JORNALISMO ENGANOSO
Permita-se-me um comentário, que também serve de desabafo. Era só o que me faltava, a
mim, que exerço o mandato parlamentar em regime de rigorosa exclusividade, que tenho por
regra trabalhar catorze ou quinze horas por dia, sete dias por semana, incluindo férias e
feriados, como o sabem todas as pessoas (que são muitas mas não são milhões) que lidam
mais de perto comigo, passar a imagem de ser um deputado “faltoso”. É isso que se poderá
inferir da peça jornalística do Correio da Manhã publicada a 11 de Agosto de 2014, sob o título
“Deputados tiveram média de 16 faltas por sessão”, na qual se dá a conhecer uma “listagem”
dos parlamentares que registaram mais ausências nas sessões plenárias da Assembleia da
República, e onde o meu nome figura em 4º lugar, com 36 faltas (31 por missão parlamentar, 3
por trabalho político, 1 por força maior, e 1 por trabalho parlamentar). Tudo o que vem escrito
naquele jornal é verdade. Só que, deixada assim a cru a estatística dos “faltosos”, não passa de
meia verdade. Fica, por exemplo, por explicar, que um dos trabalhos parlamentares consiste
em representar a Assembleia da República em certas instituições internacionais (no meu caso,
o Conselho da Europa), o que implica, também nelas, fazer trabalho parlamentar que
dignifique o País que se está a representar. E quando, como é o caso, esse trabalho é
reconhecido lá fora, são-nos atribuídas responsabilidades acrescidas que implicam
deslocações, reuniões, conferências, plenários, intervenções. Tenho exercido cargos como
presidente da Comissão para a Igualdade, vice-presidente da Comissão Social, coordenador
político da Network Parlamentar “Women Free From Violence”, e relator de vários trabalhos
de referência nos domínios da violência contra as mulheres, da prostituição e do tráfico de
seres humanos, do turismo, do “lobbying”, só para citar alguns, no âmbito da Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa. Mas nada disto transparece na peça em questão. Nem o
facto de presidir à Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação me
absorver também em trabalho que não é visível em plenário. Como não é visível no plenário o
número de requerimentos e perguntas ao Governo que redigi e apresentei, nem as iniciativas
legislativas que subscrevi, nem os artigos que publiquei, nem as conferências que proferi
chamado pela sociedade civil para falar fora das quatro paredes do palácio de S. Bento. Nada
disso preocupa o Correio da Manhã, na sua cruzada pela descredibilização da instituição
parlamentar. Ter 100% de presenças no plenário só significa isso mesmo. Uma assiduidade que
não permite tirar qualquer outra ilação, nem qualitativa, nem quantitativa, nem
representativa, sobre a valia dos deputados. Não estou só na “injustiça” da meia notícia. Os
meus colegas do PSD, eleitos pelos círculos da emigração, Carlos Páscoa Gonçalves (Brasil),
Maria João Ávila (Estados Unidos) e Carlos Alberto Gonçalves (França), respectivamente, 3º, 5º
e 7º do “ranking dos faltosos” têm, por motivos óbvios da sua proximidade com um eleitorado
das comunidades portuguesas que está longe, que faltar mais do que o normal, mas essa sua
condição não é referida pelo jornal. E os deputados João Soares (PS), Mota Amaral (PSD),
Miranda Calha (PS) e Carlos Costa Neves (PSD), também figuram no “top-ten”, mas não se faz
referência ao facto de pertencerem às delegações da Assembleia da República junto da OSCE,
da NATO ou do Conselho da Europa. Para terminar, e pela parte que me toca, estou de
consciência tranquila. O meu trabalho está acessível no website da Assembleia da República, e
ainda mais desenvolvido no meu website pessoal www.mendesbota.com. Fui o primeiro
parlamentar em Portugal a ter tal instrumento (não confundir com blogues). Edito
regularmente uma Newsletter com as notícias factuais da minha actividade pública, que vai no
número 127. Já vi muita gente iniciar Newsletters. Conheço poucos que lhes deem
continuidade. Porque dá muito trabalho, exige perseverança. E agora, já estou no Facebook,
coisa que até há pouco tempo julgava inimaginável. Sei que tudo isto é uma gota de água ao
pé do oceano de um gigante da comunicação social como é o Correio da Manhã. É uma luta
desigual. Prevalecerá a imagem do deputado “faltoso”, mas os meus amigos e amigas, os
apoiantes e eleitores que, por uma via ou por outra conhecem o meu trabalho, saberão que tal
injustiça não ficou sem resposta. Tal como importa distinguir a publicidade da publicidade
enganosa, há que denunciar quando o jornalismo passa a fronteira para o jornalismo
enganoso, não por faltar à verdade, mas por omissão.
José Mendes Bota
11/08/2014
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