0 UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS SIMONE GOBI MARCOLAN ESPAÇOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM ESCOLAS PEQUENAS E ISOLADAS: UMA LACUNA A SER PREENCHIDA Ijuí/RS 2012 1 SIMONE GOBI MARCOLAN ESPAÇOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM ESCOLAS PEQUENAS E ISOLADAS: UMA LACUNA A SER PREENCHIDA Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências – Mestrado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências. Orientador: Prof. Dr. Otavio Aloisio Maldaner Ijuí – Rio Grande do Sul, janeiro de 2012. 2 A comissão abaixo assinada aprova a presente Dissertação: ESPAÇOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM ESCOLAS PEQUENAS E ISOLADAS: UMA LACUNA A SER PREENCHIDA elaborada pela mestranda SIMONE GOBI MARCOLAN como requisito parcial para obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS COMISSÃO EXAMINADORA: _______________________________________________ Professor Dr. Otavio Aloisio Maldaner (Orientador) - UNIJUÍ _______________________________________________ Professora Drª. Eva Teresinha de Oliveira Boff - UNIJUÍ _______________________________________________ Professora Drª. Rejane Maria Ghisolfi da Silva - UFSC 3 “As pesquisas educacionais não são feitas para dizer à escola e aos professores o que fazer e como fazer, mas para entender e contribuir na construção desse objeto chamado educação” (LOPES, 2007, p. 21). 4 AGRADECIMENTOS Minhas conquistas não são só fruto de minhas vontades e esforços. Mas, graças à existência de pessoas com que divido meu espaço/tempo de vida. Minha vitória também é a vitória de cada um deles. Agradeço primeiramente a Deus, pela força e amparo nos momentos pelo qual passei ao longo da construção desta Dissertação. A minha família, pelo apoio e compreensão nos momentos em que não pude estar presente. Por acreditar na minha capacidade e entender os meus momentos de angústia e apreensão. Ao meu filho Eduardo, razão da minha persistência, coragem, energia e luta, por suportar minha ausência. E pela paciência de ter esperado pela atenção da mãe quando, mesmo presente, estava ocupada com os estudos. Ao professor Otavio Aloisio Maldaner, orientador, pela acolhida generosa, confiança, orientação segura e competente, pelo carinho, paciência e atenção com que sempre me atendeu desde a graduação. Às professoras Lenir e Helena, pela leitura e valiosas contribuições na banca de qualificação, bem como às professoras Eva e Rejane pela participação na banca final. Aos demais professores do Programa pelos momentos de aprendizagem e crescimento proporcionados no decorrer do Curso. Aos professores e escolas participantes, pela confiança em mim depositada, pela compreensão e pela disponibilidade com que se colocaram para que eu pudesse realizar esta pesquisa. Aos colegas de curso pela amizade, convivência, partilha e pelos momentos que passamos juntos, especialmente a Maristela. À Capes e à Unijuí, pelo apoio financeiro e institucional. 5 RESUMO Nos processos formativos de professores, um Curso de Graduação ou a Licenciatura deve ser considerado suficiente para iniciar o exercício profissional. Contudo, compreende-se que o processo de formação continuada, já no contexto de atuação profissional, é de suma importância. Por outro lado, os processos formativos acontecem, principalmente, nas interações sociais, no caso, nas interações entre pares. Há, no interior do Rio Grande do Sul e no Brasil, muitos municípios pequenos com uma única escola de Ensino Médio e que contam com apenas um professor de Química e de outras matérias escolares. Nesses casos, como acontecem os processos de formação continuada desses professores? A falta de oportunidade de interação pode limitar o processo de significação dos conhecimentos próprios da prática docente e, assim, o desenvolvimento do profissional professor. Deste modo, o principal objetivo desta pesquisa foi o de verificar e entender o processo de desenvolvimento e ação desses professores em situação especial. Metodologicamente, a pesquisa caracteriza-se como estudo de caso de enfoque qualitativo. Faz-se uso, basicamente, de três instrumentos de investigação para a produção dos dados: entrevistas semiestruturadas com três professores de Química, sendo que cada um trabalha em escola e município diferentes, análise dos Projetos Político Pedagógicos de cada escola e dos Programas de Ensino de Química de cada professor. Os dados produzidos foram organizados segundo metodologia da Análise Textual Discursiva com vistas a produzir categorias de análise. Foram identificadas três categorias: Formação Continuada, Interação Social e Constituição Humana e Planejamento da Disciplina. Os resultados construídos anunciam que a formação continuada desses professores é prejudicada e que os programas de ensino propostos aos seus alunos não atendem às suas necessidades de entendimento da realidade em que vivem. Palavras-chave: Formação continuada de Professores e Interação entre Pares. Educação Química e Realidade Social. Programa Escolar de Formação em Química. 6 ABSTRACT In the teacher’s formative processes na undergraduate course or licentiate should be considered sufficient to begin professional practice. However it is understood that the process of continuing education, in the context of professional performance is of paramount importance. On the other hand, the formative processes occur mainly in social interactions, in this case, the interactions between peers. There are, inside the Rio Grande do Sul in Brazil, many small municipalities with a single secondary school and who have only one teacher for chemistry and for each school subjects. In these cases how occurs the continuing formation processes of these teachers? The lack of interaction opportunity may limit the significance process of teaching practice knowledge and, thus, the development of professional teacher. Thereby the main objective of this research was to check and understand the development process and action of these teachers in special situation. Methodologically the research is characterized as a case study of qualitative approach. It is used basically three research instruments for the production of data: semi-structured interviews with three professors of chemistry, each one works in different schools and cities, analysis of the Pedagogical Political Projects for each school and the Chemistry Teaching Programs of each teacher. The data produced were organized according the Discursive Textual Analysis methodology in order to produce categories of analysis. There were identified three categories: Continuing Education, Social Interaction and Human Constitution and Planning Subject. The results produced announce that the continuing formation of these teachers is impaired and that the teaching programs offered to its students do not meet their needs of understanding the reality in which they live. Key-words: Teacher’s Continuing Formation and Peer Interaction. Chemistry Education and Social Reality. Chemistry Formation Scholl Program. 7 LISTA DE QUADROS Quadro nº 1: Definições da categoria Formação Continuada ................................................ 57 Quadro nº 2: Definições da categoria Interação Social e Constituição do Ser Humano.......... 68 Quadro nº 3: Definições da categoria Planejamento da Disciplina ........................................ 74 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09 1 INTERAÇÃO SOCIAL, AÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES ...................... 12 1.1 Origem, Explicitação da Problemática e Objetivos da Pesquisa................................... 12 1.2 Os processos interativos e a constituição do professor................................................. 16 1.3 O Ensino de Química articulado ao contexto agrícola das escolas e dos sujeitos da pesquisa............................................................................................................................ 22 1.4 A formação e a ação de professores hoje: alguns elementos para reflexão ................... 27 2 O CONTEXTO DA PESQUISA E O CAMINHO METODOLÓGICO....................... 36 2.1 Metodologia e Técnicas de Pesquisa ........................................................................... 36 2.2 Análise Textual Discursiva ......................................................................................... 38 2.3 O perfil de cada professor ........................................................................................... 40 2.3.1 Metatexto I ........................................................................................................... 40 2.3.2 Matatexto II ......................................................................................................... 43 2.3.3 Metatexto III ........................................................................................................ 46 2.4 Caracterização das escolas..............................................................................................48 2.4.1 Critérios de escolha ............................................................................................. 48 2.4.2 As escolas e sua localização ................................................................................. 49 2.4.3 Metatexo IV- O contexto comum que envolve as três escolas ............................... 50 3 PROFESSOR ÚNICO EM SUA ÁREA: UM DESAFIO A MAIS NA VIDA DOS PROFESSORES NOS PEQUENOS MUNICÍPIOS......................................................... 53 3.1 Formação Continuada ................................................................................................. 53 3.2 Interação Social e Constituição do Ser Humano .......................................................... 67 3.3 Planejamento da Disciplina ......................................................................................... 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 86 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 93 APÊNDICE E ANEXOS .................................................................................................... 98 9 INTRODUÇÃO Nos processos formativos de professores, um Curso de Graduação ou a Licenciatura deve ser considerado suficiente para iniciar o exercício profissional. Contudo, compreende-se que o processo de formação continuada, já no contexto de atuação profissional, é de suma importância para atender às necessidades de formação sentidas pelos professores e às demandas da educação. A formação continuada é uma formação sempre e cada vez mais necessária devido às mudanças que ocorrem nas orientações curriculares e nas necessidades socioculturais. Por outro lado, os processos formativos acontecem, principalmente, nas interações sociais, no caso, nas interações entre pares. As interações entre pares são momentos importantes que propiciam trocas, compartilhamento e ajuda mútua, em que cada um participa com suas experiências, visões, saberes, anseios, necessidades, preocupações e limitações. Em grupo de pares, segundo Maldaner (2003), ocorre a produção de novos significados, capazes de mudar a prática da sala de aula, em que os professores participam cada um com suas crenças sobre questões ligadas à Química, ao conhecimento, ao ensino, à aprendizagem, e como isso se dá em sala de aula. O encontro com o outro, professor da mesma disciplina ou área, apresenta-se como possibilidade de formação continuada em que questões acerca da prática vigente da sala de aula, da organização e planejamento da disciplina (conteúdos e metodologias) podem ser discutidas, socializadas e até repensadas. Há, no interior do Rio Grande do Sul e no Brasil, muitos municípios pequenos com uma única escola de Ensino Médio e que contam com apenas um professor de Química e de outras matérias escolares e que não tem, portanto, a oportunidade de atuar em grupo de pares. Nesta perspectiva, esta pesquisa foi realizada com a intenção de aclarar algumas questões acerca da realidade de atuação e dos processos formativos de três professores de Química do Ensino Médio, únicos em suas escolas e municípios no interior do Rio Grande do Sul. Deste modo, esta dissertação está estruturada em três capítulos. 10 No capítulo I, inicialmente recordo as motivações que me levaram à realização da presente pesquisa, que teve como intenção maior a busca por algumas respostas que sempre me inquietaram quanto à ação isolada e solitária do professor de Química na escola em que trabalho como funcionária, caracterizada pela falta de interlocução com seus pares. A partir disso, apresento o problema, os objetivos e as questões de pesquisa decorrente dos mesmos. Procedo discutindo sobre a importância atribuída às interações sociais para a constituição do ser humano e especialmente do professor de Química, fundamentada na abordagem históricocultural, principalmente em Vigostki. Em item do capítulo I, discuto sobre a importância da contextualização, como nova ênfase curricular continuamente proposta em documentos e em processos avaliativos. Mesmo sendo professor único na escola, ele precisa, de algum modo, contextualizar o ensino de Química para que os estudantes tenham o mínimo de entendimento sobre o seu contexto sociocultural. Diante disso, trago uma discussão acerca do contexto essencialmente agrícola em que alunos, professor e escola estão inseridos e de que forma tais aspectos podem ser abordados em sala de aula, nas aulas de Química. Mediante as discussões sobre a necessidade de um ensino de Química contextualizado, o ultimo item do capítulo I aborda a questão da formação dos professores, fator essencial para o bom andamento do ensino, particularmente do ensino de Química em nível médio. No capítulo II apresento as características da pesquisa, seu contexto e protagonistas, e as opções metodológicas para a construção e discussão dos dados, que contaram com pesquisa documental, pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio com três professores de Química, e pesquisa bibliográfica que percorre todo o desenvolvimento do trabalho. Os dados produzidos foram organizados segundo a Metodologia da Análise Textual Discursiva, que permitiu a construção de categorias de análise através da descrição e interpretação de “alguns dos sentidos que a leitura de um conjunto de textos pode suscitar” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 14). Também neste capítulo, são apresentados os três professores, sujeitos da pesquisa, seguido pelo critério de escolha das escolas, sua localização e o que de comum tem entre elas, proveniente da leitura dos Projetos Político Pedagógicos e dos Programas de Ensino dos professores, este último, apresentado ao final do capítulo. O capítulo III trata da discussão e análise dos dados. Apresento as categorias de análise do material escolhido para o estudo. “Formação Continuada”, Interação Social e Constituição do Ser Humano”, e “Planejamento da Disciplina” são as três categorias que, uma vez identificadas, foram definidas a partir da literatura e passaram a ser os instrumentos de análise. A análise propiciou a defesa de certas proposições, sustentadas com base, novamente, na literatura, e nos dados empíricos e compreensões da pesquisadora. 11 No último ponto da dissertação foram tecidas as considerações finais, possíveis, neste momento, acerca do objeto investigado. Nas considerações são sinalizados alguns elementos de continuidade dos estudos e algumas questões que não foram analisadas por não ser o foco principal do presente momento. A pesquisa intitulada “Espaços de formação continuada de professores em escolas pequenas e isoladas: uma lacuna a ser preenchida” é relevante, e merece ser divulgada. Discutir as necessidades formativas e apresentar a realidade de atuação a que estão sujeitos os professores participantes, pode desencadear novas propostas de formação continuada que ajudem os professores, uma vez que parte de dados concretos e do conhecimento dos limites enfrentados. 12 1 INTERAÇÃO SOCIAL, AÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES Neste capítulo apresento inicialmente a origem, a explicitação da problemática e os objetivos que instigaram o desenvolvimento da pesquisa. Na sequência, trago discussões acerca da importância dos processos interativos na constituição do professor, dada a especificidade do tema em questão. Em seguida, apresento discussões acerca da importância do professor articular o ensino de Química ao contexto sociocultural da escola e alunos, neste caso, ligado às questões agrícolas, o meio de vivência dos sujeitos da pesquisa. Além disso, levanto algumas discussões e reflexões acerca da formação de professores, em especial, formação de professores de Química. O embasamento teórico decorre de alguns conceitos referenciais de autores pertinentes para o tema/estudo em questão, incluindo nessa abordagem a compreensão sobre a formação inicial, a mobilização de processos de reflexão sobre a própria prática pedagógica, voltados para a formação dos professores. 1.1 Origem, Explicitação da Problemática e Objetivos da Pesquisa A presente pesquisa origina-se das preocupações e inquietações decorrentes das minhas observações e experiências vivenciadas como funcionária pública há 8 anos em uma escola estadual. Nesta escola fui aluna no Ensino Médio e, durante o Curso de Graduação, fui professora estagiária em Química no Ensino Médio e Ciências no Ensino Fundamental. Formada em Química Licenciatura em 2009, embora não atuando como professora, minha caminhada profissional possibilita observar as ações desenvolvidas no contexto escolar em que trabalho, principalmente as que se referem ao professor de Química que, desde que começou as suas atividades docentes, é o único professor de Química na escola. Pelo convívio que tenho com ele, percebo as dificuldades que acompanham a sua trajetória e que se colocam no desempenho da sua função. Mesmo fora da sala de aula, senti a necessidade de buscar algumas respostas para a situação que presencio diariamente. Resolvi cursar o Mestrado em Educação nas Ciências pela linha de pesquisa Currículo e Formação de Professores, inserindo-me na pesquisa, como meio de esclarecer e refletir sobre alguns questionamentos, e caminhar para possíveis saídas. O professor de Química da escola em que trabalho assume um número excessivo de turmas e aulas, desdobra-se para cumprir sua jornada também em outra escola e responsabiliza-se sozinho pelo seu ensino e estudantes na escola. Assim como eu, ele cursou Química Licenciatura na UNIJUÍ, instituição em que a preocupação com a educação em 13 Química é muito forte e prima pela necessidade do coletivo. É o caso do Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências, Gipec-Unijuí, que produz, desenvolve, implementa e avalia inovações curriculares, baseadas em Situações de Estudo (SE) (MALDANER; ZANON, 2001), fundamentadas no referencial histórico-cultural. Dentre o grupo de professores que integram o Gipec, alguns foram nossos professores durante a graduação, preocupados com a formação do educador químico e com os problemas e limitações encontrados nos atuais currículos na área das Ciências Naturais, como linearidade, descontextualização e fragmentação disciplinar. Nesta perspectiva, o Curso de Química ofereceu componentes curriculares de formação do conhecimento de ser professor, em que foram construídas coletivamente SE. Estas, a partir de um tema, buscam problematizar e contemplar os conteúdos escolares de maneira contextualizada e interdisciplinar, significar os conceitos, ensinar o professor a ser responsável e autor do seu próprio currículo de acordo com as orientações oficiais e promover o seu desenvolvimento profissional. Grupos de pesquisa na Universidade já produziram importantes materiais didáticos alternativos, como a coleção Ensino de 2º Grau, publicada pela Editora UNIJUÍ nos anos 80 e as próprias SE para o Ensino Fundamental, publicadas desde 2002. Aprendemos que a proposta de inovação curricular por SE assume um caráter coletivo. Nela, envolvem-se professores da Universidade, professores da escola básica e alunos de graduação, e que consideram o contexto social do estudante da educação básica. Mesmo tendo contato, incentivo, vivência e aprendizagem nessa direção durante a graduação, observo na escola um ensino de Química preocupado em vencer a listagem de conteúdos elencados por programas de vestibular. Reconheço em minha formação superior a preocupação de proporcionar autonomia e confiança a nós, estudantes, para que pudéssemos assumir a profissão docente que escolhemos. Desta forma, ao chegar às escolas não iríamos simplesmente executar propostas prontas e pensadas por pessoas externas a ela. Mas o que observo na minha escola é um professor de Química sozinho que não encontra tempo para planejar, discutir, refletir nem trocar experiências com os outros professores, de Biologia ou Física, por exemplo, quiçá com professores de Química de outras escolas ou municípios. O grupo de professores na Universidade que nos ensinou questões de autoria de currículo, abordagem contextualizada e interdisciplinar, produção e planejamento coletivo, importância da interação entre pares, e que realizavam atividades referentes às SE, trabalhavam sempre em conjunto. Os componentes que ministravam eram organizados de forma que cada professor trabalhava com os conteúdos e conceitos da sua área, em um mesmo 14 componente curricular e com a mesma SE. Para elucidar, no componente Estágio Curricular Supervisionado: Ensino de Ciências III houve intervenções por parte de professores de Química, Física e Biologia. Recorro a essas lembranças e aprendizagens da graduação, porque a realidade de atuação do meu colega, professor de Química formado na mesma instituição, e de muitos outros professores pelo Brasil, cuja situação é desconhecida, sempre me inquietou e gerou questionamentos e sensação de que foi em vão o que aprendemos durante a graduação. Produzimos nossas próprias Situações de Estudo e fomos desenvolvê-las nos estágios na escola. De minha parte, houve bastante aceitação, envolvimento e participação porque finalmente os estudantes conseguiram discutir sobre temas próximos a sua vivência, porém sem abandonar os conteúdos. Meu maior medo é um dia chegar à escola como professora e deparar-me com essa sensação de isolamento, conforme situação do meu colega, sem oportunidade sequer de interagir com outro professor de Química. Sem interação entre pares, como fica a formação continuada? Como ele se desenvolve e atua em condição de isolamento, solidão? Esses questionamentos motivaram-me a prosseguir nos estudos no âmbito da educação, em nível de mestrado. Assim como o professor da escola em que trabalho, em outros dois municípios vizinhos, encontram-se professores de Química em situação semelhante e que também fazem parte da minha pesquisa, e que me provocaram a avaliar profundamente a profissão que escolhi. Posso inferir seriamente que estou atravessada por esse mesmo problema, que de forma indireta, diz respeito a minha prática profissional atual, mesmo fora da sala de aula, e principalmente a minha futura profissão. Assim como os professores da pesquisa, eu também resido em município pequeno, e estou sujeita a enfrentar situações semelhantes. Introduzi essa problemática a partir da minha história de atuação na escola para entender se essa realidade de atuação permite estabelecer algum diálogo com outros professores de Química. O contrário do que se fala sobre a formação, que acontecem em processos interativos, estou lidando com professores aparentemente isolados e num futuro próximo posso fazer parte deste grupo. A colaboração entre professores é indispensável, visto que cada área do conhecimento entre si e a escola possuem finalidades em comum. Queria saber e entender se em tais condições é possível orientar-se e planejar coletivamente, fazer a formação continuada na escola ou externamente a ela, produzir o próprio currículo conforme aprendizagem na Universidade contextualizando o ensino de Química, dentre outras questões que, com certeza, demandam muito estudo e maior aprofundamento nas investigações. 15 Estudar a ação de professores únicos de Química no Ensino Médio que trabalham em escolas pequenas localizadas em municípios no interior do Rio Grande do Sul remete ao problema de possível ausência de processos interativos entre pares, considerado essencial na constituição dos professores. Professores, nessas condições, assumem todas as turmas e as aulas de Química, decidem tudo sozinhos sobre sua disciplina, não tem com quem interagir, dialogar e planejar na escola, nem como fazer a sua formação continuada. Por hipótese, a pesquisa pode ser uma oportunidade de interlocução e tomada de consciência desses professores sobre questões relacionadas à sua atuação além de trazer possíveis subsídios teóricos para a discussão sobre temas de abrangência. Pode ser, também, que o aparente isolamento de professores únicos, que trabalham em municípios pequenos, pode ser quebrado pelo acesso à Internet e aos meios de comunicação hoje já disponibilizados em quase todos os lugares. É possível, então, que os professores não estejam tão isolados assim e consigam de alguma maneira interagir e ter a possibilidade de estabelecer algum diálogo com seus pares. Há também o acesso aos documentos, programas, portarias e legislação que podem orientar esses professores e eles, por iniciativa e comprometimento, podem atingir bom desenvolvimento profissional. A pesquisa foi direcionada de modo a atingir o objetivo geral de verificar e entender o processo de desenvolvimento e ação desses professores. Partindo deste, inserem-se alguns objetivos específicos que orientaram o estudo: Saber quem são e como foram e /ou estão sendo formados esses professores de Química, conhecendo a sua realidade de formação continuada; Estudar os documentos e conhecer os programas desenvolvidos na escola em que os professores atuam, observando alguns aspectos específicos que se ligam ou não ao contexto, focando possíveis mudanças nos programas ao longo de vários anos, bem como os materiais de apoio que utilizam em suas aulas; Analisar como se dá a interação, contextualização e diálogo desses professores com seus pares ao planejarem a sua ação. Diante dos objetivos elencados e para melhor compreensão do problema, decorreram algumas questões de pesquisa: Qual foi a formação inicial e como está sendo realizada a formação continuada desses professores, e como se dá a atuação pedagógica dos mesmos? Esses professores têm um programa de ensino próprio e singular? Como os programas educacionais são vistos pelo professor de Química e por outros responsáveis pelas 16 escolas? Que tipo de currículo desenvolvem? Há preocupações especiais diante da realidade de municípios pequenos de escola única do Ensino Médio? Quais são as possibilidades de interação e diálogo entre professores da mesma área? Como eles orientam-se em suas práticas? Como se constituem professores nesse contexto? Com que grupo de pares ele pode discutir e refletir sobre suas aulas, sobre sua prática em sala de aula, bem como trocar experiências e planejar mudanças na sua prática pedagógica? A ação isolada de professores em escolas de pequenos municípios e a falta de interlocução entre pares é que nos remete ao próximo item, cuja discussão se dá em torno da importância atribuída às interações sociais para a constituição do ser humano, neste caso, do professor de Química. 1.2 Os processos interativos e a constituição do professor Para compreender como o sujeito professor se constitui é importante considerar que ele passa por um longo processo de aprendizagem e desenvolvimento durante a sua vida. É entendido como processo por acreditar que o professor não está pronto nem acabado quando conclui sua formação inicial, mas que sempre transforma-se e constitui-se pelas influências culturais nas quais está inserido. Constitui-se nas e pelas relações sociais estabelecidas e vivenciadas em sua caminhada e em seu cotidiano, nos diferentes espaços educativos, educação formal e profissional na relação com os colegas. Conforme Savater (1998), “para ser homem não basta nascer, é preciso também aprender. A genética nos predispõe a chegarmos a ser humanos, porém, só por meio da educação e da convivência social conseguimos sê-lo efetivamente” (p. 47). As experiências de vida do professor resultam de relações e interações humanas, e, ao reinterpretar tais experiências e atribuir novos sentidos e significados a elas, é que ele se constitui com suas crenças e concepções pedagógicas. Para Arroyo, Nos tornamos humanos na medida em que as condições materiais em que vivemos e as relações que estabelecemos com outros seres são humanas. Nos tornamos humanos em relações, espaços e tempos culturalmente densos, porque diversos, quanto mais propícios melhor para as trocas, a pluralidade de trocas humanas (ARROYO, 2000, p. 66). Deste modo, devido à especificidade do tema em questão, e fundamentada principalmente na abordagem histórico-cultural de Vigotski e alguns de seus interlocutores, 17 busco refletir sobre a constituição do professor de Química. Constituição que se dá nas interações sociais estabelecidas no seu percurso de vida, com os sujeitos presentes na sua atividade docente e através de encontros com pessoas ligadas à Química e que pensam a questão da educação em Química. Interação esta, fundamental na sua constituição como professor. Nessa perspectiva, a constituição do sujeito, suas características individuais, como personalidade, hábitos, modos de agir, capacidade mental, etc., dependem de suas interações com o meio social em que vive (REGO, 2000). Pela abordagem sócio histórica, todo homem constitui-se humano pela significação das relações estabelecidas. Desde seu nascimento, a criança é socialmente dependente do outro sendo inserida em um tempo e um espaço em constante movimento. Sua vida começa a se integrar com a história de vida do outro, portanto, constrói a sua história a partir do outro e do meio cultural. “Segundo a teoria histórico-cultural, o indivíduo se constitui enquanto tal não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, através de suas interações sociais, a partir das trocas estabelecidas com seus semelhantes” (REGO, 2000, p. 106). As características específicas do ser humano desenvolvem-se através da cultura em processos interativos e “sua existência social pressupõe a passagem da ordem natural para a ordem cultural” (PINO, 2000, p. 47) distinguindo-se, portanto, dos animais que se desenvolvem apenas biologicamente e em relações diretas com a natureza. Nossas raízes mais próprias, as que nos distinguem dos outros animais, são uso da linguagem e dos símbolos, a disposição racional, a lembrança do passado e a previsão do futuro, a consciência da morte, o senso de humor, etc.: em suma, aquilo que nos torna semelhantes e que nunca está ausente onde há homens, o que nenhum grupo, cultura ou indivíduo pode reclamar como exclusivamente seu, o que temos em comum (SAVATER, 1998, p. 186). A procura pelas contribuições de Vigotski tem a intenção de esclarecer e compreender que o funcionamento psíquico e a condição humana fundamentam-se nas relações sociais, desenvolvidas através da história e da cultura. A constituição humana acontece em processos de mudança e seu desenvolvimento é entendido como a internalização de modos culturais de pensar e agir. Deste modo, a constituição humana acontece em um ambiente histórico e cultural, em que a criança internaliza atividades externas, resultados dos processos interativos que permitem que ela vá aprendendo e modificando-se na medida em que consegue pensar sobre algo novo que aprendeu. 