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FORMAÇÃO CONTINUADA E RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES DA
EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Naire Jane Capistrano – UFRN
RESUMO: A formação docente é direito dos professores e da população que se
beneficia com a melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Este
trabalho aborda, em contexto de formação continuada, a perspectiva dos próprios
professores cursistas em relação aos processos de formação continuada na área da
Educação Física na Educação Infantil que possibilitaram uma mudança efetiva nas
situações sociais e nos modos de discurso. A metodologia assumiu princípios e técnicas
da abordagem qualitativa e as características da estratégia descritivo-interpretativa.
Definiu, como lócus da investigação, o Curso de Especialização em Ensino de Arte e
Educação Física na Infância, tendo como sujeitos vinte e três professoras cursistas. Para
a construção/sistematização dos dados, foram utilizados os seguintes instrumentos e
procedimentos: questionário e entrevista semiestruturada. Os dados construídos, com
base na técnica de Análise de Conteúdo, privilegiaram as reflexões e as falas sobre a
criação de novos significados e sentidos para os saberes da Educação Física na
Educação Infantil. Constatou-se, dentre outros resultados, a necessidade e a busca pela
melhoria da formação docente, visando ao aprimoramento da prática educativa.
Evidenciou-se, também, que as professoras elegem como critérios de avaliação de
formação continuada o caráter reflexivo, a relação entre teoria e prática e a formação
centrada em uma prática próxima à realidade de todos. Verificou-se que as situações de
interlocuções foram indicadas pela maioria das investigadas como momentos relevantes
para a ressignificação de saberes. Dessas elaborações, chega-se a conclusão de que
conhecer as perspectivas de professores sobre formação continuada poderá contribuir
para o debate teórico-metodológico no campo da formação docente e para a criação de
novas propostas pedagógicas.
Palavras-chave: formação continuada de professores;
ressignificação de saberes; educação física; educação infantil.
proposta
pedagógica;
A (re)construção de saberes da Educação Física em dispositivos de formação
continuada por sujeitos professores se refere a histórias de apropriação e ressignificação
de saberes que se relacionam com aprendizagens em processos de formação inicial e/ou
continuada, em um processo de articulação das Ciências da Educação, das Ciências
Humanas e da prática docente. São saberes constituídos na divergência e convergência
de perspectivas históricas, filosóficas, psicológicas, sociológicas, pedagógicas... Esses
saberes heterogêneos são provenientes de diferentes fontes. Essa heterogeneidade é,
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desse modo, ocasionada e ocasiona posições distintas dos professores diante dos demais
grupos produtores e portadores de saberes e das instituições de formação.
Abordar a constituição de ser professor diz respeito também à constituição
enquanto sujeito humano, em determinados tempo e lugar e em determinadas condições
sociais, concebida como processo inacabado, prolongado, em espiral, constituída de
relações, interações e significações... de aprendizagens (CHARLOT, 2000; VIGOTSKI,
2007, 1987; PINO, 2005). Inacabado, pela incompletude que marca a espécie humana;
prolongado, pois, em decorrência de seu inacabamento, esse processo dá por toda a
vida; em espiral, já que a cada nova transformação, passa por um mesmo ponto e avança
para um nível superior.
A formação continuada não deve ser proposta com o argumento de suprir
lacunas de uma formação inicial precária, mas parte do desenvolvimento profissional,
cabendo ao professor formador, o papel de intervir, intencional e sistematicamente.
Assim, neste trabalho, a formação docente está sendo assumida como direito dos
professores, enquanto profissionais, e da população que se beneficia com a melhoria da
qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Defendemos, portanto, a formação de
professores como preparação formal desenvolvida em contextos institucionais
adequados para quem é ou pretende se tornar professor.
Nessa perspectiva, a formação continuada de professores de Educação Infantil
na área de Educação Física é entendida como parte da história dos sujeitos que dela
participam, portanto, faz-se necessário conhecer, também, os processos formativos
pelos quais passam esses sujeitos.
