XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 25 FORMAÇÃO CONTINUADA E RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Naire Jane Capistrano – UFRN RESUMO: A formação docente é direito dos professores e da população que se beneficia com a melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Este trabalho aborda, em contexto de formação continuada, a perspectiva dos próprios professores cursistas em relação aos processos de formação continuada na área da Educação Física na Educação Infantil que possibilitaram uma mudança efetiva nas situações sociais e nos modos de discurso. A metodologia assumiu princípios e técnicas da abordagem qualitativa e as características da estratégia descritivo-interpretativa. Definiu, como lócus da investigação, o Curso de Especialização em Ensino de Arte e Educação Física na Infância, tendo como sujeitos vinte e três professoras cursistas. Para a construção/sistematização dos dados, foram utilizados os seguintes instrumentos e procedimentos: questionário e entrevista semiestruturada. Os dados construídos, com base na técnica de Análise de Conteúdo, privilegiaram as reflexões e as falas sobre a criação de novos significados e sentidos para os saberes da Educação Física na Educação Infantil. Constatou-se, dentre outros resultados, a necessidade e a busca pela melhoria da formação docente, visando ao aprimoramento da prática educativa. Evidenciou-se, também, que as professoras elegem como critérios de avaliação de formação continuada o caráter reflexivo, a relação entre teoria e prática e a formação centrada em uma prática próxima à realidade de todos. Verificou-se que as situações de interlocuções foram indicadas pela maioria das investigadas como momentos relevantes para a ressignificação de saberes. Dessas elaborações, chega-se a conclusão de que conhecer as perspectivas de professores sobre formação continuada poderá contribuir para o debate teórico-metodológico no campo da formação docente e para a criação de novas propostas pedagógicas. Palavras-chave: formação continuada de professores; ressignificação de saberes; educação física; educação infantil. proposta pedagógica; A (re)construção de saberes da Educação Física em dispositivos de formação continuada por sujeitos professores se refere a histórias de apropriação e ressignificação de saberes que se relacionam com aprendizagens em processos de formação inicial e/ou continuada, em um processo de articulação das Ciências da Educação, das Ciências Humanas e da prática docente. São saberes constituídos na divergência e convergência de perspectivas históricas, filosóficas, psicológicas, sociológicas, pedagógicas... Esses saberes heterogêneos são provenientes de diferentes fontes. Essa heterogeneidade é, Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004946 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 26 desse modo, ocasionada e ocasiona posições distintas dos professores diante dos demais grupos produtores e portadores de saberes e das instituições de formação. Abordar a constituição de ser professor diz respeito também à constituição enquanto sujeito humano, em determinados tempo e lugar e em determinadas condições sociais, concebida como processo inacabado, prolongado, em espiral, constituída de relações, interações e significações... de aprendizagens (CHARLOT, 2000; VIGOTSKI, 2007, 1987; PINO, 2005). Inacabado, pela incompletude que marca a espécie humana; prolongado, pois, em decorrência de seu inacabamento, esse processo dá por toda a vida; em espiral, já que a cada nova transformação, passa por um mesmo ponto e avança para um nível superior. A formação continuada não deve ser proposta com o argumento de suprir lacunas de uma formação inicial precária, mas parte do desenvolvimento profissional, cabendo ao professor formador, o papel de intervir, intencional e sistematicamente. Assim, neste trabalho, a formação docente está sendo assumida como direito dos professores, enquanto profissionais, e da população que se beneficia com a melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Defendemos, portanto, a formação de professores como preparação formal desenvolvida em contextos institucionais adequados para quem é ou pretende se tornar professor. Nessa perspectiva, a formação continuada de professores de Educação Infantil na área de Educação Física é entendida como parte da história dos sujeitos que dela participam, portanto, faz-se necessário conhecer, também, os processos formativos pelos quais passam esses sujeitos. No contexto da Educação da Infância, uma parcela considerável de professores alega dificuldade para