18 O que ocorre não é uma somatória nem tampouco uma justaposição entre os fatores inatos e os adquiridos, e sim, uma interação dialética que se dá, desde o nascimento, entre o ser humano e o meio social e cultural em que se insere. Ou seja, as características do funcionamento psicológico tipicamente humano são construídas ao longo da vida do indivíduo através de um processo de interação do homem e seu meio físico e social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes, ao longo de milênios (REGO, 2000, p. 103). Ao destacar a importância das interações sociais, Vigotski enfatiza a mediação e a internalização como fatores fundamentais para a aprendizagem. Sua teoria concebe o homem um ser cultural e dotado de história que lhe são anteriores, permitindo que ele produza e reproduza o meio social ao qual pertence. De acordo com o modelo histórico-cultural, os traços de cada ser humano estão intimamente relacionados ao aprendizado, à apropriação do legado do seu grupo cultural. O comportamento e a capacidade cognitiva de um determinado indivíduo dependerão de suas experiências, de sua história educativa, que, por sua vez, sempre terão relações com as características do grupo social e da época em que ele se insere. Assim, a singularidade de cada indivíduo não resulta de fatores isolados, mas da multiplicidade de influências que recaem sobre o sujeito no curso do seu desenvolvimento (REGO, 2002, p. 50). Rego (2000) também compreende que “o desenvolvimento do sujeito humano e de sua singularidade se dá a partir das constantes interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social” (p. 105). Deste modo, o professor não nasce professor, ele torna-se professor e constitui-se pelo movimento de vivência com os outros com suas experiências, traz marcas da sua história, dos seus aspectos pessoais e individuais, mas também marcas da história e das visões de mundo dos grupos com quem vivencia. Arroyo (2000) compreende que o aprendizado “vem dos primeiros contatos e vivências dos mestres desde o maternal. As lembranças dos mestres que tivemos podem ter sido nosso primeiro aprendizado como professores. Suas imagens nos acompanham como as primeiras aprendizagens” (p. 124). A partir disso, entendo que começam a constituírem-se professores de Química também por influência da família, por curiosidade, por uma predileção especial pela Química. Por opção própria, desejada, mas principalmente a partir da prática de ser professor de Química ao conviver e interagir com seus pares, tanto na escola quanto em encontros de formação continuada ou em eventos da área, que se apresentam como aliados na formação e na atividade docente em busca de melhorias para a qualidade do ensino. Na interação com seus pares, o professor depara-se com novos horizontes, novas metodologias e aportes teóricos, numa relação de reciprocidade e troca de saberes. No processo interativo sempre há mediação através dos profissionais mais experientes. 19 Com base em Vigotski, então, pode-se considerar que as mudanças que ocorrem no professor, ao longo do seu desenvolvimento, estão associadas às interações estabelecidas com o meio e com os sujeitos que a ele pertencem e dele participam, com a cultura e histórias de vida que ali se reconstroem. Para a constituição e desenvolvimento do sujeito tem que haver a participação do outro, portador da própria cultura, e que permite que se estabeleça uma relação de comunicação. Para Savater (1998), “a possibilidade de ser humano só se realiza efetivamente por meio dos outros, dos semelhantes, ou seja, daqueles com os quais a criança, em seguida, fará todo o possível para se parecer” (p. 33). Deste modo, a interação com o outro é importante não só no processo de construção do conhecimento, mas na constituição do próprio sujeito. Compreende-se, assim, que o fato de existirem professores de Química únicos em escolas e que não participam nem conseguem aproximar-se de coletivos organizados de estudos, pode representar um grande obstáculo para a melhoria do ensino, embora isso não impeça que exerçam sua função e busquem autonomamente o seu aperfeiçoamento, fazendo interações sociais de outras formas. Mas é importante, sem dúvida alguma, que a formação dos professores aconteça na relação com a coletividade, em espaços interativos de estudos e reflexão, em grupos de professores da educação básica com professores universitários. Assim, é possível expressar pontos de vista, potencialidades e limites, seus conhecimentos, produzir novos conhecimentos e materiais didáticos, reelaborar novas metodologias e refletir sobre o ensino que praticam em seu contexto. Savater (1998) entende que “o homem o é através do aprendizado. (...) O que é próprio do homem não é tanto o mero aprender, mas o aprender com outros homens, o ser ensinado por eles” (p. 39). O professor não se constitui sozinho, mas pela participação do outro, pela socialização de experiências e práticas que o desafia a transformar o seu trabalho em um trabalho criativo e inovador. O fato de ensinar a nossos semelhantes e de aprender com nossos semelhantes é mais importante para o estabelecimento de nossa humanidade do que qualquer um dos conhecimentos concretos que assim se perpetuam ou se transmitem. (...) Do comércio intersubjetivo com os semelhantes aprendemos significados (SAVATER, 1998, p. 40). Ao interagir, o professor tem a oportunidade de conscientizar-se sobre o ensino que ministra e sobre possibilidades de melhorá-lo, produzindo novos sentidos e significados. Segundo Smolka (2000) “como sujeitos, os indivíduos são afetados, de diferentes modos, pelas muitas formas de produção nas quais eles participam, também de maneiras diferentes 20 [...] são profundamente afetados por signos e sentidos produzidos nas (e na história das) relações com os outros” (p. 31). Rego (2004) afirma que “o homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura” (p. 93). Segundo a autora, as características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir da constante interação com o meio, entendido como meio físico e social, que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Nesse processo, o indivíduo ao mesmo tempo internaliza as formas culturais, as transforma e intervém em seu meio. É, portanto, na relação dialética com o mundo que o sujeito se constitui e se liberta (REGO, 2004, p. 94). Desse modo, o professor é entendido como alguém que carrega uma bagagem para a sua prática pedagógica que interfere na sua profissão, reporta ao que aprendeu na sua vida social e cultural. Uma educação realizada muitas vezes de maneira informal, mas compreendida como um processo educativo em que o professor se constitui como alguém que não é apenas produto, mas também é agente ativo nas interações produzidas culturalmente desde o seu nascimento, ou seja, “o sujeito não é passivo nem apenas ativo: é interativo” (GÓES, 1991, p. 22). Pela abordagem vigostkiana, a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o humano, é necessário o ambiente social. As características individuais (modo de agir, de pensar, de sentir, valores, conhecimentos, visão de mundo, estrutura mental) dependem da relação do ser humano com o meio físico e social e especialmente das trocas estabelecidas com os seus semelhantes, sobretudo dos mais experientes de seu grupo. Como ser social, o professor é “um agregado de relações sociais incorporado num indivíduo” (SMOLKA, 2000, p. 27). Góes (1991) compreende que “a autonomia do sujeito e a regulação de suas ações constroem-se sobre interações” (p. 22). E em contato com seus pares ou com profissionais mais experientes, o professor tem oportunidade de interagir com saberes diversificados, construir novos sentidos e significados, que formam sua consciência individual, portanto, nas interações estabelecidas. Dessa forma, consegue avançar na compreensão de sua prática e superar suas necessidades e limitações conforme sua condição específica de trabalho na escola. De acordo com Savater (1998), “ninguém é sujeito na solidão e no isolamento, sempre se é sujeito entre outros sujeitos: o sentido da vida humana não é um monólogo, mas provém do intercâmbio de sentidos, da polifonia coral” (p. 44). Na interação entre professores, cada um contribui com suas intenções e conhecimentos e produz novos 21 conhecimentos em novos níveis, tornando-se possível, segundo Góes (1991) “uma apropriação das formas de ação, que é dependente tanto de estratégias e conhecimentos dominados pelo sujeito quanto de ocorrências no contexto interativo” (p. 18). Na mesma linha de pensamento sobre formação e desenvolvimento de professores em processos interativos, encontramos trabalhos em periódicos atuais com compreensões recentes sobre essa questão. Araújo, Auth e Maldaner (2007) escreveram sobre a importância de se criar condições interativas entre professores da Universidade, alunos de Licenciatura e professores da Educação Básica para a produção coletiva de currículo inovador em Ciências do Ensino Médio. Enfatizam que em atuação conjunta e colaborativa, e, ao passar a ser autor do próprio currículo, “os professores criam condições para superar dificuldades encontradas no cotidiano da sala de aula” (p. 253). A interação entre os sujeitos envolvidos na elaboração e planejamento coletivo repercutem “positivamente na formação e produção intelectual dos professores” (p. 256), segundo os autores. Galiazzi et al (2006) analisam a “ação interinstitucional de formação permanente e desenvolvimento curricular” (p. 63), e ressaltam a importância de se estabelecer redes de interações pela aproximação de diferentes grupos de professores para discutir coletivamente relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, “favorecendo trocas, parcerias e o compartilhamento de aprendizagens” (p.74). Num contexto de ações articuladas coletivamente, os autores defendem a vivência de um trabalho integrado e parceiro, na tentativa de romper com a rigidez disciplinar em que a “aposta está no compartilhamento de intencionalidades, na cumplicidade, no trabalho coletivo, cooperativo e solidário” (p. 64). As ações foram permeadas por cumplicidade, troca e compartilhamento de experiências, análise de produções textuais de seus integrantes e planejamento de ações futuras. A formação permanente de professores e a ambientalização dos currículos a partir de ações articuladas coletivamente são discutidas pelos autores com a metáfora de um espetáculo de dança. Segundo eles, “o espetáculo se enriquece com os ensaios (reflexões) individuais, mas é no coletivo que ele (o espetáculo) se efetiva” (p. 72). Villani, Franzoni e Valadares (2008), analisam e discutem o desenvolvimento de um grupo de licenciandos das disciplinas de Prática de Ensino de Física e Biologia, que deveriam propor um planejamento coletivo e interdisciplinar para suas aulas de estágio no Ensino Fundamental. Um dos objetivos desta “operação era de permitir o reconhecimento do outro e de suas práticas por meio de diferentes valores e posturas” (p. 64). Mesmo orientados pelos professores, ao interagir com seus colegas, os licenciandos puderam construir autonomia com novas perspectivas de atuação. 22 Echeverría e Belisário (2008) analisam as interações e ações de um grupo formado por professores formadores, professores do Ensino Médio e alunos de graduação e mestrado que passaram a elaborar projetos para serem desenvolvidos nas escolas da Educação Básica. Defendem, pela perspectiva histórico-cultural, que é na “interação com o outro que o sujeito se constitui e que se dá a elaboração conceitual. A construção de conhecimento se dá na dinâmica interativa” (p. 14). Compartilhando dessa concepção, os autores propõe uma nova prática pedagógica que visa a interação entre os professores “devido à necessidade que o professor tem de sair do anonimato, afastar-se da atividade muitas vezes solitária para participar de um núcleo de estudos que lhe oferece espaço para expor suas ideias e experiências de ensino” (p. 15). Esta interação, considerada assimétrica por natureza, contribui para o enriquecimento conceitual e prático dos participantes pela troca de experiências proporcionada. Diante do exposto até agora, é possível perceber que a constituição do professor acontece pela participação do outro mediante interações e trocas, e que por consequência, o aluno também se constitui e se desenvolve. Diante disso, no item seguinte trago uma discussão acerca do contexto essencialmente agrícola em que alunos, professor e escola estão inseridos. Mesmo sozinho, o professor precisa de alguma maneira, contextualizar o ensino de Química para que os estudantes tenham o mínimo de entendimento sobre o seu meio pelos olhos e linguagem da Química. 1.3 O Ensino de Química articulado ao contexto agrícola das escolas e dos sujeitos da pesquisa Para aproximar o ensino de Química à realidade sociocultural da escola e dos estudantes é urgente a adoção de um ensino contextualizado, conforme documentos oficiais para o Ensino Médio (BRASIL 2000, 2006), em que a contextualização aparece como um fator importante na formação para o trabalho e para a cidadania. Defendem a abordagem de temas sociais, do cotidiano, não dissociados da teoria, e nem utilizados como meros elementos motivacionais ou ilustrativos (BRASIL, 2006), chamando a atenção para a necessidade do aluno “reconhecer aspectos químicos relevantes na interação individual e coletiva do ser humano com o ambiente, e reconhecer o papel da Química no sistema produtivo, industrial e rural” (BRASIL, 2000, p. 39). Os professores participantes da pesquisa trabalham em escolas localizadas em municípios pequenos com população inferior a 10 mil habitantes, em que a agricultura é a 23 principal fonte de renda. Deste modo, é importante que aspectos relacionados ao contexto rural, ou seja, questões do contexto sociocultural dos estudantes cheguem à sala de aula. Não como meros exemplos do senso comum, mas pela problematização da vivência dos estudantes com os conhecimentos e conceitos da Química. Mesmo em escolas isoladas em municípios pequenos, os estudantes precisam entender o conhecimento químico subjacente à realidade em que vivem e às atividades que desenvolvem. Precisam significar o conhecimento químico diante das características da sua região. Na compreensão de Santos (1999) “os lugares tornam-se mundos em miniaturas; à sua maneira, cada lugar é o mundo” (p. 252). Mesmo sendo pequenos os municípios em que estão localizadas as escolas e os professores da pesquisa, possuem alta tecnologia empregada nos insumos e defensivos agrícolas desenvolvidos nos maiores centros do país ou até mesmo fora dele, e que são aplicados nas lavouras. Ressalto que esses produtos são resultado de um processo maior e que interfere na vida das pessoas, neste caso, das famílias dos estudantes e deles próprios. São produzidos externamente e aplicados de acordo com interesses maiores, internacionais, políticos, econômicos, e que usam a dimensão cultural e social para ser desenvolvido no lugar. Diante disso, a geógrafa Callai (2003) afirma que os lugares particulares se interligam entre si de forma seletiva e de acordo com os interesses locais, nacionais e/ou mundiais. O espaço concretiza todas essas relações e torna-se fundamental estudar o particular, o local. Segundo a autora, “pensar o espaço supõe dar ao aluno condições de construir um instrumento tal que seja capaz de permitir-lhe buscar e organizar informações para refletir em cima delas” (p. 68), uma vez que as pessoas estão subordinadas a um processo de desenvolvimento que não lhes permite fazer de outra forma. Mas todos esses produtos utilizados na agricultura têm a ver com o conhecimento químico. Schnetzler (2010) compreende que “o conhecimento químico mantém estreitas relações com a vida cotidiana, cujas aplicações e implicações sociais, tecnológicas, econômicas e ambientais precisam ser discutidas em sala de aula” (p. 153). No caso em estudo, o conhecimento químico mantém relações importantes com o contexto agrícola e, por isso, o professor não pode deixar de abordar essas questões em suas aulas de Química. Para Santos (2008), “toda relação do homem com a natureza é portadora de técnica que se foram enriquecendo, diversificando e avolumando ao longo do tempo” (p. 62). Com isso, à medida que a agricultura se moderniza, com a utilização de máquinas e a necessidade de produzir cada vez mais e com maior facilidade e, consequentemente aumentar a renda, surgem problemas como pragas, doenças e infertilidade do solo que exigem do agricultor uma resposta rápida e eficiente que lhe garanta o cultivo. Os agricultores de hoje, para resolver tais 24 problemas, têm feito uso cada vez maior e mais frequente de adubos químicos e venenos dos mais diversos tipos e efeitos, comumente chamados de agrotóxicos, praguicidas, pesticidas, defensivos ou corretivos, cujas substâncias químicas em suas formulações são destinadas a matar, controlar ou combater as pragas que atacam ou transmitem doenças às plantações. Mesmo desconhecendo esses produtos, os mesmos são entregues ao agricultor que os usa cada vez mais e com aplicações cada vez mais numerosas, pois não tem uma organização capaz de fazer frente a isso. Essas questões reforçam a compreensão de Santos (1999) quando afirma que “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto da convivência de uma razão global e de uma razão local” (p. 273). Todas essas questões podem ser problematizadas por desencadear aprendizagens importantes como intoxicação, necessidade do uso dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), danos ao meio ambiente, além de discussões acerca de outras formas de produção agrícola, como a agricultura orgânica, por exemplo. É necessário ir além do que os estudantes já sabem, fruto da sua vivência cotidiana. A escola, e em especial as aulas de Química, passam a ser responsáveis em aproximá-los dos efeitos do desenvolvimento químico sobre a sociedade e as modificações que seu contexto vem sofrendo pela Química, em que os conteúdos possam ser desenvolvidos na interação entre o conhecimento científico e os conhecimentos prévios dos alunos. A escola, segundo Quadros (2000), é responsável “em mostrar a interação do currículo com as práticas agrícolas, e os professores em mostrar que as práticas agrícolas estão assentadas em conhecimentos científicos básicos e que estes permitiram que se construíssem técnicas de produção/produtividade” (p. 104). Na indústria química, os insumos, agrotóxicos e fertilizantes agrícolas representam um dos ramos que mais crescem com altos investimentos em pesquisas em que participam vários técnicos, especialistas, químicos, agrônomos, biólogos. E isto nos leva a uma situação interessante que é a de que o agricultor já não concebe agricultura sem Química e que esses produtos fazem parte da vida dos alunos, assim como os conhecimentos científicos que cercam esses produtos. Para Quadros (2000) “hoje, é bem presente a percepção de que a Química está intimamente relacionada com a agricultura e o agricultor manuseia os adubos inorgânicos e os agrotóxicos conhecendo-os ou não” (p. 38). Segundo a autora, “o agricultor não conhece outra forma de produzir sem o uso de pesticidas/agrotóxicos, [...] não restando outra alternativa que não o uso dos mesmos” (p. 112). Mais um motivo para que a escola, professores e aulas de Química em particular, articulem os saberes e conteúdos da disciplina com questões da vivência dos estudantes. 25 Deste modo, é fundamental que o professor de Química perceba que é importante o estudante entender quimicamente a sua realidade/atividade agrícola, para poder participar e interferir nela quando necessário, de forma responsável e, portanto, “com conhecimento” (MALDANER, 2003, p. 159). Entendo que é pelo conhecimento e contato com a Química escolar que tal compreensão pode ser alcançada. Maldaner e Zanon (2010) compreendem que “à escola cabe significar os objetos teóricos da ciência junto aos membros das novas gerações, proporcionando oportunidades e qualificação para que compreendam o mundo que vivenciam e passem a participar com mais conhecimentos de suas mudanças” (p. 341). Ao professor, de acordo com Quadros (2000), cabe “criar possíveis condições de mudança, visando à construção de um pensamento químico que possibilite a compreensão da dinâmica da natureza, oferecendo a possibilidade de interferir adequadamente” (p. 156). O aluno que não consegue desenvolver um pensamento químico, não compreende as transformações e passa a conviver sem perceber muitas coisas. O pensamento químico é um pensamento especial em uma nova dimensão de ver o mundo natural com um sistema de conceitos que não se aprende simplesmente observando a natureza. O pensamento químico é um pensamento construído pelo ser humano, e desenvolvido, segundo Maldaner (2003) “de acordo com a necessidade de resolver os novos problemas apresentados pelo meio sociocultural em instalação” (p. 158). Sendo assim, ao organizar a disciplina de Química, é importante que o professor possibilite aos alunos pensar a Química para fora dos muros da escola, pensar quimicamente sobre o seu meio e suas características a partir dos conceitos, que são instrumentos do pensamento. Maldaner (2003) compreende que “o sentido mais profundo da aprendizagem escolar é o de inserir o aprendiz, de forma intencional e sistemática, no contexto sociocultural em que vive” (p. 165). Segundo o autor, nas situações de vivência, o aluno manifestará os seus conceitos do cotidiano, e estes estão “suficientemente desenvolvidos para que os conceitos científicos, introduzidos pelas falas do professor e pelos objetos teóricos da Química, possam constituir-se no contexto” (p. 166). Por isso, reconhecer a importância dos conhecimentos que os alunos trazem da sua cultura, do seu meio e de suas atividades é criar um vínculo entre a escola e o mundo da vida. Desta forma, os conhecimentos dos alunos e o conhecimento científico relacionam-se e interagem no meio escolar, ambos fazendo parte do processo de desenvolvimento da formação dos conceitos químicos. Conforme expresso no 26 catálogo do PNLEM1 dos componentes curriculares da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias (CNT), a adequação dos conteúdos à realidade dos alunos, a ampliação dos conhecimentos e das informações veiculadas, bem como a proposição de alternativas pedagógicas diversificadas, atendendo aos interesses dos alunos, são funções que cabem apenas aos professores, pois eles são os detentores das informações primordiais para um bom trabalho em sala de aula: o perfil, as expectativas, o contexto e as especificidades socioculturais dos educandos (BRASIL, 2007, p. 17). Diante de tais discussões, acrescento que a adoção de um ensino de Química contextualizado, que pretenda, entre tantos fatores, formar estudantes autônomos, críticos e participativos, precisa reestruturar o seu currículo. Os professores precisam repensar sua prática educativa e participar efetivamente da elaboração dos seus programas de ensino. Assumir a autoria do currículo não é uma tarefa fácil, mas faz parte da profissão docente. Entende-se que não há ninguém mais apropriado para reorganizar o currículo escolar do que o próprio professor. É ele o responsável por essa função, sua formação o qualifica para isso e ninguém pode substituir sua contribuição, pois são os docentes que se encontram inteirados das especificidades do ambiente escolar em que se inserem e dos sujeitos envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem (COSTA-BEBER; FRISON; PANSERA DE ARAÚJO, 2010). Isso pode ser feito via produção e desenvolvimento de SE, já referida no início deste capítulo. A SE é compreendida como uma proposta “conceitualmente rica, identificada nos contextos de vivência cotidiana dos estudantes fora e dentro da escola, sobre a qual eles têm o que dizer e, no contexto da qual, eles sejam capazes de produzir novos saberes expressando significados e defendendo seus pontos de vista” (MALDANER; ZANON, 2001, p. 53). A SE é caracterizada, fundamentalmente, pela contextualização e interdisciplinaridade, na perspectiva de superar o ensino fragmentado, linear e descontextualizado, além de promover o desenvolvimento profissional dos professores que participam de sua produção. SE, segundo Maldaner et al, são (...) orientações curriculares cujo significado desejado e produzido envolve contextualização, inter e transdisciplinaridade, abordagens metodológicas diversificadas, orientações curriculares oficiais, conhecimentos prévios dos estudantes e professores, tecnologia e sociedade, tradição escolar e acadêmica, múltiplas fontes de informações e, principalmente, compromisso com o estudo (MALDANER et al, 2007, p. 111-112). 1 Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio. 27 Através de SE, a aprendizagem torna-se mais fecunda, pois parte de situações reais e diárias dos sujeitos envolvidos, permite maior envolvimento, interesse e participação, em que os conceitos e conhecimentos cotidianos são reconfigurados em novos níveis, agora mais desenvolvidos e de acordo com o que representam na situação em discussão. “Trata-se de uma maneira de articular vivências sociais com saberes disciplinares que integram os conteúdos do ensino escolar” (MALDANER; ZANON, 2010, p. 120). Em sua pesquisa de mestrado, Gehlen (2006) estudou a configuração de temas significativos e situações significativas para o ensino de Ciências, através da implementação de duas propostas curriculares, “Temática” e “Situação de Estudo”, balizadas, respectivamente, por Freire e Vigotski. A autora concluiu que, enquanto a SE prima pela significação conceitual, a abordagem temática parte da problematização de situações vivenciais dos sujeitos. Embora existam algumas divergências entre as propostas, ambas permitem um diálogo entre a vivência dos estudantes, destacando a valorização/respeito dos seus conhecimentos, com o conhecimento e as explicações das ciências com o saber estruturado (GEHLEN, 2006). Quadros et al. (2004) compreendem que a adoção ou não de um ensino contextualizado ainda está fortemente ligada à ausência de questões dessa natureza nos vestibulares, já que os currículos das escolas apenas têm levado em consideração a preparação propedêutica, em que predominam as questões desvinculadas da realidade dos seus estudantes e da própria escola. Romper com o ensino tradicional adotado nas escolas, não é nada fácil para o professor. E as dificuldades se acentuam quando o professor é único na escola, sem interlocução com seus pares e sem planejamento conjunto. Mediante as discussões apresentadas sobre a necessidade de desenvolver um trabalho escolar voltado às situações do contexto sociocultural dos estudantes, o próximo item aborda a questão da formação dos professores, principais responsáveis por esse processo. Considerase a formação dos professores um elemento essencial capaz de prepará-los de modo que consigam encaminhar os estudantes para ler o mundo com a linguagem da Química, independente das condições em que posteriormente realizarão suas práticas. 1.4 Formação e ação de professores hoje: alguns elementos para reflexão Ao universalizar o acesso de todas as crianças ao Ensino Fundamental obrigatório, a escola pública não conseguiu garantir a permanência nem tampouco a oferta de um ensino de qualidade a todos. A escola pública que ontem era destinada a uma pequena parcela da 28 população, e hoje, com a democratização das vagas, tornou-se para muitos e para todas as idades e classes sociais. Além disso, a educação e a escola não podem negar nem ficar alheias às mudanças e avanços da tecnologia, da informação e da comunicação. Nesse contexto, os professores trabalham, suas funções se ampliam e são responsabilizados pelo insucesso do sistema de ensino. Não são consideradas suas condições de trabalho, a desvalorização da profissão, os baixos salários, a carga horária excessiva e aspectos relacionados à sua formação, o que justifica que não são os únicos responsáveis por esse cenário. A sala de aula apresenta-se como um ambiente complexo, composta por alunos com histórias de vida diferentes, diversidade de ânimos, classes sociais, idades, interesses, e do professor é exigido habilidade para solucionar problemas e tomar decisões. Exige-se dele criatividade, pensamento sistemático, capacidade de trabalhar em equipe, sem ter sido suficientemente preparado pra tal. A formação do professor deve estar ligada a tarefas de desenvolvimento curricular, planejamento de programas e, em geral, melhoria da instituição educativa, e nelas implicar-se, tratando de resolver situações problemáticas gerais ou específicas relacionadas ao ensino em seu contexto (IMBERNÓN, 2000, p. 17). Pensar a formação de professores implica considerar as mudanças sociais em que ela está inserida. A formação de professores envolve o processo de crescimento e desenvolvimento dos mesmos, para que possam adotar atitudes intencionais, conscientes e críticas quanto ao homem, mundo e sociedade que o cercam. E fundamentando-se, segundo Imbernón (2000), “no estabelecimento de estratégias de pensamento, de percepção, de estímulos, centrada na tomada de decisões para processar, sistematizar e comunicar a informação” (p. 39), além de “dotar o professor de instrumentos intelectuais que sejam úteis ao conhecimento e à interpretação das situações complexas em que se situa” (p. 40). É fato que a formação inicial e os cursos de licenciatura têm sido objeto de muitos debates acadêmicos e políticos devido às críticas dirigidas à escola e ao professor. Isso acontece, principalmente quando se discute o fracasso escolar e o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem nas escolas, junto à preparação dos alunos para a vida e para o trabalho. A formação dos professores é apontada como o principal elemento para uma educação de qualidade. Na busca por uma escola comprometida pelo sucesso do seu ensino, a formação de qualidade dos professores é uma questão fundamental e premente. Uma formação de qualidade busca articular as disciplinas pedagógicas e as específicas, direciona para o domínio dos conteúdos específicos de cada disciplina, associados a aspectos de formação humana e 29 didáticos, que resultem em condições para realizar um bom trabalho em sala de aula e numa efetiva aprendizagem escolar. Para Maldaner (1999), o contexto educacional atual, necessita de “um professor que saiba lidar com o novo, sem esquecer as raízes que o geraram, e saiba distinguir o que é permanente dentro do transitório” (p. 289). Os cursos de formação de professores, na verdade, necessitam superar o tradicional e a dicotomia entre teoria e prática, pautada na racionalidade técnica, que considera o professor transmissor de conhecimentos e os alunos passivos e assimiladores de conteúdos, memorização e repetição de conhecimentos descontextualizados. O professor ou a professora não deveria ser um técnico que desenvolve ou implementa inovações prescritas, mas deveria converter-se em um profissional que deve participar ativa e criticamente no verdadeiro processo de inovação e mudança, a partir de e em seu próprio contexto, em um processo dinâmico e flexível (IMBERNÓN, 2000, p. 20). As Universidades estão formando cada vez mais especialistas preparados para o pragmatismo do mercado de trabalho e para assumirem tarefas específicas provenientes das exigências do progresso tecnológico, com pensamentos fragmentados e compartimentados. Imbernón (2000) defende que “a estrutura da formação inicial deva possibilitar uma análise global das situações educativas que, devido à carência ou à insuficiência da prática real, se limitam predominantemente a simulações dessas situações” (p. 61). Mas na verdade, as Universidades têm tido dificuldades de superar esse fosso que separa a formação pedagógica da formação específica no campo de conhecimento em que vai atuar [...] e, ausente à perspectiva pedagógica, o professor não saberá mediar adequadamente a significação dos conceitos, com prejuízos sérios à aprendizagem dos seus alunos (MALDANER, 2003, p.45). Não é mais aceitável considerar “o exercício do magistério como algo essencialmente simples, para o qual basta saber alguns conteúdos e ‘passá-los’ aos alunos para que estes os ‘devolvam’ da mesma forma nas provas” (MALDANER, 2000, p. 75). O professor precisa saber lidar com os saberes definidos historicamente e também com a dinâmica das características que permeiam o atual cenário educacional. Por isso, ao iniciar o seu trabalho na escola e atuar em sala de aula, todo professor necessita organizar-se para dar conta de pressões externas decorrentes da sociedade e de um conjunto de atribuições do próprio espaço escolar. Estar adequadamente preparado para enfrentar situações delicadas e várias exigências que lhe são colocadas diariamente é um desafio! Geralmente, sua formação inicial não o prepara para assumir tais desafios, pois estes são imprevisíveis. 