No contexto da Educação da Infância, uma parcela considerável de professores
alega dificuldade para desenvolver o trabalho pedagógico na área da Educação Física,
mais especificamente, na Educação Infantil. Essa realidade, de modo geral, não se
apresenta diferente quando se considera como critério de análise o curso escolhido
como formação inicial do professor. Sayão (1999) explicita que, tradicionalmente, os
cursos de licenciatura em Educação Física não se preocupavam com a formação de
professores para atuarem na Educação Infantil. Por outro lado, nos cursos de formação
de professores de Educação Infantil, com exceção de algumas iniciativas, a Educação
Física, também, não era contemplada de forma organizada como área de conhecimento
com especificidades que precisam ser apropriadas pelo/a professor que trabalha com
crianças (CAPISTRANO, 2001). Destacamos que tal realidade vem se modificando,
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gradativamente, mas foi, nesse contexto, que muitos dos professores, hoje em exercício,
foram formados inicialmente.
Diante dessa problemática, este trabalho pretende abordar, em contexto de
formação continuada, a perspectiva dos próprios professores cursistas em relação aos
processos de formação continuada na área da Educação Física na Educação Infantil que
possibilitaram uma mudança efetiva nas situações sociais e nos modos de discurso.
Trata-se do recorte de uma pesquisa que foi desenvolvida em nível de doutorado
que teve, dentre outros objetivos, conhecer as contribuições de um curso de
especialização na formação de professores de Educação Infantil na área de Educação
Física. O referido curso foi promovido pelo Paidéia, Núcleo de Formação Continuada
para Professores de Arte e Educação Física/UFRN, centro integrante da Rede Nacional
de Formação Continuada para Professores da Educação Básica/MEC.
Esta pesquisa descritivo-interpretativa (AMADO, 2009), com base na
Abordagem Qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), procurou construir um discurso
com base nas reflexões e falas dos sujeitos acerca dos processos coletivos e individuais
da formação continuada.
Definimos como lócus da pesquisa o Curso de Especialização em Ensino de Arte
e Educação Física na Infância, com carga horária de 360h, desenvolvido no Rio Grande
do Norte/Brasil, envolvendo 150 professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do
Ensino Fundamental da rede pública de ensino do referido estado. Essa escolha
considerou as seguintes condições: o referido curso atender a professores da Educação
Infantil; contemplar os conhecimentos da área de Educação Física; ter uma carga
horária relevante.
A fim de construir o objeto de estudo deste trabalho, utilizamos como
instrumentos de organização/sistematização de dados: questionário e entrevista. O
questionário foi aplicado com todos os professores cursistas e, a partir dele,
identificamos e caracterizamos vinte e três sujeitos, de acordo com os seguintes
critérios: professores que atuavam na Educação Infantil durante a realização do Curso;
atuavam como regentes ou especialistas em Educação Física; aceitaram participar da
pesquisa.
A entrevista semi-estruturada foi considerada como o procedimento principal.
Pela sua organização, esse tipo de entrevista se coloca como uma oportunidade ímpar
para a investigação, na medida em que permite maior liberdade ao entrevistado de
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abordar o tema proposto e possibilita ao pesquisador esclarecimentos imediatos das
respostas, suscitados pela atenção aos comportamentos verbais e não verbais (AMADO,
2009).
A construção/organização/sistematização dos dados foi realizada com base na
técnica de Análise de Conteúdo (AMADO, 2000; AMADO, 2008; AMADO, 2009).
Os comentários dos cursistas acerca de sua formação docente espelham e
revelam que as professoras avaliam suas experiências formativas, estabelecendo uma
relação entre o vivido e a utilização/mobilização/articulação/produção de saberes nas
situações reais do processo ensino e de aprendizagem. Teceremos, assim, algumas
considerações, com base nas reflexões/análises desencadeadas por meio da pesquisa
realizada.
Vinte e três professoras entrevistadas (100 % do total) justificam o ingresso no
curso “obter respostas às necessidades e de obter apoio na transformação da prática”. A
formação continuada é vista também pelas próprias professoras, em função dos
discursos atuais, como alternativa para elevar a qualidade da Educação Básica.
