“MENTALIDADES E COSTUMES ” PEDRO AGUERRE FEVEREIRO/2014 DO QUE ESTAMOS FALANDO? Costumes são modos de vida largamente observados em uma sociedade, em geral de forma irrefletida, como se fossem automatismos sociais. São fundados nas tradições e no mimetismo social. Passado: evolução lenta Presente: evolução mais rápida (meios de comunicação de massa) Costumes gerais, regionais, locais ou de classe social Tendemos hoje a uma uniformização universal MENTALIDADE E COSTUMES SOCIAIS Mentalidade: uma visão de mundo, formada por um conjunto de ideias, sentimentos, crenças e valores predominantes, que atua na mente de cada um de nós Mentalidades são individuais ou coletivas Podem estar em um povo, grupos regionais, étnicos, de gênero ou categoria profissional. Mentalidades individuais sempre sofrem a influência da mentalidade coletiva predominante MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS No Brasil temos três raízes (com pesos diferentes) que contribuíram para a formação dos nossos costumes e mentalidades, da nossa brasilidade: 1. 2. 3. Indígena (inúmeras etnias) Negra (várias etnias Africanas) Portuguesa( Ibérica - Européia) Desenvolvimento econômico colonial Odilon Guedes Economia Açucareira - 1550 – 1650 (Monopólio) Economia Mineira - 1710 – 1790 (Centro do desenvolvimento e do povoamento da colônia) MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS 1 - A nossa raiz indígena foi muito forte em nossa sociedade colonial, a ponto dos portugueses ((1757 Marquês de Pombal) ) proibirem no Brasil-Colônia a “língua geral” (tupi-guarani) que era mais popular, impondo a população somente a língua portuguesa. Apesar da aniquilação da população indígena (Darci Ribeiro estima em 5 milhões de indígenas em1500), incorporamos costumes e mentalidades das civilizações indígenas, como: 1. Na culinária e nos costumes (a mandioca...) 2. Na linguagem: Anhangabaú, Aricanduva, Ibirapuera, Cumbica, Ubatuba e etc... 3. Nos comportamentos e mentalidades: banhos diários/ achar graça em situações acidentais (por ex.,ver alguém cair e rir). MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS 2. A raiz negra (Africana de várias etnias) constrói a nossa mentalidade e costumes também em muitos aspectos: Religiões de matriz africana Música, culinária, costumes cotidianos Conhecimentos tribais e tecnologias Formas de organização social/práticas de resistência MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS 3 – A raiz portuguesa (Ibérica) constrói de forma mais plena nossas mentalidades e costumes sociais, principalmente em razão do controle político e socioeconômico. No Brasil- Colônia a imposição de mentalidades e costumes pela corte portuguesa-brasileira, fica ainda mais forte com a chegada da família real. A corte tenta condicionar todas as relações. Era a elite que até hoje (“quatrocentona”) normatiza ou tenta normatizar as mentalidades e costumes sociais. Herdamos desta raíz até hoje uma série de mentalidades e costumes sociais que estão na vida de todos. A classe social que domina uma sociedade expressa e dissemina com mais contundência suas mentalidades e costumes. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Quanto mais fortemente os costumes e as mentalidades são assentados numa sociedade, mais dificilmente os detentores do poder conseguem mudá-los. As inovações legais, que contrariam velhos costumes ou mentalidades, tendem a ser desrespeitadas, de modo aberto ou oculto. De modo geral, a mudança de costumes e mentalidades não se faz adequadamente pelo poder, sem um esforço organizado de educação cívica, mostrando-se a imoralidade ou o atraso técnico do modo de vida tradicional. OS GRANDES FATORES DETERMINANTES FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA (FKC) a. b. c. d. e. O grande domínio rural autárquico A autocracia governamental A escravidão indígena e africana O prestígio da riqueza A influência do catolicismo romano RAÍZES DO BRASIL Economia colonial centrada no meio rural A política como um reflexo dos poderes incorporados pelos proprietários rurais Colonização exploratória marcada por um espírito aventureiro Valorização do enriquecimento fácil e rápido, e nenhum cuidado com a Terra e seus ocupantes A máxima de extrair o máximo do solo, sem grandes sacrifícios, justificado pela abundância territorial O problema do trabalho resolvido pela utilização de mão de obra escrava RAÍZES DO BRASIL O declínio das sociedades rurais e o êxodo urbano Transferência dos poderes e das estruturas rurais para as cidades. Manutenção da velha herança rural. Um aspecto conservador do poder, ocasionando a manutenção do status quo A ocupação dos novos cargos administrativos criados nos centros urbanos pelos antigos senhores de engenho e seus herdeiros “ A família patriarcal fornece assim o grande modelo por onde hão de calcar, na vida política, as relações entre governantes e governados”. MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS Em “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda identifica a formação da identidade nacional brasileira. O conceito de “homem cordial” é fundamentado sociologicamente por Sérgio Buarque de Holanda. Esta definição não tem nada a ver com o ser cordial no sentido comum: afetuoso, simpático,afável, educado e polido. A palavra cordial na sua raiz (Core/Cordis= coração) fala de alguém que só se relaciona fincado no sentimento, na emoção e estabelece suas relações sempre nesta perspectiva passional. A racionalidade nunca prevalece. MENTALIDADES E COSTUMES SOCIAIS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Sérgio Buarque de Holanda acentua alguns legados históricos originários da colonização portuguesa e sua estrutura social, política e econômica: Não separação do público do privado; A falta de ética nas relações; de capacidade de aplicar-se a um objetivo exterior Pouca afeição/relutância em face das leis; Abomina as formalidades Privatismo; Personalismo/postura que não estrutura a ordem coletiva Espírito de conciliação; Duplicidade institucional, como reflexo de nosso caráter dúplice TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Privatismo Personalismo Predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais (o “homem cordial”). Espírito de conciliação Duplicidade institucional, como reflexo de nosso caráter dúplice TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA FÁBIO KONDER COMPARATO - ABRIL DE 2011 Privatismo Durante todo o período colonial, o Estado permaneceu praticamente ausente da vida brasileira. Essa situação foi-se modificando lentamente a partir da instalação da família real no Brasil em 1808. e após a Independência. A importância do poder estatal no Brasil só veio a acentuar-se com a Revolução de 1930. Até praticamente o século XX, o policiamento efetivo era feito por guardas ou capangas de grandes senhores. De onde a tradição de violência e irresponsabilidade das nossas forças policiais, e sua submissão à vontade dos ricos e poderosos. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA A moderna propaganda capitalista, fantasiada de liberalismo e democracia, encontrou em nossa mentalidade privatista um terreno fértil onde depositar suas sementes. Aceitamos facilmente a idéia de que o Estado trabalha mal, e que somente a empresa privada é eficiente. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Personalismo Nossa dificuldade em compreender e aceitar o funcionamento de organizações impessoais, de modo geral. Daí, p. ex., a evolução da fé católica em direção a uma fidelidade, não ao dogma abstrato, mas à pessoa do clérigo que exerce o poder: o pároco, o bispo, o papa. No campo político, o personalismo tem permanecido incontestável. O povo desconfia das ideias e programas abstratos, repudia os partidos e somente confia em políticos de carne e osso, sobretudo quando eles encarnam um paternalismo protetor. A política, entre nós, nunca foi um embate de idéias, mas a atuação, conflitiva ou amigável, de personalidades marcantes. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais (o “homem cordial”). A política sempre foi, entre nós, um jogo de amigos e de adversários ou inimigos. As relações de amizade ou inimizade são decisivas. Na República Velha (1889 – 1930) dizia-se: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Essa mesma ausência de impessoalidade existe no funcionamento da Administração Pública e da Justiça. É comum, quando se tem um problema ligado a serviço público, procurar antes de tudo o amigo na repartição competente. Nos processos judiciais, advogado eficiente é o amigo dos juízes. Essa tradição personalista explica, em grande parte, a instituição do despachante, grande originalidade nacional. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Espírito de conciliação Como conseqüência das duas últimas tendências assinaladas, a lei geral da política brasileira é a conciliação entre grupos ou personalidades rivais. Entre nós, em matéria política, sempre foi aceito o princípio de que um mau acordo é preferível a um conflito aberto, a se encerrar com vencidos e vencedores. Daí o fato impressionante de que todas as grandes mudanças institucionais, no Brasil, foram frutos de acordos, mesmo quando tais mudanças se iniciaram por conflitos armados. Assim foi com a Independência, com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831, com a proclamação da República, com a extinção do Estado Novo getulista em 1945 e do regime militar em 1985. TRAÇOS MARCANTES DA MENTALIDADE BRASILEIRA NA VIDA POLÍTICA Duplicidade institucional, como reflexo de nosso caráter dúplice As nossas classes e grupos dominantes timbram em se apresentar em público como respeitadoras dos grandes valores éticos e dos princípios políticos, dominantes nos países ditos civilizados. Na realidade da política interna, porém, tais grupos e classes não escondem seu repúdio a esses valores. Todas as nossas Constituições, até mesmo as