser
julgados procedentes, pois seria uma forma de manobra política para alcançar
privilégios não previstos pela Constituição, pela Jurisprudência e normas esparsas.
Como restou demonstrado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que sua
competência originária acerca da imunidade parlamentar diz respeito apenas às
ações de caráter penal, não podendo, por isso, julgar as ações de improbidade
administrativa, que possuem natureza civil.239 Conforme a doutrina majoritária, não
compete a Colenda Corte julgá-las, pois, nestes casos, compete a justiça comum
fazê-lo, afastando, com isso, a possibilidade dos congressistas serem beneficiados
por julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, em conformidade com o
estabelecido pelo art. 53, § 1.º da Constituição Federal.
Em relação à crítica feita pelos meios de comunicação no que diz respeito à
239 MORAES, 2006, p. 508.
68
reeleição do parlamentar e a continuidade da prerrogativa após a sua diplomação
em razão de sua nova candidatura como forma de garantir que sua conduta ilícita
seja ocultada, vale esclarecer que não há previsão legal que impeça a reeleição do
parlamentar, na verdade esta limitação existe em relação ao Poder Executivo, pois
de acordo com o art. 14, § 5.º da Constituição Federal, o Presidente da República,
Governador e Prefeito podem ser reeleitos para um único período subseqüente.
Solução para o conflito entre imunidade parlamentar e reeleição concentra-se na
repressão moral da sociedade em não votar no parlamentar que tem processo a ser
julgado, com o término de seu mandato, pelo juízo de primeiro grau. Para tanto, nos
casos em que os parlamentares forem reeleitos, apesar de terem processo
pendente, cabe aplicar a lição de Miguel Reale sobre o Poder Legislativo que “é a
imagem do povo que o elegeu. Muito embora possa ser uma imagem que nos
desaponte a todos, nem por isso deixará de ser o espelho das opiniões dominantes,
de tal modo que um eleitorado desapontado com os seus representantes está, no
fundo, desapontado consigo mesmo”.240
Conclui-se, pois, em face do exposto, que a imunidade parlamentar é uma
necessidade para a existência e a manutenção da democracia no Brasil, pois com
ela a independência do Poder Legislativo fica garantida e a teoria da Separação dos
Poderes – considerada cláusula pétrea – pode ser mantida como preceito
fundamental da estruturação do Estado. Outra questão importante diz respeito ao
fato de o instituto existir em razão do cargo, ou seja, como forma de proteger o
desempenho da missão institucional típica e atípica do Poder Legislativo, ao
contrário do que acontecia no período monárquico, cujo instituto tinha caráter
pessoal. Para tanto, são significativos os dizeres do Senador e ex-presidente da
República José Sarney, ao afirmar que “a democracia não pode ser julgada pelos
erros daqueles que a utilizaram para a corromper ou subverter, nem se lhe pode
debitar a miséria dos povos. Se fracassaram os homens, a instituição mantém-se de
pé”.241 Desta forma, é imperativa a necessidade de conhecer a imunidade
parlamentar como uma prerrogativa; conforme ensina Horta, o instituto funda o seu
sentido em satisfazer as funções do Estado e não os interesses individuais.242
240 REALE, M. Reforma Constitucional. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 8, p. 11, abr./jun.
1969.
241 SARNEY, J. Congresso, base da democracia. Revista de Informação Legislativa, n. 51, p. 23,
jul./set. 1976.
242 HORTA, 2002, p. 580.
69
70
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Priscilla Borges Kerber - Universidade Católica de Brasília