Segundo os estudos de Gatti (2008), as discussões internacionais têm posto
como propósito central para a formação continuada a atualização e o aprofundamento
em avanços do conhecimento, em função dos desafios diários provenientes das novas
produções cientificas, técnicas e culturais. Entretanto, nas falas das professoras,
claramente, a ênfase recai no entendimento sobre formação continuada impulsionada
pela necessidade de suprir carências na formação inicial; formação continuada como
compensatória.
Parte das professoras entrevistadas (43,5%) admitiu a ausência de saberes
específicos na área da Educação Física, advindos da formação inicial. Tal situação
torna-se mais preocupante quando outras doze professoras afirmaram que a formação
foi insuficiente. Na maioria das vezes, as professoras, egressas de cursos de Pedagogia e
de Magistério na modalidade Normal, referiram-se à disciplina Jogos e Recreação.
Diante desse contexto da formação acadêmica, sete professoras referiram-se a
saberes construídos com base em situações vividas na infância; houve aquelas que
relataram saberes construídos com base em experiências já como docentes - pesquisa
em livros e outros materiais (17,4%), observação da prática e conversas com outros
professores (39,1%), papel formativo da coordenação escolar (4,3%), e também,
simultaneamente e não, em experiências apoiadas na tradição pedagógica (4,3%) e em
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uma prática intuitiva (17,4%). Outras sete entrevistadas ainda declararam a participação
em cursos e oficinas pedagógicas.
Nesse contexto, a maioria das professoras revela que a Educação Física era
concebida como recreação, na perspectiva de atividades livres, conjunto de atividades
para passar o tempo. De modo geral, não era reconhecida como componente curricular.
Percebe-se um entendimento da Educação Física como um saber eminentemente
prático, destituído de pensar (CASTELLANI FILHO, 1988). Quando era tratada como
componente curricular, as professoras a compreendiam em uma perspectiva de
sistematização de atividades lúdicas para aprendizagem de conteúdos de outros
componentes curriculares: Matemática, da Linguagem... Apenas uma professora fez
menção ao caráter intencional das atividades, destacando a presença de objetivos.
Outras seis professoras mencionaram a ausência de objetivos e planejamento prévio.
Em relação ao tempo destinado às atividades, a prática se desdobrava em duas
vertentes distintas: uma primeira, revelada pela maioria, na qual as atividades eram
desenvolvidas em um tempo previamente definido para a recreação, na rotina diária ou
semanal; e, uma segunda, na qual as atividades ocorriam quando dava ou sobrava um
tempinho. Nesse mesmo sentido, é compreensível que as professoras tenham afirmado
que o espaço físico de realização das atividades se limitava ao pátio.
As professoras citam que, durante e após as intervenções do curso, a
fundamentação teórica assume posição destacada no fazer com as crianças na área de
Educação Física. Para elas, esse processo foi desencadeado pela estrutura das aulas:
atividade desencadeadora – prática corporal ou apresentação de vídeo ou leitura de
cenas do cotidiano pedagógico -, com a intenção de fazer a conexão teoria/prática, à
medida que provocava reflexões/discussões iniciais acerca da temática a ser abordada;
em seguida, um texto para fundamentação teórica do conteúdo proposto que podia
subsidiar uma exposição dialogada e discussão coletiva. Ao final do texto, o professor
trazia questões alusivas à temática a fim de permitir uma reflexão posterior e indicava
leituras para complementar o aporte teórico sobre as temáticas discutidas.
Os indicadores da pesquisa apontam para novas atitudes das professoras frente à
construção/socialização de saberes. Das vinte e três professoras entrevistadas, nove
delas evidenciam explicitamente a articulação teoria e prática, respaldada em novos
conhecimentos, em novas referências.
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Vale ressaltar também comentários das professoras sobre a realização de ações
em outras escolas, a organização de eventos para professores, a realização de oficina
para pais e crianças e a publicação de trabalhos. Por outro lado, diferente desses
enunciados animadores, uma professora assinalou com ressentimento a dificuldade
enfrentada em relação ao desinteresse e descaso de outras professoras da escola.