desenvolver o trabalho pedagógico na área da Educação Física, mais especificamente, na Educação Infantil. Essa realidade, de modo geral, não se apresenta diferente quando se considera como critério de análise o curso escolhido como formação inicial do professor. Sayão (1999) explicita que, tradicionalmente, os cursos de licenciatura em Educação Física não se preocupavam com a formação de professores para atuarem na Educação Infantil. Por outro lado, nos cursos de formação de professores de Educação Infantil, com exceção de algumas iniciativas, a Educação Física, também, não era contemplada de forma organizada como área de conhecimento com especificidades que precisam ser apropriadas pelo/a professor que trabalha com crianças (CAPISTRANO, 2001). Destacamos que tal realidade vem se modificando, Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004947 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 27 gradativamente, mas foi, nesse contexto, que muitos dos professores, hoje em exercício, foram formados inicialmente. Diante dessa problemática, este trabalho pretende abordar, em contexto de formação continuada, a perspectiva dos próprios professores cursistas em relação aos processos de formação continuada na área da Educação Física na Educação Infantil que possibilitaram uma mudança efetiva nas situações sociais e nos modos de discurso. Trata-se do recorte de uma pesquisa que foi desenvolvida em nível de doutorado que teve, dentre outros objetivos, conhecer as contribuições de um curso de especialização na formação de professores de Educação Infantil na área de Educação Física. O referido curso foi promovido pelo Paidéia, Núcleo de Formação Continuada para Professores de Arte e Educação Física/UFRN, centro integrante da Rede Nacional de Formação Continuada para Professores da Educação Básica/MEC. Esta pesquisa descritivo-interpretativa (AMADO, 2009), com base na Abordagem Qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), procurou construir um discurso com base nas reflexões e falas dos sujeitos acerca dos processos coletivos e individuais da formação continuada. Definimos como lócus da pesquisa o Curso de Especialização em Ensino de Arte e Educação Física na Infância, com carga horária de 360h, desenvolvido no Rio Grande do Norte/Brasil, envolvendo 150 professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede pública de ensino do referido estado. Essa escolha considerou as seguintes condições: o referido curso atender a professores da Educação Infantil; contemplar os conhecimentos da área de Educação Física; ter uma carga horária relevante. A fim de construir o objeto de estudo deste trabalho, utilizamos como instrumentos de organização/sistematização de dados: questionário e entrevista. O questionário foi aplicado com todos os professores cursistas e, a partir dele, identificamos e caracterizamos vinte e três sujeitos, de acordo com os seguintes critérios: professores que atuavam na Educação Infantil durante a realização do Curso; atuavam como regentes ou especialistas em Educação Física; aceitaram participar da pesquisa. A entrevista semi-estruturada foi considerada como o procedimento principal. Pela sua organização, esse tipo de entrevista se coloca como uma oportunidade ímpar para a investigação, na medida em que permite maior liberdade ao entrevistado de Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004948 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 28 abordar o tema proposto e possibilita ao pesquisador esclarecimentos imediatos das respostas, suscitados pela atenção aos comportamentos verbais e não verbais (AMADO, 2009). A construção/organização/sistematização dos dados foi realizada com base na técnica de Análise de Conteúdo (AMADO, 2000; AMADO, 2008; AMADO, 2009). Os comentários dos cursistas acerca de sua formação docente espelham e revelam que as professoras avaliam suas experiências formativas, estabelecendo uma relação entre o vivido e a utilização/mobilização/articulação/produção de saberes nas situações reais do processo ensino e de aprendizagem. Teceremos, assim, algumas considerações, com base nas reflexões/análises desencadeadas por meio da pesquisa realizada. Vinte e três professoras entrevistadas (100 % do total) justificam o ingresso no curso “obter respostas às necessidades e de obter apoio na transformação da prática”. A formação continuada é vista também pelas próprias professoras, em função dos discursos atuais, como alternativa para elevar a qualidade da Educação Básica. Segundo os estudos de Gatti (2008), as discussões internacionais têm posto como propósito central para a