A IMPLEMENTAÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA: UMA PROPOSTA INTERVENTIVA GRUPAL COM PAIS DE ALUNOS Daniela de Figueiredo Ribeiro Uni-FACEF – Centro Universitário de Franca Alguns autores (Sigolo e Lollato,2001; Carvalho, 2000) fazem uma crítica acerca da maneira como o tema relação família-escola tem sido estudado. Vários trabalhos apontaram ser o sucesso escolar dependente do apoio da família, que ajudaria os filhos, compensando suas dificuldades e também as deficiências da escola. Ora, essa prática ocorre, predominantemente, em famílias com recursos econômicos e culturais, que têm tempo e escolarização suficientes para ajudar os filhos. De qualquer maneira, a partir da década de 80, a responsabilidade da família pelo sucesso dos filhos na escola passou a ser explícita e compulsória. No entanto, o envolvimento dos pais não é uma variável que possa ser isolada e medida ou, de maneira conclusiva, ser apontada como fundamental para o aproveitamento escolar. Este argumento é claramente ideológico e passou a ser aceito unanimemente dentro dos contextos educacionais, sendo endossado como um aspecto fundamental da escolarização bem sucedida. Observa-se, no entanto, que quando os pais são obrigados a lidar com a educação formal, sem que sejam consideradas as diferenças de capital econômico, social e cultural entre os diversos grupos sociais, essa política poderá acentuar [...] as desigualdades de aprendizagem escolar, culpando perversamente os pais e mães pelo fracasso escolar e, ao mesmo tempo, ao sobrepor o currículo escolar às práticas educativas domésticas e ao privilegiar um estilo particular de exercício da paternidade e maternidade, poderá enfraquecer a autonomia da família e a liberdade de pais e mães. (CARVALHO, 2000, p. 150). Por outro lado, dentro de uma visão progressista da educação, alguns estudos ressaltam a importância da participação dos pais na escola como uma estratégia para aumentar sua participação com relação à gestão escolar e decisões curriculares. Nesta visão, a relação entre a família e a escola traria ganhos para a família, relativos à possibilidade de ter maior acesso e controle dentro da escola pública; e para a escola, uma vez que ela poderia se tornar mais eficaz para os estudantes e para sociedade, tendo como base uma construção mais democrática (ANDRADE, 1986; DE ROSSI, 2001; OLIVEIRA, 1999; SAMARTINI, 1995). Diante deste cenário, foi realizada uma pesquisa qualitativa (EZPELETA; ROCKWELL, 1989; MINAYO, 1996), buscando conhecer as representações e vivências de pais de alunos acerca da escola, com o objetivo de verificar como a relação entre família e escola estava de fato acontecendo. Inicialmente foram realizadas entrevistas individuais semi-estruturadas com pais e/ou responsáveis de alunos de 3ª e 4ª séries do ensino fundamental de uma escola pública estadual. As entrevistas foram realizadas em dois blocos, um temático, que consistia em três temas: Professor(a) do meu filho, Escola do meu filho e Escolarização; e outro bloco de contextualização, que consistia na história da família, sua constituição e escolaridade de seus integrantes. Os relatos sobre a participação dos pais na escola se subdividiram nos seguintes aspectos: apoio financeiro e participação em tomadas de decisão. Alguns entrevistados relataram como é a participação dos pais em termos de apoio financeiro, narrando como fazem as campanhas para arrecadar dinheiro para a escola. Quanto à participação nas tomadas de decisão, algumas mães narraram como são os fóruns de discussão nos quais participam. No entanto, ao se realizar uma leitura atenta destes relatos, observa-se que não parece ocorrer realmente uma participação em tomadas de decisão. Observou-se, ainda, uma clara submissão dos pais às atitudes dos professores, sendo que alguns entrevistados revelaram a maneira com que comunicam aos filhos o apoio irrestrito dado ao professor e à escola. Um tema muito relevante abordado nas entrevistas foi o acompanhamento escolar dos filhos. Alguns entrevistados narraram situações nas quais deixaram transparecer a percepção que possuem, de que os professores responsabilizam os pais por esse acompanhamento. Estes entrevistados mostraram concordar com esta visão. Destaca-se aqui o relato no qual o pai afirma sentir medo de que a professora pense que ele não liga para os estudos do filho. No entanto, muitos entrevistados se justificaram por não poderem cumprir bem essa tarefa. Apontaram como empecilho as dificuldades cotidianas com o trabalho e serviços domésticos e, também, a incapacidade que sentem em ensinar os filhos, devido à baixa escolaridade. Concluindo, os resultados das entrevistas individuais revelaram primordialmente três posturas dos pais diante da escola: uma minoria se posicionou de maneira crítica, mas mostrou um isolamento diante de outros pais e agentes escolares; as mães de nível sócio-econômico mais alto (aquelas que participam dos fóruns decisórios dentro da escola) se mostraram a-críticas e submissas ao discurso hegemônico; e por fim, uma maioria com escolaridade baixa, apresentou um discurso defensivo e não reflexivo diante das exigências da escola. Assim, observou-se que na realidade as famílias não estavam ocupando efetivamente os espaços decisórios dentro da escola, o que caracterizaria um processo de democratização. Elas somente reproduziam o que delas era delas esperado. A partir dos resultados obtidos, foi realizada, então, uma proposta grupal interventiva de abordagem psicodramática com estes mesmos pais entrevistados individualmente. Nesta abordagem, três contextos fundamentam a sessão: o contexto social, o grupal e o dramático. Acredita-se