Devido às novas interlocuções, observam-se mudanças na concepção de
Educação Física. A análise dos dados revela o entendimento de Educação Física como
área de conhecimento e um leque de concepções que reflete as principais tendências que
fazem parte da história Educação Física na Educação Infantil brasileira.
Nesse contexto, o professor ressurge como responsável pela organização
intencional da ação pedagógica com papel de ensinar, trazer conhecimentos, observar,
realizar atividades, fazer junto, motivar, intervir, planejar, observar (60,8% das
entrevistadas). Além dessas, três professoras acrescentam a função de registrar a prática
pedagógica.
No que toca aos objetivos, depoimentos de sete professoras relatam a passagem
de uma ação baseada na tradição, imitação, para uma prática com objetivos explícitos,
com um planejamento individual ou em pequenos grupos da ação pedagógica.
Sob esse prisma, confirmamos mais uma vez a estreita relação entre a concepção
teórica e os temas/conteúdos/atividades, assumida de modo explícito ou não; um/a
mesmo/a tema/conteúdo/atividade pode ser desenvolvido/a na escola, com base em uma
perspectiva diversa.
A análise dos dados assinala que vinte e duas entrevistadas referiram-se ao curso
evidenciando aspectos positivos. Ressaltamos a coerência dos discursos das professoras
concernente à relação entre a avaliação feita do curso e os fatores impulsionadores de
mudança. Os aspectos na avaliação apontados como positivos - riqueza das trocas de
experiências, relação teoria e prática e situações que oportunizaram a ampliação dos
conhecimentos – permeiam os discursos no decorrer das entrevistas, indicados como
propiciadores de mudança.
Todos os fatores mencionados pelos cursistas como impulsionadores de
mudança foram considerados fundamentais para compreensão da formação no âmbito
do aprendente. Tal fato não exclui análises de dados relativas a uma frequência mais
elevada de registros dos fatores nas falas das entrevistadas e possíveis relações com o
tempo de docência na instituição infantil.
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São múltiplos os fatores apontados pelas professoras que contribuem para a
transformação do trabalho educativo. No entanto, de modo geral, tinham, como foco, as
dimensões teoria e prática, de forma indissociável.
Tomar a reflexão sobre a prática pedagógica como ponto de partida foi uma
oportunidade para socializar e ressignificar no curso dificuldades e estratégias para
solucioná-las, à medida que iam estabelecendo a troca de saberes e construindo
parcerias entre si e entre cursistas e professores formadores. Reconhecemos que tal
decisão propiciou ao grupo perceber a heterogeneidade e a diversidade que marcam os
contextos educativos, enriquecendo o processo de ensino/aprendizagem pela prática
reflexiva apoiada pelos outros e pelos estudos.
As professoras ressaltam ainda as pesquisas, leituras e discussões como
desencadeadoras de reflexão sobre a prática, os conteúdos abordados, o conhecimento
teórico estimulante, a troca de saberes entre os/as colegas e professores/as e as
atividades práticas vivenciadas.
Os indicadores acima, também, nos remetem aos dizeres de Nóvoa (1997) e
Freire (1996), quando realçam a troca de experiências e a partilha de saberes como
espaços de formação mútua, na medida em que o diálogo entre os/as professores/as
contribui para que a formação se torne um processo interativo e dinâmico. Os estudos
de Zeichner (1993) sobre reflexão destacam, também, a importância das discussões e
reflexões em conjunto como forma de ampliação da capacidade de aprender uns com os
outros.
Atentemos que o entrelaçamento teoria e prática se refere a momentos dedicados
no curso à prática, sem se restringir às vivências, mas inclui, também, os instantes nos
quais se discutia a prática da escola.
Nesse sentido, observamos o destaque para a troca de experiências, possibilitada,
segundo as cursistas, sobretudo, nas situações dos trabalhos em grupos na própria sala
de aula e do desenvolvimento dos projetos relacionados à fase vivencial. Consideramos
que a partilha de saberes funcionou como elemento formativo importante na medida em
que propiciava, entre outros aspectos, a articulação entre teoria e prática, e, ao mesmo
tempo, ocorriam, a ampliação e o aprofundamento das temáticas em questão, e ainda a
reflexão sobre esses aspectos.