formação continuada a atualização e o aprofundamento em avanços do conhecimento, em função dos desafios diários provenientes das novas produções cientificas, técnicas e culturais. Entretanto, nas falas das professoras, claramente, a ênfase recai no entendimento sobre formação continuada impulsionada pela necessidade de suprir carências na formação inicial; formação continuada como compensatória. Parte das professoras entrevistadas (43,5%) admitiu a ausência de saberes específicos na área da Educação Física, advindos da formação inicial. Tal situação torna-se mais preocupante quando outras doze professoras afirmaram que a formação foi insuficiente. Na maioria das vezes, as professoras, egressas de cursos de Pedagogia e de Magistério na modalidade Normal, referiram-se à disciplina Jogos e Recreação. Diante desse contexto da formação acadêmica, sete professoras referiram-se a saberes construídos com base em situações vividas na infância; houve aquelas que relataram saberes construídos com base em experiências já como docentes - pesquisa em livros e outros materiais (17,4%), observação da prática e conversas com outros professores (39,1%), papel formativo da coordenação escolar (4,3%), e também, simultaneamente e não, em experiências apoiadas na tradição pedagógica (4,3%) e em Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004949 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 29 uma prática intuitiva (17,4%). Outras sete entrevistadas ainda declararam a participação em cursos e oficinas pedagógicas. Nesse contexto, a maioria das professoras revela que a Educação Física era concebida como recreação, na perspectiva de atividades livres, conjunto de atividades para passar o tempo. De modo geral, não era reconhecida como componente curricular. Percebe-se um entendimento da Educação Física como um saber eminentemente prático, destituído de pensar (CASTELLANI FILHO, 1988). Quando era tratada como componente curricular, as professoras a compreendiam em uma perspectiva de sistematização de atividades lúdicas para aprendizagem de conteúdos de outros componentes curriculares: Matemática, da Linguagem... Apenas uma professora fez menção ao caráter intencional das atividades, destacando a presença de objetivos. Outras seis professoras mencionaram a ausência de objetivos e planejamento prévio. Em relação ao tempo destinado às atividades, a prática se desdobrava em duas vertentes distintas: uma primeira, revelada pela maioria, na qual as atividades eram desenvolvidas em um tempo previamente definido para a recreação, na rotina diária ou semanal; e, uma segunda, na qual as atividades ocorriam quando dava ou sobrava um tempinho. Nesse mesmo sentido, é compreensível que as professoras tenham afirmado que o espaço físico de realização das atividades se limitava ao pátio. As professoras citam que, durante e após as intervenções do curso, a fundamentação teórica assume posição destacada no fazer com as crianças na área de Educação Física. Para elas, esse processo foi desencadeado pela estrutura das aulas: atividade desencadeadora – prática corporal ou apresentação de vídeo ou leitura de cenas do cotidiano pedagógico -, com a intenção de fazer a conexão teoria/prática, à medida que provocava reflexões/discussões iniciais acerca da temática a ser abordada; em seguida, um texto para fundamentação teórica do conteúdo proposto que podia subsidiar uma exposição dialogada e discussão coletiva. Ao final do texto, o professor trazia questões alusivas à temática a fim de permitir uma reflexão posterior e indicava leituras para complementar o aporte teórico sobre as temáticas discutidas. Os indicadores da pesquisa apontam para novas atitudes das professoras frente à construção/socialização de saberes. Das vinte e três professoras entrevistadas, nove delas evidenciam explicitamente a articulação teoria e prática, respaldada em novos conhecimentos, em novas referências. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004950 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 30 Vale ressaltar também comentários das professoras sobre a realização de ações em outras escolas, a organização de eventos para professores, a realização de oficina para pais e crianças e a publicação de trabalhos. Por outro lado, diferente desses enunciados animadores, uma professora assinalou com ressentimento a dificuldade enfrentada em relação ao desinteresse e descaso de outras professoras da escola. Devido às novas interlocuções, observam-se mudanças na concepção de Educação Física. A análise dos dados revela o entendimento de Educação Física como área de conhecimento e um leque