30 A formação teórica inicial que os professores de Química têm em sua graduação, deixa-os em situação desfavorável, insatisfatória, caracterizando-se até inadequada e insuficiente frente ao que se estabelece, à constante renovação do conhecimento e ao acelerado desenvolvimento científico e tecnológico. Os cursos de formação inicial nem sempre conseguem dar condições suficientes e adequadas para o exercício profissional. Para Schnetzler (2000), “ao final de seus cursos de licenciatura, os professores veem-se desprovidos de conhecimentos e de ações que lhes ajudem a dar conta da complexidade do ato pedagógico [...] (p. 22), “sem terem problematizado o conhecimento específico em que vão atuar e nem o ensino desse conhecimento na escola” (MALDANER, 2003, p. 74). O autor também reconhece que O despreparo pedagógico dos professores universitários, fruto de sua própria formação, afeta a formação em química de todos os profissionais que necessitam dessa área do conhecimento e afeta a todas aquelas pessoas que passam pelo ensino médio sem terem tido a oportunidade de uma formação mínima em química. Geralmente os professores universitários se comprometem pouco, muito aquém do necessário, com essa questão da formação dos professores e com a sua auto formação pedagógica, deixando para outro grupo, externo ao curso de química, a formação didático pedagógica de seus alunos que desejam se licenciar e exercer o magistério (MALDANER, 1999, p. 282). As instituições formadoras nem sempre preparam os professores de modo que consigam ir para as escolas em condições satisfatórias. Condições de domínio dos conteúdos específicos da sua área de formação, e de aspectos didáticos e conhecimentos para uma formação humana que contemple o aluno como um todo em seu aprendizado, que promova uma aprendizagem a partir da qual os alunos possam ser autônomos, críticos e participativos na sociedade. Não se pode pensar a formação do professor de Química para transformá-lo num mero transmissor de conhecimentos. É nesse sentido que Nóvoa (1995) defende a ideia de que “a formação estimule uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada” (p. 25). Frente ao mundo atual caracterizado pelo conhecimento provisório, pela imprevisibilidade e pela incerteza, o que urge é a necessidade cuidadosa de formar profissionais qualificados e preparados para este momento histórico. Para Imbernón (2000) “a formação inicial necessita preparar o aluno para uma profissão que exige que se continue a estudar durante toda a vida profissional, até mesmo em âmbitos que, nesta etapa de sua formação, nem sequer suspeitam” (p. 65), ou seja, “em nenhum momento pode a formação supor-se cumprida e completa em si mesmo” (MARQUES, 2006, p. 209). Nesse sentido, 31 admite-se que o professor esteja sempre em processo de permanente formação, atualização, aperfeiçoamento e qualificação. Autores têm tentado introduzir novas abordagens para a formação docente dentre eles Schön (1995, 2000), Pérez Gomes (1995), Zeichner (2008). Para eles, a reflexão exerce importante papel no processo de desenvolvimento e aprendizagem docente e é entendida como uma nova tendência de formação de professores. Tendência que concebe o professor como um profissional reflexivo, também denominada epistemologia da prática. Diante disso, o professor revisa e reflete sobre suas ações e experiências pessoais e profissionais. Na ação docente, a reflexão é um dos elementos participantes da busca por um processo de ensino e aprendizagem melhor. Ao refletir, o professor, consciente de sua prática cotidiana e de sua responsabilidade, tem oportunidade de rever pontos relacionados ao planejamento de suas aulas, metodologias adotadas e instrumentos de avaliação, podendo evitar assim a reprodução daquilo que aprendeu em seu processo formativo seja a nível médio ou superior. Os autores acima referidos destacam a importância da reflexão para o desenvolvimento profissional dos professores e a adoção dessa abordagem nos cursos de formação, principalmente nos cursos de formação continuada, já que nos cursos de licenciatura o aluno provavelmente não está em sala de aula, a não ser como estagiários em período curto de tempo. Segundo esses autores, o professor é visto como um profissional capaz de mobilizar processos de reflexão sobre sua prática e sua experiência, constituindo-se pesquisador de sua própria ação. O norte-americano D. Schön é o principal formulador da ideia “professor reflexivo” e tornou-se referência para muitos estudiosos da formação de professores, baseada na prática reflexiva. Segundo o teórico, a formação de professores precisa voltar-se para a necessidade do mesmo ser capaz de dar respostas às situações e problemas que surgem no decorrer de sua prática pedagógica, e refletir sobre ela. Para Pimenta (2002), as ideias de Schön introduzidas na década de 80 foram adotadas e adaptadas em vários países que discutiam reformas e construção de currículos nas quais se questionava e discutia a formação de professores. Tal formação era discutida “numa perspectiva técnica junto à necessidade de se formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares, instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas, que caracteriza o ensino como prática social em contextos historicamente situados” (p. 21). Ao propor aos professores a reflexão sobre a sua prática e também sobre teorias implícitas e pessoais que eles constroem no decorrer de sua formação, há uma valorização dos 32 seus saberes, sujeitos capazes de produzir conhecimento, de pensar junto às escolas e deste modo, analisar criticamente a sua própria prática e compreendê-la como fonte de conhecimento. Por trás de uma atitude reflexiva está a intencionalidade de contribuir para a aprendizagem e formação dos sujeitos. Em Schön (1995), a prática reflexiva está centrada em três ideias: o conhecimento na ação, reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação. O conhecimento na ação é o conhecimento demostrado na execução da ação, ocorre durante a prática, em que o professor transmite aos alunos um saber escolar, presente nas suas ações. O saber escolar, para Schön (1995) é tido como “certo, significando uma profunda e quase mística crença em respostas exatas. É molecular, feito de peças isoladas, que podem ser combinadas em sistemas cada vez mais elaborados de modo a formar um conhecimento avançado” (p. 81). Mas além do saber escolar, o conhecimento na ação permite enfrentar situações do cotidiano por meio de habilidades e ações espontâneas do professor. A reflexão na ação como outro elemento da prática reflexiva do professor ocorre depois do acontecimento da prática, fora do seu contexto. É o momento de refletir sobre o que se está fazendo no presente, no mesmo tempo em que está. Momento para pensar, reorganizar e refletir sobre a sua ação. Nesse sentido, Pérez Gomes (1995) considera a reflexão na ação “o primeiro espaço de confrontação empírica com a realidade problemática, a partir de um conjunto de esquemas teóricos e de convicções implícitas do profissional" (p. 104). E a reflexão sobre a reflexão na ação é aquela que permite que o professor se conheça e se desenvolva a partir do significado que atribui a partir do que aconteceu e observou na ação passada, para então imaginar, sinalizar uma solução e influenciar nas ações futuras. Na perspectiva da formação de professores, “simultaneamente, é preciso criar espaço para um novo tipo de investigação sobre a vida complexa na sala de aula, sobre o pensamento prático do professor, sobre o seu conhecimento na ação, sobre o seu saber fazer, sobre a sua reflexão na ação” (PÉREZ GOMES, 1995, p. 112). Um professor prático reflexivo constrói e ressignifica seu conhecimento profissional. Torna-se capaz de avaliar as consequências sociais e morais da sua ação, e, a partir disso, identificar problemas e criar possíveis soluções. Em pesquisa realizada com professores de Química, Maldaner (2003) assim expressa: A reflexão sobre a ação e a reflexão na ação têm o potencial de tirar da rotina certos conhecimentos na ação e permitir a criação de novas soluções na prática, geralmente de grande relevância educativa para aquele grupo envolvido. Produzir soluções em um meio complexo, como é a sala de aula, é inerente ao exercício do magistério e pode acontecer na conversação reflexiva de professores e alunos a respeito da situação (p. 396). 33 Ao considerar a complexidade das relações entre ensino e aprendizagem, a reflexão apresenta-se como um componente no processo de formação de professores. Componente que valoriza a compreensão da prática como fonte de conhecimento, nega o professor simplesmente técnico, mas sim, capaz de raciocinar e analisar, sem ser reduzido a processos mecânicos que separam a teoria da prática, mas que promove um trabalho integrado entre teoria e prática e facilita a compreensão daquilo que condiciona a sua atuação profissional e a estrutura da escola em que trabalha. Segundo Pérez Gomez (1995), “só a partir dos problemas concretos é que o conhecimento acadêmico teórico pode tornar-se útil e significativo para o aluno-mestre” (p. 110). O conceito de reflexão está inserido num processo em que o professor compreende o seu trabalho propriamente, cria possibilidades para mudanças, para inovações, torna-se sujeito autônomo em seu fazer educativo, desenvolve-se pessoal e profissionalmente, legitima e objetiva suas experiências, crenças e histórias de vida. Schön (1995) assim descreve o processo pelo qual o professor torna-se um professor prático reflexivo: Um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação (...). Num quarto momento, efetua uma experiência para testar a sua hipótese; por exemplo, uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar do aluno. Esse processo não exige palavras (p. 83). Programas de formação de professores que incentivem a reflexão da própria prática educativa permitem ao professor tornar-se sujeito da sua própria formação, poder avaliar os efeitos do seu comportamento e da sua ação e assim ressignificá-la. Para Nóvoa (1995) “a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de auto formação participada” (p. 25). Desta forma, os espaços de formação que potencializam aos professores um trabalho de reflexão e crítica acerca de suas ações, ajudam na construção e reconstrução da sua identidade pessoal e profissional, desenvolvendo uma postura investigativa e maior autonomia na escolha da melhor maneira para desenvolver um trabalho competente. Para Schön (2000), “o desenvolvimento de um ensino prático reflexivo pode somar-se a novas formas de pesquisa sobre a prática e de educação para essa prática, para criar um momento de ímpeto próprio, ou mesmo algo que se transmita por contágio” (p. 250). É 34 importante destacar que a reflexão é entendida como mais um, e não único instrumento para o aperfeiçoamento e melhoria nas práticas dos professores, e que a mesma valoriza os diversos saberes que eles mobilizam na sua prática profissional. Ser um professor reflexivo implica analisar com cuidado a sua prática cotidiana e as condições sociais em que ela se desenvolve, na busca por respostas aos desafios e conflitos vivenciados no contexto de atuação, evitando o acúmulo teórico de transmissão de informações e de ações meramente mecânicas. O termo “reflexão” em Schön foi aqui conduzido para poder pensar a formação de professores e seu desenvolvimento pessoal e profissional a partir da reflexão sobre sua própria prática e experiência. Mas “um conceito falso de prática reflexiva diz respeito a uma perspectiva segundo a qual a reflexão ocorre individualmente” (GERALDI; MESSIAS; GUERRA, 2003, p. 251). É importante reforçar que somente mediante trabalho coletivo é que realmente a prática reflexiva pode tornar-se um ponto de partida para ações e intervenções pedagógicas criativas. Professores reflexivos precisam trabalhar em grupos, compartilhar ideias e discutir alternativas com os colegas quanto à resolução de problemas e tomada de decisões. Na discussão sobre investigar a própria prática é necessário que o professor desenvolva o hábito de discuti-la com os colegas, refletir coletivamente. A conversa reflexiva com os colegas pode ajudar na descoberta de novos caminhos e na tomada de decisões que só a troca de experiências proporciona. O trabalho realizado em grupo oferece a “vantagem de os professores poderem apoiar-se e contribuir para os conhecimentos uns dos outros. Além disso, os professores veem que os seus problema não são só seus e tem relação com os dos outros professores ou com a estrutura das escolas e os sistemas educacionais” (GERALDI; MESSIAS; GUERRA, 2003, p. 259). Embora tenha sua grandeza interior e individual, a construção do “saber pensar” é coletiva, se dá na interação e na construção efetiva de uma reflexão entre os professores. Trata-se aqui de reflexão, no sentido que lhe atribui Kenneth Zeichner ao considerar a reflexão no plano coletivo, na interação e no encontro entre professores e não somente a reflexão da ação individualizada do professor, conforme Schön. Em Zeichner (2008) “o movimento da prática reflexiva envolve, à primeira vista, o reconhecimento de que os professores devem exercer, juntamente com outras pessoas, um papel ativo na formulação dos propósitos e finalidades de seu trabalho” (p. 538). Para o autor, a reflexão dialógica que a atividade reflexiva exige vai ao encontro de, como professor, “ser desafiado e, ao mesmo tempo, apoiado por meio da interação social, importante para ajudar a clarificar aquilo que acredita e para ganhar coragem para perseguir suas crenças” (p. 543). 35 É importante que o professor reconheça o outro e também o contexto social em que sua atividade acontece para então saber sobre o que e como irá refletir. Estabelecer um elo entre a reflexão e luta por uma sociedade mais justa e decente. Nesta perspectiva, Os professores também precisam saber como explicar conceitos complexos, conduzir discussões, como avaliar a aprendizagem discente, conduzir uma sala de aula. A ligação da reflexão docente com a luta por justiça social significa que os professores têm que ter o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico que eles precisam para ensinar, de uma maneira que desenvolva a compreensão dos estudantes. Os professores tem que saber tomar decisões, no dia-a-dia, que não limitem as chances de vida de seus alunos; decisões com uma consciência maior das possíveis consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter (ZEICHNER, 2008, p. 546). Sobre a ideia de preparar/formar professores reflexivos, Maldaner (2003) compreende que a reflexão deve sim partir das práticas dos professores. Mas é importante, de acordo com o autor, que seja realizada “à luz de teorias mais amplas, capazes de analisar a natureza do conhecimento que está sendo veiculado, de mostrar as possibilidades de compreensão e abstração dos alunos, de estimar a importância dos conteúdos para a constituição do pensamento químico no aluno” (p. 269). Deste modo, o professor é reconhecido como um sujeito ativo, consciente e responsável pela sua própria formação e trabalho, comprometido com a formação de seus alunos e seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. A reflexão emerge como uma reação a um tecnicismo já instalado, como uma crítica generalizada à racionalidade técnica, na qual o professor e a professora são somente executores de ordens (...). Também a reflexão surge para romper com a tradição de que o conhecimento só é produzido na academia (...). Os professores e professoras também têm teorias que embasam a sua prática e práticas que embasam suas teorias, e esse conhecimento pode ser sistematizado. (GERALDI; MESSIAS; GUERRA, 2003, p. 262-263). A reflexão ou prática reflexiva do professor foi aqui apresentada/discutida como mais uma tendência para orientar a formação continuada de professores, uma vez que a formação inicial não os prepara suficientemente para o exercício da profissão. Reflexão como um elemento essencial para a prática pedagógica docente na medida em que acontece em conjunto, em situações que possibilitam a troca entre os professores. Diante disso, após apresentar os motivos que me levaram ao interesse pela temática e realização desta pesquisa, discutir e refletir acerca da formação de professores e da sua constituição em processos interativos, da importância de um ensino de Química contextualizado, no capítulo seguinte apresento o contexto da pesquisa e as opções metodológicas adotadas para a construção e discussão dos dados. 36 2 O CONTEXTO DA PESQUISA E O CAMINHO METODOLÓGICO Apresento neste capítulo as características da pesquisa, seu contexto e seus protagonistas, a justificativa dos procedimentos metodológicos adotados em seu desenvolvimento. Fundamenta-se na pesquisa qualitativa (estudo de caso), em que o problema emergiu de questionamentos e inquietações da realidade da pesquisadora, conforme explicitado no capítulo I. Na concepção de Moraes (2003), a pesquisa qualitativa “pretende aprofundar a compreensão dos fenômenos que investiga a partir de uma análise rigorosa e criteriosa desse tipo de informação, isto é, não pretende testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao final da pesquisa; a intenção é a compreensão” (p. 191). Sendo assim, não se procurou medir nem enumerar o que se estudou, mas se procurou descobrir e entender sobre o que ainda não se conhecia ou se tinha pouco, sobre a ação de professores únicos de Química no Ensino Médio de escolas localizadas em municípios pequenos no interior do Rio Grande do Sul. 2.1 Metodologia e Técnicas de Pesquisa De acordo com Yin (2005), a preferência pelo uso do estudo de caso deve ser dada quando do estudo de eventos contemporâneos, em situações em que os comportamentos relevantes não podem ser manipulados, é possível fazer observações diretas e entrevistas sistemáticas. “Utiliza-se o estudo de caso em muitas situações, para contribuir com o conhecimento que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupo” (p. 20), pois “investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (p. 32). Como instrumento de investigação, Lüdke e André (1999) apontam que o caso a ser estudado seja delimitado e definido. Acrescentam que o caso se constitui uma unidade dentro de um sistema mais amplo, sendo que sua relevância se acentua no fato de ser único, particular, embora possa haver algumas semelhanças com outros casos ou situações. Yin (2005) enfoca que o estudo de caso “contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais sociais e políticos, (...) e sua clara necessidade surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos” (p. 21). O autor mostra que os dados para um estudo de caso devam ser construídos a partir de documentação, registros e entrevistas, observações diretas e participativas, artefatos físicos, 37 sendo que nenhuma dessas fontes é mais importante que a outra, pois se complementam e auxiliam na realização do estudo. Deste modo, a pesquisa fez uso basicamente de três instrumentos durante o processo de investigação para a produção dos dados: pesquisa documental, pesquisa de campo com entrevistas gravadas em áudio, realizadas com os três professores de Química sujeitos da pesquisa, e pesquisa bibliográfica. Os dados produzidos foram organizados segundo Análise textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011) com vistas a produzir categorias de análise. A organização é explicitada adiante neste capítulo. Os documentos analisados foram os PPP (Projeto Político Pedagógico) das três escolas e os Planos de Estudo dos últimos três anos dos três professores. Em consonância com as políticas nacionais e locais, teoricamente o PPP é um documento que organiza a escola ao definir metas e estratégias de funcionamento, é referência estrutural para os professores na definição das suas práticas e estratégias de ação. Nos PPP das escolas foram analisados aspectos acerca da sua confecção/atualização e mais detalhadamente a questão do contexto da escola e, nesse sentido, as responsabilidades que atribuem ao professor para planejar e construir os seus Planos de Estudo. Analisou-se os Planos dos últimos três anos para as três séries do Ensino Médio de cada professor. Buscou-se descobrir em quê o professor está se baseando e orientando para produzi-los, e a relação estabelecida entre os conteúdos elencados e o contexto escolar. Optou-se por entrevistas semiestruturadas seguindo um roteiro básico (Anexo I) constituído por questões que visavam conhecer o perfil formativo do professor de Química e características de sua ação em sala de aula, considerando o contexto em que desenvolve a sua prática. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos professores e, ao término de cada uma, foi solicitada aos participantes a possibilidade de novos contatos, caso houvesse necessidade. Quando transcritas, foram retirados os vícios de linguagem caso viessem a ser usadas no corpo da dissertação. A entrevista semiestruturada como técnica de trabalho fornece liberdade ao sujeito pesquisado em refletir e formular as suas respostas, pois as questões apresentam aspectos flexíveis e possíveis de serem modificadas ou reelaboradas, dependendo da interpretação e resposta do pesquisado. Justifica-se por acreditar que a mesma privilegia espaços de conversa intencional, conduzida e desafiada pelo entrevistador, a fim de obter as informações desejadas de modo que o entrevistado sinta-se à vontade e confiante ao responder, o que pode resultar em respostas sinceras e íntegras, considerando-se a seriedade do trabalho de pesquisa. Além disso, ajuda o pesquisador a descrever também o que percebeu além das respostas, como 38 gestos, expressões ou estado emocional do pesquisado. Adotar como procedimento metodológico a técnica da entrevista permite também obter maior profundidade e qualidade no trabalho, devido ao fato do pesquisador, em contato com o pesquisado, poder esclarecer melhor as respostas superficiais ou com pouca clareza. Desta forma, pode reformular ou até fazer novos questionamentos de modo que as respostas sejam mais coerentes com o que se está pesquisando e se obtenha um testemunho mais autêntico e fidedigno. 2.2 Análise Textual Discursiva Conforme já mencionado, os dados produzidos que constituem o corpus da pesquisa foram analisados e discutidos por meio da Metodologia Análise Textual Discursiva (ATD), uma modalidade interpretativa de textos, que tem sido amplamente empregada em pesquisas qualitativas (MORAES; GALIAZZI, 2011). A opção por essa metodologia deu-se em função de sua característica dialógica, que permite ao pesquisador vivenciar um “processo integrado de aprender, comunicar e interferir em discursos” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 111). A ATD é considerada um processo integrado de análise e síntese, e tem como propósito desenvolver uma “leitura rigorosa e aprofundada de conjuntos de materiais textuais, com o objetivo de descrevê-los e interpretálos no sentido de atingir uma compreensão mais complexa dos fenômenos e dos discursos” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 114). Pode ser compreendida como um processo autoorganizado de construção de compreensão em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de três componentes: a desmontagem dos textos: o processo de unitarização; o estabelecimento de relações através daquilo que emerge da desordem promovida: a categorização e a emergência de uma compreensão renovada do todo, a produção de um novo texto, o metatexto, representando as compreensões do pesquisador acerca do seu objeto de investigação (MORAES, 2003). Para Moraes e Galiazzi (2011), os metatextos são caracterizados principalmente pela descrição e interpretação, e representam o conjunto de um modo de teorização sobre os fenômenos investigados. Num primeiro momento foi feita uma leitura dos textos (corpus) provenientes das entrevistas transcritas, dos documentos dos professores e das escolas. Toda “leitura já é uma interpretação e não existe uma leitura única e objetiva. Ainda que, seguidamente, dentro de determinados grupos, possam ocorrer interpretações semelhantes, um texto sempre possibilita múltiplas significações” (MORAES, 2003, p. 192). 39 Após várias leituras iniciou-se a etapa da unitarização, em que trechos (unidades de significado) dos textos foram se destacando e então agrupados a partir dos seus significados. Foi uma desorganização para posterior reorganização (MORAES; GALIAZZI, 2011). “Constitui-se em um momento de intenso contato e impregnação com o material da análise, envolvimento que é essencial para a emergência de novas compreensões” (MORAES, 2003, p. 31). As unidades de significado foram escolhidas conforme os objetivos, o problema, as questões e o próprio objeto de investigação. O agrupamento das unidades de significado por semelhança, decorrentes das entrevistas semiestruturadas com os professores foram organizadas (Quadro I - Apêndice I) em torno de três focos: formação, ação na escola e necessidades/oportunidades, o que permitiu produzir um metatexto para cada professor, traçando o perfil de cada um acerca de tais características, apresentado ainda neste capítulo (metatextos I, II e III). O mesmo procedimento foi adotado para os PPP das escolas e para os Planos de Estudo dos três professores, organizados em torno do foco contextualização (Quadro II – Apêndice I) e que permitiu produzir o metatexto IV, último item deste capítulo. A unitarização dos Planos de Estudo dos professores é a própria listagem de conteúdos. Optei por não apresentá-las nos quadros devido a sua extensão. E como os Planos de Estudo são semelhantes para os três professores, apresento somente um dos três documentos, o do professor Luís (Anexo II).. Em seguida à desconstrução dos textos em unidades de significado, ocorreu um movimento inverso, a categorização, em que se organizou e reagrupou/cruzou as unidades de significado por semelhança de elementos ao redor de categorias (Quadro III – Apêndice I), que podem ser “nomeadas e definidas, cada vez com maior precisão, na medida em que vão sendo construídas” (MORAES, 2003, p. 196). As categorias podem ser definidas antecipadamente ou emergir da leitura compreensiva dos textos. Para Moraes e Galiazzi (2011), as categorias podem ser escolhidas a priori ou podem ser emergentes. Para melhor situar o leitor, tudo na vida é construído, mas assim como existe a ideia de categorias emergentes na metodologia acima mencionada, é necessário elucidar que a categoria emerge pela reinterpretação do pesquisador, ou seja, o pesquisador faz a categoria emergir pela ação da pesquisa. Elas não surgem ao natural, significa que no contexto da obra, elas são construídas pelo pesquisador. Deste modo, no presente estudo, duas categorias “emergiram” a partir do cruzamento entre as unidades de significado: “Formação Continuada” e “Interação social e constituição humana”. A terceira categoria, “Planejamento da Disciplina”, foi prevista 40 nas entrevistas e análise dos documentos. E as respectivas categorias são discutidas no terceiro capítulo. Na discussão, os episódios correspondentes aos turnos de fala dos professores foram enumerados de acordo com a sequência das questões. Para a questão um, por exemplo, utilizei Q1, seguido da letra correspondente (a, b, c, d ou e) e assim sucessivamente para as demais. E os professores receberam nomes fictícios de Luis, Adriana e Carlos. Deste modo, os turnos de fala estão assim codificados: Luis Q1a, Adriana Q1b, Carlos Q5c, etc. Os Projetos Político Pedagógicos das três escolas são identificados como PPP X, PPP Y e PPP Z. A seguir apresento o perfil e os metatextos de cada um dos professores, provenientes da realização e transcrição das entrevistas. 2.3 O perfil de cada professor Baseada nas entrevistas como um todo, a seguir procuro traçar/definir o perfil de cada professor acerca de suas compreensões sobre sua formação e características de sua ação na escola, bem como possibilidades e dificuldades encontradas nesse contexto. Foi solicitado espaço nas escolas para a realização da pesquisa mediante carta de apresentação emitida pela Coordenação do Programa do Mestrado, e posterior conversa para explicar as intenções da pesquisa. Com o aceite das equipes diretivas, os professores foram convidados pessoalmente para participação, o que foi oficializado com o preenchimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para não expor suas identidades, optei por utilizar nomes fictícios, porém, preservando o gênero. Acredito que desta forma é possível apresentar com maiores detalhes o entrevistado. Os metatextos na sequência conferem maior ênfase à descrição, mantendo-se “mais próximos do corpus analisado” (MORAES; GALIAZZI, 20011, p. 32), embora não é possível descrever somente, sempre há sinais de interpretação em cada descrição. Também, são utilizadas algumas falas dos professores, consideradas importantes para melhor compreender. 2.3.1 Metatexto I - Professor Luís Luís é professor há 13 anos, leciona Química para 11 turmas de Ensino Médio e Matemática para 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental em outra escola. Dedica mais de 40 horas semanais ao exercício do magistério em sala de aula, além de praticar a atividade 41 agrícola nos finais de semana. Luís formou-se em Química Licenciatura em 2005 pela Unijuí em Regime Especial, não possui Pós-Graduação, embora tenha interesse e vontade em cursar. O professor entrevistado fala que a Química possui conteúdos que podem ser úteis na sua vida e na dos seus alunos, dependendo da maneira com que são trabalhados por ele. Comenta que devido à carga horária cheia, trabalhar em outra escola, muitos alunos, ainda não conseguiu, mas pretende organizar um material para suas aulas, algo que vai um pouco além do livro didático e que envolva “conhecimentos para tentar fazer uma inter-relação com o conteúdo e como englobar tudo isso no dia-a-dia deles (dos alunos) na disciplina de Química”. Menciona fenômenos conhecidos pelos alunos e a importância de entendê-los quimicamente por uma explicação científica, despertando neles o interesse e a permanência na agricultura. O professor relata que “queria trabalhar o orgânico, por exemplo, para a ferrugem, um projeto de alimentação fora dos agrotóxicos, porque se os alunos tivessem um básico de Química e aplicassem na agricultura, nem precisaria de técnico”. Conta que tira várias dúvidas mandando e-mail para o programa de televisão “Globo Rural”, na medida em que os alunos despertem o interesse por questões típicas do contexto agrícola em que se encontram. Cita um exemplo de um aluno em que o pai produzia tomate para vender na cidade, e que estava com um sério problema de ferrugem na plantação. Como o técnico agrícola não conseguiu solucionar o problema, o pai sugeriu ao filho que pedisse ajuda ao professor de Química. E este pediu ajuda ao programa de televisão. Conta que este fato fez com que ele refletisse sobre o seu ensino e principalmente em que medida está sendo útil aos seus estudantes e para situações de sua vivência e da família. O professor reconhece que os conteúdos de Química estudados serão muito mais importantes e significativos se conseguir relacioná-los com o contexto sociocultural dos alunos. Mas fala que se sente inseguro e acaba muitas vezes desistindo devido ao fato de que o seu trabalho é realizado isoladamente, pois além de ser professor único de Química na escola com um número elevado de turmas, e consequentemente de alunos, não há um trabalho desenvolvido em conjunto com os demais professores das outras disciplinas. Segundo ele: “como a gente não tem muita assessoria, então é difícil, a gente fica meio isolado, e são muitas turmas também e cada uma responde de uma maneira”. Para atuar em sala de aula na disciplina de Química e buscar outros meios que o ajudem, orientem e qualifiquem o seu trabalho, o professor afirma que é preciso ter muito mais tempo de “formação com professores da área, não ficar isolado porque a gente na realidade tá trabalhando isolado, a gente não tem muito acesso a outros professores de Química e que são raros, tem pouco professor de Química!”