Em suas falas, as professoras elegem alguns aspectos relacionados aos
professores formadores e à equipe de coordenação do curso como fundamentais para o
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êxito do curso: dinamismo nas atividades, relevância de conteúdos, assiduidade,
compromisso, boa relação entre professor/a-aluno/a, respeito, humildade, mediação…
As intervenções dos formadores, com exemplos, orientações, teorias e incentivos,
suscitando reflexões e relações. Consideradas por quinze professoras como fator
fundamental, o professor assumiu lugar imprescindível pela sua atuação empenhada e
comprometida.
É notória a atuação dos professores, como podemos verificar em Stadnik, Cunha
e Pereira (2009, p.18) quando já na introdução mencionam que
o professor é peça fundamental e influenciadora do currículo e da
pedagogia em sala de aula, com fortes reflexos na educação e na
formação de crianças, jovens e adultos e consideramos que os
professores universitários podem auxiliar na construção de uma
melhor realidade educativa em variados níveis, principalmente por
serem professores formadores – professores de professores,
influenciando, certamente, grande parte da rede ensino-aprendizagem.
Portanto, o que os professores pensam e a forma como agem tem
importância fundamental para as melhorias, mudanças e inovações
dos processos educativos e formativos.
Ainda sobre a temática, Freire (1996) afirma que os alunos estão sempre fazendo
juízos dos professores, deixando marcas, formadoras ou deformadoras. As atitudes dos
formadores - um silêncio, um gesto, um sorriso, uma alteração na voz etc. – eram lidas
pelos/as cursistas como devem ser lidas também as linguagens dos alunos em todos os
níveis de escolaridade.
Julgamos pertinente reconhecer também que, inseridos na relação de ensinoaprendizagem, os cursistas, no decorrer da formação, simultaneamente, influenciam os
modos de atuação dos formadores. E, assim, os atores sociais vão se modificando.
As professoras também contemplarem o desenvolvimento de projetos
pedagógicos como trabalho avaliativo como fator impulsionador de mudança por
considerá-lo espaço de aprimoramento da teoria e de melhoria da prática
Nesse contexto de ressignificação de saberes, a construção do Memorial
Descritivo – Trabalho de Conclusão de Curso - também foi apontada como outro fator
importante. Nesse percurso, notamos, ainda, a ênfase na indicação da excelente
qualidade dos materiais por professoras de todos os grupos, citada como espaço de troca
de experiências e de referência para novas práticas.
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A relação com os pares, quando estabelecida com base na solidariedade e no
apoio entre si, sobretudo, em pequenos grupos, também foi apontada como
impulsionador de mudanças. Evidenciamos, entretanto, que a troca estabelecida em um
contexto marcado pela heterogeneidade/diversidade imprime a possibilidade de
identificação ou/e diferenciação do/com o outro, podendo desencadear confronto, ajuda
mútua e, segundo as entrevistadas, ampliação das capacidades de todos e de cada um.
A criação de bons vínculos afetivos entre pares favorece a superação de
dificuldades no processo de ensino e aprendizagem. O fazer junto propiciou discussões
de novas concepções, de outras perspectivas de trabalho pedagógico, apresentando-se
como uma estratégia para entendimento e/ou fazer o que era considerado difícil,
reiterando os estudos de Vigotski (2007). As professoras reafirmam que, no contexto de
solucionar problemas, no movimento das relações interpessoais, as interações e relações
estabelecidas constituíram processos de ressignificação para as coisas, possibilitando
internalização, desenvolvimento.
Sobre a temática Altet (2000) evidencia vários níveis de funcionamento de
modos de ajustamento ou de não-ajustamento entre o professor e os alunos, destacando
entre eles, os do plano afetivo. O referido estudo destaca o valor do clima motivacional
e afetivo na relação professor-aluno. Altet (2000) destaca a presença de sinais de
afetividade positiva como condição de sucesso de aprendizagem. Por outro lado, a
expressão de afetividade negativa pode estabelecer comportamentos de dependência,
submissão, passividade, receio, desatenção e até de barulho.