de concepções que reflete as principais tendências que fazem parte da história Educação Física na Educação Infantil brasileira. Nesse contexto, o professor ressurge como responsável pela organização intencional da ação pedagógica com papel de ensinar, trazer conhecimentos, observar, realizar atividades, fazer junto, motivar, intervir, planejar, observar (60,8% das entrevistadas). Além dessas, três professoras acrescentam a função de registrar a prática pedagógica. No que toca aos objetivos, depoimentos de sete professoras relatam a passagem de uma ação baseada na tradição, imitação, para uma prática com objetivos explícitos, com um planejamento individual ou em pequenos grupos da ação pedagógica. Sob esse prisma, confirmamos mais uma vez a estreita relação entre a concepção teórica e os temas/conteúdos/atividades, assumida de modo explícito ou não; um/a mesmo/a tema/conteúdo/atividade pode ser desenvolvido/a na escola, com base em uma perspectiva diversa. A análise dos dados assinala que vinte e duas entrevistadas referiram-se ao curso evidenciando aspectos positivos. Ressaltamos a coerência dos discursos das professoras concernente à relação entre a avaliação feita do curso e os fatores impulsionadores de mudança. Os aspectos na avaliação apontados como positivos - riqueza das trocas de experiências, relação teoria e prática e situações que oportunizaram a ampliação dos conhecimentos – permeiam os discursos no decorrer das entrevistas, indicados como propiciadores de mudança. Todos os fatores mencionados pelos cursistas como impulsionadores de mudança foram considerados fundamentais para compreensão da formação no âmbito do aprendente. Tal fato não exclui análises de dados relativas a uma frequência mais elevada de registros dos fatores nas falas das entrevistadas e possíveis relações com o tempo de docência na instituição infantil. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004951 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 31 São múltiplos os fatores apontados pelas professoras que contribuem para a transformação do trabalho educativo. No entanto, de modo geral, tinham, como foco, as dimensões teoria e prática, de forma indissociável. Tomar a reflexão sobre a prática pedagógica como ponto de partida foi uma oportunidade para socializar e ressignificar no curso dificuldades e estratégias para solucioná-las, à medida que iam estabelecendo a troca de saberes e construindo parcerias entre si e entre cursistas e professores formadores. Reconhecemos que tal decisão propiciou ao grupo perceber a heterogeneidade e a diversidade que marcam os contextos educativos, enriquecendo o processo de ensino/aprendizagem pela prática reflexiva apoiada pelos outros e pelos estudos. As professoras ressaltam ainda as pesquisas, leituras e discussões como desencadeadoras de reflexão sobre a prática, os conteúdos abordados, o conhecimento teórico estimulante, a troca de saberes entre os/as colegas e professores/as e as atividades práticas vivenciadas. Os indicadores acima, também, nos remetem aos dizeres de Nóvoa (1997) e Freire (1996), quando realçam a troca de experiências e a partilha de saberes como espaços de formação mútua, na medida em que o diálogo entre os/as professores/as contribui para que a formação se torne um processo interativo e dinâmico. Os estudos de Zeichner (1993) sobre reflexão destacam, também, a importância das discussões e reflexões em conjunto como forma de ampliação da capacidade de aprender uns com os outros. Atentemos que o entrelaçamento teoria e prática se refere a momentos dedicados no curso à prática, sem se restringir às vivências, mas inclui, também, os instantes nos quais se discutia a prática da escola. Nesse sentido, observamos o destaque para a troca de experiências, possibilitada, segundo as cursistas, sobretudo, nas situações dos trabalhos em grupos na própria sala de aula e do desenvolvimento dos projetos relacionados à fase vivencial. Consideramos que a partilha de saberes funcionou como elemento formativo importante na medida em que propiciava, entre outros aspectos, a articulação entre teoria e prática, e, ao mesmo tempo, ocorriam, a ampliação e o aprofundamento das temáticas em questão, e ainda a reflexão sobre esses aspectos. Em suas falas, as professoras elegem alguns aspectos relacionados aos professores formadores e à equipe de coordenação do curso como fundamentais para o Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004952 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 32 êxito do curso: dinamismo nas atividades, relevância de conteúdos, assiduidade, compromisso, boa