. Acredita que se tivesse a 42 oportunidade de frequentar mais cursos de formação continuada por área, reunir-se com outros professores de outras escolas, com certeza, os alunos sairiam ganhando também, pois melhoraria a sua prática pedagógica atual. Teria maior segurança em desenvolver seu trabalho. Cita as Lições do Rio Grande2 de 2010 como o único Curso de formação continuada por área em que participou durante toda a sua vida profissional, promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. Expressa-se com entusiasmo sobre como e o que aprendeu, e fala que quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais “se tem visões de conhecimento dos assuntos, que caminhos a gente vai tomar com a Química e o que os outros professores podem te assessorar”. Também, sobre as Lições do Rio Grande, ele fala que foi muito válido porque trabalharam especificamente com professores de Química ou reuniam-se por área, embora deixe bem claro o quanto é difícil inovar por estar sozinho e iniciando recentemente com a nova proposta, sem perspectiva nenhuma de continuidade. Apesar de acreditar na necessidade de interação e diálogo com outros professores de Química ou da área, o professor comenta que mesmo a partir das Lições do Rio Grande, os desencontros e a falta de tempo para planejamento coletivo apresentam-se como um entrave. Reconhece que “por enquanto é só organização verbal com o professor de Biologia e Matemática que também fizeram o curso, mas a gente na verdade não está sentando ainda”. Mesmo motivado para desenvolver um trabalho diferenciado a partir das Lições do Rio Grande, o professor diz que por não haver tempo na escola para se reunir com os professores de Biologia e Física, fica bem difícil discutir possíveis mudanças conforme sugestões da proposta, e fazer com que cheguem realmente às salas de aula. Ao ser questionado sobre que conhecimentos têm da legislação e documentos oficiais, o professor Luís comenta que apenas durante a sua graduação na Unijuí teve contato com a LDB, pois era oferecido como um componente curricular. Na escola, não costuma orientar-se pelos documentos oficiais, e quanto ao PPP da escola, ele admite que “a gente não tem muito conhecimento”, mas que já “teve algumas informações em reuniões”, embora não tenha o costume de consultá-lo. O professor Luis não participou da reelaboração do PPP em 2006, e não planeja sua ação na escola baseado neste documento. Deste modo, conta que planeja a sua ação e atividades baseado nos livros didáticos enviados pelo MEC, e que, a partir de autores como “Feltre, Marta Reis, Tito e Canto”, 2 Proposta de Referencial Curricular para as escolas estaduais. Contém as habilidades e competências cognitivas e o conjunto mínimo de conteúdos que devem ser desenvolvidos em cada um dos anos letivos dos quatro anos finais do ensino fundamental e no ensino médio (RIO GRANDE DO SUL, 2009). 43 organiza uma apostila “usando conteúdos pra trabalhar o que eu considero essencial e tiro alguma coisa também da internet, como atividades práticas”. Porém, o professor justifica dizendo que o que define o seu planejamento e orienta realmente o seu trabalho é o Programa de Ingresso ao Ensino Superior da Universidade de Santa Maria, o PEIES3. Ele fala que a escola participa do programa, recebe um cronograma básico, lista de conteúdos e que é o mesmo que ele tem no plano de estudo, “a lista de exercícios também, então não altera muito, quase nada, na realidade já era o meu trabalho”. Segundo o professor Luis, começar a trabalhar e elencar alguns conteúdos de Química a partir da vivência e realidade dos alunos, “só quando nós começar a trabalhar com as ‘Lições’”. Estão esperando novas orientações para dar continuidade ao que foi começado, embora já fale sem esperanças de que com a troca do governo estadual, o curso fique esquecido e seja engavetado. Aponta que as maiores dificuldades encontradas por atuar sozinho na escola é a insegurança ao decidir o que trabalhar, como trabalhar e se o seu trabalho está sendo bem desenvolvido. O desempenho dos alunos em notas não é suficiente para saber. Fala que embora às vezes comente alguma coisa com o professor de Biologia “que é a que mais se aproxima”, mesmo assim sente muito a falta de alguém com quem interagir, dialogar, discutir problemas e possíveis soluções para o seu ensino. Então, “eu vou pelo conhecimento que eu tenho durante a minha caminhada, pela formação e conteúdos que a gente ganhou na graduação”. E acredita que se a formação pelas Lições do Rio Grande continuasse pelo menos uma vez por ano como foi em 2010, já bastaria pra poder trabalhar o ano inteiro. Diz que “antes de começar as aulas chegaria, porque seria com professores só de Química”. Então desenvolveriam algum material para trabalhar a partir de um tema e trocariam experiências, o que com certeza seria um início, um caminho para possíveis mudanças no seu trabalho e na sua condição de professor único na escola. 2.3.2 Metatexto II - Professora Adriana Adriana formou-se em Química Licenciatura no ano de 2001 pela Unijuí e terminou seu Curso de Pós-Graduação em “Educação, Cultura e Cidadania” em 2003 na mesma 3 Destinada a candidatos que estão cursando ou já concluíram o Ensino Médio ou equivalente, sendo constituída de três etapas, correspondente às séries do Ensino Médio. A partir de 2010, passou a ser denominado “Avaliação Seriada” em que os estudantes fazem uma prova objetiva e uma redação, sendo possível fazer todas as três provas no mesmo ano, e não mais ao longo do Ensino Médio ao final de cada ano letivo. 44 Universidade. É professora de Química há 11 anos, sendo que atualmente (2010) ministra aulas de Química para 4 turmas do Ensino Médio, Matemática para a 7ª série e Ciências para a 5ª série do Ensino Fundamental. Dedica cerca de 20 horas semanais para a atividade docente e também trabalha 20 horas na coordenação de um Curso Técnico em Informática na mesma escola. Sobre o seu Curso de Pós-Graduação “Educação, Cultura e Cidadania” em nível de Especialização, a professora Adriana reconhece que o mesmo não foi útil para trabalhar com a disciplina de Química, embora diga que tenha sido um estudo “interessante na época porque o tema era bem amplo, acho que ocupei só pra mudar de nível”. Sabia que não haveria ligação com a sua graduação nem com a sua prática, mas como era de curta duração, serviria também, e principalmente, como um título a mais na hora da avaliação ou na disputa de títulos em possíveis concursos que viesse a prestar posteriormente. Ao pronunciar-se sobre sua formação inicial, a professora Adriana afirma que na Universidade “não teve preparação suficiente para atuar em sala de aula”, também porque considera que não tinha maturidade o suficiente e que não levava muito a sério nem aproveitava o tempo que tinha disponível pra estudar. E essa revelação ainda se agrava quando fala que “não costuma participar de cursos de formação continuada com professores da sua área”. Geralmente os encontros são anuais e promovidos em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação e que, para evitar que os professores se desloquem até outros municípios, são os professores palestrantes que vem até eles, discutir temas como, segundo relato da professora, economia, contenção de gastos, sociologia, meio ambiente, entre outros. Na área de química, segundo a professora, é “muito difícil, mais é educação geral e de meio ambiente você sempre escuta falar, nada inovador, fica até meio chato escutar sempre a mesma coisa”, embora fale com muito entusiasmo de encontros por área em que participou no ano de 2010, pela primeira vez na sua carreira profissional, as “Lições do Rio Grande”. Nesses encontros, teve a oportunidade de não apenas ouvir, mas de participar de discussões com seus pares sobre a sua área do conhecimento, sobre os problemas de ensino e aprendizagem em Química que os seus colegas também se deparam em suas escolas, sobre novas metodologias. Ainda, sobre questões relacionadas às condições de trabalho, à empatia dos alunos para com a disciplina, à repetência, à dificuldade de relacionar os conteúdos com questões sociais, entre outras. Para contribuir no seu desempenho em sala de aula e também para uma melhor aprendizagem dos alunos, a professora Adriana afirma que a formação continuada deveria ser com seus pares, ou no mínimo, por área. Deixa claro que “o que mais dificulta na minha área 45 são poucos professores de Química, e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros que geralmente participamos uma oportunidade da gente conversar seria muito melhor”. Mas como frequenta somente cursos de formação continuada promovidos pela Secretaria Municipal de Educação, (exceto as Lições do Rio Grande em 2010), e no município a única escola com Ensino Médio é a sua, e que nesta escola é a única professora de Química, com certeza não se encontrará com seus pares enquanto não buscar por outros meios que lhe favoreçam o tão desejado encontro. Fala que com certeza seria mais produtivo e contribuiria muito na sua forma de atuação, pois se sentiria mais segura em desenvolver o seu trabalho e até mesmo pensar em modificá-lo. Quanto à legislação e os documentos oficiais, a professora Adriana diz que participou da reelaboração do PPP da escola quando foi vice-diretora no ano de 2005 devido a algumas incorporações no Curso Técnico em Informática. Ressalto que tal participação deve-se a sua condição de membro da equipe diretiva, e não de professora de Química. A professora tem conhecimento da LDB por intermédio de um componente cursado na graduação, específica para o conhecimento e discussão da referida lei. Os demais documentos oficiais como as OCNEM e os PCNEM, “se precisar, você vai lá e busca (na biblioteca)”, admite a professora. Com isso, para planejar as suas atividades, diz que “tira bastante coisa da internet, os livros só mudam a capa e o autor, dentro é sempre a mesma coisa”. Mas mesmo assim, “sigo alguma coisa, alguns exercícios, busco outros livros, mas um livro só eu não sigo, os alunos tem o livro pra suporte, e mesmo tem muito conteúdo ali”. A professora Adriana fala que os livros didáticos trazem muito conteúdo, o que facilita a memorização e a aprendizagem mecânica, apesar de seguir o programa do PEIES. Fala também que fica sempre em dúvida se trabalha corretamente e se os alunos estão aprendendo, por isso sempre conversa com a professora de Biologia quando trabalha “essas coisas de meio ambiente”, por exemplo. No início do ano geralmente a escola elege um tema e tenta fazer com que todas as disciplinas trabalhem o mesmo, em determinado período do ano. Sobre isso, a professora confessa que nem todos os conteúdos ela consegue trabalhar dessa forma (interdisciplinar). Às vezes, para facilitar, trabalha bem a parte tradicional, “professor tradicional mesmo”, justificando-se pelo fato de não ter na escola “outros professores de Química para falar sobre isso (meio ambiente)”, e que o que compete à sua disciplina é de responsabilidade e preocupações somente suas. A professora Adriana conta que a escola sempre atribuiu liberdade aos seus professores para que se aperfeiçoem e se afastem da escola para participar de cursos de formação continuada. Mas diz que “é difícil achar cursos na tua área (Química)”, e quando 46 acontecem, “são sempre muito longe”, causam despesas extras e que por isso sente-se desmotivada, acaba se acomodando e não participa. Revela que não possui esse hábito porque se ela se ausentar da escola em dias úteis para um curso de formação continuada, tem que deixar uma pessoa no seu lugar, não pode deixar atividade para a direção, tem que conversar e combinar com outro professor e ele trabalhar em seu lugar. Considera que essas aulas são perdidas para seus alunos, porque qualquer que seja o professor substituto, não vai conseguir ensinar muito. É por isso que a escola fecha as portas quando participa dos encontros de formação promovidos pela prefeitura. O dia é registrado como formação, e os alunos não passam pelo transtorno de troca de professor e que muitas vezes atende paralelo com outra turma. 2.3.3 Metatexto III - Professor Carlos O professor Carlos iniciou sua formação docente no Curso de Administração com ênfase em Comércio Exterior na URI - Universidade Regional e Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen RS, porém não concluiu. Formou-se em 2010 em Ciências Biológicas, modalidade à distância, pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo Da Vinci4, através do Polo localizado na cidade de Erval Seco RS, embora tenha cursado quase todos os semestres na Unijuí. É professor contratado há 9 anos, e, atualmente, trabalha com as disciplinas de Química e Física em 6 turmas do Ensino Médio e Ciências para 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental na mesma escola. Dedica mais de 30 horas semanais do seu tempo com a atividade docente em sala de aula e não possui Curso de Pós-Graduação. Como não trabalha com a disciplina de sua formação superior específica, Ciências Biológicas, o professor Carlos diz que pretende especializar-se “na área de Química, talvez Bioquímica, ou entrar direto em um mestrado nesta mesma área, algo relacionado à Química”, já que trabalha com esta disciplina desde que iniciou a sua carreira docente. Revela que o fato de estar atuando como professor de Química no presente momento é, “sem dúvida, cada dia um desafio”, pois exige sempre muito estudo e dedicação. Quando questionado sobre sua formação inicial, o professor Carlos diz que, embora tenha frequentado boas Universidades, sempre tem que estudar antes de ir para a sala de aula. 4 Grupo de Ensino Superior de Santa Catarina com ensino presencial e à distância. Constituído pela Faculdade Metropolitana de Blumenau (FAMEBLU), pela Faculdade Metropolitana de Rio do Sul (FAMESUL), Faculdade Metropolitana de Guaramirim (FAMEG), pela Associação Educacional do Vale do Itajaí-Mirim (ASSEVIM), e pelo Instituto Catarinense de Pós-graduação (ICPG). 47 Como sua formação inicial foi Biologia, ele acredita que facilitou muito para trabalhar com a disciplina de Química. Mas reconhece que é preciso muito “esforço e dedicação, pois fica bastante difícil”, mesmo assim. Não costuma participar de encontros de formação continuada por área, pois normalmente são “feitos com o município” em que a escola participa com todos os professores. Há uma parceria com a Prefeitura, que promove cursos de formação para os professores municipais. Já foram realizados o “Encontro Municipal de Educação” e o “Curso Municipal de Educação”. Os temas abordados são de educação de um modo geral, mas, segundo o professor, “na medida do possível sempre ajuda, porque a gente sempre aprende alguma coisa entre fazer um curso e não fazer”. Nos encontros, a Prefeitura traz os palestrantes que falam para todos os professores, de todos os níveis e áreas, sobre avaliação, motivação, meio ambiente, interdisciplinaridade, temas bem amplos e bem de educação mesmo, não direcionam para nenhuma escola e nem para um grupo específico de professores. Sobre a contribuição da formação continuada para o seu desempenho profissional, o professor Carlos admite que seja necessário que os cursos “tratem de assuntos que ajudem na profissão e formação de cada um, então tinha que ser cada um na sua área, pra contribuir mesmo para dar aula.” E os encontros em que participa não possuem tal característica, pois, quando participa, são os encontros promovidos pela Secretaria Municipal de Educação. Mas sabe da importância de estar sempre atualizado e buscar cada vez mais conhecimentos e informações para atuar cada vez melhor como professor de Química, sendo “bom para as competências que cabem ao profissional em sala de aula, e que trazem assuntos que ajudem na profissão e formação de cada um”, segundo o professor. Quanto ao conhecimento que possui dos documentos oficiais, o professor revela que estudou a LDB no Curso de Biologia enquanto estudava na Unijuí, e que a escola possui esses documentos que se encontram na biblioteca, porém não são utilizados por ele; lembra de uma vez que “foi pegar alguns pra elaborar os planos de aula”. Não participou de nenhuma reelaboração do PPP da escola, portanto, além de não utilizá-lo para planejar seu trabalho, não o conhece. Para elaborar as suas aulas e eleger os conteúdos e conceitos a serem trabalhados, Carlos responde que procura ler sempre sobre as novas descobertas, estar sempre atualizado e que trabalha “com os conteúdos do PEIES”. Quando dá, e não é sempre, procura elaborar as aulas com conteúdos da realidade dos alunos, como meio ambiente, poluição, etc. Com isso, conversa com os demais professores das outras áreas para “tentar trabalhar alguma coisa parecida”, mas como está sozinho com a disciplina de Química, faz conforme entende e 48 considera que seja o melhor e mais adequado. Justifica que desenvolve os conteúdos listados pelo PEIES, pois, “envolve também a Química do dia-a-dia um pouco, ar atmosférico, efeitos da poluição, meio ambiente, pilhas, coisas que trazem significações para os alunos”. Quanto às dificuldades encontradas por atuar sozinho na escola, o professor diz que sempre estuda antes de ir pra sala de aula e, como as turmas são pequenas, não encontra grandes problemas, ao menos não os reconhece. Se desejar ausentar-se da escola para participar de encontros de formação continuada além dos que já acontecem no município, a escola não se opõe, desde que recupere os períodos posteriormente e deixe substituto para não prejudicar os alunos e resultar em reclamações por parte dos pais. Por isso, não se desloca, mas também porque os cursos de interesse são sempre muito longe realizados em dois ou três dias, geralmente promovidos por Universidades. O que ele deseja mesmo é cursar uma Especialização ou Mestrado em Química. Diante do exposto até agora nos metatextos para cada um dos professores participantes da pesquisa, no próximo item apresento a caracterização das escolas e seus respectivos municípios, lócus de atuação profissional dos mesmos. Ressalto que os dados apresentados referem-se ao ano de 2010, ano em que foram produzidos. 2.4 Caracterização das escolas e municípios Na sequência, trago o critério de escolha das escolas, sua localização e o metatexto IV, proveniente da leitura dos documentos das escolas e dos professores. 2.4.1 Critérios de escolha das escolas As três escolas, ambiente de atuação dos três professores participantes da pesquisa, são públicas, estaduais e pertencem à 20ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) localizada na cidade de Palmeira das Missões RS. Defini como critério de escolha das escolas o fato de que em todas elas o professor de Química aproxima-se do foco da pesquisa: o de ser único, assumir sozinho todas as turmas e aulas de Química. Foi critério de escolha também, o fato de as escolas estarem situadas em municípios vizinhos e de fácil acesso entre eles; municípios pequenos, ambos com população inferior a 10000 habitantes como já referido em outro momento, e com atividade essencialmente agrícola. 49 No item seguinte, optei por não nomear as escolas nem os municípios para continuar preservando a identidade dos professores. Caso contrário, o professor seria facilmente identificado, pois ele é o único de Química na escola. Deste modo, prossigo apenas caracterizando as escolas e seus respectivos municípios, sem, portanto, nomeá-los. 2.4.2 As escolas e sua localização O Colégio em que a professora Adriana atua é o único da rede estadual do seu município. Oferece Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional, perfazendo um total de 350 estudantes, operando nos três turnos do dia com 30 professores e 10 servidores de escola. O município em que a escola está localizada, situa-se a 434 Km da capital do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ao Norte do Estado, na região do Médio Alto Uruguai, e está entre os municípios baseados na agricultura camponesa, com baixa renda. Tem 75 Km2 de área. Com uma população de 2277 habitantes, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo populacional de 2010, 75% vivem na área rural. O Colégio em que o professor Luis trabalha está entre os três colégios estaduais do seu município e localiza-se na zona urbana. Atende desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, com 400 alunos distribuídos nos três turnos do dia, 37 professores e 11 funcionários. O município em que a escola está localizada situa-se ao Norte do Estado do Rio Grande do Sul, na Região do Alto Uruguai a 400 m acima do nível do mar. Apresenta uma área de 311 Km2 com uma topografia bastante acidentada e pouco variável. A maioria desta área está coberta de vegetação devido ao difícil acesso nesses terrenos. O município conta com riquíssimo Parque Florestal, onde se encontra madeira nativa e de lei. A população atual segundo dados divulgados pelo Censo IBGE 2010 é de 5776 habitantes. Destes, 1066 residem na área urbana e 5510 residem na área rural. Hoje (2011), o referido município é denominado “Terra da Diversificação”, tem sua base produtiva alicerçada na diversificação da pequena propriedade rural, com implantação de culturas como citros, hortifrutigranjeiros, gado de leite, cana de açúcar, fumo, parreiras e outros. O professor Carlos trabalha em uma Escola Estadual de Ensino Médio que atende nos três turnos do dia com Ensino Infantil, Fundamental e Médio, também com a modalidade Educação para Jovens e Adultos (EJA), um total de 243 alunos. Deste modo, conta atualmente com 26 professores e 5 funcionários. 50 O município correspondente à escola e professor localiza-se ao extremo Norte do Estado do Rio Grande do Sul e situa-se na Região do Médio e Alto Uruguai a 305 m acima do nível do mar. Apresenta uma área de 75,4 Km2 com uma população de 2274 habitantes (IBGE 2010), cuja grande maioria encontra-se na agricultura, sua principal base econômica. 2.4.3 Metatexto IV – O contexto comum que envolve as três escolas A leitura minuciosa e detalhada dos PPP das três escolas e dos Planos de Estudo dos três professores permitiu identificar pontos em comum entre elas, sobre as intenções e sobre que está planejado em termos de contextualização no ensino de Química, considerada como um princípio norteador das ações na escola. As três escolas reelaboraram os seus PPP em 2006 com vigência a partir de 2007, devido à incorporação do Ensino Fundamental de 9 anos, sendo a versão mais recente que as escolas disponibilizam até o momento. Os PPP analisados não seguem um modelo ou padrão rígido na sua estrutura, sendo que cada um difere do outro na relação dos itens que os compõem. Foram estruturados livremente de acordo com cada equipe diretiva vigente, por isso cada um tem sua especificidade e organização própria. Os Planos de Estudo dos professores são do ano de 2008, 2009 e 2010 e são praticamente iguais para os três anos. Foi possível identificar a presença de aspectos relacionados à contextualização com princípios à promoção da interdisciplinaridade em todos os PPP. Mas são citações superficiais, que não tomam claramente como referência o diagnóstico da realidade da escola e dos sujeitos envolvidos, nem apontam estratégias para a efetivação de um ensino contextualizado. São pistas, indícios que se aproximam do ensino/mundo da Química, o aluno e o seu contexto sociocultural. Desta forma, mesmo implicitamente, os PPP das escolas abordam necessidades sociais, ambientais, e que estejam mais ou menos de acordo com a realidade local da escola, alunos e professores. E, se considerar tais aspectos, os professores podem fazer seus planejamentos para que os alunos percebam que é importante estudar determinados conteúdos em detrimento de outros e o modo como estudá-los. Assim, podem tornar-se cidadãos críticos com capacidade de intervir no meio em que vivem, segundo consta nos documentos. 51 A escola deve ser um elo entre a família e a comunidade e seus objetivos devem ser traçados em função dos interesses da clientela escolar, para que se direcione a uma Educação eficiente. A escola precisa resgatar a cultura local (PPP X). Com os conteúdos tratados como temas de interesse da turma e as áreas de conhecimento trabalhadas de forma interdisciplinar, através de projetos de pesquisa, a aprendizagem ocorre de forma agradável, atrativa, e natural (PPP X). O conhecimento deve ser construído de forma clara, objetiva, de modo interdisciplinar abrangente e coletivo (PPP Y). Os documentos das escolas atribuem grande importância às trocas de experiências e ao trabalho coletivo. Deste modo, destacam que é possível integrar os avanços da tecnologia e da ciência à vida dos alunos, e efetivar práticas contextualizadas que vinculam a realidade com os conteúdos trabalhados sem perder referência com o mundo globalizado. O Projeto Político Pedagógico tem o intuito de aplicar uma metodologia Interdisciplinar Contextual, envolvendo estudos, fundamentações teóricas, reuniões, troca de experiências, avaliação do Projeto como instrumento normatizador das práticas educativas desenvolvidas na Escola (PPP Z). Porém, é evidente a desarticulação entre quem pensou/construiu os PPP e quem realmente faz (ou deveria fazer) acontecer na prática a proposta construída. Mesmo que a professora Adriana tenha participado da reelaboração do PPP da sua escola, ressalto que foi apenas pela condição de vice-diretora em que se encontrava naquele momento e não como professora, assim como os professores Luis e Carlos que também não participaram em nenhum momento da reelaboração dos PPP das suas escolas. Os Planos de Estudo dos três professores são os mesmos para as três séries do EM quanto aos conteúdos. O professor Luis e a professora Adriana têm seus Planos de Estudo com a mesma sequência e listagem. A diferença com o professor Carlos é apenas na sequência. Isso mostra que não houve incorporações, inovações nem mudanças. Com isso, os Planos de Estudo não consideram as especificidades que cada nova turma apresenta a cada novo ano, nem o tempo necessário para o aluno construir seus significados a partir dos conteúdos e conceitos abordados. De um total de 80 h/a de Química por ano letivo, são efetivadas aproximadamente 50 h/a, devido a feriados, provas, calendário escolar, reuniões, conselho de classe, etc. Nos três Planos de Estudo não há indicação de temas que possam, junto aos conteúdos e conceitos, auxiliar na compreensão de questões sociais, da vivência dos estudantes. Não correspondem com a orientação nem com os objetivos propostos nos PPP. Estes correm o risco de terem sido escritos apenas para o cumprimento de uma lei e os professores talvez 52 nem o conheçam. Nos documentos dos professores, não há preocupação com o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, conforme proposta do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Não contemplam as peculiaridades da realidade escolar, conforme orientações nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) e da própria LDB. Os conteúdos elencados são os conteúdos tradicionais do Ensino Médio e não contemplam os objetivos que constam nos PPP das escolas nem nos próprios Planos de Estudo da disciplina de Química: (Objetivo básico) como descrito e proposto nos próprios PCN: "Propõe-se, numa primeira abordagem, a reorganização curricular em áreas do conhecimento, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização" (PPP Z). (Objetivo Ensino Médio) questionar a realidade formulando problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação (PPP X). As três escolas são participantes do Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES) da Universidade de Santa Maria (UFSM), e está especificado em um dos PPP: “a Escola aderiu ao Programa Experimental de Ingresso ao Ensino Superior da Universidade de Santa Maria” (PPP X). A partir disso, busquei no currículo básico do PEIES a listagem de conteúdos de Química. Os professores chegaram a esta mesma listagem de conteúdos baseados naquela indicada pelo programa acima citado. O PEIES de algum modo direciona o currículo das três escolas. O critério “vestibular” ou ingresso ao Ensino Superior torna-se a maior expectativa para o Ensino Médio e acaba por definir a escolha dos conteúdos, embora nas escolas pesquisadas tenha um número insignificante, quase nulo de jovens que conseguem uma vaga em Química na Universidade através desse programa. No próximo capítulo trago a discussão, análise e interpretação dos dados segundo a metodologia Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011), cuja organização dos mesmos já foi explicitada em item deste capítulo. Os dados produzidos através da realização das entrevistas com os professores e do estudo dos seus documentos e das escolas estão reagrupados ao redor de três categorias, identificadas a partir dos objetivos, do problema e das questões da pesquisa. Desta forma, são consideradas válidas, segundo seus idealizadores. 53 3 PROFESSOR ÚNICO EM SUA ÁREA: UM DESAFIO A MAIS NA VIDA E PRÁXIS DOS PROFESSORES NOS PEQUENOS MUNICÍPIOS Em situação de quase isolamento, o professor único de sua disciplina, de escola pequena e isolada em seu município, defronta-se com uma dificuldade a mais em sua práxis, entendida como prática continuamente refletida e reconstruída. Nesta prática, o professor está envolvido com seus alunos, com a escola, e também com aspectos e questões acerca da sua disciplina, no caso, a Química. O desafio que enfrenta ao ser professor de Química único na escola, entre outros, carrega consigo implicações/necessidades ou possibilidades de formação continuada, de interação, e de planejamento com seus pares na escola e também ausente a ela. Diante disso, neste terceiro capítulo são apresentadas e discutidas as categorias identificadas a partir dos dados produzidos, consideradas importantes para a compreensão do objeto da pesquisa, que trata da ação de professores únicos de Química no Ensino Médio em escolas localizadas em municípios pequenos no interior do Rio Grande do Sul. Dentro de cada categoria são feitas afirmativas abertas ou proposições, sendo que cada uma é defendida com base no material empírico, na literatura, nas discussões com meu orientador e nas minhas próprias convicções/conhecimentos formados na experiência de trabalho em escola e estudos sobre o tema. As categorias elaboradas são: I.“Formação Continuada”; II.“Interação Social e Constituição do Ser Humano”; III.“Planejamento da Disciplina”, e são apresentadas nessa mesma sequência. 3.1 Formação continuada Esta categoria emergiu das manifestações decorrentes das entrevistas com os três professores acerca de aspectos referentes a sua formação, suas compreensões e oportunidades/necessidades sentidas no desempenho da sua função, na condição especial de atuação solitária e isolada de seu pares. A categoria também emerge da literatura específica sobre a formação dos professores. Discussões em defesa da formação continuada de professores são desencadeadas na literatura (Maldaner 2003; Schnetzler 2002; Marques 2006; Nóvoa 1995) nos últimos anos na medida em que se torna mais evidente a necessidade de qualificação e desenvolvimento profissional em busca de melhorias no processo de ensino e aprendizagem. Existem diversas definições e compreensões sobre formação continuada publicadas em livros, artigos e textos. 54 Maldaner (2003) enfatiza que “no que diz respeito à formação de professores, torna-se consensual a ideia de que ela deva ser contínua e continuada, muito além da graduação específica” (p. 17). Defende encontros entre os professores na própria escola onde trabalham para discutir questões reais, reconhecer suas crenças e entender suas práticas e necessidades de formação. Neste contexto (escolar), “os problemas abordados adquirem significação real e, com isso, as discussões podem gerar soluções mais adequadas e com acompanhamento mais efetivo” (p. 245). Para o autor, os processos de formação continuada já testados e que podem dar respostas positivas têm algumas características relevantes: grupos de professores que decidem pensar e organizar seu tipo de aula e o conteúdo que irão ensinar, tendo a orientação maior – por exemplo, os Parâmetros Curriculares como referência e não como fim; a prevalência dos coletivos organizados sobre indivíduos isolados, como forma de ação; a interação entre professores universitários, envolvidos e comprometidos com a formação de novos professores; o compromisso das escolas com a formação contínua de seus professores e com a formação de novos professores compartilhando seus espaços e conquistas; o apoio institucional e de autoridades educacionais locais às ações planejadas e executadas conjuntamente; o apoio financeiro para a melhoria das condições materiais das escolas e de estudo dos professores; as ações coletivas no âmbito de todas as licenciaturas de uma instituição. Na perspectiva de compreender o trabalho docente de professores de Química, em sua tese de doutorado, Maldaner (2003) estudou a formação de professores em espaços de interação profissional, em que os professores sujeitos da sua pesquisa investigam/pesquisam sobre suas próprias práticas. Foram convidados a elaborarem um programa de ensino de Química em que os planejamentos e ações fossem ao encontro das suas necessidades formativas e a de seus alunos no Ensino Médio. Isto reforça o entendimento de que, para o autor citado, a formação continuada deve dar-se em um processo longo e de preferência em espaço escolar através de um grupo interativo de professores com assessoria e participação de pessoas/formadores bem mais experientes sobre os problemas concretos da sala de aula de um determinado componente curricular. Compreende que “a formação continuada é uma necessidade intrínseca à prática pedagógica, sempre mais complexa e de nível crescente de exigência de conhecimentos da qual a formação inicial não pode dar conta” (p. 110). 