que quando as pessoas chegam ao grupo, trazem consigo as situações vividas nas suas matrizes originárias, sendo este o contexto social. No interior do grupo, essas vivências são recompostas em conflitos, oposições e alianças entre seus membros, formando assim uma matriz sociométrica, a qual configura o contexto grupal. É nesse contexto que o drama coletivo começa a se evidenciar, ainda que de maneira difusa, até que tome uma forma. No entanto, como o drama não é na realidade originário do contexto grupal, utiliza-se o espaço do “como se” para revelá-lo; abre-se o palco, fazendo surgir o contexto dramático. No “como se”, a situação vivida em sociedade e no grupo aparecem sobrepostas, o real e o imaginário se misturam e o drama aparece circunscrito na história de um dos membros, aquele que dá voz, num determinado momento, ao movimento grupal. Surge, então, o conceito de protagonista, aquele que emerge do grupo como porta-voz da mudança que se anuncia (MORENO, 1984; 1993; NAFFAH NETO, 1997; MILAN, 1976). O Sr. Marcos (nome fictício) foi um protagonista importante no processo grupal, sendo que na entrevista individual já apareceram algumas ambigüidades no seu discurso com relação ao sentimento de discriminação do filho na escola, mas foi somente no grupo que sua percepção emergiu de maneira mais clara. Ele narrou de forma confusa, mas emocionada, o fato do filho ter perdido quatro dias de aula por causa do uniforme, enquanto outros alunos que estavam vestidos como ele não sofreram nenhuma sanção. Sr. Marcos pareceu estar pedindo ajuda ao grupo para compreender o fato ocorrido, e a situação foi se tornando legítima no grupo, através de uma construção intersubjetiva. Tomando o exemplo citado acima, pode-se dizer que o grupo facilitou o surgimento de conteúdos não expressos na entrevista individual. Mas isto só ocorreu quando a matriz sociométrica grupal se tornou favorável. O processo psicodramático conduziu a tentativas de elaboração por parte de alguns integrantes, tendo se destacado a Rafaela (nome fictício), que percebeu que o filho não está sempre errado, concluindo que às vezes cobra o filho injustamente. Houve uma busca de soluções para os problemas observados, tendo sido destacada a importância de que toda manifestação de críticas à escola seja feita de forma coletiva pelos pais, para que não seja tomada pelos agentes escolares como algo pessoal. Verificou-se, também, que as críticas ainda incipientes na entrevista individual foram legitimadas pelo grupo, tendo sido explicitadas, o que colocou os pais em busca de melhores soluções. O sentimento de impotência foi compartilhado, revelando que, mesmo aqueles pais mais integrados em relação à escola, guardavam vivências, talvez bem escondidas, em que se sentiram inferiorizados ou não puderam ajudar os filhos diante da cobrança da escola. Observou-se, assim, que as vivências dos pais na escola, não elaboradas e, portanto, não conscientes, foram sendo representadas, ou melhor, reapresentadas na teia do processo grupal. Ali elas tomaram um corpo, ao mesmo tempo pessoal e particular, mas tecido na trama coletiva. Concluindo, pode-se dizer que o grupo psicodramático, sendo um método que leva a uma genuína reflexão sobre as vivências ocultas (ideologicamente), parece conduzir a uma desalienação, no sentido descrito por Naffah Neto (1997). Segundo este autor, o verdadeiro aquecimento do grupo promove um estranhamento das concepções conservadas, ou ideológicas. Ocorre, então, uma abertura ao novo, ao incriado. O objetivo é liberar a espontaneidade criativa, definida como uma relação de compromisso (no sentido merleaupontiano do termo) e não um ajustamento ou adequação à realidade. Esta ocorre quando acontece uma parada na ação automática e se vislumbra uma nova significação da situação. Neste instante, cada sujeito recupera sua maneira única de inserção no mundo, podendo agir por sua sponte - livre vontade. Ocorre, então, um reconhecimento atento da situação, havendo a recuperação do passado conforme as solicitações do presente, não para repetir palavras já ditas, mas para dizer palavras nunca ditas. Referências Bibliográficas ANDRADE, A. S. Condições de vida, potencial cognitivo e escola: um estudo etnográfico sobre alunos repetentes da 1a série do 1o grau. Tese (doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986. CARVALHO, M. E. P. Relações entre Família e Escola e suas Implicações de Gênero. Cadernos de Pesquisa, N. 110, julho, p. 143-155, 2000. DE ROSSI, V. S. Desafio da Escola Pública: Tomar em suas mãos seu próprio destino. Caderno CEDES, Campinas, V. 21, N. 55, novembro, p. 92-107, 2001. EZPELETA, J.; ROCKWELL, E. Pesquisa participante. São Paulo: Cortez, 1989. MILLAN, B. O jogo do esconderijo: terapia em questão. São Paulo: Novos Umbrais, 1976. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. metodologia qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1996. MORENO, J.L. Psicodrama. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1984. MORENO, J.L. Psicoterapia de grupo e psicodrama Campinas: Ed. Psy, 1993. NAFFAH NETO, A. Psicodrama: Descolonizando o Imaginário. 2a. edição. São Paulo: Plexus, 1997. OLIVEIRA, M. C. Família, escola e participação. Educação, Porto Alegre, ano XXII, N. 37, p. 151-176, 1999. SAMARTINI, L. S. Gestão Participativa: Os pais na Administração da Escola, Cadernos da FFC-UNESP, Marília, V.4, N.2, p.31-36, 1995. SIGOLO, S. R. L. e LOLLATO, S. O. Aproximações entre escola e família: um desafio para educadores, In: CHAKUR, C. R. de S. L. (Org) Problemas de Educação sob o Olhar da Psicologia. Araraquara. FCL/ Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, p. 37-65, 2001.