promulgadas por governos ditatoriais, não passaram de imitações de Cartas Políticas de países que considerávamos, à época, como modelos. Mas entre a Constituição oficial e a Constituição real sempre caiu a sombra. Ler a esse propósito, no site da Escola, o meu artigo intitulado O Direito e o Avesso. INSTITUIÇÕES E CIDADANIA JOSÉ MURILO DE CARVALHO- ´CIDADANIA NO BRASIL: O LONGO CAMINHO´ A construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a Nação A lealdade ao Estado depende do grau de participação na vida política A herança colonial influenciou na negação dos direitos e no modo de desenvolvimento dos direitos civis, sociais e políticos. O novo país herdou a escravidão, a grande propriedade rural e um Estado comprometido com o privatismo e com o poder privado. Estes traços permanecem vigentes na cultura política Brasileira INSTITUIÇÕES E CIDADANIA A crise do Estado-Nação A impossibilidade da construção da cidadania, pela não efetivação de direitos sociais, civis e políticos A prática política, exercida majoritariamente através do sistema eleitoral, acaba por obedecer a uma racionalidade da necessidade e do benefício imediato Estruturas continuadas pelas influências deixadas por fatores como personalismo, privatismo e oligarquias na política PAI CONTRA MÃE- MACHADO DE ASSIS “Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantém a lei a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reinvindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem A necessidade faz o ladrão… DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASIL INDEPENDENTE Economia Cafeeira - 1830 – 1930 (Recoloca o Brasil no comércio internacional, gera acúmulo de capitais, Imigração, Trabalho assalariado, Unidade nacional) Primeiras indústrias - 1890 - 1930 Modelo de Substituição de Importações 1930 - 1980/90 Crise de 1930 Primeira Metade da Década de 40 (Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, Companhia Nacional de Álcalis, Companhia Vale do Rio Doce) Primeira Metade da Década de 50 - Getúlio Vargas (Petrobrás, BNDE, Proteção a Indústria Nacional – Política Cambial) Segunda Metade da Década de 50 - JK (Plano de Metas: infraestrutura, multinacionais, indústria) Anos 60 - Jango Goulart (crise (inflação; queda crescimento do PIB) Anos 60 - Ditadura Militar - 1964 – 1984 (1979 II PND (completar matriz industrial – último plano estratégico) 1980 – Década Perdida (Crise da dívida externa, ajuste com recessão – desemprego; explode Inflação; crise social) O BRASIL SE DESENVOLVEU COM ESTA MENTALIDADE E COSTUMES? 1952 População: 51.944.397 Maiores cidades: 1) Rio de Janeiro(2,3 mi) 2) São Paulo (2,1 mi) 3) Recife (0,5 mi) 2012 População: 190.732.694 Maiores cidades: 1)São Paulo (11,3 mi) 2)Rio de Janeiro (6,3 mi) 3) Salvador (2,6 mi) O BRASIL SE DESENVOLVEU COM ESTA MENTALIDADE E COSTUMES? 1952 Maior produto exportado: Café PIB: US$ 6.891 Extensão das Estradas de Ferro: 37.019 km Automóveis em circulação: 299.625 Expectativa de vida: 52 a Diplomas ensino superior: 158 mil Analfabetismo: 39,5% 2012 Maior produto exportado: Minério de Ferro PIB: US$ 11.660 Extensão das Estradas de Ferro: 29.706 km Automóveis em circulação: 65.636.754 Expectativa de vida: 72 a Diplomas ensino superior: 12 milhões Analfabetismo: 9,6% Fonte Revista Época – Ed. Histórica Alguns dados: Desigualdade social e econômica no Brasil Faixa de Renda População (milhões) Porcentual da Valor da riqueza riqueza (em bilhões de reais) Renda per capta por faixa 20% dos mais 40.000.000 ricos 62,6 196,6 4.915,00 60% 120.000.000 intermediários 33,9 106,4 886,66 20% dos mais 40.000.000 pobres 3,5 11 275,00 Carta na Escola, edição n°50, Renda mínima, por partes A TRADUÇÃO PELA SABEDORIA POPULAR DA IGNOMÍNIA E DA POSSIBILIDADE DA TRANSGRESSÃO ÉTICA VIVIDOS NO COTIDIANO Falas do poder Aos amigos tudo, aos inimigos a lei Você sabe com quem está falando? Falas da condescendência Manda quem pode, obedece quem tem juízo, Uma mão lava a outra Não dá para dar um jeitinho? Falas da prudência A corda arrebenta do lado mais fraco Cada macaco no seu galho Afinal de contas Casa de ferreiro espeto de pau ou Aqui se faz, aqui se paga ... PEDRO AGUERRE¹ É graduado em ciências sociais (PUC-SP); mestre e doutor em ciências sociais (PUC-SP). Tese: “Periferia: um estudo sobre a segregação socioespacial na cidade de São Paulo”. Foi consultor do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - Pronasci (PNUD, 2008; UNESCO - 2009/2010). É membro associado do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulol. É membro associado da Escola de Governo de São Paulo e professor de Ciências Sociais da PUCSP – Faculdade de Economia e Administração. Escreveu: Segregação socioespacial e violência na Cidade de São Paulo: referências para formulação de Políticas Públicas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 93-102, 2004 ( http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010288392004000400011&script=sci_arttext)