55 Na mesma linha de pensamento, Schnetzler (2002) discute concepções e alertas sobre a formação continuada de professores de Química e aponta três razões para incentivar ações e programas de formação continuada: a primeira refere-se à “necessidade de um contínuo aprimoramento do professor, com reflexões críticas sobre a sua prática pedagógica, no ambiente coletivo do seu contexto de trabalho” (p. 15). Justifica que melhorias no ensino de Química acontecem por “intermédio da ação do professor, não cabendo receitas prontas produzidas por terceiros” (p. 15). A segunda razão apontada pela autora é a de “superar o distanciamento entre contribuições de pesquisas e a utilização das mesmas para a melhoria do processo de ensino aprendizagem em sala de aula, implicando que o professor também atue como pesquisador da sua prática docente” (p. 15), e não fique apenas na condição de objeto da investigação. A visão da autora sobre a pesquisa em formação continuada não concebe o professor como um “mero técnico ou aplicador do que outros dizem, mas como produtor de saberes pedagógicos, tão úteis ou mais que muitas prescrições que a pesquisa educacional já produziu” (p. 15). A terceira razão para incentivar ações e programas de formação continuada diz respeito a danos e lacunas da formação inicial do futuro professor já que esta tem sido “historicamente dirigida para a formação de bacharéis” (p. 16). Enfatiza que a maioria dos projetos de formação continuada para professores de Química é concebida como de “tapa buracos” da formação inicial e, geralmente realizada a curto prazo e sem perspectiva de continuidade. Schnetzler (2002) compreende a formação continuada como “um processo de aprendizagem e socialização, de natureza voluntária, informal e pouco previsível que está centrado na interação entre colegas e nos problemas que trazem de suas práticas docentes” (p.20). Complementa como condição essencial para a formação continuada, que sejam constituídos grupos de professores na escola apontando para a “necessidade de tempo, espaço e incentivo por parte da administração escolar, pois sem estes pontos assegurados, não há programa de formação continuada que se mantenha” (p. 18). Marques (2006) defende que a formação continuada deva ser “obra de um empenho coletivo dos educadores situados no seio das instituições, organismos e movimentos sociais, sob a forma de programas ao mesmo tempo participativos, orgânico-sistemáticos e continuados” (p. 210). E, deste modo, segundo o autor, é importante “ter sempre como referência básica a sala de aula assumida, não por professores isolados, mas por uma equipe dedicada ao trabalho docente” (p. 210). Qualquer que seja a forma de realização da formação continuada, esta “deve supor a experiência gestada no exercício da profissão, para a ela 56 regressar com o questionamento, com o convite à reflexão e com novos elementos que enriqueçam o debate que dá vida aos coletivos da sala de aula e da escola” (p. 211). Nóvoa (1995), por sua vez, alerta que não podemos nos limitar a entender a formação continuada de professores como uma formação construída por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas, mas através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas de (re)construção de uma identidade pessoal e profissional. Segundo Nóvoa (2001) “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa como agente e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente” (p. 23), em que a formação continuada se dá no coletivo e depende da experiência e da reflexão como instrumentos de análise. “A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando” (p. 26). Para o autor, os cursos de formação continuada “devem valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade de seu próprio desenvolvimento profissional” (p. 27). Nesse sentido, propõe que a escola não seja somente um lugar onde os professores aplicam seus conhecimentos, mas também um centro permanente de formação onde eles possam experimentar, inovar e ensaiar novas formas de trabalho pedagógico. A partir das definições propostas pelos autores citados, foi possível sintetizar/elaborar um entendimento próprio sobre a formação continuada de professores. Vinculada à formação inicial, a formação continuada é condição necessária para o exercício da profissão docente. Em consonância com problemas pontuais da sala de aula e com as necessidades enfrentadas pelos professores, realizada coletivamente em espaço escolar (escola e/ou Universidade), permite aos professores questionar e refletir sobre o que e como ensinar, na busca por alternativas em melhorar a qualidade do ensino. Por meio de parcerias com professores mais experientes, como de Universidades, é possível pesquisar problemas de ensino e aprendizagem e as próprias aulas, para então planejar ações conjuntamente num processo contínuo. A formação continuada pode ser vista como um espaço/tempo de trocas de saberes entre professores e demais especialistas da mesma área, favorável à proximidade, à interlocução e ao diálogo com saberes e olhares de diversos sujeitos. No encontro com o outro é possível ressignificar a prática e fazer uma releitura do já aprendido, para então superar estruturas e rotinas consolidadas que já não respondem mais às necessidades/dificuldades dos professores. Independente da denominação que receba, reciclagem, aperfeiçoamento, capacitação, profissionalização ou formação permanente, é importante que a formação 57 continuada respeite os limites e o tempo que os professores necessitam para compreender as discussões e rever a sua prática pedagógica. Com base no exposto até agora, foi possível produzir um quadro que sintetiza a ideia da categoria “formação continuada” de acordo com as definições/compreensões encontradas na literatura. Quadro nº 1: Definições da categoria Formação Continuada FORMAÇÃO CONTINUADA A formação continuada deve dar-se em um processo longo e de preferência em espaço escolar através de um grupo interativo de professores com assessoria e participação de pessoas/formadores bem mais experientes sobre os problemas concretos da sala de aula de um componente curricular (MALDANER, 2003). “A formação continuada é uma necessidade intrínseca à prática pedagógica, sempre mais complexa e de nível crescente de exigência de conhecimentos da qual a formação inicial não pode dar conta” (MALDANER, 2003, p. 110). “Formação continuada como um processo de aprendizagem e socialização, de natureza voluntária, informal e pouco previsível que está centrado na interação entre colegas e nos problemas que trazem de suas práticas docentes” (SCHNETZLER, 2002, p. 20). A formação continuada deve ser “obra de um empenho coletivo dos educadores situados no seio das instituições, organismos e movimentos sociais, sob a forma de programas ao mesmo tempo participativos, orgânico-sistemáticos e continuados” (MARQUES, 2006, p. 210). Não podemos nos limitar a entender a formação continuada de professores como uma formação construída por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas, mas através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas de (re)construção de uma identidade pessoal e profissional (NÓVOA, 1995). “O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente” (NÓVOA, 1995, p. 23). Fonte: Elaboração da autora Proposição I: O fato de haver professor único em escola/município praticamente impede que o mesmo se ausente para eventos de formação continuada. A falta de um professor na escola sempre cria transtornos, antecipa e modifica horários, além de desencadear queixas por parte dos pais, alunos e também do professor substituto que acaba se desdobrando para atender as turmas paralelamente. Evidência que é 58 bem clara nos depoimentos dos professores entrevistados e também pela minha vivência na escola, onde costumo presenciar episódios em que a ausência de qualquer professor na escola, e do professor de Química em particular, causa contratempos e desordem no que já está determinado para aquele dia. O professor que o substitui, no máximo pode controlar a turma para que realizem as tarefas deixadas, pois se surgir alguma dúvida quanto aos conteúdos ou outro aspecto relacionado à Química é muito difícil que seja esclarecida devido ao não conhecimento da disciplina. Então, de algum modo, isso acaba por limitar/impedir os professores de se ausentarem da escola para participar de eventos de formação continuada, tornando-se um elemento significativo e que intervém nas possibilidades de aperfeiçoamento e formação, conforme manifestações dos professores entrevistados nos turnos de fala que seguem: “Quando a gente sai, a gente perde os períodos, depois se dá a gente recupera. Mas esse ano conversamos com a direção e ela entendeu que tínhamos o direito e então ela nos ajudou, deixamos o material, deixamos trabalho e tivemos a liberdade para sair e fazer as ‘Lições’, mas foi só esta vez” (Luis Q3h). “Se a gente quiser fazer algum curso por fora tem que recuperar os períodos e é bem complicado deixar com outro professor” (Carlos Q3h). “Se eu sair para um curso de formação continuada, eu tenho que deixar uma pessoa no meu lugar, não posso deixar atividade para a direção, eu tenho que conversar com outro professor e ele trabalhar pra mim e eu trabalhar pra ele outra hora” (Adriana Q3h). A identificação de limites, necessidades e oportunidades que os professores apresentam em seu contexto de trabalho ou específicos da sua disciplina é entendida como um fator determinante no desempenho da sua função e desenvolvimento próprio e de seus alunos. Mas além de serem únicos na escola como professores de Química, os professores entrevistados com certeza convivem com outros fatores que dificultam o seu trabalho, comuns atualmente nas escolas públicas e perceptível na escola em que trabalho, juntamente a um dos professores sujeitos da pesquisa. Arroyo (2000), ao discutir sobre o ofício dos professores/mestres, defende que “criatividade e competência não faltam. Faltam em muitas escolas condições materiais, tempos e espaços, bibliotecas, remuneração e estímulo. Falta uma organização do trabalho mais coletiva, menos solitária” (p. 122). As condições precárias de trabalho em que os professores estão submetidos na escola, “péssimos salários, a falta de estabilidade, a condição de aulistas, o fraco ambiente cultural das escolas, a duplicidade de turnos de docência e ainda 59 o trabalho doméstico, não apenas limitam a qualidade da docência, mas impossibilitam uma auto formação formadora” (p. 42). Maldaner (2003) aponta que para melhorar o exercício profissional, os professores necessitam de condições mínimas, entre elas: Dedicação exclusiva a uma única escola, horários planejados para estudos em ambientes com as condições para tal, acesso a livros e revistas atualizados, acesso à moderna tecnologia educacional, salas-ambiente para o bom desenvolvimento das aulas em todas as matérias, bibliotecas atualizadas e compatíveis com as necessidades de professores e alunos para as atuais exigências educacionais, possibilidade concreta e permanente para a participação em eventos de formação continuada, salários compatíveis com a importância do educador para a recriação cultural junto às novas gerações, etc (MALDANER, 2003, p. 223). São aspectos que devem ser levados em conta ao discutir a qualidade do ensino e da educação oferecidos nas escolas e a qualificação dos professores, pois, segundo Cunha (1992), ao referir-se ao professor e sua prática, “é o reconhecimento do seu papel (do professor) e o conhecimento da sua realidade que poderão favorecer a intervenção no seu desempenho” (p. 28). Assim, entendo que se não forem considerados tais aspectos limitantes e se não for oferecido tempo disponível para que os professores permaneçam ou se ausentam da escola, a formação continuada dos mesmos será prejudicada. Maldaner (2003) aponta que “o fator tempo na vida dos professores é um dos limites mais decisivos na implementação de um processo de formação continuada com base no desenvolvimento da prática do professor/pesquisador” (p. 399). A escola, ou administração da escola, além de permitir que os professores se ausentem, pode contribuir ao apoiá-los com infraestrutura e disponibilizar horários para formação ao definir/organizar o calendário escolar no início do ano, dentro da carga horária dos profissionais. Para Nóvoa (1995), “falar em formação de professores é falar de um investimento educativo dos projetos de escola” (p. 29). Deste modo, a formação continuada pode ser realizada na própria escola. Em escolas em que o professor de Química é único, pode ser planejada com os professores de Biologia e Física, que são as matérias escolares que mais se aproximam, possíveis de realizar um trabalho interdisciplinar. Estudos já foram desenvolvidos em defesa da escola como espaço de formação continuada, centrada nas necessidades formativas e situações problemáticas enfrentadas pelos professores, como os de Maldaner (2003), citados em outro momento neste capítulo. O estudo individual do professor, “planejado e coordenado em espaços coletivos, criados dentro da própria escola ou por grupos de escola, é atividade inerente ao exercício profissional e, por 60 isso, deve ser preocupação permanente dos próprios professores, das escolas e dos sistemas educacionais” (p. 195). Segundo o autor, professores organizados na forma de coletivo produzem um novo nível de ensino em sua ação pedagógica. Defende encontros entre professores da mesma escola para que possam discutir suas práticas e se perceber no contexto, buscar novas metodologias de ensino e discutir sobre dificuldades relacionadas à docência e possíveis mudanças. Nessa direção, o autor compreende que “a produção de conhecimento pedagógico dentro de um grupo de pesquisa na escola pode mudar as práticas pedagógicas dos professores envolvidos e servir de indicativos para a formação de novos educadores” (p.32). Em interação com professores de Universidades, “é possível qualificar ainda mais a proposta de ensino” (MALDANER, 2003, p. 222). Nóvoa (2001) considera que a escola e sua organização influencia o desenvolvimento pessoal e profissional do professor. Sugere que o professor veja a escola como um lugar que, além de ensinar, também aprende. Considera que a atualização e a produção de novas práticas de ensino só se dão a partir de uma reflexão partilhada entre os colegas, que tem lugar na escola e nasce do esforço de encontrar respostas para os problemas enfrentados no cotidiano escolar. Para o autor, É no espaço concreto de cada escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais, que se desenvolve a verdadeira formação. Universidade e especialistas externos são importantes no plano teórico e metodológico. Mas todo esse conhecimento só terá eficácia se o professor conseguir inseri-lo em sua dinâmica pessoal e articulá-lo seu processo de desenvolvimento. (NÓVOA, 2001, p. 25). Terrazzan e Gama (2007) corroboram com a ideia da escola como espaço formativo ao afirmar que a formação continuada necessita estabelecer uma relação estreita com a escola, pois é nela que as dificuldades aparecem e os conhecimentos práticos pedagógicos se produzem. Na escola o professor reflete sobre sua prática e com os colegas de trabalho, busca soluções para superar suas necessidades/dificuldades. Em outro momento, os autores apontam que, numa escola, a formação continuada deve iniciar pela identificação do “lugar de onde os professores ‘se veem’, para então, progressivamente, por meio das próprias ações formativas, subsidiar o processo de mudanças das concepções acerca do seu trabalho e da sua formação e, por consequência, das condutas nas práticas docentes” (p. 3). Para os autores, atualmente é difícil manter propostas de formação continuada de professores desvinculadas do ambiente de trabalho. E o que está sendo aceito pelos pesquisadores/estudiosos sobre o tema, é que todo o processo de formação continuada deve partir de um estudo prévio da escola, de seus principais problemas e necessidades de mudanças. Esclarecem que a perspectiva de centrar e 61 vincular a formação na escola não significa desenvolver ações exclusivamente na escola, mas sim “desenvolver ações sempre ancoradas na unidade escolar, a partir de um plano de ação que pretenda efetivar mudanças, tanto nas práticas individuais como nas práticas coletivas e institucionais” (TERRAZZAN; GAMA, 2007, p. 4). Diante do exposto até agora, foi possível perceber e afirmar que a atuação de professor único em escola e a sobrecarga de trabalho remetem ao impedimento/dificuldade de se ausentar da mesma em busca de maior qualificação profissional, embora essa situação seja comum em praticamente todos os sistemas de ensino, e não somente em escolas com as características das pesquisadas. Mas há uma possibilidade, por iniciativa da escola e professores, de instituir grupos de professores de uma mesma escola, de preferência da mesma disciplina (no caso pesquisado pode ser por área) e com assessoria, como oportunidade de inovar nas propostas de formação continuada de professores. Defendo tal proposta, juntamente com a literatura, ao tomar como foco principal estudos da própria escola, crenças, concepções, práticas, dificuldades dos professores que não mais seriam objetos de pesquisa, mas sujeitos que pesquisam o seu próprio trabalho com vistas à mudanças e melhorias. Os encontros, a longo prazo, não precisam ser realizados necessariamente no espaço físico da escola. O importante é não perder o foco que é tratar as questões peculiares da escola, do ensino e dos sujeitos que nela atuam. Nas entrevistas com os três professores ficou clara a importância atribuída e a carência sentida por eles em encontrar-se com seus pares em eventos de formação continuada, conforme a próxima proposição defendida. Proposição II: Os encontros por área do conhecimento são uma grande possibilidade de formação continuada com vistas à melhoria do trabalho e aprendizagem dos alunos. O encontro com os pares ou com professores da mesma área do conhecimento é um momento que propicia trocas, compartilhamento, cumplicidade de angústias e emoções, organização, problematização e construção de novos conhecimentos com base na trajetória e experiência que cada um carrega. Instituir grupos ajuda a avançar nos conhecimentos escolares e nas discussões acerca das disciplinas, o que é reconhecido e reivindicado pelos próprios professores que se encontram no isolamento. Os professores entrevistados reconhecem a necessidade de uma permanente atualização profissional na sua área, bem como 62 uma vivência dentro do ambiente escolar com outros professores de Química. Mostram-se abertos ao diálogo e reclamam da falta de oportunidade e momentos de interação. Falam com entusiasmo de uma única vez em que participaram de encontros de formação com professores de Química e da área Ciências da Natureza e suas Tecnologias (CNT), da importância de um trabalho coletivo organizado, com interlocutores de interesses e preocupações semelhantes. O que fica evidente nos seguintes turnos de fala: “Da minha área muito pouco, mais é educação, no geral. A única vez que eu gostei e participei de encontros de formação por área foi nas Lições do Rio Grande, foi muito bom, excelente, ótimo” (Adriana Q2b). “Eu acho que necessário seria encontro por área. Isso é o que mais dificulta porque na minha área são poucos professores e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros uma oportunidade da gente conversar” (Adriana Q2d). “Curso de formação por área, olha, foi raro né. Mas agora a gente teve em Palmeira das Missões as “Lições do Rio Grande”, daí esse foi válido porque a gente trabalhou específico com professores de Química, e então a gente se reunia por área e é isso que falta bastante pra nós” (Luis Q2b). “Eu acho que se a gente tivesse mais cursos por área e a gente se reunir com certeza os alunos sairiam ganhando também” (Luis Q2d). O diálogo, a interação, a troca de experiência entre professores do mesmo componente curricular ou da mesma área são “fundamentais para consolidar saberes emergentes da prática profissional” (NÓVOA, 1995, p. 26). Para Schnetzler (2002), em grupo, os professores de Química conseguem perceber as deficiências e impasses da sua prática, tornando-se professores mais críticos quanto ao trabalho que desenvolvem. Segundo a autora, “o coletivo docente cria as bases necessárias de familiarização, confiança e naturalidade para tratar questões mais particulares, específicas, individuais e coletivas, relativas ao contexto de classe e/ou da escola” (SCHNETZLER, 2002, p. 17). Entendo que partir das demandas que os professores apresentam, é possível resolver, ou diminuir, as situações problemáticas próprias do seu exercício na escola. A interação entre professores de uma mesma área, tanto na escola quanto nos encontros de formação continuada favorece a discussão sobre as metodologias e os conteúdos que cada um escolhe e segue, sendo que tal interação expressaria um pensamento comum e mais consistente entre eles. Escolas da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul (RS) receberam, durante o ano de 2010, os referenciais curriculares “Lições do Rio Grande”, com vistas à melhoria da qualidade do ensino e à promoção de habilidades e competências cognitivas. O material didático para o Ensino Médio foi elaborado com exemplos de como cada disciplina pode ser 63 trabalhada a partir de temas geradores, contextualização e interdisciplinaridade. Para isso, foram promovidos alguns encontros de formação para orientar os professores quanto aos seus planejamentos e próprias práticas, a partir do desenvolvimento de competências e habilidades, como a leitura, a produção de textos e a resolução de problemas (RIO GRANDE DO SUL, 2009). As escolas receberam materiais para alunos e professores. Para a implementação dos referenciais nas aulas, os professores participaram de encontros de estudos fora da escola, para estudar tais documentos. Os momentos de interação proporcionados pelos encontros, apesar de não ter continuado, motivaram os professores participantes da pesquisa em desenvolver um ensino inovador, qualificado e que pudesse motivar também aos alunos. Sentiram que não estariam mais sozinhos nas decisões sobre a sua disciplina, pois através das sugestões o seu trabalho seria planejado e desenvolvido de forma articulada com os professores da área e não apenas do componente curricular Química. Como já referido em outro momento desta dissertação, os três professores sujeitos da pesquisa estudaram na UNIJUÍ durante sua formação inicial, apesar de o professor Carlos ter concluído sua graduação em outra Universidade. Assim como o ensino desenvolvido/defendido na UNIJUÍ, as “Lições do Rio Grande” caracterizam-se em grande parte pelo desenvolvimento de temas e que foram valorizadas pelos professores que “se acharam” outra vez. No Referencial Curricular Lições do Rio Grande, Ciências da Natureza e suas Tecnologias (2009), propõe-se um trabalho através da construção de aprendizagens significativas em que a escola organiza-se por áreas do conhecimento a fim de promover um ensino interdisciplinar e romper com o isolamento entre as disciplinas. Segundo o documento, isso se dá a partir de “unidades temáticas e conceitos estruturantes comuns, que mobilizam diferentes conhecimentos escolares e/ou saberes oriundos de experiências pessoais dos alunos” (p. 31). Deste modo, destaca que “o plano de trabalho do professor não deve ser elaborado individualmente, deve ser o resultado da construção coletiva pela equipe de professores de determinada área do conhecimento” (RIO GRANDE DO SUL, 2009, p. 31). Mesmo com essa possibilidade, os professores apresentam algumas dificuldades. Assim como na graduação, agora eles teriam que produzir de novo, assumir a autoria do seu currículo. Entretanto, sem perspectiva de continuidade das Lições do Rio Grande e pela falta de tempo para planejamento, não se sentem motivados nem preparados suficientemente para seguir adiante, conforme depoimento de um dos professores: 64 “Mas se [mantivessem] essas ‘Lições do Rio Grande’, pelo menos uma vez por ano, já bastaria para poder trabalhar o ano inteiro, antes de começar as aulas chegaria, porque seria com professores só de Química e daí se os professores de Biologia também fizessem o curso, depois na escola seria mais fácil, dava pra interagir com eles” (Luis Q3g). “Nas ‘Lições’ eles abordaram muito a prática no dia-a-dia, mas trabalhado em forma de grupos, e que esses temas não se baseiam diretamente só na disciplina de Química, era uma interdisciplinaridade, então, quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem visões de conhecimento do assunto. Mas por enquanto, é só organização verbal com os professores de Biologia e Matemática, a gente na verdade não sentou ainda por falta de tempo” (Luis, Q2e). A compreensão de que trabalhar com temas requer um trabalho organizado e planejado para além da disciplina de Química desafia o professor a desenvolver um trabalho interdisciplinar. Os temas, para serem compreendidos, demandam a relação entre conteúdos e/ou conceitos de outras disciplinas. Deste modo, professor de Química único e isolado de seus pares na escola, pode planejar, estudar e organizar a sua disciplina juntamente com professores da sua área. Mais uma vez é necessário que a escola se organize e disponibilize/garanta horários remunerados na jornada de trabalho para os professores se encontrarem (além dos já reservados para reuniões pedagógicas5), e estes, conscientes do tempo necessário para que os resultados cheguem às salas de aula, não estabeleçam prazo final para esta prática. Precisam reconhecê-la como um processo contínuo que enriquece/amadurece conforme inquietações, questionamentos e a necessidade de intervenção vão surgindo. Significa que ações de formação continuada não se efetivam em curto espaço de tempo. Sobre essa questão, procedo discutindo na próxima proposição. Proposição III: A compreensão dos professores sobre formação continuada resumese em cursos de curta duração. Diferentemente do que é compreendido na literatura, os professores entrevistados compreendem/confundem formação continuada com cursos rápidos, esporádicos, cuja 5 Segundo Torres (2001), reuniões pedagógicas são reuniões efetivas para a discussão das questões pedagógicas/educacionais, planejamento, avaliação, metodologias, disciplinas e problemas de aprendizagem, além de assuntos do dia-a-dia ou institucionais. Essas reuniões podem ser vistas como um espaço de reflexão dos professores, mas também como um momento em que se aproveita o encontro dos mesmos para se dar avisos, distribuir materiais, informar e discutir problemas de caráter geral. 65 ocorrência parece perseguir certificados com vistas a progressão na carreira. Revelam que frequentam cursos idealizados por pessoas que não consideram suas necessidades e dificuldades, nem a dos alunos e escolas. A maneira generalizada como são realizados, para um número elevado de escolas, desconsidera as particularidades de cada uma e de cada participante. Eu mesma já participei várias vezes juntamente com os professores da escola, de encontros (3 ou 4 por ano) do tipo curso ou palestra, em que cada um abordava alguma coisa diferente, sem continuidade nem retorno de pensamento ao anterior, desenvolvidos por docentes de Instituições de Ensino Superior (IES) sem proximidade nem conhecimento das especificidades das escolas e professores. “Mas nós temos encontros todos os anos, a nossa escola com o município, é o ‘Interredes’, é nós que organizamos com o município” (Adriana Q2b). “Normalmente a formação continuada está sendo feita com o município. Nós da escola do estado em parceria com a prefeitura que faz pros professores municipais” (Carlos Q2b). “Só que é difícil achar cursos na tua área, agora teve na URI a semana acadêmica do Curso de Química Industrial. Mas esses congressos são sempre muito longe, então eu busco na Internet maneiras de estar atualizada” (Adriana Q3h). Os professores participantes da pesquisa referem-se a propostas de formação continuada oferecidas/organizadas por Secretarias Municipais de Educação que costumam reunir um número elevado de professores da rede municipal e estadual de ensino com a pretensão de atualizá-los sobre assuntos/questões atuais que estão em debate, ou reciclá-los, conforme o documento de uma das escolas. E os formadores, professores universitários, na maioria das vezes priorizam a transmissão de conhecimentos e informações superficiais previamente organizadas e geralmente “encomendadas” pelas Secretarias promotoras dos encontros. E os professores, desinteressados e alheios ao assunto, comportam-se como receptores passivos, apenas ouvintes de quem está a sua frente, sem nenhuma forma de participação/intervenção, conforme eu mesma já presenciei. Entendo que pensar/promover ações de formação continuada para os professores é ir além de propostas centradas na transmissão/recepção de conhecimentos e informações. Formar professores capazes de exercer com competência as suas atribuições é respeitar as suas necessidades específicas de modo que colaborem para enfrentar os desafios do dia-a-dia, em que a sala de aula e a própria escola tornam-se a principal referência. Os temas a serem tratados precisam ser entendidos como relevantes pelos professores para que mudanças sejam alcançadas. Isso possibilita ao professor, uma intervenção mais eficaz na escola e na sala de 66 aula. Caso contrário, tais momentos resultam em frustrações e queixas por parte dos que participam: “Nos encontros de formação falam um pouco de tudo, de educação, bem geral assim. De química nunca teve nada aqui” (Carlos Q2b). Programas de formação continuada precisam ir além de cursos, seminários ou palestras oferecidas de forma homogênea nos quais o professor não tem um espaço mais expressivo para participar. Ir além significa trabalhar com as reais necessidades dos professores, estimular novas buscas, reflexão, criatividade e inovação, para que os saberes construídos durante a formação possam resultar no desenvolvimento e aprendizagem também do aluno. De acordo com Maldaner (2003), muitas vezes, são propostos aos professores “simples cursos de ‘treinamento’, de curta duração em períodos de férias escolares, geralmente executados por meio de rede de monitores, como solução adequada para a melhoria da educação nas salas de aula.” (p. 18-19). Para isso, “é muito comum a solicitação de uma assessoria, um curso rápido ou um conjunto de palestras sobre determinado tema ou mesmo sobre alguma novidade pedagógica, a uma instituição universitária, por parte de escolas ou professores” (p. 169). Neste caso, o autor alerta para a necessidade de o profissional externo refletir conjuntamente sobre as práticas em execução, preocupações e crenças dos professores em formação. A participação de uma pessoa externa requer que a mesma, de preferência, tenha formação “no campo específico do conhecimento em questão, a Química, por exemplo” (p. 180). A partir das demandas que os professores apresentam, é possível amenizar as situações problemáticas próprias do seu exercício na escola. Schnetzler (2002) ressalta que “no limite das várias concepções de formação continuada, o que de fato constitui a diferença é a organização das ações a partir dos problemas vivenciados pelos professores participantes” (p. 18), ou seja, a partir das características contextuais em que o trabalho é desenvolvido. Alerta para a falta de relação entre o que é tratado ou ensinado nos cursos de formação continuada e os problemas vivenciados pelos professores. A falta de continuidade destes cursos não permite que o professor possa discutir seus dilemas, hesitações e inseguranças com seus pares nem com o professor formador. A realização destes cursos está fora do contexto de produção do trabalho docente. A autora ainda enfatiza que mudanças na prática pedagógica não acontecem por imposição ou apenas porque se deseja. Mudanças e inovações em nossas práticas de ensino requerem de nós explicitar, desconstruir e reconstruir concepções, e isto 67 demanda tempo e condições que não podem ser contempladas por ações de formação continuada tão curtas, esporádicas e descontínuas (SCHNETZLER, 2002). Propostas de formação continuada concretizadas por meio de cursos oferecidos de forma homogênea para um grande número (heterogêneo) de professores, os quais são apenas ouvintes, não respeitam as necessidades específicas de cada um ou de cada grupo, tornandose, portanto, insuficientes. Ao final de cada curso, os professores retornam ao trabalho do mesmo jeito, pois questões reais da sala de aula e do próprio ensino de Química não foram consideradas nem problematizadas. Por não participarem de outros eventos de formação continuada além dos mencionados nas entrevistas, como os que discutem a educação em química, por exemplo, reafirmo esta terceira proposição, em que os professores tendem a preservar a concepção de que a formação continuada limita-se a encontros com início, meio e fim determinados, com certificado de participação como resultado final. Acredito que o próprio isolamento, o sentimento de solidão na própria escola e a falta de oportunidades de interação com seus pares são fatores que determinam tal concepção/compreensão simplificada. Isso remete a reafirmar as outras duas proposições desta categoria sobre as implicações da formação continuada em escolas com as características das pesquisadas: os encontros por área do conhecimento são apontados como uma grande possibilidade de formação continuada com vistas à melhoria do trabalho e aprendizagem dos alunos e o fato de haver professor único em escola/município praticamente impede que o mesmo se ausente para eventos de formação continuada. Diante disso, a próxima categoria, de uma proposição apenas, evidencia a necessidade sentida pelos professores da pesquisa em interagir com seus pares e com os demais professores da escola, fatores importantes na sua constituição e desenvolvimento profissional. 