relação entre professor/a-aluno/a, respeito, humildade, mediação… As intervenções dos formadores, com exemplos, orientações, teorias e incentivos, suscitando reflexões e relações. Consideradas por quinze professoras como fator fundamental, o professor assumiu lugar imprescindível pela sua atuação empenhada e comprometida. É notória a atuação dos professores, como podemos verificar em Stadnik, Cunha e Pereira (2009, p.18) quando já na introdução mencionam que o professor é peça fundamental e influenciadora do currículo e da pedagogia em sala de aula, com fortes reflexos na educação e na formação de crianças, jovens e adultos e consideramos que os professores universitários podem auxiliar na construção de uma melhor realidade educativa em variados níveis, principalmente por serem professores formadores – professores de professores, influenciando, certamente, grande parte da rede ensino-aprendizagem. Portanto, o que os professores pensam e a forma como agem tem importância fundamental para as melhorias, mudanças e inovações dos processos educativos e formativos. Ainda sobre a temática, Freire (1996) afirma que os alunos estão sempre fazendo juízos dos professores, deixando marcas, formadoras ou deformadoras. As atitudes dos formadores - um silêncio, um gesto, um sorriso, uma alteração na voz etc. – eram lidas pelos/as cursistas como devem ser lidas também as linguagens dos alunos em todos os níveis de escolaridade. Julgamos pertinente reconhecer também que, inseridos na relação de ensinoaprendizagem, os cursistas, no decorrer da formação, simultaneamente, influenciam os modos de atuação dos formadores. E, assim, os atores sociais vão se modificando. As professoras também contemplarem o desenvolvimento de projetos pedagógicos como trabalho avaliativo como fator impulsionador de mudança por considerá-lo espaço de aprimoramento da teoria e de melhoria da prática Nesse contexto de ressignificação de saberes, a construção do Memorial Descritivo – Trabalho de Conclusão de Curso - também foi apontada como outro fator importante. Nesse percurso, notamos, ainda, a ênfase na indicação da excelente qualidade dos materiais por professoras de todos os grupos, citada como espaço de troca de experiências e de referência para novas práticas. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004953 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 33 A relação com os pares, quando estabelecida com base na solidariedade e no apoio entre si, sobretudo, em pequenos grupos, também foi apontada como impulsionador de mudanças. Evidenciamos, entretanto, que a troca estabelecida em um contexto marcado pela heterogeneidade/diversidade imprime a possibilidade de identificação ou/e diferenciação do/com o outro, podendo desencadear confronto, ajuda mútua e, segundo as entrevistadas, ampliação das capacidades de todos e de cada um. A criação de bons vínculos afetivos entre pares favorece a superação de dificuldades no processo de ensino e aprendizagem. O fazer junto propiciou discussões de novas concepções, de outras perspectivas de trabalho pedagógico, apresentando-se como uma estratégia para entendimento e/ou fazer o que era considerado difícil, reiterando os estudos de Vigotski (2007). As professoras reafirmam que, no contexto de solucionar problemas, no movimento das relações interpessoais, as interações e relações estabelecidas constituíram processos de ressignificação para as coisas, possibilitando internalização, desenvolvimento. Sobre a temática Altet (2000) evidencia vários níveis de funcionamento de modos de ajustamento ou de não-ajustamento entre o professor e os alunos, destacando entre eles, os do plano afetivo. O referido estudo destaca o valor do clima motivacional e afetivo na relação professor-aluno. Altet (2000) destaca a presença de sinais de afetividade positiva como condição de sucesso de aprendizagem. Por outro lado, a expressão de afetividade negativa pode estabelecer comportamentos de dependência, submissão, passividade, receio, desatenção e até de barulho. Recordemos, também, Charlot (2000) quando enfatiza que a relação com o saber envolve sempre um sujeito que é desejo. Desejo que emerge de relações consigo que é também relação com o Outro. E na relação com o Outro é essencial. Os dados reforçam que formar-se professor implica um percurso de idas e vindas, de caminhos individuais construídos no coletivo e não de um discurso consensual. As reflexões/análises dos resultados obtidos apresentam, segundo as professoras, considerações acerca da formação continuada, em geral, e, especificamente, da formação na área da Educação Física, a saber: • A formação docente se dá no processo de apropriação de saberes, em contextos de objetividade e subjetividade, fruto da sua inserção e vivência em práticas sociais, sempre mediado por outros e por signos. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004954 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 34 • As motivações para a formação estão, muitas vezes, relacionadas com possíveis mudanças na prática com as crianças, com possíveis aprendizagens das crianças. • As necessidades de formação continuada e os saberes construídos estão, indissociavelmente, relacionados às situações de vida pessoal e profissional, às concepções acerca de formação, de ensino-aprendizagem, do papel de professor. • As opções pedagógicas dos professores não decorrem linearmente de suas concepções teóricas, mas estão intimamente imbricadas. • A participação das professoras, nas atividades durante o curso, era atribuída à relação feita por elas entre os conteúdos/temas em estudo e as estratégias metodológicas/atividades propostas e suas necessidades e aspirações. • As professoras elegem como critérios de avaliação de formação continuada o caráter reflexivo, a relação entre teoria e prática e a formação centrada em uma prática próxima à realidade de todos e de cada sujeito envolvido. • As situações de interlocuções (em interações com os pares, com os professores formadores, outros profissionais da área ou/e áreas afins, entre outras) foram indicadas pelas professoras cursistas como momentos mais relevantes para a ressignificação dos saberes. • As novas significações decorreram, impreterivelmente, em virtude do lugar que a prática docente passou a ter para as professoras: espaço de ação-reflexão-ação. • As falas das professoras denunciam na Formação Inicial a ausência de saberes específicos sistematizados na área da Educação Física. Para a maioria, o curso de especialização caracterizou-se como formação inicial na área de Educação Física na Educação Infantil. Por essa razão, os objetivos pretendidos para uma especialização como aprofundamento se concretizam como imbricados em um processo espiralado, de rupturas e avanços. • A Educação Física passou a existir nas reflexões, nos diálogos e nas ações do grupo tanto no curso de formação quanto na escola, na medida em que se constituía um espaço igualmente para se falar sobre práticas já vividas, e, assim, relacionar os temas discutidos nas aulas a outras referências, e vincular o grupo aos conteúdos/temas da formação. Desse modo, as aulas consistiram em uma série de condições constitutivas das possibilidades de apreciar, refletir, articular, mobilizar saberes e, assim, construir novos saberes, ressignificando os outros. As aprendizagens de cada um/a – professor formador e professora cursista - Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004955 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 35 eram compartilhadas, narradas e ouvidas de outros jeitos, considerando as singularidades de cada sujeito e os limites do curso. E a partir daí, contadas, recontadas, tornando-se, possivelmente, referências de novas práticas. São palavras que se constituem de muitos significados e produzem muitos sentidos. • A intencionalidade do trabalho acerca da Educação Física no curso proporcionou o reconhecimento dessa área como componente curricular e a importância da inclusão das suas especificidades no planejamento pedagógico, especialmente a necessidade de elencar objetivos/intenções. • A participação em cursos de formação não garante as mudanças, mas explicita a vontade por mudanças, sobretudo da/na prática pedagógica. Esperamos que esta pesquisa possibilite a organização de dispositivos formativos na área da Educação Física, considerando os sujeitos participantes e seus processos históricos, sociais e culturais como imprescindíveis para outros desdobramentos em ambientes educativos diversos. REFERÊNCIAS ALTET, Marguerite. Análise das práticas dos professores e das situações pedagógicas. Porto: Porto, 2000. AMADO, João. A Técnica da análise de conteúdo. Revista de Educação e Formação em Enfermagem (ESE-A.F), n.5, 2000. p. 53-63. ______. Science et sens commun… (A propos d’une étude ethnographique de l’indiscipline en classe). Recherche en éducation- Revue de l´Association Francophone Internationale de Recherche Scientifique en Education, (www.la-recherche-eneducation.org), n.1, 2008. p.60-73. ______. Introdução à Investigação Qualitativa em Educação. FPCE- Universidade de Coimbra. 2009. Texto inédito. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. 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