Recordemos, também, Charlot (2000) quando enfatiza que a relação com o saber
envolve sempre um sujeito que é desejo. Desejo que emerge de relações consigo que é
também relação com o Outro. E na relação com o Outro é essencial.
Os dados reforçam que formar-se professor implica um percurso de idas e
vindas, de caminhos individuais construídos no coletivo e não de um discurso
consensual. As reflexões/análises dos resultados obtidos apresentam, segundo as
professoras, considerações acerca da formação continuada, em geral, e, especificamente,
da formação na área da Educação Física, a saber:
• A formação docente se dá no processo de apropriação de saberes, em contextos
de objetividade e subjetividade, fruto da sua inserção e vivência em práticas
sociais, sempre mediado por outros e por signos.
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• As motivações para a formação estão, muitas vezes, relacionadas com possíveis
mudanças na prática com as crianças, com possíveis aprendizagens das crianças.
• As necessidades de formação continuada e os saberes construídos estão,
indissociavelmente, relacionados às situações de vida pessoal e profissional, às
concepções acerca de formação, de ensino-aprendizagem, do papel de professor.
• As opções pedagógicas dos professores não decorrem linearmente de suas
concepções teóricas, mas estão intimamente imbricadas.
• A participação das professoras, nas atividades durante o curso, era atribuída à
relação feita por elas entre os conteúdos/temas em estudo e as estratégias
metodológicas/atividades propostas e suas necessidades e aspirações.
• As professoras elegem como critérios de avaliação de formação continuada o
caráter reflexivo, a relação entre teoria e prática e a formação centrada em uma
prática próxima à realidade de todos e de cada sujeito envolvido.
• As situações de interlocuções (em interações com os pares, com os professores
formadores, outros profissionais da área ou/e áreas afins, entre outras) foram
indicadas pelas professoras cursistas como momentos mais relevantes para a
ressignificação dos saberes.
• As novas significações decorreram, impreterivelmente, em virtude do lugar que
a prática docente passou a ter para as professoras: espaço de ação-reflexão-ação.
• As falas das professoras denunciam na Formação Inicial a ausência de saberes
específicos sistematizados na área da Educação Física. Para a maioria, o curso
de especialização caracterizou-se como formação inicial na área de Educação
Física na Educação Infantil. Por essa razão, os objetivos pretendidos para uma
especialização como aprofundamento se concretizam como imbricados em um
processo espiralado, de rupturas e avanços.
• A Educação Física passou a existir nas reflexões, nos diálogos e nas ações do
grupo tanto no curso de formação quanto na escola, na medida em que se
constituía um espaço igualmente para se falar sobre práticas já vividas, e, assim,
relacionar os temas discutidos nas aulas a outras referências, e vincular o grupo
aos conteúdos/temas da formação. Desse modo, as aulas consistiram em uma
série de condições constitutivas das possibilidades de apreciar, refletir, articular,
mobilizar saberes e, assim, construir novos saberes, ressignificando os outros.
As aprendizagens de cada um/a – professor formador e professora cursista -
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eram compartilhadas, narradas e ouvidas de outros jeitos, considerando as
singularidades de cada sujeito e os limites do curso. E a partir daí, contadas,
recontadas, tornando-se, possivelmente, referências de novas práticas. São
palavras que se constituem de muitos significados e produzem muitos sentidos.
• A intencionalidade do trabalho acerca da Educação Física no curso proporcionou
o reconhecimento dessa área como componente curricular e a importância da
inclusão das suas especificidades no planejamento pedagógico, especialmente a
necessidade de elencar objetivos/intenções.
• A participação em cursos de formação não garante as mudanças, mas explicita a
vontade por mudanças, sobretudo da/na prática pedagógica.
Esperamos que esta pesquisa possibilite a organização de dispositivos
formativos na área da Educação Física, considerando os sujeitos participantes e seus
processos
históricos,
sociais
e
culturais
como
imprescindíveis
para outros
desdobramentos em ambientes educativos diversos.
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