3.2 Interação Social e constituição do Ser Humano Esta categoria foi produzida a partir das falas dos professores. Não havia nenhuma questão relacionada a ela no roteiro, porém, ficou evidenciada após as leituras do material proveniente das entrevistas. Esta é, então, uma categoria emergente. Segundo Moraes e Galiazzi (2011), dentro da Análise Textual Discursiva, as categorias podem ser prévias ou emergentes após o processo de análise do material empírico, conforme já explicitado no capítulo anterior. Os professores constituem-se como tal num processo contínuo que envolve relações na sua vida como um todo, principalmente aquelas que são estruturadas na escola, mediadas pela 68 subjetividade. E as interações entre professores/pares são fundamentais para a constituição e o desenvolvimento profissional dos mesmos, conforme já discutido juntamente com a literatura em outro momento nesta dissertação (Cap. I). Deste modo, reporto-me às definições já apresentadas para não tornar o texto muito repetitivo e em seguida parto para as proposições, que servirão para uma melhor compreensão da real situação em que se encontram professores de Química únicos em escolas, suas dificuldades de interagir com seus pares e demais professores. O quadro a seguir apresenta uma síntese com as definições da literatura acerca da compreensão sobre as interações sociais e a constituição do ser humano, já apresentadas no primeiro capítulo. Quadro nº 2: Definições da categoria Interação Social e constituição do Ser Humano INTERAÇÃO SOCIAL E CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO “É na interação com o outro que o sujeito se constitui e que se dá a elaboração conceitual. A construção de conhecimento se dá na dinâmica interativa” (ECHEVERRÍA; BELISÁRIO, 2008, p. 14). “O desenvolvimento do sujeito humano e de sua singularidade se dá a partir das constantes interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida social” (REGO, 2000, p. 105). “Segundo a teoria histórico-cultural, o indivíduo se constitui enquanto tal não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, através de suas interações sociais, a partir das trocas estabelecidas com seus semelhantes” (REGO, 2000, p. 106). “Em atuação conjunta e colaborativa, os professores criam condições para superar dificuldades encontradas no cotidiano da sala de aula” (ARAÚJO; AUTH; MALDANER, 2007, p. 253). “A interação entre os sujeitos envolvidos na elaboração e planejamento coletivo repercutem positivamente na formação e produção intelectual dos professores” (ARAÚJO; AUTH; MALDANER, 2007, p. 256). “Ninguém é sujeito na solidão e no isolamento, sempre se é sujeito entre outros sujeitos” (SAVATER, 1998). “A possibilidade de ser humano só se realiza efetivamente por meio dos outros, dos semelhantes” (SAVATER, 1998, p. 33). “O que é próprio do homem não é tanto o mero aprender, mas o aprender com outros homens, o ser ensinado por eles” (SAVATER, 1998, p. 39). “A autonomia do sujeito e a regulação de suas ações constroem-se sobre interações” (GÓES, 1991, p. 22). 69 “O homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura” (REGO, 2004, p. 93). “O sujeito não é passivo nem apenas ativo: é interativo” (GÓES, 1991, p. 22). “Como sujeitos, os indivíduos são afetados, de diferentes modos, pelas muitas formas de produção nas quais eles participam, também de maneiras diferentes [...] são profundamente afetados por signos e sentidos produzidos nas (e na história das) relações com os outros” (SMOLKA, 2000, p. 31). “Nos tornamos humanos em relações, espaços e tempos culturalmente densos, porque diversos, quanto mais propícios melhor para as trocas, a pluralidade de trocas humanas” (ARROYO, 2000, p. 66). “O funcionamento psíquico e a condição humana fundamentam-se nas relações sociais, desenvolvidas através da história e da cultura” (VIGOTSKI, 2008). Fonte: Elaboração da autora Proposição I: A ação e a formação continuada dos professores serão mais consistentes se acontecerem a partir de processos interativos. A defesa de que o isolamento e as dificuldades relacionadas a ele podem ser superados pelo compartilhamento de experiências entre professores da mesma área e entre professores de Química é muito evidente na concepção dos professores sujeitos da pesquisa. Em suas falas, não há constrangimento em reconhecer e assumir que precisam de ajuda, e que a troca entre colegas é muito importante para esclarecer dúvidas relacionadas a conteúdos e metodologias. Queixam-se que, por serem sozinhos na escola, não conseguem avançar com segurança em seu trabalho. A busca pelo reconhecimento do trabalho realizado por eles é evidente e consensual em suas falas: “Quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem visões de conhecimento do assunto, que caminhos a gente vai tomar com a Química e o que os outros professores podem te assessorar” (Luis Q2e). “Na minha área são poucos professores e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros uma oportunidade da gente conversar” (Adriana Q2d). “É difícil a parte de saber se o que eu faço é certo, se faço de forma correta, se os alunos aprendem, não ter alguém do teu lado, não tem uma pessoa que poderia dizer como fazer” (Adriana Q3g). 70 “Mas professor de Química aqui só tem eu, fica difícil trabalhar assim, sem ninguém pra te auxiliar, trocar uma ideia” (Carlos Q3e). “Mas como a gente não tem muita assessoria, então é difícil, a gente fica meio isolado” (Luis Q2e). Para compreender os professores e o trabalho desenvolvido por eles, é necessário conhecer/entender as relações possíveis de se estabelecer no ambiente em que está inserido, a escola, e as suas condições de trabalho. Segundo Pino (2000), “o indivíduo é uma versão singular e personalizada da realidade cultural em que está inserido” (p. 09). Conforme os depoimentos dos professores entrevistados percebe-se que os mesmos não se consideram parte de um coletivo, de um grupo que assume os mesmos papéis e interesses, e significam as suas práticas nas interações estabelecidas. Sozinhos, não podem compartilhar suas concepções de agora, nem suas expectativas futuras. A constituição do ser humano se dá na relação/interação com o outro social, e o seu desenvolvimento cognitivo se dá no interior de um grupo cultural, conforme pressupostos vigotskianos. Dessa forma, a interação estabelecida entre o sujeito aprendiz com parceiros, ou parceiros mais capazes, possibilita ao primeiro, condições para construir e internalizar conhecimentos (VIGOTSKI, 2008). Para Góes (1992, p. 338) “a dimensão do outro é constitutiva do sujeito”. Manifestações como “a gente na realidade está trabalhando isolado, não tem acesso a outros professores de Química” (Luis Q2d) remete à compreensão de que o professor é o único responsável pelas decisões tomadas na condução de suas ações, pelo ensino e pela qualidade do mesmo, pela aprendizagem dos alunos e pelo seu desenvolvimento pessoal e profissional. A carência de apoio manifestada, muitas vezes resulta na falta de iniciativas para enfrentar as dificuldades e limitações do seu trabalho, acomodação e insatisfação profissional, conforme tenho observado na escola. Em sua dissertação, Hames (2004) apresenta ações desenvolvidas na formação inicial e continuada de professores de Ciências que contribuíram para a constituição dos mesmos. Segundo a autora, as interações entre os professores, “possibilitam reflexões sobre a formação na Universidade e o ensino praticado nas escolas, além da criação de novas organizações curriculares, tanto nas escolas de educação básica quanto na Universidade” (p. 49). Isso reforça a ideia de que processos interativos constituem os professores no sentido de evoluir/melhorar as práticas pedagógicas que permeiam seu trabalho, além de satisfazer suas necessidades profissionais. Na relação do professor com o Outro (professor), “uma nova maneira de conceber o processo de ensino-aprendizagem vai sendo coletivamente construída e, individualmente, significada e internalizada” (p. 63), segundo a autora acima citada. 71 Os dados provenientes das entrevistas indicam que os professores percebem que, mediante diálogo e um trabalho conjunto, é possível aprender uns com os outros, desencadear novas compreensões em relação àquelas que possuíam. Deste modo, na medida do possível, buscam apoio, segurança, orientação e socializam suas expectativas e atividades com o professor de Biologia. “A gente vai em busca de falar com alguém, tem a professora de Biologia que é a que mais se aproxima e quando dá a gente conversa” (Luis Q3e). “Eu converso muito com a professora de Biologia quando trabalhamos essas coisas de meio ambiente” (Adriana Q3e). Instituir grupos na escola ajuda a avançar nos conhecimentos escolares e nas discussões acerca das disciplinas, o que é reconhecido e reivindicado pelos próprios professores que se encontram no isolamento. As interações são importantes na formação dos professores, pois o “curso de desenvolvimento do pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual”, como nos ensina Vigotski (2008, p. 24). Para Rego (2000), “o ser humano não só é um produto de seu contexto social, mas também um agente ativo na criação desse contexto” (p. 103). Na dimensão de grupo, é possível partilhar tarefas e responsabilidades sobre a gestão das turmas e da sala de aula. Com base em Góes (1991), o conhecimento é construído nas relações. As relações pedagógicas (intersubjetivas) estabelecidas entre professores são movimentos de referência para sua constituição. E os professores, seres humanos, “são sujeitos interativos (nem receptivos, nem apenas ativos), que elaboram conhecimentos sobre objetos, em processos necessariamente mediados pelo outro e constituídos pela linguagem, pelo funcionamento dialógico” (p. 13-14). Nóvoa (1995) compreende que “é na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão”. O professor de Biologia aparece como uma alternativa para diminuir a sensação de solidão na escola e a responsabilidade atribuída aos professores de Química, sujeitos da pesquisa, quanto ao desenvolvimento e à organização da sua disciplina. A discussão/reflexão com os colegas na escola confere aos professores atualização, segurança e adoção de novas práticas. Mas além dessa possibilidade de interação com os outros professores, e com o professor de Biologia no caso estudado, destaco o fato do professor Luis que se sensibilizou com a questão da ferrugem do tomate da produção do pai de um aluno seu, e pediu ajuda ao programa de televisão “Globo Rural”. Isso significa que há um interativo mais amplo e mais complexo além daquele constituído dentro das escolas, entre professores simplesmente. Penso que este seja um sinal de que o isolamento de professores únicos, 72 trabalhando em municípios pequenos, pode ser amenizado pelo acesso à internet e aos meios de comunicação hoje já disponibilizados em quase todos os lugares. Ao mesmo tempo, considero importante ressaltar que seria ingênuo de minha parte acreditar que mesmo em escolas grandes de municípios maiores que os da pesquisa, em que há mais de um professor de Química, o diálogo e a interação seriam garantidos. Muitas vezes, fatores como atitudes egoístas e má-fé, atuação em turnos opostos, falta de tempo disponível ou trabalho em outras escolas, entre outros, impossibilitam a construção de um coletivo organizado na escola. Em síntese, independente de como e com quem se dá essa interlocução, professores sem oportunidade de interação têm o processo de significação dos conhecimentos próprios da sua prática e o seu desenvolvimento profissional limitados, segundo entendimento de Maldaner (2003) com base na abordagem histórico cultural de Vigotski. O que me permite reafirmar a proposição desta categoria de que a ação e a formação continuada de professores, e dos professores da pesquisa em particular, serão mais consistentes se acontecerem a partir de processos interativos. A oportunidade de interagir com o professor de Biologia na escola, na ausência do professor de Química, ou a iniciativa de explorar/buscar os recursos disponibilizados hoje pelos meios de telecomunicação, remete/possibilita aos professores da pesquisa um repensar sobre o seu ensino e trabalho na escola e a um crescimento/desenvolvimento profissional, sempre atento às novidades, às diferentes e novas metodologias e às expectativas e demandas que os alunos e comunidade escolar apresentam. Mesmo sem interlocução com seus pares, são desafios e atribuições da própria profissão docente, as quais os professores devem ater-se, juntamente ao planejamento da sua disciplina, próxima categoria discutida, com duas proposições defendidas. 3.3 Planejamento da Disciplina Esta é uma categoria que foi prevista nas entrevistas com os três professores e na análise dos documentos, referente ao planejamento e organização da sua ação na escola. Ao determinar categorias a priori, segundo Moraes e Galiazzi (2011), o pesquisador assume suas teorias desde o início do trabalho. O planejamento é uma atividade inerente ao processo educacional de ensinar e aprender e, segundo Gadotti (1996), “é sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como horizonte da escola” (p. 34). Na compreensão de Sacristán (2000), “o ensino tem uma intencionalidade, persegue certos ideais e costuma ser praticado apoiando-se em conhecimentos sobre como funciona a 73 realidade na qual intervém” (p. 199). O autor reconhece que o currículo nas escolas continua muito centrado nos saberes compreendidos nas disciplinas ou áreas do conhecimento. Por isso, para o referido autor, é importante que os professores, como sujeitos que planejam, “observem a prática educativa em sua globalidade, as amplas finalidades da educação, não apenas os conteúdos das matérias em estudo” (p. 204). Diante disso, “os planos têm um caráter de tentativa para serem experimentados na prática, não podem ser previsões ajustadas dos processos e produtos do ensino e da aprendizagem” (p. 208). A esse respeito, Os planos, resumidos como esquemas flexíveis para atuar na prática, proporcionam segurança ao professor/a; assim, abordarão com mais confiança os aspectos imediatos e imprevisíveis que lhe são apresentados na ação. O plano prévio é o que permite, paradoxalmente, um marco para a improvisação e criatividade do docente. O plano delimita a prática, mas oferece um marco de possibilidades abertas (SACRISTÁN, 2000, p. 279). Maldaner (2003) defende que os grupos de professores das escolas devam produzir o seu projeto curricular de ensino em qualquer disciplina, seguindo parâmetros amplos que reflitam as ideias gerais da comunidade dos educadores ligados a ela, e produza, conjuntamente, as condições para realizá-lo, tomando como referência o projeto da escola. O planejamento é, na concepção de Aguiar Jr (2002), uma espécie de “guia da ação, pois projeta valores, ideias motoras, princípios sobre os quais se organiza e concebe a ação. Sua função é a de orientar e fundamentar escolhas, mas nunca de controlar ou determinar o curso das práticas” (p. 220). Assim sendo, os planos são transformados e recriados ao longo de sua implementação. Segundo o autor, “o plano de ensino facilita processos de comparação, comunicação e revisão, na medida em que leva o educador a expor e justificar suas práticas, a fundamentar os princípios e hipóteses nos quais se apoiam suas ações” (p. 221), ou seja, acaba por potencializar a reflexão sobre a prática do professor. Entretanto, o autor alerta que “o planejamento, a organização e o desenvolvimento de estratégias de ensino têm sido largamente orientados segundo uma concepção de conhecimento que procede segundo uma lógica cumulativa de informações atomizadas” (p. 223). Ao planejar, é possível prever as ações que serão desenvolvidas durante o processo de ensino-aprendizagem, e a participação de todos os sujeitos envolvidos (alunos, pais, professores, direção, comunidade) é de fundamental importância no sentido de levar em conta todas as problemáticas que envolvem a sociedade e as características do contexto sociocultural. Cada escola tem suas particularidades e características diferenciadas e, portanto, o seu planejamento deve estar relacionado com a sua realidade. 74 A seguir, apresento o quadro síntese com as definições da literatura acerca da compreensão sobre o planejamento das disciplinas escolares. Quadro nº 3: Definições da categoria Planejamento da Disciplina PLANEJAMENTO DA DISCIPLINA O planejamento “é sempre um processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como horizonte da escola” (GADOTTI, 1996, p. 34). “Os planos têm um caráter de tentativa para serem experimentados na prática, não podem ser previsões ajustadas dos processos e produtos do ensino e da aprendizagem” (SACRISTÁN, 2000, p. 208). “Os planos, resumidos como esquemas flexíveis para atuar na prática, proporcionam segurança ao professor/a; assim, abordarão com mais confiança os aspectos imediatos e imprevisíveis que lhe são apresentados na ação” (SACRISTÁN, 2000, p. 279). Os professores das escolas devem produzir o seu projeto curricular de ensino em qualquer matéria, seguindo parâmetros amplos que reflitam as ideias gerais da comunidade dos educadores ligados àquela matéria, e produza, conjuntamente, as condições para realizá-lo (MALDANER, 2003). O planejamento é uma espécie de “guia da ação, pois projeta valores, ideias motoras, princípios sobre os quais se organiza e concebe a ação. Sua função é a de orientar e fundamentar escolhas, mas nunca de controlar ou determinar o curso das práticas” (AGUIAR JR., 2002, p. 220). Fonte: Elaboração da autora Proposição I: A influência dos exames para ingressar no Ensino Superior é o que serve de parâmetro para o planejamento e estrutura do trabalho dos professores. O Ensino Médio encontra-se mais direcionado à preparação para a etapa seguinte, o Ensino Superior, do que à formação para a vida dos estudantes. O foco tem sido a preparação para o vestibular ou para uma atividade profissional, ficando para um segundo plano qualidades humanas essenciais (MALDANER; ZANON; AUTH, 2006). Há algum tempo, as três escolas em que os professores trabalham alteraram/adaptaram o seu currículo em função de serem escolas participantes do Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior (PEIES) da Universidade de Santa Maria (UFSM). Deste modo, ao invés dos próprios professores planejarem a disciplina que irão ministrar, neste caso, a Química, eles seguem um roteiro pré-estabelecido alheio à realidade da escola, e orientam-se/seguem o chamado Currículo Básico determinado pelo PEIES para ingresso à referida Universidade, 75 que lista os conteúdos a serem trabalhados em cada série do Ensino Médio. Conforme esclarecem os professores nos turnos de fala que seguem: “A escola adota o PEIES, vem um cronograma, lista de atividades e é o mesmo que eu sempre tive no plano de trabalho, a lista de exercícios também, então não altera muito, quase nada, na realidade já era o meu trabalho” (Luis Q3d). “E procuro sempre englobar os conteúdos do PEIES que a escola segue” (Adriana Q3g). “Eu sempre procuro conhecer o aluno, mas aqui é interior e são praticamente todos iguais. Daí eu trabalho mais com o PEIES que a escola quer e já tem uma sequência ali para trabalhar” (Carlos Q3f). A comunidade de educadores químicos, além dos educadores das demais áreas, afirmam que programas de vestibular têm induzido um ensino que “não responde às necessidades de formação intelectual dos jovens para a sua integração no meio social. Na maioria das vezes, não serve nem para os futuros universitários que vão seguir carreira profissional que exige a Química em seus currículos” (MALDANER, 2003, p. 210). Quando realizei estágio de Química no Ensino Médio na escola em que trabalho, lembro perfeitamente que, ao negociar a turma e os conteúdos com o professor da disciplina, hoje sujeito da minha pesquisa, o mesmo foi alertado pela diretora de que tivesse o cuidado de não “esquecer” a lista do PEIES. Deste modo, entendo que a escola submete-se ao referido programa, e não facilita nem favorece a flexibilização do currículo e a autonomia do professor. Entendo que pela formação inicial que o mesmo vivenciou na UNIJUÍ, com certeza seria possível redefinir a lista de conteúdos construída fora do seu contexto de atuação, mais de acordo com as especificidades da escola e de maneira que os estudantes consigam estabelecer alguma relação com seu meio, através da matéria escolar Química a eles oferecida. Dependendo de como e quando os conteúdos são abordados e/ou retomados, os estudantes conseguem fazer uma nova leitura do mundo real, agora, em uma nova lógica que difere da do senso comum, no entanto, sem abandoná-lo nem substituí-lo. O artigo 26 da LDB estabelece que os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma “base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”. Porém, em escolas em que o currículo é planejado e direcionado para exames de vestibular, alterações conforme as indicadas pela LDB são difíceis de acontecer. As escolas sofrem cobrança, além da própria direção, também por parte dos pais e alunos. A maioria das famílias das escolas pesquisadas 76 não têm condições de colocar seus filhos em uma Universidade particular nem de custear curso preparatório para o vestibular. Veem no programa mencionado, a oportunidade de seus filhos concorrerem a uma vaga na UFSM com estudantes de escolas particulares. Estes, por terem maior condição financeira, frequentam cursos preparatórios para a própria prova do PEIES e ficam com as vagas. Como já mencionado em outro momento, em oito anos de trabalho e vivência na escola, não tenho conhecimento de nenhum aluno que conseguiu ingressar em Química na referida Universidade através do programa mencionado. De que adiantou então ter cursado o Ensino Médio? Muito mais do que uma mera preparação para o vestibular, o ensino de Química em nível médio, conforme Schnetzler (2010) deveria “contribuir para a formação cultural e social do aluno, bem como, para a constituição do seu pensamento abstrato” (p. 155). Desde que as escolas aderiram ao programa, aumentou a responsabilidade dos professores em relação à listagem de conteúdos que precisa ser “vencida” para que os estudantes possam realizar o exame. Segundo Maldaner (2003), “a lógica proposta nesses manuais é a da química estruturada para quem já conhece a matéria e pode servir, perfeitamente, de revisão da matéria para prestar um exame tão genérico como é o exame vestibular no Brasil” (p. 185). Nas três escolas da pesquisa, há uma unificação de conteúdos em função do programa pré-determinado a ser seguido, contrariamente ao artigo 12 da LDB, que, entre outras coisas, remete aos estabelecimentos de ensino autonomia para elaborar e executar a sua proposta pedagógica. Em função dessa autonomia conferida às escolas e professores, estes, “podem ser reprodutores de situações e instituições herdadas ou trabalhar para transformá-las – tão real é a determinação externa quanto à autonomia profissional” (SACRISTÁN, 2000, p. 207). Os professores, sozinhos, trabalham de maneira tranquila referente a isso. Não havia pergunta em relação ao PEIES nas entrevistas, mas em nenhum momento os professores manifestaram-se contrários ao programa seguido quando se referiam a ele, além de não se questionarem sobre a validade e o sentido do que e como estão ensinando. Nessa concepção de programa de ensino “não há compromisso com a formação conceitual sólida na área de Química e não há compromisso com a aprendizagem significativa dos conteúdos próprios da ciência química” (MALDANER, 2003, p. 185). A adoção irrefletida de programas de ensino prontos é consequência, segundo Maldaner (2003) “ao fato dos professores não terem, normalmente, oportunidade de discutir e fazer a produção de aulas de Química, em sua formação inicial” (p. 60). Na mesma linha de pensamento, Callai (2010) compreende que para os “docentes da escola básica conseguirem 77 com autonomia, conhecimento da sua ciência e clareza de significado pedagógico da sua ação [...], o mesmo caminho deve ser ou ter sido seguido no decorrer da sua formação inicial, no curso de formação docente” (p. 389). Concordo com os autores neste aspecto, mas diante de professores que vivenciaram experiências de produção de currículo inovador em sua formação inicial, como os professores da pesquisa, que estudaram na UNIJUÍ, me pergunto: o que determina que os mesmos não sejam autores do próprio currículo de maneira consciente e responsável? São imposições da escola? É a ação solitária e isolada de seus pares? Para Sacristán (2000), os condicionamentos e controles existem, mas “nunca evitam a responsabilidade individual de cada docente, porque não fecham por completo as opções para uma prática pedagógica melhorada, ao permitir margens em sua interpretação e possibilidades de resistência frente aos mesmos” (p. 207). Nesse sentido, é necessário que os professores revejam seus programas de ensino, o tempo destinado ao seu desenvolvimento e a metodologia utilizada para desenvolvê-los, para os alunos, de fato, compreender. Independente da razão, os professores estão diante do programa aceito e é preciso desenvolvê-lo. É ele que conduz a ação docente. Para tal, recorrem aos índices de livros didáticos e apostilas que contemplem os itens listados pelo programa, conforme os seus depoimentos: “Eu adoto apostila organizada, seleciono livros, trabalho com 6 ou 7 livros, porque se trabalho um, às vezes no outro também tem coisas interessantes” (Luis Q3d). “A apostila eu monto baseado nesses livros, o do Feltre, Marta Reis, Tito e Canto e também alguma coisa dos livros aqueles da UNIJUÍ, o Básico I e II de atividades práticas” (Luis Q3d). A prática dos professores vem ao encontro do que Maldaner (2003) aponta a partir de seus estudos. Segundo o autor, os professores de Química nas escolas de Ensino Médio seguem “uma sequência convencionada de conteúdos de Química, sem preocupação com as inter-relações que se estabelecem entre esses conteúdos e, muito menos, com questões mais amplas da sociedade” (p. 109). Sacristán (2000) denuncia que os parâmetros gerais da profissão docente já estão definidos antes mesmo que ele se questione de como irá trabalhar. Segundo ele, o professor “atua em uma instituição rotineira, submetida a controles curriculares, dependente de livros-texto, sujeita à supervisão, que não lhes permite optar por alternativas que violentem esse marco de forma notável” (p. 206). Diante dessa realidade, deseja-se que os professores “sintam-se capazes de propor novas alternativas de interação pedagógica e não apenas repetir conhecimentos contidos em livros didáticos tradicionais” (HAMES, 2004, p. 63). Participem ativamente na produção do 78 próprio currículo, que será desenvolvido durante seu trabalho, no sentido de superar o ensino fragmentado, descontextualizado e linear de cada componente curricular. Desta forma, promove a articulação dos “saberes e conteúdos de Ciências entre si e com saberes cotidianos trazidos das vivências dos alunos fora da escola, permitindo uma abordagem com características de cunho interdisciplinar, intercomplementar e transdisciplinar” (MALDANER; ZANON, 2004, p. 44). Embora o professor “sempre cria o seu currículo em situação de ensino, mesmo quando diz aplicar determinado livro didático ou proposta alternativa” (MALDANER; ZANON; AUTH, 2006, p. 60). O livro didático é importante no ensino para a seleção, organização e dosagem dos conteúdos. É um dos instrumentos mais antigos e utilizados pelos professores até os dias de hoje. Ele é de fácil acessibilidade, pois é distribuído gratuitamente pelo governo federal aos alunos das escolas públicas, e também pelas editoras aos professores para divulgar seu material. Mas deve-se ter o cuidado de não torná-lo o único instrumento utilizado para o desenvolvimento das atividades de ensino. E ao invés de adotá-lo, ser adotado por ele (SCHNETZLER, 2010). A autora também alerta para que os professores tomem algumas “decisões pedagógicas” (p. 152) quanto à seleção e organização dos conteúdos abordados nos livros didáticos tradicionais de modo que enfatizem o tratamento de temas e de conceitos centrais de Química. Nas palavras da autora: “ensine bem poucos conteúdos, mas que sejam fundamentais para expressar a identidade e a importância da Química” (p. 152). Em geral, a qualidade dos livros didáticos é muito comprometida. São desatualizados, apresentam um ensino simplificado, descontextualizado, caracterizado por exemplificações e descrições de fatos do cotidiano, pela memorização de fórmulas e exercícios de vestibulares, sem preocupações com o desenvolvimento de atitudes e valores nem com a problematização dos conceitos. Santos e Carneiro (2004), denunciam que “a pressão do vestibular fez com que os livros passassem a resumir as informações restritas que eram cobradas nas provas, com truques de memorização e o uso intensivo de questões estilizadas dos exames de vestibulares” (p. 210), ou seja, o livro didático é considerado um caderno de exercícios. Segundo os autores, os livros didáticos de Química hoje disponíveis no mercado, “seguem normalmente o mesmo padrão: primeiro apresentam o texto no qual desenvolvem o conteúdo, seguido de uma lista de exercícios que, por sua vez, também obedecem a um padrão já estabelecido” (p. 215). O livro didático, “como artefato cultural, é instrumento de relevante impacto no processo ensino-aprendizagem formal, porém, felizmente, ele não é o único material utilizado pelos alunos e professores, muitas vezes adotado como mais um recurso didático” 79 (ECHEVERRÍA; MELLO; GAUCHE, 2010, p. 264). Os professores da pesquisa fazem uso desse recurso, mas afirmam trazer alguns complementos de outras fontes, como a Internet, por exemplo, devido à restrição de materiais de Química na escola, principalmente de laboratório para a realização de práticas. A Internet também é indicada no Plano de Estudos de um dos professores, aliada a outras fontes disponíveis na escola. Nenhum dos professores utiliza documentos oficiais para orientar suas decisões e ações. “Eu tiro muita coisa da internet, atividades práticas” (Luis Qd3). “Eu busco em tudo que é lado, eu uso internet, outros livros, mas um livro só eu não sigo, os alunos tem o livro pra suporte, até porque é muito conteúdo ali” (Adriana Q3g). “(Recursos) Livro didático, revistas, laboratório de informática, vídeos, internet” (Plano de Estudo Prof. Carlos). A Internet como ferramenta colaborativa, disponibiliza inúmeros recursos gratuitos de pesquisa, inclusive recursos pedagógicos de qualidade relacionados à prática e também à formação dos professores. Através dela, novas abordagens metodológicas e novos conhecimentos podem ser construídos e introduzidos na sala de aula. Mas as informações em forma de texto, som e imagens devem ser selecionadas e organizadas pelos usuários, neste caso os professores, de modo a torná-las úteis para o ensino. Os professores não se pronunciaram sobre as páginas que visitam na Internet. Como sugestão, a Revista Química Nova na Escola (QNEsc) da Sociedade Brasileira de Química, destinada a alunos e professores, hoje está digitalizada. Nela, há várias seções em que os professores encontram subsídios para o seu trabalho. Além da revista como um todo há um artigo publicado pelos autores Michel, Santos e Greca (Vol. 19, maio, 2004), em que são apresentados resultados de um levantamento de sítios de Química e seus conteúdos que podem contribuir para a aprendizagem dos estudantes e para o trabalho do professor de Química do Ensino Médio. Os autores justificam a pesquisa por acreditar que “os professores devem dispor de um espaço no currículo para aperfeiçoar o ensino-aprendizado através dos softwares disponíveis na Internet, que podem ajudar bastante na compreensão do que não vemos através do quadro de escrever e do giz” (p. 7). Entretanto, alertam para que o uso da Internet seja adequado à abordagem educacional e não o contrário. E que a mesma não seja a única, mas mais uma das ferramentas de que o ensino de Química necessita, com vistas a melhorar/atualizar/produzir os próprios programas escolares. 80 Os programas escolares estão caracterizados atualmente pela enorme quantidade de conteúdos a serem desenvolvidos, aspectos que serão discutidos na próxima proposição. Proposição II: A listagem e a sequência dos conteúdos são praticamente iguais para os três professores. Conforme já apontado no capítulo anterior, os Planos de Estudo dos três professores possuem a mesma listagem de conteúdos do PEIES, sendo que dois deles são idênticos também na sequência. Para Maldaner (2003), “essa listagem de conteúdos, mesmo que engloba o nível de exigência e as indicações bibliográficas, é considerada como programas de concurso, que não podem ser confundidos com programas de ensino, ou melhor, programas de educação em certa área do conhecimento humano” (p. 212). Segundo o autor, essa confusão entre programa de educação e programa de concurso é o que mantém as características do Ensino Médio: “descontextualizado, fragmentado, isolado em disciplinas, sem utilidade intelectual ou prática, preparatório para o vestibular, de pouco valor formativo e educativo para o mundo vivido das pessoas” (p. 212). Considero importante destacar que Maldaner produziu sua tese em 1997, e que hoje, 14 anos depois, as escolas continuam com o mesmo programa e o Ensino Médio com as mesmas características. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) alertam que um bom projeto pedagógico escolar “não é avaliado pelo número de exercícios propostos e resolvidos, mas pela qualidade das situações propostas, em que estudantes e professores, em interação, produzem conhecimentos contextualizados e inter-relacionados” (p. 106). O documento também mostra o que se observa no ensino de Química no nível médio: De forma geral, nos programas escolares, persiste a ideia de um número enorme de conteúdos a desenvolver, com detalhamentos desnecessários e anacrônicos. Dessa forma, os professores obrigam-se a “correr com a matéria”, amontoando um item após outro na cabeça do aluno, impedindo-o de participar na construção de um entendimento fecundo sobre o mundo natural. São visivelmente divergentes o ensino de Química no currículo praticado e aquele que a comunidade de pesquisadores em Educação Química do país vem propondo. (BRASIL, 2006, p. 108). Pela minha vivência na escola, percebo a preocupação por parte de todos os professores, e do professor de Química em particular, em relação aos feriados quando estes se repetem no mesmo dia da semana. Se a disciplina de Química tem dois períodos na quarta- 81 feira e a maioria dos feriados durante o ano é neste dia, o professor reclama em ter que apressar com os itens, para que todos possam ser contemplados ainda no mesmo ano, pois os alunos precisam deles para realizar a seleção. Mas os itens de conteúdos exigem significar vários conceitos! A significação de um conceito, conforme propõe Vigotski (2008) não ocorre de vez, mas é um processo em que o significado evolui na medida em que é recontextualizado em diferentes situações. Mesmo que os estudantes já conheçam a palavra que carrega um significado conceitual, isto é, uma generalização, o significado tem muito a evoluir para adquirir sentido em contexto. E se esse tempo não for respeitado, o que se mantém são linearidade e fragmentação no ensino. A preocupação dos professores em vencer com os itens de conteúdos mostra que os conteúdos da primeira série do Ensino Médio, por exemplo, não serão retomados nas séries seguintes. Concordo com Maldaner (2003) quando afirma que com isso, “estamos introduzindo mais uma fragmentação, pois os alunos que estão dentro do programa tenderão a isolar os conteúdos passados para concentrarem-se apenas nos conteúdos sobre os quais serão interrogados nas séries seguintes” (p. 213). A retomada de conceitos e conteúdos é fundamental para potencializar a significação conceitual. O que não acontece em escolas que precisam vencer os conteúdos que foram divididos para cada ano. A escola e os professores têm papel importante na formação dos sujeitos, pois influenciam no seu desenvolvimento intelectual através da aprendizagem dos conteúdos escolares e conceitos científicos. No entanto, essa prática não pode ser simplesmente transmitida e inquestionável destituída de significado, em que o aluno é apenas um receptor passivo. Deste modo, “o conhecimento é visto como produto, sendo enfatizados os resultados da aprendizagem e não o processo” (DAYRELL, 2001, p. 5). Materializado nos programas e livros didáticos, o conhecimento escolar se torna "objeto", "coisa" a ser transmitida. Ensinar se torna transmitir esse conhecimento acumulado e aprender se torna assimilá-lo. Como a ênfase é centrada nos resultados da aprendizagem, o que é valorizado são as provas e as notas e a finalidade da escola se reduz ao "passar de ano". Nessa lógica, não faz sentido estabelecer relações entre o vivenciado pelos alunos e o conhecimento escolar, entre o escolar e o extraescolar, justificando-se a desarticulação existente entre o conhecimento escolar e a vida dos alunos (DAYRELL, 2001, p. 5). “O conhecimento não é transmitido, mas construído ativamente pelos indivíduos; aquilo que o sujeito já sabe influencia na sua aprendizagem” (MACHADO; MORTIMER, 2007, p. 22). O aluno vai para a escola com explicações e conhecimentos sobre os fenômenos 82 e os conceitos diferentes dos ensinados por ela, “fruto de um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais” (DAYRELL, 2001, p. 6). Os alunos que chegam à escola são sujeitos socioculturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos (DAYRELL, 2001, p. 9). Entretanto, mesmo depois de anos na escola, ainda pode manter suas representações construídas fora da sala de aula em seu dia-a-dia. Para Vigotski (2008), a educação escolar tem a função de complexificar, evoluir os conceitos adquiridos na vida cotidiana, considerados “espontâneos”, em conceitos “científicos”. Segundo Machado e Mortimer (2007), “ao tentar atribuir sentido ao que está aprendendo, o aluno vai formular suas próprias ‘respostas’, suas próprias maneiras de articular aquilo que está sendo ensinado com o que já sabia” (p. 23). Maldaner (2003), fundamentado em Vigotski, enfatiza que na formação dos conceitos científicos são fundamentais “a organização, a sistematização e a intencionalidade de atingir um conhecimento com determinadas características, só possível com ensino e instrução” (p. 149). Deste modo, “os conhecimentos científicos se enriquecem de vivência e concretude, indo ao encontro dos conceitos cotidianos, e estes se organizam, adquirindo novos significados, mais generalizantes, menos pregados na vivência” (p. 149). Os conceitos são expressos por palavras. O autor também acrescenta que A essência do seu desenvolvimento é, em primeiro lugar, a transição de uma estrutura de generalização a outra. Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa uma generalização. Mas os significados das palavras evoluem. Quando uma palavra nova, ligada a um determinado significado, é apreendida pela criança, o seu desenvolvimento está apenas começando; no início ele é uma generalização do tipo mais elementar que, à medida que a criança se desenvolve, é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando na formação dos verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 2008, p. 246). Em seus experimentos com crianças e adultos, Vigotski concluiu que os processos de significação conceitual originam-se no início da infância, e que somente na adolescência adquirem maturidade. E que um conceito não deve ser aprendido mecanicamente, pois evolui gradativamente a partir de uma intensa atividade mental. A apropriação dos conceitos não é a memorização de enunciados. “(...) o conceito é, em termos psicológicos, um ato de generalização” (VIGOTSKI, 2008, p. 246). Nesse sentido, como os conceitos químicos se desenvolvem na mente dos estudantes (adolescentes) do Ensino Médio, se são abordados de 83 maneira rápida, superficial, desarticulados entre eles e o contexto, sem chance de serem retomados em nova situação? Sobre a seleção e organização dos conteúdos de Química, Machado e Mortimer (2007) entendem que para contemplar o pensamento do aluno e também os diferentes contextos nos quais a Química é relevante, é necessário que o programa seja bem dimensionado em relação à quantidade de conceitos a serem abordados e que promova o desenvolvimento dos conceitos científicos. Trabalhar com um número excessivo de conceitos, como ocorre nos currículos tradicionais, tem como pressuposto que aprender Química é tão-somente aprender o conteúdo químico (MACHADO; MORTIMER, 2007, p. 28). A metodologia proposta nos Planos de Estudo dos professores difere da metodologia alcançada por eles em função de vencer os itens de conteúdo, o que revela o descompasso entre o que se propõe ou se deseja fazer, e o que realmente é possível desenvolver, conforme segue: “Os conteúdos ensinados devem ser organizados, em sua lógica conceitual, levando em conta as possibilidades de aprendizagem dos alunos considerando seus interesses, conhecimentos prévios e desenvolvimento cognitivo” (Plano de Estudo Prof. Carlos). “Os assuntos serão desenvolvidos de modo que o aluno possa, a partir do seu cotidiano, relacionar, compreender e identificar fatos e fenômenos que acontecem no mundo (...) e que a partir desse conhecimento construído sejam capazes de resolver situações apresentadas no cotidiano de sua comunidade ou família” (Plano de Estudo Prof. Luis). Assim como nos Planos de Estudo dos professores, Arroyo (2000) reconhece que também são considerados conteúdos “formar a curiosidade dos sujeitos, a paixão de aprender, a emoção e vontade de conhecer, de indagar a realidade em que vivem, sua condição de classe, raça, gênero, sua idade, corporeidade, memória coletiva, sua diversidade cultural e social” (p. 120). Na mesma linha de pensamento, Sacristán (2000) sugere que “observemos o que os homens fazem na vida real e saberemos qual deve ser o conteúdo da escolaridade” (p. 155). É fundamental que os professores reflitam mais a respeito dos conteúdos e de como são organizados. Porém, nas escolas pesquisadas isso não acontece. Pela listagem e sequência dos conteúdos apresentados, pelas entrevistas e pelo que tenho observado nestes anos de trabalho, os professores não conseguem fazer referência à necessidade de ver questões de contexto, como a questão agrícola, por exemplo, prevalecendo a abordagem de conteúdos distante da realidade dos alunos e da escola. 84 “Esse ano a gente trabalhou muito a reciclagem e meio ambiente, aí procuro fazer alguma coisa nisso, mas nem sempre dá, tem uns (conteúdos) que eu não consigo associar, exige muito tempo extra” (Adriana Q3d). “Quando dá, e não é sempre, procuro elaborar as aulas com conteúdos da realidade deles, como meio ambiente, poluição, essas coisas” (Carlos Q3d). “A partir da vivência dos alunos só quando nós começar trabalhar com os ‘Lições’, na realidade é isso aí, não se sabe bem quando ainda vamos começar” (Luis, Q3d). “As diferenças e especificidades regionais precisam ser respeitadas e consideradas, inclusive as expectativas sociais a cada comunidade em que os estudantes estão inseridos” (BRASIL, 2006, p. 130). O PPP das escolas mantém clara essa questão, mesmo que os professores a ignoram: O estudo da Ciência (Química, por exemplo), deve permitir ao aluno observar a natureza e o meio onde vive e identificar os fenômenos que ocorrem no seu dia-a-dia; relacionar o seu cotidiano com a aula (PPP X). Necessitamos de planejamento escolar participativo, igualitário, crítico, criativo com conteúdos e metodologias voltadas para a realidade e o interesse do educando, com objetivos e metas alcançáveis a curto, médio e longo prazo (PPP Y). Para Maldaner (2007), fazer as relações no contexto “possibilita que os estudantes, professores e membros da comunidade próxima, criem sentidos para os conhecimentos que possibilitam o desenvolvimento mental e intelectual de todos na recriação cultural que atenda às necessidades básicas de todos” (p. 217), e os ajude na compreensão dos problemas. Marcondes et al (2009) apontam a escola como responsável pelo desenvolvimento do pensamento crítico nos estudantes. Deste modo, a escola permite que os mesmos aprofundemse não apenas “nos aspectos conceituais da ciência, mas possibilita estabelecer relações destes com outros de natureza social, política, econômica e ambiental, integrando a aprendizagem da ciência com as questões problemáticas do meio em que estão inseridos” (p. 282). Nesse sentido, o ensino de Química favorece a formação de atitudes cidadãs ao “desenvolver a compreensão de conceitos químicos”. Também, permite ampliar o entendimento desses conhecimentos para outras “questões de caráter social, ambiental e tecnológico, uma vez que, os avanços dos conhecimentos científicos e tecnológicos repercutem de modo contundente nas sociedades modernas, influenciando também a escola e o público que a frequenta” (p. 284). Conforme já exposto no capítulo I desta dissertação, é necessário que os professores trabalhem com aspectos relacionados ao contexto sociocultural dos estudantes. Eles precisam saber por que é tão importante estudar Química! Machado e Mortimer (2007) assumem as 85 aulas de Química como espaços de “construção do pensamento químico e de (re)elaborações de visões de mundo e, nesse sentido, é espaço de constituição de sujeitos que assumem perspectivas, visões e posições neste mundo” (p. 24). Nesse sentido, Maldaner (2003) sugere a organização de programas que identifiquem “situações de alta vivência dos alunos, para que, sobre elas, pudesse formar o seu pensamento químico mediado pela ação do professor e pela linguagem química” (p. 286). As situações de vivência que o autor se refere, permitem desenvolver conceitos químicos importantes e que constituirão o pensamento químico nos alunos. E os conceitos, “ainda com significados restritos, começam a fazer parte da linguagem com a qual os alunos analisam o contexto criado e conseguem organizar o seu pensamento” (p. 290). Com isso, conseguem ver a Química para além dos muros da escola e organizar seu pensamento (químico) sobre o seu meio e sobre o mundo material, uma vez que “a aprendizagem implica estabelecer um diálogo entre o conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do aluno” (DAYRELL, 2001, p. 22). O ensino tradicional e conteudista prevalecem sobre a prática dos três professores de Química, embora mencionem utilizar outras fontes e estejam conscientes da necessidade de mudar e inovar. São reproduzidas listagens de conteúdos contidas nos livros didáticos tradicionais, em oposição aos objetivos preconizados pelos documentos oficiais para a educação nacional. Seguem exigências da escola em manter um ensino direcionado à preparação para o vestibular, sem voz nem autonomia suficientes para fazer diferente. Diante disso, sobre o planejamento da disciplina de Química e a partir dos dados da pesquisa e das minhas compreensões sobre o tema, concordo com Arroyo (2000), ao afirmar que “os quintais da nossa docência têm donos. Falta-nos, sabendo disso, ocupar nossas terras. Tornar-nos senhores e plantar de acordo com nossa concepção de conhecimento, de sociedade, de cultura devida” (p. 87). As três categorias apresentadas neste capítulo permitiram distinguir algumas características especiais de ação e formação dos professores participantes da pesquisa em relação a outros que têm a oportunidade e atuam em grupos de pares. A interação entre pares é considerada prática importante na formação, atuação e desenvolvimento profissional de professores. No caso estudado, isso está prejudicado/comprometido, conforme as categorias e respectivas proposições discutidas. 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sem a pretensão de ter encontrado todas as respostas para as questões que desencadearam a presente pesquisa, apresento algumas considerações que se mostraram pertinentes no caso que se buscou estudar no caminho percorrido até aqui. Nesse sentido, considero importante retomar o propósito central deste estudo, que foi o de verificar e entender o processo de desenvolvimento e ação dos três professores de Química do Ensino Médio, participantes da pesquisa. Trabalhar sozinho com sua disciplina em uma escola pequena é assumir, também sozinho, todas as turmas e as aulas. Professor que decide tudo sozinho sobre sua disciplina não tem com quem interagir, dialogar e planejar na escola, nem como fazer a sua formação continuada com seus pares, o que nos remete ao problema da pesquisa que é a ausência de processos interativos entre pares, algo considerado importante na constituição dos professores. Diante disso, as questões que procurei responder referem-se aos processos formativos dos três professores, à formação inicial e às possibilidades de formação continuada, abordando aspectos de ação, planejamento, currículo desenvolvido/seguido, oportunidades de interação e limites/necessidades encontrados ao atuar em situação especial de professores únicos de uma disciplina em uma escola e em um município. Na busca por possíveis respostas, entrevistei os três professores com questões acerca das características referidas acima, realizei estudo documental dos seus Planos de Estudo dos últimos três anos e, também, do Projeto Político Pedagógico de cada escola, com atenção a aspectos de produção desses documentos e especialmente a aspectos referentes ao contexto sociocultural da escola, professores e estudantes. Com base nas categorias e proposições anunciadas e defendidas ao longo do terceiro capítulo, “Professor único em sua área: um desafio a mais na vida e práxis dos professores nos pequenos municípios”, apresento algumas considerações relativas ao trabalho realizado, 87 ciente de não ter encontrado todas as respostas, dos próprios limites deste estudo e de novas possibilidade de reflexão e aprofundamento do tema. Resultados construídos denotam implicações nos processos formativos dos professores e na possibilidade desses de formação continuada, primeira categoria discutida, sempre necessária para o exercício da profissão docente devido às mudanças que ocorrem no contexto do mundo atual, carregado de contradições, nas orientações curriculares e nas necessidades socioculturais dos agentes educacionais. A formação continuada dos professores da pesquisa, únicos em suas escolas, é prejudicada, o que confirma a hipótese inicial deste trabalho. A ausência de interação entre pares na escola e a falta de oportunidade para participar em eventos de formação continuada por área do conhecimento, apresentam-se como elementos significativos que intervêm nas possibilidades de maior aperfeiçoamento e formação. Além disso, são fatores determinantes para o desempenho das funções do professor, desenvolvimento próprio e de seus alunos. Por meio da análise dos dados provenientes das entrevistas, pude constatar que o fato de não ter outro professor de Química na escola, dificulta aos professores participantes da pesquisa se ausentarem, pois não tem quem possa substituí-los durante o período de afastamento. Diante disso, na maioria das vezes, frequentam cursos de formação continuada aligeirados, juntamente aos demais professores da escola, e demais escolas do município. Tais encontros são organizados pelas Secretarias de Educação dos municípios com a pretensão de atualizálos ou simplesmente reciclá-los, e que por isso são centrados na transmissão/recepção de conhecimentos e informações, abordam assuntos sobre educação de maneira geral sem valorizar as particularidades de cada escola e/ou de cada grupo de participantes, além de não oferecer continuidade. Isso mantém a concepção entre eles de que cursos de formação continuada resumem-se em cursos de curta duração, sem espaço expressivo de participação e/ou intervenção. Frente à realidade em que se deparam professores de Química, únicos em suas escolas, existe a possibilidade, muito discutida e já aceita, de a escola tornar-se espaço de formação continuada, centrada nas necessidades formativas e situações problemáticas enfrentadas por eles. E os processos interativos num contexto escolar envolvem outros sujeitos e espaços de formação que não são apenas os pares diretos. A escola pode favorecer a interação por área, por exemplo, ao organizar as horas de planejamento para os professores, e permitir que se encontrem na escola, e se estabeleçam processos interativos e assimétricos entre eles. A escola e os professores, por iniciativa própria e comprometimento, também podem solicitar assessoria em Universidades e formar grupos de professores por área, na ausência de 88 professores da mesma disciplina, e assim realizar a sua formação continuada, constituindo assimetrias na relação pedagógica estabelecida com o conhecimento especializado dos docentes universitários. Tal formação não significa que deva ser realizada no espaço físico da escola, mas que não deixe de estar articulada com a realidade do contexto da prática. Assim, pode ser realizada pela problematização de aspectos referentes às condições de atuação na escola, sobre limitações escolares, alternativas pedagógicas, entre outros. É importante que a escola, de alguma maneira e em conformidade com o que prevê o Plano Nacional de Educação (PNE) quanto à formação de professores e à valorização do magistério, procure se organizar e disponibilizar/garantir horários remunerados na jornada de trabalho para os professores se encontrarem, e estes precisam reconhecer essa formação como um processo contínuo que enriquece/amadurece conforme inquietações, questionamentos e necessidades de intervenção vão surgindo. Mesmo esta modalidade de interação com Universidades, é importante destacar que se torna difícil na prática, pois na maioria das vezes exige deslocamento para outros municípios com a finalidade de reunir maior número de professores de uma disciplina ou área, gerando novas despesas que geralmente são pagas pelos próprios professores. A interação entre professores é fundamental para a constituição e o desenvolvimento profissional dos mesmos, conforme discuti a partir da literatura em item do capítulo I, e também pelo que os depoimentos dos professores da pesquisa possibilitaram constatar, num segundo momento, e que resultou na construção da segunda categoria: interação social e constituição do ser humano. Segundo eles, o diálogo com os pares e o desenvolvimento de um trabalho conjunto com os demais, possibilita desencadear novas compreensões em relação àquelas que possuem. Assumem que precisam de ajuda e que a troca entre colegas é muito importante para esclarecer dúvidas relacionadas a conteúdos e metodologias, mas que por serem únicos na escola não conseguem inovar nem avançar com segurança em seu trabalho. A carência de apoio manifestada, muitas vezes, resulta na falta de iniciativas para enfrentar as dificuldades e limitações em seu trabalho, acomodação e insatisfação profissional. Deste modo, reafirmo que instituir grupos na escola ajuda a avançar nos conhecimentos escolares e nas discussões acerca das disciplinas. Nesta perspectiva, outro ponto importante merece ser destacado referente aos resultados da pesquisa, apresentados e discutidos na terceira categoria, planejamento da disciplina. Os programas de ensino os quais os professores se propõem a desenvolver em suas aulas não condizem com a realidade dos estudantes, o que mantém o ensino fragmentado, linear e descontextualizado. Isso se deve a um fato muito peculiar na região em que foi 89 realizada a pesquisa. As escolas, em geral, foram induzidas a aderir ao PEIES, Programa proposto pela UFSM, e que traz uma lista de conteúdos para cada disciplina escolar para ser desenvolvido em cada série escolar. As escolas, direção e pais costumam cobrar dos professores que abordem esses programas, direcionem suas ações para a aprovação dos estudantes nesses exames seriados e anuais propostos pela UFSM como uma das formas de ingresso sem o vestibular tradicional. Como as três escolas são participantes do PEIES, a listagem de conteúdos desenvolvida pelos três professores para cada série do Ensino Médio, encontrada em seus Planos de Estudo, é a mesma. Ou seja, um Programa de Concurso acaba se tornando um Plano de Ensino, abordando item por item, mesmo que não tenham relação entre si. Embora os professores tenham discutido sobre planejamento em sua formação inicial, as escolhas e o controle por parte da escola e também dos pais, impede-os de criar, inovar e serem autores de seu próprio currículo, tornando-se professores reprodutores de um ensino tradicional, descontextualizado e conteudista, pensado por outros. E esta situação é mais preocupante ainda quando os próprios professores não têm consciência da adoção desses programas de ensino prontos, como no caso estudado. Penso que talvez por serem únicos na escola como professores de Química, os professores participantes da pesquisa não se veem fortalecidos para resistir a esses programas e assumir de fato a responsabilidade que lhes compete, a de “contribuir para a formação cultural e social do aluno, bem como, para a constituição do seu pensamento abstrato” (SCHNETZLER, 2010, p. 155). O objetivo único passa a ser “dar-se bem na prova anual do PEIES”. Outro aspecto visível neste estudo refere-se à incoerência entre os discursos contidos nos PPP das escolas, nos Programas de Ensino de Química dos professores, ou seja, programa do PEIES, e nas orientações contidas nos documentos oficiais. Enquanto os PPP das escolas defendem a abordagem de aspectos referentes às necessidades sociais, ambientais, e que estejam mais ou menos de acordo com a sua realidade sociocultural, é evidente a desarticulação entre quem pensou/construiu os PPP e quem realmente faz (ou deveria fazer) acontecer na prática a proposta construída. Isso mostra os limites de autonomia do professor, que está subordinado a um controle burocrático e administrativo que não proporciona/disponibiliza espaço para que o seu planejamento esteja em consonância com o documento maior da escola, o PPP. Ele precisa “ensinar” todo o conteúdo de um currículo fechado e pré-estabelecido, como o do PEIES, e, no entanto, não há possibilidade de considerar o contexto sociocultural em que se inserem, o que faz com que tanto a escola como o professor deixem de construir a sua identidade. Um simples levantamento do número de 90 estudantes que logram conseguir aprovação por esse programa de ingresso num Curso Superior na UFSM mostra como são frágeis os argumentos que o sustentam e quão fora da realidade sociocultural ele é proposto. O conhecimento da realidade e dos limites enfrentados pelos professores a partir dos dados concretos da investigação realizada permitiu compreender a necessidade premente de propostas de formação continuada que abarcam casos em que professores não têm oportunidade de interação sistemática com seus pares e demais professores na escola. Vale assegurar que mesmo com mais de um professor de Química na escola, a interação e o diálogo entre eles não estão garantidos. Além da presença de mais de um professor, é necessário tomar consciência da necessidade de interlocução e dos ganhos para a sua prática, seu desenvolvimento e de seus alunos. Entendo que os programas de formação continuada poderiam, também, atribuir maior importância ao planejamento como instrumento orientador e de reflexão sobre a prática. Para Alarcão (2007), “o projeto educativo surge como o instrumento, por excelência, da construção da autonomia do estabelecimento de ensino (...)” (p. 86). Isso remete pensar em programas de formação continuada que trabalhem a questão da autonomia dos professores, para que saibam lidar com a realidade da sua escola e com as imposições e prescrições internas e externas a eles colocadas. Desta forma, segundo compreende Ritter-Pereira (2010), “na medida em que o professor conquista espaços coletivos de discussão, vai crescendo e amadurecendo sua autonomia e assumindo novas responsabilidades, inclusive a de abrir mão de listas de conteúdos sequenciados sempre na mesma lógica” (p. 136). Entendo ser importante que os programas de formação continuada, aliados à iniciativa e tomada de consciência dos professores, consigam problematizar as suas ações rotineiras para, a partir dessas, melhorar as seguintes. E se os espaços de formação continuada forem mediados por relações assimétricas, tem-se a possibilidade, segundo Ritter-Pereira (2010), “de ampliar as dimensões teóricometodológicas da profissão-professor e, como consequência, uma cultura docente mais autônoma se constituirá nas instituições de Educação Básica do país” (p. 145). A LDBEN/96, entre outras coisas, confere autonomia aos estabelecimentos de ensino para elaborarem, juntamente à comunidade escolar, sua proposta pedagógica na parte diversificada do currículo. Mas, o exercício da docência dos professores pesquisados é influenciado, em grande medida, pela sua condição de ser professor único e, portanto, sem interação com seus pares, e pela força dos exames de ingresso ao Ensino Superior. Deste modo, entendo que condições insuficientes para o exercício da autonomia reduz a capacidade dos professores de iniciativa e de tomada de decisão sobre a organização e desenvolvimento 91 do seu ensino, o que faz com que o ensino tradicional e a falta de motivação do docente quanto ao seu aperfeiçoamento profissional permaneçam. Então questiono: Que autonomia é essa, se a injunção de determinações externas os impede de exercê-la? Defendi ao longo desta escrita, juntamente com a literatura, de que o professor produza o seu conhecimento e ensino em sala de aula, produza o seu currículo e tenha condições de intervir nele, quando necessário. Mas os limites e as dificuldades são reais, manifestadas pelas falas dos professores, pelos seus apontamentos, queixas, angústias, sonhos. Conhecer tais características permite compreender a ação de um professor em circunstância especial e por isso, merecem ser divulgadas na comunidade científica com vistas a novas políticas de formação desses professores. Os resultados construídos a partir do estudo e análise dos documentos das escolas e dos professores, assim como das entrevistas com os mesmos, denotam que situações como as encontradas precisam ser divulgadas para que a profissão docente não passe a ser apenas mais uma profissão desvalorizada e, por conseguinte, mal sucedida. Posiciono-me desta maneira, pois a situação desses professores me faz repensar os caminhos da profissão que escolhi, antes mesmo de exercê-la. As categorias identificadas, segundo a metodologia adotada, permitiram compreender que a atuação, a formação e o desenvolvimento dos docentes estão diretamente atrelados à condição de trabalho isolada na escola e à força de programas de exames como o vestibular. Contudo, embora trabalhem seguindo o currículo básico do PEIES sem questioná-lo, os professores estão conscientes da necessidade de um trabalho coletivo, organizado e acima de tudo, com perspectiva de continuidade. Considero este um passo importante, ou o primeiro passo a ser dado pelos professores em nome da qualidade do ensino de Química oferecido aos seus alunos. A tomada de consciência pode impulsionar, motivar e encorajar os professores a buscarem de outras maneiras por interlocutores de interesses e preocupações semelhantes. E, por iniciativa própria, em conjunto e com o apoio da direção da escola, eles podem começar a modificar o quadro atual de trabalho isolado e solitário em que se encontram, buscando, repito, por acompanhamento em Universidades com profissionais preocupados e comprometidos com o ensino de Química no Brasil. Desta forma, podem obter ajuda referente, entre tantas, a propostas metodológicas que permitem abordar e aprofundar determinados conteúdos de modo que os estudantes consigam compreender e contextualizar os conceitos envolvidos. Convém esclarecer, portanto, que a realidade desses professores ainda tem muito a ser explorada. E que assim como eles, há muitos outros pelo Brasil em situação igual ou similar, 92 pois, segundo dados do Censo Populacional do IBGE 2010, dos 5565 municípios do país, 2061 possuem população inferior a 10 mil habitantes, como é o caso dos três municípios em que os professores participantes da pesquisa atuam. Desta forma, atrevo-me a dizer que a realidade de atuação dos professores pesquisados representa a realidade de muitos outros professores e escolas de outras regiões brasileiras, o que requer discutir novos caminhos para a Educação Básica, abrangendo principalmente discussões sobre a própria formação continuada, considerada uma lacuna a ser preenchida no caso estudado, o que demanda um repensar sobre a prática desses profissionais. Distante de ter esgotado as possibilidades de compreensão dessa situação problemática e de ter abarcado todas as questões que desencadearam a realização desta pesquisa, com certeza, muitas ainda ficam em aberto, até mesmo questões não formuladas. Sabe-se que o ensino oferecido aos estudantes é influenciado, em grande medida, pelas condições de atuação dos seus professores. Deste modo, permanece uma questão que apesar de pensada no início, não foi incluída na pesquisa por não ser seu objeto central, mas que num segundo momento pode ser aprofundada: Como estudantes em uma escola isolada de um município pequeno significam o conhecimento químico frente às características da sua região e à realidade de atuação dos seus professores? E diante desta questão e dos resultados construídos: O que tem de importante a oferecer a educação em Química na vida das pessoas para além de ser matéria de seleção eventual para determinado Curso Superior? 93 REFERÊNCIAS AGUIAR JR., O. Planejar o ensino considerando a perspectiva da aprendizagem: uma análise de abordagens didáticas na introdução à física térmica. Caderno Brasileiro do Ensino de Física, Vol.19, nº 2, Ago/2002, p. 219-241. ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2007. ARAÚJO, M. C.; AUTH, M. A.; MALDANER, O. A. 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Formação Continuada “Nas ‘Lições’ eles abordaram muito a prática no dia-a-dia, mas trabalhado em forma de grupos, e que esses temas não se baseiam diretamente só na disciplina de Química, era uma interdisciplinaridade, então, quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem visões de conhecimento do assunto. Mas por enquanto, é só organização verbal com o professor de biologia e matemática, a gente na verdade não sentou ainda por falta de tempo”. Formação Continuada “Eu acho que se a gente tivesse mais cursos por área e a gente se reunir com certeza os alunos sairiam ganhando também”. “Quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem mais visões de conhecimento do assunto, que caminhos a gente vai tomar com a Química e o que os outros professores podem te assessorar”. “Mas se mantesse essas ‘Lições do Rio Grande’ pelo menos uma vez por ano já bastaria para poder trabalhar o ano inteiro, antes de começar a aulas chegaria, porque seria com professores só de Química e daí se os professores de Biologia também fizessem o curso, depois na escola seria mais fácil, dava pra interagir com ele”. “Nas ‘Lições’ eles abordaram muito a prática no dia-a-dia, mas trabalhado em forma de grupos, era uma interdisciplinaridade”. Profª. Adriana Prof. Carlos “Da minha área muito pouco, mais é educação no geral. A única vez que eu gostei e participei de encontros de formação por área foi nas Lições do Rio Grande, foi muito bom, excelente, ótimo”. Formação Continuada Interação social e constituição do ser humano Formação Continuada Interação social e constituição do ser humano Formação Continuada “Eu acho que necessário seria encontro por área”. Formação Continuada “É só o dia-a-dia pra fazer a gente aprender, porque na faculdade não é o suficiente, não prepara suficiente”. Formação Continuada “Mas nós temos todo ano, a nossa escola com o município, é o “Inter redes”, é nós que organizamos com o município”. “Hum, em partes, mais ou menos, só com a graduação fica complicado, tem que estudar”. Formação Continuada Formação Continuada “Nos encontros de formação falam um pouco de tudo, de educação, bem geral assim, de química nunca teve nada aqui”. Formação Continuada “É importante para as competências que cabem ao profissional em sala de aula né, que tratem de assuntos que ajudem na profissão e formação de cada um, então tinha que ser cada um na sua área né, pra contribuir mesmo pra dar Formação Continuada 100 aula”. “Normalmente a formação continuada está sendo feita com o município, nós da escola do estado em parceria com a prefeitura que faz pros professores municipais”. Formação Continuada AÇÃO NA ESCOLA Prof. Luis “Na realidade a escola tem os livros né, a gente escolhe os livros que o MEC Planejamento manda pra escola”. da disciplina “Eu adoto apostila organizada, seleciono livros, trabalho com 6 ou 7 livros, Planejamento porque se trabalho um, às vezes no outro também tem coisas interessantes”. da disciplina “A apostila eu monto baseado nesses livros, o do Feltre, Marta Reis, Tito e Planejamento Canto e também alguma coisa dos livros aqueles da Unijuí, o Básico I e II de da disciplina atividades práticas”. “E tiro muita coisa da internet, atividades práticas”. Planejamento da disciplina “E a escola adota o PEIES, vem um cronograma, lista de atividades e é o mesmo que eu sempre tive no plano de trabalho, a lista de exercícios também, Planejamento então não altera muito, quase nada, na realidade já era o meu trabalho”. da disciplina Profª. Adriana “A gente vai em busca de falar com alguém, tem a professora de Biologia que é a que mais se aproxima e quando dá a gente conversa”. Interação social e constituição do ser humano “A partir da vivência dos alunos só quando nós começar trabalhar com as ‘Lições’, na realidade é isso aí, não se sabe bem quando ainda vamos Planejamento começar”. da disciplina “Eu converso muito com a professora de Biologia quando trabalhamos essas Interação social coisas de meio ambiente”. e constituição do ser humano “Eu busco em tudo que é lado, eu uso internet, outros livros, mas um livro só Planejamento eu não sigo, eles tem o livro pra suporte, até porque é muito conteúdo ali”. da disciplina Prof. Carlos “Eu procuro sempre englobar os conteúdos do PEIES que a escola segue”. “Eu trabalho com os conteúdos do PEIES”. Planejamento da disciplina Planejamento da disciplina “Quando dá, e não é sempre, procuro elaborar as aulas com conteúdos da Planejamento realidade deles, como meio ambiente, poluição, essas coisas, quando dá”. da disciplina “Eu sempre procuro conhecer o aluno né, mas aqui como é interior e são Planejamento praticamente todos iguais, daí eu trabalho mais com o PEIES que a escola quer da disciplina e tem já uma sequencia ali pra trabalhar, e envolve também a química do diaa-dia”. NECESSIDADES E OPORTUNIDADES Prof. Luis “Eu acho que a gente precisa é ter mais tempo de formação com professores da Formação área”. Continuada “A gente na realidade tá trabalhando isolado né, a gente não tem muito acesso Interação social a outros professores de Química”. e constituição do ser humano “Então, queremos começar inovar, é difícil porque a gente está sozinho e Formação 101 iniciando agora, e não são todos que fizeram as Lições”. Continuada “Mas como a gente não tem muita assessoria, então é difícil, a gente fica meio Interação social isolado”. e constituição do ser humano “Então eu vou pelo conhecimento que eu tenho durante a minha caminhada, Planejamento pela formação e conteúdos que a gente ganhou na graduação, é pouca coisa da disciplina que peço pros outros professores porque, não tem como, sou só eu de Química”. Profª. Adriana “Quando a gente sai a gente perde os períodos, depois se dá a gente recupera. Mas esse ano conversamos com a direção e ela entendeu que tinhamos o direito e ela nos ajudou, deixamos o material, deixamos trabalho e tivemos a liberdade daí pra fazer as ‘Lições’, mas foi só esta vez”. “Na minha área são poucos professores e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros uma oportunidade da gente conversar”. Formação Continuada Interação social e constituição do ser humano “Esse ano a gente trabalhou muito a reciclagem e meio ambiente, aí procuro Planejamento fazer alguma coisa nisso, mas nem sempre dá, tem uns (conteúdos) que eu não da disciplina consigo associar, exige muito tempo extra”. “É difícil a parte de saber se o que eu faço é certo, se faço de forma correta, se Interação social os alunos aprendem, não ter alguém do teu lado, não tem uma pessoa que e constituição poderia dizer como fazer”. do ser humano “Se eu sair para um curso de formação continuada, eu tenho que deixar uma Formação pessoa no meu lugar, não posso deixar atividade para a direção, eu tenho que Continuada conversar com outro professor e ele trabalhar pra mim e eu trabalho pra ele outra hora, mas a escola sempre deixa à vontade”. Prof. Carlos “Só que é difícil achar cursos na tua área, agora teve na URI a semana acadêmica do Curso de Química Industrial. Mas esses congressos são sempre muito longe, então eu busco na Internet maneiras de estar atualizada”. “Mas professor de química aqui só tem eu, fica difícil trabalhar assim, sem ninguém pra te auxiliar, tocar uma ideia”. Formação Continuada Interação social e constituição do ser humano “Se a gente quiser fazer algum curso por fora tem que recuperar os períodos e Formação é bem complicado deixar com outro professor”. Continuada 102 Quadro II – DOCUMENTOS (PPP e Planos de Estudo) Contexto Unidades de Significado Categorias Atualização e/ou contextualização Prof. Luis “Questionar a realidade formulando problemas e tratando de resolvê-los, Planejamento utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade da disciplina de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação” (PPP X). PPP X e Plano de “A Escola aderiu ao Programa Experimental de Ingresso ao Ensino Superior da Planejamento Universidade de Santa Maria” (PPP X). da disciplina Estudo “Os conteúdos precisam ser constantemente analisados e selecionados de acordo Planejamento com sua utilidade para a construção de um mundo melhor. Devem propiciar o da disciplina crescimento do ser humano. Devem exigir aprofundamento gradativo, observando-se o grau de dificuldades e, devem também, respeitar as limitações dos alunos com necessidades educacionais especiais” (PPP X). “A escola precisa resgatar a cultura local, valorizar a arte, combater o preconceito Planejamento e a discriminação, a fim de resgatar a dignidade da educação” (PPP X). da disciplina “O planejamento deve ser participativo e cooperativo” (PPP X). Planejamento da disciplina “Objetiva ensinar os fenômenos do mundo natural em diferentes espaços e Planejamento tempos, buscando explicações científicas de forma significativa avaliando as da disciplina transformações que o ser humano historicamente impõe à natureza, utilizando-se para isso de conhecimentos científicos” (PPP X). “Oportunizar participação aos professores, em cursos, palestras, seminários, Formação jornadas, a fim de aperfeiçoar e reciclar os docentes” (PPP X). Continuada “O estudo da Química deve permitir ao aluno observar a natureza e o meio onde Planejamento vive e identificar os fenômenos que ocorrem no seu dia-a-dia; relacionar o seu da disciplina cotidiano com a aula” (PPP X). “Os assuntos serão desenvolvidos de modo que o aluno possa a partir do seu Planejamento cotidiano relacionar, compreender e identificar fatos e fenômenos que acontecem da disciplina no mundo (...) e que a partir desse conhecimento construído sejam capazes de resolver situações apresentadas no cotidiano de sua comunidade ou família” (Plano de Estudo). Profª. Adriana O estudo da Ciência (Química, por exemplo), deve permitir ao aluno observar a natureza e o meio onde vive e identificar os fenômenos que ocorrem no seu dia-adia; relacionar o seu cotidiano com a aula (PPP X). “O planejamento deve ser construído de forma clara, objetiva, de modo interdisciplinar abrangente e coletivo, de acordo com a organização Curricular do Colégio e em consonância com sua Filosofia” (PPP Y). Planejamento da disciplina Planejamento da disciplina PPP Y e (meta) “Realização de palestras, debates e viagens com temas atuais que ampliem Planejamento Plano de o conhecimento, os horizontes e complementem os conteúdos estudados e da disciplina debatidos em sala-de-aula” (PPP Y). Estudo (Prioridade) “Promover, organizar e participar de Cursos de Formação que Formação atendam os interesses da educação e viabilizem os objetivos do Projeto Político Continuada Pedagógico, do Regimento Escolar, dos Planos de Estudo e da Legislação Vigente” (PPP Y). 103 “Para aplicação da prova final o professor deve selecionar os conteúdos que são Planejamento pré-requisitos para a série posterior e de relevância para o conhecimento” (PPP da disciplina Y). (Ensino Médio) “propõe a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania Planejamento oportunizando ao educando novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento” da disciplina (PPP Y). Prof. Carlos “No princípio e final de cada semestre são realizadas reuniões envolvendo toda a comunidade escolar para avaliar o período, em sentido pedagógico, cultural e financeiro e analisar a prática desenvolvida até o momento, bem como, discutir, avaliar, planejar novas ações, se for o caso” (PPP Y). “Necessitamos de planejamento escolar participativo, igualitário, crítico, criativo com conteúdos e metodologias voltadas para a realidade e o interesse do educando, com objetivos e metas alcançáveis a curto, médio e longo prazo” (PPP Z). Planejamento da disciplina Planejamento da disciplina PPP Z e Plano de “Constante processo de educação continuada, visando a atualização dos Formação conhecimentos conceituais e didáticos pedagógicos necessários para o Continuada Estudo desenvolvimento de um ensino de qualidade” (Plano de Estudo). “(Recursos) Livro didático, revistas, laboratório de informática, vídeos, internet” Planejamento (Plano de Estudo). da disciplina “Os conteúdos ensinados devem ser organizados, em sua lógica conceitual, levando em conta as possibilidades de aprendizagem dos alunos considerando Planejamento seus interesses, conhecimentos prévios e desenvolvimento cognitivo” (Plano de da disciplina Estudo). Quadro III – CATEGORIZAÇÃO Categorias Cruzamento das Unidades de Significado Professores e Documentos Formação Continuada “Se a gente quiser fazer algum curso por fora tem que recuperar os períodos e é bem complicado deixar com outro professor” (Carlos). “Se eu sair para um curso de formação continuada, eu tenho que deixar uma pessoa no meu lugar, não posso deixar atividade pra direção, eu tenho que conversar com outro professor e ele trabalhar pra mim e eu trabalho pra ele outra hora” (Adriana). “Só que é difícil achar cursos na tua área, agora teve na URI a semana acadêmica do Curso de Química Industrial. Mas esses congressos são sempre muito longe, então eu busco na Internet maneiras de estar atualizada” (Adriana). “Quando a gente sai a gente perde os períodos, depois se dá a gente recupera. Mas esse ano conversamos com a direção e ela entendeu que tínhamos o direito e ela nos ajudou, deixamos o material, deixamos trabalho e tivemos a liberdade daí pra sair e fazer os ‘Lições’, mas foi só esta vez” (Luis Q3h). “Eu acho que a gente precisa é ter mais tempo de formação com professores da área” (Luis). “Então, queremos começar inovar, é difícil porque a gente está sozinho e iniciando agora, e não são todos que fizeram as Lições” (Luis). “Hum, em partes, mais ou menos, só com a graduação fica complicado, tem que estudar” 104 (Carlos). “Nos encontros de formação falam um pouco de tudo, de educação, bem geral assim, de química nunca teve nada aqui” (Carlos). “É importante para as competências que cabem ao profissional em sala de aula né, que tratem de assuntos que ajudem na profissão e formação de cada um, então tinha que ser cada um na sua área né, pra contribuir mesmo pra dar aula” (Carlos). “Normalmente a formação continuada está sendo feita com o município, nós da escola do estado em parceria com a prefeitura que faz pros professores municipais” (Carlos). “Da minha área muito pouco, mais é educação né, no geral. A única vez que eu gostei e participei de encontros de formação por área foi nas Lições do Rio Grande, foi muito bom, excelente, ótimo” (Adriana). “Eu acho que necessário seria encontro por área. Isso é o que mais dificulta porque na minha área são poucos professores e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros uma oportunidade da gente conversar” (Adriana). “É só o dia-a-dia pra fazer a gente aprender, porque na faculdade não é o suficiente, não prepara suficiente” (Adriana). “Mas nós temos encontros todos os anos, a nossa escola com o município, é o “Inter redes”, é nós que organizamos com o município” (Adriana). “Curso de formação por área, olha, foi raro né, mas agora a gente teve em Palmeira das Missões o “Lições do RG”, daí esse foi válido porque a gente trabalhou específico com professores de Química e então a gente se reunia por área e é isso que falta bastante pra nós” (Luis). “Eu acho que se a gente tivesse mais cursos por área e a gente se reunir com certeza os alunos sairiam ganhando também” (Luis). “Mas se mantessem essas “Lições do RG” pelo menos uma vez por ano já bastaria pra poder trabalhar o ano inteiro, antes de começar a aulas chegaria, porque seria com professores só de Química e daí se os professores de Biologia também fizessem o curso, depois na escola seria mais fácil, dava pra interagir com eles” (Luis). Nos “Lições” eles abordaram muito a prática no dia-a-dia, mas trabalhado em forma de grupos, e que esses temas não se baseiam diretamente só na disciplina de Química, era uma interdisciplinaridade, então, quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem mais visões de conhecimento do assunto. Mas por enquanto, é só organização verbal com o professor de biologia e matemática, a gente na verdade não sentou ainda por falta de tempo. (Luis). “Constante processo de educação continuada, visando a atualização dos conhecimentos conceituais e didáticos pedagógicos necessários para o desenvolvimento de um ensino de qualidade” (Plano de Estudo Prof. Carlos). (Prioridade) “Promover, organizar e participar de Cursos de Formação que atendam os interesses da educação e viabilizem os objetivos do Projeto Político Pedagógico, do Regimento Escolar, dos Planos de Estudo e da Legislação Vigente” (PPP Y). “Oportunizar participação aos professores, em cursos, palestras, seminários, jornadas, a fim de aperfeiçoar e reciclar os docentes” (PPP X). 105 Interação social e constituição do ser humano “Quanto mais os professores trabalham em conjunto, mais a gente tem mais visões de conhecimento do assunto, que caminhos a gente vai tomar com a Química e o que os outros professores podem te assessorar” (Luis). “A gente vai em busca de falar com alguém, tem a professora de biologia que é a que mais se aproxima e quando dá a gente conversa” (Luis). “Eu converso muito com a professora de biologia quando trabalhamos essas coisas de meio ambiente” (Adriana). “A gente na realidade tá trabalhando isolado né, a gente não tem muito acesso a outros professores de Química” (Luis). “Mas como a gente não tem muita assessoria, então é difícil, a gente fica meio isolado né” (Luis). “Na minha área são poucos professores e a gente não se encontra, e se tivesse nesses encontros uma oportunidade da gente conversar” (Adriana). “É difícil a parte de saber se o que eu faço é certo, se faço de forma correta, se os alunos aprendem, não ter alguém do teu lado, não tem uma pessoa que poderia dizer como fazer” (Adriana). “Mas professor de química aqui só tem eu, fica difícil trabalhar assim, sem ninguém pra te auxiliar, tocar uma ideia” (Carlos). Planejamento “E a escola adota o Peies, vem um cronograma, lista de atividades e é o mesmo que eu da disciplina sempre tive né no plano de trabalho, a lista de exercícios também, então não altera muito, quase nada, na realidade já era o meu trabalho” (Luis). “E procuro sempre englobar os conteúdos do Peies que a escola segue” (Adriana). “Eu sempre procuro conhecer o aluno né, mas aqui como é interior e são praticamente todos iguais, daí eu trabalho mais com o Peies que a escola quer e tem já uma sequencia ali pra trabalhar, e envolve também a química do dia-a-dia” (Carlos). “Na realidade a escola tem os livros né, a gente escolhe os livros que o MEC manda pra escola” (Luis). “Eu adoto apostila organizada, seleciono livros, trabalho com 6 ou 7 livros, porque se trabalho um, às vezes no outro também tem coisas interessantes” (Luis). “A apostila eu monto baseado nesses livros, o do Feltre, Marta Reis, Tito e Canto e também alguma coisa dos livros aqueles da Unijuí, o Básico I e II de atividades práticas” (Luis). “E tiro muita coisa da internet, atividades práticas” (Luis). “A partir da vivência dos alunos só quando nós começar trabalhar com os “Lições”, na realidade é isso aí, não se sabe bem quando ainda vamos começar” (Luis). “Eu busco em tudo que é lado, eu uso internet, outros livros, mas um livro só eu não sigo, eles tem o livro pra suporte, até porque é muito conteúdo ali” (Adriana). “Quando dá, e não é sempre, procuro elaborar as aulas com conteúdos da realidade deles, como meio ambiente, poluição, essas coisas, quando dá” (Carlos). “Então eu vou pelo conhecimento que eu tenho durante a minha caminhada, pela formação e conteúdos que a gente ganhou na graduação, é pouca coisa que peço pros outros professores porque, não tem como, sou só eu de Química” (Luis). “Esse ano a gente trabalhou muito a reciclagem e meio ambiente, aí procuro fazer alguma 106 coisa nisso, mas nem sempre dá, tem uns (conteúdos) que eu não consigo associar, exige muito tempo extra” (Adriana). “(Recursos) Livro didático, revistas, laboratório de informática, vídeos, internet” (Plano de Estudo Prof. Carlos). “Os conteúdos ensinados devem ser organizados, em sua lógica conceitual, levando em conta as possibilidades de aprendizagem dos alunos considerando seus interesses, conhecimentos prévios e desenvolvimento cognitivo” (Plano de Estudo Prof. Carlos). “Os assuntos serão desenvolvidos de modo que o aluno possa a partir do seu cotidiano relacionar, compreender e identificar fatos e fenômenos que acontecem no mundo (...) e que a partir desse conhecimento construído sejam capazes de resolver situações apresentadas no cotidiano de sua comunidade ou família” (Plano de Estudo Prof. Luis). O estudo da Ciência (Química, por exemplo), deve permitir ao aluno observar a natureza e o meio onde vive e identificar os fenômenos que ocorrem no seu dia-a-dia; relacionar o seu cotidiano com a aula (PPP X). Necessitamos de planejamento escolar participativo, igualitário, crítico, criativo com conteúdos e metodologias voltadas para a realidade e o interesse do educando, com objetivos e metas alcançáveis a curto, médio e longo prazo (PPP Y). 107 Anexo I – Roteiro da Entrevista Semiestruturada com Professores Público alvo: Professores da disciplina de Química do Ensino Médio Registro: Gravação em áudio Objetivo da entrevista: A pesquisa visa conhecer o perfil formativo do professor de Química e características de sua ação em sala aula, considerado o contexto em que desenvolve sua prática. Termo de Consentimento: Deseja participar da pesquisa, de forma livre e esclarecida, respondendo as questões que serão gravadas? 1) Informações pessoais e profissionais a) Nome: b) Sexo: c) Formação (falar sobre a licenciatura, forma e local de realização, duração do Curso, ano da obtenção do título): d) Pós-Graduação (ano, instituição, Curso): e) Tempo de Atuação no Ensino Médio: f) Número de turmas de Ensino Médio em que atua: g) Atuação nesta Escola (regime de trabalho, carga horária semanal): h) Atua em outra Escola ou Instituição? (nível, turma, disciplina): 2) Sobre Formação Inicial e Continuada a) Sua Formação Inicial o preparou suficiente para atuar em sala de aula na disciplina de Química? b) Você participa de encontros de professores da sua área e/ou Cursos de Formação Continuada? Com que finalidade? Com que regularidade? Poderia citar os últimos? c) A Formação Continuada tem provocado alguma mudança na sua forma de trabalhar? Poderia citar em que? Tem ajudado você a enfrentar os problemas do cotidiano da sala de aula? d) O que você considera importante e necessário para que a Formação Continuada possa melhor contribuir para o seu desempenho profissional? e) Quais os conteúdos abordados nos Cursos de Formação Continuada e que contribuições trazem para sua atuação docente? A partir deles, consegue adotar estratégias inovadoras? Citar as principais. 108 3) Sobre a Ação na Escola a) Fale da sua trajetória como professor. b) Que conhecimentos tem sobre a legislação e os documentos oficiais (LDB, OCNEM, PCNEM, PPP da escola, Lições do Rio Grande), para poder planejar sua ação? c) Que informações teve desses documentos na Universidade durante o Curso de Formação Inicial? d) Como planeja suas atividades e elege os conteúdos/conceitos significativos para desenvolver nas aulas? e) Como se organiza para (re)construir sua proposta de ensino, interagir, trocar experiências, refletir e compreender sua ação? f) Além de possibilitar aos alunos o acesso ao conhecimento químico, como seleciona os conteúdos e os desenvolve, partindo de situações da vivência dos mesmos? g) Quais são as maiores dificuldades sentidas/enfrentadas por atuar sozinho na escola? h) Quais possibilidades de interação e aperfeiçoamento oferecidas/disponibilizadas pela escola? 109 Anexo II – Plano de Estudo (professor Luís) 1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO 1.1 NÍVEL DE ENSINO: Ensino Médio 1.2 NOME DA DISCIPLINA: Química 1.3 SÉRIE: 1ª, 2ª e 3ª 1.4 CARGA HORÁRIA: 2h/a semanais, 80 h/a anual 2- OBJETIVO GERAL DA ÁREA: orientar o aluno para ao final deste nível de ensino, possa posicionar-se de maneira construtiva, crítica, utilizando as diferentes habilidades, competências, valores e recursos tecnológicos, como fontes de informação para solucionar as situações problema do dia-a-dia do meio onde vive. 3- OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA: Oportunizar aos educandos desenvolver o raciocínio lógico e crítico, através de experiências e problemas apresentados, estabelecendo relações entre os temas durante o aprendizado. 4- METODOLOGIA: Os assuntos serão desenvolvidos com o objetivo de que o aluno possa, a partir do seu cotidiano, relacionar, compreender e identificar fatos e fenômenos que acontecem no mundo, que são explicados por teorias da física e que a partir desse conhecimento construído, sejam capazes de resolver situações apresentadas no cotidiano de sua comunidade o família. que seja capaz de reconhecer, exemplificar e descrever como objetos e instrumentos utilizados em nosso dia-a-dia foram criados, onde são empregados e como funcionam. OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA DE QUÍMICA 1ª SÉRIE: Reconhecer e compreender fenômenos que envolvem interações químicas, analisando e interpretando informações apresentadas em diferentes formas, como textos, tabelas e resultados de experimentos, descrevendo suas propriedades e eventos químicos, relacionando-os à descrição na linguagem corrente e fazendo uso apropriado de expressões características da linguagem química, propondo alternativas para questões que tenham relação com a disciplina. Além disso, argumentar e apresentar razões e justificativas que articulem, integrem e sistematizem o conhecimento químico, por meio de consulta e articulação de diferentes fontes de informação. CONTEÚDOS 1ª SÉRIE Composição e transformação dos sistemas materiais Objetivo da Química 110 Matéria, massa e energia Substâncias simples, compostas e alotrópicas Misturas Homogêneas e heterogêneas Principais processos de separação e fracionamento das misturas homogêneas e heterogêneas Fenômeno físico e químico Notação e nomenclatura química dos elementos Átomos, moléculas e íons Número Atômico Número de massa Isótopos, isóbaros, isótonos e isoeletrônicos Estrutura atômica Histórico do átomo Configuração eletrônica em níveis e subníveis de energia do átomo Tabela periódica Evolução da tabela periódica Classificação dos elementos na tabela periódica Propriedades periódicas dos elementos Ligações químicas Valência Ligação Iônica, covalente e metálica Polaridade das ligações Geometria molecular Ligação intermoleculares Número de oxidação Reações e funções inorgânicas Tipos de reações de combinação, decomposição, deslocamento e dupla troca Propriedades das funções inorgânicas Função ácido-base Classificação e nomenclatura doa ácidos, bases, sais e óxidos OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA DE QUÍMICA 2ª SÉRIE: Analisar e interpretar informações apresentadas em diferentes formas, como fórmulas e equações químicas, tabelas, esquemas e textos, reconhecendo símbolos, códigos e nomenclatura da disciplina, utilizando a escrita como modo de aprender, envolvendo especialmente produções organizadas como respostas e perguntas significativas, organizando e relacionando informações, para tomar decisões e construir argumentações. Com isso, articular, integrar e sistematizar o conhecimento químico ao de outras áreas no enfrentamento de problemas, selecionando procedimentos e estratégias adequadas para a solução. CONTEÚDOS 2ª SÉRIE Cálculo estequiométrico Massa atômica molecular Quantidade de matéria, massa molar Leis Ponderais - Lavoisier e Proust 111 Cálculo estequiométrico Soluções Estudo das Soluções Aspectos quantitativos Concentração das soluções Cálculo do título, concentração comum, densidade, molaridade e frações molares Mistura de soluções Pressão de vapor Osmose Termoquímica Entalpia Reações endotérmicas e exotérmicas Lei de Hess Nox Balanceamento de reações oxi-redução Cinética química Velocidade de reação Fatores que influenciam nas reações Tipos de catálise Equilíbrio químico pH Radioatividade Eletroquímica Eletrólise e pilhas OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA DE QUÍMICA 3ª SÉRIE: A turma deve mostrar interesse e participação nas relações ensino aprendizagem, para formarem um conceito amplo em suas atividades, voltado a uma formação sólida e ampla, que tenha foco principal as exigências da vida social e profissional, proporcionando a compreensão da Química presente no mundo vivencial, nos equipamentos e procedimentos tecnológicos, identificar questões e problemas a serem resolvidos, estimular a observação, classificação e organização dos fatos e fenômenos da natureza. Reconhecê-la como construção humana, aspectos de sua história e relações com o contexto cultural, social e na evolução do conhecimento científico, e possibilitando à turma a formulação e observação de seus próprios conceitos. CONTEÚDOS 3ª SÉRIE Compostos orgânicos Evolução da química orgânica Hibridização do carbono, boro e berílio Ligações entre átomos de carbono Classificação dos átomos de carbono Classificação das cadeias carbônicas Funções orgânicas Conceito, classificação, fórmula geral e nomenclatura oficial e usual dos compostos 112 Grupos orgânicos monovalentes Propriedades físicas: ponto de fusão, ponto de ebulição, solubilidade, densidade Aplicações dos compostos orgânicos Isomeria Isomeria Plana: cadeia, posição, função Isomeria espacial: geométrica e ótica Reatividade das moléculas orgânicas Tipos de ruptura entre átomos da molécula Efeito indutivo e mesomérico Teorias ácido-base Reagentes nucleofílicos e eletrofílicos Reações orgânicas Reações de substituição Reações de adição Reações de eliminação Reações de oxidação Química orgânica descritiva Petróleo e carvão Glícidios Lipídios: glicerídios e cerídios Aminoácidos : proteínas Polímeros Síntéticos